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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA


UNIVERSIDADE ESTADUAL DA BAHIA
FACULDADE DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS
FACULDADE DE SALVADOR

III Curso de
Neurotrauma
da Bahia
Módulo de Neurotrauma

TERCEIRA EDIÇÃO

Autores Capa e formatação Revisão Geral


Fernando Gouveia Karina de Oliveira Garcia Karina de Oliveira Garcia
Geibel Reis Junior Ricardo Zantieff Michel Franco Figueiredo
Leo Matias Vitória Lyra Nathália Bonfim Souza
Patrícia Santiago
Ricardo Zantieff Prefácio
Leo Matias

Curso de Neurotrauma

TERCEIRA EDIÇÃO

Palestrantes Heloísa Lopes Cohim Moreira


Dr. André Gusmão Cunha Irma Marine Aguiar da Silva
Dr. Igor Lima Maldonado Júlia Almeida de Melo
Dr. Júlio Cerqueira Sampaio Karina de Oliveira Garcia
Dra. Marcela Embiruçu Carvalho Krysna Pires Lessa
Laila Ribeiro Soares
Larissa Guimarães de A. Souza
Organização geral
Leonel Bomfim S. Rita
Gabriela Oliveira Barbosa
Lígia Bruna França Carneiro
Krysna Pires Lessa
Maria Eduarda A. J. de Carvalho
Patrícia Pontes Cruz Maria Júlia Colossi
Pedro Humberto F. da Souza F. Mariana Soares Pinheiro
Pedro Lins Palmeira Cardoso Marília Bazzo Catto
Tamiris Machado Barreto Matheus Fernandes da S. Medeiros
Matheus Reis Rosa
Monitores Michel Franco Figueiredo
Amanda dos H. M. Santos Natália Oliveira Lopes
Patrícia Pontes Cruz
Bruna Siqueira de A. B. Guimarães
Paula Baleeiro
Caio Oliveira do Carmo
Pedro Humberto F. da Souza F.
Carlos Eduardo Borges P. Neto
Pedro José Ramiro Muiños
Dandara Carvalho Moreira Pedro Lins Palmeira Cardoso
Dijalma Guedes Aguiar Raíza Barros Couto
Elis Souza dos Santos Renan Dourado Tínel
Emanoel Pires de Lima Rodrigo Pinheiro Leal Costa
Felipe Furtado Leite Tamiris Machado Barreto
Felipe Miranda Santos Victor Nóbrega de Oliveira
Gabriela Oliveira Barbosa Vitor Parente de Matos

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PREFÁCIO

O III Curso de Neurotrauma da Bahia é uma iniciativa conjunta da Liga Acadêmica


de Neurocirurgia da Bahia (LANC-BA) e da Liga Acadêmica do Trauma e Emergências
Médicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (LAEME-UFBA).
Voltado para estudantes de medicina, o curso tem como desafio contribuir para a
construção do conhecimento em duas áreas pouco abordadas na academia médica:
a emergência e a neurociência.

As deficiências no ensino da emergência são notadas em diversos centros do


nosso país, não obstante, também as são em nossa cidade, na qual o único hospital
escola não dispõe de pronto atendimento. Do outro lado, estão as neurociências que
tendem a ser renegadas pela maioria dos estudantes, fato conhecido,
internacionalmente, como “neurofobia”.

Adicionalmente, observa-se nas últimas décadas uma crescente no número de


vítimas de trauma, muitas das vezes com acometimento cefálico. Observa-se, portanto,
uma necessidade iminente de capacitação dos futuros médicos para o atendimento
deste tipo de paciente.

Organização do curso

O curso organiza-se em duas etapas: um embasamento teórico – com aulas


ministradas por profissionais da área experientes – e o treinamento prático – guiado por
estudantes (membros das ligas) previamente treinados. Com desenho priorizando o
aprendizado pela prática repetida, é condição sine qua non para o bom
desenvolvimento do curso que todos os participantes dispam-se de seus acanhamentos
e busquem realizar, da melhor maneira, todas as simulações preparadas.

Agradecimentos

As ligas organizadoras do curso desejam registrar sua sincera gratidão aos


palestrantes Dr. André Gusmão Cunha, Dr. Igor Lima Maldonado, Dr. Júlio Cerqueira
Sampaio e Dra. Marcela Embiruçu Carvalho, de incontestável renome, que abraçaram
a ideia deste curso desde a gestação do mesmo, sempre demonstrando interesse em
contribuir com sua realização.

Dezembro de 2015

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SUMÁRIO

1. ATENDIMENTO AO POLITRAUMATIZADO .................................................................................................. 6


1.1. IINTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 6
1.2. ATENDIMENTO INICIAL AO POLITRAUMATIZADO ................................................................................ 7
1.2.1. Preparação .................................................................................................................................... 7
1.2.2. Triagem .......................................................................................................................................... 8
1.2.3. Avaliação primária ......................................................................................................................... 8
1.3. ATENDIMENTO SECUNDÁRIO AO POLITRAUMATIZADO .................................................................... 14
1.4. TRATAMENTO DEFINITIVO ................................................................................................................. 15

2. TRAUMA RAQUIMEDULAR (TRM) ............................................................................................................ 16


2.1. IINTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 16
2.2. EPIDEMIOLOGIA.................................................................................................................................. 16
2.3. REVISÃO ANATÔMICA ........................................................................................................................ 17
2.3.1. Coluna vertebral .......................................................................................................................... 17
2.3.2. Medula espinhal .......................................................................................................................... 19
2.4. AVALIAÇÃO CLÍNICA ........................................................................................................................... 19
2.5. ANÁLISE SISTEMÁTICA DA IMAGEM ................................................................................................... 21
2.6. TIPOS DE LESÕES................................................................................................................................. 23
2.3.1. Luxação atlanto-occipital............................................................................................................. 23
2.3.2. Luxação atlanto-axial .................................................................................................................. 24
2.3.3. Fratura de C1 (atlas) .................................................................................................................... 25
2.3.4. Fratura de C2 (áxis)...................................................................................................................... 25
2.3.5. Fraturas e luxações de C3 a C7 .................................................................................................... 26
2.3.6. Fraturas em “lágrima” (teardrop)................................................................................................ 27
2.3.7. Fraturas da coluna torácica (T1 a T10) ........................................................................................ 27
2.7. FLUXOGRAMA ..................................................................................................................................... 28

3. TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO (TCE) ........................................................................................................ 29


3.1. IINTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 29
3.2. EPIDEMIOLOGIA.................................................................................................................................. 29
3.3. REVISÃO ANATÔMICA ........................................................................................................................ 30
3.3.1. Couro cabeludo ........................................................................................................................... 30
3.3.2. Crânio .......................................................................................................................................... 30

4
3.3.3. Meninges ..................................................................................................................................... 30
3.3.4. Encéfalo ....................................................................................................................................... 31
3.3.5. Sistema ventricular ...................................................................................................................... 31
3.4. REVISÃO FISIOLÓGICA ........................................................................................................................ 32
3.5. CLASSIFICAÇÃO DO TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO............................................................................ 34
3.5.1. Mecanismo da lesão .................................................................................................................... 34
3.5.2. Gravidade da lesão ...................................................................................................................... 34
3.5.3. Morfologia da lesão ..................................................................................................................... 34
3.6. REVISÃO FISIOLÓGICA ........................................................................................................................ 34
3.7. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE CRÂNIO ............................................................................... 35
3.5.1. Por que TC? ................................................................................................................................. 35
3.5.1. Quando pedir TC? ........................................................................................................................ 35
3.5.1. Características da imagem .......................................................................................................... 36
3.8. PRINCIPAIS LESÕES ............................................................................................................................. 36
3.5.1. Fluxograma das lesões................................................................................................................. 36
3.5.1. Lesões primárias .......................................................................................................................... 36
3.5.1. Lesões secundárias ...................................................................................................................... 40

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1. ATENDIMENTO INICIAL AO
POLITRAUMATIZADO
Ricardo Zantieff e Fernando Gouveia
Revisores: Renan Dourado Tínel e Paula Baleeiro

1.1. INTRODUÇÃO
Para entender a importância de um atendimento inicial ao politraumatizado
eficiente é preciso reconhecer o tamanho do problema de saúde com o qual estamos
lidando.

O trauma é a principal causa de morte até os 44 anos de idade. Cerca de 80% das
mortes de adolescentes e 60% dos óbitos
infantis são decorrentes do trauma, sendo
ainda a sétima causa de morte no idoso.
Apenas na quinta década de vida, as
causas de morte por neoplasia ou
doenças cardiovasculares competem
com o trauma. Não é nenhum exagero
afirmar que o trauma é a maior epidemia
horas semanas

do século XXI.

As mortes decorrentes do trauma se enquadram em um padrão que chamamos de


divisão trimodal das mortes:

 O primeiro pico de óbitos ocorre nos minutos iniciais seguintes ao evento. São
as mortes inevitáveis, aquelas decorrentes de lesões incompatíveis com a
vida. Nesses casos, a atuação dos socorristas é improdutiva e incapaz de
evitar a morte eminente. A única forma de combater esses óbitos é
a prevenção e a conscientização da população.
 O segundo pico de mortes ocorre de minutos até algumas horas após o
incidente. Aqui, entra o conceito de “Golden hour”, momento no qual a
ativação e intervenção do médico e, principalmente, do sistema de
emergência são fundamentais. É aqui que o atendimento inicial ao paciente
politraumatizado deve focar-se a fim de maximizar o número de

6
sobreviventes. Neste intervalo, acontecem as mortes por consequência de
lesões graves, porém, não letais se rapidamente tratadas.
 O terceiro pico de mortes ocorre dias depois do trauma, decorrentes de
falência múltiplas de órgãos e/ou complicações de procedimentos, muitas
vezes, por consequência de uma inadequada abordagem na “Golden
hour”.

Tendo em vista a dimensão da situação com a qual o atendimento ao traumatizado


lida, podemos perceber que as medidas iniciais ao trauma são de suma importância na
mudança de prognóstico para muitas vidas. As lesões associadas ao trauma costumam
ocorrer devido a uma cinemática importante, com grande dissipação de energia e, por
isso, normalmente, são lesões que colocam a vida do paciente em risco. Portanto, a
avaliação do doente vítima de um acidente requer objetividade e sistematização, de
maneira que seja facilmente revista e aplicada. Sendo assim, para melhor
gerenciamento das decisões tomadas, podemos dividir o atendimento ao paciente
vítima de trauma em algumas fases:

a) Preparação;
b) Triagem;
c) Avaliação Primária (ABCDE);
d) Avaliação Secundária e medidas auxiliares;
e) Tratamento definitivo.

1.2. ATENDIMENTO INICIAL AO POLITRAUMATIZADO


1.2.1.PREPARAÇÃO

O tempo é essencial e quanto mais rápido as decisões forem tomadas, maior será
a chance de sobrevida do paciente. Uma equipe de atendimento bem treinada e
entrosada é capaz de abordar o paciente, simultaneamente, em diversas frentes. Neste
grupo, cada profissional tem o seu valor e função, sendo do médico o papel do líder e
cabendo a ele tomar as decisões finais.

Uma parte fundamental da preparação é a comunicação entre a equipe pré-


hospitalar e o médico que irá receber o doente no ambiente intra-hospitalar. Este deve
estar ciente das condições do paciente, do mecanismo do trauma e das medidas
adotadas na cena, a fim de preparar a equipe para a chegada do paciente. Em um

7
sistema de saúde ideal, o intra-hospitalar estará com o leito liberado, com todos os
materiais testados e com a equipe pronta, esperando o doente chegar.

1.2.2. TRIAGEM

A triagem consiste na avaliação do doente com sua respectiva classificação de


risco para melhor gerenciamento dos recursos do serviço. É preciso saber qual o
tratamento necessário para o indivíduo, a fim de enviá-lo a um centro que atenda às
suas necessidades e, para isso, é importante que o médico tenha conhecimento da
dinâmica do sistema de saúde onde está inserido, assim como dos recursos oferecidos
pela unidade onde trabalha.

1.2.3. AVALIAÇÃO PRIMÁRIA

O manejo de um paciente vítima de politrauma é algo extremamente complexo. A


diversidade de lesões que podem ameaçar a vida e o dinamismo como o quadro evolui
imprime a necessidade de uma sistematização e constante reavaliação. A fim de
garantir maior agilidade e eficácia, a avaliação primária é organizada de tal forma que
se trate primeiro não a lesão mais grave ou com maior chance de óbito, mas sim, aquela
que primeiro levará a morte.

O atendimento deve seguir a ordem ABCDE, sendo que, a cada passo


dado, deve-se voltar para o “A” e reavaliar os itens já examinados. O tratamento dos
problemas identificados deve ser imediato e só se deve prosseguir para a avaliação
secundária quando o paciente estiver estabilizado.

 Vias Aéreas
Garantir a proteção e imobilização da coluna cervical e a permeabilidade das vias
aéreas superiores.

No processo de atendimento inicial ao paciente politraumatizado, a abordagem


das vias aéreas constitui-se na primeira etapa. Aqui todos os esforços devem focar-se na
identificação e resolução de qualquer obstrução ou possível futura obstrução das vias
aéreas.

O médico líder da equipe deve sempre abordar o paciente por traz de sua cabeça
enquanto imobiliza manualmente sua cervical. Caso o paciente não esteja em uso de
um colar cervical, a colocação deste deve ser o primeiro passo a ser dado. A proteção
da coluna cervical é primordial e a movimentação excessiva deve ser evitada a todo

8
custo. A imobilização manual deve continuar durante toda a avaliação, mesmo após a
colocação do colar, uma vez que este não priva o paciente de todos os movimentos.

A verificação da respiração deve ser feita vendo, ouvindo e sentindo,


respectivamente, a expansão simétrica do tórax, o som da respiração e o movimento do
ar expirado. Um paciente que consegue falar claramente tem uma via aérea patente e
é pouco provável a existência de alguma obstrução significativa. Contudo, a
reavaliação deve ser constante, uma vez que algumas condições podem, rapidamente,
deteriorar a permeabilidade desta via aérea.

A existência de ruídos ou estridores durante a respiração são sinais de alerta para a


obstrução da via aérea. A presença de corpos estranhos, fraturas faciais ou tráqueo-
laríngeas devem ser investigadas e solucionadas o mais breve possível. O
comportamento do paciente também deve ser observado: inquietação e agitação são
indicativos de hipóxia.

Algumas manobras simples podem ser executadas para garantir a permeabilidade


da via aérea: elevação do mento (chin lift) e tração da mandíbula (jaw thrust). Muitas
vezes, a obstrução pode ser causada pela presença de líquidos ou secreções na
orofaringe, sendo de extrema importância ter um aspirador de ponta rígido preparado
para uso. Caso as manobras não sejam suficientes para assegurar a permeabilidade da
via aérea, técnicas mais elaboradas, como o estabelecimento de uma via aérea
cirúrgica ou definitiva, podem ser utilizadas. Estas devem fazer parte do arsenal de todo
médico socorrista e este deve estar capacitado e disposto a realizar tais tarefas.

 Boa respiração
Fornecer um adequado suprimento de oxigênio e garantir
a troca gasosa.

Uma via aérea pérvia não necessariamente significa uma


boa troca gasosa. Uma boa ventilação exige o funcionamento
adequado dos pulmões, da parede torácica e diafragma. Por isso,
Elevação do mento (Chin lift)
nesta segunda etapa, deve-se focar na investigação e avaliação
de cada um destes componentes.

Todo paciente politraumatizado merece uma oferta


suplementar de oxigênio. Para realizar tal tarefa, algumas
ferramentas podem ser utilizadas como: cateter nasal, máscara de
Tração da mandíbula (Jaw thrust)
Venturi e máscara não reinalante com reservatório de O2.

9
A avaliação dos diversos componentes da ventilação deve ser feita de forma
objetiva:

 Inspeção: Exposição de todo o tórax e investigação de qualquer


anormalidade, ferida, hematoma, deformidades e movimentos assimétricos. O pescoço
também deve ser examinado, a centralização da traqueia e a presença de turgência
nas veias jugulares devem ser observadas.
 Palpação da caixa torácica à procura de fraturas e sangramentos.
 Percussão de ambos os hemitóraces em toda sua extensão. O som claro
pulmonar é o esperado. Caso haja um timpanismo exacerbado (som mais ecoado),
deve-se suspeitar da presença de ar na cavidade (pneumotórax); caso o som seja mais
maciço (som mais abafado), é um indicativo de líquido na cavidade (possível
hemotórax).
 Ausculta pulmonar em ambos hemitóraces em ápice e base. O murmúrio
vesicular é o som de normalidade. Caso ele esteja ausente ou diminuído, é um indício de
pneumotórax ou hemotórax.

Durante a avaliação da respiração, quatro lesões possivelmente fatais devem ser


investigadas e tratadas, cada uma delas com as suas especificidades: pneumotórax
hipertensivo, tórax instável, pneumotórax aberto e hemotórax maciço.

 Circulação
Investigar e conter hemorragias.
MOVer o paciente:
A hemorragia é a principal causa de morte em Monitorização
pacientes politraumatizados. Por isso, o controle de Oxigênio/Oximetria
Venóclise
sangramentos é essencial na avaliação do paciente. O
primeiro passo nesta direção deve ser a identificação de tal
situação. Até essa etapa, a monitorização do paciente deve ter sido realizada, ou seja,
MOVer o paciente. A observação dos sinais vitais é de grande valia para o diagnóstico
da instabilidade hemodinâmica, taquicardia, taquipneia, sudorese e cianose, que são
sinais clássicos de choque.

IMPORTANTE!!

A hipotensão é um sinal tardio de choque hipovolêmico aparecendo apenas na classe


III (ver tabela abaixo). Portanto, não devemos espera-la para iniciarmos nossas condutas.

10
Classificação do choque

Para balancear o volume de sangue perdido, uma postura de reposição volêmica


efetiva deve ser adotada: dois acessos venosos calibrosos devem ser feitos e a infusão
de soluções isotônicas (Ringer Lactato), preferencialmente aquecidas, deve ser iniciada
o quanto antes. A utilização de hemoderivados deve sempre ser considerada em
pacientes com choque grave (III e IV).

No momento da punção, é importante que amostras de sangue sejam colhidas


para fazer tipagem sanguínea, prova cruzada, exames laboratoriais, incluindo
toxicológico e teste de gravidez para todas as mulheres em idade fértil.

A infusão de líquidos deve ser agressiva, porém, eficaz. A dose habitual é de um a


dois litros no adulto. Contudo deve-se colocar na balança o benefício de restaurar a
perfusão dos órgãos através de infusão continua de grandes quantidades de soluções
isotônicas e o risco inerente de aumento de hemorragia, hemodiluição e consequente
coagulopatia, condição extremamente danosa para o paciente. Dessa forma, o
conceito de aceitar uma pressão sanguínea abaixo dos níveis normais considerando uma
adequada perfusão denomina-se hipotensão permissiva. Este deve ser colocado em
prática até o controle definitivo
do sangramento na exclusão
de suspeita de lesão do Sistema
Nervoso Central (SNC).

Para sistematizar o
atendimento, é importante ter
em mente as possíveis causas
de instabilidade hemodinâmica

11
do paciente. O choque hipovolêmico é a principal delas e deve ser colocada sempre
como primeira opção de diagnóstico. Para chegar a um nível que ameace a vida do
paciente, a perda de sangue deve ser considerável e não passará despercebida.
Apenas cinco “compartimentos” suportam um volume extraviado de sangue suficiente
para tal efeito:

 Tórax: já investigado e tratado anteriormente.


 Abdômen: sinais de irritação peritoneal e dor à palpação estarão presentes.
A utilização de métodos de imagem como FAST é recomendada.
 Pelve: testar estabilidade da pelve e, caso sua instabilidade seja
comprovada, imobilizá-la com uma cinta ou lençol comprimindo na região do trocanter.
Esta manobra é imprescindível para conter o sangramento pélvico.
 Fêmur: a fratura de ossos longos pode resultar em grandes perdas
sanguíneas. A redução da fratura e imobilização do membro são medidas fundamentais
nestas situações.
 Exterior: feridas sangrantes devem ser tratadas com curativos compressivos.
Em casos extremos em que a hemorragia não consegue ser controlada, a utilização de
torniquetes deve ser considerada.
OBS: Muitas vezes sangramentos abdominais, principalmente quando localizados
na região do retroperitônio, passam desapercebido ao exame físico e ao FAST. Portanto,
sangramento intra-abdominal é diagnostico de exclusão em pacientes que apresentam
sinais de choque hipovolêmico sem origem identificada.

Outras condições também devem ser investigadas como tamponamento cardíaco,


secundário a uma lesão perfurocortante do miocárdio, e o choque neurogênico,
consequência de uma lesão cervical alta. Estes são diagnósticos possíveis em uma
situação de hipotensão no trauma.

 Disfunção Neurológica
Avaliação da Escala de Coma de Glasgow (ECG) e pupilas.

Nesta etapa, deve-se fazer apenas uma rápida avaliação neurológica. Exames
mais minuciosos e direcionados devem ser realizados apenas na avaliação secundária.
Por hora, apenas a ECG, a descrição das pupilas e a sua fotorreação são suficientes.

Deve-se estar atento a fatores confundidores como hipoglicemia, ingestão de


álcool e outras drogas, que podem atrapalhar o exame neurológico.

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Escala de Coma de Glasgow

A ECG é usada como um importante escore de


ECG ≥ 13  TCE leve
gravidade. Esta ferramenta é extremamente útil para
ECG > 8 e <13  TCE moderado
avaliar o nível de consciência e gravidade da lesão ECG ≤ 8  TCE grave
neurológica. Paciente com ECG≤ 8, devido à gravidade
de sua lesão neurológica, são considerados incapazes de manter a competência de sua
via aérea e possuem uma chance consideravelmente maior de fazer broncoaspiração.
Devido a isso, estes pacientes tem indicação formal de intubação. A ECG deve ser
monitorada constantemente e qualquer rápida alteração deve ser acompanhada por
uma reavaliação do paciente.

Figura ilustrando as posições de decorticação e descerebração

 Exposição
Prevenir hipotermia.

Por fim, é importante fazer uma avaliação geral “da cabeça aos pés”. O paciente
deve ser despido e examinado por completo. A inspeção e palpação de todos os
membros devem ser feitas, objetivando a procura de feridas e lesões que passaram
despercebidas.

Caso não haja contraindicações, o paciente deve ser lateralizado para se observar
o dorso. Deve-se palpar toda a coluna vertebral.

Nesta etapa, o controle da hipotermia é imperativo.

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O paciente politraumatizado é vulnerável ao frio e, mesmo em uma temperatura
ambiente “agradável”, a perda de calor para o meio é considerável. Depois de despido,
o paciente deve ser aquecido e protegido com mantas térmicas ou cobertas, uma vez
que a hipotermia infringe um péssimo prognóstico e deve ser evitada a todo custo.

•Manter VA pérvia B •Identificar e conter D •Exposição do


•Estabilizar coluna hemorragias paciente
•Inspecionar •Exame de pupilas
cervical •P-P-P-H •Rotação em bloco
•Palpar •Glasgow
•Prevenir hipotermia
•Percutir
•Auscultar
A C E

Resumo da avaliação primária.

1.3. ATENDIMENTO SECUNDÁRIO


O atendimento secundário do paciente politraumatizado consiste, basicamente,
de um exame físico completo, em sentido crânio-caudal, além de obter uma história
básica sobre o indivíduo com informações relevantes para o tratamento. Neste
momento, deve ser questionada a necessidade de exames de imagem e a “série
trauma” (Rx de coluna cervical, Rx de tórax e Rx de pelve) deve ser pedida para todos
pacientes com uma história de acidente com cinemática importante.

Como mencionado, o exame deve começar pela cabeça à procura de lesões em


couro cabeludo e em face. Seguindo, observa-se o pescoço, o tórax, abdome e
membros superiores à procura de fraturas ou lesões perfurocortantes que necessitem de
tratamento. Continuando o exame secundário, observa-se a região de períneo à procura
de algum sinal de sangramento que leve a suspeita de trauma em vias urinárias. Caso
não haja contra indicações, deve ser introduzida uma sonda urinária para controlar o
débito, importante indicador da volemia e perfusão tecidual. O exame secundário
termina com a observação dos membros inferiores, mais uma vez à procura de fraturas e
cortes que necessitem de tratamento.

Com relação à história a ser colhida, costuma-se utilizar o mnemônico SAMPLA para
facilitar e ajudar na lembrança dos tópicos a serem abordados durante a breve
anamnese.

14
Sinais vitais e Sintomas: Aqui se observam os sinais vitais do paciente tais como
pressão arterial, frequência cardíaca, saturação de O2, frequência respiratória. Além
disso, questiona-se ao paciente sobre possíveis sintomas decorrentes do trauma que ele
possa estar sentindo.

Alergias: É necessário interrogar a vítima sobre alergias a medicações para não


causar iatrogenia ao paciente. Caso o mesmo esteja impossibilitado de se comunicar, o
acompanhante pode ser de grande valia.

Medicações: Deve-se colher a informação para saber se o paciente fazia uso de


alguma medicação previamente. Isso indica possíveis doenças prévias da vítima, além
de impedir interações medicamentosas com as drogas utilizadas no momento.

Patologias pregressas e Prenhez: Deve-se pesquisar sobre patologias pregressas,


além de, nas vítimas do sexo feminino, perguntar sobre a possibilidade de gravidez. Essas
informações podem ser cruciais para a mudança de conduta por parte dos médicos.

Líquidos e alimentação: Pacientes vítimas de trauma são candidatos a


procedimentos cirúrgicos com a necessidade de indução anestésica. Devido ao risco de
broncoaspiração, deve-se questionar a quanto tempo o paciente fez ingestão de
líquidos e de alimentos, a fim de informar o anestesista.

Ambiente: Por fim, é preciso perguntar ao acidentado o que realmente ocorreu na


cena do trauma. Entender o mecanismo do trauma e os motivos que levaram ao mesmo
pode ser essencial na busca de determinada lesão.

1.4. TRATAMENTO DEFINITIVO


Após a busca ativa pelas informações do paciente, deve-se decidir quais os
tratamentos definitivos para os tipos de lesões apresentadas por cada paciente. Caso
haja necessidade de intervenção cirúrgica, o centro deve ser avisado o mais rápido
possível para que a equipe se prepare. Em pacientes menos graves, medidas
conservadoras e menos invasivas devem ser adotadas.

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2. TRAUMA RAQUIMEDULAR (TRM)
Geibel Reis e Patrícia Santiago
Revisor: Matheus Reis Rosa

2.1. INTRODUÇÃO
O trauma raquimedular (TRM) ou trauma vértebro-medular é caracterizado por
uma lesão da coluna vertebral ou da medula espinhal secundário a trauma mecânico.
Trata-se de uma doença de caráter não degenerativo, não congênito e que, a
depender da intensidade do trauma e das condutas médicas tomadas, pode levar a
consequências de efeito permanente ou temporário.

É essencial a realização da abordagem inicial (ABCDE) ao paciente vítima de TRM,


bem como a realização de um exame secundário direcionado e, se necessário,
realização de exame radiológico.

Existem algumas maneiras de proceder com a investigação radiológica do


paciente vítima de TRM, sendo a principal delas, pelo custo mais baixo e facilidade de
execução, a radiografia de coluna cervical. Outras investigações como tomografia
computadorizada (TC) de coluna cervical, assim como TC e ressonância magnética
(RNM) de toda coluna podem ser utilizadas a depender do caso.

É importante, portanto, reconhecer o TRM e suas consequências, bem como as


condutas que envolvem o tratamento e manejo desses pacientes. Estas e outros pontos
de interesse serão expostos com mais detalhes ao longo do capítulo.

2.2. EDIPEMIOLOGIA
O TRM possui um perfil de relação muito próximo com o trauma cranioencefálico
(TCE). Aproximadamente 5% dos pacientes vítimas de TCE possuem TRM associado ao
quadro e cerca de 30% dos pacientes vítimas de TRM tem um TCE associado.

Dados nacionais são difíceis de serem encontrados, uma vez que são, geralmente,
agrupados juntamente com outros tipos de trauma em um grupo nomeado “causa
externa”. Isso dificulta o conhecimento acerca de incidência e prevalência dessa
doença e suas diversidades epidemiológicas em relação ao continental Brasil.

16
Apesar da grande singularidade local em relação à incidência e mecanismos de
trauma, parece haver um consenso em relação à ocorrência desses tipos de trauma, na
maior parte dos casos, em pacientes do sexo masculino e jovens. Isso ocorre pela grande
ligação entre esse gênero e idade referentes ao uso de automóveis e motocicletas –
principais agentes causais para o TRM.

Grandes gastos são gerados para a população e para os sistemas de saúde todo
ano. Isso sem levar em conta prejuízos, difíceis de estimar, relacionados aos anos
produtivos perdidos – com destaque para a população pediátrica.

A etiologia do TRM é diversa, podendo incluir acidentes automobilísticos,


motociclísticos, quedas, acidente por projétil de arma de fogo (PAF) ou por ferimento por
arma branca (FAB), dentre outros. A incidência desses fatores causais varia por área
geográfica, bem como por faixa etária, com destaque para os acidentes no trânsito,
principalmente, aqueles que envolvem motocicletas.

2.3. REVISÃO ANATÔMICA


Revisar a anatomia é importante para o entendimento de conceitos que serão
expostos a seguir. A anatomia em questão envolve a coluna vertebral e a medula
espinhal.

2.3.1. COLUNA VERTEBRAL

A coluna vertebral é formada


por 33 vértebras: 7 cervicais, 12
torácicas, 5 lombares, 5 sacrais e 4
coccígeas. Geralmente, uma
vértebra possui corpo vertebral, dois
pedículos, duas lâminas, dois
processos transversos, um processo
espinhoso e facetas articulares –
criando interface com outras
vértebras e com as costelas. As
lâminas e os pedículos formam o
forame vertebral que, com a
sobreposição das vértebras, formam Figura 1 – Anatomia geral
da coluna vertebral

17
o canal vertebral. Os corpos vertebrais são separados e articulados entre si pelos discos
intervertebrais.

Figura 2 – Vértebra cervical Figura 3 – Vértebra torácica Figura 4 – Vértebra lombar

Algumas vértebras possuem peculiaridades, a exemplo da primeira e da segunda


vértebras cervicais. A primeira vértebra cervical (C1), denominada atlas, não possui
corpo e nem processo espinhoso, ela possui massas laterais que se articulam com os
côndilos occipitais. O atlas se articula com C2 (áxis). Esta vertebra é a única que possui o
processo ondotóide, que situa-se anteriormente à medula espinhal e serve como eixo em
torno do qual ocorre a rotação da cabeça. Auxiliando esse processo, o ligamento
transverso garante e mantém a articulação entre essas duas vértebras, possibilitando,
ainda, grande amplitude no movimento de rotação entre si.

Figura 5 – Atlas visão superior Figura 6 – Atlas visão inferior

Figura 7 – Áxis visão anterior Figura 8 – Áxis visão posterior

18
2.3.2. MEDULA ESPINHAL

A medula espinhal é a continuação do tecido nervoso do tronco encefálico, mais


precisamente do bulbo. Tem seu limite inferior em torno do nível da vértebra L1. Abaixo
desse nível, ocorre a cauda equina, formada pelas raízes nervosas dos últimos nervos
espinhais.

São muitos os tratos e vias nervosas que passam dentro dos diferentes funículos da
medula espinhal. Todavia, não é objetivo desse capítulo aprofundar-se nessas questões.
Chamam atenção os seguintes tratos: corticoespinhal, espinotalâmicos e os fascículos
da coluna dorsal (grácil e cuneiforme). De maneira muito simples, o trato corticoespinhal
é responsável por levar estímulos referentes à força motora, os espinotalâmicos são
responsáveis por transmitir estímulos referentes à dor, tato e temperatura e os fascículos
da coluna dorsal são responsáveis por enviar estímulos ao encéfalo referentes à
propriocepção, sensibilidade vibratória e estímulos táteis.

Figura 9 – Principais tratos da medula espinhal

2.4. AVALIAÇÃO CLÍNICA


Para a avaliação clínica do paciente vítima de trauma e portador de uma possível
lesão na medula espinhal, é necessário realizar,
Tabela 1 Miótomos e músculos chaves
primeiramente, o “ABCDE” do trauma. Vale
C5 Músculo Deltoide
ressaltar que, durante essa avaliação primária, as
C6 Extensores do Punho
medidas de reanimação devem ser adotadas
C7 Extensores do Cotovelo
conforme são diagnosticados os problemas que
ameaçam a vida do paciente. Posteriormente, C8 Flexores dos Dedos

realiza-se a avaliação secundária do indivíduo T1 Abdutores do Dedo Mínimo

(exame minucioso, “da cabeça aos pés”) e obtém- L2 Flexores do Quadril

se a história “SAMPLA”. Nesse momento, desde que L3-L4 Extensores do Joelho


o paciente encontre-se estável e, com base no
L4-S1 Flexores do Joelho
mecanismo do trauma sofrido, podem ser
L5 Extensores longos do Hálux
solicitados exames de imagem (por exemplo, a
S1 Flexores plantares do tornozelo

19
radiografia da coluna cervical) que irão guiar o diagnóstico e tratamento de uma
possível lesão.

Figura 10 – Dermátomos

Durante a avaliação secundária, e, considerando uma possível lesão neurológica,


é importante realizar o exame do sensório do paciente, observando o nível sensitivo e
motor que se encontra alterado (figura 10 e tabela 1). Além disso, deve-se lembrar que o
indivíduo vítima de TRM pode encontrar-se em choque medular, condição na qual a
medula parece totalmente desprovida de função, com flacidez e perda de reflexos
generalizada. Nessa situação, não é possível determinar, com exatidão, qual foi o nível
da lesão neurológica sofrida, devendo o avaliador reavaliar o paciente continuamente
até que este não mais esteja em choque medular e seu exame neurológico possa ser
corretamente interpretado.

Também deve ser considerado que pacientes vítimas de trauma na coluna


cervical podem apresentar choque neurogênico. Essa condição clínica resulta de trauma
das vias simpáticas descendentes (cervical ou torácica alta), o que gera perda do tônus
vasomotor e da inervação simpática do coração. É importante reconhecer que o
paciente apresenta esse tipo de choque, a fim de não tratá-lo como portador de choque
hipovolêmico, tendo em vista que a infusão contínua de líquidos no indivíduo com
choque neurogênico acarreta sobrecarga hídrica e edema agudo de pulmão. Dessa
forma, pode diferenciar esses dois tipos de choque basicamente pelas seguintes
características:

20
 Choque hipovolêmico: hipotensão, frequência cardíaca aumentada e
extremidades frias
 Choque neurogênico: hipotensão, frequência cardíaca diminuída e
extremidades quentes

2.5. ANÁLISE SISTEMÁTICA DA IMAGEM


Considerando um paciente politraumatizado, o estudo de imagem da coluna
cervical deve ser sempre solicitado, exceto se: o indivíduo encontra-se acordado e
alerta, neurologicamente normal, sem evidências de intoxicação alcoólica ou por
drogas e sem referir dor na região cervical. Nesses casos, deve-se remover o colar cervical
do paciente, realizar a palpação da região posterior do pescoço (ao longo de toda a
extensão da coluna, céfalo-caudalmente, e em cada processo espinhoso), observando
se há sensação dolorosa no indivíduo. Caso a resposta continue sendo negativa, solicita-
se que o paciente movimente ativamente a coluna cervical (movimentos de
lateralização e flexão/extensão). Se o politraumatizado consegue realizar a
movimentação ativa e esta ocorre sem dor ou crepitações, deve-se proceder a
movimentação passiva (feita pelo examinador), lembrando de nunca forçar o pescoço
quando houver resistência. Assim, estando todas as etapas do exame sem alterações, o
paciente pode permanecer sem o colar cervical e o exame de imagem da coluna
cervical não se faz necessário, pois um trauma raquimedular (TRM), nestes casos, torna-
se extremamente improvável.

Havendo indicação de estudo radiológico da coluna cervical, deve-se solicitar


tomografia axial com cortes finos desde o occipício até T1, nos locais com essa
tecnologia disponível. Caso esse exame não esteja disponível, deve-se realizar
radiografia nas três incidências: perfil (Figura 11), ântero-posterior (AP) (Figura 12) e
transoral (Figura 13), sendo a incidência lateral (perfil) a mais utilizada na prática médica
e a transoral particularmente importante para avaliação do processo odontoide. Após a
identificação de áreas suspeitas nas radiografias, imagens axiais de TC com cortes finos
devem ser realizadas nessas regiões específicas.

No caso dos pacientes que referirem dores cervicais mas os exames de imagem
estiverem normais, deve-se realizar ressonância magnética ou radiografias com
extensão-flexão ou serem tratados com colar cervical semirrígido durante 2 a 3 semanas
com repetição dos exames clínicos e de imagem.

21
Figura 11 – Incidência em Figura 12 – Incidência
perfil. ântero-posterior (AP).

Figura 13 – Incidência transoral.

Dispondo de uma radiografia da coluna cervical de um paciente vítima de


trauma, é importante saber interpretá-la de forma rápida e sistematizada, sem deixar
passar despercebida uma possível lesão nesta área. Com esse intuito, utiliza-se o
mnemônico do “ABCDE” do trauma para a análise sistemática da imagem:

Figura 15 – Manobra de tração dos membros superiores.

Figura 14 – Posição do nadador.

22
Adequação e Alinhamento: Observar se a radiografia inclui toda a extensão entre
a base do crânio até a junção C7-T1, bem como o alinhamento das linhas e curvaturas
anatômicas da coluna cervical, procurando possíveis luxações. Algumas manobras,
realizadas durante o exame radiológico, permitem a obtenção de uma imagem mais
adequada, como a posição do nadador (Figura 14) e tração dos membros superiores
(Figura 15).

Bone (osso): Procurar por linhas de fraturas (hipodensas) e sinais de aumento de


densidade, que podem sugerir fraturas por compressão.

Canal medular: Observar se o canal medular está alinhado e sem sinais de corpos
estranhos, osso ou massa no seu interior.

Disco intervertebral: Avaliar os espaços entre os corpos intervertebrais, os quais


devem ser uniformes e equidistantes.

Edema de partes moles: Analisar se existe edema nos espaços retrofaríngeo,


nasofaríngeo e retrotraqueal, sendo que, a nível de C3, a espessura normal é de até 7mm,
e, em C7, até 3cm.

2.6. TIPOS DE LESÕES


Lesões agudas na coluna cervical podem ser decorrentes de uma ampla
variedade de mecanismos (ocorrendo de forma isolada ou simultânea), por exemplo:
flexão, extensão, compressão axial, tração, rotação e flexão lateral. Dessa forma, diversos
tipos de traumatismos podem acometer essa região da coluna. Abaixo, serão abordadas
algumas lesões específicas da coluna cervical.

2.6.1. LUXAÇÃO ATLANTO-OCCIPITAL

Flexão excessiva ou tração da coluna cervical podem resultar em deslocamento


instável atlanto-occipital, com ou sem fratura do processo odontoide associada. Tais
disjunções crânio-cervicais não são muito frequentes, e a maioria dos pacientes morre
imediatamente devido à lesão do tronco cerebral e apneia. Esse tipo de lesão é
importante causa de morte na chamada “Síndrome do bebê sacudido”, na qual o
balanço excessivo das vítimas gera sua morte imediata. A conduta nesse tipo de
traumatismo é imobilizar a coluna cervical, sem tentar tracionar e reduzir a lesão.

23
Figura 16 – Luxação Atlanto-Occipital.

Figura 17 – Power’s Ratio.

Na radiografia, observa-se que o côndilo occipital encontra-se deslocado


anteriormente e deixa de se articular de forma congruente com a vértebra C1. Existem
algumas medidas utilizadas para determinar a presença de luxação atlanto-occipital em
uma radiografia em perfil da coluna cervical. Contudo, a acurácia e concordância entre
observadores não foram bem estudadas em pacientes vítimas de trauma.

O Power’s Ratio (Figura 17) é comumente utilizado para mensurar o deslocamento


da vértebra Atlas (C1) em relação ao crânio e leva em consideração a razão BC/AO,
que, em indivíduos normais, deve ser menor ou igual a 1; sendo BC a distância entre a
base do crânio (B) e o arco posterior de C1 (C), e AO a medida entre o arco anterior de
C1 (A) e o opístono (O – margem posterior do forame magno). Uma razão maior que 1
sugere subluxação anterior.

2.6.2. LUXAÇÃO ATLANTO-AXIAL

O deslocamento rotatório atlanto-axial é uma lesão


instável, causada por um mecanismo de flexão-rotação,
sendo melhor visualizada através da incidência transoral da
radiografia de coluna cervical. Também chamada de
subluxação por rotação em C1, essa lesão é mais comum em
crianças e o indivíduo apresenta-se com “torcicolo” (cabeça
persistentemente rotacionada). Observa-se, na radiografia
transoral, que o processo odontoide de C2 não se encontra
equidistante das massas laterais de C1 (Figura 18). O paciente Figura 18 – Luxação Atlanto-Axial.

não deve ser forçado a posicionar a cabeça corretamente.


A coluna deve ser imobilizada na posição em que se encontra e o paciente
encaminhado a um centro para tratamento especializado.

24
2.6.3. FRATURAS DE C1 (ATLAS)

A lesão mais comum de C1 é a chamada “Fratura de Jefferson” (por explosão da


vértebra) (Figuras 19), a qual é extremamente instável e ocorre quando uma força
vertical compressiva é transmitida através dos côndilos occipitais para as massas laterais
de C1. Essa força gera fratura dos arcos anterior e posterior do Atlas, com consequente
deslocamento lateral das massas laterais dessa vértebra. Pode haver ou não lesão do
ligamento transverso associada, sendo que a presença de ruptura ligamentosa indica
instabilidade. Na incidência transoral da radiografia cervical, observa-se que as massas
de C1 posicionam-se laterais em relação às margens externas dos pilares articulares de
C2, havendo, assim, um desalinhamento entre essas vértebras (Figura 20).

Figura 19 – Esquema demonstrando a Fratura de Jefferson.

Figura 20 – Fratura de Jefferson.

Além da Fratura de Jefferson, outros tipos de lesões acometendo apenas um dos


arcos de C1 (por exemplo, fratura do arco posterior de C1 devido à extensão forçada do
pescoço) ou suas massas laterais também podem ocorrer e não são infrequentes. Tais
fraturas tendem a ser estáveis, no entanto, devem ser tratadas como instáveis, até a
avaliação do especialista.

2.6.4. FRATURAS DE C2 (ÁXIS)

Fraturas agudas de C2 são responsáveis por cerca de 18% de todas as lesões da


coluna cervical, sendo que a maior parte das fraturas do Áxis (aproximadamente 60%)
envolve o seu processo odontoide. A lesão desta estrutura resulta de flexão ou extensão
forçada da cabeça em um plano ântero-posterior (sagital), e pode ser classificada em
três tipos (Figura 21):

 Tipo I – acima do ligamento transverso (acometendo a extremidade do


dente do Áxis), sendo raras e estáveis;
 Tipo II – mais comuns, envolvendo a base do processo odontoide (figura 22);
 Tipo III – há lesão na base do processo odontoide, que se estende
obliquamente até a parte superior do corpo de C2.

25
As fraturas do dente do Áxis são melhor visualizadas na incidência transoral, na
qual observa-se uma linha escura (hipodensa) de fratura nesta região. Deve-se ter
cuidado ao analisar radiografias de crianças menores de seis anos, pois a presença de
epífise óssea pode ser confundida com lesão do tipo II.

Figura 22 – Fratura de processo


Figura ... – Fratura do processo espinhoso tipo 2.
odontóide de C2 – tipo II. Figura 23 – Subluxação entre C5
e C6.
Figura 21 – Classificação das fraturas do
processo odontoide de C2.

As fraturas de C2 também podem envolver os elementos


posteriores dessa vértebra, resultando de extensão excessiva do
pescoço (mecanismo encontrado na fratura do enforcado).

Figura 24 – Fratura do
processo espinhoso de C2.

2.6.5. FRATURAS E LUXAÇÕES DE C3 A C7

Em indivíduos adultos, o local mais comum onde ocorrem fraturas da coluna


cervical é na vértebra C5, sendo a transição entre C5 e C6 a mais acometida por
subluxações (Figura 23). Na extensão de todas essas vértebras, podem ocorrer diversos
mecanismos de lesão, desde fraturas de corpos vertebrais, subluxações de facetas
articulares, fraturas de processos espinhosos, lâminas, massas laterais, até rupturas de
ligamentos sem quaisquer fraturas ou subluxações associadas (condição rara).

 Fratura de processo espinhoso de uma vértebra cervical baixa isolada é


comum em pacientes vítimas de trauma direto na região posterior do
pescoço, além daqueles que sofrem colisão de veículo automotor, com
desaceleração brusca gerando flexão forçada da coluna.

26
 Fraturas de corpos vertebrais por explosão resultam de forças axiais
compressivas exercidas na coluna, que podem originar-se de cima (crânio)
ou inferiormente (através da pelve ou dos pés). Quando o núcleo pulposo
do disco intervertebral comprimido é forçado em direção ao corpo
vertebral, este é esmagado e quebrado em pedaços espalhados para fora,
caracterizando a fratura em explosão.
 Fraturas laminares da coluna cervical ocorrem, em sua maioria, associadas
a outros tipos de fraturas. Apesar de raras, as fraturas isoladas de lâminas
vertebrais tendem a ser estáveis e podem ser tratadas de forma
conservadora, com imobilização através de colar cervical.

2.6.6. FRATURAS EM “LÁGRIMA” (TEARDROP)

As fraturas em “lágrima” (Figura 25) podem ser em flexão ou


extensão. A lesão em flexão ocorre quando a coluna é flexionada
e comprimida severamente, fazendo com que um corpo vertebral
colida com o outro inferiormente. Esse impacto gera o
deslocamento anterior de um fragmento em forma de cunha (o
qual lembra o formato de uma lágrima), originado da porção
ântero-inferior da vértebra superior. A lesão em flexão tende a
Figura 25 – Fratura em lágrima.
acometer a coluna cervical baixa.

As fraturas por extensão ocorrem quando a coluna é estendida abruptamente e


faz com que o ligamento longitudinal anterior avulsione o canto do corpo vertebral,
produzindo um fragmento ósseo triangular. A lesão em extensão acomete,
principalmente, a vértebra C2 e possui aparência radiográfica similar ao trauma por
flexão.

2.6.7. FRATURAS DA COLUNA TORÁCICA (T1 A T10)

Essas fraturas podem ser classificadas em 4


grupos:

 Lesões em cunha por compressão anterior:


causadas por sobrecarga axial associada à
flexão. Costuma ser uma fratura estável.
 Lesões por explosão do corpo vertebral:
causadas pela compressão vertical axial.
 Fraturas de Chance: causadas por flexão
sobre um eixo anterior à coluna vertebral Figura 26 – Fratura de Chance.

27
(como em acidentes automobilísticos em que o doente é contido apenas pelo
cinto abdominal). São fraturas transversais do corpo vertebral.
 Fraturas-luxações: são raras. Normalmente causadas por flexão extrema ou
trauma contuso greve da coluna, produzindo ruptura dos pedículos, facetas e
lâminas.

2.7. FLUXOGRAMA

28
3. TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO (TCE)
Geibel Reis e Leo Matias
Revisor: Lígia Bruna França Carneiro

3.1. INTRODUÇÃO
O trauma cranioencefálico (TCE) é caracterizado por lesão ao parênquima
cereb3al decorrente de um trauma mecânico. As consequências do TCE variam de
acordo com a gravidade da lesão e com inúmeros outros elementos que também irTem
atribuições não degenerativas e não congênitas, podendo ter efeito permanente ou
efêmero, a depender da gravidade do trauma. Pode afetar diversas funções como
cognição, funções psicomotoras e nível de consciência.
Reconhecer o TCE e suas consequências, bem como avaliar, adequadamente, o
paciente acometido por essa injúria é indispensável para o médico que lida com
situações de emergência e trauma no seu dia-dia. Essas e outras questões serão expostas
com mais detalhes ao longo do capítulo.

3.2. EPIDEMIOLOGIA
O TCE é a principal causa de morbidade e mortalidade na população mundial.
Dados americanos mostram que cerca de 500 mil entradas nas unidades de atendimento
de emergência são por conta desse tipo de trauma, resultando, anualmente, em
invalidez para cerca de 80 mil pessoas.
Os escassos estudos brasileiros acerca do tema não divergem dos dados
supracitados. Cerca de 40% dos pacientes que dão entrada em um serviço de cuidado
emergencial são vítimas de trauma mecânico, com grande destaque para o TCE. Esse
tipo de trauma tem assumido, ao longo dos últimos anos, local de destaque para causa
de óbitos e invalidez na população brasileira.
Isso tem gerado grandes gastos para a população e para os sistemas de saúde,
da ordem de bilhões de dólares todo ano. Isso, sem levar em conta, prejuízos difíceis de
estimar relacionados aos anos produtivos perdidos – com destaque para a população
pediátrica.
A etiologia do TCE é diversa, incluindo acidentes automobilísticos, motociclísticos,
quedas, acidente por projétil de arma de fogo (PAF) ou por ferimento por arma branca
(FAB), golpe de animal, dentre outros. A incidência desses fatores causais varia por área

29
geográfica, bem como por faixa etária. Em regiões mais violentas e em pacientes jovens,
há destaque para acidentes no trânsito e por PAF e FAB. Nas regiões rurais, há destaque
para acidentes com golpe de animal. Nos extremos de idade, as quedas ganham
destaque.

3.3. REVISÃO ANATÔMICA


Revisar a anatomia é importante para o entendimento de conceitos que serão
expostos a seguir. A anatomia do segmento cefálico inclui o couro cabeludo, o crânio,
as meninges, o encéfalo e o sistema ventricular.
3.3.1. COURO CABELUDO
O couro cabeludo é o tecido que recobre a calota craniana. É formado por cinco
camadas distintas:
1. Pele;
2. Tecido conjuntivo;
3. Aponeurose;
4. Tecido areolar frouxo;
5. Pericrânio.
É importante saber que o tecido aerolar frouxo é o local onde ocorrem os
hematomas subgaleais – popularmente chamados de “galo”.
Lacerações do couro cabeludo são ocorrências que, muito frequentemente,
estão relacionadas aos casos de TCE. Nesse tipo de laceração, a perda sanguínea pode
ser muito intensa e levar a perdas expressivas, principalmente para a faixa etária
pediátrica.
3.3.2. CRÂNIO
O crânio pode ser dividido, anatomicamente, em duas regiões: a calota craniana
e a base do crânio. A calota craniana é de estrutura delicada e lisa, sendo composta
pelos ossos frontal, parietal, temporal e occipital. Já a base do crânio é irregular e rugosa,
formada pelos ossos frontal, etmoide, esfenoide, temporal e occipital. Essa irregularidade
da base do crânio é responsável pelas lesões geradas por movimentos bruscos de
aceleração e desaceleração – detalhados mais adiante.
3.3.3. MENINGES
São envoltórios do encéfalo, constituídos em três camadas: dura-máter, aracnoide
e pia-máter.

30
 Dura-máter
Meninge de consistência fibrosa e de aspecto resistente. Encontra-se firmemente
aderida à superfície interna do crânio.
A dura-máter, em locais peculiares, separa-se em dois folhetos – interno e externo
– formando seios venosos.
As artérias que nutrem a dura-máter – artérias meníngeas – ocorrem entre a dura-
máter e a superfície interna do crânio. Destaque para a artéria meníngea média – vaso
meníngeo lesado com maior frequência.
 Aracnoide
Ocorre logo abaixo da dura-máter, com características de tecido fino e
transparente. Entre essas duas meninges há um espaço potencial – espaço subdural.
É entre a aracnoide e a pia-máter – assunto do próximo tópico – que ocorre o
trânsito do liquido cefalorraquidiano (LCR). Este é drenado para os seios venosos através

de expansões da aracnoide: as granulações aracnoideas.


 Pia-máter
Meninge que está em íntimo contato com o encéfalo, acompanhando o
telencéfalo em seus giros e sulcos.
3.3.4. ENCÉFALO
O encéfalo é composto pelo cérebro, cerebelo e tronco cerebral. Cada uma
destas partes possui peculiaridades, seja em seus giros e sulcos, em seus núcleos de
substância cinzenta ou em sua vascularização, que não convém discutir.
3.3.5. SISTEMA VENTRICULAR
O sistema ventricular é um sistema de espaços e aquedutos preenchidos pelo
liquido cefalorraquidiano (LCR). O LCR é produzido nos plexos coroides e pode percorrer
o seguinte trajeto, dentro do sistema ventricular: ventrículos laterais, forame de Monro,
terceiro ventrículo, aqueduto de Sylvius e quarto ventrículo. Circunda o encéfalo e a
medula espinhal, sendo drenado através das granulações aracnóideas.

31
3.4. REVISÃO FISIOLÓGICA
Inicialmente, cabe ressaltar que os neurônios – unidades funcionais do sistema
nervoso – são células de grande gasto energético e o tecido cerebral é de baixa reserva
funcional. Assim, podemos compreender que uma redução na perfusão, ou seja, no
aporte de nutrientes e/ou de oxigênio, é de grande potencial deletério para o sistema
nervoso central (SNC). Adicionalmente, é sabido que o próprio insulto traumático pode
reduzir o fluxo sanguíneo para o cérebro.
Para que a perfusão do tecido cerebral ocorra de forma adequada, é necessário
que a pressão de perfusão cerebral (PPC) seja mantida em níveis satisfatórios (entre 50 e
150 mmHg). A PPC é definida como o gradiente (a diferença) entre a pressão arterial
média (PAM) e a pressão intracraniana (PIC).

PPC = PAM - PIC

A PAM pode ser estimada, de forma não invasiva, como sendo a média
ponderada entre a pressão arterial sistólica (PAS), com peso 1, e a pressão arterial
diastólica, com peso 2.

PAM = (PAS + 2PAD)/3

A PIC, por sua vez, não pode ser estimada fidedignamente por processos não
invasivos, porém existem sinais clínicos e radiológicos que sugerem seu aumento. Cabe
salientar que a PIC normal de um indivíduo em repouso é em torno de 10 mmHg.
Sinais sugestivos de aumento da PIC
Clínicos Radiológicos
 Anisocoria  Massa de grande volume
 Hemiparesia/hemiplegia  Desvio da linha média
 Rebaixamento do nível de  Sinais de edema cerebral (perda
consciência da diferenciação da substância
 Vômitos repetidos branca X cinzenta; apagamento
 Cefaleia de forte intensidade dos sulcos telencefálicos)
 Tríade de Cushing (hipertensão
arterial, bradicardia e alteração
do padrão respiratório)

A fim de entender a dinâmica da PIC e sua relação com o prognóstico do


paciente vítima de TCE, devemos compreender a Doutrina de Monro-Kellie. Ela afirma

32
que o volume total do conteúdo intracraniano deve permanecer constante uma vez que
o crânio é uma estrutura rígida e não expansível. De forma simplificada, devemos
imaginar que, dentro do crânio, existem os seguintes componentes:
1) Encéfalo;
2) Líquor;
3) Sangue venoso;
4) Sangue arterial.
Devemos imaginar que, quando incluímos um 5º componente (no caso do TCE,
um hematoma), ocupando um determinado volume do espaço intracraniano, um ou
mais dos 4 componentes básicos terá que ser reduzido a fim de evitar o aumento da PIC.
Como mecanismos compensatórios, o volume de sangue venoso e o de líquor podem
ser comprimidos, através da expulsão de parte desses componentes para fora do crânio.
Essa compensação, porém, é esgotável, sendo que, quando isso ocorre, pequenos
aumentos no volume do hematoma geram grandes aumentos da PIC (relação
exponencial).

Conclui-se, portanto, que todo esforço deve ser empenhado para evitar agressões
secundárias decorrentes da hipotensão, da hipóxia e da hipocapnia. Hematomas e
outras lesões que aumentam o volume intracraniano também devem ser precocemente
evacuados.

33
3.5. CLASSIFICAÇÃO DO TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO
O TCE pode ser classificado quanto ao mecanismo de trauma, a gravidade da
lesão e a morfologia da lesão.
3.5.1. MECANISMO DE LESÃO
Quanto ao mecanismo de lesão, o TCE pode ser classificado como fechado ou
penetrante. Basicamente, os TCE de mecanismo fechado estão associados à colisão de
veículos automotores e/ou motocicletas, bem como a agressões e a quedas –
principalmente nos extremos da idade.
3.5.2. GRAVIDADE DA LESÃO
Quanto à gravidade, o TCE é classificado em leve, moderado e grave de acordo
com a Escala de Coma de Glasgow (GCS). (Vide cap. 01 – Atendimento inicial ao
politraumatizado, avalição primária, item D).
3.5.3. MORFOLOGIA DA LESÃO
Quanto à morfologia, as lesões no TCE podem ser separadas em fraturas de calota
e fraturas de base de crânio. As fraturas de calota craniana, principalmente quando
lineares e únicas, podem ser de difícil identificação, mesmo na TC. Já quando são
estreladas, levando a um grau variável de afundamento, tornam-se mais evidentes.

3.6. AVALIAÇÃO CLÍNICA


Assim como em todo paciente vítima de trauma, é essencial a realização da
abordagem inicial (ABCDE) ao paciente vítima de TCE. A avaliação desses pacientes,
porém, inclui um exame secundário direcionado e, caso indicado, a realização de
exame radiológico.
Como dito no item D (disability) da avaliação inicial, devemos avaliar o nível de
consciência do paciente vítima de TCE, através da escala de coma de Glasgow e
examinar as pupilas, observando se as mesmas estão isocóricas (do mesmo tamanho) e
fotorreagentes (contraindo com estímulo luminoso).
Na avaliação secundária do paciente vítima de TCE, deve ser realizado um exame
neurológico focado, buscando sinais de:
 Fraturas da abóbada craniana (depressão ou crepitação à palpação)
 Fraturas de base de crânio (hemotímpano, sinal de Guaxinim, sinal de Battle,
rinorreia ou otorreia)
 Lateralização (hemiparesia, hemiplegia, afasia, hemihipoestesia).
Para tanto, deve-se, no mínimo: palpar o segmento cefálico e avaliar a força
muscular nos quatro membros e, em caso de pacientes vigis, tentar contatá-los.

34
Adicionalmente, deve-se realizar perguntas direcionadas e investigar a presença de
sinais de gravidade, como ocorrência de vômitos (número de vezes), período de perda
da consciência e amnésia (quantificar o tempo).

3.7. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE CRÂNIO


3.7.1. POR QUE TC?
A tomografia computadorizada é o exame de imagem de escolha na emergência
devido a uma série de fatores, tais como:
 Rapidez e simplicidade;
 Relativa disponibilidade;
 Confiabilidade;
 Custo relativamente baixo;
 Segurança;
 Permite visualizar a maioria das anormalidades clínicas importantes e todas
as alterações neurocirúrgicas.
3.7.2. QUANDO PEDIR?
Existem dois critérios que podem ser adotados para avaliar a necessidade da TC
de crânio: o Critério de New Orleans e o Critério Canadense, sendo o primeiro mais liberal
(mais pacientes se enquadrarão nos critérios) e o segundo mais estrito (menos pacientes
realizarão o exame).
Em uma comparação de ambos os critérios, observou-se que ambos possuem
100% de sensibilidade para detectar lesões neurocirúrgicas e/ou lesões clinicamente
importantes, porém, o Critério Canadense apresenta uma melhor especificidade (76,3%
x 12,1% para lesões neurocirúrgicas e 50,6% x 12,7% para lesões clinicamente importantes).
Dessa forma, nos ateremos a este critério.
Segundo o critério, a TC de crânio deve ser pedida para pacientes com um dos
seguintes achados:
 GCS < 13 a qualquer momento (TCE moderado e grave);
 GCS < 15 após 2h do trauma;
 Suspeita de fratura aberta ou de afundamento de crânio;
 Algum sinal de fratura de base de crânio (hemotímpano, sinal de Guaxinim,
sinal de Battle, rinorreia ou otorreia);
 Dois ou mais episódios de vômitos;
 Idade > 65 anos;
 Amnésia de um período maior que 30 minutos antes do impacto;

35
 Mecanismo sugestivo de gravidade (atropelamento, acidente
automobilístico com ejeção veicular, queda de altura maior que 5 degraus
(1m)).
Cabe salientar que o critério não é aplicável a pacientes menores que 16 anos,
em uso de anticoagulantes ou com algum distúrbio da coagulação.
3.7.3. CARACTERÍSTICAS DA IMAGEM
Na tomografia computadorizada, a imagem é gerada a partir da densidade dos
tecidos pelos raios-x (atenuação diferencial). Assim, temos quatro densidades principais,
variando do hipodenso (preto) ao hiperdenso (branco), são elas, em ordem:
 Ar
 Gordura
 Partes moles
 Osso
Vale ressaltar que o sangramento agudo apresenta-se, também, hiperdenso
(branco).

3.8. PRINCIPAIS LESÕES


3.8.1. FLUXOGRAMA DAS LESÕES
Lesão de Escalpo
As lesões de escalpo são lesões extracranianas que podem estar associadas ou
não a lesões intracranianas. Dentre as lesões de escalpo, destacam-se as lacerações e
hematoma subgaleal. As lesões de escalpo são sinais confiáveis de local do impacto
primário.
Fraturas
As fraturas são lesões na abóbada craniana que levam à descontinuidade óssea.
Normalmente, fraturas únicas e horizontais são difíceis de identificar na TC – felizmente,
são fraturas tratadas sem processo cirúrgico, de curso benigno.
Fraturas de osso temporal e da base do crânio chamam atenção porque trazem
consigo sinais clínicos – Battle e Guaxinim – além de outras manifestações como otorreia,
rinorreia e alterações na acuidade auditiva.

36
3.8.2. LESÕES PRIMÁRIAS
Extra-axial
 Hematoma extradural
O hematoma extradural (HED) ocorre por acúmulo de sangue no espaço virtual
existente entre a face interna da cúpula craniana e a dura-máter, geralmente, resultado
de lesões de artérias que nutrem a própria dura-máter, associadas ou não a fraturas.
Radiologicamente, o HED apresenta-se como uma massa ovoide, biconvexa,
hiperdensa, que respeita os limites das suturas cranianas e não ultrapassa a linha média.
A presença de áreas de pequena atenuação dentro do hematoma indica rápida
expansão do mesmo.

Hematoma extradural

 Hematoma subdural
O hematoma subdural (HSD) ocorre por
acúmulo de sangue entre a dura máter e a
aracnoide, geralmente, por laceração e lesão de
veias superficiais – resultante de movimento de
rápida desaceleração.
Caso seja resultante de ferimento penetrante,
pode ter origem arterial por lesão em arteríolas
superficiais.
O HSD agudo (HSDA) aparece,
radiologicamente, como uma massa côncavo- Hematoma subdural

convexa, hiperdensa, homogênea, que ultrapassa


limites de sutura e, a depender de seu tamanho, pode promover efeito de massa.
A densidade do HSD varia ao longo do tempo, pois é dependente do metabolismo
da hemoglobina. Inicia-se como uma massa hiperdensa, passando a isodensa entre uma

37
e três semanas do trauma causal, chegando a hipodensidade em cerca de semanas.
Estes períodos podem variar de acordo com o hematócrito do paciente e do seu perfil
de coagulação. Em casos de ressangramento, pode ocorrer uma mistura de densidades,
evidenciando sangue em períodos diferentes de seu metabolismo.
 Hemorragia Subaracnóidea
A hemorragia subaracnóidea (HSA) é caracterizada pela presença de sangue no
espaço subaracnóideo. Pode ocorrer como resultado de lesão em pequenos vasos da
pia-máter ou como extensão de hematomas para o espaço subaracnóideo, ou, ainda,
derivados de hemorragias intraventriculares.
Radiologicamente, aparece como imagem hiperdensa, serpentiforme,
preenchendo os sulcos e cisternas do cérebro. A TC é o melhor método para identificar
os casos agudos.

Hemorragia subaracnóidea

 Hemorragia Intraventricular
A hemorragia intraventricular é caracterizada por hemorragia dentro do sistema
ventricular do encéfalo. Geralmente, é resultado de trauma com rotação rápida,
gerando tração e lesão do tecido ependimário, ou como
extensão de hematomas para os ventrículos, ou, ainda, fluxo
retrógrado de uma HSA.
Radiologicamente, é apresentado como material
amorfo e hiperdenso dentro do sistema ventricular.
Esse tipo de acometimento é fator de risco importante
para hidrocefalia – comunicante e não comunicante.

38
Hemorragia intraventricular
Intra-axial

 Lesão Axonal Difusa


É uma lesão causada por estiramento das fibras
nervosas resultante de movimento rotacional de
aceleração e desaceleração. Essa lesão se manifesta,
clinicamente, através de um paciente com grande
perda neurológica e rebaixamento súbito de nível de
consciência, no momento do impacto ou do trauma.

A lesão axonal difusa ocorre em cerca de metade


dos traumas cranioencefálicos graves. Entretanto, só
pode ser identificada em cerca de 20% dos casos através
de TC.

Quando visualizada, radiologicamente, apresenta-se como pequenas lesões


hiperdensas em topografia de tratos de substância branca.

 Contusão Cortical
São lesões distinguidas por lesão cerebral primária
envolvendo a substância cinzenta superficial. Geralmente,
relacionada a trauma de mecanismo de aceleração e
desaceleração. Os principais lobos acometidos são os
lobos que estão em contato íntimo com a irregular face
anterior da base do crânio – lobos frontal e temporal.
Acometimentos em estruturas posteriores – lobo occipital
e cerebelo – podem ocorrer, todavia, em menor
frequência.

Radiologicamente, aparece como pequenos focos


de sangramento (hiperdensos) em região frontal e temporal.

 Hematoma Intraparenquimatoso
São lesões distintas de coleção de sangue dentro do
parênquima cerebral, decorrente de lesão vascular de
grande monta ou da coalescência de diversos focos de
contusão. É a principal causa de rebaixamento dos
parâmetros neurológicos clínicos em pacientes vítimas de
TCE.

Radiologicamente, aparece como uma coleção


hiperdensa de maior monta, geralmente de contornos
irregulares.

39
São intimamente associados com fraturas de crânio, contusões cerebrais e lesão
axonal difusa.

3.8.3. LESÕES SECUNDÁRIAS


As lesões secundárias são caracterizadas por uma cascata de mecanismos de
dano molecular iniciados no momento do trauma e que perduram por horas a dias. Esses
mecanismos incluem:

 Neurotoxicidade mediada pelo glutamato;

 Distúrbios eletrolíticos;

 Disfunção mitocondrial;

 Resposta inflamatória;

 Apoptose;

 Isquemia secundária a vasoespasmo.

Esses mecanismos podem levar à morte neuronal, bem como a edema cerebral e
aumento da PIC, que pode exacerbar a lesão cerebral. Nenhuma medida de prevenção
desse dano secundário é bem definida como benéfica através de ensaios clínicos,
entretanto, especialistas sugerem evitar:

 Hipotensão e hipóxia (que diminuem o aporte de nutrientes e oxigênio para


o cérebro lesado);

 Febre e crises epilépticas (que podem aumentar a demanda metabólica);

 Hiperglicemia (que pode exacerbar os mecanismos de lesão).

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REFERÊNCIAS

Atendimento inicial ao politraumatizado

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2. PHTLS – Prehospital Trauma Life Suppor – Colégio Americano de Cirurgiões. Sétima edição.
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HYPOTENSION: SHOULD SYSTOLIC BLOOD PRESSURE OF 90Y109 MMHG BE INCLUDED? SHOCK, Vol. 27,
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4. C. Anne Morrison, Matthew M. Carrick, Michael A. Norman, Bradford G. Scott, Francis J. Welsh, Peter
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STRATEGY REDUCES TRANSFUSION REQUIREMENTS AND SEVERE POSTOPERATIVE COAGULOPATHY IN
TRAUMA PATIENTS WITH HEMORRHAGIC SHOCK: PRELIMINARY RESULTS OF A RANDOMIZED
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