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Título | Cirurgia: 50 Casos Clínicos

Organizadores | Bruno Bastos Godoi | Anna Carolina Batista Dantas


| Frederico Cantarino Cordeiro de Araujo | Rodrigo Camargo Leão
Edelmuth
Editor | Rafael Hidalgo
Capa | Didário Teles

Revisor Ortográfico | Editorando Birô

Conselho Editorial | Caio Vinicius Menezes Nunes | Paulo Costa Lima


| Sandra de Quadros Uzeda | Silvio José Albergaria da Silva

Editora Sanar Ltda.


Rua Alceu Amoroso Lima, 172 - Caminho das Árvores
Edf. Salvador Offiace e Pool, 3º andar.
CEP: 41820-770, Salvador - BA.
Telefone: 71.3052-4831
www.editorasanar.com.br
atendimento@editorasanar.com.br
Autores
Autores Organizadores

Anna Carolina Batista Dantas

Médica Cirurgiã do Aparelho Digestivo. Membro Titular


do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. Membro
Associado da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e
Metabólica. Médica Colaboradora da Unidade de Cirurgia
Bariátrica e Metabólica do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP. Médica Cirurgiã do
Hospital Israelita Albert Einstein.

Bruno Bastos Godoi

Acadêmico de Medicina pela Universidade Federal dos


Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Membro
fundador das ligas de Neurociências e Semiologia
Médica. Atuou como coordenador dos livros de “Mapas
Mentais da Medicina”, “100 Casos Clínicos em Medicina
(2ª edição)”, “Casos Clínicos em Ginecologia e
Obstetrícia” e “Casos Clínicos em Pediatria”. Também
atuou como autor colaborador do livro de “50 Casos
Clínicos em Neurocirurgia e Neurociências”. Foi bolsista
de Iniciação Científica pela FAPEMIG e atua nas linhas de
pesquisa em Neurologia e Neurocirurgia com enfoque na
neurologia vascular. Revisor de periódicos científicos da
área médica, com publicações nacionais e internacionais.
É membro acadêmico da Academia Brasileira de
Neurologia (ABN).

Frederico Cantarino Cordeiro de Araujo

Professor do Departamento de Cirurgia da


Universidade Federal de Juiz de Fora. Cirurgião Geral e do
Aparelho Digestivo pelo Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Rodrigo Camargo Leão Edelmuth

Liga Acadêmica de Cirurgia Geral e Trauma da


Faculdade de Medicina da Universidade Cidade São Paulo
– UNICID. Cirurgião Geral e Cirurgião do Aparelho
Digestivo pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (FMUSP). Preceptor da residência de Cirurgia
Geral do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) e
Instrutor de Ensino do curso de Medicina da Faculdade
Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.

Autores-Colaboradores
Abel Augusto Neto
do Rego Costa Amir Zeide
Neto Charruf
Adriana Santos
de Oliveira Ana Júlia
Machado Talma
Adriano Tito André Bouzas
Souza Vieira de Andrade
Alberto
Machado da Ponte
André Felix Felipe Saraiva
Gentil Bernardes
André Gusmão Francisco
Cunha Tustumi
André Luiz Gioia Giulia Godoy
Morrell Takahashi
Angélica Saiuri Giulia Poli
de Aurelio Oliveira Bento
Penteado Guilherme de
Antonio Afonso Freitas Paganoti
de Miranda Neto
Guilherme
Beatriz Villa Eduardo Gonçalves
Bruno Vinicius Felga
H. de Mattos Gustavo Gomes
Ribeiro Monteiro
Camila Maria
Arruda Vilanova Gustavo
Carlos Augusto Heluani Antunes
Metidieri de Mesquita
Menegozzo Harue Santiago
Kumakura
Caroline do
Valle Rotter Henrique
Christian Simonsen
Barbosa Lamha Lunardelli
Hugo Octaviano
Cintia Mayumi Duarte Santos
Sakurai Kimura
Daniel Abreu Iago Miranda
Rocha Oliveira Dórea
Igor Lepski Calil
Danilo Pinheiro
Nunes Jeammy Andrea
Debora Faria Perez Parra
Nogueira Jefferson Matos
de Menezes
Eduardo
Guimarães João Guilherme
Hourneaux de Brunca
Moura João Henrique
Eduardo Leite Fonseca do
Fonseca Nascimento
Emanuela Zippo John Anibal
Epifânio Silvino Tapia
do Monte Junior José Donizeti de
Meira Júnior
Eric Shigueo
Boninsenha José Francisco
Kunizaki de Mattos Farah
Eric Wagner da Letícia Nobre
Silva Lopes
Estevão Moreira Lucas Cata
David Preta Stolzemburg
Lucas Ernani Rafael
Magalhães Jeuken
Lucas Takemura
Luis Gustavo Rafael Rojas
Gusberti Claros
Rafael Vaz
Marcelo Lima Pandini
Portocarrero
Marco Antônio Rebeca Ferreira
Santos Oliveira de Souza
Renan
Mariana Novaes Rodrigues
Mariane Gouvêa
Monteiro de Rodrigo Cezar
Camargo Mileo
Rodrigo Pereira
Marina Carla Peixoto
Gimenez
Matheus Shuaib El
Pascotto de Salles Boustani
Sofia Machado
Mikhael Talma
Belkovsky
Miller Barreto Sumaya Abdul
de Brito e Silva Ghaffar
Talita da Silva
Milton Steinman Pinto
Monique
Mendes Thaisa Soares
Crespo
Nicole Inforsato Vagner Birk
Oliver Rojas Jeismann
Claros
Vanessa Silveira
Paolla Dorneles Aguiar Cruz
Ferraz Sousa Vergilius José
Pedro Filipe Furtado de Araujo
Medeiros Gomes Neto
Pedro Henrique Vinícius Lacerda
Peixoto Costa Ribeiro
Pedro Moraes Vitória Ramos
Jayme
Prof. Dr. Marcelo
Augusto Fontenelle Willian Miguel
Ribeiro Júnior Yuri Souza
Rafael Antonio Botelho
Arruda Pecora
Prefácio
O livro Cirurgia: 50 Casos Clínicos foi pensado para ser
um instrumento de fácil acesso, conciso e de rápida
leitura para estudantes de medicina, residentes das mais
diversas áreas cirúrgicas e também profissionais já
formados.

Esta obra tem como objetivo proporcionar uma leitura


diferenciada de diversas patologias cirúrgicas, por meio
da apresentação de casos clínicos, os quais possuem
dados reais, a fim de demonstrar que a medicina vai
muito além dos livros, guidelines e artigos, ou seja, a
prática clínica possui nuances que nem sempre são
direcionadas por critérios diagnósticos rígidos. Queremos
demonstrar que a arte médica deve ser aprendida tanto
com o conhecimento dos livros base, quanto por
intermédio de casos clínicos, pois, como disse um dos
grandes exemplos dentro da Medicina, William Osler, "A
medicina é aprendida à beira do leito e não nos
anfiteatros". É baseado nessa máxima que o livro foi
desenvolvido, com o intuito de demonstrar que a prática
clínica e a apresentação das diversas patologias
cirúrgicas devem ser individualizadas para cada
paciente.

Portanto, leve esta obra como um guia em sua prática


clínica, contudo deixe de lado o conhecimento
preconizado pelos guidelines mais atualizados, pois o
conhecimento associado à vivência clínica é de
fundamental importância para o desenvolvimento do
raciocínio clínico de excelência. Lembrando sempre que a
arte médica, principalmente na cirurgia e as diversas
vertentes, deve ter como aliada a empatia e a
humanização.

Bruno Bastos Godoi


Estrutura Dos Casos
Este livro é composto por casos clínicos voltados as
especialidades cirúrgicas. Todos os casos são
apresentados de acordo com a seguinte organização:

Número do caso: referência numérica única que


identifica cada caso, facilitando a sua busca e
consulta.
Título do caso: além do número, cada caso recebe
um título que o identifica, mostrando a que área da
cirurgia ele pertence.

Autores: cada caso clínico é assinado por um ou


mais autores, orientados por um profissional com
formação e experiência na área, responsáveis pela
escrita do capítulo.
História clínica: de forma resumida, é apresentada
a história clínica do paciente com os dados
essenciais para direcionar o raciocínio clínico para o
correto diagnóstico.

Questões para orientar a discussão: nessa


sessão encontram-se questionamentos para
reflexão em relação a pontos cruciais do caso
clínico. É uma forma de conduzir e instigar o leitor a
extrair e tirar conclusões sobre a história clínica, o
exame físico e os exames complementares
apresentados. Essa etapa precede a discussão, pois
é uma forma de exercitar o raciocínio clínico antes
de ler o raciocínio elaborado pelos autores. Se
estiver lendo esse livro sozinho, pare nesse ponto,
reflita e tente responder a estas questões antes de
prosseguir com a leitura. Se estiver usando esse
livro com seus alunos ou em um grupo de estudo,
apresente o resumo da história clínica e use as
questões para orientar a discussão. Fique à vontade
para explorar e ir além do que foi proposto no caso,
de modo a atender às suas necessidades.
Discussão: essa é uma revisão sobre o caso. Essa
etapa visa responder os questionamentos
levantados anteriormente, bem como discutir a
condição clínica do paciente. Sem dúvidas é um dos
pontos mais importantes deste livro, pois ajudará o
leitor a responder os questionamentos propostos
anteriormente com maior segurança.

Diagnósticos diferenciais principais: principais


doenças que se apresentam de maneira
semelhante, cuja sintomatologia pode ser
confundida e pesquisada na tentativa de afastar ou
se aproximar de outros possíveis diagnósticos.

Objetivos de aprendizado/competências:
pontos que possam ser estudados com base no caso
clínico e/ou aprofundados com base na literatura.
Aqui deve-se observar quais competências ou
habilidades podem ser treinadas e aprendidas com
o caso em questão dando-se ênfase a questões
práticas e incentivando o estudo e a prática para o
desenvolvimento desses temas propostos.

Pontos importantes: visão do dia a dia em que


pese a experiência prática do médico e que possa
auxiliar em condutas na vida do
profissional/estudante bem como em provas
práticas e na formação em geral.

Referências: essa sessão engloba o referencial


teórico que embasou a discussão.

As condutas clínicas não devem ser baseadas


naquelas apresentadas nos casos deste livro. Existem
nuances da prática clínica que perpassam guidelines,
livros e artigos e as decisões são sempre tomadas frente
ao caso real e a estrutura disponível. É de extrema
importância sempre consultar a literatura mais
atualizada e os tratados médicos para embasar a sua
conduta.
Sumário
Autores
Prefácio
Estrutura dos casos

Caso 01 | Doença do refluxo gastroesofágico


Caso 02 | Acalasia

Caso 03 | Carcinoma de Esôfago


Caso 04 | Câncer Gástrico

Caso 05 | Bypass Gástrico X Gastrectomia Vertical no


tratamento cirúrgico da obesidade mórbida

Caso 06 | Complicações precoces após cirurgia


bariátrica
Caso 07 | Metástase hepática de câncer colorretal

Caso 08 | Nódulo hepático benigno


Caso 09 | Cirrose Carcinoma Hepatocelular

Caso 10 | Câncer de Cólon

Caso 11 | Neoplasia Maligna do Reto

Caso 12 | Doença hemorroidária


Caso 13 | Fissura anal

Caso 14 | Retocolite Ulcerativa

Caso 15 | Doença de Crohn


Caso 16 | Hérnia inguinal e femural

Caso 17 | Hérnia incisional

Caso 18 | Manejo de Via Aérea no Trauma


Caso 19 | Trauma Torácico

Caso 20 | Trauma Abdominal Contuso

Caso 21 | Trauma de pelve

Caso 22 | Choque no Trauma


Caso 23 | Traumatismo Cranioencefálico

Caso 24 | Cirurgia de Controle de Danos (‘Damage


Control Surgery’)

Caso 25 | Queimadura Elétrica Grave

Caso 26 | Abdome agudo: obstrução intestinal por


bridas

Caso 27 | Apendicite

Caso 28 | Abdome agudo vascular


Caso 29 | Abdome agudo: Obstrução intestinal por
hérnia femoral estrangulada

Caso 30 | Pancreatite Aguda

Caso 31 | Doença Diverticular e Diverticulite aguda

Caso 32 | Colecistite na gestante


Caso 33 | Coledocolitíase cirúrgica

Caso 34 | Colangite Aguda e CPRE


Caso 35 | Hemorragia Digestiva Alta

Caso 36 | Litíase urinária

Caso 37 | Neoplasia de Próstata

Caso 38 | Neoplasia Renal


Caso 39 | Epididimite

Caso 40 | Torção de testículo

Caso 41 | Tireoide

Caso 42 | Carcinoma Espinocelular de Cabeça e


Pescoço
Caso 43 | Diagnóstico Diferencial das Massas Cervicais

Caso 44 | Queimaduras e Enxertos de Pele

Caso 45 | Reconstrução de Feridas Complexas com


Retalhos

Caso 46 | Trombose Venosa Profunda


Caso 47 | Obstrução Arterial Aguda

Caso 48 | Obstrução Arterial Crônica

Caso 49 | Aneurisma de Aorta

Caso 50 | Atresia de Vias Biliares (AVB)


Caso 01 | Doença Do
Refluxo Gastroesofágico
Autor: Abel Augusto do Rego Costa Neto
Orientador: José Francisco de Mattos Farah

História Clínica
R. O. L. G., 30 anos, sexo masculino, natural e
procedente de São Paulo, procurou a unidade de
atendimento básica, queixando-se de boca amarga,
quase que diário, com piora à noite, com episódios de
regurgitação associados algumas vezes. Refere, também,
uma sensação de queimação retroesternal e
epigastralgia, estas com pronta melhora com o uso de
leite de magnésia que decidiu tomar por conta própria.
Nega melhora ou piora com a alimentação, nega perda
ponderal, disfagia ou odinofagia. Nega uso de medicação
para quaisquer comorbidades.

Exame Físico De Admissão


Exame físico normal (exceto IMC de 30). Trouxe o
resultado de alguns exames recentes, solicitados por
outro médico (hemograma, coagulograma, bioquímica
básica, glicemia), todos dentro da normalidade.
1ª Hipótese Diagnóstica
Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) não
complicado.

Devido aos sintomas típicos e ausência de sinais de


alarme, foi realizado o diagnóstico clínico de DRGE e
realizadas orientações de mudanças de estilo de vida
associado ao Teste Terapêutico de supressão ácida com
inibidor de bomba de prótons (dose mínima diária para
obtenção de melhora dos sintomas) por 8 semanas.

Evolução Do Caso
O paciente perdeu seguimento com a equipe e não
retornou após as 8 semanas, porém 5 anos depois
retornou ao atendimento, queixando-se agora de disfagia
há 2 meses e que os sintomas prévios até melhoraram
com o tratamento proposto, entretanto, eventualmente
voltavam. Refere também uma perda ponderal de 3
quilos nesse período.

2ª Hipótese Diagnóstica
Esofagite de Refluxo com Estenose Péptica ou Esôfago
de Barrett. Devido aos sinais de alarme, diferindo da
situação anterior, foi solicitada endoscopia digestiva alta
com o seguinte achado: esôfago distal afilado com áreas
de epitélio vermelho-salmão até 3cm da junção esôfago-
gástrica, sendo realizada biópsia.

Questões Para Orientar A Discussão

1. Pela história e exame clínico, qual é a doença


apresentada? Há necessidade de solicitar algum
exame complementar sempre?
2. Quais são os fatores de risco para o
desenvolvimento dessa doença e como se dá a
sua evolução?

3. Quais são as complicações e critérios de


gravidade?

4. Quais são as possibilidades de tratamento dessa


doença?

5. Quais são as indicações de tratamento cirúrgico


para essa doença?

Discussão

Conceitos

A Doença do Refluxo Gastroesofágico pode ser


definida, de acordo com os últimos guidelines do Colégio
Americano de Gastroenterologia, como sintomas ou
complicações resultantes do refluxo do conteúdo gástrico
para o esôfago ou além, na cavidade oral (incluindo
laringe) ou pulmão, podendo ser Esofagite Erosiva (EE),
doença do refluxo não erosivo e esôfago de Barrett, ou
seja, três principais apresentações fenotípicas da DRGE.
Portanto, se o retorno de conteúdo gástrico para o
esôfago não causa alterações clínicas ou endoscópicas,
não se pode dizer que há doença do refluxo.

Epidemiologia

Embora sua prevalência varie em todo o mundo, a


DRGE é o diagnóstico gastrintestinal ambulatorial mais
comum nos Estados Unidos. Uma revisão sistemática
demonstrou que a prevalência de DRGE variou de 18,1 a
27,8% na América do Norte, 8,8 a 25,9% na Europa, 2,5 a
7,8% na Ásia Oriental, 8,7 a 33,1% no Oriente Médio,
11,6% na Austrália e 23,0% na América do Sul.

Vários fatores comportamentais têm sido associados à


DRGE, incluindo o uso de tabaco, o consumo de café e a
ingestão de álcool. A DRGE é mais prevalente em
indivíduos que tomam anticolinérgicos, nitratos e
corticosteroides orais. Apesar das crenças prévias, a
prevalência de DRGE não demonstrou ser maior em
indivíduos que tomam benzodiazepinas, antagonistas de
cálcio ou aspirina. Além disso, as taxas de DRGE estão
inversamente associadas ao uso de contraceptivos orais
e terapia de reposição hormonal.
Patogênese

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma


condição crônica recidivante que ocorre quando o
conteúdo gástrico do refluxo do estômago provoca
sintomas e/ou complicações em pacientes. Acredita-se
que a DRGE ocorre quando fatores que são prejudiciais
para o esôfago superam os mecanismos que são
protetores, tais como: a barreira gastroesofágica,
clearence (esvaziamento) ácido esofágico e resistência
da mucosa. Quando esses métodos protetores são
superados, refluxo composto de ácido, pepsina, conteúdo
duodenal e enzimas pancreáticas causam danos diretos à
mucosa levando a sintomas e complicações da DRGE.

Os mecanismos diretamente envolvidos na


patogênese da DRGE são: 1) anomalias motoras; 2)
anomalias anatômicas; 3) e comprometimento da
mucosa. Assim, fica clara a questão multifatorial da
doença.

Esse refluxo de material ácido pode causar um


espectro variável de sintomas e sinais esofágicos ou
extraesofágicos, conceito importantíssimo na definição
desta doença, haja vista ser comum a ocorrência de
refluxo gastroesofágico de curta duração, principalmente
após as refeições, no entanto, esse costuma ser
assintomático e não causa danos, sendo, portanto,
chamado de fisiológico.
Anomalias motoras

A maioria das anomalias motoras que levam à DRGE


incluem: hipotonia do Esfíncter Inferior do Esôfago (EIE),
aumento na frequência ou duração do relaxamento
transitório do EIE e retardo no esvaziamento gástrico.

A pressão do EIE tipicamente mantém uma zona de


alta pressão que é 15-30mmHg maior que a pressão
intragástrica em repouso, no entanto a minoria dos
pacientes apresenta uma baixa pressão do EIE gerando
refluxo. Algumas condições que poderiam diminuir a
pressão do EIE seriam hormônios como a
colecistoquinina, progesterona, medicações incluindo
nitratos, bloqueadores de canais de cálcio. Alguns
alimentos, como chocolates a alimentos com alto índice
de gordura, álcool, tabagismo e cafeína. Essas alterações
motoras podem diminuir o tempo de clearence
(esvaziamento) do ácido e podem estar associados às
patologias, como a esclerodermia.

Anomalias anatômicas

Pacientes com hérnias de hiato são mais suscetíveis a


DRGE, provavelmente se devendo ao fato de que o
estômago proximal ser deslocado através do diafragma,
reduzindo a função do EIE por diminuir a sua pressão e
responsividade.

Diminuição da resistência da mucosa


A capacidade do esôfago de resistir a lesões é um dos
maiores responsáveis no desenvolvimento da DRGE. O
esôfago contém diversas estruturas anatômicas e
componentes para prover proteção ao conteúdo gástrico.

Diagnóstico

O diagnóstico é clínico e deve ser realizado a partir de


uma anamnese detalhada. Os sintomas podem ser
divididos em típicos: pirose e regurgitação (gosto amargo
na boca) e os atípicos: dor torácica, tosse crônica,
hemoptise, broncoespasmo, pneumonias de repetição,
bronquiectasias, rouquidão, pigarro, laringite crônica,
sinusite crônica, otalgia, halitose, hipersalivação e aftas.

Uma boa anamnese deve procurar a intensidade dos


sintomas, em que hora do dia são mais frequentes, se
algum alimento que melhore ou piore e se com o uso de
medicações antirrefluxo resolvem os sintomas. Pacientes
com sintomas típicos que respondem ao teste
terapêutico com medicações antirrefluxo (incluindo os
Inibidores de bomba de prótons), apresentam critérios
suficientes para o diagnóstico de DRGE.

1. Prova terapêutica à supressão ácida: Método


simples de ser realizado e consiste na introdução de
um Inibidor de Bomba de Prótons (IBP) para avaliar
a resposta sintomática do paciente. Não existe
consenso claro na duração ou dosagem a ser
utilizada, mas usualmente são feitos por 4 a 8
semanas na dose mínima para obtenção de alívio
dos sintomas.

2. Endoscopia Digestiva Alta (EDA): Necessária para


pacientes com sintomas típicos que não
responderam à terapêutica com IBP. Esse exame
pode auxiliar no diagnóstico de DRGE avaliando
complicações desta patologia, como esofagite,
estenose e esôfago de Barrett. A maioria dos
consensos sugerem que a presença de um alto grau
de esofagite (Classificação de Los Angeles C ou
D/Savary-Miller IV), estenoses pépticas, esôfago de
Barrett maior que 1 cm ou exposição esofágica por
ácido maior que 6% são achados que nos permitem
diagnosticar DRGE. Apesar de estenoses pépticas e
altos graus de esofagites serem considerados
específicos para DRGE, apenas 30% dos pacientes
virgens de tratamento e 10% dos pacientes sem
tratamento irão apresentar esse último achado. 5-
15% dos pacientes com sintomas crônicos irão
apresentar esôfago de Barrett (Figura 1 e 2).
Portanto, pode ficar claro que a EDA apresenta alta
especificidade para diagnóstico de DRGE e baixa
sensibilidade. O exame também está indicado em
pacientes com sinais ou sintomas de alarme
(disfagia, vômitos, anemia, perda de peso) ou ainda
em pacientes acima de 45 anos que nunca tiveram
investigação.
3. PHmetria de 24horas: Pacientes com achados de
endoscopia normal e/ou sintomas atípicos podem se
beneficiar desse exame o qual irá avaliar o tempo
de exposição do esôfago ao ácido, sendo
considerado normal menos de 4% do tempo, e
anormal mais que 6%, de acordo com o consenso de
Lyon. Lembrando que esse exame ajuda a concluir o
diagnóstico, principalmente em situações duvidosa.
4. Impedância-pHmetria esofágica: Método mais
acurado, pois vão além de avaliar o pH, utliza
eletrodos de impedância para detectar episódios de
refluxo, porém mais caro e ainda menos disponível
em nosso meio. Em geral, indicado quando a
pHmetria não elucida o diagnóstico.

5. Esôfagomanometria: Não é utilizada


especificamente para o diagnóstico de DRGE, mas
sim para excluir outras condições que podem causar
ou associar a sintomas similares a DRGE (acalasia,
Esclerodermia). O teste é usado para avaliar
distúrbios de motilidade esofágica e para avaliar
pacientes candidatos à terapia cirúrgica.
6. Esôfago Estomago Duodenografia(EED): Utilizado
para avaliar complicações da DRGE, como estenose,
úlcera e retração do esôfago. É o exame mais
sensível para estes diagnósticos. Também pode
sugerir hérnia de hiato. Muito importante em
situações de estenose ou em grandes hérnias.
Figura 1 – Achado característico da metaplasia intestinal, coloração salmão,
representando o esôfago de Barrett.

Figura 2 – Representação histológica das células caliciformes.


Complicações

Esofagite de refluxo

É uma complicação importante, como já foi


previamente comentado, e até 30% dos pacientes
virgens de tratamento poderão apresentar essa
complicação, que pode ser dividida pela classificação de
Savary-Miller em:

I: erosões em apenas uma prega longitudinal


esofágica;
II: erosões em mais de uma prega;

III: erosões em mais de uma prega, ocupando toda a


circunferência do esôfago;
IV: presença de úlcera esofágica ou estenose
péptica do esôfago distal, isoladas ou associadas as
lesões graus I e II;
V: esôfago de Barrett, isolado ou associado as lesões
de graus I a IV.

Estenose Péptica de Esôfago

Ocorre em menos de 10% dos casos e geralmente em


pacientes com esofagite grave, circunferencial. Essa
complicação se inicia no terço inferior do esôfago,
assumindo, com o passar dos anos, um padrão
”ascendente”. A disfagia por obstrução mecânica é a
característica mais importante, geralmente é precedida
em anos por sintomas de pirose. Abaixo da área de
estenose geralmente se encontra epitélio colunar
(Barrett).

Úlcera esofágica

Além das erosões superficiais mais comuns, a


esofagite de refluxo pode complicar com úlceras mais
profundas, resultando em manifestações como
odinofagia e hemorragia. Em geral, estas úlceras estão
localizadas no epitélio colunar (Barrett).

Epitélio Colunar (esôfago de Barrett)

É uma substituição do epitélio escamoso estratificado


do esôfago por epitélio colunar contendo células
intestinais (metaplasia intestinal), em qualquer extensão
do órgão. Para confirmação diagnostica, é necessária a
biópsia, cujo achado irá confirmar a presença de células
caliciformes. É importante ressaltar que o
desenvolvimento do epitélio de Barrett no esôfago
terminal pode atenuar os sintomas do refluxo, pois o
epitélio escamoso típico do órgão dá lugar ao epitélio
colunar, mais resistente ao ácido.

Tratamento

Não farmacológico

Elevação do leito da cabeceira, moderar a ingesta de


alimentos gordurosos, bebidas alcoólicas e gasosas.
Fracionar a dieta, evitar deitar-se 2 horas depois das
refeições. Perda de peso, parar de fumar, dentre outras,
são algumas medidas que devem ser orientadas ao
paciente, no entanto, estudos mostram a baixa eficácia
clínica. Vale ressaltar a grande importância no controle
de peso neste pilar do tratamento não farmacológico,
pois a obesidade, associada à síndrome metabólica, é
fator de risco isolado para o desenvolvimento de
adenocarcinoma de esôfago.

Farmacológico
Os IBPS são considerados a terapia medicamentosa
mais efetiva para DRGE, devido à profunda e consistente
supressão ácida (Tabela 3). O primeiro composto nesta
classe de drogas, o omeprazol, foi introduzido no final
dos anos 1980. Globalmente, os IBPs são seguros e
demonstram diferentes níveis de resposta que variam
entre 56 a 100% em comparação a outros medicamentos
antirrefluxo.

Dose,
IBP Nome comercial
mg

10, 20,
1 Omeprazol Prilosec, Prilosec OTC
40

2 Esomeprazol Nexium 20, 40

Prevacid, Prevacid 24
3 Lansoprazol 15, 30
hs

4 Rabeprazol AcipHex 10, 20

5 Pantoprazol Protonix 20, 40

6 Dexlansoprazol Dexilant 30, 60

Omeprazol com Bicarbonato de


7 Zegerid 20, 40
sódio.

Vários estudos de grande escala mostraram que o


tratamento com IBP é superior ao tratamento com
bloqueadores H2 para o alívio sintomático de pacientes
com Esofagite erosiva e esôfago de Barrett. A dosagem
para cicatrização é no mínimo 40 mg de Omeprazol (Ibp
padrão) por 8/12 semanas. A dosagem e a periodicidade
do tratamento/manutenção devem ser adaptados ao
resultado do controle dos sintomas, assim como da
gravidade da esofagite.

Os antiácidos, como o Hidróxido de Alumínio/Magnésio


(Mylanta Plus), são uteis para o alívio imediato dos
sintomas, pois neutralizam o ácido presente do estômago
e esôfago distal, gerando sal e água. Porém, não devem
ser usados com posologia regular, pois são bem menos
frequentes que os IBPs e os anti-H2.
Os procinéticos agem elevando a pressão do EIE além
de aumentar a contratilidade esofageana e acelerar o
esvaziamento gástrico. São antagonistas dopaminérgicos
d2, que inibem a atividade da dopamina no plexo
mioentérico, aumentando a atividade colinérgica. Podem
ser utilizados como drogas adjuvantes na DRGE.
Vários estudos vêm sendo conduzidos recentemente
para tratamento da DRGE. Recentemente foi lançada
uma droga no Japão, um bloqueador ácido que compete
com os canais de potássio, o Vonoprazan, porém mais
estudos serão necessários para comprovar se há maior
eficácia ou não que os IBPs.
É importante lembrar que o tratamento adequado
para o caso apresentado com IBP pode levar ao controle
da metaplasia intestinal. Atualmente, aceita-se a
regressão histológica passível de ser atingida com
inibição do refluxo por uso de IBP. Porém, a diminuição da
incidência de adenocarcinoma pelo uso de IBP ou mesmo
com a cirurgia ainda são motivos de ilação. De regra,
como foi conduzido no caso, programa-se seguimento
endoscópico para os portadores de esôfago der Barrett.

Tratamento cirúrgico

O tratamento cirúrgico é mais eficaz que o tratamento


clínico em relação a melhoria dos sintomas e cicatrização
da esofagite, contudo a indicação deve ser
individualizada. Lembrando que no esôfago de Barret a
eficácia do tratamento cirúrgico é um pouco inferior se
comparado aos portadores de DRGE não complicada.
Novamente, ressaltamos que a fundoplicatura e controle
do refluxo não é garantia de prevenção total ao
desenvolvimento de adenocarcinoma no paciente
portador de esôfago Barrett.

Quando indicar?

DRGE não complicada – Em pacientes que, por


alguma razão, acham-se impossibilitados de continuar o
tratamento clínico. Pacientes com grandes volumes de
regurgitação e sintomas aspirativos não controlados com
IBP. Alternativa ao tratamento contínuo de manutenção
com IBP, especialmente em pacientes jovens (<40a). A
base de indicação neste grupo de paciente e a avaliação
de riscos benéficos (alívio dos sintomas versus efeitos
adversos da cirurgia. Lembrando que pacientes que
estão na faixa de obesidade grau I (IMC > 32-33), ou
acima, têm-se dado maior ênfase na perda ponderal
(incluindo até mesmo a cirurgia bariátrica dependendo
do caso), antes de ser indicada a cirurgia antirrefluxo.
O tratamento cirúrgico esta indicado para todas as
formas complicadas, com estenose, úlcera e esôfago de
Barrett. Lembramos que, mesmo nestas situações, cabe
ao médico a avaliação dos fatores clínicos, expectativa
de vida e objetivo da cirurgia. O Adenocarcinoma é outra
complicação ligada ao esôfago de Barrett e será tratado
em outro capítulo.

Quais são as técnicas cirúrgicas?

A cirurgia para DRGE é a fundoplicatura associada à


hiatoplastia (Figuras 3 e 4), procedimento no qual o
fundo gástrico é suturado em torno do esôfago distal,
elevando a pressão no EIE. A fundoplicatura de Nissen
(válvula periesofágica com o envolvimento de 360 graus)
é o tratamento de escolha. O acesso é abdominal, sendo
a via laparoscópica preferível.
A recomendação atual é que a válvula seja realizada
sem tensão, torção ou estenose. Embora a liberação de
todos os vasos gástricos curtos não seja sempre
necessária, a ampla mobilização do fundo gástrico é
obrigatória.
As fundoplicaturas parciais eram indicadas na
presença de dismotilidade esofageana (motilidade
ineficaz relacionada à DRGE) comprovada por
manometria para evitar disfagia no pós-operatório,
contudo, esse conceito vem sendo deixado de lado e
hoje é preconizada a fundoplicatura total na maior parte
dos casos, exceto nos pacientes com completa
aperistalse esofageana.
A fundoplicatura parcial também tem espaço nos
casos de DRGE idoso, pacientes com sintomas de
disfagia ou, ainda, se durante o ato cirúrgico revelar-se
uma alternativa anatomicamente mais favorável.

Figuras 3 e 4 – Confecção da válvula antirrefluxo via laparoscopia. Note a


posição do fundo gástrico totalmente solto ao lado do esôfago (sem tensão)
e que ela é realizada ao fixar o estômago, circunferencialmente (360 graus)
ao esôfago.

E a estenose esofágica?

Deve ser tratada com dilatação endoscópica do


esôfago distal, semelhante a acalasia em pacientes
francamente sintomáticos. Após a dilatação pode-se
optar pela manutenção com IBP em altas doses por
tempo prolongado ou indicar uma cirurgia antirrefluxo.

Pontos Importantes
Para se comprovar a DRGE é necessária a presença
de retorno do conteúdo alimentar gástrico para o
esôfago ou estruturas adjacentes associado à
sintomas ou achados endoscópicos.
A ocorrência de refluxo gastroesofágico de curta
duração, principalmente após as refeições é comum
e não configura a DRGE.
O diagnóstico é realizado clinicamente e não há
necessidade de exames adicionais em um primeiro
momento em pacientes jovens com sintomas típicos
sem presença de sinais de alarme.
A EDA é um exame bastante específico para o
diagnóstico de DRGE, porém é pouco sensível, haja
vista que complicações como esofagite e estenose
são vistas em menos de 30 e 10% dos casos,
respectivamente.
O pilar do tratamento se baseia em mudanças
comportamentais, tratamento farmacológico e
cirúrgico.
Dentre as complicações mais importantes estão a
estenose péptica e o esôfago de Barrett, este último
é considerado lesão precursora de adenorcarcinoma
e deve ser devidamente acompanhado.
Com o surgimento do esôfago de Barrett, os
sintomas de pirose normalmente tendem a se
atenuar, pois houve a modificação do epitélio
estratificado pelo colunar, este adaptado a receber
conteúdo ácido.
A escolha terapêutica baseia-se na individualização
do caso, da gravidade dos sintomas, na influência
na qualidade de vida e perspectiva do paciente
O diagnóstico correto é inequívoco da relação dos
sintomas com a DRGE é a chave do sucesso na
indicação cirúrgica.
A técnica adequada e a experiência da equipe
cirúrgica são fatores ligados ao sucesso e baixo
índice de complicações e efeitos colaterais do
procedimento.
A recidiva dos sintomas pode acontecer em
porcentagem de 10-30% e deve ser discutida e
alertada ao paciente já no pré-operatório.

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Caso 02 | Acalasia
Autores: Estevão Moreira David, Debora Faria Nogueira, Rodrigo
Pereira Peixoto,
Ana Júlia Machado Talma, Sofia Machado Talma
Orientador: Frederico Cantarino Cordeiro de Araújo

História Clínica
V. F. D. S., 39 anos, sexo feminino, solteira, branca,
natural da zona rural de Santos Dummont – MG,
residente em Juiz de Fora/MG. Foi encaminhada ao centro
de Cirurgia do Aparelho Digestivo queixando-se de
disfagia progressiva. Quadro inicialmente para sólidos,
progredindo lentamente para disfagia intensa, mesmo
para líquidos, acompanhada de regurgitação de
alimentos não digeridos, dor retrosternal em queimação
e tosse frequente. Houve perda ponderal de 50 kg nesse
período de 4 anos (peso inicial de 120 kg).

Antecedentes: Sem comorbidades. Nega hipertensão


arterial sistêmica e diabetes mellito. Nega alergias, uso
de medicações, duas cesáreas prévias. Ex-tabagista, 24
maços-ano. Cessou 3 meses antes da consulta.

Exame Físico
Bom estado geral, corada, hidratada, afebril,
anictérica, lúcida, orientada no tempo e espaço.
Avaliação nutricional subjetiva global: desnutrição
leve.

Sinais vitais: PA 120x70, FC 64 bpm, FR 18, SatO₂%


96%.

Exame cardiológico e respiratório sem alterações.

Exame abdominal sem alterações.

Impressão diagnóstica inicial:

Disfagia a esclarecer, com alarme de perda ponderal.


Faz-se necessário pensar em câncer de esôfago.
Entretanto, a evolução lenta sugere doença benigna-
acalasia?

Exames Complementares

Endoscopia Digestiva Alta

Esôfago:

Estase de resíduos alimentares líquidos, aspiráveis.


Mucosa com relevo inalterado em todo o trajeto. Calibre
moderadamente aumentado. Peristase ausente.
Transição coincide com o pinçamento diafragmático
Transição com calibre diminuído, transposta com
resistência discreta. Ausência de lesões estenosantes ou
suspeitas.
Estômago:

Forma, volume e peristaltismo preservados. Lago


mucoso claro, em quantidade fisiológica. Mucosa do
fundo, corpo e antro integra. A incisura angular encontra-
se regular. Hiato diafragmático competente à retrovisão
do aparelho. Piloro centrado e permeável.

Duodeno:

O bulbo apresenta-se anatômico e com mucosa


íntegra. Segunda porção com mucosa íntegra.

Conclusões:

Ausência de lesões suspeitas esofágicas.

Dilatação do esôfago – megaesôfago?

Acalasia da cárdia?

Afastada a hipótese de câncer de esôfago e reforçada


a hipótese de acalasia, a paciente foi então investigada
com um exame contrastado esofágico.

Esofagograma contrastado:
Figura 1 –Esofagograma contrastado. Observe os achados de dilatação do
corpo do esôfago e afilamento distal em “ponta de lápis”.

Os achados do esofagograma evidenciam um esôfago


dilatado de 5 cm de diâmetro, o que configurando um
megaesôfago grau II. Além disso, há um afilamento distal
“em ponta de lápis”, falando a favor da acalasia da
cárdia. Os resultados reforçam ainda mais a hipótese de
acalasia da cárdia como diagnóstico. A paciente então foi
submetida ao exame padrão ouro para essa hipótese:

Manometria

Exame incompleto por sonda de manometria, pois não


foi possível transpor o esfíncter esofagiano inferior, que
se encontrava hipertônico.

Corpo esofágico com redução das pressões,


sugerindo:
NÃO CONSEGUIU REALIZAR A MANOMETRIA POR NÃO
TER CONSEGUIDO PASSAR A SONDA PELA CÁRDIA-
ESFÍNCTER HIPERTÔNICO

Lab (17/01/2019): sem alterações.

ECG (31/01/2019): bradicardia sinusal.

Laboratório:

Sorologia para Doença de Chagas: negativa.

Hb 12,1 g/dL (12,0 a 15,5)

Ht 35,6% (35 a 45%)

Leucócitos 5230 (3.500 a 10.500)

Plaquetas 330.000 (150.000 a 450.000)

Ureia 22 (10 a 50)

Creatinina 0,4 (0,60 – 1,10)

Potássio 3,9 (3,5 a 4,5)

Sódio 144 (135 – 145)

INR 1,1 (menor que 1,0)

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Diante do exposto, o diagnóstico de trabalho foi de
acalasia da cárdia com megaesôfago grau II, forma
idiopática.
Tratamento
A paciente foi submetida ao tratamento cirúrgico
padrão: Cardiomiogomia + Fundoplicatura a Heller
Pinotti, por videolaparoscopia.

O procedimento ocorreu sem intercorrências. No


primeiro dia de pós-operatório, paciente tolerou ingestão
de líquidos (sem disfagia). Recebeu alta tolerando bem a
dieta pastosa com proposta de progressão gradual da
consistência da dieta.

Ao seguimento clínico, a paciente permanece


assintomática, decorridos 6 meses da cirurgia quando da
escrita deste relato.

Figura 2 – Visão videolaparoscópica da cardiomiotomia. Observe o esôfago


dissecado exposto, e já realizada a cardiomiotomia anterior. Pode-se
observar dos bordos da miotomia direito (1) e esquerdo (2), e a mucosa
exposta do esôfago (3) ao estômago (5), passando pela transiçao
esofagogástrica (4).
Figura 3 – Visão videolaparoscópica do final do procedimento. Podemos
observar a fundoplicatura posterior, lateral esquerda e anterior cobrindo a
área de cardiomiotomia.

Questões Para Orientar A Discussão

1. Pela história e exame clínico e complementar, qual


é a doença apresentada?
2. Quais são os fatores de risco para o
desenvolvimento dessa doença e como se dá a
sua evolução?

3. Quais são as complicações e critérios de


gravidade?
4. Quais são as possibilidades de tratamento dessa
doença?
5. Quais são as indicações de tratamento cirúrgico
para essa doença?

Discussão

Conceitos

O radical "calasia" é derivada do grego khalasis,


traduzido como "relaxamento", sendo a acalasia o "não
relaxamento". A acalasia é uma doença motora que
acomete o esôfago, manifestando-se com um esfíncter
esofagiano inferior que oferece obstáculo à descida do
bolo alimentar, e um corpo esofágico que tem peristalse
inadequada. Pode ser um transtorno idiopático ou em
razão da Doença de Chagas.

Epidemiologia

É o distúrbio motor primário mais comum do esôfago,


ocorrendo com maior frequência em pacientes de 25 a
60 anos de idade. Esse distúrbio de motilidade afeta uma
pessoa em 100.000 por ano, incidência observada na
Europa e América do Norte.

A incidência no Brasil não é bem documentada e


carece de investigação direcionada. Sobretudo por no
Brasil coexistir a acalásia idiopática com a acalásia
secundária a uma doença infecto parasitária, como
veremos abaixo.

Etiologia

A acalasia pode ser dividida em primária (idiopática),


forma mais comum, ou secundária. No Brasil, a principal
causa secundária é a Doença de Chagas. Outras
etiologias mais raras são gastroenterite eosinofílica,
amiloidose e sarcoidose, de fisiopatologia controversa e
pouco compreendida.

Patogênese

As alterações encontradas na acalasia são


consequentes do comprometimento do plexo mioentérico
de Auerbach (presente na parede esofagiana e
responsável pela coordenação motora do esôfago),
gerando disfunção do EEI pela perda de interneurônios
inibitórios, produtores de óxido nítrico, com consequente
não relaxamento dele.

Na forma idiopática, acredita-se que esse


comprometimento do plexo mioentérico se dá por um
evento autoimune ou de imunidade cruzada a um gatilho
ambiental (desconhecido), enquanto na forma
secundária, a Doença de Chagas, tal comprometimento
vem pela destruição direta do parasita T. cruzi.
Manifestações clínicas

Os sintomas são consequentes à disfunção do


esfíncter esofagiano inferior e corpo esofágico por
desenvolverem obstrução mecânica à passagem do bolo
alimentar e uma incapacidade de peristalse esofágica
adequada. A disfagia de condução baixa é a principal
queixa que surge de forma insidiosa e progride ao longo
de meses a anos. Inicialmente, há disfagia para sólidos e
posteriormente para líquidos.

Para auxiliar na deglutição, os pacientes durante a


alimentação ingerem água para que a coluna líquida no
esôfago promova a abertura da cárdia. Também é
relatado inclinação do tronco e extensão do pescoço para
auxiliar na deglutição.

Em razão da obstrução à passagem do bolo alimentar,


o esôfago retém esse material ocasionando sua dilatação
progressiva descrita como megaesôfago. A maioria
desenvolve halitose devido à mistura de material não
digerido e saliva no esôfago.

A regurgitação desse material ocorre em um terço dos


pacientes, podendo ser acompanhada de crises de tosse
e broncoespasmo devido à broncoaspiração. A
regurgitação ocorre não associada ao reflexo de vômito e
pode surgir principalmente quando o paciente fica em
decúbito. O material estagnado no esôfago é irritativo
para a mucosa, gerando queimação retrosternal,
podendo levar ao desenvolvimento de carcinoma
escamoso de esôfago após um tempo médio de doença
de 15-25 anos.

Perda de peso é esperada e ocorre de forma insidiosa.


Já perda abrupta associada a sintomas disfágicos devem
chamar a atenção do médico para câncer de esôfago.

Diagnóstico

Em razão da disfagia, o primeiro exame que todos os


pacientes devem ser submetidos é a endoscopia
digestiva alta para excluir “pseudoacalasias” decorrentes
de lesões obstrutivas no esôfago distal.

Endoscopia Digestiva Alta (EDA)

A Endoscopia Digestiva Alta deve ser realizada para


descartar causas de tais diagnósticos diferenciais, como
estenose péptica esofágica, esofagite eosinofílica,
esclerose sistêmica, membranas e anéis, e, sobretudo,
câncer de esôfago.

No paciente com acalasia pode ser identificado um


esôfago dilatado ou tortuoso, material alimentar residual,
e resistência à passagem pela Junção Esofagogástrica
(JEG). Embora a endoscopia possa sugerir acalasia,
outros testes devem ser realizados para confirmar o
diagnóstico.
Esofagograma baritado

A clássica aparência de “bico de pássaro” da acalasia


em um estudo de deglutição de bário é uma imagem
bem típica da doença. Outras características
radiográficas sugestivas de distúrbio esofágico, incluem
a dilatação esofágica (megaesôfago), presença de
contrações esofagianas não peristálticas e atraso no
esvaziamento esofagiano.

De acordo com o calibre esofágico, o megaesôfago


pode ser classificado, segundo Rezende-Mascarenhas,
em quatro graus:

até 4 cm;

entre 4 e 7 cm;
7 e 10 cm;

maior que 10 cm ou tortuoso (diz-se dólico o


megaesôfago tortuoso, com perda de seu eixo
longitudinal).

Manometria Esofágica

Exame padrão para diagnosticar e classificar a


acalasia. A manometria esofágica consiste na passagem
de cateter flexível pelo esôfago com aferição das
pressões e contrações esofágicas ao longo do
comprimento do órgão.
Esse exame consegue observar as alterações
características fisiopatológicas da doença: déficit do
relaxamento e hipertonia do EEI; hipocontratilidade e a
peristalse do corpo esofágico. De acordo com os
achados, o transtorno pode ainda ser classificado em
incipiente, não avançado ou avançado, pela manometria.

Atualmente, surgiu a manometria de alta resolução,


com maior capacidade e acurácia diagnóstica e que
permite identificar três subtipos da doença (I, II e III),
com implicações prognósticas e terapêuticas.

Infelizmente, tal exame é caro, complexo e pouco


disponível.

Tratamento

Nenhuma terapia atual pode alterar a patologia


subjacente da acalasia, e todas as opções de tratamento
disponíveis são direcionadas apenas para a controle dos
sintomas – sobretudo a disfagia. O objetivo do
tratamento é resolver o efeito de estenose que o EEI
impõe sobre o esôfago. Para isso, há diversas
modalidades terapêuticas.

Cardiomiotomia com Fundoplicatura a


Heller Pinotti

É o tratamento padrão para acalasia. Nela é realizada


a secção das fibras musculares circulares do EEI. A
abordagem laparoscópica é preferida pela menor
morbidade-mortalidade. A cardiomiotomia de Heller é
superior a uma única dilatação pneumática em termos de
eficácia e durabilidade, com taxas de eficácia de 88%
(superioridade essa atenuada ao se realizar dilatações
pneumáticas seriadas).

Devido à cardiomiotomia extensa, 20% dos pacientes


podem desenvolver refluxo gastroesofágico no pós-
operatório. Por isso, deve-se associar uma fundoplicatura
para conter o refluxo pós cirúrgico. Evita-se as
fundoplicaturas circunferenciais totais por cursarem com
disfagia residual (lembre-se que o esôfago tem sua
peristalse ineficaz, e isso é irremediável). Prefere-se
fundoplicaturas parciais, como a anterior (Dor) quanto a
posterior (Toupet) ou a póstero-lateral esquerda (Pinotti),
sendo esta última a preferência dos autores.

Dilatação pneumática seriada por balão


endoscópico

Trata-se de procedimento de dilatação do EEI com


balão pneumático, rompendo suas fibras musculares,
feito por endoscopia e guiado por radioscopia.

Os resultados iniciais são bons, com alívio da disfagia


em até 90% dos casos. Dilatações únicas, porém, são
fadadas à recidiva da disfagia. Dessa forma, no intuito de
minimizar o retorno dos sintomas, é necessário repetir-se
a dilatação de forma seriada a cada 1-6 meses.

Há calibres diferentes de dilatação. Quanto maior,


mais eficaz, porém maior é a chance de complicações,
como laceração e perfuração esofágica.

Esofagectomia

Última linha de tratamento na acalasia, a


esofagectomia está geralmente indicada nos casos
graves e refratários às terapias anteriores – tipicamente
megaesôfago avançado (grau IV) devido às graves e
irreversíveis alterações estruturais do órgão. É realizada
por via trans-hiatal, e apresenta elevada
morbimortalidade.

Outros Tratamentos

Farmacoterapia

A farmacoterapia desempenha um papel muito


limitado no tratamento de pacientes com acalasia e deve
ser usada em estágios muito precoces da doença,
temporariamente antes de tratamentos mais definitivos,
ou para pacientes que falham ou não são candidatos a
outras modalidades de tratamento, sobretudo por alto
risco para os procedimentos cirúrgicos/endoscópicos. O
objetivo da farmacoterapia para a acalasia é o alívio da
obstrução funcional do esôfago inferior pelo relaxamento
do EEI inferior. São opções terapêuticas os bloqueadores
dos canais de cálcio (nifedipina 10-30 mg por via
sublingual 30-45 min antes das refeições) e os nitratos
de ação prolongada (dinitrato de isossorbida 5 mg por via
sublingual 10-15 min antes de uma refeição). Possuem
ainda efeitos adversos (cefaleia, hipotensão ortostática
ou edema) que limitam o uso contínuo e não
interrompem a progressão da doença.

Toxina botulínica

A injeção de toxina botulínica intramural e


circunferencial pode ser utilizada com bons resultados
imediatos no controle dos sintomas, mas com recorrência
alta em 3-6 meses. A toxina age inibindo neurônios
excitatórios parassimpáticos, sendo indicado para
pacientes com alto risco cirúrgico. Evita-se repetir a
injeção mais do que duas vezes.

Cardioplastias

Na tentativa de um procedimento menos mórbido que


a esofagectomia, outras técnicas foram aventadas.

No Brasil, sobretudo na Bahia, pratica-se a cirurgia de


Serra Dória. Ela consiste numa cardioplastia na forma de
esofagogastrostomia laterolateral, rompendo o EEI.
associada à gastrectomia parcial com reconstrução em Y
de Roux. Assim, não há secreção ácida para gerar refluxo
ácido, e o Y de Roux impede refluxo alcalino.

Há ainda a cirurgia da Thal Hatafuku, uma


esofagotomia anterior com esofagoplastia
transversa/arqueada, inicialmente utilizada em
estenoses, e tardiamente adaptada à acalasia.

Ambas as cirurgias.

Grupos regionais têm experiências maiores e bons


resultados descritos, mas não foram amplamente
adotadas.

POEM (Per Oral Endoscopic Myotomy)

A Per Oral Endoscopic Myotomy (POEM) é o


tratamento mais recente para acalasia. Trata-se de uma
miotomia seletiva da camada circular da muscular, feita
por via endoscópica, num túnel submucoso.

Trata-se de um procedimento de morbidez


intermediária. É menos mórbido que cirurgias, entretanto
mais mórbido que a dilatação esofágica, com risco
relevante de perfuração esofágica.

Os resultados iniciais são de boa eficácia em


resolução da disfagia, comparável aos demais métodos.
Não se sabe os resultados a longo prazo (faltam estudos
de longo seguimento). Diferentemente do tratamento
cirúrgico, aqui não se confecciona válvula antirrefluxo.
Dessa forma, há risco de doença do refluxo após o
procedimento.

Escolha do método terapêutico

Atualmente, a terapia é baseada nos recursos


disponíveis, na Classificação de Rezende Mascarenhas, e
na classificação manométrica.

A cirurgia videolaparoscópica minimizou muito a


morbidade cirúrgica, e dessa forma a Cardiomiotomia
com Fundoplicatura a Heller Pinotti por via
videolaparoscópica é o tratamento de escolha para a
acalasia. É um tratamento pouco disponível, porém,
deve-se exigir recursos e infraestrutura complexos
(videolaparoscopia avançada) e cirurgião de alto nível
técnico de treinamento. É aplicável em todas as fases da
doença, e traz ótimos resultados nos graus II e III de
Rezende-Mascarenhas, e na acalasia não avançada.

A dilatação pneumática endoscópica seriada é outro


tratamento de importante pertinência. Embora de
eficácia e durabilidade do controle sintomático
levemente inferiores à Cardiomiotomia, é de menor
morbidade também, e consideravelmente mais
disponível. Pode ser usado como forma definitiva no
tratamento, nos casos iniciais (grau I/incipiente), ou nos
casos mais avançados (graus II em diante) sem
condições cirúrgicas. Também pode ser usada como
ponte até que o paciente atinja condição cirúrgica para
se nutrir.

A esofagectomia é evitada a todo custo, e feita em


última instância, por elevada morbimortalidade. Muitos
pacientes optam, nesse contexto, por paliação da
incapacidade nutricional por uma jejunostomia. A
farmacoterapia é raramente utilizada, infelizmente, pela
sua ineficácia.

As cirurgias alternativas, como Serra Dória, têm


importância em centros regionais com experiência em
sua realização, mas tem eficácia não reprodutível.

Novos procedimentos, como POEM e Toxina Botulínica,


ainda carecem de maiores evidências para definir-se o
papel na literatura, mas constituem novas armas no
arsenal terapêutico.

É visto com bons olhos a Manometria Esofágica de


Alta Resolução para auxílio na escolha dos métodos
terapêuticos. Os graus I, II e III descritos respondem de
maneiras distintas a cada método.

Pontos Importantes
Embora não sejam necessariamente sinônimos,
referem-se à doença tanto como acalasia quanto
como megaesôfago na literatura.
Suspeita-se de acalasia nos casos de disfagia de
condução, baixa, associada à regurgitação e perda
ponderal em um caso de evolução crônica.
Toda disfagia deve ser inicialmente investigada com
Endoscopia Digestiva Alta, no intuito de afastar
diagnósticos malignos, dada a gravidade.
Afastada a suspeita de câncer esofágico, a
investigação é realizada por Esofagograma e
confirmada pela Manometria Esofágica.
Não raro, a manometria é incompleta pela
incapacidade de se transpor o esfíncter esofagiano
inferior. Essa situação não deve impedir o médico de
se firmar em um diagnóstico de trabalho e conduta
adequados.
Futuramente, a Manometria Esofágica de Alta
Resolução, ao se tornar mais acessível, auxiliará o
médico-assistente a ponderar entre os métodos
terapêuticos com maior eficácia.
A Cardiomiotomia com Fundoplicatura a Heller
Pinotti por via videolaparoscópica é o tratamento de
escolha para a acalasia, embora pouco disponível.
A dilatação pneumática endoscópica seriada da
cárdia é um ótimo método terapêutico, mais
amplamente disponível, podendo ser utilizada como
forma definitiva em casos iniciais, ou como ponte
em casos muito desnutridos.
A esofagectomia é evitada por alta mortalidade, e a
farmacoterapia por baixa eficácia. Outros métodos
ainda não têm um lugar bem definido na literatura,
no que tange o tratamento da acalasia, mas
compõem o arsenal terapêutico.

Referências
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Caso 03 | Carcinoma De
Esôfago
Autores: Francisco Tustum e Fábio Israel Lima Castelo Branco
Marques

História Clínica
Paciente de 68 anos, masculino, com quadro de
disfagia há 4 meses, com piora progressiva, associada a
dor retrosternal, regurgitação e perda de peso (6 kg).
Antecedentes pessoais: DPOC.

Hábitos e vícios: ex-tabagista, etilista atual

Exame Físico
IMC 19 kg/m².

Exame de cavidade oral sem alterações.


Sem linfonodomegalias superficiais.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Foi solicitada endoscopia digestiva alta.

Exames Complementares
Exames laboratoriais

Hb 11.4 g/dl (12,0 a 15,5)


Ht 36% (35% a 45%)

HCM 34 pg (26 a 34)

VCM 83 fl (82,0 a 98,0)

CHCM 35 g/dl (31,0 a 36,0)

RDW 16% (11.9 – 15,5)


Leucócitos 6.000 (3.500 a 10.500)

Neutrófilos 4.000 (1.700 a 7.000)

Eosinófilos 80 (50 a 500)

Basófilos 200 (0 a 300)

Linfócitos 800 (900 a 2.900)

Monócitos 400 (300 a 900)

Plaquetas 250.000 (150.000 a 450.000)


Ureia 30 (10 a 50)

Creatinina 0,5 (0,60 – 1,10)

Potássio 4,0 (3,5 a 4,5)

Sódio 140 (135 – 145)

INR 0,9 (menor que 1,0)

PTT 2,7 (1,7 a 3,5 s)


Figura 1 – Endoscopia digestiva alta: A 16 cm da arcada dentária superior,
evidenciada lesão ulceroinfiltrativa, friável. Biópsia de lesão: carcinoma
espinocelular, moderadamente diferenciado.
Figuras 2 e 3 – PET-CT: Atividade hipermetabólica em esôfago cervical. Sem
linfonodos captantes.

Paciente apresentou quadros de pneumonias, com


piora progressiva de funcionalidade. Foi optado por
tratamento com quimiorradioterapia definitiva.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Qual é a importância do exame da cavidade oral


neste caso?

2. Quais são os exames fundamentais para


estadiamento deste paciente?

3. Qual é a utilidade da terapia neoadjuvante em


câncer de esôfago?

4. Quais são as formas de paliação da disfagia?

5. O que pode representar a linfopenia em pacientes


oncológicos?

Discussão
O câncer de esôfago é mais comum em homens, com
idade mediana de 68 anos. Representa 1% dos novos
casos de câncer no mundo. Para 2019, no mundo, o
número estimado de novos casos é de 17.650¹. A
sobrevida média global em 5 anos, no Brasil e no mundo,
gira em torno de 20%, tanto para adenocarcinoma
quanto para carcinoma espinocelular². Os fatores de risco
mais comuns são tabagismo e etilismo para carcinoma
espinocelular, e obesidade e doença do refluxo para
adenocarcinoma. A acalasia da cárdia, embora doença
incomum no mundo, aumenta significativamente o risco
para câncer, principalmente para carcinoma
espinocelular3,4.

O carcinoma de esôfago se origina no epitélio, a partir


da progressão de displasias. Os subtipos histológicos
mais comuns são carcinoma espinocelular e
adenocarcinoma. No Brasil, o mais comum é o carcinoma
espinocelular, correspondendo a quase 80% dos
cânceres de esôfago. Outras neoplasias são bem menos
frequentes e correspondem a aproximadamente 3% dos
cânceres de esôfago, como neoplasias neuroendócrinas,
carcinossarcoma e GIST4,5.

O diagnóstico se faz por endoscopia digestiva alta e


biópsia. O estadiamento se faz por PET-CT, endoscopia
digestiva alta, USG-endoscópico e traqueo-laringo-
broncoscopia⁵.
O PET-CT tem como importância investigar
metástases a distância e linfonodais. A avaliação da
tomografia permite também a avaliação do contato do
tumor com estruturas nobres, como via aérea e grandes
vasos4,5.

A endoscopia digestiva alta, além do diagnóstico


histopatológico, permite mensurar a extensão do tumor,
a topografia do tumor em relação à arcada dentária
superior, avaliar lesões sincrônicas no esôfago (o que é
de suma importância, principalmente, para casos de
carcinoma espinocelular, em que o risco de neoplasias
sincrônicas é significativo) e avaliar o estômago, para
considerar possível reconstrução esofágica com tubo
gástrico⁶.
O USG-endoscópico é relevante, principalmente, para
avaliar a extensão do tumor na parede esofágica
(avaliação do estadiamento T). Permite avaliar também a
presença de linfonodos regionais, com suspeita para
acometimento neoplásico⁶.
A traqueo-laringo-broncoscopia é importante para
avaliar quanto à infiltração do tumor em via aérea e,
principalmente, para carcinoma espinocelular, avaliar
quanto à presença de neoplasias sincrônicas de via
aérea⁷.
Cânceres de esôfago com metástases a distância não
são considerados para tratamento com intuito curativo.
Nessa situação, o mais importante é a paliação dos
sintomas. Nesses casos, o sintoma mais comum é a
disfagia. O uso de próteses endoscópicas tem boa
eficácia para tratamento da disfagia, embora costumam
ter maiores risco de complicações em tumores próximos
aos esfíncteres superior e inferior do esôfago. Podem ter
como complicação o sangramento, pirose retroesternal,
dor retroesternal ou migração. Em casos em que a
prótese endoscópica não é factível, a sonda nasoenteral
ou gastrostomia/jejunostomia cirúrgicas são as opções
para via alimentar. O tubo gástrico com intuito paliativo é
utilizado em situações restritas, dado o risco de
complicações cirúrgicas7, 8, 9.
Para neoplasias sem linfonodos acometidos, até T1a, a
ressecção endoscópica é usualmente empregada7, 8.

Para neoplasias T1b ou T2, sem linfonodos


acometidos, a esofagectomia, a princípio, pode ser
empregada, embora em casos de T2N0, há controvérsias
quanto ao emprego de terapia neoadjuvante7, 8.

Para os demais casos de neoplasias de esôfago, o


tratamento curativo se faz com terapia neoadjuvante,
pois ela diminui o risco de micrometástases, bem como o
volume tumoral, melhora o controle locorregional da
doença e aumenta substancialmente as taxas de
sobrevida a longo prazo em comparação à cirurgia
isolada⁶.
A esofagectomia pode ser feita por meio dos acessos
transtorácicos, em que a qualidade da linfadenectomia
torácica é maior, e trans-hiatal, em que o paciente se
submete a menores riscos das complicações
pulmonares⁶.

A quimiorradioterapia definitiva é a opção terapêutica


para neoplasias localizadas, mas irressecáveis, ou para
pacientes sem condições clínicas para serem submetidos
a esofagectomia. O risco para recidiva é maior do que o
tratamento neoadjuvante seguido de esofagectomia,
mas permite a chance de cura em pacientes outrora
considerados paliativos, especialmente para carcinoma
espinocelular, em que a resposta a esta terapia é
melhor⁸.

Pontos Importantes
A disfagia rapidamente progressiva é o sintoma
mais comum;

O diagnóstico se faz com endoscopia digestiva alta


e biópsia;
Após o diagnóstico, o tratamento se baseará no
correto estadiamento (PET-CT, traqueo-laringo-
broncoscopia, USG-endoscópico);
Pacientes com metástases a distância não são
candidatos a tratamento com intuito curativo, e o
foco de seu tratamento é a paliação da disfagia;

Pacientes com tumores ressecáveis se beneficiam


da terapia neoadjuvante seguidos de esofagectomia
na maioria das vezes (exceto em casos
extremamente precoces);
Quimiorradioterapia definitiva é opção de
tratamento para pacientes com neoplasia
irressecável ou em pacientes sem condições clínicas
para serem submetidos a esofagectomia.

Referências
1. Ferlay J, Shin HR, Bray F et al (2010) Estimates of
worldwide burden of cancer in 2008: GLOBOCAN
2008. Int J Cancer. 127: 2893-2917.
2. Tustumi F, Kimura CM, Takeda FR, Uema RH, Salum
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3. Tustumi F, Takeda FR, Kimura CM, Sallum RA, Ribeiro


U Junior, Cecconello I. Esophageal carcinoma: is
squamous cell carcinoma different disease
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Cecconello I. Esophageal achalasia: a risk factor for
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World J Gastroenterol. 2018 Sep 21;24(35):3965-
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Caso 04 | Câncer Gástrico
Autores: Mikhael Belkovsk, Bruno Vinicius H. de Mattos, Amir Zeide
Charruf

História Clínica
T.M.R, 75 anos, sexo feminino, queixa-se de
epigastralgia, náuseas e vômitos pós-prandiais há um
ano. Paciente com antecedente de HAS, DM,
apendicectomia há 30 anos, histerectomia e anexectomia
esquerda há 26 anos por miomatose uterina. Nega
antecedente familiar de neoplasias. Nega tabagismo e
etilismo.

Exame Físico
Sinais Vitais: PA: 120x70, FC: 90bpm, FR: 18, SatO₂%:
97%, IMC: 21,3

Paciente em bom estado geral, lúcida, orientada em


tempo e espaço. Hidratada, anictérica, acianótica, afebril.
Abdome plano, flácido, ruídos hidroaéreos presentes,
percussão timpânica, sem alterações à palpação
superficial e profunda, com descompressão brusca
negativa. Incisões cirúrgicas prévias de Phannenstiel e
Rockey-Davis.
Prosseguimento Do Caso Após
Avaliação Clínica
Foi solicitada avaliação laboratorial e endoscopia
digestiva alta.

Exames Complementares

Exames laboratoriais

Hb 13,7 g/dl (12,0 a 15,5)


Ht 42,3% (35% a 45%)

Leucócitos 6.520 (3.500 a 10.500)

Creatinina 0,68 (0,60 a 1,10)

Potássio 4,0 (3,5 a 4,5)

Sódio 143 (135 a 145)

Albumina 4,2 (3,5 a 5,2)

Endoscopia digestiva alta

Figura 1 – Presença de lesão ulcerada com bordas bem delimitadas medindo


4 cm com centro apresentando pouca fibrina e necrose, localizada na parede
anterior de antro médio-distal. Piloro facilmente transponível. Realizadas
Biópsias.

Conclusão: Neoplasia avançada Borrman II -


Realizada biópsias

Biópsias: Adenocarcinoma invasivo de subtipo


histológico tubular.
Dessa forma, foi feito o diagnóstico de
adenocarcinoma de estômago, e solicitada
tomografia computadorizada de tórax, abdome e
pelve para estadiamento.

Tomografia computadorizada de tórax, abdome


e pelve

Figura 2 – Achados - Presença de espessamento parietal irregular


acometendo parede gástrica sem sinais de invasão de órgãos adjacentes,
ausência de linfonodomegalias abdominais. Ausência de metástase ou sinais
de carcinomatose peritoneal.
Diagnóstico E Conduta
Paciente com câncer de estômago (CE), tipo
adenocarcinoma tubular com estadiamento clínico
T3cN0cM0 (estadio IIA) com condição clínica e nutricional
adequada. Optou-se por tratamento cirúrgico após
discussão com equipe multidisciplinar. Paciente foi
submetida a gastrectomia subtotal videolaparoscópica
com linfadenectomia D2 e reconstrução “Y de Roux”.

Anatomopatológico

Figuras 3 e 4 – Histologia: Adenocarcinoma tubular moderadamente


diferenciado; infiltração em profundidade: até a camada subserosa; Invasão
linfática e perineural: presentes; presença de metástases em 02 de 37
linfonodos regionais (02/37) – Cadeia 4D, grande curvatura gástrica.
Estadiamento após anatomopatológico: pT3pN1pM0

Questões Para Orientar a Discussão

1. Quais são os fatores de risco para o


desenvolvimento desse tumor e a sua evolução?
2. Após o diagnóstico de Câncer Gástrico qual a
melhor forma de realizar o estadiamento clínico?

3. Quando indicar o tratamento neoadjuvante?

4. Quais são as possibilidades de tratamento


cirúrgico?

5. Quais são as indicações de realização de


quimioterapia adjuvante?

6. Quais os fatores prognósticos?

Discussão

Conceito

O Estômago é um importante sítio de neoplasias


malignas, destacando-se, além do Adenocarcinoma
gástrico, os tumores estromais (GIST), Linfoma gástrico,
tumores neuroendócrinos, sarcomas, dentre outros.
Embora existam diversos tipos de tumores gástricos
malignos, o Adenocarcinoma Gástrico figura como a
principal causa de neoplasia maligna, estando presente
em cerca de 95% dos casos diagnosticados1, 2.

A importância do câncer de estômago deve-se


principalmente a sua alta letalidade, sendo considerado a
segunda causa de morte por câncer no mundo. Essa alta
letalidade deve-se principalmente a agressividade da
doença associado a um diagnóstico e tratamento
tardios³.

Epidemiologia

A incidência apresentada pelo INCA (Instituto Nacional


do Câncer - Ministério da Saúde) em 2018 no Brasil é de
21.290 novos casos, sendo 13.540 homens e 7.750
mulheres, com um número de óbitos estimados em
14.264, sendo 9.132 em homens e 5.132 mulheres1, 2, 3,

4.

O Câncer Gástrico é uma doença multifatorial, com


importância etiológica tanto em fatores genéticos como
ambientais, que geralmente se somam na gênese do
tumor. Embora alguns fatores como história familiar, sexo
e idade não possam ser modificados, fatores ambientais
como tabagismo, infecção por H. pylori e melhoria de
saneamento básico quando modificados reduzem a
incidência de Câncer Gástrico, fenômeno esse que vem
acontecendo em diversos lugares do mundo
desenvolvido⁴.

Os principais fatores de risco para o desenvolvimento


de câncer são: sexo masculino, idade maior que 50 anos,
etnia asiática (a incidência e a mortalidade por CG no
leste asiático são duas vezes superiores às médias
mundiais), classe social baixa, ingestão de alimentos
conservados com altas doses de sal ou defumados,
infecção por H. pylori, consumo de alimentos altamente
processados, consumo excessivo de carne vermelha,
obesidade e tabagismo⁴.

Existe atualmente uma preocupação com a distinção


entre adenocarcinomas decorrentes da cárdia e outras
partes do estômago (não cárdia), pois existem causas
epidemiológicas e padrões de respostas ao tratamento
diferentes, sendo que os tumores da Cárdia apresentam
aspectos semelhantes aos adenocarcionomas de
esofágo, com relação mais próxima à obesidade,
tabagismo e doença do refluxo gastroesofágico⁵.

Patogênese

A popular classificação de Lauren divide o CG em dois


principais tipos: o tipo intestinal (menos indiferenciado) e
o tipo difuso (mais indiferenciado). O tipo intestinal está
mais relacionado com um estado inflamatório da mucosa
gástrica, causado por carcinógenos químicos presentes
na bactéria H. pylori e em outros fatores ambientais,
enquanto o tipo difuso está mais relacionado a fatores
genéticos. A principal diferença do ponto de vista
molecular entre os dois é que o tipo difuso não expressa
a e-caderina, molécula responsável pela manutenção da
adesão intercelular, causando o padrão difuso, observado
histologicamente⁶.
Apesar da divisão histológica de Lauren conseguir
demonstrar uma fisiopatologia bem definida com relação
à infecção por H. pylori, atrofia gástrica, metaplasia e
displasia como causa de câncer gástrico, ela falha devido
à heterogeneidade do câncer gástrico, assim como não
medição real do prognóstico e possibilidades de terapia6,
7.

Recentemente uma nova classificação baseada em


expressão genética dividiu os tumores em quatro
subtipos moleculares: Instabilidade de microssatélite
(MSI), Epstein-Barr vírus positivo, instabilidade
cromossomial e genomicamente estável. Essa divisão
classifica os tumores gástricos em grupos mais
homogêneos, com um melhor entendimento do potencial
prognóstico e terapêutico. Além de possibilitar
identificação de biomarcador e terapia alvo para cada
subtipo, particularmente o relacionado ao EBV ou MSI6, 7.

Diagnóstico

Os sintomas relacionados ao Câncer Gástrico não são


específicos, o que acaba dificultando e atrasando o
diagnóstico. Sintomas como dor epigástrica e queimação
sem melhora após tratamento específico, perda de peso,
anorexia, fadiga, plenitude gástrica, vômitos e
desconforto abdominal persistente podem levantar a
suspeita clínica1, 8.
Durante o exame físico, massas abdominais palpáveis
em andar superior, ascite, linfonodo supraclavicular
esquerdo (“linfonodo de Virchow”) ou linfonodo
periumbilical palpável (sinal de “Sister Mary Joseph”),
podem indicar presença de doença avançada,
geralmente sem possibilidade de tratamento curativo⁸.

Na suspeita de CG, o exame padrão para o


diagnóstico é a endoscopia digestiva alta com biópsia.
Uma vez que 5% das úlceras malignas possuem
aparência macroscópica benigna, a biópsia é
fundamental não apenas para definir o tipo histológico,
mas também para afirmar que se trata de neoplasia. É
importante ressaltar que há formas de CG, que se
apresentam com biópsia superficial negativa. Um
exemplo disso é a “linite plástica”, uma forma
particularmente agressiva do subtipo difuso. Isso ocorre
porque o tumor infiltra apenas a submucosa e a
muscular⁸.

Achados laboratoriais

Em alguns pacientes pode ocorrer anemia devido ao


sangramento pela lesão ulcerada. Além de hemograma,
deve ser solicitado plaquetas, função hepática e renal
para avaliar presença de metástases. Marcadores
tumorais elevados como CEA e CA19-9, podem indicar
doença metastática1, 8.
Estadiamento

Após o diagnóstico de adenocarcinoma gástrico, é


realizado o estadiamento clínico para definição de
prognóstico e possibilidades de tratamento. O exame de
escolha é a tomografia de tórax, abdome e pelve. Em
alguns pacientes com suspeita de tumor precoce a
Ecoendoscopia é necessária para definir grau de invasão
da parede gástrica e a presença de acometimento
linfonodal. O Câncer gástrico precoce é definido como
presença de células tumorais até a submucosa,
independente do acometimento ou não de linfonodos1, 7,
8.

A revisão mais recente do American Joint Committee


on Cancer (AJCC) feita em conjunto com a Union for
International Cancer Control (UICC) estratifica os
pacientes com CG de acordo com a classificação TNM (
Grau de invasão da lesão na parede do órgão, presença e
número de linfonodos acometidos e presença ou não de
metástase). A presença de doença linfonodal é
considerada um dos principais fatores prognósticos do
Câncer Gástrico, tanto em doenças precoces quanto
avançadas1, 7, 8.

Estadiamento TNM 7ª edição 2010

T – Tumor primário

pTis Carcinoma in situ

pT1 pT1a Tumor invade a lâmina própria ou muscular da mucosa


Estadiamento TNM 7ª edição 2010

pT1b Tumor invade a submucosa

pT2 Tumor invade a muscular própria

Tumor penetra o tecido conjuntivo subseroso, mas não invade


pT3
peritônio visceral ou estruturas adjacentes

pT4a Tumor invade serosa (peritônio visceral)


pT4
pT4b Tumor invade estruturas adjacentes

Estadiamento TNM 7ª edição 2010

N – Linfonodos

pNO Sem metástases linfonodais

pN1 Metástases em um a dois linfonodos regionais

pN2 Metástases em três a seis linfonodos regionais

pN3a Metástases em sete a 15 linfonodos regionais


pN3
pN3b Metástases em 16 ou mais linfonodos regionais

Estadiamento TNM 7ª edição 2010

M – Metástases

MO Sem metástases à distância

M1 Metástases à distância

Agrupamento pelo TNM

0 pTispN0M0

IA pT1pN0M0

IB pT2N0M0

II A pT1pN2M0, pT2pN1M0, pT3N0M0

II B pT1pN3M0, pT2pN2M0, pT3pN1M0, pT4apN0M0


Agrupamento pelo TNM

III A pT2pN3M0, pT3pN2M0, pT4apN1M0

III B pT3pN3M0, pT4apN2M0, pT4bpN1M0, pT4bpN0M0

III C pT4apN3M0, pT4bpN3M0, pT4pbN2M0

IV qqpTqqNM1

A laparoscopia diagnóstica com citologia de lavado


pode fazer parte do estadiamento quando há suspeita de
carcinomatose peritoneal e presença de
linfonodomegalias suspeitas⁸.

Tratamento
Após o diagnóstico e estadiamento do Câncer
Gástrico, as opções de tratamentos serão divididas em
curativos e paliativos⁹.

Tratamento Curativo

O tratamento curativo é reservado para pacientes


com estádio de I a III, podendo ser dividido em Ressecção
local ou Cirúrgico⁹.

Ressecção Local: Em alguns pacientes com


Câncer Gástrico precoce, a ressecção local via
endoscopia pode ser realizada e considerada
curativa, desde que respeite os seguintes critérios:
Tumor seja menor que 2 cm, restrita à mucosa
(pT1a), tipo histológico bem diferenciado, com
ausência de ulceração e linfonodos negativos. A
ressecção deve ser realizada em bloco, com
margens radial e profunda negativa⁹.

Tratamento cirúrgico: O tratamento cirúrgico de


escolha é a gastrectomia com linfadenectomia
adequada e reconstrução em Y-Roux. A escolha da
realização de gastrectomia subtotal ou de
gastrectomia total depende basicamente da
localização do tumor e da possibilidade de margem
proximal adequada (5 cm proximal)⁹.

A linfadenectomia D2 (ressecção dos linfonodos


perigástrico e linfonodos presentes ao longo da artéria
hepática, tronco celíaco, artéria esplênica e em alguns
casos no hilo esplênico) é considerada o procedimento
padrão na cirurgia curativa. A Linfadenectomia D1
(restrita aos linfonodos perigástricos) pode ser realizada
em pacientes com estádio T1N0 ou em pacientes com
alta morbidade⁹.
Figura 5 – A extensão da linfadenectomia após gastrectomia total. Os
números correspondem à estação linfonodal definida na Classificação
Japonesa de Carcinoma Gástrico. A dissecção somente das cadeias
gânglionares em azul denota dissecção D1, associado às cadeias em laranja
D1+ e justamente com as cadeias em vermelho D2.

Neoadjuvância: Embora existam estudos há mais


de uma década com realização de quimioterapia
neoadjuvante, o real benefício da realização da
quimioterapia neoadjuvante ainda é questionado
por muitos especialistas em câncer gástrico. De
maneira geral indicamos a realização de
quimioterapia neoadjuvante em pacientes com
suspeita de tumores t4b ou N+ ⁹.
Adjuvância: A realização de quimioterapia ou
quimioradioterapia adjuvante no Câncer Gástrico
tem a intenção de reduzir a recorrência ao controlar
células tumorais residuais após uma ressecção
curativa. De maneira geral existe melhor benefício
em pacientes pT3 ou N+ ⁹.

Tratamento paliativo

Quimioterapia paliativa: De maneira geral os


pacientes com tumores irressecáveis ou com
doença à distância (estádio IV), são submetidos a
tratamento quimioterápico monodroga com Fluoracil
ou em associação, apresentando baixa taxa de
resposta e prognóstico desfavorável a despeito do
tratamento quimioterápico⁹.

Cirurgia paliativa: A cirurgia paliativa no câncer


gástrico busca promover melhor qualidade de vida e
controlar sintomas. O procedimento mais indicado é
a gastroenteroanastomose, quando se realiza via
procedimento cirúrgico uma anastomose antes da
localização do tumor. Esse procedimento visa o
retorno da alimentação via oral para pacientes com
tumores obstrutivos. Outros procedimentos
possíveis é a ressecção do estômago quando há um
sangramento incontrolável ou a realização de
jejunostomia quando não é possível a realização de
gastroenteroanastomose⁹.
Figura 6 – Fluxograma de tratamento do câncer gástrico

Prognóstico

O prognóstico está diretamente relacionado com o


estádio. Em recente levantamento baseado na
experiência de 10 anos do Instituto do Câncer do Estado
de São Paulo, com pacientes submetidos a gastrectomia
curativa para Câncer Gástrico, ficou demonstrado que os
seguintes fatores estão relacionados a um melhor
prognóstico: idade menor que 70 anos, ASA I/II,
gastrectomia subtotal, linfadenectomia D2, pT1/pT2 e
N0¹⁰.

Pacientes com estádio I quando submetidos ao


tratamento curativo proposto podem ter sobrevida global
em 5 anos próximo a 90%. Já os pacientes com estádio IV
apresentam sobrevida em 1 ano próximo a 20%. Tais
dados constatam a agressividade, dada pela alta taxa de
disseminação hematogênica, linfática e, mesmo por
contiguidade do câncer gástrico. Isso reforça a
importância do diagnóstico precoce e do tratamento
multimodal já estabelecidos ¹⁰.

Pontos Importantes
Adenocarcinoma gástrico é responsável por 95%
dos tumores de estômago.

Câncer gástrico é a segunda principal causa de


morte por câncer no mundo.
Os sintomas relacionados ao Câncer Gástrico não
são específicos, o que acaba dificultando ou muitas
vezes atrasando o diagnóstico.
Diagnóstico de Câncer Gástrico é realizado por
endoscopia digestiva alta.
Estadiamento de câncer gástrico é realizado de
forma geral por Tomografia de tórax, abdome e
pelve.
O tratamento curativo de escolha geralmente é
cirúrgico com realização de Gastrectomia com
linfadenectomia D2 e reconstrução em Y-roux.
Quimioterapia neoadjuvante é uma possibilidade em
pacientes com T4b ou N+.
Quimioterapia adjuvante tem seu papel
complementar em pacientes com pT3 ou pN+.
O principal fator prognóstico em pacientes
submetidos a tratamento cirúrgico curativo é a
presença de células tumorais em linfonodos (pN+).

Referências
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13: 14. Published online 2014 Dec 19. doi:
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and PD-L1 expression in gastric cancer. J Surg Oncol.
2018; 117: 829– 839.
Caso 05 | Bypass Gástrico
X Gastrectomia Vertical
No Tratamento Cirúrgico
Da Obesidade Mórbida
Autor: Gustavo Heluani Antunes de Mesquita
Orientador: Miller Barreto de Brito e Silva

História Clínica
R.C.C., 56 anos, sexo feminino, casada, 2 filhos,
trabalhadora do lar, negra, natural e residente de São
Paulo, foi encaminhada pela Endocrinologia ao Serviço de
Cirurgia do Aparelho Digestivo para avaliação quanto à
possível indicação de cirurgia bariátrica. Paciente conta
história de obesidade há 30 anos. Refere que sempre
esteve acima do peso, mas que teve piora importante do
quadro após a sua primeira gestação, e nova piora após
a segunda gestação. Refere ter tido várias tentativas de
emagrecimento ao longo dos anos, porém sem sucesso.
Refere ter feito tratamento por 3 anos com equipe de
endocrinologia, com uso de topiramato e orlistat, com
perda de 12 kg de peso, porém evoluiu com reganho do
peso perdido após interrupção do tratamento.
Apresenta história de hipertensão arterial sistêmica,
diabetes melito tipo 2, dislipidemia, além de artropatia
em joelho direito, com limitação da locomoção.

Medicações em uso: Enalapril 20 mg/dia,


hidroclorotiazida 25 mg/dia, sinvastatina 40 mg/dia,
metformina 1.700 mg/dia e dipirona 1 g/dia (para
controle de artralgia).

Nega cirurgias prévias ou internações. Refere história


de obesidade e eventos cardiovasculares na família; no
caso, 2 irmãos e a mãe. Nega tabagismo e etilismo.

Exame Físico
Sinais vitais: PA 138 x 86 mmHG, FC 76 bpm, FR 16,
SatO₂% 98%.

Peso 119 kg, altura 1,66 m, IMC 43,18kg/m²

Paciente encontra-se em bom estado geral, lucida,


orientada em tempo e espaço.

Corada, hidratada, anictérica, acianótica, afebril.

Abdome globoso por adiposidade, ruídos


hidroaéreos presentes nos quatro quadrantes,
percussão timpânica, sem dor ou outras alterações
à palpação.

Exames Laboratoriais
Hb 13,6 g/dl (12,0 a 15,5)

Ht 39,6% (35% a 45%)

HCM 31,2 pg (26 a 34)

VCM 87,3 fl (82,0 a 98,0)


CHCM 33,8 g/dl (31,0 a 36,0)

RDW 13% (11.9 – 15,5)

Leucócitos 7.840 (3.500 a 10.500)

Neutrófilos 67,8%; 5.300 (1.700 a 7.000)

Eosinófilos 1,8%; 140 (50 a 500)

Basófilos 0,2%; 20 (0 a 300)

Linfócitos 16,3 % ; 1280 (900 a 2.900)

Monócitos 10,9%; 1.100 (300 a 9.000)

Plaquetas 256.000 (150.000 a 450.000)

PCR 18 (menor que 1,0)


Ureia 36 (10 a 50)

Creatinina 0,83 (0,60 – 1,10)

Potássio 4,0 (3,5 a 4,5)

Sódio 142(135 – 145)

INR 0,8 (menor que 1,0)

PTT 2,4 (1,7 a 3,5 s)

Hemoglobina glicada 8,6% (até 5,9%)


Colesterol total 248mg/dL (até 200mg/dL)

HDL 52mg/dL (maior que 41mg/dL)

LDL 171 mg/dL (menor que 100mg/dL)

VLDL 25mg/dL (menor que 30mg/dL)

Triglicérides 186 (menor que 150mg/dL)

Exames De Imagem
USG de abdome superior: Esteatose hepática grau
2 (moderada), com aumento difuso da ecogenicidade
hepática, com borramento na visualização dos vasos
intra-hepáticos e do diafragma. Não apresenta sinais de
colelitíase.

Endoscopia: Esofagite erosiva leve (Los Angeles A).


Sem hérnia de hiato.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Como se dá o diagnóstico de obesidade e como é


feita sua classificação?

2. Quais são os critérios utilizados para se indicar o


tratamento cirúrgico da obesidade?

3. Quais são as técnicas cirúrgicas mais empregadas


atualmente?
4. Quais são as complicações cirúrgicas mais
prevalentes?

5. Quais aspectos devem ser considerados na


escolha entre as técnicas?

Discussão

Conceitos

Obesidade é definida como uma condição de acúmulo


anormal e/ou excessivo de gordura no tecido adiposo,
causando prejuízos à saúde. A quantidade de gordura em
termos absolutos e sua distribuição pelo corpo – seja
predominantemente no tronco e na cintura (obesidade
abdominal, central ou androide) ou na periferia
(obesidade ginecoide) – tem importantes implicações na
saúde do indivíduo1, 2.

Trata-se de uma doença crônica, de tratamento


complexo e, muitas vezes, ineficiente. Está comumente
associada a comorbidades potencialmente graves, como
hipertensão, diabetes tipo 2, dislipidemia, entre outras,
constituindo o espectro da síndrome metabólica, com
alta prevalência e morbimortalidade, gerando grande
impacto econômico deste conjunto de doenças em
termos de Saúde Pública1, 2.

Epidemiologia
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta a
obesidade como um dos maiores problemas de saúde
pública no mundo. A projeção é que, em 2025, cerca de
2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de
700 milhões, obesos. O número de crianças com
sobrepeso e obesidade no mundo pode chegar a 75
milhões, caso não sejam implantadas medidas globais de
reeducação alimentar e prevenção da obesidade infantil4,
5, 6.

Nas últimas décadas, observou-se uma verdadeira


pandemia de obesidade principalmente nos países
desenvolvidos e em alguns países subdesenvolvidos,
associada ao aumento na incidência de doenças
metabólicas e eventos cardiovasculares, frequentes na
população obesa. Nos Estados Unidos, mais de 30% da
população é obesa e cerca de 60% têm sobrepeso⁵.

No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS),


de 2013, mostram que mais da metade dos brasileiros
(56,9%) estão acima do peso ideal ou apresentam o
Índice de Massa Corporal (IMC) maior do que 25 kg/m2 1,
2, 4.

Ainda de acordo com o PNS, o excesso de peso


aumenta com a idade, de modo mais rápido para os
homens, que na faixa de 25 a 29 anos chega a 50,4%.
Contudo, nas mulheres, a partir da faixa etária de 35 a
44 anos, a prevalência do excesso de peso (63,6%)
ultrapassa a dos homens (62,3%) – resultado este
provavelmente influenciado pela ocorrência da
menopausa –, chegando a mais de 70,0% na faixa de 55
a 64 anos⁴.

Patogênese

A obesidade é resultado de uma conjunção de fatores


genéticos, comportamentais, ambientais, fisiológicos,
sociais e culturais, que culminam em um desbalanço
energético e promovem deposição excessiva de gordura.
O grau de contribuição de cada um desses fatores tem
sido extensamente investigado, e embora genes exerçam
um importante papel na regulação do peso corporal, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que fatores
comportamentais e ambientais (por exemplo, estilo de
vida sedentário associado à alta ingesta calórica) são os
principais responsáveis pelo aumento dramático nos
índices de obesidade nas duas últimas décadas1, 2.

O ambiente moderno é um potente estímulo para a


obesidade. A sociedade moderna facilita e estimula o
consumo excessivo de calorias através da oferta
abundante de alimentos com alta densidade calórica,
alta palatabilidade, baixo poder sacietógeno e de fácil
absorção e digestão, a um preço acessível para muitos.
Além disso, a disponibilidade e a facilidade de se
conseguir tais alimentos, através dos serviços de
delivery, drive-thru e aplicativos de entrega de comida,
entre outros, tornou o ato de fazer uma refeição um
evento extremamente simples e rápido4, 6.

Todas essas características favorecem o aumento da


ingestão alimentar e, portanto, contribuem para o
desequilíbrio energético. O organismo humano, que
durante milhares de anos sobreviveu e evoluiu em um
ambiente de escassez alimentar e altos níveis de gasto
energético, ainda não se adaptou ao novo contexto de
excesso de oferta calórica que conhecemos hoje. O
resultado é a pandemia de obesidade observada no
mundo nos últimos anos⁶.

Diagnóstico e classificação

A medida de massa corporal mais tradicional é o peso


isolado ou peso ajustado para a altura, mais
recentemente, tem-se notado que a distribuição da
gordura corporal, mais do que seu valor absoluto, tem
forte impacto no surgimento de comorbidades
associadas à obesidade. Deve-se notar, a princípio, que
não há avaliação perfeita para sobrepeso e obesidade,
que pode variar de acordo com fatores étnicos e
genéticos5, 6.

O IMC (calculado através da divisão do peso em kg


pela altura em metros elevada ao quadrado, kg/m²) é o
cálculo mais usado para avaliação da adiposidade
corporal. O IMC é um bom indicador, pois é simples,
prático e sem custo. Porém, é importante ressaltar que o
IMC não distingue massa gorda de massa magra,
podendo ser menos preciso em indivíduos mais idosos,
em decorrência da perda de massa magra e diminuição
do peso, e superestimado em indivíduos musculosos. O
IMC também não reflete a distribuição da gordura
corporal5, 6.

Na população brasileira, tem-se utilizado a tabela


proposta pela OMS para classificação de sobrepeso e
obesidade (Tabela 1). Convenciona-se chamar de
sobrepeso o IMC de 25 a 29,9 kg/m² e obesidade o IMC
maior ou igual a 30 kg/m² e de excesso de peso o IMC
maior ou igual a 25 kg/m² (incluindo a obesidade)5, 6.

Tabela 1 – Classificação da Obesidade em Grau/Classe de acordo com o IMC

IMC OBESIDADE RISCO DE


CLASSIFICAÇÃO
(KG/M²) GRAU/CLASSE DOENÇA

Magro ou baixo Normal ou


<18,5 0
peso elevado

Normal ou
18,5-24,9 0 Normal
eutrófico

Sobrepeso ou pré-
25-29,9 0 Pouco elevado
obeso

30-34,9 Obesidade I Elevado

34,9-39,9 Obesidade II Muito elevado

Muitíssimo
>40,0 Obesidade grave III
elevado

Fonte: World Health Organization


Tratamento clínico

O tratamento clínico da obesidade é complexo e


multidisciplinar, fundamentando-se nas intervenções
para modificação do estilo de vida, na orientação
dietoterápica, no aumento da atividade física e em
mudanças comportamentais. No entanto, o percentual de
pacientes que não obtêm resultados satisfatórios com
medidas conservadoras é alto 7.

Tendo em vista que a obesidade e o sobrepeso


cronicamente acarretam complicações e mortalidade
relevantes, quando não há perda de peso com a adoção
das medidas não farmacológicas, o uso de
medicamentos deve ser considerado. Existem,
atualmente, três medicamentos aprovados para
tratamento da obesidade no Brasil: sibutramina, orlistate
e liraglutida 7.

Como é alta a taxa de abandono do tratamento após


perda parcial do peso, muitos pacientes evoluem com
reganho de peso e falha do tratamento farmacológico.
Como doença crônica, a obesidade precisa ser entendida
e tratada como tal⁷.

Tratamento cirúrgico

O tratamento cirúrgico possui indicações formais e


bem estabelecidas na literatura7, 8, 9.
São elas:

Idade de 18 a 65 anos;

IMC igual ou maior que 40 kg/m²; ou


IMC igual ou maior que 35 kg/m² com uma ou mais
comorbidades graves relacionadas com a obesidade
(nas quais a perda de peso induzida cirurgicamente
seja capaz de melhorar a condição), podendo ser
citadas diabetes, apneia do sono, hipertensão
arterial, dislipidemia, doenças cardiovasculares,
asma grave não controlada, hérnias discais,
osteoartroses, refluxo gastroesofágico com
indicação cirúrgica, estigmatização social,
depressão, entre outras;
Documentação de que os pacientes não
conseguiram perder peso ou manter a perda de
peso apesar de cuidados médicos apropriados
realizados regularmente há pelo menos dois anos
(dietoterapia, psicoterapia, tratamento
farmacológico e atividade física).

As cirurgias aceitas pelo Conselho Federal de Medicina


(CFM), consideradas não experimentais (além do balão
intragástrico, como procedimento endoscópico), foram
divididas em não derivativas (banda gástrica
laparoscópica ajustável e gastrectomia vertical) e
derivativas (derivação gástrica com reconstituição do
trânsito intestinal em Y de Roux – ou bypass gástrico – e
derivações biliopancreáticas a Scopinaro e a duodenal
switch). A derivação jejunoileal exclusiva (terminolateral
ou laterolateral ou parcial) está proscrita em vista da alta
incidência de complicações metabólicas e nutricionais
em longo prazo7, 8, 9, 10, 11, 12.

Para não fugirmos do escopo deste capítulo, iremos


concentrar nossas discussões nas duas técnicas
cirúrgicas mais utilizadas atualmente no mundo para
tratamento da obesidade: a gastrectomia vertical (GV) e
o bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR).

Gastrectomia vertical (gv)/sleeve


gastrectomy

Inicialmente utilizado como um procedimento de


“ponte cirúrgica” em pacientes de alto risco proibitivos
para um duodenal switch completo com obesidade
grave, a gastrectomia vertical (GV) mostrou resultados
de adequada perda ponderal com uma baixa incidência
de complicações, sendo posteriormente considerada uma
opção de tratamento cirúrgico bariátrico definitivo. Em
2013, a GV tornou-se o procedimento cirúrgico mais
realizado nos Estados Unidos para tratamento da
obesidade, posição previamente ocupada pelo bypass
gástrico 7, 10, 12.

A via laparoscópica é amplamente empregada na


realização desta cirurgia, o que beneficia ainda mais o
baixo perfil de complicações cirúrgicas e a alta hospitalar
precoce. Embora existam pequenas variações do
procedimento, em geral, após dissecção do fundo
gástrico e da grande curvatura, uma sonda esofageana
de Fouchet calibre 32Fr ou pouco maior é passada
transoral até o piloro contra a pequena curvatura e um
grampeador laparoscópico é introduzido e disparado
consecutivamente ao longo do comprimento da sonda,
começando no antro até o ângulo de His. Cerca de 80%
da curvatura maior é excisada, deixando um tubo
estreito no estômago. A parte do estômago que foi
separada é retirada da cavidade e, a critério da equipe
cirúrgica, um dreno tubular ou túbulo-laminar é
posicionado ao longo da linha de grampeamento 7, 10, 12.

Embora o processo não envolva anastomoses, o


comprimento da linha de grampos ainda torna o paciente
em risco para sangramento ou fístula, particularmente
por ser uma câmara de alta pressão, diferentemente do
bypass. Sangramento é a principal complicação do
procedimento, chegando a 2% de incidência. Dentre
outras complicações, podemos citar estenose do tubo
gástrico, refluxo gastroesofágico e trombose de veia
esplênica e/ou de veia porta7, 10, 12.

A gastrectomia laparoscópica é um procedimento


primariamente restritivo, que reduz o tamanho do
reservatório gástrico para 60-100 mL, mas a remoção do
fundo gástrico reduz os níveis endógenos de grelina,
comprovando também a ação entero-hormonal desta
cirurgia7, 10, 12.

Dentre as vantagens deste procedimento, podemos


citar8, 9:

Restringe a quantidade de alimento ingerido;

Induz a perda ponderal rápida e significativa, similar


à perda induzida pelo bypass gástrico. A perda
ponderal também é sustentada a longo prazo;

Não requer próteses ou dispositivos “estranhos” ao


organismo (como a banda ajustável), e não há
bypass e/ou desvio do trânsito intestinal;
Recuperação pós-cirúrgica rápida, com alta
hospitalar geralmente 2 dias após o procedimento;
Causa mudanças favoráveis no perfil entero-
hormonal, suprimindo a fome e aumentando a
saciedade.

As principais desvantagens são8, 9:

Favorece o surgimento de refluxo gastroesofágico,


muitas vezes de difícil tratamento clínico;
Pode causar carência vitamínica a longo prazo
(embora em menor taxa do que o bypass);
Menor perda ponderal e menor alteração do perfil
de resistência insulínica do que o bypass.
Bypass gástrico em y-de-roux (bgyr)

Dentre as várias opções de técnicas cirúrgicas


existentes, e apesar do desenvolvimento de novos
procedimentos, o BGYR ainda é considerado o método
padrão ouro em cirurgia bariátrica, pois apresenta, para
muitos autores, a melhor relação entre eficácia a longo
prazo e segurança para o paciente devido ao baixo índice
de complicações7, 8, 9, 10, 12.

Esta técnica compreende 2 componentes principais.


Primeiro, a criação de uma pequena câmara ou bolsa
gástrica (pouch) junto à pequena curvatura e pela
exclusão do restante do estômago, incluindo todo o
fundo e o antro gástrico, o duodeno e a porção inicial do
jejuno. Em seguida, o jejuno proximal é seccionado a
cerca de 100 cm do ângulo de Treitz, sua porção distal é
levada ao pouch gástrico e é feito uma
gastroenteroanastomose, criando-se a alça alimentar. O
procedimento é completado anastomosando-se a porção
proximal do jejuno seccionado (alça biliopancreática)
com a porção mais distal da alça alimentar, criando-se
assim a alça comum, permitindo que o suco gástrico e o
conteúdo biliopancreático entrem em contato com a
comida ingerida¹⁰.

O BGYR funciona através de vários mecanismos.


Primeiramente, similar à maioria dos outros
procedimentos bariátricos, o pouch gástrico é
consideravelmente menor e induz ingestas alimentares
menores, o que se traduz em menor consumo calórico.
Adicionalmente, como há um longo segmento intestinal
por onde não passa alimento (um bypass, como o próprio
nome já informa), há um menor grau de absorção de
calorias e nutrientes¹⁰.

Mais importante, e conforme já observado em


diversos trabalhos na literatura, o desvio do trânsito
alimentar causa diversas modificações no perfil de
secreção entero-hormonal que promovem maior
saciedade, menor sensação de fome e melhoram os
níveis de resistência insulínica responsáveis pelo
diabetes tipo 2¹⁰.

Por envolver duas anastomoses, o risco de


complicações do tipo deiscência/fístula é maior quando
comparado à GV, mesmo assim com baixa incidência, em
torno de 1,5%. Dessas, a deiscência da
gastroenteroanastomose é mais comum. Outras
complicações precoces possíveis, mas também com
baixa incidência reportada na literatura, são infecção de
ferida operatória, sangramentos (intra ou extraluminais),
rabdomiólise, fenômenos tromboembólicos, entre
outros7, 8, 9.

O peso final atingido após BGYR é menor que o das


técnicas puramente restritivas (diferença mais acentuada
em casos com IMC > 50 kg/m²), sendo a perda do
excesso de peso de aproximadamente 70%¹⁰.

O risco de carência nutricional e vitamínica é maior do


que na GV. Deve-se garantir, para estes pacientes,
reposição periódica de complexo vitamínico-mineral e de
vitamina B12, bem como monitoramento dos níveis
séricos de ferro, cálcio e vitamina D¹⁰.

De forma resumida, podemos citar como vantagens


do BGYR8, 9, 10:

Gera perda de peso significativa e sustentada a


longo prazo (60 a 80% de excesso de peso perdido);
Restringe a quantidade de alimento ingerido;
Gera mudanças favoráveis no perfil entero-
hormonal, induzindo menor apetite e maior
saciedade;
Causa melhora significativa da resistência insulínica
periférica e hepática, levando à melhora e, em
muitos casos, à cura do diabetes tipo 2.

Como principais desvantagens, citamos8, 9, 10:

Tecnicamente, é mais complexa que a GV, sendo um


procedimento cirúrgico mais longo;

Envolve anastomoses, o que aumenta a chance de


deiscências e fistulas;
Maior incidência de carências nutricionais,
particularmente de vitamina B12, folato, ferro e
cálcio;
Requer maior adesão do paciente às mudanças no
estilo de vida, suplementação periódica de
vitaminas e sais minerais e seguimento
multidisciplinar a longo prazo.

Quando indicar bgyr e quando indicar gv?

Ainda não há na literatura um consenso ou uma série


de critérios formais a serem seguidos para escolher entre
a realização de BGYR ou GV no tratamento cirúrgico da
obesidade. Nos Estados Unidos, em que desde 2013 a GV
é a cirurgia mais realizada, a opção é feita, muitas vezes,
através de uma conversa entre paciente e cirurgião, em
que as vantagens e desvantagens de cada procedimento
são apresentadas, e a escolha é feita de acordo com a
situação clínica e o contexto sociofamiliar do paciente¹¹.

Apesar da ausência de indicações formais, há uma


série de condições que beneficiam a escolha de um
procedimento em detrimento do outro. Como já citado
anteriormente neste capítulo, o BGYR ocasiona uma
maior perda ponderal sustentada após 2 anos quando
comparado com a GV, o que o torna uma opção mais
atrativa para pacientes com IMC mais elevado,
principalmente maior que 45. Além disso, devido ao
maior impacto no perfil de resistência insulínica, o BGYR
acaba sendo mais indicado em paciente diabéticos de
difícil controle clínico¹⁰.

A GV, por outro lado, acaba ficando reservada para


pacientes com IMCs mais baixos (entre 35-45) e com
menor número de comorbidades, principalmente DM2. A
presença de refluxo gastroesofágico grave detectado no
pré-operatório é considerado por muitos uma
contraindicação à realização da GV, uma vez que esta
cirurgia pode propiciar o agravamento do refluxo, devido
à tubulização do estômago e à destruição parcial das
fibras do esfíncter esofagiano superior, a qual ocorre
durante o grampeamento próximo ao ângulo de His7, 8, 9,
10, 11, 12.

Pontos Importantes
Atualmente, observamos na população uma
verdadeira epidemia de obesidade, causada,
principalmente, pela alta oferta de alimentos
altamente calóricos e pelo estilo de vida sedentário.

A obesidade deve ser entendida como uma doença


crônica, de tratamento difícil e multimodal, que
contribui para o surgimento e/ou agrava diversas
outras comorbidades, como hipertensão arterial,
diabetes e dislipidemia, compondo a síndrome
metabólica, com altos índices de mortalidade.
O tratamento cirúrgico está indicado em pacientes
com IMC acima de 40 ou acima de 35 associado à
comorbidade relacionada diretamente à obesidade,
quando há falha do tratamento clínico
multidisciplinar apropriado.
Dentre as opções cirúrgicas, a GV e o BGYR
despontam como as técnicas mais utilizadas. O
BGYR, geralmente, é utilizado nos pacientes com
IMC mais elevado e pior perfil de comorbidades
metabólicas. A via laparoscópica é considerada
segura e eficaz, sendo amplamente utilizada nas
duas técnicas.

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Disponível em: https://asmbs.org/ patients/bariatric-
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Caso 06 | Complicações
Precoces Após Cirurgia
Bariátrica
Autora: Anna Carolina Batista Dantas

História Clínica
Paciente feminina, 45 anos, portadora de obesidade
mórbida (IMC 42 kg/m²) associada a HAS e esteatose
hepática, foi submetida há 5 dias a By-pass gástrico em
Y-de-Roux por laparoscopia, sem intercorrências. Recebeu
alta hospitalar no 2º dia após a cirurgia e voltou hoje ao
pronto atendimento com dor abdominal, febre e mal-
estar.

Exame Físico De Admissão

Sinais vitais

PA 130x80

FC = 120 bpm
SpO₂ 95%

Temp = 38,5°

Peso = 112 kg
Alt = 1,65

IMC = 41,1

Abdome globoso, flácido, dor leve difusa, ferida


operatória de bom aspecto, dreno com líquido
seropurulento de coloração roxa (paciente refere cor
semelhante ao Gatorade de uva que tomou hoje
cedo).

Atendimento Inicial
Como paciente estava estável, foi mantida em sala de
observação até investigação diagnóstica. Baseado no
quadro clínico, tempo de pós-operatório e aspecto do
dreno, feita suspeita clínica inicial de fístula do pouch
gástrico. A paciente foi mantida em jejum via oral, com
hidratação venosa com SF 0,9% 500 mL, inicialmente, e
prescrito antibiótico terapia com Ceftriaxona 1 g e
Metronidazol 500 mg endovenoso. Solicitados exames
laboratoriais gerais e Tomografia de Abdome com
contraste oral (1 copo) e venoso.

Exames Complementares
Hb 12,8 g/dL (12,0 a 15,5)

Ht 38% (35 a 45%)

Leucócitos 14.500 (3.500 a 10.500)


Neutrófilos 67,5%; 9.800 (1.700 a 7000)
Eosinófilos 2,0%; 300 (50 a 500)

Basófilos 0,2%; 40 (0 a 300)

Linfócitos 13,1%; 1.900 (900 a 2900)

Monócitos 16,9%; 2.460 (300 a 9000)


Plaquetas 200.000 (150.000 a 450.000)

PCR 30 (< 1,0)

Ureia 70 (10 a 50)

Creatinina 1,2 (0,60 – 1,10)

Potássio 3,5 (3,5 a 4,5)

INR 0,9 (< 1,0)

PTT 1,9 (1,7 a 3,5 s)

Tomografia de Abdome com espessamento da linha de


grampo do pouch gástrico, com extravasamento de
contraste oral no ângulo de His, não sendo possível
delimitar área de descontinuidade na parede gástrica.
Dreno abdominal locado entre pouch gástrico e
estômago excluso, contrastado pelo dreno, porém com
coleção organizada de cerca de 150 mL em hipocôndrio
esquerdo em região subdiafragmatica, distante do local
do dreno. (imagem abaixo)
Figura 1 – Pouch gástrico com coleçao liquida adjacente.

Tratamento Definitivo
Como paciente estável, sem sinais de sepse e coleção
bem delimitada pela TC, foi optado por tratamento com
drenagem percutânea guiada por ultrassonografia.
Realizado procedimento no setor de radiologia sob
anestesia local e sedação, com saída de cerca de 100 mL
de líquido purulento, enviado para cultura, e mantido
dreno no local.

Paciente internada em Unidade de Terapia Intensiva


(UTI) para monitorização clínica, mantido jejum,
hidratação, antibioticoterapia e sintomáticos. Em
programação de início de dieta parenteral até realização
de endoscopia digestiva alta para avaliar terapia
definitiva para a fístula e via de nutrição enteral.

Questões Para Orientar a Discussão


1. Quais são os sinais e os sintomas de alerta para
complicação após cirurgia bariátrica?

2. Quais são as complicações cirúrgicas mais comuns


no pós-operatório precoce (30 dias)?

3. Qual é o melhor exame de imagem para investigar


complicações abdominais?

4. Quando realizar tratamento cirúrgico de urgência?

Discussão
Com a epidemia de obesidade nas últimas décadas, a
cirurgia bariátrica tem crescido no Brasil e no mundo. Um
levantamento recente mostrou que em 2018 foram
realizadas cerca de 60.000 cirurgias bariátricas no Brasil,
mas esse número representa somente 0,47% da
população obesa elegível ao procedimento (isto é, com
Índice de Massa Corpórea maior que 35 kg/m²).

Atualmente, as complicações precoces, isto é, em até


30 dias de pós-operatório, afetam cerca de 3% dos
pacientes, mas isso varia conforme técnica escolhida,
experiência do cirurgião, IMC e co-morbidades do
paciente. Com a cirurgia minimamente invasiva, os
pacientes têm alta hospitalar precoce e muitas das
complicações que antes víamos durante a internação,
agora se manifestam após a alta. Por isso, temos que
conhecer bem as complicações e ter alto grau de
suspeição para detectá-las precocemente.

Fístula

Uma das complicações mais temidas, a fístula tem se


tornado menos frequente nas últimas décadas. Na
literatura varia de 1 a 2,5%, com recente diminuição da
frequência na Gastrectomia Vertical. Alguns fatores
aumentam o risco de fístula: sexo masculino,
superobesidade (IMC > 50 kg/m²), dependência de
oxigênio suplementar, apneia do sono e
hipoalbuminemia.

A fístula costuma ocorrer dentro dos primeiros sete


dias de pós-operatório e o aspecto mais importante para
o desfecho é o diagnóstico precoce. Os sintomas podem
ser inespecíficos, como taquicardia e mal-estar (como
nossa paciente do caso clínico). Febre, dor abdominal,
intolerância a alimentos por via oral e fraqueza são
sintomas comuns. Ao exame físico, as alterações são
inespecíficas, como dor abdominal e taquicardia, mas se
o paciente tiver dreno abdominal, pode apresentar saliva
ou vazamento de azul de metileno, se administrado por
via oral para teste (Figura 1). Exames mais simples como
seriografia de esôfago-estomago-duodeno podem ajudar
no diagnóstico, mas o melhor exame é a Tomografia de
Abdome Total com contraste oral e venoso, pois permite
localizar a fístula e avaliar complicações como coleções
intra-abdominais.
Figura 2 – Ao exame físico, presença de saliva e azul de metileno no dreno
podem sugerir o diagnostico de fístula.

Na Gastrectomia Vertical, os locais mais comuns são


no Ângulo de His e entre as linhas de grampo; já no By-
pass gástrico são no ângulo de His e na gastroentero-
anastomose. Em pacientes com sinais de sepse e
instabilidade hemodinâmica, o tratamento é cirúrgico e
pode ser feito por laparoscopia. Não é recomendada a
rafia do local da fístula, somente lavagem da cavidade e
drenagem adequada. Para pacientes estáveis, as opções
são as seguintes:

Líquido livre na cavidade abdominal: laparoscopia


para limpeza e drenagem.

Coleção intra-abdominal: drenagem por radiologia


intervencionista.
Sem coleção, com fístula guiada pelo dreno:
tratamento clínico.

Sangramento

O sangramento pode ser de origem endoluminal ou


intra-abdominal e ocorre em 2 a 4% dos casos, sendo
mais comum no By-pass gástrico. Quando de origem
intra-abdominal, geralmente se manifesta nas primeiras
48h e pode apresentar sinais clínicos de choque
hemorrágico, como hipotensão, sudorese e taquicardia.
Os locais de origem mais comuns são linha de
grampeamento, lesão esplênica ou hepática ou parede
abdominal. Já o sangramento endoluminal pode ser da
linha de grampo ou das anastomoses no caso do By-pass
gástrico.

Apesar do diagnóstico de sangramento ser fácil de


suspeitar com sinais de choque ou exteriorização por
dreno abdominal (Figura 2) ou enterorragia, o diagnóstico
específico nem sempre é tão óbvio e o seu tratamento
pode ser um desafio.
O tratamento inicial é realizado com monitorização,
reposição volêmica e controle de hemoglobina e
hematócrito. Se sinais de choque hemorrágico, o
paciente deve ser transferido para UTI até tratamento
definitivo, com possibilidade de hemotransfusão. O
sangramento endoluminal pode ser tratado por
endoscopia com adrenalina, coagulação ou endoclipe. No
caso de sangramento intra-abdominal, pode ser realizado
tratamento não invasivo com monitorização e controle de
Hb/Ht, se paciente estável. Em caso de instabilidade, o
tratamento pode ser realizado por laparoscopia ou
laparotomia para lavagem da cavidade, aspiração dos
coágulos e identificação do ponto de sangramento.
Figura 3 – Dreno abdominal com volumosa quantidade de sangue.

Abdome Agudo Obstrutivo

Apesar de incomum, temos na memória a relação de


cirurgia bariátrica com obstrução intestinal devido às
hérnias internas que podem acontecer a longo prazo no
paciente submetido a By-pass gástrico. Devido à
realização do Y-de-Roux, pode ocorrer hérnia interna pela
brecha mesentérica e\ou pelo espaço de Petersen, mas
isso é prevenido com o fechamento desses espaços.
(Figura 3)

Figura 4 – A: Brecha do mesocolon transverso; B: espaço de Petersen; C:


brecha do mesentério da entero-entero-anastomose.

No pós-operatório precoce, as hérnias são incomuns,


então devemos atentar que quadros obstrutivos podem
ser devidos também à hérnia no local de inserção dos
trocarteres maiores que 10 mm, bridas precoces,
intussuscepção intestinal ou obstrução endoluminal por
coágulos ou bezoar (corpo estranho).

O quadro clínico pode variar desde distensão e dor


abdominal até intolerância alimentar e vômitos. A
suspeita pode ser feita com radiografia de abdome, mas
o diagnóstico é mais acurado com Tomografia de Abdome
Total. Algumas imagens são características de hérnia
interna e podem ajudar muito no diagnóstico (Figuras 4
a-f).

O tratamento é feito de acordo com o diagnóstico:


reoperação por laparoscopia para hérnia interna ou
hérnia de trocater; ou tratamento endoscópico para
obstrução por coágulo ou bezoar.

Figura 5a – Sinal do redemoinho.


Figura 5b – Distensão de alça com nível hidroaéreo.

Figura 5c – Alças aglomeradas próximas à parede abdominal.


Figura 5d – Sinal do olho do furacão (rotação do mesentério e
ingurgitamento dos vasos).

Figura 5e – Anastomose jejunal à direita.


Figura 5f – Aumento dos linfonodos e inflamação do mesentério.

Trombose Venosa Portal

A Trombose Portal (TP) é uma complicação rara após a


cirurgia bariátrica, com incidência de 0,3%, mas tem se
tornado mais frequente com a crescente popularidade da
Gastrectomia Vertical. Se dá através de trombose parcial
ou total da veia porta e o trombo pode se estender aos
ramos portais, veia esplênica ou veia mesentérica
superior.

Alguns fatores de risco estão relacionados à TP como


trombofilia, medicações (contraceptivo oral),
desidratação, mas também fatores cirúrgicos, tais como
compressão mecânica, pneumoperitôneo, manipulação
dos vasos esplâncnicos e diminuição do retorno venoso
gástrico. O quadro clínico é inespecífico e se manifesta
mais tardiamente do que as demais complicações, cerca
de 14 dias após a cirurgia. Os sintomas mais comuns são
dor abdominal, náuseas e vômitos, febre e taquicardia.

O diagnóstico pode ser feito com USG, TC ou


Ressonância Magnética, mas a TC continua sendo o
melhor exame por ter sensibilidade maior que o USG,
menor custo que a RM e poder excluir outras
complicações cirúrgicas que têm quadro clínico
semelhante (Figura 5).

Figura 5 – Trombose portal acometendo ramo portal esquerdo e veia


mesentérica superior.

O tratamento de primeira linha é com anticoagulação,


mas não existe consenso em relação à sua dose ou
duração. Como o evento é raro, sem estudos
comparativos na literatura, o sugerido é seguir os
regimes para tratamento de tromboembolismo venoso
(TEV):

Enoxaparina, subcutâneo, 1 mg/kg 12/12h;


(quando IMC >40 kg/m2, calcular para 0,75 mg/kg
12/12h).
Heparina não fracionada, endovenoso, 80 UI/kg
em bolus, seguido de 18 UI/kg/h (ajuste de acordo
com TTPa a cada 6h).
Warfarin (Marevan), via oral, 5-10 mg 1x/dia
(ajuste para manter INR entre 2 e 3).
Rivaroxaban (Xarelto), via oral, 15mg 2x/dia por
3 semanas, seguido de 20 mg 1x/dia.

O objetivo principal do tratamento é a recanalização


porto-mesentérica, que ocorre em cerca de 80% dos
casos tratados clinicamente. Caso não ocorra, a longo
prazo esses pacientes podem evoluir com transformação
cavernomatosa portal, que resulta em hipertensão portal
extra-hepática, associado ao risco permanente de ascite,
sangramento gastrintestinal, trombose recorrente e
obstrução biliar.

Pontos Importantes
Atentar para sinais e sintomas inespecíficos, como
mal-estar, dor abdominal difusa e taquicardia.
Entender as diferenças anatômicas entre as
principais técnicas cirúrgicas (Gastrectomia Vertical
e By-pass gástrico) para diferenciar as complicações
especificas.
Se suspeita de complicação, realizar Tomografia de
Abdome Total com contraste oral e venoso para
excluir as principais complicações.
Em caso de reoperação de urgência, priorizar acesso
por laparoscopia se houver condição clínica.
Considerar que o paciente obeso mórbido tem
múltiplas comorbidades e elas podem
descompensar na vigência de uma complicação
cirúrgica.

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Caso 07 | Metástase
Hepática De Câncer
Colorretal
Autores: Rodrigo Cezar Mileo, Giulia Poli Oliveira Bento, Letícia
Nobre Lopes
Orientador: Vagner Birk Jeismann

História Clínica
J.P.S., 51 anos, sexo masculino, casado, administrador,
pardo, natural e residente da cidade de São Paulo-SP,
encaminhado pelo médico oncologista assistente para
avaliação cirúrgica.

O paciente apresentou quadro de alteração do hábito


intestinal e hematoquezia por cerca de 3 semanas, sendo
então submetido a avaliação médica e investigação com
colonoscopia. O exame evidenciou lesão vegetante
subestenosante em cólon sigmoide e a biópsia confirmou
adenocarcinoma moderadamente diferenciado. O
estadiamento inicial com tomografia computadorizado
(TC) realizado em outro serviço evidenciou, além da
massa em cólon, cinco nódulos hepáticos hipodensos.

O paciente foi então submetido a retossigmoidectomia


aberta com anastomose colorretal primária e apresentou
uma evolução pós-operatória sem intercorrências,
recebendo alta hospitalar no 8º dia pós-operatório. O
relatório da patologia descreveu adenocarcinoma
moderadamente diferenciado, 6 cm de diâmetro,
acometendo até a gordura pericólica, com 2 linfonodos
acometidos dos 36 dissecados na peça (pT3N1b). As
margens eram livres e amplas. Foi avaliado pelo
oncologista, que solicitou uma ressonância magnética
(RM) para melhor avaliação hepática (figura 1) e
encaminhou o paciente para avaliação cirúrgica.

O paciente apresentava antecedentes pessoais,


história de diabete melito tipo 2 controlado com
metformina 500mg 3x/dia, e hipertensão arterial
sistêmica, em uso de losartana 50mg 1x/dia.

Exame Físico
Bom estado geral, corado, hidratado, anictérico e
afebril.

Pressão arterial: 125x75 mmHg

Peso: 98kg Altura: 1,80m IMC: 30,2 Kg/m²

Abdome globoso, ruídos hidroaéreos presentes,


indolor a palpação superficial e profunda, sem
visceromegalias ou massas palpáveis. Cicatriz
mediana em bom aspecto.

Restante do exame físico sem anormalidades.


Exames complementares (valores de
referência)

Hb: 12,6 g/dL (12,0-15,5)


Leuco: 6540 (3.500-10.500)

Neut: 40,8% (40% - 70%)

Plaq: 189.000 (150.000 - 450.000)

Ur: 46 (10 - 50)

Cr: 0,95 mg/dL (0,6 - 1,10)

Na: 138 mmol/L (135-145)

K: 4,0 mmol/L (3,5 – 4,5)

TGO: 31 U/L (até 32)

TGP: 40 U/L (até 33)


FA: 99 U/L (35-104)

GGT: 43 U/L (até 43)

BT: 0,81 mg/dL (0,3-1,2)

BD: 0,29 mg/dL (0,1-0,3)

Glicemia jejum: 148 mg/dL

HbA1c: 6%

CEA: 210 ng/mL (até 5)


Figura 1A

Figura 1B
Figura 1C
Figura 1 – Ressonância magnética com gadolínio. Sequência portal
evidenciando 3 lesões pequenas em segmento 5 (A e B) e 2 lesões
pequenas em segmento 7 (C), sugestivas de metástases. O volume
estimado dos segmentos 1, 2, 3 e 4 correspondia a cerca de 25% do volume
total do fígado.

Hipótese Diagnóstica
Metástases hepáticas (5) ressecáveis de câncer
colorretal ressecado previamente (pT3N1b).

Conduta
Devido a elementos que sugeriam agressividade da
doença oncológica (metástases ao diagnóstico,
linfonodos pericólicos comprometidos, metástases
múltiplas, CEA elevado), foi optado pela realização de
quimioterapia nesse momento com 5-fluoracil, leucovorin
e oxaliplatina (esquema FOLFOX) por cerca de 2-3 meses
(2 ciclos), seguido de reestadiamento.
O paciente apresentou boa tolerância aos 2 ciclos de
FOLFOX. Na reavaliação, houve queda do CEA de 210
para 18 ng/mL. Um novo exame de RM evidenciou
diminuição discreta de 4 das 5 lesões e o
desaparecimento de 1 das lesões no segmento 5.

Nesse momento, optou-se pela realização da


ressecção dos nódulos hepáticos. Antes da ressecção
hepática propriamente dita, foi realizada ultrassonografia
hepática intraoperatória diretamente sobre o fígado, que
confirmou os 4 nódulos vistos na última RM e identificou
2 nódulos menores que 1 cm nos segmentos 2 e 8, que
não haviam sido diagnosticados previamente. A cirurgia
consistiu então da ressecção anatômica completa de
todo o segmento 5, envolvendo mesmo a área do nódulo
que havia desaparecido após a quimioterapia, e
ressecções não anatômicas com margens livres das
lesões em segmentos 2, 7 e 8 (figura 2).

Figura 2A
Figura 2B

Figura 2C
Figura 2 – Aspecto final da cirurgia realizada. A: ressecção anatômica do
segmento 5. B: ressecção não anatômica de nódulo em segmento 8. C:
ressecção não anatômica de nódulo em segmento 2.

O paciente apresentou uma boa evolução pós-


operatória e recebeu alta no 9º dia após a cirurgia. O
relatório da patologia confirmou adenocarcinoma
metastático com margens livres. Todas as lesões
apresentavam células viáveis, incluindo, uma lesão de
3mm no segmento 5 que não era mais visualizada após a
quimioterapia.

Seguimento
O tratamento sistêmico com quimioterapia (esquema
FOLFOX) foi completado por mais cerca de 4 meses. No
momento, com 1 ano de seguimento após a cirurgia, o
paciente apresenta-se sem evidência de doença
oncológica.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Existe papel para a cirurgia no tratamento das


metástases hepáticas de câncer colorretal
(MHCCR)?
2. Quais os principais fatores prognósticos de
pacientes portadores de MHCCR?

3. Quais os melhores exames para estadiamento do


fígado?

4. Como definir se as MHCCR são ressecáveis?


5. Quais as principais vantagens e desvantagens da
quimioterapia realizada antes da cirurgia?

6. Qual a diferença entre resposta radiológica


completa e resposta patológica completa?
7. Como pacientes com MHCCR devem ser operados?

Discussão

Conceitos

Consideramos metástases hepáticas de câncer


colorretal (MHCCR) as neoplasias do tipo adenocarcinoma
secundárias do fígado cujo sítio primário (origem) é o
intestino grosso (do ceco ao reto).

O tratamento do câncer metastático (estágio clínico


IV) é sempre desafiador e a cirurgia não costuma ser
considerada como opção de tratamento na grande
maioria das situações. Isso porque a cirurgia não
conseguiria remover toda a doença, ou faria isso com
morbimortalidade inaceitável ou, principalmente, mesmo
que toda a doença macroscópica fosse ressecada com
sucesso, esses tumores já haveriam atingido um
determinado estágio em que eles não seriam mais
curáveis, e a recidiva seria então apenas uma questão de
tempo. Entretanto, os avanços na oncologia clínica bem
como na técnica cirúrgica, nos cuidados perioperatórios e
nos exames diagnósticos alteraram esse paradigma em
algumas situações. A mais bem definida é o câncer
(adenocarcinoma) colorretal (CCR). Atualmente, as
cirurgias para ressecção de MHCCR são os procedimento
mais realizados por diversos centro de cirurgia de fígado
ao redor do mundo. Infelizmente, as hepatectomias são
realizadas raramente no tratamento de outros tipos de
metástases hepáticas. Metástases hepáticas de tumores
neuroendócrinos ou GISTs (gastrointestinal stromal
tumors) são eventualmente ressecadas, mas em quase
todas as outras situações, como metástases hepáticas de
câncer de esôfago, pulmão, pâncreas, entre tantos
outros, a hepatectomia não costuma ser indicada.

Epidemiologia

O câncer colorretal é 4º tipo de câncer mais frequente


mundialmente. Estima-se que metade dos pacientes com
CCR desenvolverão MHCCR em algum momento.
Entretanto, por motivos como a presença de metástases
em vários órgãos, apenas 15-30% serão candidatos a
ressecção hepática.1,2

Benefício da cirurgia

A cirurgia é considerada o melhor opção de


tratamento para as MHCCR. Apesar de não existirem
estudos prospectivos e randomizados respondendo
diretamente essa questão, a comparação entre pacientes
operados e não operados sempre é favorece muito o
grupo cirúrgico. Sobrevidas em 5 anos em torno de 50%
são habitualmente descritas nesses pacientes
submetidos a ressecção. Infelizmente, as recidivas
ocorrem com frequência acima de 50%.3,4
Diagnóstico/estadiamento hepático

Existem diversos exames de imagem possíveis para a


avaliação do fígado, entre eles:

Ultrassonografia (US): apesar de ser considerado


de baixo custo e amplamente disponível, apresenta
limitações para avaliação de lesões pequenas e
profundas, especialmente em pacientes obesos. Não
costuma ser utilizada rotineiramente como exame
de escolha para esse fim.

Tomografia computadorizada (TC): é o exame


mais utilizado no seguimento e estadiamento inicial
oncológico. Muito disponível e de custo
relativamente baixo. As principais limitações são a
identificação e avaliação de lesões menores que 1
centímetro e em fígados muito alterados pela
quimioterapia.5
Ressonância magnética (RM): é o melhor exame
para avaliação hepática tendo desempenho
especialmente melhor que as outras opções nas
lesões subcentimétricas e em fígados com
deposição gordurosa pela quimioterapia. As
principais desvantagens são custo e a menor
disponibilidade. Esse exame tem sido realizado cada
vez mais para avaliação das MHCCR, principalmente
nos pacientes que estão sendo considerados para
ressecção hepática.6
TC por emissão de pósitrons (TC-PET): é
especialmente útil na avaliação de doença extra-
hepática ou na confirmação da origem neoplásica
de achados duvidosos em outros métodos.
Entretanto, a resolução anatômica é inferior a outros
exames como a TC e a RM e há limitações na
avaliação de lesões pequenas e em pacientes que
receberam quimioterapia.7

US intraoperatório: é considerado o padrão-ouro.


Altera a estratégia cirúrgica em até 15-30% dos
casos. Consideramos obrigatório a sua realização
em todas as hepatectomias por MHCCR.8,9

Critérios de ressecabilidade

Os critérios anatômicos clássicos de ressecabilidade


incluem a possibilidade ausência de neoplasia residual
após a cirurgia associado a manutenção de no mínimo
20% de parênquima hepático com sua respectiva
irrigação portal e arterial e drenagem biliar e venosa. Nos
casos de esteatose importante ou alterações hepáticas
pela quimioterapia, costuma-se exigir um mínimo de 30-
35% de fígado residual. Margens livres amplas não são
necessárias uma vez que margens pequenas como 1mm
são satisfatórias. O número ou o tamanho dos nódulos
não devem ser considerados isoladamente como
contraindicação a ressecção hepática.10, 11
Em situações em que se prevê um futuro
remanescente hepático insuficiente, algumas estratégias
podem ser úteis como:

Embolização portal: o fígado que será ressecado


tem o seu ramo portal ocluído percutaneamente.
Isso acarreterá atrofia do segmento embolizado e
hipertrofia compensatória contralateral, atingindo-
se as exigências volumétricas mínimas do futuro
remanescente hepático.
Hepatectomia em dois tempos: Nos casos de
doença bilateral, o desvio do fluxo portal, além de
gerar hipertrofia do parênquima hepático, pode
causar progressão importante de tumores presentes
neste lado do fígado. Nessa situação, costumamos
opta pela realização de ressecções não-anatômicas
de todas as lesões no fígado que não será
totalmente removido associado a ligadura cirúrgica
ou embolização percutânea do ramo portal para os
segmentos que serão ressecados. O fígado
embolizado é então ressecado em um segundo
procedimento cirúrgico, após a ocorrência do
mesmo processo de atrofia/hipertrofia já descrito,
geralmente cerca de 4-6 semanas após a primeira
cirurgia.
Ablação por radiofrequência: nódulos pequenos e
profundos dentro do parênquima hepático podem
ser tratados através de destruição por calor com
auxílio de uma agulha de radioablação posicionada
com o auxilio da ultrassonografia intraoperatória.12

Fatores de mau prognóstico e


quimioterapia pré-operatória

Além de fatores anatômicos, outro aspecto que deve


ser considerado na definição da estratégia terapêutica é
o comportamento biológico do câncer em questão.
Pacientes diferentes com o mesmo diagnóstico
histológico de adenocarcinoma metastático apresentam
muitas vezes doenças com evolução bastante distintas.
Sabemos que mesmo pacientes com nódulos
anatomicamente ressecáveis apresentarão resultados
ruins com a cirurgia. Diversos escores já foram
propostos, sendo o mais difundido o escore de Fong, que
considera como os principais fatores prognósticos
negativos em pacientes com MHCCR: (1) linfonodos
acometidos adjacentes ao tumor primário, (2) intervalo
entre o diagnóstico do tumor primário e das metástases
inferior a 12 meses, (3) mais de uma metástase
hepática, (4) metástase hepática maior que 5 cm, (5)
CEA (antígeno carcinoembrinário) maior que 200
ng/mL.13

A quimioterapia administrada previamente a


hepatectomia pode ter diferentes objetivos. Obviamente,
tumores irressecáveis podem tornar-se ressecáveis após
esse tratamento. A isso chamamos quimioterapia de
conversão. Todavia, pacientes portadores de MHCCR
anatomicamente ressecáveis também podem ser
submetidos a quimioterapia inicialmente na presença de
fatores de mau prognóstico. Nesse caso, a intenção é
controlar a doença sistêmica microscópica antes da
cirurgia e também poupar pacientes com doenças
biologicamente muito agressivas de serem submetidos a
cirurgias fúteis. Para isso, períodos curtos de
quimioterapia (cerca de 2 a 3 ciclos) são suficientes, uma
vez que a resposta ao tratamento já pode ser observada.
Longos períodos de quimioterapia em pacientes com
MHCCR ressecáveis podem trazer 2 inconvenientes
principais: (1) alterações hepáticas relacionadas a
quimioterapia como síndrome da obstrução sinusoidal e a
esteato-hepatite associada a quimioterapia, que
aumentam a morbimortalidade operatória, e (2) nódulos
pequenos podem desaparecer nos exames de imagem –
e isso na verdade mais atrapalha do que ajuda o
cirurgião de fígado, pois na maioria das vezes a resposta
radiológica completa não representa resposta patológica
completa. Por isso, a cirurgia deve ser sempre guiada
pelos exames de imagem realizados antes da
quimioterapia.14,15

Técnica cirúrgica

Uma vez proposta a cirurgia, alguns cuidados


precisam ser tomados no intraoperatório:
Realizar US intraoperatório em todos pacientes que
serão operados por MHCCR
Utilizar os exames de imagem anteriores a
administração da quimioterapia para guiar as
ressecções.
Ressecções pequenas, não-anatômicas, com
margens macroscópicas livres são preferidas.
Quanto mais parênquima e pedículos hepáticos
poupados, mais opções cirúrgicas esse paciente terá
na eventualidade de uma recidiva restrita ao fígado.

Pontos Importantes
MHCCR podem ser tratadas através de cirurgia.
A RM tem ganhado muito espaço no diagnóstico e
estadiamento de MHCCR, porém o US
intraoperatório é o melhor exame para
estadiamento e deve ser realizado em todos os
pacientes submetidos a hepatectomia por MHCCR.

O número e o tamanho dos nódulos não devem ser


considerados isoladamente como contraindicação a
cirurgia. É importante manter um mínimo de 20% de
parênquima residual em pacientes com fígado
saudável e, em pacientes com esteatose hepática
importante ou com fígados alterados pela
quimioterapia, esse número deve subir para 30%,
no mínimo.
Ressecções poupadoras de parênquima hepático
devem ser preferidas pois não é necessário a
obtenção de margens livres amplas

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Caso 08 | Nódulo
Hepático Benigno
Autores: Rodrigo Cezar Mileo, Giulia Poli Oliveira Bento, Lucas
Ernani
Orientador: Vagner Birk Jeismann

História Clínica
APGC, 42 anos, sexo feminino, casada, secretária,
branca, G2P2A0, natural e residente da cidade de São
Paulo-SP, procurou médico especialista após exames de
imagem alterados.

Paciente assintomática, apresentou achado incidental


de nódulo hepático hiperecogênico de cerca de 10cm em
ultrassonografia abdominal de rotina. Sem morbidades.
Em uso de anticoncepcional hormonal há cerca de 16
anos. Negava uso de álcool ou drogas injetáveis. Sem
antecedentes transfusionais. Negava história familiar de
câncer ou qualquer transtorno hepático.

Exame Físico
Bom estado geral, corada, hidratada, anictérica e
afebril.

Normotensa, frequência cardíaca sem alterações.


Peso: 78kg Altura: 1,60m IMC: 30,5

Abdome globoso, ruídos hidroaéreos presentes,


indolor a palpação superficial e profunda, sem
visceromegalias ou massas palpáveis e ausência de
cicatrizes prévias.

Ausência de estigmas de hepatopatia crônica como


eritema palmar, “aranhas vasculares” circulação
colateral visível em parede abdominal ou ascite.

Restante do exame físico sem alterações

Exames Complementares (Valores


De Referência)
Hb: 13,9 g/dL (12,0-15,5)

Ht: 39,5% (35%-45%)

Leuco: 5340 (3500-10.500)

Neut: 41,8% (40% - 70%)

Plaq: 153.000 (150.000 - 450.000)

Ur: 25 (10 - 50)


Cr: 0,62 mg/dL (0,6 - 1,10)

Na: 139 mmol/L (135-145)

K: 4,1 mmol/L (3,5 – 4,5)

INR: 1 (menor que 1, ver referê ncia HC)

R: 1,05
TGO: 27 U/L (até 32)

TGP: 41 U/L (até 33)

FA: 82 U/L (35-104)

GGT: 25 U/L (até 43)


BT: 0,78 mg/dL (0,3-1,2)

BI: 0,49 mg/dL (0,2-0,8)

BD: 0,29 mg/dL (0,1-0,3)

Solicitado ressonância magnética com contraste


para esclarecimento diagnóstico:
Figura 1 – Ressonância magnética. Sequências arterial, portal e tardia com
gadolínio (superior). Sequência ponderada em T2 (inferior).

As primeiras 3 imagens representam as fases


contrastadas (gadolínio) do exame – arterial, portal e
venosa tardia. Observa-se volumosa lesão
hipervascularizada em fígado direito apresentando
contrastação lenta, centrípeta e globuliforme.

A última imagem corresponde a uma sequência em


T2, quando observamos intenso sinal homogêneo da
lesão.

O conjunto dos achados é compatível com


hemangioma hepático.
Hipótese Diagnóstica
Hemangioma hepático assintomático.

Conduta E Evolução
Devido à ausência de sintomas e benignidade do
diagnóstico, optado pela conduta conservadora com
seguimento clínico apenas. O anticoncepcional hormonal
oral não foi interrompido e a paciente permaneceu sem
intercorrências.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Quais as principais hipóteses frente ao achado de


um nódulo hepático?

2. Quais fatores clínicos e epidemiológicos favorecem


a hipótese de nódulo hepático benigno?
3. Quais os 3 principais tipos de nódulos hepáticos
benignos?

4. Quais são os fatores de risco para o


desenvolvimento desses nódulos?

5. Como fazer o diagnóstico dos principais tipos de


nódulos hepáticos benignos?
6. Quais são as complicações mais importantes?
7. Quais são as opções terapêuticas e indicações de
cirurgia?

Discussão

Conceitos

Consideramos nódulos hepáticos lesões focais sólidas


no interior do parênquima hepático. Os nódulos podem
ser considerados benignos ou malignos, sendo os últimos
ainda subdivididos em primários (originados no fígado)
ou secundários (metástases).

Epidemiologia

Nódulos hepáticos tem sido diagnosticados com


frequência cada vez maior devido ao aumento da
disponibilidade de exames de imagem como a
ultrassonografia, a tomografia computadorizada e a
ressonância magnética. Algumas séries já demonstraram
que até 20% da população adulta pode apresentar
alguma lesão focal no fígado. A grande maioria dessas
lesões são assintomáticas e pelo menos 90% são
benignas1.

Podemos considerara 3 grupos epidemiológicos


principais:
Pacientes geralmente jovens, sem comorbidades e
assintomáticos: nesse grupo as principais hipóteses
são os nódulos benignos. A saber: hemangioma
hepático, hiperplasia nodular focal e adenoma
hepatocelular. Outros diagnósticos são incomuns.
Esses será o grupo abordado nesse capitulo

Pacientes com diagnóstico recente ou antecedente


de câncer: nessa situação, a principal hipótese é de
metástase hepática.

Pacientes com doença hepática, como cirrose por


qualquer motivo ou hepatites virais crônicas: o
principal nódulo hepático nessa população é o
carcinoma hepatocelular.

Investigação

Nódulos hepáticos benignos geralmente são


identificados em exames de rotina ou em investigação de
pacientes com sintomas abdominais inespecíficos como
dor, vômitos e empachamento. Apesar de algumas
exceções que serão abordadas a seguir, podemos dizer
que os sintomas envolvendo nódulos hepáticos benignos
estão relacionados ao efeito de massa dessas lesões.
Lesões pequenas são, em regra, assintomáticas. Os
nódulos grandes a direita podem cursar com dor
abdominal epigástrica, em hipocôndrio direito ou em
flanco direito. Já os situados a esquerda, podem
desencadear sintomas gastrointestinais devido a
compressão principalmente do estômago e duodeno. Em
casos mais extremos podemos observar emagrecimento
e vômitos frequentes.

Os exames laboratoriais costumam ser normais ou


discretamente alterados de maneira inespecífica em
pacientes com tumores hepáticos benignos.

O exame de imagem inicial tipicamente é o ultrassom


(US) de abdome. Esse exame é bastante sensível na
identificação de lesões focais no fígado, entretanto,
costuma ser insuficiente para a adequada caracterização
desses nódulos. A investigação costuma ser
complementada pela tomografia computadorizada (TC)
ou pela ressonância magnética (RM). Como veremos a
seguir, para a avaliação do fígado, é essencial a
utilização de alguma forma de contraste intravenoso
durante a realização desses exames (contraste iodado no
caso da TC e gadolínio no caso da RM). A TC apresenta
como principal vantagem o fato de ser amplamente
disponível atualmente, apresenta custo mais baixo que a
RM e a aquisição das imagens é realizada de forma
rápida. Entretanto, esse exame envolve o uso radiação
ionizante, o seu contraste está relacionado a toxidade
renal e maior incidência de alergia e, acima de tudo,
apresenta acurácia inferior a RM. Por isso, consideramos
a RM o exame de escolha para investigação do nódulo
hepático incidental. O acurácia do exame costuma ser
acima de 90%, mesmo para lesões pequenas3. As
principais desvantagens são o maior custo, a menor
disponibilidade e restrições a realização do exame em
pacientes com implantes metálicos como marca-passos e
próteses ortopédicas. A aquisição mais lenta das
imagens pode ser uma dificuldade em crianças e
pacientes claustrofóbicos.

Devido ao ótimo desempenho dos exames de


imagem, biópsias hepáticas são realizadas raramente na
investigação dos nódulos hepáticos benignos3. Esse
procedimento está reservado para as situações de
dúvida e em que a certeza diagnóstica acarretará em
modificação da conduta.

Hemangioma hepático

Hemangiomas hepáticos são os tumores hepáticos


mais comuns, representando 60-70% dos nódulos
benignos e com prevalência na população adulta
variando de 3 a 20%1. Tratam-se de tumores benignos
vasculares, de etiologia desconhecida.

Essas lesões podem ser encontradas em qualquer


idade, porém tem maior prevalência em pacientes entre
30 e 50 anos de idade, correspondendo de 60% a 80%
dos casos2. Em adultos, os hemangiomas hepáticos
ocorrem preferencialmente em mulheres (3:1) e as
lesões sintomáticas são mais comuns em mulheres
jovens. Entretanto, a relação desses tumores com
hormônios femininos e anticoncepcionais orais é
bastante questionável. Apenas lesões grandes, maiores
que 10cm, costumam ser sintomáticas4.

Além dos sintomas previamente descritos, comuns a


qualquer nódulo hepático, o hemangioma hepático pode
cursar, muito raramente, com algumas síndromes
clínicas como a síndrome de Kasabach-Merritt
(coagulopatia de consumo secundária aos fenômenos
trombóticos dentro do hemangioma) e a síndrome de
Bornman-Terblanche-Blumgart (reação inflamatória ao
hemangioma desencadeando sintomas sistêmicos como
febre, dor abdominal)4.

Os hemangiomas hepáticos possuem características


especificas que podem ser encontradas em exames de
imagem4:

US: lesão focal bem delimitada, homogênea e


hiperecogênica.

TC: lesão focal nitidamente delimitada,


normalmente hipoatenuante, quando comparados
com o parênquima hepático na fase sem contraste.
Após a infusão do contraste venoso apresenta um
padrão de contrastação lento e centrípeto,
prosseguindo com um enchimento da periferia nas
fases mais precoces, migrando para o centro da
lesão nas fases mais tardias.
RM: aparecem com baixo sinal em T1 e alto sinal em
T2. O comportamento após a injeção do gadolínio é
igual ao descrito na TC. A RM tem uma sensibilidade
de 90% e por esse motivo é tido como o exame
padrão ouro para o diagnóstico de hemangiomas
hepáticos.

O crescimento dos hemangiomas hepáticos ao


seguimento é muito incomum. A transformação maligna
não é considerada uma complicação desse tipo de
nódulo e menos de 50 casos de ruptura espontânea
foram descritos na literatura5. Portanto, a grande maioria
dos pacientes não necessita de tratamento específico,
sendo apenas acompanhada clinicamente. O
anticoncepcional oral não precisa ser descontinuado e o
tratamento cirúrgico (ressecção) é reservado apenas aos
poucos pacientes sintomáticos1,4.

Hiperplasia nodular focal

A hiperplasia nodular focal (HNF) é um tumor hepático


não maligno de origem não vascular. Representa cerca
de 10% das lesões hepáticas benignas. A prevalência
estimada da HNF é de 0,9% a 3%. São mais comuns em
pacientes do sexo feminino (8:1)6. Essas lesões
costumam ser identificadas na terceira e quarta décadas
de vida4,6.
A patogênese da HNF ainda permanece incerta. A
hipótese mais aceita atualmente é que se trata de uma
reação hiperplásica a uma má-formação vascular
pequena e localizada, seja de origem congênita ou
adquirida7. Histologicamente, as HNF apresentam todas
as células normais do parênquima hepático, porém com
uma organização anômala. Essa má-formação vascular
será representada nos exames de imagem como uma
cicatriz central, o achado mais característico deste tipo
de nódulo. A relação com hormônios femininos e
anticoncepcionais orais, assim como no hemangioma
hepático, é bastante controversa4.

O diagnóstico da HNF ocorre, na maioria das vezes, de


forma incidental. Assim como as demais lesões benignas
a maior parte das lesões é assintomática.

Os achados de imagem característicos em pacientes


com HNF incluem4:

US: costuma apresentar-se de forma variável. Pode


ser hiper, iso ou hipo ecogênica em relação ao
parênquima adjacente. A cicatriz central pode ser
identificada em 20% dos casos.

TC: apresentam-se como lesões isodensas ou um


pouco hipodensas em comparação com parênquima
hepático normal na fase sem contraste. Na fase
arterial precoce, os nódulos, que são ricamente
vascularizados, apresentando intenso realce
homogêneo. Na fase portal, o nódulo costuma ser
isodensa em relação ao parênquima hepático
normal. Em cerca de um terço dos casos é possível
identificar a cicatriz central, muitas vezes com
captação do meio de contraste. (Figura 2)
RM: nas sequências com contraste venoso habitual
(gadolínio), os achados são semelhantes aos da TC.
Mais recentemente, o desenvolvimento de um tipo
de contraste hepato-específico (ácido gadoxético,
Primovist), já bastante difundido em nosso meio,
permitiu um refinamento ainda maior no diagnóstico
dessas lesões. Podemos dizer, de maneira simplista
e didática, que esse contraste “simula o
comportamento da bile”. Portanto, como a HNF
apresenta todos os elementos de um fígado normal,
o nódulo contrastará ao contraste hepato-específico,
diferenciando-o de um adenoma hepatocelular, por
exemplo (figura 3).
Figura 2 – TC contrastada, fase arterial: lesão hipervascular com
contrastação rápida e homogênea, exibindo cicatriz central. Típica de
hiperplasia nodular focal.

Figura 3 – RM: Intesa captação do contraste hepato-específico (ác.


Gadoxético) é sugestivo de HNF.
O risco de complicações da HNF é mínimo. A
transformação maligna não foi descrita e os casos de
ruptura espontânea são anedóticos. A maioria dos
pacientes não necessitará de tratamento específico. Não
é necessário a suspensão do anticoncepcional hormonal
oral, mas sugere-se acompanhamento com exames de
imagem desses pacientes. A ressecção cirúrgica é
reservada para os raros pacientes sintomáticos4.

Adenoma hepatocelular

Os adenomas hepáticos são tumores hepáticos


sólidos, raros e benignos. A relação entre o uso
anticoncepcionais orais e o desenvolvimento de
adenomas hepáticos é conceito claro na prática medica.
Outros fatores de risco incluem o uso de esteroides
anabolizantes, obesidade e Doença de Von Gierke
(Glicogenose Tipo I)4.

A incidência dos adenomas hepáticos cresceu muitos


nas últimas décadas, concomitante ao aumento do uso
dos contraceptivos orais. A difusão de métodos
diagnósticos de imagem também colaborou para o
aumento no numero de diagnósticos incidentais.Estudos
demonstram que a prevalência em mulheres que nunca
fizeram uso de contraceptivos é de 1 em 1.000.000. Em
contrapartida, em mulheres que já fizeram uso de
contraceptivos a prevalência varia de 30 a 40 por
milhão8.
Grandes avanços ocorreram no entendimento da
fisiopatologia dos adenomas hepáticos no últimos anos.
Hoje, sabe-se que o adenoma hepático corresponde a um
conjunto formado por diversos tipos de tumores
benignos, com características genéticas e clinicas
distintas9,10. Esse conhecimento ajuda a explicar a
apresentação clínica e radiológica extremamente
variável dessas lesões. As principais características do
diferentes tipos de adenoma está resumida na tabela 1.
Tabela 1 – Principais subtipos de adenomas hepatocelulares

HNF1alfa
Inflamatório Mutação da B-
inativado
(40-55%) catenina (10-15%)
(35-50%)

Quase
exclusivo em
Obesidade,
mulheres
Epidemiologia Sínd. Homens Androgênios
Adenomatose
metabólica
hepática
familiar

Pode simular carcinoma


Realce
hepatocelular bem
arterial
Adenoma diferenciado. Fluxo
Imagem persistente
esteatótico arterial rápido e
Esteatose
lavagem na fase tardia
hepática
(“wash-out”).

Menor risco
Complicações Sangramento de Malignização
complicações

O adenoma hepatocelular, assim como os outros


tumores hepáticos benignos, costuma ser assintomático
ou apresentar-se com sintomas inespecíficos. Os achados
de imagem são bastante variáveis e incluem4:
US: podem se apresentar como lesões bem
delimitadas e hiperecogênicas devido a grande
presença de lipídeos dentro dos hepatócitos,
entretanto também podem apresentar-se como
lesões heterogêneas devido a sangramento
intratumoral.

TC: geralmente são hipo ou isoatenuantes nas fases


sem contraste. Nas fases contrastadas, podem
apresentar-se com realce persistente (geralmente
subtipo inflamatório) ou até mesmo simulando um
carcinoma hepatocelular com fluxo rápido e
lavagem na fase tardia (principalmente o tipo com a
beta-catenina mutada)
RM: os achados durante as sequências com
gadolínio são semelhantes aos descritos na TC. Um
achado muito sugestivo de adenoma hepático na
RM (especialmente no tipo esteatótico, com
HNF1alfa inativada) é a detecção gordura
intralesional através dos protocolos “em fase” e
“fora de fase” (Figura 4). Como já comentado
anteriormente, o uso do contraste hepato-específico
é muito útil na diferenciação do adenoma hepático
principalmente de HNFs sem cicatriz central.
Diferentemente do adenoma hepático, o HNF, por
apresentar parênquima hepático, contrasta
intensamente (Figura 3).
Figura 4 – Queda do sinal da lesão nas sequencias T1 “em fase”(esquerda)
em relação a “fora de fase” (direita) evidencia gordura no interior do tumor
e é sugestivo de adenoma hepatocelular.

Diferentemente dos outros nódulos hepáticos


benignos, os adenomas apresentam riscos de
complicações graves como ruptura/hemorragia (20-30%)
e malignização (cerca de 5%)11. Apesar dos avanços já
comentados na classificação dos adenomas, atualmente,
a conduta é principalmente baseada no tamanho da
lesão e no sexo do paciente. Pacientes dos sexo
masculino, devido a elevada incidência de subtipos com
mutação da beta-catenina e alto risco de malignização,
devem ser operados12,13, independentemente do
tamanho do tumor. Pacientes do sexo feminino com
lesões assintomáticas e menores que 5 cm podem ser
seguidas clinicamente e com exames de imagem após a
suspensão do anticoncepcional oral. Lesões acima de 5
cm devem ser ressecadas5,9,10.

Pontos Importantes
A maior parte dos nódulos hepáticos identificados
em pacientes assintomáticos e sem antecedentes
de câncer ou hepatopatia é benigno e não
necessitará de cirurgia.

O exame de escolha para a investigação de nódulos


hepáticos incidentais é a ressonância magnética.
Biópsias são raramente necessárias.

O principal fator de risco para o desenvolvimento de


adenomas hepatocelulares é o uso de
contraceptivos orais.
Contraceptivos orais devem ser suspensos em
pacientes com diagnóstico de adenoma
hepatocelular, mas não necessariamente em
pacientes com hemangioma hepático ou hiperplasia
nodular focal.

O tratamento cirúrgico está indicado apenas na


minoria de pacientes sintomáticos com hiperplasia
nodular focal ou hemangioma hepático.
Em pacientes portadores de adenoma
hepatocelular, a cirurgia deve ser oferecida aos
pacientes do sexo masculino, independentes do
tamanho, e às do sexo feminino com lesões maiores
que 5 cm.

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Caso 09 | Cirrose
Carcinoma Hepatocelular
Autor: Igor Lepski Calil
Orientadores: Guilherme Eduardo Gonçalves Felga,Rafael Antonio
Arruda Pecora

História Clínica
Paciente masculino, 66 anos, natural e procedente de
São Paulo, vem encaminhado para a triagem do
transplante hepático. No momento está assintomático e
diz que há um ano recebeu o diagnóstico incidental de
Hepatite C crônica (VHC). Desde então faz seguimento
em UBS para hepatopatia, porém não realizou
tratamento do VHC. No último ultrassom foi identificado
nódulo hepático e, por isso, veio encaminhado para o
serviço de transplante de fígado.

Antecedentes pessoais:

Cirrose por VHC Child A6, porém, em fase anterior


ao início do seguimento, chegou a ser Child B7
MELD 8.

Diabetes mellitus controlada.

Nega vícios.
Politraumatismo há 30 anos com necessidade de
transfusão sanguínea.

Antecedentes familiares:

Nega doenças de incidência múltipla.


Nega demais familiares com cirrose.

Exame Físico De Admissão


Bom estado geral anictérico, acianótico, afebril,
orientado, sem sinais de encefalopatia, sem sinais
de desnutrição.
ACV: 2 bulhas rítmicas normofonéticas em 2 tempos
FC 60 bpm PA 100x 60 mHg.

AR: Murmúrio vesicular presente, sem ruídos


adventícios eupneico.

Abdome: Ascite leve, normotenso e esplenomegalia


RHA presente.

Exames laboratoriais

Bilirrubina total de 0,8 mg/dL.

Alb 3,7 g/dL.

Cr 0,8 mg/dL.

Hemograma
Hb 11,5 g/dL

Leucócitos 4,04 x103 uL

Plaquetas 108 x103 uL

AFP (Alfa feto proteína ) de 10,5 UI/mL

Exames de imagem ou imagens de


lesões/exames complementares

Endoscopia digestiva alta

Apresentava gastropatia hipertensiva leve e varizes


esofágicas de fino calibre.

Ressonância nuclear magnética

Fase portal (esquerda)

Fase arterial (direita)

Figura 1 – Ressonância Nuclear Magnética do fígado com destaque para a


lesão no seguimento IV.

Questões Para Orientar a Discussão


1. Pelo quadro clínico e os exames apresentados,
podemos fechar diagnóstico de hepatocarcinoma?

2. Levando-se em conta o estadiamento da doença


hepática, o BCLC e a lesão diagnosticada, qual
seria a melhor forma de tratamento?

3. Quais são os achados no quadro clínico falam a


favor de se propor uma ressecção e quais falam a
favor de se propor um transplante hepático?

Discussão
O carcinoma hepatocelular (HCC) é o principal câncer
primário do fígado. Tem uma incidência mundial ajustada
por idade de 10,1 casos por 100 000 pessoas-ano, e é
classificada como a sexta neoplasia mais comum e a
terceira principal causa de morte por câncer. O HCC foi
reconhecido como uma das principais causas de morte
entre pacientes com cirrose, e estima-se que sua
incidência aumentará no futuro1.

O desenvolvimento do HCC é um processo de várias


etapas que envolve inflamação sustentada no fígado,
danos genômicos, além de necrose e regeneração dos
hepatócitos, associada à progressiva deposição fibrótica.
O HCC é o resultado do acúmulo desses fenômenos,
porém, infelizmente, nenhuma das classificações
moleculares de carcinoma hepatocelular propostas até
agora prediz a progressão ou recorrência da doença2,3.

O HCC tem como principal base de surgimento a


doença hepática crônica, porém foi observado o aumento
em fígados com doença hepática gordurosa não alcoólica
(NASH) ainda sem cirrose instalada. A maioria dos casos
de HCC (80%) ocorrem na África Subsaariana e Ásia
Oriental, onde os principais fatores de risco são infecção
por hepatite B e exposição à aflatoxina B1. Nos EUA,
Europa e Japão, a hepatite C, juntamente com o abuso de
álcool, são seus principais fatores de risco4,5,6.

Diagnóstico

Em sua grande maioria, o HCC é assintomático e


necessita de uma rotina de investigação diagnóstica na
população de risco. Para o diagnóstico do HCC, a
ultrassonografia é a principal ferramenta de screaning.
Esse procedimento é bem tolerado e amplamente
disponível, e tem uma sensibilidade de 60-80% e uma
especificidade maior que 90% quando é feito
adequadamente7. Marcadores tumorais, como a α-
fetoproteína, também têm seu papel tanto na vigilância
como no diagnóstico. O uso combinado de α-fetoproteína
e ultrassonografia aumenta a taxa de detecção7,8, além
da triagem em pacientes cirróticos a cada 6 meses.
O uso de imagem contrastado para o diagnóstico
definitivo do HCC é o mais utilizado. É definido pela
absorção intensa de contraste durante a fase arterial
seguida de lavagem de contraste durante as fases
venosas, tanto na Tomografia Computadorizada (TC)
como na Ressonância Nuclear Magnética (RNM)9,10,11,12.
O Colégio Americano de Radiologia propôs um sistema
para padronização de dados coletados dos exames de CT
e RNM do fígado em pacientes com risco de carcinoma
hepatocelular. Esse sistema, conhecido como Relatório e
Dados de Imagem do Fígado, Sistema (LI-RADS)13 é
fundamental para o diagnóstico e seguimento de
imagem das lesões hepáticas suspeitas para HCC.

O estadiamento do HCC é um passo crucial na


estratégia de tratamento, já que a maioria dos pacientes
têm uma doença hepática associada. A avaliação deve
incorporar não apenas o estágio do tumor, mas também
o grau de comprometimento da função hepática. Várias
propostas foram feitas para estratificar os pacientes com
HCC (14). O mais relevante em avaliação é o sistema de
Barcelona (BCLC)24 (Figura 1). Há também outros
sistemas, como o Programa Italiano do Câncer do Fígado,
o Groupe d’Étude et de Traitement du Carcinome
Hépatocellulaire e o Tumor, Nodo, Metástase (TNM). Mais
recentemente, o chinês (Índice Prognóstico
Universitário), o japonês (Sistema Integrado de
Pontuação de Taipei), e o sistema de estadiamento do
Câncer de Fígado de Hong Kong15 passaram a ser os
mais utilizados no Oriente.

Figura 2 – BCLC 2018 – Fluxo de tratamento do HCC proposto pela


Universidade de Barcelona24.

Tratamento

O objetivo do tratamento é aumentar a sobrevida


enquanto mantém a qualidade de vida do paciente. A
conquista do melhor tratamento exige a seleção
cuidadosa dos candidatos para cada opção de
tratamento. Dada a complexidade da doença e o grande
número de tratamentos potencialmente úteis, pacientes
diagnosticados com carcinoma hepatocelular devem ser
feitas por equipes especializadas.

Ressecção cirúrgica, transplante, ablação,


quimioembolização transarterial16,17,18 e os inibidores de
tirosina-quinase sorafenib19,20, lenvatinib21 e
regorafenib22, são tratamentos com benefícios
comprovados de sobrevivência e a adequada utilização
depende de uma equipe especializada.

A ressecção do tumor tanto por laparotomia como por


laparoscopia é uma boa opção para o tratamento
definitivo do HCC. Porém, como a maioria dos pacientes
apresenta certo grau de disfunção hepática, a avaliação
deve ser bem criteriosa. Devemos ter em mente o grau
de disfunção hepática avaliada pelo MELD e a
classificação de Child Pugh, além do grau de hipertensão
portal e o volume de fígado a ser ressecado.

Teoricamente, o transplante de fígado é a melhor


opção de tratamento, pois pode curar simultaneamente o
tumor e a cirrose subjacente. A probabilidade de
sobrevivência do paciente após o transplante continua a
ser critério essencial para indicar esse tratamento para o
carcinoma hepatocelular, porém não são todos os
pacientes com HCC que se beneficiam do transplante. O
equilíbrio entre o estadiamento do tumor, o
comportamento biológico do tumor e o grau de disfunção
hepática poderiam definir se o paciente será beneficiado
com o transplante.

O Critério de Milão instituído por Mazzaferro et al há


duas décadas23 (um único nódulo de ≤ 5 cm ou até três
nódulos de ≤3 cm) é a referência para oferecer a melhor
sobrevida após o transplante em carcinoma
hepatocelular (> 70% de sobrevida em 5 anos, com taxa
de recorrência de < 10 a 15%).

A ablação com radiofrequência também tem seu papel


curativo em tumores de pequena dimensão (< 2 cm) e
um bom controle como tratamento ponte para o
transplante e ganhou relevância atualmente. Tais fluxos
de tratamento variam de centro para centro, sendo o
BCLC o mais seguido atualmente.

Discussão do caso

O caso acima representa a maioria dos doentes


quando há diagnóstico de HCC. Tal tumor pode ser
diagnosticado em exame de imagem quando a lesão é
acima de 2 cm e tem características como a do caso em
questão: realce na fase arterial e washout na fase tardia
em lesões com dimensões maiores que 1 cm.

O paciente teve um estadiamento prévio de sua


Hepatopatia de child B6, além de apresentar varizes de
esôfago e ascite. Esses últimos achados representam a
presença de hipertensão portal. Tais achados favorecem
a indicação do transplante como opção terapêutica. O
fato de atualmente o paciente ser um child A e ter uma
lesão única no parênquima hepático de pequenas
dimensões, e esta ser periférica ocupando apenas um
seguimento hepático, seriam possíveis argumentos para
indicação de uma cirurgia de resseção. Porém, pelo BCLC
2018 esse paciente teria como opção de tratamento o
transplante hepático, se considerarmos ele sem doenças
associadas, já que ele tem 66 anos e diabetes
compensado. Neste caso, o transplante dá sobrevida livre
de tumor ao paciente, além de corrigir a hepatopatia
dele.

Atualmente, com o início do uso clínico de novos


tratamentos para o HCV, a sobrevida do paciente tende a
aumentar ainda mais, já que a recidiva do vírus no
enxerto era a maior causa de perda crônica do fígado
transplantado nessa população.

Pontos Importantes
Tanto a infecção crônica por vírus C como a cirrose
hepática em uma apresentação clínica inicial frustra
o que demanda busca ativa pela doença.

Rastreio contínuo do HCC é parte obrigatória do


seguimento em doentes com hepatopatia crônica.
Há um pool de opções para o tratamento do HCC e,
portanto, os doentes devem ser referendados para
centros especializados.
A interface entre o estadiamento do tumor, seu
comportamento biológico, o grau de disfunção do
fígado do paciente, e demais comorbidades,
definem o melhor tratamento para o HCC.
Transplante hepático, a ressecção e a ablação são
os melhores métodos de tratamento definitivo da
HCC.

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Caso 10 | Câncer De
Cólon
Autora: Camila Maria Arruda Vilanova
Autor e Revisor: Rafael Vaz Pandini

História Clínica
Paciente A.P., 84 anos, sexo feminino, cozinheira
aposentada, hipertensa e diabética foi diagnosticada com
anemia crônica assintomática. Realizou pesquisa de
sangue oculto nas fezes com resultado positivo. A
paciente referia hábito intestinal regular, negava
hematoquezia, queixava de perda de 6 Kg no último ano.
Antecedente pessoal de pan-histerectomia total
abdominal e linfadenectomia por neoplasia de
endométrio estádio IB seguida de terapia adjuvante com
braquiterapia, há 10 anos, atualmente sem evidência de
doença. História familiar: pai com antecedente de câncer
de próstata. Paciente negava hábitos de tabagismo e
etilismo.

Exame Físico
Sinais Vitais: PA 120x70, FC 75 BPM, FR 19, SatO₂
98%, Peso: 60Kg, IMC=24
Paciente consciente, orientada em tempo e espaço,
bom estado geral, descorada (2+/4+), hidratada,
acianótica, anictérica, afebril. Karnofsky 90. ECOG
01;

Ausência de linfonodomegalia em cadeias cervicais


e supraclaviculares;

Ausculta cardíaca e pulmonar sem alterações;

Abdome plano, flácido, ruídos hidroaéreos


presentes, percussão timpânica, sem massas ou
visceromegalias e indolor à palpação;

Inspeção anal sem lesões externas, toque retal com


esfíncter normotônico, ampola retal ampla, sem
lesões tocáveis ou sangue em dedo de luva.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Paciente octogenária, com boa funcionalidade, quadro
de anemia assintomática, perda de peso e pesquisa de
sangue oculto nas fezes positiva. Prosseguiu-se
investigação com colonoscopia (Fig. 1) e biópsia sendo
diagnosticada adenocarcinoma de cólon ascendente.
Devido ao seu bom status performance foi encaminhada
para estadiamento e avaliação pré-operatória.

Exames Laboratoriais
Tabela 01: Exames laboratoriais de admissão.

Valor (Valor de Valor (Valor de


Exame Exame
referência) referência)

4890
Hb 8,9 g/dl (13,0 a 15,5) Leucócitos mil/mm3(3.500 a
10.500)

3000 mil/mm3
Ht 32,2% (35% a 45%) Neutrófilos
(1.700 a 7000)

210 mil/mm3 (50


HCM 19,8 pg (26 a 34) Eosinófilos
a 500)

20 mil/mm3 (0 a
VCM 71,6 fl (82,0 a 98,0) Basófilos
300)

1200 mil/mm3
RDW 20,8 % (11.9 – 15,5) Linfócitos
(900 a 2900)

251.000 mil/mm3 (150.000 460 mil/mm3 (300


Plaq Monócitos
a 450.000) a 9000)

Glicemia 117mg/dL Ureia 27 mg/dL(10 a 50)

0,72mg/dL (0,60 –
CEA 2,73 ng/mL (até 5,0) Creatinina
1,10)

144 mEq/L(135 –
Potássio 3,9 mEq/L(3,5 a 4,5) Sódio
145)

INR 0,8 (menor que 1,0) TTPa 2,3 s (1,7 a 3,5 s)

Abreviações: Hb-Hemoglobina, Ht-Hematócrito, HCM-Hemoglobina


corpuscular média, VCM-Volume corpuscular médio, RDW-Red Cell
Distribution Width, Plaq -plaquetas, PCR-proteína C reativa, CEA-antígeno
carcinoembrionário, INR-razão normalizada internacional, PTT-tempo de
tromboplastina parcialmente ativada

Colonoscopia com biópsia


Figura 1 – Imagem de colonoscopia evidenciando lesão ulcerada, infiltrativa,
circunferencial e estenosante, intransponível ao colonoscópio (12,8mm).
Realizadas biópsias e tatuagem - Biópsia de lesão ulceroinfiltrativa de cólon
ascendente evidenciou: Adenocarcinoma moderadamente diferenciado,
infiltrativo. Imuno-histoquímica: imunoexpressão das proteínas dos genes de
reparo do DNA preservada: PMS2, MLH1, MSH2, MSH6 positivos.

Exames de Estadiamento: Tomografia


computadorizada (TC) helicoidal de tórax
abdome e pelve com contraste iodado
endovenoso.
Figura 2 – Imagem em corte axial de TC evidenciando lesão anelar
estenosante no ângulo hepático do cólon (transverso proximal) estendendo-
se por 5,0 cm (sinal da seta). Associa-se leve densificação nos planos
adjacentes (suspeito para extensão extramural) e linfonodos regionais
subcentimétricos.

Estadiamento clínico: cT3 cN+ cM0

Questões Para Orientar a Discussão

1. O que é o câncer de cólon e como é feito o seu


rastreamento?

2. Quando suspeitar de neoplasia de cólon e quais os


fatores de risco associados?

3. Qual o prognóstico e as apresentações clínicas


possíveis?
4. Existe diferença dos tumores quanto a sua
localização?
5. Uma vez diagnosticado, como proceder a sua
avaliação?

6. Qual o tratamento do câncer de cólon?

7. Como é feito o seguimento do paciente?

8. Quando realizar aconselhamento familiar quanto


às síndromes associadas?

Discussão

Epidemiologia, Patogênese e
Rastreamento.

O adenocarcinoma colorretal ou câncer colorretal


(CCR) é uma neoplasia maligna originada na mucosa da
parede do intestino grosso que inclui: ceco, cólon
ascendente, cólon transverso, cólon descendente,
sigmoide e reto. Apesar de compartilhar epidemiologia,
patogênese e rastreamento similares aos tumores de
reto, os tumores do cólon guardam quadro clínico,
estadiamento e tratamento diferentes.

O CCR, excetuando-se os tumores de pele não


melanoma, é o terceiro mais frequente em homens e o
segundo entre as mulheres. Para o Brasil, estimam-se
17.380 casos novos de câncer de cólon e reto em
homens e 18.980 em mulheres para cada ano do biênio
2018-2019. Esses valores correspondem a um risco
estimado de 16,83 casos novos a cada 100 mil homens e
17,90 para cada 100 mil mulheres.1,2Em 1990, Fearon e
Vogelstein3 descreveram a base molecular do CCR
fomentando uma série de estudos que explicam a
sequência adenoma-carcinoma a qual consiste num
acúmulo progressivo de mutações que leva à progressão
de uma lesão pré-neoplásica (pólipo adenomatoso) para
uma lesão neoplásica (carcinoma). A sequência inclui
alterações de genes como APC, p53 e RAS e cerca de
85% dos CCR esporádicos e hereditários têm origem
nela.4,5A outra via associada às lesões de CCR é a via de
neoplasia serrilhada. Ela ocorre por mutação dos genes
do reparo de DNA (MMR ) - MLH1, MLH2, MSH6, PMS2 -
ou associada a mutação BRAF na qual a hipermetilação
de ilhas CpG resulta em inativação de uma proteína de
reparo MLH1. A mutação ou a inativação dos MMR é
identificada via imuno-histoquímica por instabilidade de
microssatélites. É a grande marca do câncer colorretal
hereditário não polipoide (HNPPC) e relaciona-se com
aproximadamente 15% de CCR esporádicos.5,6Uma vez
reconhecida a patogênese do CCR, observou-se que a
ressecção de lesões precoces preveniria a evolução ao
câncer. “The National Polyp Study” seguiu 1418
pacientes com colonoscopia e remoção precoce de
pólipos. No seguimento de 6 anos, a incidência de CCR
foi 88-90% menor do que aquela em pacientes nos quais
os pólipos não foram removidos e 76% menor do que a
população geral.7

O rastreio do CCR pode ser realizado através de


exames de amostra fecais, exames endoscópicos
(retossimoidoscopia flexível ou colonoscopia) e de
imagem (colonografia virtual com reconstrução em 3D);
o enema baritado por duplo contraste não é mais
recomendado.8,9 A tabela 02 mostra o rastreio da
população geral segundo os principais guidelines.

Os testes de amostras fecais fazem pesquisa de


sangue oculto nas fezes (PSOF) via teste guaiaco (gPSOF)
ou teste imuno-histoquímico (sozinho – FIT – ou
associado a pesquisa de DNA fecal, FIT-DNA). Apesar do
alto número de falsos positivos, gPSOF é o mais usado na
rede pública dado seu baixo custo; ele consiste na
análise de 03 amostras sucessivas durante dieta
modificada. O FIT requer uma amostra única, sem
modificação da dieta. Ambos, quando positivos, indicam
a realização de colonoscopia.8

A colonoscopia é o exame padrão ouro de


rastreamento de CCR, permite avaliar todo o cólon e
realizar biópsias e ressecções de lesões precursoras
(pólipos).8,9

As complicações associadas a colonoscopia são raras,


estudos apontam para uma taxa de sangramento pós-
colonoscopia de 0.001-0.687% e de perfuração de 0.005-
0.085%.10 Fatores como idade avançada, ASA maiores,
gênero feminino, colonoscopia hospitalar, polipectomia
com remoção de lesões > 10 mm estão associados a
maiores riscos de perfuração.11,12Na escolha do método
de rastreio, deve-se levar em conta fatores como
efetividade do teste (redução em mortalidade por CCR,
segurança, disponibilidade), idade, condição geral e
preferência do paciente bem como custo-efetividade.
Apesar de diferir em sensibilidade e especificidade, as
recomendações concordam que algum rastreio é melhor
que nenhum.8,9,11
Tabela 02: Sumário de recomendações dos principais guidelines para
rastreio de CCR na população geral.*

Multi-Society Task Force of Colorectal Cancer (2017)13

A partir dos 50 anos até 75 anos. (início a partir 45 anos


Idade para afrodescendentes) 75 anos a 85 anos – decisão
quanto ao rastreio estar atualizado.

- segundo nível: Colono virtual a


cada 5 anos, ou FIT DNA fecal a
- primeiro nível:
cada 3 anos ou
Exames e Colonoscopia a cada
retossigmoidoscopia a cada 5 a 10
periodicidade 10 anos; ou FIT
anos.
anualmente.
- Terceiro nível: colonoscopia com
cápsula a cada 5 anos.

American Cancer Society (2018)14

A partir dos 45 anos.


Até 75 anos se expectativa de vida maior que 10 anos.
Idade
76 a 85 anos – decisão quanto ao rastreio individualizada,
desencorajada após 85 anos.
Multi-Society Task Force of Colorectal Cancer (2017)13

-.Colonoscopia a
cada 10 anos. - FIT anual.
- Colonografia /TC a - gPSOF com teste de alta
Exames e
cada 5 anos sensibilidade, anual.
periodicidade
-.Retossimoidoscopia - Multi-targeted DNA a cada 3
flexível a cada 5 anos.
anos.

National Comprehensive Cancer Network-NCCN8

Idade A partir dos 50 anos

- Colonoscopia a
cada 10 anos se
primeira negativa.
- FIT a cada 03 anos.
Exames e - Colonografia /TC a
- gPSOF com teste de alta
periodicidade cada 5 anos.
sensibilidade, anual.
- Retossimoidoscopia
flexível a cada 5
anos.

European Society for Medical Oncology - ESMO (2013)15

Idade A partir dos 50 anos até 74 anos.

- Colonoscopia a
cada 10 anos se
-FIT a cada 03 anos.
Exames e primeira negativa.
-gPSOF com teste de alta
periodicidade - Retossimoidoscopia
sensibilidade, anual.
flexível a cada 10
anos.

Abreviações: TC – tomografia computadorizada, FIT-fecal immunochemical test, gPSOF-teste


guaiaco de pesquisa de sangue oculto nas fezes.
*São elegíveis para risco geral: pacientes que não tenham história pessoal ou familiar de CCR,
sem história de adenomas (exceto pólipos hiperplásicos <1cm), sem história familiar de
síndromes hereditárias polipoides, ausência de doença inflamatória intestinal.
Nota: Todos indicam realização de colonoscopia e caso de FIT ou gPSOF positivos.

Fatores de risco e manifestações clínicas


A incidência do câncer de cólon é igual em homens e
mulheres, maior em negros e idosos, com idade média
de diagnóstico aos 68 anos. Está ocorrendo uma queda
na incidência em paciente com mais de 65 anos,
provavelmente devido à política de rastreio, porém, a
incidência em adultos menores que 40 anos tem
aumentado.2

Fatores de risco para o CCR são as síndromes


hereditárias; Polipose Adenomatosa Familiar (PAF),
Síndrome de Lynch/Câncer colorretal hereditário não
polipomatoso (HNPCC) e a Síndrome hereditária do
câncer mama-ovário), antecedente pessoal ou em
familiares de CCR, atividade e extensão de
acometimento de doenças inflamatórias intestinais,
radiação abdominal e fibrose cística.16-20Alguns estudos
evidenciaram a relação de carnes vermelhas e
processadas, dieta rica em gorduras animais, baixa
ingestão de fibras, obesidade, sedentarismo, consumo de
álcool e cigarro como fatores de risco para CCR.21-24 Os
fatores protetores para CCR incluem: atividade física,
dieta rica em fibras, frutas e verduras e uso de
aspirina.25,26

A atividade física é um fator protetor relevante para


câncer de cólon proximal e distal mostrando uma
redução de incidência em torno de 25% para ambos
segundo metanálises. Alguns estudos têm mostrado
redução da incidência e mortalidade com o uso de
aspirina sendo maior esta redução nas lesões
proximais.27,28 Deve-se suspeitar de CCR em pacientes
com queixa de hematoquezia, alteração do hábito
intestinal, dor abdominal, emagrecimento, astenia e
adinamia, principalmente em pacientes com idade
avançada ou em pacientes jovens com sinais e sintomas
exuberantes ou com história familiar de CCR na família
ou suspeita de possível síndrome genética.29

O CCR apresenta-se em geral de três formas:


assintomático - quando identificado em exames de
rastreio, sintomático ou em quadros de urgência
abdominal como obstrução intestinal, perfuração ou
sangramento intestinal volumoso.

As lesões do câncer de cólon direito (CCD), costumam


se apresentar com maior frequência através de anemia
ferropriva, sangramento oculto nas fezes e perda de
peso. CCD possui mais lesões sincrônicas e níveis de
CA19-9 mais elevados ao diagnóstico. Na maioria das
vezes são lesões mais invasivas e maiores podendo
apresentar massa palpável ao exame físico e com
invasão de órgãos adjacentes como a parede abdominal,
o duodeno ou o ureter direito. O CCD acomete pacientes
mais idosos, predomina em mulheres e em pacientes
com mais comorbidades.30-33

O câncer de cólon esquerdo (CCE) altera com maior


frequência o hábito intestinal (constipação ou diarreia),
apresenta-se como hematoquezia e por vezes obstrução
intestinal. Tem-se observado redução na sua incidência
provavelmente pelos programas de rastreio e diagnóstico
precoce.31, 34-36

Prognóstico e localização da lesão

A sobrevida aproximada em 5 anos do CRC, incluindo


todos os estadiamentos, é de 65% nos Estados Unidos,
ela é inversamente proporcional ao estadiamento da
doença. A sobrevida aproximada em 5 anos dos
pacientes Estádio I é de 95%, Estádio II 87% a 65%,
Estádio III de 60% e Estádio IV de 10%.37 A localização do
tumor primário se apresenta como fator prognóstico no
desfecho clínico.29,38 Define-se por câncer de cólon
direito (CCD) aqueles tumores localizados até metade a
2/3 proximais do cólon transverso e o câncer de cólon
esquerdo (CCE) os localizados no terço distal do cólon
transverso, cólon descendente, sigmoide e junção
retossigmoide.

Além de possuírem origem embriológica diferentes


(proximal do intestino médio e distal do posterior), colón
direito e esquerdo apresentam diferenças na mucosa
quanto a sua imunologia, o que talvez expliquem
diferença molecular entre as lesões; o cólon direito tem
uma mucosa mais rica em eosinófilos e células
intraepiteliais T.39,40 CCD e CCE apresentam ainda
diferenças clínicas, como já citado previamente,
patológicas e moleculares. Os CCD são associados a
lesões exofíticas, diploides, histologia mucinosa,
deficiência em genes de reparo (MMR), mutações de
KRAS, BRAF e microRNA-31. Os CCE se associam a lesões
infiltrativas, aneuploides e ainda são relacionados à
instabilidade microssatélite, p53, NRAS, microRNA-146a,
microRNA-147b e microRNA-1288.43.34,41 Na literatura
há divergência quanto às diferenças de sobrevida em
estádios iniciais de CCD vs CCE. Quanto ao estádio III, há
evidência de que o CCD apresenta maior
mortalidade.32,33

Estadiamento

O estadiamento do câncer de cólon inclui:42Exame


físico completo com exame proctológico.

Exames de imagem (TC de tórax com ou sem


contraste, TC de abdome e pelve com contraste).

Colonoscopia completa - caso a colonoscopia seja


incompleta, devido a um tumor estenosante e
intransponível ao aparelho endoscópico, deve-se lançar
mão da colonoscopia virtual (com reconstrução em 3D)
para o estudo do cólon à montante e pesquisa de
tumores sincrônicos.

Em lesões pequenas e não vistas na tomografia, a


tatuagem com tinta de nanquim por colonoscopia é
obrigatória para a localização durante a cirurgia.43
Os exames de estadiamento permitem a detecção
precisa e a avaliação de metástases, as quais podem
exigir mudança de conduta além de permitir melhor
planejamento cirúrgico. Tomografia com emissão de
pósitrons (PET/TC) não tem recomendação de rotina no
estadiamento.44

O estadiamento é realizado de acordo com


orientações da American Joint Committee on Cancer
(AJCC)42 – Classificação TNM na qual T indica grau de
invasão tumoral na parede do cólon, N acometimento
linfonodal e M presença de metástase à distância (tabela
03).
Tabela 03: Estadiamento do câncer de cólon – AJCC – 8ª edição.42

Tumor (T) Linfonodos Regionais (N)


Tumor (T) Linfonodos Regionais (N)

Tu primário não avaliável.


Sem evidência de Tu
LNDs não avaliáveis.
primário.
Sem metástase LND
Carcinoma in situ:
De 1 a 3 LND (Tu no
intraepitelial (invasão da
linfonodo ≥ 0.2mm) ou
lâmina própria sem
qualquer número de
extensão muscular da
NX depósito tumoral presente
Tx mucosa).
N0 com linfonodos negativos.
T0 Tu invade a submucosa.
N1 Um LND positivo.
Tis Tu invade a muscular
N1a Dois a três LNDs positivos.
T1 própria.
N1b Depósito(s) tumoral(is) na
T2 Tu invade através da
N1c subserosa, mesentério ou
T3 muscular própria até tecido
N2 tecidos pericolônicos não
T4a pericólico.
N2a peritonizados - sem
T4b Tu penetra na superfície do
N2b metástase em LND.
peritônio visceral (inclui
Quatro ou mais LND
perfuração grosseira e
positivos
invasão continua por
Quatro a seis LND positivos
inflamação).
Sete ou mais linfonodos
Tu invade diretamente ou é
LND positivos.
aderente a outros órgãos
ou estruturas.

Metástase (M) Estágio T N M

M0 Sem metástase à distância 0 Tis N0 M0


M1 (avaliação clínica). I T1,T2 N0 M0
M1a Metástase à distância. IIA T3 N0 M0
M1b Metástase confinada a um IIB T4a N0 M0
M1c órgão ou local (por IIC T4b N0 M0
exemplo, fígado, pulmão,
ovário, nódulo não IIIA T1, T2 N1/N1c M0
regional) sem metástase IIIA T1 N2a M0
peritoneal. IIIB T3, T4a N1/N1c M0
Metástases em dois ou IIIB T2, T3 N2a M0
mais órgãos sem IIIB T1, T2 N2b M0
metástase peritoneal. IIIC T4a N2a M0
Metástases no peritônio, IIIC T3, T4a N2b M0
isoladas ou associada a IIIC T4b N1, N2 M0
metástase em outros
órgãos.
Tumor (T) Linfonodos Regionais (N)

Qualquer Qualquer
T N
IVA M1a
Qualquer Qualquer
IVB M1b
T N
IVC M1c
Qualquer Qualquer
T N

Abreviações: Tu (tumor); LND (Linfonodos regionais).

Como realizar o tratamento dessa doença?

A ressecção cirúrgica é o único tratamento curativo


para câncer de cólon. É indicada para tratamento de
lesões localizadas, localmente avançadas e em casos
selecionados de pacientes com metástases ressecáveis
em pulmão e fígado. A cirurgia eletiva nos casos de
estádio IV avançado é motivo de grande debate

No estádio I pode-se realizar ressecção local em casos


T1 sem fatores de risco para metástase linfonodal e, nos
casos T2, a ressecção cirúrgica oncológica. Nos estádios
II e III, o tratamento é feito por meio da cirurgia seguindo
os princípios oncológicos: a ressecção completa do tumor
com margens livres, ligadura de pedículos vasculares na
sua origem e a linfadenectomia mesentérica regional. A
terapia adjuvante, a quimioterapia, é indicada no estádio
III da doença, no estádio II é realizada apenas em casos
selecionados. O tratamento para o Estádio IV tem como
padrão a quimioterapia e os agentes biológicos. Neste
último grupo, as análises genéticas tumorais têm
ganhado importante papel.44 Quanto à via de acesso, a
literatura demonstra que a via laparoscópica (VLP) possui
benefícios como: menor taxa de complicações da ferida,
menor índice de íleo pós-operatório, menor perda
sanguínea no intraoperatório e menor tempo de
internação hospitalar. Vantagens estas relacionadas à
menor resposta inflamatória que na via convencional,
aberta. O acesso VLP não aumenta recidiva ou diminui
sobrevida dos doentes.45-47

No entanto, a cirurgia VLP não é indicada em doenças


localmente avançadas (T4b), em casos de obstrução ou
perfuração e em caso de inexperiência do cirurgião em
cirurgia laparoscópica colorretal; sendo indicado o acesso
convencional, a via aberta.44 Cerca de 10% das lesões de
CC são localmente avançadas e estão aderidas a órgãos
adjacentes por invasão direta ou por reação
desmoplásica. O tratamento curativo dessas lesões é a
ressecção em bloco. Ressecção realizada em plano
incorreto está associada à maior recidiva local, pois em
34-84% das aderências locais, podemos identificar
células malignas.48,49 A extensão da cirurgia e vasos a
serem ligados dependerá da localização da lesão:

Tumores no ceco e cólon direito: colectomia direita


com ligadura na origem dos vasos ileocecocólicos, vasos
cólicos direito (presente em torno de 25% dos pacientes)
e o ramo direito dos vasos cólicos médios. (Figura 3)
Tumores da flexura hepática e transverso proximal:
colectomia direita ampliada com a ligadura na origem
dos vasos ileocecocólicos, vasos cólicos direito e dos
vasos cólicos médios. (Figura 4)

Lesões na flexura esplênica, transverso distal e cólon


descendente proximal: colectomia esquerda com a
ligadura do ramo esquerdo dos vasos cólicos médios, da
artéria cólica esquerda e da veia mesentérica inferior.
(Figura 5)

Lesões da transição retossigmoide e descendente


distal: retossigmoidectomia com ligadura na origem da
veia mesentérica inferior e da artéria mesentérica
inferior e margem oncológica distal adequada. (Figura 6)

Tumores do cólon transverso podem ser tratados com


transversectomia em casos selecionados, tumores de
cólon transverso distal podem exigir uma colectomia
subtotal quando não possível realizar anastomose colo-
colônica.

Nos casos de Câncer Colorretal Hereditário Não


Polipomatoso (HNPCC), na Polipose Adenomatosa
Familiar (PAF) atenuada e em tumores sincrônicos (Ex:
lesão em sigmoide e ceco) a colectomia total com
ileorretoanastomose é indicada.

A margem proximal e distal deve ser de pelo menos 5


a 7 cm da lesão.50 Quando o paciente é submetido a
colectomia direita, a extensão do íleo ressecado não está
associada a aumento da taxa de recidiva.51A quantidade
de linfonodos ressecados é um indicador da qualidade da
cirurgia realizada. Linfadenectomia regional fornece
informações prognósticas que guiam o tratamento pós-
operatório. Um mínimo de 12 linfonodos é necessário
para definição do estádio N.44

Em quadros de urgência, os tumores de cólon podem


se apresentar com sangramento profuso, obstrução
intestinal ou perfuração. O tratamento do sangramento
intestinal profuso é inicialmente suporte e estabilização
clínica. Na falha do tratamento clínico realiza-se a
cirurgia de emergência respeitando os princípios
oncológicos.

Nos quadros de perfuração, o tratamento inicial é


estabilização clínica com antibioticoterapia seguido de
cirurgia de urgência. Realiza-se a ressecção da lesão
segundo os princípios oncológicos. A decisão de realizar
anastomose primária depende do grau de contaminação
e condição clínica do paciente. Pacientes operados por
perfuração tem maior morbimortalidade e menor
sobrevida total e livre de doença em 5 anos.52,53

Em pacientes com quadro obstrutivo, o tratamento


dependerá do local da obstrução. Em casos de lesão
obstrutiva à direita ou no cólon transverso, em doenças
potencialmente curáveis, realiza-se colectomia direita ou
direita ampliada. Pacientes idosos, com hipoalbuminemia
e sepse, têm alto risco para deiscência de anastomose e
nestes casos está indicada a ileostomia. Em pacientes
com lesão no cólon esquerdo ressecáveis é indicado
colectomia esquerda respeitando os princípios
oncológicos. Em casos de paciente com sepse, em má
condições clínicas, com múltiplas comorbidades pode-se
optar pela cirurgia de Hartmann, que consiste na
ressecção oncológica do tumor e colostomia terminal. O
uso de próteses/stents como “tratamento ponte” para a
cirurgia tem indicação controversa e precisa ser mais
bem avaliado com estudos randomizados e prospectivos,
seu uso tem sido desencorajado. A colectomia total
também pode uma opção em casos de obstrução
intestinal do cólon esquerdo em que o status do cólon
proximal não é conhecido.54-57No caso em discussão, a
paciente foi submetida à colectomia direita ampliada VLP.
O resultado anatomopatológico foi: Adenocarcinoma
Invasivo tubular; Grau histológico: moderadamente
diferenciado; Localização: cólon transverso; Tamanho: 4,5
cm no maior eixo; Configuração macroscópica: anelar-
estenosante; Componente mucinoso: ausente;
Brotamentos no fronte de invasão: presentes; Infiltração
em profundidade: até tecido adiposo pericólico; Invasão
angiolinfática: presente; Invasão perineural: presente;
Margens livres; Ausência de metástase em 22 linfonodos
regionais (00/22) – Estadiamento pT3N0 (AJCC 8ª edição).
Fatores Prognósticos que alteram conduta

Os fatores prognósticos considerados como mais


relevantes para o tratamento de câncer de cólon
são:42São fatores de pior prognóstico a dosagem sérica
de CEA elevada, Grau do tumor 3 ou 4, invasão
angiolinfática e perineural, presença de budding, e
comprometimento da margem.
A Instabilidade microssatélite no Estádio II é fator de
bom prognóstico e prediz má resposta à quimioterapia
adjuvante com 5-FU (fluoracil).

Mutação de KRAS e NRAS: mutação de RAS marca pior


prognóstico em estádios III e IV além de predizer má
resposta à quimioterapia com cetuximabe e
panitumumabe.

Mutação de BRAF: marcador de mau prognóstico, no


entanto, atenuado se presença de instabilidade
microssatélite. Mutação BRAF indica ausência de
resposta a anti-VEGF em pacientes estádio IV.

Quimioterapia Adjuvante

Há vários esquemas de quimioterapia adjuvante.


Discorremos brevemente sobre aquele indicado pela
National Comprehensive Cancer Network (NCCN). O
tratamento adjuvante é realizado com objetivo de
erradicar micrometástases após ressecção curativa de
câncer de cólon. Sua indicação baseia-se em achados
histopatológicos da peça cirúrgica, estádio e a
performance do doente. A radioterapia tem pouco uso no
câncer de cólon, indicada apenas em casos selecionados
de tumores T4b.

Para o câncer de cólon ressecado não metastático a


NCCN recomenda:44 Estádio II: Para aqueles T3, N0,M0
(MSI-L ou MSS sem fatores de risco) observação ou
considerar capecitabina ou 5FU/Leucovorin. Aqueles
T3,N0,M0 com fatores de alto risco ou T4,N0,M0
capecitabina ou 5FU/Leucovorin ou FOLFOX (5FU,
leucovorin, oxaliplatina) ou CapeOx (capecitabina,
oxaliplatina).

Define-se fatores de alto risco no estádio II de alto


risco: <12 linfonodos regionais ressecados na peça
cirúrgica, histologia mal diferenciada (exceto os MSI-H),
invasão vascular ou linfática, invasão perineural, lesão
obstruída, tumor perfurado e margens indeterminadas ou
positivas.

Estádio III de baixo risco (T1-3/ N1): FOLFOX (5FU,


leucovorin, oxaliplatina) por 3 a 6 meses ou CapeOX
(capecitabina, oxaliplatina) por 3 meses.

Estádio III de alto risco (T4/N1-2 e qualquer T/N2b):


CapeOx por 3 a 6 meses e FOLFOX por 6 meses.

Os regimes para o câncer de cólon metastático


incluem agente molecular-alvo baseado em testes para
KRAS, NRAS e mutação BRAF.

No caso em questão, temos um Estádio II alto risco


(presença de infiltração angiolinfática e perineural). A
paciente foi avaliada pela equipe de geriatria para avaliar
risco beneficio na indicação de quimioterapia (QT)
adjuvante. Apesar de comorbidades clínicas controladas,
funcionalidade preservada em função do risco de
quimiotoxicidade, optou-se, em conjunto com a
oncologia, pelo seguimento clínico sem realização de QT
adjuvante para paciente.

Seguimento pós-operatório

A recidiva do câncer de cólon ocorre em 85% nos 3


primeiros anos após a ressecção do tumor primário e em
95% nos primeiros 5 anos. Por isso pacientes estádios II e
III são seguidos por até 5 anos.37

O seguimento é realizado com exame físico, dosagem


de CEA, tomografia de tórax, abdome e pelve e a
colonoscopia. Na tabela 4 estão as recomendações para
o seguimento das principais sociedades.
Tabela 4 – Recomendações para seguimento após cirurgia em pacientes com
câncer de cólon

ASCO (2013) - Para lesões ressecáveis estádio II e III.

A cada 3-6m por 3 anos, depois a cada 6 meses até


História e EF
completar 5 anos.

CEA sérico A cada 3m por 3 anos.

TC Tórax, Abdômen e pelve anual por 3 anos.

Colonoscopia No primeiro ano, se negativa, repetir a cada 5 anos.

American Cancer Society

História e EF A cada 3-6 m até 2º ano e depois a cada 6 m até 5º ano.

A cada 3-6 m até 2º ano e depois a cada 6 m até 5º ano se


CEA sérico
paciente elegível para cirurgia.

Tórax, abdome, pelve anual por 5 anos para estádios III e


TC
I/II de alto risco.
ASCO (2013) - Para lesões ressecáveis estádio II e III.

No primeiro ano se adenoma, repetir em um ano,


Colonoscopia negativa, repetir em 3 anos. Se ausência de adenoma
avançado no 4º ano, repetir cada 5 anos.

NCCN – para adios II, III.

História e EF A cada 3-6 m até 2º ano e depois a cada 6 m até 5º ano.

CEA sérico A cada 3-6 m até 2º ano e depois a cada 6 m até 5º ano.

TC Tórax, abdome e pelve a cada 6 a 12 meses por 5 anos.

No primeiro ano, sem evidência de adenoma, repetir em 3


Colonoscopia anos e depois a cada 5 anos. Se adenoma avançado
repetir anual.

ESMO - Para pacientes estádios II e III.

A cada 3-6 m por 3 anos e depois a cada 6 m a 12m por


História e EF
2anos.

A cada 3-6 m por 3 anos e depois a cada 6 m a 12m por 2


CEA sérico
anos.

TC Abdome e pelve a cada 6 a 12 meses por 3 anos.

Colonoscopia No primeiro ano, depois a cada 3 a 5 anos.

Abreviações: ASCO - American Society of Clinical Oncology, NCCN -


National Comprehensive Cancer Network, ESMO -European Society for
Medical Oncology, EF-exame físico, CEA- antígeno carcinoembrionário, TC-
tomografia computadorizada, m-meses.

Síndromes associadas

Aproximadamente 20% dos casos de câncer de cólon


têm associação com história familiar. A principal
síndrome hereditária associada é a síndrome de Lynch,
ocorre em 2% a 4% de todos os casos de CCR. Ela
decorre de mutação em um dos quatro genes de reparo
de DNA (MMR): MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2. Pode ser
testada através de imuno-histoquímica (IH) de expressão
das proteínas de MMR ou por análise de instabilidade
microssatélite. Dado os custos desses exames, há
critérios que guiam a sua indicação sendo os mais
reconhecidos Amsterdam II e Bethesda.59,60 Tem havido
na literatura nova tendência a indicar que a IH dos MMR
seja feita para todos os pacientes com câncer de cólon e
endométrio, apesar de seus antecedentes familiares, de
acordo com estudos publicados pela Evaluation of
Genomic Applications in Practice and Prevention
(EGAPP).61

Outra síndrome que merece destaque é a Polipose


adenomatosa familiar (PAF) com prevalência estimada de
3 casos por 100 000 indivíduos, identificada em 1% dos
pacientes com CCR nos EUA.62 Caracteriza-se por uma
mutação autossômica dominante no Adenomatous
Polyposis Coli gene (APC). Possui a apresentação clássica
com presença de mais de 100 pólipos adenomatosos no
cólon ou PAF atenuada com cerca de 10 a 100 pólipos,
média de 30-35, sendo mais frequente no cólon direito e
em pacientes mais velhos, > 36 anos. O teste de
mutação do APC é indicado quando paciente tem ≥ 20
pólipos adenomatosos acumulados ou história familiar de
PAF. A PAF está associada com outras condições como os
tumores desmoides, adenocarcinoma periampulares,
hepatoblastoma, meduloblastoma e câncer de tireoide.63
Se um paciente suspeito para síndrome polipoide realiza
o teste de genético e não apresenta mutação no gene
AP, deve se avaliar o gene MYH para a pesquisa da
polipose associada ao gene MYH (MAP), porque 10 a 20
% dos pacientes que não apresentam mutação no gene
APC tem mutação no gene MYH.59,64

A identificação dessas síndromes é importante, tendo


em vista que para essa população há diferenças de
rastreio. Na PAF deve-se realizar colonoscopia (preferível)
ou retossigmoidoscopia flexível a partir dos 10-15 anos,
repetir anualmente se mutação APC presente, e em
intervalos variados se negativo (anual até os 24 anos,
2/2anos até os 34 anos, 3/3anos até 44 anos e a cada 3-5
anos após). Na síndrome de Lynch, colonoscopia a partir
dos 20-25 anos ou 2 a 6 anos antes do primeiro caso da
família; se diagnosticado antes dos 25 anos, repetir a
cada um ou dois anos.64Quando o paciente desconhece
seus antecedentes familiares, a pesquisa por síndromes
hereditárias é indicada se observados na colonoscopia: ≥
10 pólipos adenomatosos (suspeita de PAF, PAF atenuada
ou MAP); > 02 pólipos hamartomatosos (Suspeita de
síndrome de Peutz-Jeghers ou Síndrome do pólipo juvenil
ou síndrome de Cowden) e ≥ 05 pólipos serrilhados
(investigação de síndrome do pólipo serrilhado).64

Pontos Importantes
O CCR é o terceiro mais frequente nos homens e o
segundo mais frequente entre as mulheres
excetuando-se o câncer de pele não melanoma.

Fatores de risco são associados à fatores genéticos


e ambientais.
A colonoscopia é o exame que deve ser solicitado
na suspeita de câncer de cólon.

A sobrevida do câncer de cólon está relacionada


com o seu estadiamento, estadiamentos iniciais têm
maior sobrevida.
Os tumores do cólon direito se comportam diferente
dos tumores do cólon esquerdo.

O único tratamento curativo para o câncer de cólon


é a cirurgia.

A cirurgia laparoscópica tem vantagens na


recuperação do doente e a mesma qualidade
oncológica da cirurgia convencional, mas em alguns
casos como T4b e em quadros de urgência não deve
indicada.

A cirurgia deve seguir preceitos oncológicos, estes


definidos de acordo com a localização do tumor.

O número de linfonodos ressecados e avaliados pela


patologia é um critério de qualidade da cirurgia.
Pacientes operados em quadro de urgência têm pior
prognóstico.

Pacientes com estádio III patológico tem indicação


de quimioterapia adjuvante, os pacientes com
estádio II precisam de avaliação individualizada
quanto à indicação da mesma, assim como os
idosos e os pacientes frágeis.
Pacientes com metástases de câncer de cólon
devem ser testados geneticamente para KRAS,
NRAS e BRAF.

O seguimento do câncer de cólon é feito por 5 anos


seguindo as normas das principais sociedades.
Pacientes com síndromes polipoides exigem
seguimento e tratamento de forma distinta dos
pacientes com câncer de cólon esporádico.

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Caso 11 | Neoplasia
Maligna Do Reto
Autores: Pedro Moraes, Eric Wagner da Silva, John Anibal Tapia
Orientadora: Cintia Mayumi Sakurai Kimura

Caso 1

História clínica

P.B.C.S., 67 anos de idade, sexo masculino, viúvo,


aposentado, pardo, natural de Salvador (BA) e
procedente de São Paulo (SP), procurou atendimento
ambulatorial após sangramento retal vivo nas fezes e em
papel higiênico nos últimos 6 meses. Queixava-se
também de constipação, dor abdominal de leve
intensidade e perda de 4 kg (de 82 kg para 78 kg) no
período. Nas últimas semanas, vem apresentando
cansaço, mantendo, porém, suas atividades diárias. Não
apresentou febre nem outras queixas.

Antecedentes pessoais

Obesidade grau I.

Hipertensão arterial sistêmica.


Tabagista 65 maços-ano, etilista.Revascularização do
miocárdio há 10 anos.
Nega diabetes mellitus ou outras comorbidades.
Antecedentes familiares: nada digno de nota

Exame Físico
Sinais Vitais: 130x70 FC | 90 BPM | FR 19.
Geral: Paciente consciente, orientado em tempo e
espaço, bom estado geral, descorado 2+/4+,
hidratado, acianótico, afebril, anictérico eupneico.
Cabeça e Pescoço: Cadeias linfonodais cervicais e
supraclaviculares sem alterações
Cardíaco: Bulhas rítmicas normofonéticas em dois
tempos, sem sopros.
Pulmonar: Murmúrios vesiculares presentes
bilateralmente, sem ruídos adventícios.

Abdominal: Abdome discretamente distendido,


ruídos hidroaéreos presentes nos quatro quadrantes,
percussão timpânica, sem alterações à palpação
superficial, difusamente doloroso à palpação
profunda.
Proctológico: Inspeção anal sem evidências de
lesões.
Toque retal: presença de lesão vegetante a 2 cm
da borda anal, ocupando toda a parede anterior,
permitindo a passagem do dedo. Presença de
sangue em dedo de luva.
Hipótese Diagnóstica

Neoplasia de reto.

Conduta

Solicitados exames laboratoriais, colonoscopia


completa e exames de imagem.

Exames Laboratoriais
Hb 8,8 g/dl (13,0 a 15,5); Ht 27,2% (35% a 45%);
HCM 24,1 pg (26 a 34); VCM 70,0 fl (82,0 a 98,0)
Leucócitos 9.500 (3.500 a 10.500)
Neutrófilos 80,0% ; 7.600 (1.700 a 7.000)
Linfócitos 16,4% ; 1.558 (900 a 2.900)
Monócitos 10,8% ; 1.026 (300 a 9.000)
Plaquetas 216.000 (150.000 a 450.000)
Ureia 40 (10 a 50); Creatinina 0,8 (0,60 – 1,10)
Potássio 3,9 (3,5 a 4,5); Sódio 141 (135 – 145)

INR 0,8 (menor que 1,0)


CEA (antígeno carcinoembrionário): 3,9 ng/ml (< 5,0
não fumantes; <10,0 fumantes)

Colonoscopia completa com biópsia


Introdução do aparelho até o íleo terminal.

Ceco, cólon ascendente, transverso, descendente e


sigmoide sem alterações.

Observa-se no reto, a 1 cm da linha pectínea, lesão


vegetante com bordas elevadas e centro ulcerado,
ocupando cerca de 40% da circunferência do reto,
estendendo-se até 7,5 cm da linha pectínea. Permite a
passagem do aparelho sem resistência (Figura 1).

Realizadas biópsias.

Figura 1
Tomografia computadorizada de tórax,
abdome e pelve

Sem alterações nos segmentos torácico e abdominal.

Nota-se, na pelve, espessamento de reto baixo,


suspeito para acometimento neoplásico primário.

Ressonância magnética de pelve

Exame realizado com sequências ponderadas em T2,


sem a injeção endovenosa de meio de contraste
(Figuras 2 e 3).
Lesão expansiva semianular, sem conteúdo
mucinoso, distando 4,2 cm da borda anal e cuja
margem distal encontra-se no plano do anel
anorretal. Estende-se por 7,0 cm e encontra-se
abaixo da reflexão peritoneal.
A lesão estende-se além da camada muscular
própria, destacando-se extensão extramural de 4
mm.

Linfonodos com sinal heterogêneo/bordas


irregulares, compatíveis com acometimento
neoplásico em número de 2.
Estadiamento: rm T3bN1, fáscia mesorretal
livre, invasão extramural negativa.
Figura 2
Figura 3

Conduta e seguimento

Levando-se em consideração a altura do tumor e o


estadiamento da lesão, foi indicado tratamento
neoadjuvante. Foram realizadas 28 sessões de
radioterapia 180cGy (total de 5040cGy) e 2 ciclos de
quimioterapia.

Após 12 semanas do término da neoadjuvância, o


paciente foi reavaliado em consulta ambulatorial.
Encontrava-se bem, referindo parada do sangramento e
melhora do padrão evacuatório.

Foram solicitados exames de reestadiamento:


Exame Físico
Geral: bom estado geral, corado, hidratado

Abdominal: RHA+, abdome flácido, indolor à


palpação

Proctológico: discreta dermatite actínica perianal.


Toque retal: presença de lesão vegetante a 3 cm da borda
anal, em parede anterior, com cerca de 2 cm de
extensão.

Exames Laboratoriais
CEA 4,0
Hemoglobina 12,2 g/dL, Hematócrito 35,6%, VCM
88,1fL, 30,2 pg

Leucócitos 4,74 mil/mm³, Neutrófilos 73,7% (3,59


mil/mm³)
Ureia 35 mg/dL, Creatinina 0,96 mg/dL

Retossigmoidoscopia flexível

Introdução do aparelho até sigmoide distal.

De 3 cm a 5 cm da borda anal, em parede lateral


esquerda, nota-se lesão ulcerada, medindo 2 cm no seu
eixo longitudinal, com fundo fibrinoso, bordas
hiperemiadas, friáveis, endurecidas ao toque da pinça e
de limites precisos (Figura 4).

Figura 4

Tomografia computadorizada de tórax e


abdome

Sem alterações em relação ao exame anterior

Ressonância magnética de pelve

A lesão tratada mostra 50% de sinal de fibrose e 50%


de sinal de tumor residual – TRG (tumor regresssion
grade) 3. Dista 4,5 cm da borda anal; a margem distal
encontra-se logo acima do anel anorretal. Estende-se por
2,5 cm e encontra-se abaixo da reflexão peritoneal
(Figuras 5 e 6).
Pequenos linfonodos mesorretais presentes, sem
sinais específicos de acometimento neoplásico.

Conclusão: Grau de Regressão Tumoral (Tumor


Regression Grade, TRG) 3

Estadiamento: yrm T3b N0

Figura 5
Figura 6

Conduta
Diante dos exames de reestadiamento, foi indicado
tratamento cirúrgico com intenção curativa:
retossigmoidectomia com excisão total do mesorreto e
anastomose primária, com ileostomia de proteção.
Figura 7 – Peça cirúrgica: produto de retossigmoidectomia com excisão total
do mesorreto. Pode-se observar as ligaduras vasculares próximo à origem,
proporcionando uma adequada linfadenectomia.
Figura 8 – Peça cirúrgica aberta, evidenciando a lesão, com satisfatória
margem distal.

O paciente apresentou boa evolução no pós-


operatório, recebendo alta no 6º dia após a cirurgia. Foi
encaminhado para seguimento oncológico, tendo sido
submetido à quimioterapia adjuvante.

Seguiu sem evidência de recorrência da doença e foi


submetido a fechamento da ileostomia 4 meses após o
procedimento cirúrgico.

Caso 2
História clínica

MDG, 62 anos, sexo feminino, casada, do lar, branca,


natural e procedente de São Paulo (SP). Foi encaminhada
ao ambulatório de Coloproctologia devido a alteração no
formato das fezes, com dor anal e dor abdominal de
moderada intensidade. Queixava-se também de
diminuição da frequência evacuatória e distensão
abdominal. Quando interrogada sobre continência fecal,
referia incontinência para fezes líquidas. Sem outras
queixas.

Antecedentes pessoais

Hipertensão.
Dislipidemia.

Glaucoma.
Sem cirurgias prévias.
Nega etilismo ou tabagismo.

Antecedentes familiares: nada digno de nota

Exame Físico
Sinais Vitais:

110x70 FC
68 BPM
FR 17
Geral: Paciente consciente, orientada em tempo e
espaço, bom estado geral, corada, hidratada,
acianótica, afebril, anictérica, eupneica.
Cabeça e pescoço: cadeias linfonodais cervicais e
supraclaviculares sem alterações.

Cardíaco: Bulhas rítmicas normofonéticas em dois


tempos, sem sopros.

Pulmonar: Murmúrios vesiculares presentes


bilateralmente, sem ruídos adventícios.
Abdominal: Abdome levemente distendido, ruídos
hidroaéreos presentes nos quatro quadrantes,
percussão timpânica, sem visceromegalias, indolor à
palpação.
Proctológico: sem lesões perianais.
Toque retal: presença de lesão vegetante junto à
borda anal, em parede lateral direita, com
comprometimento esfincteriano. Não foi possível
tocar o limite proximal da lesão.

Hipótese diagnóstica

Adenocarcinoma de reto baixo.

Conduta
Foram solicitados exames laboratoriais, colonoscopia
completa, tomografia computadorizada de tórax, abdome
e ressonância de pelve.

Exames Complementares
hemoglobina 13,0 g/dl (12,0 a 15,5); Hematócrito
35,2% (35% a 45%)
HCM 28,0 pg (26 a 34); VCM 90,0 fl (82,0 a 98,0)

Leucócitos 6.000 (3.500 a 10.500)


Neutrófilos 82,0% ; 6. 364(1.700 a 7.000)
Linfócitos 13,4 % ; 1.668 (900 a 2.900)
Plaquetas 250.000 (150.000 a 450.000)

Ureia 32 (10 a 50)


Creatinina 0,7 (0,60 – 1,10)
Potássio 3,8 (3,5 a 4,5)
Sódio 138 (135 – 145)

INR 0,6 (menor que 1,0)


Antígeno Carcinoembrionário (CEA): 9,4 ng/ml

Colonoscopia completa com biópsia

Introdução do aparelho até o íleo terminal.


Ceco, cólon ascendente, transverso, descendente e
sigmoide sem alterações.

Desde a linha pectínea, até 7 cm da borda anal, nota-


se lesão infiltrativa e ulcerada, de acometimento
circunferencial, com redução parcial da luz, porém
permitindo a transposição do aparelho de 12,8 mm com
facilidade (Figura 9). Realizadas biopsias.

Figura 9

Tomografia computadorizada de tórax,


abdome e pelve

Nota-se, na pelve, espessamento de paredes de reto


baixo com aparente redução da luz, suspeito para
acometimento neoplásico primário.

Sem alterações nos segmentos torácico e abdominal.


Ressonância magnética de pelve

Lesão expansiva anular e ulcerada, com conteúdo


mucinoso, distando 3,0 cm da borda anal e cuja margem
distal encontra-se 1,5 cm abaixo do anel anorretal.

Estende-se por 6,4 cm e encontra-se abaixo da


reflexão peritoneal.

A lesão estende-se além da camada muscular própria,


destacando-se extensão extramural de 21 mm.

Estádio: rm T3d (>15 mm)

Para tumores de reto baixo no plano ou abaixo


do anel anorretal:

Extensão à espessura total da muscular própria: plano


interesfincteriano/mesorretal em risco (Figuras 10 e 11).

Linfonodos presentes, com sinal mucinoso,


compatíveis com acometimento neoplásico, em número
maior de 3.

Há evidência de invasão venosa extramural de vasos


de médio calibre.

A menor margem de ressecção circunferencial é por


disseminação direta do tumor localizada às 9 h.

A distância mínima à fáscia mesorretal é de 0 mm, e a


fáscia mesorretal está envolvida.
Conclusão: Estadiamento: rm T 3d N 2

Fáscia mesorretal comprometida

Figura 10
Figura 11

Conduta E Seguimento
A biópsia mostrou tratar-se de um adenocarcinoma
mucinoso de reto.

Foi optado por realização de neoadjuvância nesse


primeiro momento, seguida de reestadiamento após o
término da mesma. Foi realizada quimioterapia e
radioterapia, com 28 frações (um total de 5040cGy).

Após 12 semanas, foram realizados exames de


reestadiamento:
Exame Físico
Paciente em bom estado geral, corada, hidratada

Sem alterações nos exames pulmonar e cardíaco

Ruídos hidroaéreos presentes, abdome flácido, indolor


à palpação

Proctológico: discreta radiodermite perianal, esfíncter


normotônico, úlcera tocável desde a linha pectínea, com
extensão cranial de cerca de 6 cm.

Retossigmoidoscopia Flexível
Introdução do aparelho via anal, sendo observada
lesão ulcerada e friável, circunferencial, recoberta por
camadas de fibrina, com bordas de aspecto infiltrativo e
mal delimitado, desde a linha pectínea até cerca de 6 cm
(Figura 12).

Mucosa do reto médio e proximal com aspecto


preservado.
Figura 12

Ressonância Magnética
A lesão tratada mostra predomínio de sinal de tumor
residual, com mínimo sinal de fibrose – TRG 4 (Figura 13).

Dista 3,0 cm da borda anal e a margem distal


encontra-se 1,5 cm abaixo do anel anorretal.

Estende-se por 8,0 cm e encontra-se abaixo da


reflexão peritoneal.

O sinal de tumor estende-se além da camada


muscular própria, destacando-se extensão extramural de
20,0 mm.

Estádio: yrm T3d (>15 mm)

Plano interesfincteriano/mesorretal em risco.


Linfonodos presentes com sinal heterogêneo/bordas
irregulares, compatíveis com acometimento neoplásico,
em número de 3.

Há evidência de invasão venosa extramural de vasos


de médio calibre.

Conclusão:

TRG 4

Estadiamento: yrm T3d N2

Fáscia mesorretal comprometida

Invasão vascular extramural positiva


Figura 13

Conduta
Foi indicada abordagem cirúrgica para amputação
abdominoperineal de reto com fechamento primário de
períneo (Figuras 14, 15 e 16).
Figuras 14, 15 e 16

Questões Para Orientar a Discussão

1. Quais são as bases anatômicas do reto?


2. Qual é a epidemiologia e os fatores de risco?

3. Qual é a evolução natural e as apresentações


clínicas possíveis?
4. Como se faz o rastreamento para o câncer de reto?
5. Como é feito o diagnóstico e estadiamento?
6. Qual o tratamento?

7. Quais são as principais complicações cirúrgicas?

Discussão

Conceitos

O reto consiste na porção distal do trato


gastrointestinal que comunica o sigmoide com o canal
anal¹. A reflexão peritoneal divide o reto em porção
intraperitoneal e extraperitoneal, delimitando também as
escavações retovesical e retouterina.A drenagem linfática
do reto se dá pelo mesorreto, tecido gorduroso que
contém os linfonodos e que circunda o reto.

O reto é subdividido em baixo, médio e alto, tendo


como referência a linha pectínea. O reto baixo
compreende desde a linha pectínea até 4 cm acima dela;
o médio, entre 4 cm e 8 cm; e o alto, acima de 8 cm da
linha pectínea. O canal anal anatômico possui de 2,5 cm
a 3 cm.

No que diz respeito aos esfíncteres, há o esfíncter


interno, um espessamento da musculatura lisa interna
retal e o externo, uma extensão do músculo puborretal. O
reto possui quatro camadas histológicas: mucosa,
submucosa, anel circular interno, musculatura
longitudinal e serosa. Além disso, existe a linha denteada
ou pectínea, uma zona de transição que divide a mucosa
retal colunar do epitélio escamoso. Essa zona é cercada
de células colunares, cuboides e epitélio escamoso.

A vascularização se dá por meio de artérias e veias


retais superiores (ramos da artéria e veia mesentérica
inferior) médias e inferiores, ramos da artéria e veia ilíaca
interna. A inervação se dá por plexos retais superior e
médio e nervos retais inferiores. A drenagem linfática
ocorre predominantemente pela cadeia linfática
mesentérica inferior (reto superior); ilíaca (reto médio e
inferior) e inguinal (canal anal).

Epidemiologia

O adenocarcinoma de reto é mais frequente na


população acima de 60 anos, embora venha acometendo
pacientes mais jovens na última década e tende a ter
comportamento mais agressivo em homens e
afrodescendentes². A incidência dessa patologia varia de
2 a 31,6 a cada 100 mil habitantes, a depender do país.

Entre os fatores de risco para câncer de reto, pode-se


destacar: dieta ocidental, tabagismo, obesidade,
sedentarismo, síndromes genéticas (como polipose
adenomatosa familiar), antecedentes familiares de
neoplasia colorretal, antecedente pessoal de radioterapia
pélvica e de doenças inflamatórias intestinais.

Patogênese

A patogênese do câncer retal em geral gira em torno


da sequência adenoma-carcinoma, assim como no
câncer de cólon³. A via mais conhecida inclui mutações
iniciais em genes APC, seguidas de alterações em p-53
e K-ras, dentre outros como TGF-β, caderina-E, DCC,
Smad³. Outras vias, como defeitos de reparo em DNA ou
instabilidade microssatélites (hMLH1 e hMSH2)
envolvendo uma série de mutações, também estão
presentes, sendo mais comuns em cânceres colorretais
não polipoides hereditários, como no câncer colorretal
hereditário não poliposo (HNPCC).

Rastreamento

O rastreamento do câncer retal anda em conjunto com


o rastreamento para o câncer de cólon. Estima-se que até
30% dos tumores colorretais sejam diagnosticados em
indivíduos assintomáticos por meio do rastreamento4. Na
população geral, sem antecedente familiar de neoplasia
colorretal, ele é feito a partir dos 50 anos de idade e
termina em geral aos 75 anos, podendo ser feito até
os 85 anos, a depender das comorbidades e expectativa
de vida do indivíduo. Recentemente, a Sociedade
Americana de Cirurgia do Cólon e Reto alterou a
indicação de rastreamento para a partir dos 45 anos de
idade, porém essa modificação ainda não foi adotada no
Brasil5.

Existem diversos métodos disponíveis para a


realização do rastreamento do CCR:

1. Colonoscopia: permite a realização de biópsia e


ressecção de lesões precursoras de câncer. Pode ser
realizada a cada 10 anos se o resultado for normal.
Caso seja detectado algum pólipo, o intervalo entre
os exames deve ser reduzido, a depender do
achado. Necessita de preparo de cólon completo, o
qual deve ser realizado com cautela em pacientes
idosos com comorbidades como insuficiência
cardíaca e insuficiência renal.

2. Colonoscopia virtual: trata-se de uma tomografia


computadorizada com reconstrução em 3
dimensões. Não permite a realização de biópsias e
deve ser realizada a cada 5 anos, caso o exame seja
normal. Também necessita de preparo de cólon
completo.

3. Retossigmoidoscopia rígida ou flexível: permite


a realização de biópsias, porém não avalia o cólon
transverso e ascendente. Não necessita de preparo
de cólon completo, apenas um clister para limpeza
do reto e sigmoide. Deve ser realizado a cada 5 anos
caso o exame seja normal.
4. Exames de amostras fecais: existem diversos
métodos, entre eles a pesquisa de sangue oculto nas
fezes, pesquisa de hemácias humanas nas fezes e o
teste imuno-histoquímico fecal (FIT). Esses não
detectam a origem do sangramento e devem ser
realizados anualmente, a menos que haja
positividade do teste – situação na qual o indivíduo
deve ser encaminhado para colonoscopia.

Nas populações de alto risco, o rastreamento sofre


algumas modificações6. Em indivíduos com história
familiar de CCR, é realizado com colonoscopia a cada 5
anos e inicia-se da seguinte forma: se o parente
envolvido tiver menos de 60 anos ou se houver 2
parentes acometidos, inicia-se aos 40 anos ou em uma
idade 10 anos inferior à idade em que o parente
mais jovem foi afetado, o que vier primeiro.

O rastreio de CCR em pacientes com polipose


adenomatosa familiar é feito a partir dos 12 anos,
inicialmente com retossigmoidoscopia. Caso se
confirme a presença de pólipos, é realizada
colonoscopia anualmente até que se realize o
tratamento cirúrgico. Além disso, pacientes com PAF
devem fazer endoscopia digestiva alta a cada 1-3 anos
para rastreio de tumores gástricos e duodenais, devido à
possibilidade de presença de pólipos nessas localizações.
Outras síndromes como Lynch e Peutz-Jeghers
possuem métodos de rastreio específicos.

População Rastreio

Geral sem AF Colono a partir dos 50 anos, de 10 em 10 anos

Colono a partir dos 40 anos, ou 10 a menos da idade


Geral com AF
do acometido mais jovem de 5/5 anos

Após 8 anos de pancolite ou 10-12a de colite E.


DII Colono de 2/2a com biópsia
Se RCU + CEP → Colono ANUAL

Colono a partir dos 10-12a até 40 anos ANUAL e


PAF depois de 3/3 anos
Colectomia total se teste confirmado

Colono a partir dos 20-25a ou 10a antes do membro


Lynch mais novo afetado ANUAL ou 2/2a
Fazer teste genético

Retais hiperplásicos: colono 10/10a


Acompanhamento
1-2 adenomas tubulares de baixo grau: colono 5-10a
de pólipos
> 10 adenomas: colono 3/3a

Manifestações Clínicas e Diagnóstico

Assim como o câncer de cólon, o câncer de reto, em


suas fases mais precoces, pode ser assintomático7,8.
Quando surgem os sintomas, pode haver sangramento,
tenesmo, alteração no formato das fezes,
alterações do hábito intestinal, anemia, dor e
distensão abdominal. A presença desses sintomas indica
necessidade de investigação com colonoscopia.

Achados Laboratoriais
Os achados laboratoriais são em geral inespecíficos,
apontando para anemia, possível desnutrição, elevação
discreta de provas inflamatórias (proteína C-reativa,
velocidade de hemossedimentação) e alteração em
marcadores tumorais. Pode haver alterações de
hemograma com sinais de anemia microcítica
hipocrômica, ou normocítica normocrômica
principalmente em casos de doença crônica. Entre os
marcadores tumorais, é importante destacar o antígeno
carcinoembrionário (CEA)9, um marcador específico
para câncer colorretal que, embora nem sempre
elevado na presença dessa patologia, é utilizado
como seguimento pós-operatório, podendo
predizer recidiva ou progressão da doença.

Estadiamento pré-tratamento

O objetivo da avaliação do estadiamento pré-


tratamento é determinar a extensão local do tumor e
avaliar a presença de doença. Uma avaliação precisa da
localização e extensão do tumor é necessária antes do
tratamento, a fim de planejar a abordagem cirúrgica e
identificar os pacientes candidatos à terapia
neoadjuvante.

Estadiamento TNM10: O câncer do reto é estadiado


de acordo ao sistema TNM (T = tumor, N = nodes ou
linfonodos, M = metástase) da AJCC (American Joint
Committee on Cancer) / UICC (Union for International
Cancer Control); a versão atual (oitava edição, 2017).

T1 Tumor invade a submucosa

T2 Tumor invade a muscular própria

T3 Tumor invade além da muscular própria

T3a Invasão < 1mm da muscular própria

T3b Invasão de 1 a 5mm da muscular própria

T3c Invasão de 5 a 15mm da muscular própria

T3d Invasão >15mm da muscular própria

Tumor invade outros órgãos ou estruturas (T4a) ou perfura o


T4
peritônio visceral (T4b)

NX Linfonodos regionais não podem ser avaliados

N0 Não há metástase nos linfonodos regionais

N1 Metástase em 1-3 gânglios linfonodos regionais

N1a Metástase em 1 linfonodo regional

N1b Metástase em 2-3 linfonodos regionais

Depósito (s) tumoral (is) na subserosa ou tecidos pericólicos ou


N1c
perirretais não peritoneais sem metástase nodal regional

N2 Metástase em quatro ou mais linfonodos regionais

N2a Metástase em 4-6 linfonodos regionais

N2b Metástase em 7 ou mais linfonodos regionais

M0 Sem metástase a distância

M1 Metástase à distância

Metástase confinada a um órgão (fígado, pulmão, ovário, nódulo


M1a
não regional), sem metástase peritoneal
M1b Metástase em mais de um órgão

Metástase para o peritônio, com ou sem envolvimento de outros


M1c
órgãos

Estádio 0 Tis N0 M0

Estádio I T1, T2 N0 M0

Estádio II T3, T4 N0 M0

Estádio IIA T3 N0 M0

Estádio IIB T4a N0 M0

Estádio IIC T4b N0 M0

Estádio III Qualquer T N1, N2 M0

T1, T2 N1 M0
Estádio IIIA
T1 N2a M0

T1, T2 N2b M0

Estádio IIIB T2, T3 N2a M0

T3, T4a N1 M0

T3, T4a N2b M0

Estádio IIIC T4a N2a M0

T4b N1, N2 M0

Estádio IV Qualquer T Qualquer N M1

Estádio IVA Qualquer T Qualquer N M1a

Estádio IVB Qualquer T Qualquer N M1b

Estádio IVC Qualquer T Qualquer N M1c

A cTNM é a classificação clínica e é designada de


acordo com o exame físico e estudos radiológicos, como
tomografia computadorizada (TC), ressonância nuclear
magnética (RNM) e ultrassonografia transretal.

A pTNM é a classificação patológica, que é geralmente


usada após o patologista ter examinado o produto final
da ressecção. O prefixo “y” é empregado quando, após
um tratamento neoadjuvante, o indivíduo é reestadiado.
Por fim, o prefixo “yp” é empregado quando se trata da
análise do espécime cirúrgico de um indivíduo que foi
submetido a neoadjuvância (ypTNM)13.

Exame físico e endoscópico: O toque retal (TR) e a


retossigmoidoscopia rígida são essenciais para o
processo de tomada de decisão cirúrgica. No TR, avalia-
se se a lesão está aderida ao esfíncter anal, sua relação
com o anel anorretal e a fixação à parede retal e à
musculatura da parede pélvica (elevadores). A
retossigmoidoscopia rígida pode determinar com precisão
a distância entre a margem distal do tumor e a borda
anal14,15.

Exames de imagem: Uma vez estabelecido o


diagnóstico com biópsia, é necessário completar o
estadiamento com exames de imagem, a fim de
determinar a relação do tumor com os órgãos adjacentes,
bem como a presença de metástases a distância16.

Tomografia computadorizada de tórax, abdome


e pelve: São realizadas a fim de se diagnosticar
metástases a distância. Os principais sítios de metástase,
em se tratando de câncer de reto, são pulmão e fígado.
Caso o indivíduo não possa receber contraste iodado
endovenoso, a ressonância pode ser uma alternativa17.

Ressonância magnética (RMN) de pelve: É a


modalidade de imagem preferida para avaliar a extensão
do tumor primário, pois permite fornecer informações
sobre presença ou não de linfonodos acometidos, invasão
de estruturas adjacentes e invasão ou não da margem de
ressecção circunferencial (CRM)18.

Ultrassonografia endorretal: Pode ser uma


alternativa à ressonância magnética para tumores
precoces do reto, especialmente quando se quer avaliar a
possibilidade de ressecção local do tumor. Pode ser
limitada pelo volume do tumor e pela falta de
profundidade para avaliar a invasão de outros órgãos. A
ultrassonografia endorretal é particularmente limitada
para tumores posteriores ou posterolaterais, nos quais a
distância para a CRM não pode ser estimada, porque
faltam estruturas vizinhas que permitam a avaliação da
mesma.

Alguns adenomas com câncer invasivo precoce (lesões


de cT1) têm um risco baixo (<2%) de metástase
linfática16 e diretrizes baseadas em consenso NCCN
(National Comprehensive Cancer Network) sugerem
apenas seguimento após ressecção completa de pólipos
pedunculados com câncer invasivo, contanto que
apresentem características histológicas favoráveis e
margens livres, além de estadiamento pT1. No entanto,
alguns fatores, como a idade jovem, aumentam o risco de
positividade dos linfonodos no câncer retal em estágio
inicial17. Diretrizes baseadas em consenso de outros
grupos de especialistas, incluindo o Comitê de
Parâmetros Práticos do Colégio Americano de
Gastroenterologia (ACG) e a Sociedade Europeia para
Oncologia Médica (ESMO), recomendam realizar
ultrassonografia transretal ou ressonância magnética de
alta resolução para determinar o estágio local do tumor e
avaliar a positividade de linfonodo para todos os
pacientes com câncer retal invasivo, incluindo aqueles
com pólipos malignos de pT1 com fatores prognósticos
favoráveis18,19. Caso haja linfonodos positivos, o
indivíduo deve ser referenciado a cirurgia com excisão
total do mesorreto.18

A tomografia por emissão de pósitrons (PET):


Não parece acrescentar informações significativas para o
estadiamento pré-operatório de rotina de um câncer de
reto recém-diagnosticado. Ela pode ter seu papel, no
entanto, na avaliação de pacientes que são considerados
candidatos às ressecções amplas, como exenteração
pélvica, ou ressecção de metástases hepáticas, e
apresentam achados suspeitos para metástases de
linfonodos a distância na tomografia computadorizada
com contraste19.
Marcadores tumorais: Marcadores tumorais
circulantes, como o antígeno carcinoembrionário (CEA),
não são suficientemente sensíveis ou específicos para
serem usados na triagem ou como um teste de
diagnóstico para o câncer colorretal20,21. No entanto, os
níveis de CEA têm valor no estadiamento pré-tratamento
e no acompanhamento de pacientes com câncer
colorretal diagnosticado20:

Os níveis séricos de CEA têm utilidade prognóstica


em pacientes com câncer colorretal recém-
diagnosticado. Pacientes com CEA sérico pré-
operatório> 5 ng/mL têm pior prognóstico do que
aqueles com níveis mais baixos.

Níveis elevados de CEA no pré-operatório, que não


se normalizam após a ressecção cirúrgica, podem
indicar presença de doença persistente e
necessidade de avaliação adicional.

Tratamento

Uma abordagem algorítmica para o manejo do


adenocarcinoma retal recém-diagnosticado é fornecida
no seguinte algoritmo11,12:
Neoadjuvância: é reservada aos pacientes com
tumores extraperitoniais e é administrada para os
seguintes grupos de pacientes:

cT3 ou cT4, ou com linfonodos acometidos.


Tumores distais, mesmo se cT2N0, com risco para
amputação de reto, para os quais a regressão do
tumor pode permitir a preservação esfincteriana.

Os principais objetivos da neoadjuvância são


aumentar a possibilidade de preservação esfincteriana e
diminuir a recidiva local da doença21,22.

A quimiorradioterapia neoadjuvante é,
geralmente, administrada durante 5,5 semanas
(1,8 Gy por dia, cinco fracções por semana), com
administração infusional concomitante de
fluorouracil ou capecitabina oral diariamente.
Abordagens cirúrgicas: A cirurgia é o único
tratamento curativo para o câncer de reto. Os principais
princípios para uma ressecção curativa incluem a
realização de uma ressecção ampla do câncer, obtendo
margens histologicamente negativas e realizando uma
excisão total do mesorreto (TME), a qual inclui a
ressecção de linfonodos locais23.

Tumores precoces T1, com histologia favorável, podem


ser ressecados de forma eficaz, com excisão local, tais
como a excisão transanal, microcirurgia endoscópica
transanal (TEM), cirurgia minimamente invasiva transanal
(TAMIS) ou com dissecção endoscópica da submucosa
(ESD), porém a indicação de tratamento local deve ser
realizada cuidadosamente após avaliação caso a
caso24,25.

A maioria dos pacientes, entretanto, é infelizmente


diagnosticada com tumores em estágios mais avançados,
que não satisfazem os critérios para a excisão local.
Esses pacientes necessitarão de uma ressecção mais
ampla, e as técnicas específicas utilizadas dependem da
extensão e da altura do tumor no reto.

Tumores no reto médio e alto, em geral, podem ser


tratados com um procedimento de preservação
esfincteriana, como a ressecção anterior baixa, a
qual consiste em retossigmoidectomia com excisão
total do mesorreto e anastomose colorretal26.
Tumores no reto baixo (isto é, tumores a menos de 5
cm da margem anal) podem requerer uma
amputação abdominoperineal com colostomia
terminal definitiva, nos casos em que não for
possível a anastomose colorretal ou coloanal manual
após a retossigmoidectomia com excisão total do
mesorreto com margens livres27.

Tumores localmente avançados, com invasão de


órgãos pélvicos adjacentes, ou estruturas ósseas
podem requerer ressecção multivisceral (próstata,
útero, vagina, bexiga, ureteres, sacro), mesmo após
a neoadjuvância, a fim de se preservar o princípio de
ressecção em monobloco e R023.

As margens cirúrgicas de ressecção proximal, distal e


radial devem ser histologicamente livres de câncer para
reduzir o risco de recidiva local.

Além disso, o cirurgião também deve realizar a ETM de


forma adequada, preservando a fáscia pré-sacral e os
nervos autonômicos pélvicos, a fim de não prejudicar a
função genitourinária e sexual do indivíduo após a
cirurgia. É bem estabelecido que a ETM melhora o
controle local e a sobrevida do paciente23.

Manejo multidisciplinar: Todos os pacientes com


câncer de reto invasivo devem ser avaliados e tratados
por uma equipe multidisciplinar, composta por
coloproctologista, oncologista clínico, radioterapeuta,
fisioterapeuta, psicólogo, enfermeiros e
estomaterapeutas.

Alguns pacientes submetidos à cirurgia necessitarão


de terapia pós-operatória (adjuvante). É o caso dos
pacientes com tumores T3 ou T4 ou com linfonodos
positivos. Essa terapia adjuvante normalmente se inicia
de 4 a 6 semanas após o procedimento cirúrgico28.

Conduta de acordo com o estágio clínico


inicial

Outra área de controvérsia é se os pacientes que têm


uma resposta clínica completa à quimiorradioterapia
inicial devem ser submetidos à cirurgia transabdominal
imediata. A ressecção cirúrgica continua a ser a
abordagem padrão após a terapia neoadjuvante para
pacientes que são clinicamente operáveis, mesmo que
pareçam ter uma resposta clínica completa à terapia de
indução. Embora os dados iniciais sejam promissores, a
validação prospectiva é necessária antes de se evitar a
cirurgia radical ou a excisão local por si só para qualquer
subconjunto de pacientes submetidos a tratamento
neoadjuvante17,22.

Tumores localmente avançados, irressecáveis e


volumosos, doença nodal extensa: É improvável que
uma regressão suficiente resulte da neoadjuvância para
permitir que um paciente com um câncer retal
localmente avançado, inicialmente irressecável, sofra
uma ressecção bem-sucedida. A quimiorradioterapia
convencional baseada em fluoropirimidina de “longo
curso” é a abordagem preferida.

Metástases a distância presentes: O manejo dos


pacientes que se apresentam com doença metastática
sincrônica deve ser individualizado. Os dois fatores mais
importantes a serem levados em consideração são se as
metástases são ressecáveis e se o tumor primário é
sintomático ou não. É importante que os pacientes sejam
avaliados quanto ao acometimento da luz do reto e
sintomas obstrutivos antes de iniciar o tratamento
quimioterápico sistêmico.

Metástases potencialmente ressecáveis: Se tanto


o tumor primário como as metástases são ressecáveis,
uma abordagem é realizar a neoadjuvância, seguida pela
ressecção da doença primária e das metástases. Se essas
ressecções serão simultâneas ou não e a ordem das
ressecções são fatores a serem avaliados
individualmente.

Metástases irressecáveis: A abordagem para


pacientes com doença metastática irressecável depende
de o primário ser sintomático ou não:

Para pacientes sintomáticos do tumor de reto e


doença metastática irressecável, a criação de um estoma
de desvio ou ressecção paliativa é frequentemente
realizada antes do início da quimioterapia sistêmica para
obter alívio rápido dos sintomas e evitar obstrução
completa do intestino ou perfuração que requeira cirurgia
de urgência.

Para pacientes assintomáticos ou oligossintomáticos


do tumor primário, a quimioterapia sistêmica é um
tratamento adequado.

Vigilância pós-operatória

O objetivo da vigilância após o tratamento definitivo


do câncer retal é a identificação precoce de recidivas
tumorais ou de novos tumores primários colorretais17.

De maneira prática, o seguimento pós-operatório para


vigilância de recidiva é feito da seguinte maneira:

1º ano 2º ano 3º ano 4º e 5º


pós- pós- pós- anos pós-
operatório operatório operatório operatório

A cada 3-6 A cada 3-6 A cada 3-6 A cada 6


Retorno médico
meses meses meses meses

A cada 3 A cada 3 A cada 3 A cada 6-12


CEA sérico
meses meses meses meses

TC de tórax, abdome
Anual Anual Anual Anual
e pelve

Colonoscopia 1 vez* 1 vez

A cada 6
Retossigmoidoscopia meses por
5 anos

*Caso não tenha colonoscopia completa pós-operatória


Pontos Importantes
É uma doença cujo rastreamento é muito
importante, dada a alta prevalência e possibilidade
de cura com o tratamento em estágios iniciais.

A neoadjuvância é um importante aliado para


aumentar a chance de preservação esfincteriana e
diminuir a recorrência local.
Em casos avançados, o tratamento cirúrgico pode
ser mutilador.

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23. Nelson H, Petrelli N, Carlin A, et al. Guidelines 2000


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24. Endreseth BH, Myrvold HE, Romundstad P, et al.


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25. Neary P, Makin GB, White TJ, et al. Transanal
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26. Willett CG. Sphincter preservation in rectal cancer.
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27. Murrell ZA, Dixon MR, Vargas H, et al. Contemporary


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abdominoperineal resection. Am Surg. 2005 Oct;
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28. Carvalho C, Glynne-Jones R. Challenges behind


proving efficacy of adjuvant chemotherapy after
preoperative chemoradiation for rectal cancer.
Lancet Oncol. 2017; 18(6): e354.
Caso 12 | Doença
Hemorroidária
Autor: Vinícius Lacerda Ribeiro

História Clínica
Queixa principal: Sangue nas fezes há 2 meses

História da moléstia atual: Paciente do sexo feminino,


57 anos, casada, múltipara. Queixa-se de episódios de
sangue vivo nas fezes e ao se limpar com o papel
higiênico, de início há 2 meses. Queixa-se também de
nodulação em região anal, que prolapsa durante o
esforço evacuatório e necessita de manobra digital para
reduzir. Refere também prurido anal, mas nega dor

Antecedentes: 3 partos normais; Tio com câncer de


reto

Exame Físico
Exame proctológico: Inspeção estática: Sem
alterações

Inspeção dinâmica (manobra de Valsalva):


exteriorização de mamilos hemorroidários.
Toque retal: esfíncter normotônico, mucosas livres,
sem lesões palpáveis. Ausência de fezes ou sangue
em dedo de luva.
Anuscopia: presença de 2 mamilos hemorroidários
ingurgitados.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica

Exames complementares:

Colonoscopia: visualizado até o íleo terminal. Pólipos


hiperplásicos em cólon transverso e descendente.

Imagem da lesão
Figura 1

Hipótese diagnóstica

Hemorroidas internas grau II

Questões Para Orientar A Discussão

1. Qual é a principal hipótese diagnóstica?

2. Quais são os diagnósticos diferenciais?

3. Como se classifica a patologia em questão?

4. Quais são os fatores de risco para o seu


surgimento?
5. Quais são as opções de tratamento clínico?

6. Quais são as opções de tratamento cirúrgico?

Discussão

Conceitos

Hemorroidas são coxins venosos localizados na região


do ânus, responsáveis, principalmente, no auxílio da
continência das fezes em conjunto com a musculatura
esfincteriana. Quando manifestam sintomas como
hematoquezia (sangue vivo misturado às fezes), dor anal
e ou prolapso, considera-se estabelecido um quadro de
doença hemorroidária, que, na maioria das vezes,
necessita de intervenção terapêutica, seja ela clínica ou
cirúrgica.1,2

Epidemiologia

Estudos demonstram que entre 14 e 39% da


população possuem hemorroidas, porém a maioria delas
é assintomática. Nos Estados Unidos, estima-se que 10
milhões de pessoas possuam doença hemorroidária,
sendo uma prevalência de 4,4%.3

Gestação, obesidade, constipação intestinal são


fatores diretamente relacionados com o surgimento da
doença hemorroidária.4
Patogênese

A doença hemorroidária ocorre devido ao


ingurgitamento desses sinusoides na região anal, sendo
o seu principal sintoma a hematoquezia, podendo cursar
também com prolapso hemorroidário e prurido anal. Dor
anal pode também ocorrer, devendo-se atentar para a
possibilidade de trombose hemorroidária, quadro
bastante sintomático e incapacitante.5,6

As hemorroidas podem sem classificadas em internas


(acima da linha denteada do ânus), externas ou mistas.
Já as hemorroidas internas podem ser classificadas da
seguinte forma:

Grau I – Sem prolapso. Cursam com hematoquezia.

Grau II – Prolapso que retorna espontaneamente.

Grau III – Prolapso que necessita de manobras


digitais para seu retorno.

Grau IV – Prolapso fixo.7,8

Tratamento clínico e cirúrgico

O tratamento da doença hemorroidária consiste,


inicialmente, na adoção de medidas higiênico-dietéticas,
como o aumento do aporte de fibras e ingestão de
líquidos visando ao amolecimento das fezes, interrupção
do uso do papel higiênico e limpeza da região anal
exclusivamente com ducha higiênica. Banhos de assento
aliviam significativamente os sintomas de dor,
principalmente nos casos de trombose hemorroidária.9,10

Como opção medicamentosa, podemos lançar mão de


pomadas ou supositórios que possuem em sua
composição anestésicos locais ou corticoides.11, 13

A ligadura elástica apresenta-se como boa opção nos


casos de doença hemorroidária interna graus I ou II que
não obtiveram sucesso no tratamento clínico. Nos casos
de doença hemorroidária que ainda apresenta sintomas
mesmo após otimização do tratamento clínico, o
tratamento cirúrgico apresenta-se como a melhor
opção:11,12

Hemorroidectomia aberta ou fechada

Hemorroidectomia com grampeadores

Hemorroidopexia com ultrassom doppler11,12

Pontos Importantes
Hemorroidas são coxins venosos localizados na
região do ânus, responsáveis principalmente no
auxílio da continência das fezes em conjunto com a
musculatura esfincteriana.

Gestação, obesidade, constipação intestinal são


fatores diretamente relacionados com o surgimento
da doença hemorroidária.
A doença hemorroidária ocorre devido ao
ingurgitamento desses sinusoides na região anal,
sendo o seu principal sintoma a hematoquezia,
podendo cursar também com prolapso
hemorroidário e prurido anal.

As hemorroidas podem ser classificadas em internas


(acima da linha denteada do ânus), externas ou
mistas. Já as hemorroidas internas podem ser
classificadas em graus I, II, III ou IV.

O tratamento da doença hemorroidária consiste,


inicialmente, na adoção de medidas higiênico-
dietéticas, como o aumento do aporte de fibras e
ingestão de líquidos, visando ao amolecimento das
fezes, interrupção do uso do papel higiênico e
limpeza da região anal exclusivamente com ducha
higiênica.

A ligadura elástica apresenta-se como boa opção


nos casos de doença hemorroidária interna graus I
ou II que não obtiveram sucesso no tratamento
clínico.

Referências
1. Jacobs D. Clinical practice. Hemorrhoids. N Engl J
Med. 2014; 371:944.
2. Lohsiriwat V. Treatment of hemorrhoids: a
coloproctologist’s view. World J Gastroenterol. 2015;
21:9245.

3. Gazet JC, Redding W, Rickett JW. The prevalence of


haemorrhoids. A preliminary survey. Proc R Soc Med.
1970; 63 Suppl:78.

4. Riss S, Weiser FA, Schwameis K, et al. The


prevalence of hemorrhoids in adults. Int J Colorectal
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5. Johanson JF, Sonnenberg A. The prevalence of


hemorrhoids and chronic constipation. An
epidemiologic study. Gastroenterology. 1990;
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on the internet. Ann R Coll Surg Engl. 2013; 95:341.
7. Cusano F, Luciano S. Contact dermatitis from
pramoxine. Contact Dermatitis. 1993; 28:39.
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eruption induced by lidocaine. Contact Dermatitis.
1996; 35:375.

9. Alonso-Coello P, Guyatt G, Heels-Ansdell D, et al.


Laxatives for the treatment of hemorrhoids.
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10. Moesgaard F, Nielsen ML, Hansen JB, Knudsen JT.


High-fiber diet reduces bleeding and pain in patients
with hemorrhoids: a double-blind trial of Vi-Siblin.
Dis Colon Rectum. 1982; 25:454.

11. Rivadeneira DE, Steele SR, Ternent C, et al. Practice


parameters for the management of hemorrhoids
(revised 2010). Dis Colon Rectum. 2011; 54:1059.
12. Perez-Miranda M, Gomez-Cedenilla A, Leon-Colombo
T, et al. Effect of fiber supplements on internal
bleeding hemorrhoids. Hepatogastroenterology.
1996; 43:1504.
13. Lohsiriwat V. Hemorrhoids: from basic
pathophysiology to clinical management. World J
Gastroenterol. 2012; 18:2009.
Caso 13 | Fissura Anal
Autor: João Guilherme Brunca
Orientador: Vinícius Lacerda Ribeiro

História Clínica
Queixa principal: Dor anal há 10 dias.

História da moléstia atual: Paciente do sexo


masculino, 32 anos, solteiro. Queixa-se de dor anal às
evacuações, associada a alguns episódios de
hematoquezia, de início há 10 dias após intercurso anal
receptivo. Refere constipação crônica, com fezes
ressecadas e ritmo intestinal a cada 3 dias.

Antecedentes: HSH. Nega cirurgias prévias. Nega


história de câncer na família.

Exame Físico
Exame proctológico: Inspeção estática: presença de
ulceração em borda anal inferior (às 6 horas).

Toque retal: esfíncter hipertônico, mucosas livres,


fezes endurecidas em ampola retal.

Anuscopia: hemorroidas internas grau I, ulceração


em borda anal inferior às 6 horas
Prosseguimento Do Caso Após
Avaliação Clínica

Exames laboratoriais:

Sorologia HIV: negativa

VDRL: 1:1

Imagem da lesão

Figura 1

Hipótese Diagnóstica
Fissura anal

Questões Para Orientar a Discussão

1. Qual é a principal hipótese diagnóstica?


2. Quais são os diagnósticos diferenciais?

3. Qual é a patogênese envolvida na maioria dos


casos?

4. Como se classifica com relação à gravidade ou


tempo de evolução?
5. Quais são as opções de tratamento clínico e/ou
cirúrgico?

6. Quais são os riscos envolvidos no tratamento


cirúrgico?

Discussão

Conceitos

A fissura anal pode ser compreendida como uma


úlcera longitudinal localizada no canal anal.
Habitualmente, tem início na margem anal, estendendo-
se até a linha denteada.1

Epidemiologia

A doença incide em igual proporção entre os sexos.


Cerca de noventa por cento das fissuras estão
localizadas na linha média posterior e 10% na região da
linha média anterior.1,2
A presença da fissura anal fora dos sítios mencionados
geralmente está associada com condições secundárias,
principalmente à Doença de Crohn. Além dessa, outras
condições que também associam-se à fissura são:
tuberculose, sífilis, câncer, leucemia e infecção pelo HIV.2

Patogênese

A patogênese da fissura anal não é totalmente


compreendida. Dentre as teorias, a mais aceita sugere
que a fissura seja resultado de um processo de isquemia
devido ao aumento do tônus do esfíncter anal interno,
repercutindo com hipofluxo sanguíneo para a região
posterior da anoderme (local usualmente mal
perfundido).1

A fissura anal relaciona-se fortemente com


constipação crônica. A passagem de fezes endurecidas e,
consequentemente, o trauma local, atuam como
importante fator álgico nos pacientes portadores da
doença. No entanto, ainda que com menor frequência, a
fissura também pode desenvolver-se após episódios de
diarreia intensa.2

Diagnóstico

O principal sintoma consiste na dor anal caracterizada


como “lâmina cortante” ou em queimação. Geralmente,
o quadro álgico é desencadeado ao defecar, podendo
persistir após a evacuação. A presença de sangue vivo
nas fezes pode estar associada.1,2

Ao exame físico, é comum a presença de plicoma


anal, de aspecto edemaciado e doloroso, situado
distalmente à fissura. A avaliação através do toque retal
não é indicada na fase aguda, por provocar espasmo
muscular e causar dor intensa. Assim, deve-se postergá-
la até a melhora do quadro doloroso.2

Estadiamento/gravidade

As fissuras podem ser classificadas em agudas


(evolução de três a seis semanas) e crônicas (duração
maior que seis semanas). Sua classificação é importante
para definição terapêutica.2

As fissuras podem ser classificadas como agudas ou


crônicas, sendo importante a distinção para a definição
terapêutica.1

O quadro agudo se caracteriza por úlceras lineares na


região anoderme de evolução de três a seis semanas. Já
as lesões crônicas têm duração maior do que seis
semanas e possuem uma tríade característica: ulceração
profunda, papilas hipertrofiadas (aumento de tecido ao
nível da linha denteada) e plicoma anal sentinela
(geralmente edemaciado e distal à margem do ânus).2

Tratamento clínico e cirúrgico


As recomendações dietéticas são de suma
importância no tratamento das fissuras anais,
independentemente da classificação, tendo como base o
aumento de ingesta de fibras e líquidos.3

Para o tratamento da fissura anal aguda, deve-se


orientar, além das medidas dietéticas, banhos de assento
frequentes e emolientes fecais. Também há
recomendações de utilização de nitratos tópicos (pomada
de nitroglicerina) ou bloqueadores dos canais de cálcio
(nifedipina ou diltiazem tópico), a fim de relaxar o
esfíncter anal interno. Pomadas anestésicas após as
evacuações podem ser utilizadas para alívio dos
sintomas.3,4

As fissuras crônicas devem ter como abordagem


inicial o tratamento farmacológico com bloqueadores de
canal de cálcio em gel (diltiazem ou nifedipina) ou
nitratos. Boa parte dos casos apresentam boa
cicatrização e melhora significativa do quadro,
diminuindo, portanto, o número de casos cirúrgicos. Se
não houver boa resposta inicial, pode-se utilizar
bloqueadores de canal de cálcio por via oral.5,6

Apesar da quantidade significativa dos pacientes


apresentarem evoluções favoráveis com o tratamento
clínico, a abordagem cirúrgica é a considerada “padrão
ouro” na abordagem das fissuras anais, tendo como
principal indicação a falência do manejo clínico. O
procedimento cirúrgico consiste na Esfincterotomia
Lateral Interna (ELI), objetivando relaxamento da
musculatura esfincteriana hipertrófica (atuando
diretamente no mecanismo fisiopatológico da doença).
Entretanto, é indicado a realização de manometria
anorretal pré-operatória a fim de confirmar o aumento do
tônus esfincteriano.3,4,5

Se houver alto risco de incontinência urinária (idosos e


multíparas), deve-se evitar a realização da ELI. Nesses
casos, a aplicação local de toxina botulínica é o
procedimento mais indicado.7

Pontos Importantes
Principais queixas: dor anal e hematoquezia.
Exame físico: úlcera em borda anal, pode vir
acompanhada de plicoma sentinela.

Diagnóstico: história e exame clínico.


Diagnósticos diferenciais: IST’s que causam úlceras
anais como sífilis, herpes, donovanose e cancro
mole, doenças inflamatórias intestinais.
Patogênese: hipertonia esfincteriana e constipação
intestinal.

Tratamento: Clínico – bloqueadores de canal de


cálcio, nitratos tópicos
Cirúrgico: esfincterotomia + fissurectomia.
Referências
1. Bleday R, Weiser M, Friedman L, Chen W, Anal
fissure: medical management, Clinical
manifestations, diagnosis, prevention.

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bran in the prevention of acute anal fissure
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4. Parellada C. Randomized, prospective trial


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fissure: a two-year follow-up. Dis Colon Rectum.
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Bogoni F, Infantino A, et al. Hot or cold in anal pain?
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6. Jensen SL. Treatment of first episodes of acute anal
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anal fissure. Dis Colon Rectum. 2003; 46:805.
Schouten WR, Briel JW, Auwerda JJ. Relationship
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The vascular pathogenesis of anal fissures. Dis
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7. Klosterhalfen B, Vogel P, Rixen H, Mittermayer C.


Topography of the inferior rectal artery: a possible
cause of chronic, primary anal fissure. Dis Colon
Rectum. 1989; 32:43.
Caso 14 | Retocolite
Ulcerativa
Autor: Pedro Filipe Medeiros Gomes
Orientadora: Mariane Gouvêa Monteiro de Camargo

História Clínica
Identificação: N. A. R., 55 anos, feminina, branca,
auxiliar de enfermagem, natural e procedente de São
Paulo, capital, 4 filhos, casada.

Queixa atual: Paciente com diagnóstico de retocolite


ulcerativa há oito anos, chega ao pronto-socorro
encaminhada do ambulatório por diagnóstico de colite
grave. Queixa-se há uma semana de queda do estado
geral, urgência evacuatória, dor abdominal em cólica e
diarreia com mais de dez evacuações por dia associada a
muco e sangue (cerca de seis episódios diários de
sangramento nas fezes), incluindo no período noturno.
Refere hiporexia, com emagrecimento de 35 kg nos
últimos dois anos. A paciente queixa-se também de
artralgia e sinais flogísticos em punhos e tornozelos de
aspecto migratório e que melhoram ao longo do dia,
quadro sugestivo de oligoartrite periférica. Nega febre.
Refere cinco internações prévias por atividade da doença
nos últimos oito anos.
Antecedentes pessoais: Nega comorbidades além
de retocolite ulcerativa. Nega doença perianal.
Submetida à colecistectomia eletiva há um ano após
quadro de pancreatite.

Antecedentes familiares: Nega história familiar de


doença inflamatória intestinal ou câncer colorretal.

Medicações em uso: sulfassalazina (4 g/dia), com


resposta moderada e então insuficiente ao longo da
evolução; uso prévio de: metotrexato, suspenso por
intolerância gástrica; azatioprina, suspenso por prurido,
náuseas e tonturas; infliximabe, trocado para
adalimumabe por reação cutânea, este suspenso há dois
meses por descamação de pele, cefaleia, intolerância
gástrica e infecção urinária de repetição. Fez uso de
corticoide sistêmico por síndrome de Sweet, interrompido
após melhora.

Hábitos e vícios: ex-tabagista há oito anos (30 anos.


Maço). Nega etilismo ou uso de outras drogas, nega
prática de atividade física.

Há dois anos, a paciente havia sido submetida à


colonoscopia que mostrava colite crônica inespecífica em
atividade, com acometimento do reto até o cólon direito,
com escore de MAYO 3 (doença grave com ulceração e
sangramento espontâneo). Além disso, uma
enterotomografia da mesma época mostrou sinais de
doença inflamatória em atividade e em segmento
contínuo desde o retossigmoide até o terço médio do
ceco, caracterizados por perda das haustrações,
espessamento parietal, hiper-realce mucoso e
ingurgitamento dos vasos retos, sem alterações em alças
de intestino delgado e sem líquido livre peritoneal,
coleções ou fístulas.

Exame Físico

Sinais vitais:

Frequência cardíaca: 80 bpm

Frequência respiratória: 18 ipm

Pressão arterial: 110x60 mmHg

Temperatura axilar: 36,7°C

Altura 1,55 m, peso 63 kg, IMC 26,22 kg/m²

Paciente encontra-se em regular estado geral, vigil,


lúcida, orientada no tempo e espaço.

Geral: Hipocorada +/4+, hidratada, anictérica,


acianótica, afebril, eupneica.

Extremidades: bem perfundidas, membros


inferiores sem edema, sem sinais de trombose
venosa profunda.
Exame cardiovascular: BRNF em 2 tempos, sem
sopros. Pulsos radial e pedioso cheios, simétricos e
rítmicos.

Exame pulmonar: Murmúrios vesiculares


presentes globalmente, sem ruídos adventícios.

Exame abdominal: Globoso, flácido, ruídos


hidroaéreos presentes, doloroso à palpação
superficial e profunda em hipogástrio, sem dor à
descompressão brusca, sem visceromegalias, sem
sinais de ascite.

Extremidades: bem perfundidas, membros


inferiores sem edema, sem sinais de trombose
venosa profunda.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Após avaliação, pediram-se exames laboratoriais:

Hemograma: hemoglobina 14,4 g/dL, hematócrito


42,5%, leucócitos 5,18 mil/mm³ (neutrófilos 48,4%),
plaquetas 232 mil/mm³

Função renal: ureia 25 mg/dL, creatinina 0,7 mg/dL

Eletrólitos: Sódio 141 mEq/L, potássio 4,3 mEq/L,


cálcio 5,13 mg/dL, magnésio 1,91 mg/dL, fósforo 3,7
mg/dL, cloro 105 mEq/L
Coagulograma: INR 1, R 1,09

Proteínas totais 7,3 g/dL, albumina 4,3 g/dL

PCR 7,6 mg/L

Enzimas hepáticas: TGO 18 U/L, TGP 13 U/L, FA 82


U/L, GGT 40 U/L

Bilirrubina indireta 0,37 mg/dL, bilirrubina direta


0,21 mg/dL

Glicemia 65 mg/dL

Decidiu-se, então, por tratamento cirúrgico devido à


intolerância ao tratamento clínico. Optou-se pela
proctocolectomia total, com confecção de bolsa ileal e
ileostomia de proteção por via aberta a fim de reduzir o
tempo cirúrgico. O exame de imagem foi tido como
desnecessário frente ao diagnóstico clínico já bem
fundamentado.

A paciente teve boa evolução pós-operatória em


enfermaria, com dor controlada com medicações orais a
partir do segundo dia de pós-operatório (PO). Apresentou
retorno do trânsito intestinal no terceiro PO, com início do
funcionamento da ileostomia, com boa aceitação de
dieta oral leve. No sétimo PO, a paciente apresentava
uma ingesta adequada de calorias, sem medicações
intravenosas, sem sinais de infecção, controle eficaz do
débito da ileostomia com loperamida e capaz de realizar
suas atividades cotidianas básicas, por isso recebeu alta
hospitalar.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Como a RCU se manifesta?

2. Quais as manifestações extra-intestinais?

3. Como realizar o diagnóstico?

4. Quais os tipos de tratamento cirúrgico e clínico?

Discussão
A retocolite ulcerativa (RCU) é classificada como uma
doença inflamatória intestinal (DII) que cursa com
inflamação da mucosa do cólon de maneira recorrente.
Geralmente, envolve o reto e pode se estender para o
cólon de forma contínua (não salteada) e proximal.

Epidemiologia

As doenças inflamatórias intestinais têm etiologia


desconhecida, embora se saiba do envolvimento do
sistema imunológico na fisiopatologia da doença.

A RCU tem alta prevalência entre judeus e mulheres, e


é mais comum em duas faixas etárias distintas: dos 15
aos 35 anos e dos 60 aos 70 anos de idade¹. No Brasil,
em especial no Estado de São Paulo, a incidência de
doença inflamatória intestinal (doença de Crohn e RCU
somadas) foi de cerca de 13,31 casos novos por 100.000
habitantes por ano, com a RCU correspondendo a 53%
destes casos. Os casos de DII também foram mais
frequentes em mulheres (59,7%).

Manifestações clínicas

A RCU é caracterizada por episódios recorrentes de


diarreia, podendo ser acompanhada de produtos
patológicos como sangue, muco ou pus. A diarreia
costuma se manifestar em muitos episódios ao longo do
dia e ser de pequeno volume devido à inflamação do reto
(proctite). Sintomas associados incluem dor abdominal
em cólica, sensação de urgência evacuatória, tenesmo e
incontinência fecal, sendo esta a responsável pela
grande perda de qualidade de vida destes pacientes. O
surgimento dos sintomas geralmente é gradual e
progressivo, podendo ser precedido de um episódio
autolimitado de hematoquezia que ocorre semanas ou
meses antes².

Em relação à severidade da RCU, esta pode ser


dividida em leve, com quatro ou menos episódios diários
de diarreia com ou sem sangue; moderada, com mais de
quatro evacuações líquidas com produtos patológicos,
dor abdominal e anemia leve; e grave, com mais de seis
evacuações líquidas com produtos patológicos, anemia,
sinais sistêmicos (febre e taquicardia) e aumento de
provas inflamatórias (PCR e VHS). Recentemente, surgiu
a classificação de Montreal, que estratifica os pacientes
não somente em severidade, mas também em extensão
de doença, a qual se relaciona com sua gravidade e
prognóstico. Nessa classificação, a extensão é dividida
em E1 – proctite, E2 – colite esquerda e E3 – pancolite
(colite envolvendo todo o cólon)³.

A doença também costuma manifestar sintomas e


sinais sistêmicos devido à atividade inflamatória da RCU
e incluem febre, perda de peso e fadiga. Não raro,
pacientes podem se apresentar com anemia ferropriva
devido à perda de sangue, anemia inflamatória pela
atividade da doença ou até anemia hemolítica autoimune
como manifestação extraintestinal da doença.

Manifestações extraintestinais (MEI)

Embora menos de 10% dos pacientes com RCU


apresentem MEI ao diagnóstico, até 25% deles terão uma
dessas manifestações ao longo da doença⁴:

Manifestações musculoesqueléticas: artrite é a


forma mais comum de MEI. A artrite mais comum é
a oligoartrite periférica, mas pode haver artrite de
grandes articulações e espondilite anquilosante.
Também existe associação com osteoporose,
osteopenia e osteonecrose;
Manifestações oftalmológicas: uveíte anterior
recorrente e episclerite;

Manifestações de pele: as lesões de pele mais


frequentes associadas à RCU incluem eritema
nodoso e pioderma gangrenoso;
Manifestações hepáticas e de vias biliares: existe
associação entre RCU e colangite esclerosante
primária, sendo que até 5% dos pacientes com RCU
a desenvolvem. Doenças autoimunes do fígado e de
depósito gorduroso (esteatose) também são
comumente associadas;

Outras MEI: aumento do risco de tromboembolismo


arterial e venoso, serosites, doenças pulmonares
parenquimatosas etc.

Complicações

As complicações agudas da RCU são o megacólon


tóxico, a perfuração intestinal (geralmente consequente
ao megacólon tóxico), o sangramento maciço e a colite
fulminante. Esta última aumenta o risco de
desenvolvimento do megacólon tóxico e consiste numa
colite severa, com comprometimento sistêmico. A colite
fulminante tem como características mais de dez
evacuações por dia, sangramento contínuo, dor
abdominal, distensão abdominal, febre e anorexia.
O megacólon tóxico é caracterizado pela dilatação do
cólon com diâmetro maior que 6 cm ou diâmetro cecal
maior ou igual 9 cm associado ao comprometimento
sistêmico (toxicidade)⁵.

Quanto às complicações crônicas, cita-se o


adenocarcinoma de cólon, anemia, anorexia e déficits
nutricionais, osteoporose/osteopenia pelo uso de
corticoides, atraso no desenvolvimento puberal e no
crescimento de crianças e adolescentes.

Investigação diagnóstica

A avaliação e o diagnóstico da RCU devem ser feitos


através de uma boa anamnese, a qual deve se certificar
de que o quadro contempla diarreia crônica por mais de
quatro semanas com ou sem produtos patológicos. O
exame físico deve ser completo e auxilia na avaliação. A
atividade inflamatória na mucosa colônica deve ser
evidenciada por método colonoscópico com biópsia,
ambas mostrando alterações inflamatórias crônicas
(atenção: a presença de granulomas à biópsia fala mais a
favor de doença de Crohn). As alterações vistas ao
método endoscópico são classificadas em 3 graus
através do escore de MAYO, o qual é útil na avaliação da
severidade da doença e no acompanhamento clínico.
Desse modo, fica patente que o diagnóstico da RCU é um
diagnóstico de exclusão, uma vez que essas alterações
são inespecíficas.
Ainda, exames laboratoriais como hemograma,
marcadores de função hepática (em especial a albumina,
por avaliar a nutrição do paciente), eletrólitos e provas
inflamatórias (PCR e VHS) auxiliam na avaliação da
severidade da doença.

Diagnósticos diferenciais

Os diagnósticos diferenciais da RCU incluem


principalmente a doença de Crohn e outras colites, como
a colite infecciosa (a infecção pelo CMV pode mimetizar a
RCU), colagenosa, isquêmica ou eosinofílica. Mais
raramente, pode-se suspeitar de neoplasias de cólon,
diverticulite ou amiloidose em quadros sugestivos de
RCU.

Tratamento clínico

O objetivo do tratamento da RCU é induzir remissão


da doença e melhorar a qualidade de vida, evitando
toxicidade, uso de corticoides, efeitos adversos das
medicações e prevenindo neoplasias do cólon. O
tratamento da RCU é de caráter clínico na grande maioria
das apresentações da doença, e a intensidade do
tratamento deve ser proporcional à severidade do
quadro.

Portanto, diferentes estratégias são utilizadas para o


controle da RCU. Atualmente, duas estratégias (além da
cirúrgica) são mais utilizadas: a “bottom-up” (de baixo
para cima ou aditiva) e a “top-down” (de cima para baixo
ou subtrativa). A primeira se trata de uma abordagem na
qual medicações mais fracas são adicionadas ao
tratamento de forma subsequente até a estabilização
clínica, enquanto a segunda se propõe a induzir a
remissão rápida, com terapias mais agressivas e
medicações mais fortes, fazendo “desmame” dos
agentes utilizados de forma lenta e progressiva. Um
exemplo do tratamento bottom-up seria induzir o
paciente com derivados do 5-ASA de forma oral ou tópica
(supositório), passando pelo uso de corticoides de forma
breve e, se não houver remissão, progride-se para o uso
de imunobiológicos/tiopurinas. Por outro lado, a
estratégia top-down começa com o uso de
imunobiológicos de forma ambulatorial – como o
infliximabe – se não houver sinais de comprometimento
sistêmico e toxicidade, caso contrário o paciente pode
ser internado para o início do tratamento. Nesse cenário,
se deve induzir a remissão com corticoides via
endovenosa com o uso subsequente de imunobiológicos,
inibidores da calcineurina ou até cirurgia
(proctocolectomia) caso não haja resposta adequada³.

Tratamento cirúrgico

O tratamento cirúrgico da RCU surgiu como uma


alternativa eficaz ao tratamento clínico e deve ser vista
como opção tanto no contexto eletivo quanto no
emergencial. Como a RCU é uma doença crônica
recorrente, a cirurgia tem grande destaque por seu
caráter curativo, uma vez que, ao se ressecar todo o
cólon, ocorre remissão dos sintomas gastrintestinais e da
maioria das manifestações extraintestinais. Assim, o
apelo à cirurgia fica consagrado não só como última
opção após falha do tratamento clínico, mas também
como uma estratégia de melhoria de qualidade de vida e,
obviamente, como prevenção contra o câncer de cólon,
que tem incidência aumentada nesses pacientes.

Quanto às indicações da cirurgia de maneira eletiva,


destaca-se a falha no tratamento clínico, por vezes
ineficaz no controle da doença. Além disso, é indicada na
presença de displasias da mucosa colônica ou de câncer
invasivo, quando há complicações ou efeitos adversos de
medicações, no controle das MEI e quando há retardo de
crescimento em crianças e adolescentes. Ademais, como
em qualquer contexto eletivo, deve-se procurar a
estabilização clínica do paciente antes do ato cirúrgico, a
fim de se diminuir a taxa de complicações e elevar as
chances de sucesso da cirurgia. Isso é alcançado através
do controle da anemia, da coagulopatia (se houver),
status nutricional, desbalanços hidroeletrolíticos e outros.

Já a cirurgia no contexto emergencial deve ser feita


quando há risco à vida. Tais condições incluem o
megacólon tóxico, a perfuração intestinal (potencial
complicação do megacólon tóxico) e a hemorragia
intestinal grave. De forma urgente, a cirurgia também
está indicada nos casos de colite fulminante (colite
grave, com comprometimento sistêmico) na falha do
tratamento clínico, sangramento contínuo, dor e
distensão abdominal.

Opções cirúrgicas para a RCU

Atualmente, existem algumas opções cirúrgicas,


embora todas envolvam a remoção do cólon por inteiro.
Nem sempre, entretanto, a reconstrução do trânsito é
feita devido às complicações envolvendo anastomoses.
As cirurgias podem ser feitas por via aberta,
laparoscópica ou robótica. Dentre as principais
vantagens da cirurgia por vídeo destacam-se a menor
taxa de infecções do sítio operatório, menor formação de
aderências e menor tempo de internação. Entretanto,
não há evidência de melhores benefícios a longo prazo
quando se comparam técnicas minimamente invasivas
com técnicas abertas. Assim, a expertise do cirurgião e a
preferência do paciente devem ser levadas em conta. De
acordo com o contexto clínico, ou seja, se a cirurgia é de
caráter emergencial ou eletivo, pode-se definir a conduta
cirúrgica.
Figura 1 – Espécimen cirúrgico de proctocolectomia total. É possível
observar a mucosa ulcerada e hemorrágica, com pseudopolipose extensa e
camada muscular exposta em alguns pontos, além do espessamento da
parede intestinal.

Para a ASCRS (American Society of Colon and Rectal


Surgery)³, a abordagem cirúrgica mais comumente
empregada em muitos centros se baseia em cirurgias
efetuadas em etapas. Isso é feito tanto no contexto
emergencial quanto no eletivo.

No contexto emergencial, é preferível a colectomia


total, com confecção de ileostomia terminal e
sepultamento do reto, sem reconstrução do trânsito
neste primeiro momento. Essa etapa remove a maior
parte da atividade da doença, alivia imediatamente os
sintomas e permite a descontinuação de drogas
imunossupressoras. Posteriormente, é realizada a
proctectomia com reconstrução do trânsito com bolsa
ileal, com ou sem ileostomia de proteção. Essa estratégia
é preferível por diminuir potenciais complicações do
intraoperatório, como sangramentos e lesão de nervos
autonômicos; assim como do pós-operatório, como
deiscências e formação de fístulas.

No contexto eletivo, a cirurgia de eleição é a


proctocolectomia total restaurativa, com confecção de
bolsa ileal anastomosada no ânus. O seu destaque é
evidente porque permite preservação do esfíncter anal, o
que garante continência fecal e função intestinal quase
normais (a bolsa ileal se propõe à função da ampola
retal), ao mesmo tempo em que remove todo o cólon,
incluindo o reto.

Esta operação pode ser feita em uma, duas ou três


etapas:

Cirurgia em apenas 1 etapa: proctocolectomia total


com bolsa ileal
Cirurgia em 2 etapas: proctocolectomia total com
bolsa ileal e ileostomia de proteção em alça, com
reversão da ileostomia em um segundo tempo.

Cirurgia em 3 etapas: a primeira etapa se trata de


uma colectomia total, com ileostomia terminal. Em
um segundo momento se faz a proctectomia,
confecção da bolsa ileal e a ileostomia em alça. Por
fim, realiza-se o fechamento da ileostomia em alça,
com reestabelecimento do trânsito intestinal.

Embora o senso comum indique que múltiplas


cirurgias aumentam a morbidade da terapêutica, sabe-se
que, desse modo, a incidência de sepse pélvica é menor,
a qual está associada à falha da anastomose da bolsa
ileoanal e ocorre em até 23% dos pacientes submetidos a
esse procedimento. Também é conhecido que as
complicações sépticas envolvendo a bolsa ileal
prejudicam os resultados da cirurgia a longo prazo, os
quais envolvem o próprio funcionamento da bolsa ileal e
a cura da potencial deiscência/fístula da bolsa³.

Principais complicações das cirurgias para


RCU

Dentre as principais complicações do tratamento


cirúrgico da RCU, não se pode esquecer da mortalidade
do ato operatório, que é estimado ser menor que 1%.
Quanto às morbidades, estima-se que ocorra em até 30%
dos pacientes e envolvem:

Estenose do canal anal – ocorre em até 11% dos


pacientes e pode exigir reabordagem cirúrgica, mas
certas estenoses não fibróticas respondem bem ao
tratamento endoscópico/transanal com dilatação do
canal anal⁶;
Sepse pélvica – complicação séria que ocorre em
até 23% dos pacientes³;
Falha da bolsa ileal – ocorre em até 8,5% dos
pacientes⁷;
Incontinência fecal – ocorre em até 17% de forma
moderada ou severa e é um dos maiores
contribuintes para baixa qualidade de vida⁷;
Displasia ou câncer da bolsa ileal – ocorre em até
1% dos paciente e a vigilância endoscópica é
mandatória⁸;
Disfunção sexual – pode cursar com ejaculação
retrógrada e impotência sexual nos homens e
dispareunia nas mulheres⁹;
Infertilidade feminina – ocorre mais frequentemente
quando a confecção da bolsa ileal é realizada por
via aberta¹⁰.

Conclusão

A RCU é uma doença idiopática, crônica e


recrudescente, que deve ser entendida de forma global
pelo profissional de saúde. Devido à sua complexidade e
dificuldade no manejo, é necessária a compreensão de
seu aspecto clínico e cirúrgico para um tratamento
eficaz, duradouro e que devolva qualidade de vida ao
paciente.
Pontos Importantes
A RCU tem uma etiologia desconhecida, mas
acredita-se que a patogênese seja multifatorial, com
uma regulação imune prejudicada da mucosa e
condições ambientais desconhecidas ou um gatilho.

A incidência de câncer colorretal na RCU é


aumentada, e a presença de displasia de baixo grau
é uma indicação de colectomia, dada uma taxa
inaceitavelmente alta de cânceres sincrônicos ou
metacrônicos.

Os cirurgiões devem estar familiarizados com os


numerosos tratamentos médicos para RCU,
incluindo seus efeitos colaterais.

A RCU leve a moderada é tipicamente tratada de


forma bottom-up com aminossalicilatos orais e se
corticoides são necessários para exacerbações,
então o paciente é transferido para tiopurinas ou
um agente biológico para desmamar os corticoides.

A doença de moderada a grave é tipicamente


tratada de maneira top-down, com terapia
combinada com um agente biológico e
imunomodulador, geralmente sob a cobertura de
tratamento com corticoides temporariamente.

O controle de peso pré-operatório, a otimização


nutricional e das medicações de prosseguir com a
construção da anastomose anal da bolsa ileal são
etapas essenciais para alcançar os melhores
resultados funcionais a longo prazo.
Os pacientes com RCU devem ser tratados por uma
equipe multidisciplinar de gastroenterologistas,
cirurgiões, patologistas, estomaterapeutas e
nutricionistas.
A laparoscopia deve ser considerada o padrão de
atendimento para cirurgia eletiva para RCU.
Embora a anastomose anal com bolsa ileal deva ser
considerada o padrão de tratamento no tratamento
cirúrgico de pacientes com RCU, o plano cirúrgico
deve ser individualizado, tanto em termos de
abordagem em etapas como de restauração da
continuidade intestinal.
O acompanhamento a longo prazo de pacientes com
bolsa ileal é obrigatório, embora o risco de
degeneração maligna permaneça bastante baixo.

Referências
1. GASPARINI RG. Incidência e prevalência de doenças
inflamatórias intestinais no Estado de São Paulo e
no Brasil. 2018. 91 f. [Doutorado em Bases Gerais
da Cirurgia] – Universidade Estadual de São Paulo;
2018.
2. SILVERBERG MS, et al. Toward an integrated clinical,
molecular and serological classification of
inflammatory bowel disease: report of a Working
Party of the 2005 Montreal World Congress of
Gastroenterology. Canadian Journal of
Gastroenterology, Toronto. 2005; 19: 5-36.
3. STEELE SR, et al. The ASCRS textbook of colon and
rectal surgery. 3 ed. Arlington Heights: Springer;
2016.
4. MONSÉN U, et al. Extracolonic diagnosis in
ulcerative colitis: an epidemiological study.
American Journal of Gastroenterology. 1990; 85(3):
711-6.
5. GREENSTEIN AJ, et al. Outcome of toxic dilatation in
ulcerative and Crohn’s colitis. Journal of Clinical
Gastroenterology. 1985; 7(2): 137-143.
6. SHEN B, et al. Efficacy of safety of endoscopic
treatment of ileal pouch strictures. Inflammatory
Bowel Disease. 2011; 17(12): 2527-35.
7. HUETING, W.E. et al. Results and complications after
ileal pouch anal anastomosis: a meta-analysis of 43
observational studies comprising 9.317 patients.
Digestive Surgery. 2005; 22(1-2): 69-79.
8. GOLDMAN, H. Puch dysplasia: a new challenge.
Inflammatory Bowel Disease. 1998; 4(3): 259-60.
9. CORNISH JA, et al. The effect of restorative
proctocolectomy on sexual function, urinary
function, fertility, pregnancy and delivery: a
systematic review. Diseases of the colon & rectum.
2007; 50(8): 1128-38.
10. JOHNSON P, et al. Female infertility after ileal pouch-
anal anastomosis for ulcerative colitis. Diseases of
the colon & rectum. 2004; 47(7): 1119-26.
Caso 15 | Doença De
Crohn
Autora: Angélica Saiuri de Aurelio Penteado
Orientadora: Mariane Gouvêa Monteiro de Camargo

História Clínica
Identificação: D.M.D., 51 anos, sexo feminino,
divorciada, nulípara, assistente administrativa, parda,
natural e residente da cidade de São Paulo.

Queixa atual: Paciente com diagnóstico de Doença


de Crohn desde os 22 anos de idade. Permanecia
assintomática há muitos anos, porém, refere dor
abdominal de moderada intensidade em baixo ventre,
intermitente, há seis meses. Não há alteração de hábito
intestinal, aspecto das fezes ou sangramento. Nega
também alterações na diurese, náuseas, vômitos, febre,
alterações de apetite ou perda de peso recente. Há
quatro meses foi submetida a colonoscopia, com achado
de estenose em íleo terminal, úlcera fistulizante de
válvula ileocecal para o íleo terminal, pseudopólipos em
ceco e orifício fistuloso em reto distal. Recentemente,
realizou enterotomografia de abdome e pelve eletiva que
demonstrou fistula ileocecal e coleção em mesentério.
Foi então encaminhada ao serviço de pronto atendimento
para avaliação.
Antecedentes pessoais: Nega comorbidades além
da Doença de Crohn. Nega cirurgias prévias. Nega
doença perianal.

Antecedentes familiares: Nega história familiar de


doença inflamatória intestinal ou câncer colorretal.

Medicações: Sem uso de corticoide há 2 anos.


Atualmente em uso de Ciprofloxacino 500 mg duas vezes
ao dia, Mesalazina 1 g três vezes ao dia, Omeprazol 20
mg duas vezes ao dia. Nega uso prévio de biológicos.

Hábitos e vícios: Nega tabagismo, nega etilismo ou


uso de outras drogas, nega prática de atividade física.

Exame Físico

Sinais vitais:

Pressão arterial: 110 x 70 mmHg.

Frequência cardíaca: 110 bpm.

Frequência respiratória: 17 ipm.

Saturação de oxigênio em ar ambiente 99%.

Temperatura axilar: 36,6 °C.

Altura 1,50 m, peso 49 kg, IMC 21,78 kg/m².

Geral: Paciente encontra-se em bom estado geral,


lúcida, orientada no tempo e espaço. Mucosas
hipocoradas 2+/4+, hidratada, anictérica, afebril.
Extremidades: bem perfundidas, membros
inferiores sem edema, sem sinais de trombose
venosa profunda.

Abdominal: Ruídos hidroaéreos presentes, abdome


levemente distendido com percussão timpânica. Dor
à palpação profunda de abdome difusamente, com
dor à descompressão brusca em fossa ilíaca direita.
Giordano negativo.

Exame proctológico: Inspeção anal sem


evidências de lesões, fístulas ou cicatrizes.
Anuscopia sem evidência de massas, fístulas,
fissuras ou abscessos perianais. Toque retal:
esfíncter com tônus normal, ausências de massas
tocáveis, ausência de sangramentos ao toque.

Exames cardíaco e pulmonar sem alterações dignas


de nota.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Após avaliação clínica e dos exames de imagem, foi
indicada intervenção cirúrgica por presença de estenose
de válvula ileocecal, fístulas êntero-cólicas e abscesso
pericecal. Paciente encaminhada para internação para a
realização de exames complementares a fim de avaliar o
risco cirúrgico.
Exames laboratoriais (valor de referência):

Hb 9,4 g/dL (12,0 a 16,0).

Ht 29,0% (35,0 a 47,0).

VCM 82,4 fL (80,0 a 100,0).

HCM 26,7 pg (26,0 a 32,0).

CHCM 32,4 g/dL (31,0 a 36,0).

RDW 13,6 % (9,5 a 15,5 %).

Leucócitos 16,60 mil/mm³ (4,00 a 11,00).

Neutrófilos 84,8 % 14,07 mil/mm³ (1,60 a


7,00).

Eosinófilos 0,7 % 0,12 mil/mm³ (0,05 a 0,50).

Basófilos 0,2 % 0,03 mil/mm³ (0,00 a 0,20).

Linfócitos 6,3 % 1,05 mil/mm³ (0,90 a 3,40).

Monócitos 8,0 % 1,33 mil/mm³ (0,20 a 0,90).

Plaquetas 673 mil/mm³ (140 a 450).

Tempo de protrombina 13,2 s (11,4).

Tempo de tromboplastina parcial ativada 27,2 s (23


a 35).

Ureia 16 mg/dL (10 a 50).

Creatinina 0,51 mg/dL (0,50 a 0,90).

Potássio 4,3 mEq/L (3,5 a 5,0).

Sódio 140 mEq/L (135 a 145).


Albumina 3,9 g/dL (3,5 a 5,0).

Bilirrubina direta 0,14 mg/dL (< 0,30).

Bilirrubina indireta 0,06 mg/dL (0,10 a 0,60).

PCR 47,8 (< 5,0).

Seguimento
Após avaliação pré-operatória, a paciente foi
encaminhada para procedimento cirúrgico durante a
mesma internação. A cirurgia realizada foi a
ileotiflectomia laparoscópica com anastomose íleo-cólica
látero-lateral mecânica. O espécimen cirúrgico foi
enviado para análise anatomopatológica, que concluiu:

Doença de Crohn fistulizante, associada a


ulcerações, fissuras e abscessos.
Presença de granulomas não caseosos, transmurais,
e células gigantes multinucleadas.

Um linfonodo com hiperplasia linfoide reacional.

Apendicopatia crônica obliterante.

Margens de ressecção viáveis.

A paciente teve boa evolução pós-operatória em


enfermaria, com dor controlada com medicações orais a
partir do segundo dia de pós-operatório (PO). Apresentou
retorno do trânsito intestinal no quarto PO, com boa
aceitação de dieta oral leve. Pela presença de abscesso
no intraoperatório com contaminação de sítio cirúrgico,
foi optado por manutenção de antibioticoterapia durante
a internação. No sétimo PO, a paciente apresentava uma
ingesta adequada de calorias, sem medicações
intravenosas, sem sinais de infecção, trânsito intestinal
regular e capaz de realizar suas atividades cotidianas
básicas, por isso recebeu alta hospitalar. Introduzida
azatioprina como profilaxia pós-operatória.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Como a doença de Crohn se manifesta?

2. Quais as manifestações extra-intestinais?

3. Como realizar o diagnóstico?

4. Quais os tipos de tratamento cirúrgico e clínico?

Discussão
A doença de Crohn é um tipo de doença inflamatória
crônica do trato gastrointestinal que pode afetar
qualquer parte do aparelho digestivo, desde a boca até o
ânus; pode também apresentar manifestações
extraintestinais, como do trato urinário, dermatológicas e
hepatobiliares. Caracteriza-se por episódios de
exacerbação e remissão, sem fatores desencadeantes
discerníveis, e com quadro clínico variável de acordo com
a localização e extensão da doença1, 2.

Epidemiologia

Não há diferença de distribuição entre os sexos. A


doença é mais comumente diagnosticada na segunda a
quarta décadas de vida, com um pico menor dos 50 aos
60 anos. A incidência da doença de Crohn tem
aumentado ao redor do mundo e sua incidência e
prevalência são maiores em áreas urbanas de países
desenvolvidos. Entre populações que imigram de uma
área de baixa incidência para uma de alta incidência, a
incidência aumenta na primeira ou segunda gerações, o
que aponta para um papel do ambiente e da exposição
em idades precoces no risco de desenvolver doença de
Crohn1, 2.

Etiologia

Acredita-se que a doença de Crohn resulte de uma


interação entre susceptibilidade genética, fatores
ambientais e microbiota intestinal, o que resulta em uma
resposta imune anormal na mucosa intestinal e
compromete a função de barreira do epitélio3, 4, 5.

Fatores genéticos: Cerca de 12% dos pacientes tem


uma história familiar de Crohn. Já foram descritos mais
de 200 alelos relacionados a doença inflamatória
intestinal, sendo 37 específicos para Crohn. Eles estão
relacionados com imunidade inata e reação a bactérias e
alteração da permeabilidade mucosa, mostrando que
uma forma alterada de lidar com bactérias é um fator
determinante, levando a novos alvos para terapia.
Porém, apesar de todos os avanços, a genética é falha
em explicar a variância da doença e seus diferentes
fenótipos, por isso avaliação genética não é utilizada na
prática clínica⁵.

Fatores ambientais: Tabagismo é o fator de risco


ambiental mais bem estudado, está associado a um
aumento de duas vezes o risco para desenvolver Crohn
(odds ratio (OR) 1,76; 95% IC 1,20 - 2,22). Exposição a
antibióticos durante a infância também está associado a
um aumento no risco de desenvolver a doença (OR 1,74;
95% IC 1,35 – 2,23). A associação causal ainda precisa
ser provada para vários fatores ambientais. Além disso,
fatores ambientais não foram unanimemente
identificados em todas as populações⁵.

Quadro clínico

Os sintomas podem ser heterogêneos e insidiosos. O


quadro clínico depende da localização, comportamento e
gravidade da doença. O cenário mais comum é o
paciente jovem com dor em fossa ilíaca direita, diarreia
crônica e perda de peso. Sintomas inespecíficos como
fadiga e anorexia são também frequentes. Em casos de
acometimento de cólon e reto, pode haver sangramento
nas fezes. Dor constante, picos febris e leucocitose
sugerem abscessos e fistulização. Um terço dos doentes
apresentam lesões perianais associadas às lesões
intestinais6, 7, 8.

Manifestações extraintestinais

Até 50% dos pacientes apresentam manifestações


extraintestinais dermatológicas, articulares ou
oftalmológicas que podem preceder o diagnóstico.
Algumas delas, como o eritema nodoso e a artrite de
grandes articulações estão associadas a doença
intestinal ativa. Outras, como artropatias axiais ou
colangite esclerosante primária, são independentes da
atividade de doença6, 9.

As manifestações extraintestinais mais comuns são as


articulares. A articulação acometida apresenta-se
quente, dolorosa e edemaciada, e os testes para artrite
reumatoide são negativos. Há associação entre
aparecimento de artralgia e recidiva da doença de Crohn
intestinal6, 9.

A manifestação dermatológica mais comum é o


eritema nodoso, que se caracteriza por lesões nodulares,
múltiplas, dolorosas, hiperemiadas e localizadas
preferencialmente na face anterior dos membros
inferiores. Correlaciona-se com a exacerbação da doença
intestinal e é mais frequente em mulheres6, 9.

As alterações hepáticas são importantes porque, por


sua gravidade, podem causar óbito. As lesões hepáticas
mais frequentes, em ordem decrescente, são fígado
reacional, fibrose portal, pericolangite portal, colangite
esclerosante primária e esteatose hepática. Deve-se
ressaltar que muitos doentes são tratados com
alimentação parenteral prolongada, a qual pode provocar
anormalidades da função hepática6, 9.

Há várias manifestações oculares descritas para a


doença de Crohn, sendo a principal a uveíte, que pode
resultar em cegueira. Os sintomas são dor, turvação da
visão, fotofobia, cefaleia, olhos hiperemiados e
identificação de precipitados na córnea, por meio de
exame com lâmpada de fenda. É mais comum na colite
de Crohn e em mulheres6, 9.

Outras complicações extraintestinais:

A incidência de complicações tromboembólicas é


baixa, mas elas chamam a atenção devido a sua alta
mortalidade. Em pacientes com história de episódios
tromboembólicos recorrentes associados à exacerbação
da doença inflamatória intestinal, confinados ao leito ou
submetidos a tratamento cirúrgico, a administração de
heparina por via subcutânea parece ser a melhor forma
de prevenção⁹.
Outras complicações associadas à doença de Crohn
têm sido descritas, como as pancreáticas, cardiológicas,
neurológicas, pulmonares e otológicas, baqueteamento
dos dedos, alterações alérgicas e do tecido muscular⁹.

Diagnóstico

O diagnóstico da doença de Crohn se baseia na


combinação de sintomas, exames radiológicos,
endoscópicos e critério histológico. O doente pode se
apresentar magro, descorado e febril; o exame físico
geral pode mostrar manifestações extraintestinais da
doença. Ao exame abdominal, pode-se constatar dor à
palpação, presença de massa palpável principalmente na
fossa ilíaca direita e fístulas enterocutâneas. A inspeção
da região perianal pode demonstrar a presença de
pregas perianais edemaciadas, fissuras, fístulas, lesões
ulceradas e abscessos. O toque retal demonstra mucosa
lisa, uma vez que o reto está frequentemente poupado
nessa doença1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9.

Não existem exames laboratoriais específicos para o


diagnóstico da doença de Crohn. São úteis apenas para
caracterizar as alterações hidroeletrolíticas, metabólicas
e nutricionais, que são frequentes nesses doentes10.

O estudo radiológico contrastado demonstra o aspecto


característico da doença de Crohn, que é a alternância
das áreas sadias com áreas doentes. Suas principais
características são lesões salteadas, acometimento
assimétrico, presença de úlceras aftoides, calcetamento,
trajetos fistulosos e reto radiologicamente normal9, 10.

Exames de imagem como enterotomografia ou


enterorressonância são importantes no momento do
diagnóstico para acessar a extensão da doença e a
presença de complicações, como estenoses ou fístulas,
dessa definindo o comportamento da doença. Durante o
seguimento, esses exames também são importantes
para acessar atividade de doença, complicações e
resposta ao tratamento. Quando disponível, a
enterorressonância deve ser o método de escolha por
diminuir o risco cumulativo de exposição à radiação.
Pacientes com doença perianal devem ser avaliados com
ressonância de pelve para estudo acurado de trajetos de
fístulas9, 10.

Colonoscopia com intubação do íleo terminal é


padrão-ouro para diagnóstico da doença de Crohn. Os
achados mais comuns são lesões aftoides, fissuras e
úlceras longitudinais, calcetamento da mucosa, pólipos
inflamatórios, fístulas e estenoses9, 10.

O diagnóstico diferencial mais importante deve ser


feito com a retocolite ulcerativa, mas, devido à
multiplicidade da sintomatologia, outras hipóteses
devem ser consideradas, como enterocolite infecciosa,
tuberculose intestinal, infecções por fungos e vírus,
enterocolite isquêmica crônica, síndrome de Bechet,
linfoma maligno dos intestinos delgado e grosso, doença
inflamatória iatrogênica, e outras colites inespecíficas9,
10.

Após o estabelecimento do diagnóstico, atividade,


gravidade, extensão e comportamento da doença deve
ser avaliado (com ajuda de exames como
enterotomografia e enterorressonância) através da
Classificação de Montreal (tabela 1). A classificação de
Montreal divide os pacientes de acordo com a idade de
diagnóstico, localização e comportamento da doença
porque essas variáveis têm importante informação
prognóstica. Em 35 – 45% dos casos, a doença é
localizada no íleo terminal e cólon proximal. Cerca de
30% dos pacientes têm doença confinada ao intestino
delgado, especificamente no íleo terminal, e em cerca de
20% dos casos a doença é limitada ao cólon. Menos de
5% dos pacientes têm doença exclusiva de trato
gastrointestinal superior. Acometimento de jejuno
isoladamente é raro9, 10.

Tabela 1 – Classificação de Montreal inclui variáveis


com valor prognóstico. *L4 pode ser adicionado à
classificação L1-L3 quando há acometimento de trato
gastrointestinal superior concomitante, assim como **p
pode ser adicionado a B1-B3, quando há doença perianal
concomitante.

Classificação de Montreal
Classificação
Idade de diagnóstico
de Montreal

Idade de diagnóstico

< 16 anos A1

17 - 40 anos A2

> 40 anos A3

Localização

Íleo L1

Cólon L2

Ileocólon L3

Trato gastrointestinal superior isolado L4*

Comportamento

Não estenosante e não penetrante B1

Estenosante B2

Penetrante B3

Doença Perianal p**

Anatomia patológica

Macroscopicamente, as lesões da doença de Crohn


são caracterizadas pela incidência descontínua, ou seja,
áreas aparentemente sadias entremeadas com áreas
doentes (figura 1). Como a doença é transmural, podem
ocorrer fissuras que se estendem por toda a espessura
da alça intestinal. Essas fissuras profundas conferem à
mucosa aspecto similar ao calçamento de rua com
pedras em “macadame” (cobblestones) (figura 2). O
mesentério é espessado e tende a envolver o intestino
doente (figura 3). Os gânglios são endurecidos e
aumentados, tendendo a coalescer10, 11, 12, 13, 14.

Figura 1 – Espécimen cirúrgico de proctocolectomia total mostrando


acometimento de cólon e reto, com incidência descontinua da doença.
Figura 2 – Espécimen cirúrgico de enterectomia mostrando fissura
longitudinal em borda mesentérica.

Figura 3 – Foto no intraoperatório de segmento de íleo. A seta indica área do


intestino delgado doente sendo envolvido pela gordura do mesentério,
fenômeno denominado “fat wrapping” no inglês.

Microscopicamente, o acometimento transmural é


sugestivo da doença de Crohn. Outro achado histológico
é o aparecimento dos granulomas sem a necrose
caseosa central típica da tuberculose13, 14.
História Natural e Fatores de Risco

A doença de Crohn é caracterizada por períodos de


remissão clínica alternados de recorrência. Porém, há
uma discordância entre sintomas e atividade de doença
na mucosa. Acredita-se que a inflamação subclínica
persistente que acontece durante a remissão clínica é a
responsável pelas complicações, como estenose, fístulas
e abscessos, e dano intestinal progressivo. A localização
da doença tende a ser estável, mas o comportamento
pode mudar ao longo do tempo. Cerca de um quinto dos
pacientes apresentam algum tipo de complicação no
momento do diagnóstico. A incidência anual de
admissões hospitalares é de 20% e, após 10 anos de
doença, metade dos pacientes irá precisar de cirurgia.
Um terço precisará de múltiplas cirurgias e cerca de 14%
daqueles com doença grave, principalmente com
acometimento do reto, precisarão de um estoma
permanente. Doença de intestino delgado extensa ou
múltiplas cirurgias podem resultar em falência intestinal
e síndrome do intestino curto, uma complicação rara,
porém temida e irreversível. Infelizmente, a cirurgia não
é curativa: recorrência clínica é reportada em 50% dos
pacientes, recorrência endoscópica, em 80%, e
recorrência cirúrgica, em 30%⁸.

Tratamento clínico
O objetivo do tratamento clínico é alcançar remissão
clínica e endoscópica sustentada (cicatrização da
mucosa) e interromper o curso progressivo destrutivo
natural da doença que leva a falência intestinal e suas
complicações. Apesar da abundância de instrumentos
para classificação da doença, técnicas e definições que
podem objetivamente determinar a evolução da doença
e o dano intestinal ainda estão em evolução. Idade
precoce, necessidade imediata de corticoides, doença
perianal, colectomia, enterectomias repetidas, fenótipo
estenosante, perda de peso expressiva e lesões
endoscópicas específicas podem predizer um curso de
doença incapacitante¹⁰.

No passado, os pacientes eram iniciados com


aminosalicilatos, corticoides ou tiopurina, com
escalonamento para tratamentos mais efetivos somente
depois que essas linhas de terapia falhavam (terapia
intensiva). Esta estratégia não conseguiu mudar o curso
da doença, visto que as taxas de cirurgia continuaram
altas. Portanto, a estrutura de tratamento evoluiu do
mero controle dos sintomas para o bloqueio da
progressão da doença. A cicatrização endoscópica,
geralmente definida como ausência de ulcerações, tem
efeito importante na doença inflamatória intestinal, pois
se correlaciona com diminuição de exacerbações e
necessidade de cirurgia, além de menos danos
intestinais. Nesse contexto, a remissão profunda (isto é,
remissão clínica e endoscópica) está emergindo como
uma nova meta de tratamento. Entretanto, estudos
prospectivos ainda são necessários para determinar
como essas estratégias mudarão o curso da doença. Por
ora, uma abordagem “top-down” (de cima para baixo)
tem sido utilizada em pacientes com doença de Crohn e
fatores de mau prognóstico, doença grave ou doença
complicada. Nesse tipo de abordagem, é iniciada
imunossupressão combinada precoce. Observou-se que
esses pacientes tiveram progressão mais lenta para
necessidade de cirurgia e menores taxas de admissão
hospitalar por complicações relacionadas à doença
quando comparados àqueles no grupo de tratamento
convencional. Para os demais pacientes, recomenda-se
uma estratégia de tratamento com base em um
monitoramento rigoroso da doença da mucosa e dos
biomarcadores de inflamação¹⁰.

O tratamento da doença de Crohn envolve um regime


de indução e manutenção. A escolha da medicação
depende da gravidade da doença e da resposta a
terapias anteriores. As drogas mais utilizadas na doença
de Crohn são corticosteroides, imunossupressores
(tiopurinas, como azatioprina e mercaptopurina, e
metotrexato), biológicos (anti-TNF, como infliximabe,
adalimumabe e certolizumabe pegol, e moléculas
antiadesão, como vedolizumabe, entre outros). 5-
aminossalicilatos não são efetivos no cenário pré-
operatório e têm baixa eficácia na prevenção da
recorrência pós-operatória. O uso de antibióticos deve
ser restrito à doença de Crohn complicada por fístulas ou
abscessos. Resultados encorajadores obtidos com alguns
antibióticos como rifaximina na doença de Crohn luminal
aguardam confirmação. Probióticos e transplante fecal
não têm papel estabelecido ainda, eles permanecem
uma área de investigação ativa¹⁰.

Tratamento cirúrgico

São candidatos à cirurgia pacientes com doença


refratária ao tratamento clínico, que desenvolvem
complicações (estenoses com obstrução, perfuração
intestinal, abscessos, fístulas, sangramento, displasia ou
câncer), que não toleram terapia médica ou que
apresentam retardo no crescimento e desenvolvimento.
Ocasionalmente, a doença colônica grave em
combinação com sepse perianal, justifica o desvio de
trânsito intestinal temporário através de uma ileostomia
em alça para o controle dos sintomas antes que a terapia
anti-TNF possa ser usada com segurança. A ressecção
ileocólica é o procedimento cirúrgico mais comum
realizado nos pacientes de Crohn11, 12.

Outra situação que pode indicar cirurgia de urgência


em pacientes com doença de Crohn é o megacólon
tóxico. Trata-se de uma condição grave e potencialmente
fatal se não for tratada de forma adequada e em tempo
hábil. Os critérios diagnósticos de megacólon tóxico
incluem11, 12:
Sinais radiológicos de distensão do cólon (no
mínimo 6 cm).
Pelo menos três dos seguintes:

Febre (> 38 °C).


Taquicardia (> 120 bpm).
Leucocitose > 10,5 x 109/L.
Anemia (<10,5 g / dl), m / h).

Pelo menos um dos seguintes:


Desidratação.
Alteração do nível de consciência.
Distúrbios hidroeletrolíticos.
Hipotensão.

Se um paciente apresentar evidência de hemorragia


grave, perfuração intestinal ou choque séptico com
instabilidade sistêmica, a cirurgia deve ser realizada na
emergência assim que o paciente for adequadamente
ressuscitado. Se estas condições não estiverem
presentes, o tratamento clínico agressivo pode ser
iniciado e inclui esforços para ressuscitar o paciente,
incluindo hidratação intravenosa e correção de
anormalidades eletrolíticas e tratamento com corticoides.
Aqueles pacientes que não respondem à terapia
medicamentosa ou apresentam um declínio no seu
estado clínico dentro de 24 a 72 horas após o início do
tratamento, requerem cirurgia de emergência. O atraso
da cirurgia pode levar a consequências graves e maiores
complicações pós-operatórias. O procedimento de
escolha para esses pacientes é a colectomia total com
ileostomia terminal. A proctectomia é evitada na
emergência para diminuir a morbimortalidade do
procedimento, sendo indicada somente em casos de
hemorragia ou perfuração retal10, 11, 12.

Quando há acometimento de intestino delgado pode


haver várias áreas doentes entre áreas normais. O
número de segmentos doentes, assim como a
proximidade entre eles, determinará qual a melhor opção
cirúrgica para tratar o problema. Entre elas estão
ressecção com anastomose primária, estenoplastia ou,
em alguns casos quando há doença distal importante,
desvio proximal. A ressecção com anastomose é uma
opção aceitável se a área a ser ressecada for limitada e o
paciente tiver intestino remanescente suficiente para
evitar síndrome do intestino curto. Outros segmentos do
intestino que necessitariam de ressecção são aqueles
que apresentam perfuração, fístula ou abscesso
associado ou muitas estenoses em um segmento curto
do intestino. A estenoplastia é um método pelo qual uma
estenose pode ser aliviada sem a ressecção dessa porção
do intestino10, 11, 12.
Figura 4 – Estenoplastia pela técnica de Heineke-Mikulicz.

A intervenção cirúrgica para a Doença de Crohn deve


procurar aliviar os sintomas enquanto preserva o
comprimento do intestino delgado sempre que possível.
A decisão de operar deve ser discutida dentro de uma
equipe multidisciplinar e deve incluir exames de imagem
pré-operatórios apropriados, otimização do estado
nutricional e profilaxia de eventos tromboembólicos.
Avanços na cirurgia minimamente invasiva estão sendo
adotados no tratamento da doença de Crohn, permitindo
hospitalizações mais curtas, tempos de recuperação mais
rápidos e melhores resultados cosméticos10, 11, 12.

A cirurgia não cura a doença de Crohn e deve ser


usada de forma restritiva, embora não deva ser
considerada como o último recurso. Em algumas
situações, como a doença ileocecal sintomática
localizada, pode ser considerada uma alternativa
potencial ao tratamento clínico. A cirurgia pode ter um
efeito profundo no bem-estar do paciente, com mais de
90% dos pacientes tendo alívio significativo ou resolução
completa dos sintomas após a cirurgia10, 11, 12.

Tabagismo, um fenótipo penetrante (B3 ou B3p) e


enterectomias prévias aumentam a probabilidade de
recorrência pós-operatória. Até o momento, as tiopurinas
são mais bem estudadas na prevenção de recorrência
pós-operatória, mas dados preliminares também existem
para o infliximabe e estudos adicionais que investigam a
eficácia de outros agentes biológicos para prevenção da
recorrência pós-operatória estão em andamento10, 11, 12.

Doença de Crohn Anorretal

As manifestações comuns da doença de Crohn


anorretal incluem marcas na pele, abscessos, fissuras,
úlceras, fístulas e estenoses. Câncer, adenocarcinoma e
carcinoma espinocelular ocorrem com maior frequência
do que a observada na população geral13, 14.

A avaliação do paciente de Crohn com doença


anorretal geralmente envolve exame sob anestesia e
exames de imagem, como ressonância magnética pélvica
ou ultrassonografia endorretal, além de colonoscopia,
enterografia e estudos laboratoriais13, 14.

Qualquer sepse não drenada deve ser tratada


prontamente. Incisão e drenagem de abscessos e
colocação de drenos ou setons sob anestesia geral são
frequentemente necessários. Uma vez que a sepse tenha
sido controlada, a terapia medicamentosa, que
geralmente inclui antibióticos, imunomoduladores e
biológicos, em combinação ou como agentes únicos, é
geralmente instituída. Os corticoides são ineficazes na
doença de Crohn anorretal e devem ser evitados13, 14.

Na doença de Crohn anorretal, a fístula perianal ocorre


comumente. Fístulas simples podem frequentemente ser
tratadas por fistulotomia aberta. Fístulas complexas são
geralmente tratadas clinicamente com produtos
biológicos, muitas vezes em combinação com
imunomoduladores. O manejo cirúrgico de fístulas
complexas pode incluir seton permanente, cola de
fibrina, plugue de fístula, retalho de avanço endorretal e
procedimento de lidagura do trato interesfinctérico.
Intervenções cirúrgicas devem ser utilizadas
criteriosamente, uma vez que estas implicam em risco de
incontinência e feridas que não cicatrizam. O desvio de
trânsito com estoma temporário para proctectomia com
estoma definitivo são necessários em cerca de 10 a 20%
dos casos13, 14.

Fístulas e estenoses de longa duração devem ser


biopsiadas rotineiramente para excluir degeneração
maligna. O tratamento do carcinoma de canal anal
(adenocarcinomas ou carcinomas espinocelulares),
quando encontrado, é tratado da mesma forma que na
população em geral. A proctocolectomia total é uma
consideração em um paciente com extensa colite de
Crohn de longa duração que tem adenocarcinoma retal13,
14.

Fertilidade e gravidez

As taxas de fertilidade para pacientes em remissão


sem história de cirurgia pélvica são as mesmas que para
a população em geral. Embora não haja risco aumentado
de anomalias congênitas em gestações entre mulheres
com DII, pode haver um aumento do risco de parto
prematuro, baixo peso ao nascer e natimorto. Esses
eventos adversos estão mais associados à doença ativa
e, portanto, controle adequado da doença antes e
durante a gravidez é crucial. A maioria dos
medicamentos, com exceção do metotrexato (que deve
ser interrompido pelo menos 3 meses antes de tentar
engravidar), é considerada segura durante a gravidez e a
amamentação. Biológicos (exceto certolizumab pegol)
cruzam a placenta no início do segundo trimestre, e as
concentrações de drogas em bebês são quatro vezes
maiores que em suas mães. Como as implicações a longo
prazo da exposição a drogas anti-TNF são desconhecidas,
algumas sociedades recomendam a interrupção do
tratamento anti-TNF no final do segundo trimestre para
mulheres em remissão profunda com risco muito baixo
de recidiva, embora essa recomendação seja
controversa. O modo de parto deve ser determinado por
indicações obstétricas e pacientes com doença perianal
ativa devem ser submetidos a cesariana. Bebês nascidos
de mães que foram expostas durante a gravidez a
produtos biológicos não devem receber vacinas de vírus
vivos durante os primeiros 6 meses de vida. Antibióticos,
sulfasalazina e metotrexato são contraindicados durante
a amamentação¹².

Manutenção geral de saúde e seguimento


Pacientes com doença de Crohn requerem seguimento
periódico devido ao risco de exacerbações e
complicações em longo prazo. A cessação do tabagismo
deve ser ativamente aconselhada. Os pacientes devem
receber orientações adequadas sobre vacinação, triagem
de osteoporose e vigilância de câncer ou displasia13, 14.

Quase todos os medicamentos para a doença de


Crohn, pela sua natureza imunossupressora, estão
associados a um risco aumentado de infecções
potencialmente fatais. Atenção especial deve ser dada à
tuberculose, hepatite infecciosa, citomegalovírus ou
infecção por HIV e Clostridium difficile. Pacientes com
doença de Crohn devem ser encorajados a completar a
vacinação antes de iniciar terapia medicamentosa com
imunossupressores13, 14.

Mulheres com doença de Crohn podem ter um risco


maior de um exame de Papanicolaou anormal em
comparação com controles saudáveis e aqueles que
usam imunomoduladores têm um risco maior de um
exame de Papanicolau anormal associado à infecção pelo
HPV e precisam de rastreamento rigoroso do câncer
cervical13, 14.

Pacientes com doença de Crohn têm risco de


desenvolver câncer de intestino delgado colorretal. O
risco é ainda maior com história familiar de câncer
colorretal esporádico, doença não controlada, cólon
encurtado e múltiplos pseudopólipos. Se mais de um
terço do cólon é afetado (L3) os pacientes devem ser
incluídos em um programa de vigilância oito anos após o
início dos sintomas. As colonoscopias devem ser feitas
idealmente em remissão a cada 1 a 2 anos e, se normais,
a cada 1 a 3 anos a partir de então. Após 20 anos, a
frequência de rastreamento é padronizada para o
cronograma inicial. Pacientes com colangite esclerosante
primária têm maior risco para câncer de cólon direito e
devem passar por uma triagem anual13, 14.

As tiopurinas e os anti-TNF são independentemente


associados ao desenvolvimento de linfomas. As
tiopurinas aumentam a sensibilidade da pele para a
radiação UVA, o que tem sido associado a um aumento
do risco de câncer de pele não melanoma na doença de
Crohn e requer proteção contra raios UVA e vigilância
dermatológica vitalícia13, 14.

Pontos Importantes
A doença de Crohn é uma doença inflamatória
intestinal crônica incurável, de causa desconhecida,
que afeta principalmente o íleo terminal e o cólon;
no entanto, pode envolver todas as porções do trato
gastrointestinal. Estima-se que o envolvimento
anorretal ocorra em 25 a 35% dos casos.
A doença de Crohn é classificada por idade no
momento do diagnóstico, localização da doença e
comportamento da doença.

A terapia medicamentosa (por exemplo, compostos


5-aminossalicilato, glicocorticoides,
imunomoduladores e agentes biológicos) deve ser
abordada de uma forma “step-up” ou “top-down”
para equilibrar a eficácia e a toxicidade.

Compostos de 5-aminossalicilato são de valor


limitado na indução e manutenção da remissão.

Os glicocorticoides podem induzir com sucesso a


remissão, mas os efeitos adversos de curto e longo
prazo limitam amplamente seu uso ao tratamento
de episódios agudos.
Os imunomoduladores são de uso limitado para
indução de remissão, mas mantêm com sucesso a
remissão em muitos pacientes.

Agentes biológicos podem induzir e manter a


remissão em pacientes com doença moderada a
grave, mas a eficácia e a segurança variam entre os
diferentes medicamentos.
A cirurgia é utilizada no tratamento da doença de
Crohn quando a terapia médica não consegue
controlar a doença ou quando há complicações da
doença (obstrução, perfuração, fistulização,
sangramento).
A intervenção cirúrgica para a Doença de Crohn
deve procurar aliviar os sintomas enquanto preserva
o comprimento do intestino delgado sempre que
possível.
Ressecção ileocólica é o procedimento cirúrgico
mais comum realizado nos pacientes de Crohn.

A avaliação pré-operatória, incluindo imagens


apropriadas, avaliação nutricional, bem como a
consideração dos medicamentos e comorbidades
atuais, terão um papel fundamental no
planejamento cirúrgico e no potencial resultado
cirúrgico.
A profilaxia da doença após a cirurgia deve ser
individualizada de acordo com o risco de recidiva do
paciente.

Na doença de Crohn perianal, qualquer sepse não


drenada deve ser tratada prontamente. Incisão e
drenagem de abscessos e colocação de drenos ou
setons sob anestesia geral são frequentemente
necessários.

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situations. J Crohn’s Colitis; 2017; 11: 135–49.
Caso 16 | Hérnia Inguinal
E Femural
Autor: André Luiz Gioia Morrell
Orientador: Lucas Cata Preta Stolzemburg

História Clínica
R. F. P., 53 anos, sexo masculino, casado, pedreiro,
branco, natural e residente em São Paulo, deu entrada
em unidade de pronto-socorro por desconforto abdominal
e abaulamento em região da virilha esquerda há 9 horas.
O mesmo refere já ter apresentado quadros de dor
semelhantes no local, principalmente associado às
atividades de trabalho, no entanto, na maioria das vezes,
com cessação da dor espontaneamente. Agora mantém
quadro de dor desde o início da manhã, com um
abaulamento no lugar, que não teve melhora e não
desapareceu. Nega náusea ou vômitos ou calafrios.
Desde ontem nega ter evacuado ou eliminado flatos. Fez
uso de medicação para alívio da dor em casa ao acordar,
sem sucesso, por esse motivo veio procurar auxílio
médico ao fim do expediente do trabalho. Alega
antecedentes pessoais de hipertensão arterial sistêmica,
com controle medicamentoso regular, nega DM.
Tabagista, com volume de 1 maço de cigarro por dia,
desde os 23 anos. Desconhece alergias. Submetido a
cirurgia de correção de fratura em perna D por acidente
de moto aos 19 anos. Pai faleceu por infarto fulminante
aos 76 anos, desconhece histórico de saúde da mãe.

Exame Físico De Admissão


Exame físico: Bom estado geral, orientado em
tempo e espaço, lúcido, comunicante. Mucosas
coradas, hidratado anictérico, acianótico, afebril.

Sinais vitais: PA 132x74, FC 108 bpm, FR 17, SatO₂%


97%, T 36,4°.

Abdome normotenso, globoso ruídos hidroaéreos


presentes, percussão timpânica, sem alterações à
palpação superficial, indolor a palpação profunda,
sem descompressão brusca em topografias de fossa
ilíaca esquerda. Giordano negativo.
Região inguinal direita sem abaulamento a
manobras de aumento de pressão intra-abdominal,
em pé ou deitado. Topografia inguinoscrotal
esquerda com abaulamento e endurecimento em
local acima da projeção retilínea da espinha ilíaca
anterosuperior ao púbis, doloroso a palpação e sem
eritema ou rubor local (Figura 1).
Figura 1
Prosseguimento Do Caso
Após avaliação do profissional no primeiro
atendimento, foi então obtido um acesso venoso
periférico para analgesia endovenosa e solicitado
exames laboratoriais e um exame de tomografia da
região abdominal, seguido de avaliação do cirurgião.

Exames complementares

Exames laboratoriais

Hb 13,8 g/dL (12,0 a 15,5).

Ht 32,3% (35 a 45%).

HCM 31,2 pg (26 a 34).

VCM 93,1 fL (82,0 a 98,0).

CHCM 32,9 g/dL (31,0 a 36,0).

Leucócitos 9.270 (3.500 a 10.500).

Plaquetas 239.000 (150.000 a 450.000).

PCR 29 (menor que 1,0).

Ureia 49 (10 a 50).

Creatinina 0,83 (0,60 – 1,10).


Potássio 3,9 (3,5 a 4,5).

Sódio 142 (135 – 145).

INR 0,83 (menor que 1,2).


PTT 2,3 (1,7 a 3,5 s).

Veja as imagens do exame de TC de abdome e pelve


solicitado pelo colega do primeiro atendimento.
Figura 2

Laudo: Identificada hérnia inguinal no lado esquerdo,


sem sinais de isquemia ou estrangulamento de alças.
Ausência de pneumoperitonio na cavidade. Apêndice
cecal de dimensões preservadas. Fígado homogêneo
com dimensões normais. Vesícula biliar e vias biliares de
aspecto usual. Pâncreas homogêneo com dimensões
normais. Rins de dimensões e espessura normais sem
cálculos ou hidronefrose (Figura 2).

Hipótese Diagnóstica

Hérnia inguinal esquerda encarcerada.


Paciente respondeu às medidas iniciais, com melhora
parcial da dor no local, estável, no entanto mantendo
ainda o abaulamento na região inguinal, sem apresentar
flatos ou evacuação. Avaliado pelo cirurgião, que optou
por tratamento cirúrgico do caso através de correção
laparoscópica transabdominal preperitoneal.

Conforme evolução, o mesmo teve pós-operatório em


leito de enfermaria, com melhora do quadro álgico,
retorno do hábito intestinal no primeiro dia após a
cirurgia. No 2º dia de recuperação, manteve boa
aceitação de dieta, sem alterações do sítio cirúrgico, sem
abaulamento, dor, secreção ou flogismo local, recebendo,
assim, alta hospitalar.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Pela história referida e exame clínico, qual é a


provável doença do paciente?

2. Pela história citada, poderia haver algum fator de


risco desencadeante ou predisponente para essa
patologia?

3. Quais são as complicações possíveis dessa doença


caso haja retardo na procura por atendimento
médico?

4. Há necessidade de exame de imagem


complementar para o diagnóstico e conduta do
caso?

5. Quais são as opções de tratamentos cirúrgicos no


caso em questão?
6. Quais complicações cirúrgicas podem ocorrer no
pós-operatório?

Discussão

Introdução

Uma hérnia é uma protrusão ou projeção de um órgão


ou parte dele através da parede ou cavidade do corpo
que normalmente o contém1. As hérnias da parede
abdominal são tipicamente classificadas por sua
localização, podendo se apresentar em diversas
topografias, ou a depender de sua etiologia. O
conhecimento amplo da anatomia da parede abdominal
se faz necessário para melhor entendimento delas, suas
repercussões e tratamentos.

Através da fusão de camadas sobrepostas de


músculos e tecidos conectivos, a parede abdominal é
formada para conter e proteger os órgãos.
Especificamente na região inguinal, algumas dessas
estruturas são de maior relevância. Na parte anterior do
abdome, temos os dois pilares centrais dos músculos
retos abdominais, que se fundem na linha média para
formar a linha alba, e, lateralmente, eles se conectam
com uma camada tripla de músculos planos, sendo eles
os músculos oblíquo externo, oblíquo interno e
transverso do abdome. Cada músculo reto é envolvido
por uma bainha do reto composta de fibras da
aponeurose dos músculos planos laterais, cuja
composição muda a depender da localização no abdome.
Ainda, temos estruturas ligamentares, neurovasculares e
fasciais que complementam a composição da região².

Em uma secção transversal da região inguinal,


teremos idealmente nove estruturas/camadas até o
acesso à cavidade, dependendo da altura da secção,
sendo estas ordenadas na sequência externa-
internamente:

pele;

fáscia de camper;
fáscia de scarpa;
músculo oblíquo externo;

músculo oblíquo interno;


músculo transverso do abdome;

fáscia transversalis;
tecido gorduroso pré-peritoneal;

peritôneo.
Anatomia inguinal

O ligamento inguinal percorre o trajeto entre o


tubérculo púbico e a espinha ilíaca anterosuperior,
girando superiormente, formando uma borda nessa
topografia. É o limite caudal da aponeurose oblíqua
externa. Medialmente, ele contempla o ligamento
lacunar, que se insere no púbis e percorre medial e
superiormente em direção à linha média do abdome. A
aponeurose oblíqua externa tem uma abertura triangular
com ápice superior, através da qual o cordão entra no
canal inguinal, sendo este o anel inguinal externo.

O músculo transverso do abdome possui um arco


aponeurótico que se insere inferiormente no ligamento
de Cooper (pectíneo) e contribui para a bainha do reto
anterior medialmente. Uma banda aponeurótica da
porção caudal do transverso abdominal origina o trato
iliopúbico².

O anel interno é delimitado pela fáscia transversalis


circunferencial e profunda, o arco dos músculos oblíquo
interno e transverso do abdome superomedialmente e o
trato iliopúbico inferolateralmente. A aponeurose do
músculo transverso e a fáscia transversal se combinam
para fazer o assoalho do canal inguinal, sendo a
aponeurose oblíqua externa limite anterior e o ligamento
inguinal inferior1,2.
Os vasos ilíacos externos passam abaixo do ligamento
inguinal e do trato iliopúbico, mas anterior ao ligamento
pectíneo para entrar na bainha femoral. O canal femoral
é limitado lateralmente pela veia femoral e a margem
medial é a inserção da aponeurose do transverso
abdominal e a fáscia transversalis1,2.

A artéria epigástrica inferior, que se origina da artéria


ilíaca externa e cursa com a veia acompanhante
verticalmente na gordura pré-peritoneal, é o ponto
anatômico que diferencia as hérnias inguinais indiretas
das hérnias inguinais diretas. As hérnias que estejam
superolaterais aos vasos epigástricos inferiores são
hérnias inguinais indiretas, enquanto as apresentadas
inferomedialmente a esses vasos são as hérnias inguinais
diretas1,2.

O triângulo de Hesselbach tem como limite na borda


superolateral os vasos epigástricos inferiores,
inferiormente o ligamento inguinal, e medialmente a
bainha do músculo reto abdominal. Esse local
corresponde a região de maior fraqueza na parede
anterior abdominal, correspondendo a formação das
hérnias inguinais diretas2,4.

Os nervos ílio-hipogástrico e ilioinguinal têm sua


origem predominantemente na primeira raiz nervosa
lombar, e ainda têm contribuições da 12ª raiz torácica.
Eles atravessam o músculo transverso do abdome, sendo
profundo ao músculo oblíquo interno e próximo à espinha
ilíaca anterosuperior, e então se tornam superficiais logo
abaixo da aponeurose oblíqua externa. O nervo
ilioinguinal, que se responsabiliza por parte sensorial do
púbis e escroto, direciona-se então anteriormente ao
cordão espermático para dentro do canal inguinal
enquanto o ramo genital do nervo genitofemoral, que
surge da primeira e segunda raízes nervosas lombares,
torna-se superficial próximo do anel interno para fornecer
fibras motoras do músculo cremaster e sensoriais para a
região da bolsa escrotal além da região medial da parte
superior da coxa2,3.

Embriologia

A formação do canal inguinal nos homens ocorre


concomitantemente com a descida testicular antes do
nascimento. Os testículos se originam na cavidade
abdominal posterior e, através de estímulos durante a
gestação, descendem e finalmente residem na cavidade
escrotal. A descida do testículo cria uma fraqueza
inerente na parede abdominal no canal inguinal. Essa
fraqueza é de extrema importância no desenvolvimento
de hérnias inguinais. Uma hérnia inguinal indireta se
forma como resultado do fracasso da obliteração do
processo vaginal².

Epidemiologia
A prevalência de hérnias inguinais é estimada entre 5-
10% na população americana. São mais comuns em
homens comparando-se às mulheres, sendo eles oito
vezes mais propensos a desenvolver uma hérnia e com
20 vezes mais probabilidade de precisar de um reparo de
hérnia em comparação ao sexo feminino¹. A idade de
maior relevância na apresentação é na 6ª década de vida
entre mulheres, em comparação à 5ª década de vida nos
homens. Estima-se, ainda, que mais de 90% das hérnias
na topografia da virilha sejam inguinais, sendo menos de
10% ditas femorais¹.

Fisiopatologia

As hérnias inguinais são divididas entre hérnias


inguinais diretas e hérnias inguinais indiretas. A hérnia
inguinal indireta se forma como resultado da não
obliteração completa do processo vaginal (ou conduto
peritônio-vaginalis). Quando este permanece aberto,
abre-se a opção da herniação pelo canal inguinal.
Espacialmente, a origem da hérnia indireta fica lateral
aos vasos epigástricos inferiores. Ela passa através do
anel inguinal profundo (interno) e pode atravessar todo o
canal inguinal, saindo pelo anel externo e adentrar até na
bolsa escrotal, dependendo da patência do conduto1,2.

O outro tipo de hérnia inguinal é a hérnia direta. Ela se


forma como resultado do enfraquecimento da parede
posterior do canal inguinal, mais especificamente dentro
de uma região chamada “triângulo de Hesselbach”. É
definido medialmente pelo músculo reto abdominal,
lateralmente pelos vasos epigástricos, e inferiormente
pelo ligamento inguinal ou trato iliopúbico na visão
posterior⁴.

Condições que causam o aumento da pressão


abdominal são as que aumentam a probabilidade de
formação direta de hérnia, além da fragilidade inerente
da parede abdominal no local⁷. Sendo assim, ela se
projeta medialmente aos vasos epigástricos inferiores.

Figura 3

Os fatores de risco associados ao aparecimento de


hérnias inguinais são:

idade avançada;
sexo masculino;

caucasiano;
tosse crônica;

constipação crônica;
hiperplasia prostática benigna;
tabagismo.

As hérnias femorais, no entanto, apesar da


proximidade com as inguinais, ocorrem decorrente de um
defeito natural do corpo, sendo ele abaixo da projeção do
ligamento inguinal entre o púbis, a espinha ilíaca
anterosuperior. O conteúdo herniário projeta-se pelo anel
femoral, delimitado anteriormente pelo ligamento
inguinal, medialmente pelo ligamento lacunar,
posteriormente pelo ligamento iliopectíneo (Cooper), e
lateralmente pela veia femoral.

Elas são relativamente incomuns, e estima-se que são


responsáveis por 2-3% de todas as hérnias, mais
propensas de ocorrer em mulheres (cerca de 70%) do
que em homens¹. Seu diagnóstico clínico pode não ser
tão simples, e, não raramente, é confundida com as
hérnias inguinais.

Quadro clínico

As hérnias inguinais quando pequenas podem ser


indolores e não causam sintomas, no entanto, muitas
vezes há procura por auxílio médico se há algum sinal de
hérnia ou sintoma. Dentre eles, temos:
Dor ou incômodo na região inguinal na
movimentação ou esforço físico.
Protuberância ou abaulamento que desaparece no
decúbito e piora em situações de aumento de
pressão abdominal.
Aumento ou inchaço na região testicular na
população masculina.

Menos frequentes, a depender do tamanho da hérnia


e de seu conteúdo, complicações também podem estar
presentes, sendo elas o encarceramento e o
estrangulamento. Essas complicações podem ocasionar
quadros desde suboclusão ou obstrução intestinal,
podendo evoluir com necrose e perfuração, chegando a
um quadro de sepse e até mesmo óbito. Os principais
fatores de risco associados às complicações e
necessidade cirúrgica são a idade avançada, hérnia
femoral e a hérnia é recorrente.

O exame físico de um paciente com suspeita de


hérnia deve ser feito com ele em pé e deitado, para
idealmente ocasionar um fenômeno de maior pressão
abdominal e verificar com mais acurácia a existência da
patologia. Na população masculina, pode-se usar o dedo
indicador colocando-o na base do escroto e empurrando
em direção ao tubérculo púbico, esperando sentir uma
pressão no dedo ao realizar o esforço. Caso o saco
herniário tocar o dorso do dedo do examinador, têm-se
uma hérnia direta, ao passo que se a pressão é sentida
na ponta do dedo, têm-se uma hérnia indireta. Apesar de
descrito nos livros, essa diferenciação pré-operatória em
hérnia inguinal direta ou indireta tem pouca implicação
prática no manejo dessa patologia.

Em casos de hérnia encarcerada ou estrangulada a


dor à palpação local é frequente, podendo ter eritema ou
calor local nos casos de estrangulamento principalmente.
A demora na resolução do quadro pode ocasionar a
necrose e perfuração intestinal do conteúdo herniado,
gerando um peritonite que pode ser local ou
generalizada.

Diagnóstico

Na contramão das tendências atuais da medicina


repleta de exames, as hérnias inguinais ainda são
majoritariamente de diagnóstico clínico, baseado na
história clínica referida e exame físico do paciente. Em
casos de dúvida diagnóstica, ou pacientes obesos,
exames de imagem podem servir de auxílio além de
diferenciar a queixa de outros diagnósticos.

Dentre possíveis diagnósticos diferenciais de hérnias


inguinais, temos:

hérnia femoral;
torção testicular;
epididimite;
hidrocele;
testículo ectópico;

tumor testicular.

Exames complementares

Os exames complementares nos casos de hérnias


inguinais acabam tendo sua aplicação mais direcionada.
Como já dito, em sua grande maioria, o diagnóstico é
feito de forma clínica, como a história referida e um
exame físico minucioso. Dentre os exames mais
importantes utilizados para o auxílio diagnóstico estão a
ultrassonografia da região inguinal e a tomografia
computadorizada da região abdominal e pélvica.

Quando não há suspeita de complicações intra-


abdominais, como isquemia ou perfuração, o exame de
ultrassonografia da região inguinal serve de recurso
diagnóstico inicial, sendo mais barato e menos invasivo.
Ela elucida na diferenciação de massas na virilha ou
parede abdominal, avalia quanto a fontes de edema
testicular no sexo masculino, e nos pacientes com
suspeita de doença incipiente com sintomas típicos.

A tomografia computadorizada da região abdominal e


pélvica é útil em casos de pacientes obesos e de difícil
confiabilidade no exame físico, além de avaliação
importante do conteúdo intra-abdominal na suspeita de
complicação de um encarceramento ou estrangulamento
que não tenha sido confirmado no exame físico
convencional. O exame também tem papel importante
no auxílio diagnóstico frente a outros tipos de hérnia que
possam cursar com queixas parecidas, como hérnias
obturadoras, femorais ou hérnia de Spiegel.

Figura 4 –Tomografia de abdome com achado de hérnia inguinal esquerda.


Figura 5 –Ultrassonografia da região inguinal esquerda evidenciando uma
hérnia inguinal à manobra de esforço (Valsalva).

Figura 6 – Ultrassonografia da região inguinal direita evidenciando uma


hérnia inguinal.

Tratamento
O tratamento definitivo das hérnias inguinais é
cirúrgico, podendo ocorrer de forma eletiva ou na
urgência em ambiente de pronto-socorro.

Frente a alguns casos de urgência, pode-se optar pela


correção cirúrgica imediata ou redução da mesma. A
redução do conteúdo herniário como ponte terapêutica
em ambientes de pronto-socorro restringe-se a um grupo
bem selecionado de pacientes em que já foram
descartadas preocupações com a possibilidade de um
intestino estrangulado ou paciente séptico. Ao tentar a
redução da hérnia, o primeiro passo é providenciar uma
sedação ou analgesia adequada para evitar esforço e dor.
A pressão pura e simples sobre o saco distal tende a não
ser eficiente. A presença de dor abdominal após a
redução considerada bem-sucedida, pode indicar uma
hérnia estrangulada, necessitando de avaliação
minuciosa e rápida do caso.

O relato clínico e cirúrgico das hérnias é datado desde


o Egito Antigo, no Papyrus Ebers. Um dos primeiros
retratos disseminado e replicado do tratamento das
hérnias inguinais foi descrito por Edoardo Bassini, no
século XIX. A partir daí, uma revolução na busca dos
melhores resultados pelo reparo cirúrgico das hérnias
ocorreu, gerando debates e aprimoramento até os dias
de hoje.
Os fundamentos da correção das hérnias inguinais são
basicamente os mesmos, independentemente da idade
na apresentação. Redução ou excisão do saco e
fechamento do defeito da parede com tensão mínima ou
sem tensão são os passos essenciais. Se o tecido for
suficientemente atenuado de modo a impedir o
cumprimento desses preceitos, muitas técnicas
envolvendo a liberação de tensão por retalhos, materiais
protéticos ou uma simples incisão relaxadora no tecido
adjacente foram descritas para sua adequação a tais
requisitos.

Entre as técnicas de reparo anterior, temos


principalmente as descritas por Bassini, Shouldice, McVay
e Lichtenstein. A cirurgia de Bassini baseia-se na
aproximação do tendão conjunto dos músculos oblíquo
interno e transverso do abdômen e a fáscia transversalis
junto ao trato iliopúbico e ligamento inguinal. Edoardo
acreditava que apenas a reconstrução completa da
anatomia regional seria efetivo para o tratamento. A
técnica Shouldice, assim como a de Bassini, não utilizava
material protésico, e foi descrita como sendo um reparo
de quatro camadas sobrepostas, com duas camadas de
suturas, unindo-as. O reparo de McVay tem o tendão
conjunto, já citado anteriormente, suturado ao ligamento
de Cooper e assim cobrindo também a zona de
acometimento das hérnias femorais.
Diferente dos demais, Irving Lichtenstein, de 1986 em
diante, descreve o uso de material protético no auxílio do
tratamento das hérnias inguinais de forma mais
expressiva. Destacou-se por uma técnica idealmente sem
ou de mínima tensão das estruturas, com replicabilidade
e bons resultados, diminuindo as taxas de recidiva da
doença. Sua abordagem técnica inclui a colocação de
uma prótese nas bordas do defeito ou fraqueza na
parede posterior do canal inguinal, criando um anel
interno artificial e fixando-a no púbis, ligamento inguinal
e borda lateral do músculo reto abdominal e tendão
conjunto do oblíquo interno e transverso, a fim de
recobrir toda a superfície de fragilidade da parede
abdominal das hérnias inguinais⁶.

Essas técnicas de reparo anterior são hoje mais


comumente reproduzidas sob forma de anestesia geral
ou regional com bloqueio do neuroeixo (raquianestesia
ou peridural), no entanto, suas descrições foram feitas
sob anestesia local através de bloqueio de nervos
periféricos.

Para um reparo cirúrgico de hérnia inguinal com


anestesia local associado ou não a uma sedação pré-
operatória, se faz necessário o conhecimento das
estruturas nervosas essenciais da região, inervada pelos
ramos do plexo lombar (T12 a L3). Destacam-se:
Nervo ílio-hipogástrico: origina-se em L1, percorre e
perfura o músculo transverso do abdome, e divide-se em
dois ramos, um lateral inervando a nádega, e outro
anterior, atravessando o músculo oblíquo interno
próximo à espinha ilíaca anterosuperior. Percorre ainda
perfurando o oblíquo externo por cima do orifício inguinal
externo.

Nervo ilioinguinal: também originário de L1, anda


abaixo do ílio-hipogástrico paralelamente. Na altura da
espinha ilíaca anterosuperior, perfura ambos transverso
e oblíquo interno, percorrendo junto do cordão
espermático até sua saída no anel inguinal externo.

Nervo genitofemoral: originário de L2, anda


medialmente ao psoas, gerando dois ramos, sendo o
genital, que entra no orifício inguinal interno e o outro
femoral.

Na técnica anestésica, bloqueia-se o campo inguinal e


infiltra-se o local da incisão. No bloqueio do campo, deve-
se primeiro localizar a espinha ilíaca anterosuperior e
fazer uma punção de 2 cm inferomedialmente,
direcionando posterocaudal a 45 graus com a pele a fim
de atingir o músculo iliopsoas, recuando cerca de 1 cm e
promovendo a infiltração em leque no local, alcançando
a região proximal dos nervos ílio-hipogástrico e
ilioinguinal. Pode-se também realizar o bloqueio do ramo
genital do nervo genitofemoral com realização de outro
leque na região justapública.

Outra forma de abordagem convencional das hérnias


inguinais é pelo acesso posterior, sendo chamado
também de acesso pré-peritoneal⁸. Descritas por Nyhus e
Renee Stoppa, são opções que tendem a ser mais
indicadas em casos de hérnias recidivadas que já foram
tratadas inicialmente pela via anterior ou hérnias
encarceradas grandes. Nessas abordagens, utiliza-se um
material protésico recobrindo toda a região suscetível à
origem das hérnias inguinofemorais uni ou
bilateralmente. As vantagens de sua utilização em uma
hérnia recidivada são a diminuição de chances de lesão,
elementos do cordão e estruturas nervosas, as quais em
uma reoperação pela via anterior podem levar à dor
crônica, atrofia testicular ou até infertilidade. Maior
tempo cirúrgico, longo tempo de internação, necessidade
maior de conhecimento anatômico e familiaridade com a
região são desvantagens do procedimento.

Mais atual e ganhando enorme importância nos


últimos anos, as técnicas laparoscópicas estão sendo
cada vez mais usadas no reparo tanto de hérnias
primárias quanto de recidivadas. O entendimento
anatômico da visão posterior da parede abdominal é
mandatório para bons resultados cirúrgicos e
procedimentos seguros. Tem-se a opção da abordagem
transabdominal pré-peritoneal (TAPP), na qual se adentra
a cavidade peritoneal e realiza-se a abertura de um flap
peritoneal para acesso ao espaço pré-peritoneal, ou a
totalmente extraperitoneal (TEP), a qual não agride o
peritônio, permanecendo virgem essa cavidade no ato
cirúrgico⁵.

Indicações com melhor adequação para uma


abordagem transabdominal pré-peritoneal são:

Hérnias inguinais bilaterais.


Unilaterais com alta suspeição para lesão bilateral.

Hérnia recidivada por reparo anterior.

Hérnias inguinoescrotais.
Hérnias encarceradas.

Reparo inguinal com outro procedimento


laparoscópico concomitante.

Possíveis contraindicações relativas a essa técnica


são:

Pacientes de baixa tolerância ao pneumoperitônio.

Cirurgia pélvica prévia ou irradiação local.

Nesta técnica, o ligamento umbilical medial, os vasos


epigástricos inferiores, o anel inguinal interno, o canal
deferente e os vasos gonadais, ou ligamento redondo,
são marcos anatômicos de extrema importância, pois são
estruturas que ditam os passos cirúrgicos e suas
referências evitam catástrofes operatórias desde
recidiva, dor crônica até sangramentos fervorosos que
podem levar a óbito⁵.

Na técnica totalmente pré-peritoneal, a melhor


indicação é:

Hérnia inguinal recidiva em paciente com cirurgia


peritoneal em topografia do abdome inferior.

Possíveis contraindicações:

Cirurgia prévia de próstata ou bexiga.


Trauma pélvico prévio com lesão extraperitoneal.

Bypass vascular ilíaco.

Na dissecção pré-peritoneal, a sínfise púbica, trato


iliopúbico, ligamento de Cooper, canal femoral e, por
consequência, a exposição completa do orifício
miopectíneo de Fruchaud são estruturas de identificação
importante no ato cirúrgico. A entrada no espaço pré-
peritoneal se faz com incisão da pele e dissecção da
gordura subcutânea com identificação da bainha anterior
do músculo reto abdominal do lado herniário. Essa
bainha é incisada e as fibras musculares separadas até
exposta a bainha posterior, que serve de reparo para o
acesso ao plano de dissecção gasosa do espaço pré-
peritoneal.
Figura 7 – Região inguinal esquerda, visão posterior.

Figura 8
Figura 9

Pontos Importantes
As hérnias inguinais e femorais são comuns e
muitas vezes responsáveis por quadros de
desconforto e dor, com prejuízo e limitação das
atividades laborativas.
O diagnóstico é eminentemente clínico durante o
exame físico minucioso.

Exames complementares, como ultrassonografia e


tomografia computadorizada, podem ajudar em
casos duvidosos e no diagnóstico diferencial.
As hérnias podem evoluir com complicações agudas
potencialmente graves, como encarceramento e
estrangulamento.

Hérnias complicadas com


encarceramento/estrangulamento demandam
avaliação imediata e tratamento cirúrgico de
urgência.
O uso de telas sintéticas no reparo cirúrgico das
hérnias inguinais e femorais reduzem
substancialmente as taxas de recidivas quando
usadas com a técnica adequada, sendo, portanto, a
opção de escolha.

As principais técnicas abertas para o tratamento das


hérnias da região inguinal são a técnica de
Lichtenstein (tela anterior) e Rives-Stoppa (tela pré-
peritoneal, posterior).
As principais técnicas minimamente invasivas para
o tratamento das hérnias da região inguinal são a
TAPP (transabdominal) e TEP (extraperitoneal).
Ambas podem ser realizadas por via laparoscópica
ou robótica.

Referências
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Groin Hernia Management. Hernia. 2018
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4. Heitor FXC. Atlas de cirurgia da hérnia inguinal. Rio


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7. Rosemar A, Angerås U, Rosengren A, Nordin P. Effect
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Groin. The Anterior (Mahorner-Goss, Rives-Stoppa)
Approach. Surg Clin North Am. 1993 Jun;73(3):545-
55.
Caso 17 | Hérnia
Incisional
Autores: Henrique Simonsen Lunardelli e Rafael Magalhães Jeuken
Orientador: Jeammy Andrea Perez Parra

História Clínica
M.A.B.G., 63 anos, sexo feminino, casada, multípara,
faxineira, natural e residente de São Paulo, procurou o
pronto-socorro com queixa de dor abdominal e vômitos
há 2 dias. Refere dor intensa em região epigástrica,
intensidade 8 em 10, que piora com manobras de
Valsalva. Refere dois episódios de vômitos de conteúdo
alimentar associados à parada de eliminação de fezes e
flatos, além de hiperemia, calor e rubor em região
epigástrica.

Refere múltiplas idas a serviços de saúde por dor na


mesma região após esforços físicos, sempre recebendo
medicação sintomática e alta com orientações. Relata
constipação crônica, em uso de laxante.

Antecedentes pessoais: DPOC e HAS, em uso de


inaladores e losartana 50mg 1x ao dia; nega
antecedentes familiares, refere ter sido submetida à
laparotomia exploradora por trauma há 5 anos.
Exame Físico
Sinais vitais: PA 140x90, FC 95 bpm, FR 17,
Saturação de O₂% 96%.

Em regular estado geral, corada e desidratada


+/4+, acianótica e anictérica, fácies de dor.

Cardiovascular: sem alterações


Pulmonar: sem alterações

Abdome: Globoso, RHA +, em local de incisão prévia


em região epigástrica é visualizado abaulamento de
aproximadamente 5x5x3 centímetros, doloroso à
palpação, irredutível. Aumento de dor com manobra
de Valsalva, pele com hiperemia e calor local.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Paciente submetida à hidratação endovenosa,
analgesia, realização de exames laboratoriais e de
imagem.

Realizada passagem de sonda nasogástrica, com


débito de 500 ml de aspecto bilioso.

Exames Complementares
Laboratoriais: Hemoglobina 14,8; Hematócrito 43;
Leucócitos 12.508; Plaquetas 158; Ureia 50 Creatinina
1,5; TGO 33; TGP 23; Lipase 33; Amilase 90; Glicose 95.

Urina 1: Leucócitos < 10.000; Eritrócitos < 10.000;


Nitrito negativo; bactérias ausentes.

Tomografia computadorizada de abdome


Figuras 1 e 2

Laudo: Hérnia incisional na região epigástrica da


parede abdominal anterior com colo de 3,0 cm, com
alças de delgado e líquido livre, destacando-se alça
jejunal com menor realce e discreto espessamento de
suas paredes, que sugere sofrimento de alça (Figuras 1 e
2).

Sonda nasogástrica.

Hipótese Diagnóstica

Hérnia Incisional encarcerada


Optado por tratamento cirúrgico com laparotomia
exploradora, ressecção do saco herniário, lise de
aderências e redução do conteúdo herniário, fechamento
da parede abdominal e colocação de tela em posição pré-
aponeurótica, onlay. Não foi necessária a ressecção de
alças intestinais. Paciente evoluiu bem no pós-operatório,
recebendo alta no sétimo dia pós-operatório em bom
estado geral, com seguimento ambulatorial.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Quais são os fatores de risco e a fisiopatogenia da


doença apresentada?

2. Como é feito o diagnóstico e qual o tratamento de


eleição?

3. Por quais motivos os pacientes podem procurar o


pronto-socorro? Quais são as complicações desta
doença?

4. Qual é o melhor momento para se operar a


paciente? Quais são os tipos de reconstrução do
defeito?

Discussão

Conceitos
Hérnia é definida como uma protrusão anormal de um
órgão ou tecido por um defeito em suas paredes
circundantes. Mais comuns em regiões da parede
abdominal, principalmente em locais de fraqueza, podem
ser congênitas ou adquiridas. As hérnias incisionais
ocorrem por tensão excessiva e cicatrização inadequada
de uma incisão prévia. Problema importante de saúde, o
qual acarreta morbidade, perda de qualidade de vida e
abstenção ocupacional, seu tratamento é cirúrgico para
reconstrução do defeito, geralmente utilizando-se de
uma tela.14,15

É importante entender que a hérnia incisional é uma


doença crônica, inicialmente oligossintomática, porém
que pode evoluir para dor crônica, abdômen agudo
obstrutivo, abdome agudo inflamatório, encarceramento,
estrangulamento e hérnias com perda de domicílio.1

Epidemiologia

As hérnias incisionais respondem por 15% a 20% de


todas as hérnias da parede abdominal. Ocorrem em 11%
das cirurgias abdominais. Duas vezes mais comuns em
mulheres do que em homens. Para que ela ocorra, por
definição, é necessário o paciente ter sido submetido a
uma cirurgia prévia de parede abdominal. O principal
fator influenciador de hérnia incisional é a infecção do
sítio cirúrgico.1,3
Patogênese

Causada por uma fraqueza na parede abdominal, a


hérnia incisional, por definição, deve ocorrer em local de
incisão prévia. Há uma protrusão de fáscia transversalis,
peritônio e conteúdo abdominal para fora da aponeurose
e da incisão prévia, formando um anel herniário
característico, por influência desta fraqueza na parede e
pelo aumento da pressão intra-abdominal. O meso se
alonga e se espessa devido à dificuldade de retorno
venoso e linfático pela compressão da aponeurose e
musculatura da parede. Essas alterações causam
dilatação crônica das estruturas intestinais e, então,
expansão do saco herniário. Com esse aumento, a
reintrodução das estruturas para a cavidade abdominal
fica cada vez mais difícil.2,3

Fatores de Risco

Entendendo-se a fisiopatologia da hérnia incisional, a


identificação de fatores de risco para a doença se torna
mais fácil e compreensível. São dois grandes grupos de
fatores que influenciam a gênese de tais hérnias.1,15

Fatores que enfraquecem a parede abdominal de


diferentes maneiras vão facilitar a extrusão do conteúdo
abdominal para fora da aponeurose. Alguns exemplos
são: infecção de ferida operatória, desnutrição,
tabagismo, obesidade, diabetes, deficiências vitamínicas,
idade avançada e doenças do colágeno.15

Fatores que aumentam a pressão intra-abdominal vão


acarretar maior força, empurrando o conteúdo abdominal
para fora da cavidade, sobre uma parede já
enfraquecida. Temos como exemplos: prostatismo,
gravidez, enfisema, DPOC, ascite, apneia do sono,
constipação crônica e tumores intra-abdominais.15

Diagnóstico

O diagnóstico de hérnia incisional é clínico. A suspeita


se inicia com o paciente se queixando de abaulamento
ou incômodo em região de incisão prévia, ou sintomas
difusos abdominais.1,4,14 A anamnese é importante para
se identificar a evolução, as cirurgias prévias e os
possíveis fatores de risco. O exame físico deve ser
diligente, sendo avaliada a parede abdominal com o
paciente em ortostase e em decúbito dorsal, utilizando-
se da manobra de Valsalva para auxílio. Deve-se palpar
toda a região, o local da incisão e a hérnia, avaliando o
tamanho herniário e a redução espontânea ou não do
defeito. É necessário também avaliar o abdômen e a
hérnia à procura de sinais de complicações como
obstrução intestinal, encarceramento ou
estrangulamento da hérnia.1,4,7 Tais complicações são
evidenciadas através de peritonite, distensão abdominal,
hiperemia no local da hérnia, incapacidade de redução
do conteúdo e dor intensa. Exames complementares são
usados para avaliação de quadros complicados e em
dúvidas diagnósticas.4,7

Achados laboratoriais

Pacientes portadores de hérnias incisionais sem


descompensações normalmente não apresentam
alterações em exames laboratoriais, a não ser achados
compatíveis com doenças de base preexistentes. As
alterações laboratoriais ocorrem em quadros de
descompensações agudas, como obstruções intestinais
ou abdome agudo inflamatório por encarceramento da
hérnia. Nesses casos, tais pacientes podem apresentar
leucocitose, aumento de provas inflamatórias, distúrbios
hidroeletrolíticos e insuficiência renal aguda por
desidratação, entre outros problemas.4,7

Exames de Imagem

As modalidades de imagem têm função em


diagnósticos de hérnias incomuns da parede abdominal.
Também auxiliam em casos de dúvida diagnóstica, se a
hérnia é muito pequena ou se a dor abdominal é intensa
e não pode ser atribuída apenas à hérnia. O ultrassom
abdominal consegue evidenciar o conteúdo abdominal
dentro do saco herniário, presença ou não de edema de
alças, líquido ou sofrimento de estruturas, ajudando em
quadros de complicações agudas. O padrão-ouro
continua sendo a tomografia computadorizada de
abdome. Esse exame consegue avaliar os conteúdos
abdominal e do saco herniário, estimar o volume, avaliar
o anel herniário, estabelecer relações e avaliar se existe
inflamação e sofrimento da hérnia e até obstrução
intestinal associada.9

Estadiamento/Gravidade

A gravidade da doença herniária está diretamente


relacionada com o tamanho do seu anel herniário,
principalmente o diâmetro transversal do defeito na
parede, e ao volume do saco herniário. Esses fatores
influenciam diretamente na dificuldade de reconstrução
da parede abdominal. Fatores do paciente também
pioram o prognóstico da doença e quanto mais
comorbidades presentes, pior o resultado. Pacientes que
se apresentam no pronto-socorro com descompensações
agudas da doença herniária também possuem
prognóstico e resultados piores de tratamento quando
comparados com aqueles que não necessitam de
tratamento de urgência.3,7

A classificação para hérnias primárias da parede


abdominal e a subdivisão para hérnia incisional mais
comumente utilizada (Tabela 1) permite classificar a
hérnia quanto a sua localização, tamanho e extensão do
anel, e se ela é recorrente ou não.
Tabela 1 – European Hernia Society - classificação de hérnias incisionais
EHS - Incisional Hernia
Classification

Subxiphoidal M1

Epigastric M2

Midline Umbilical M3

Infraumbilical M4

Suprapubic M5

Subcostal L1

Flank L2
Lateral
Iliac L3

Lumbar L4

Reccurent Incisional Hernia? Yes O No


O

Length: cm Width: cm

Width W1 > 4cm W2 4 - 10cm W3


cm > 10cm

Quanto maior o anel herniário, pior o prognóstico e


mais difícil o tratamento. Hérnias recorrentes também
são um desafio para o cirurgião. Hérnias com volume
herniário maior que 25% do volume total abdominal são
conhecidas como hérnias gigantes, ou hérnias com perda
de domicílio, e são consideradas hérnias de tratamento
muito difícil, com necessidade de abordagem
multidisciplinar para sua correção.12,13

Tratamento clínico
O tratamento definitivo das hérnias é cirúrgico.
Contudo, devem ser adotadas algumas medidas clínicas
antes do procedimento, visando evitar aumento do anel
herniário e o risco de encarceramento, além de diminuir
o risco de recidiva no pós-operatório. Trata-se do controle
dos fatores que aumentam a pressão abdominal e
enfraquecem a parede abdominal. Dessa forma, antes do
procedimento cirúrgico, recomenda-se:13,14

Cessação de tabagismo.

Controle de DPOC/asma.
Controle de apneia do sono.

Perda de peso.
Tratamento de constipação.

Tratamento de obstruções intestinais (estenose,


neoplasia, compressão extrínseca, aderências).
Tratamento de obstrução urinária inferior (HPB,
estenose uretral, estenose de meato, neoplasia
cervical).
Tratamento de doenças que cursem com ascite.

Controle dos fatores que influenciam na cicatrização


(controle DM, suspensão de corticoides se possível,
correção das deficiências nutricionais).

O uso de cinta abdominal é recomendado para


impedir o aumento do defeito na parede abdominal. No
pós-operatório, a cinta também é recomendada até a
adequada cicatrização da ferida operatória para
aproximar as bordas da incisão, diminuindo a tensão e
facilitando o processo de cicatrização.2,3

As recomendações clínicas vistas anteriormente


devem ser revisadas e reforçadas no pós-operatório, para
prevenção de recidiva.2,3

Tratamento cirúrgico

O tratamento definitivo das hérnias incisionais


consiste em procedimento cirúrgico para redução do
conteúdo do saco herniário e correção do defeito
abdominal. Atualmente, preconiza-se, na maioria dos
centros, o uso sistemático de tela como reforço da
parede abdominal.4,5,6 Pode ser realizado por via de
acesso laparotômica ou videolaparoscópica.

A técnica operatória para hernioplastia incisional por


via laparotômica envolve as seguintes etapas:

1. Incisão da pele e subcutâneo.


2. Identificação do saco herniário e excisão de suas
aderências ao tecido celular subcutâneo.
3. Redução do conteúdo herniário para a cavidade
abdominal.
4. Ressecção do saco herniário definido como
alongamento patológico do peritônio e fáscia
transversalis.

5. Correção do defeito na parede abdominal com


sutura da camada musculoaponeurótica (quando
possível), frequentemente associando-se tela de
material sintético, visando ao reforço da parede
abdominal.

6. Drenagem do espaço criado para colocação da tela.


7. Fechamento por planos do subcutâneo e pele.3,4,5,6

Tratamento de hérnias incisionais gigantes

O tratamento de hérnias incisionais gigantes é mais


complexo, uma vez que a redução do conteúdo do saco
herniário pode provocar hipertensão abdominal relevante
e até mesmo síndrome compartimental abdominal, que
pode cursar com insuficiência respiratória (por restrição
diafragmática), redução do retorno venoso, choque
obstrutivo, insuficiência renal aguda pré-renal (por
hipoperfusão) e, em casos mais graves, óbito. Ressalta-
se que quando uma porção expressiva do conteúdo
abdominal perde seu domicílio, há tendência de
encurtamento da musculatura da parede, provocando
uma redução do continente frente ao conteúdo
abdominal. Sendo assim, antes da redução deste
conteúdo volumoso frente a uma cavidade abdominal
restrita, devem ser adotadas algumas medidas visando
ao aumento do continente abdominal ou redução do
conteúdo herniário, como, por exemplo:9,10,11
1. Redução do peso no pré-operatório: a redução do
peso, especialmente a redução da gordura visceral,
leva à diminuição do conteúdo do saco herniário.

2. Confecção de pneumoperitônio progressivo pré-


operatório: passagem de cateter intra-abdominal
insuflando diariamente a cavidade abdominal com
volumes crescentes de gás inerte, habitualmente
CO₂, visando restaurar a complacência abdominal e
adaptar fisiologicamente a cavidade abdominal ao
aumento da pressão abdominal esperada após a
hernioplastia.
3. Injeção de toxina botulínica na musculatura da
parede abdominal: a injeção pré-operatória de
toxina botulínica visa ao bloqueio neuromuscular da
musculatura abdominal, provocando o relaxamento
da mesma, e aumentando o continente abdominal.
4. Separação de componentes da parede abdominal no
intraoperatório: recurso intraoperatório que consiste
em realizar incisões relaxadoras e separar
componentes da parede abdominal sobrepostos que
resultam em alongamento da musculatura e,
consequentemente, aumento do continente
abdominal.
5. Viscerorredução: diminuição do conteúdo abdominal
ressecando-se as vísceras como omento e alças
intestinais. Devido ao aumento da morbidade, este
recurso é evitado e normalmente reserva-se a casos
especiais.9,10,11

Após a adoção de tais medidas, realiza-se o


procedimento cirúrgico com monitorização contínua
intraoperatória e pós-operatória da pressão intra-
abdominal. Há necessidade, no intraoperatório, da
utilização de técnicas para permitir o fechamento da
camada muscular abdominal conforme descrito
anteriormente (incisões relaxadoras e separação de
componentes da parede abdominal). A utilização de uma
tela para reforço da parede é obviamente mandatória
nesses casos. O pós-operatório é inicialmente realizado
em regime de terapia intensiva, com paciente
monitorizado, visando ao diagnóstico precoce de
síndrome compartimental, tratamento clínico imediato e
eventual reoperação para confecção de
peritoniostomia.9,10,11

Tratamento da hérnia incisional


estrangulada

O tratamento da hérnia incisional estrangulada


envolve, necessariamente, a inspeção das alças
isquêmicas, o que envolve a abertura do saco herniário
quando for utilizado acesso via laparotômica ou
convencional. Caso sejam evidenciadas alças necróticas,
as mesmas devem ser ressecadas, e o trânsito deve ser
reconstruído (idealmente, com anastomose primária se
não houver contraindicações) antes da redução do
conteúdo para dentro da cavidade. Nesse caso, não há
necessidade de se ampliar a laparotomia para inspeção
de todas as alças intestinais, uma vez que o ponto de
isquemia é restrito às vísceras extracavitárias
estranguladas pelo anel herniário.

Tratamento das hérnias recidivadas

As hérnias recidivadas são uma classe especial de


hérnias incisionais. Trata-se de um ponto previamente
enfraquecido da parede abdominal que resultou em uma
hérnia já corrigida cirurgicamente e que volta a
apresentar fraqueza e recidiva da doença. Neste caso, há
uma combinação dos fatores que predispuseram e
precipitaram a hérnia primariamente com a cicatrização
inadequada após a hernioplastia. Para correção desse
problema, habitualmente adotam-se os seguintes
preceitos: utilização mandatória de tela e utilização de
via de acesso diferente da utilizada previamente (se a
correção anterior foi realizada via anterior, tende-se a
acessar o defeito por via posterior e vice-versa).10

Sobre a utilização de tela nas


hernioplastias

O uso de próteses sintéticas na correção de defeitos


da parede abdominal baseia-se na capacidade desses
materiais reforçarem a cicatriz operatória, provocando
uma reação inflamatória e uma incorporação da tela aos
tecidos orgânicos. Para tanto, foi preconizado por
Cumberland e Scales, no início do século XX, que tais
próteses devem ser inertes quimicamente, resistentes às
forças mecânicas e à fadiga, e capazes de serem
esterilizadas. Não podem ser alteradas por fluidos
orgânicos, alergênicas nem carcinogênicas. Atualmente,
há no mercado uma vasta gama de materiais vendidos
para este fim, sendo os mais utilizados: polipropileno,
politetrafluoretileno, polietileno e poliéster.2,3,4

Quanto à localização da tela em relação às camadas


da parede abdominal, há 4 possibilidades de utilização
(Figura 3):

A - Onlay ou pré-aponeurótica: a tela é colocada


superficialmente à aponeurose. Para sua colocação,
é necessário dissecção do tecido celular subcutâneo
da aponeurose, criando um espaço de, pelo menos,
2-6 cm de margem da cicatriz para sobreposição da
tela à aponeurose e para a sua fixação.3,4
B - Sublay ou pré-peritoneal: a tela é colocada
profundamente à fáscia transversalis e
superficialmente ao peritônio. Há necessidade de
dissecção de espaço entre a musculatura e o
peritônio, tornando tal procedimento mais difícil de
ser executado em comparação aos demais.
Considera-se que o próprio efeito da pressão
abdominal sobre a tela contra a camada muscular
mantém a mesma no lugar, diminuindo a
necessidade de fixação adicional com pontos à
camada muscular.3,4
C - Underlay ou intraperitonial: a tela é fixada
profundamente ao peritônio. Ou seja,
intraperitoneal. Esta técnica também é pouco
utilizada pelo risco de aderência das alças
intestinais à tela, provocando abdome agudo
obstrutivo. Quando a opção for essa técnica, deve-
se selecionar uma tela com baixos índices de
aderências às alças, como uma tela híbrida de
polipropileno e PTFE, em que a camada de PTFE
funciona como uma camada protetora para prevenir
aderência das alças à tela.3,4

D - Inlay ou intermuscular: a tela é colocada


entre os ventres musculares, no mesmo nível da
camada musculoaponeurótica da parede abdominal.
A tela é fixada lateralmente à musculatura. É menos
utilizada por não haver sobreposição da tela à
camada muscular e, por conseguinte, ter
capacidade reduzida de reforço da parede.3,4
Figura 3

Pontos Importantes
1. Os fatores de risco para hérnias incisionais são
divididos em dois grupos:
Fatores que causam fraqueza da parede
abdominal e fatores que aumentam a pressão
intra-abdominal.

A pressão intra-abdominal aumentada,


exercendo força sobre uma região de cicatriz
prévia na parede abdominal enfraquecida, faz
com que conteúdos da cavidade abdominal
extruam entre a aponeurose muscular,
formando assim uma hérnia.1,14,15
2. O diagnóstico da hérnia incisional é clínico, com
anamnese e exame físico. O tratamento de eleição é
a correção cirúrgica do defeito.
Exames de imagem podem auxiliar na
delimitação do defeito herniário e na
programação cirúrgica. A cirurgia consiste em
redução do conteúdo herniário para dentro da
cavidade abdominal e colocação de tela para
reconstrução da parede abdominal.4,7,14
3. Complicações agudas mais comuns das doenças
herniárias são encarceramento e obstrução
intestinal.
Pacientes portadores de hérnia incisional
procuram o pronto-socorro por quadro de dor
crônica de difícil controle, ou quando a hérnia
apresenta complicações, como
encarceramento, estrangulamento, abdome
agudo inflamatório ou obstrutivo. Se não
controlada e tratada, as hérnias incisionais
podem evoluir para hérnias com perda do
domínio abdominal, com perda de domicílio e
hérnias incisionais gigantes, de difícil
tratamento. Em casos de encarceramento,
estrangulamento e obstrução intestinal, o
tratamento cirúrgico de urgência se faz
necessário.2,10
4. O melhor momento para se operar um paciente com
hérnia incisional é quando ele se encontra em
condições clínicas ideais. A reconstrução do defeito
é feita com fechamento da parede abdominal, mais
a colocação ou não de tela para reforço.3,4
O ideal é operar pacientes portadores de
hérnias incisionais eletivamente. Após perda de
peso e controle de comorbidades, para
minimizar o risco cirúrgico e de complicações e
aumentar a taxa de sucesso do tratamento.3,4
O defeito deve ser corrigido com colocação de
tela, salvo defeitos muito pequenos. A tela
pode ser colocada em quatro diferentes
posições:
Onlay = pré-aponeurótica.
Inlay = intermuscular.

Sublay = retromuscular ou pré-peritoneal.


Underlay = intraperitoneal.3,4

Referências
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Jr, Beauchamp RD, Evers BM, Mattox KL. Tratado de
cirurgia [tradução Cardona AL, Ota AS, Silva AC,
Midão AM, Futuro DO]. ed. Rio de Janeiro: Elsevier;
20 p. 1114-11
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reconstrução da parede abdominal. In: Rodrigues
JJG, Machado, MCC, Rasslan S (Ed). Clínica cirúrgica.
Barueri: Manole; 20 p. 508-5
3. Muysons FE, Miserez M, Berrevoet F, Campanelli G,
Champault GG, Chelala E, et al. Classification of
primary and incisional abdominal wall hernias.
Hernia. 2009; 13:407-4
4. Fischer JP, Harris HW, López-Cano M, Hope WW.
Hernia prevention: practice patterns and surgeon’s
atitudes about abdominal wall closure and use of
prophylatic mesh. Hernia. 2019; 23(2): 329-3
5. Chevrel JP. Treatment of incisional hernias by an
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implant. In: Bendavid R, Abrahamson J, Arregui ME,
Flament JB, Phillips EH (Ed). Abdominal Wall Hernias.
New York: Springer; 20 p. 500-503
6. Jairam AP, et al. Prevention of incisional hernia with
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versus primary suture only in midline laparotomies
(PRIMA): 2-year follow-up of a multicentre, double-
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390: 567-76
7. Askar OM. Surgical anatomy of the aponeurotic
expansions of the anterior abdominal wall. Annals of
the Royal College of Surgeons of England. 1977; 59:
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8. Davis BS, Dunn DP, Hostetler VC. Beyond hernias: a
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repair, and their complications. Eur Radiol. 2018; 28:
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10. Birindelli A, Sartelli M, Di Saverio S, et al. 2017


update of the WSES guidelines for emergency repair
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11. Courtney CA, Lee AC, Wilson C, O’Dwyer PJ. Ventral


hernia repair: a study of current practice. Hernia.
2003; 7:
12. Muysoms FE, Miserez M, Berrevoet F, et al.
Classification of primary and incisional abdominal
wall hernias. Hernia. 2009; 13: 4
13. Murphy KP, O’Connor OJ, Maher MM. Adult
abdominal hernias. AJR Am J Roentgenol. 2014; 202:
W5
14. Towsend et al. Sabiston: tratado de cirurgia. 19th.
Rio de Janeiro: Elsevier; 20
15. Utiyama EM, Rasslan S, Birolini D. Atualização em
cirurgia geral, emergência e trauma Barueri:
Manole; 2018.
Caso 18 | Manejo De Via
Aérea No Trauma
Autor: Eduardo Leite Fonseca
Orientador: Milton Steinman, Rodrigo Camargo Leão Edelmuth

História Clínica
H.M.B.M, masculino, 28 anos, vítima de acidente
automobilístico moto x ônibus com colisão lateral após
atravessar o sinal vermelho há 1 hora. O paciente foi
ejetado da moto cerca de 15 metros e estava sem
capacete. O passageiro da garupa faleceu no local. A
população rapidamente acionou o SAMU que prestou o
atendimento pré-hospitalar e encaminhou o paciente
sem acompanhante ao hospital secundário mais próximo.

Exame Físico
Ao chegar no hospital, o paciente foi recepcionado na
Sala de Emergência pelo cirurgião de plantão e
apresentava-se da seguinte maneira:

A: Paciente com via repleta de grande quantidade


de sangue e coágulos provenientes do trauma facial
e respiração ruidosa. Paciente com colar cervical
posicionado corretamente e prancha rígida.
B: Inspeção torácica sem lesões aparentes,
expansibilidade preservada, murmúrio vesicular
presente bilateralmente a ausculta pulmonar.
Frequência respiratória de 27 ipm, SaO₂ 89% em ar
ambiente.

C: FC 103 bpm, PA 130x80, avaliação abdominal


prejudicada devido ao rebaixamento do nível de
consciência, sem irritação peritoneal aparente. Pelve
estável, sem sinais de sangramento ativo
exteriorizado. FAST estendido negativo.

D: Escala de coma de Glasgow 5 (abertura ocular 1,


resposta verbal 2, resposta motora 2), pupilas
isofotorreagentes. Sem déficits neurológicos focais
aparentes.

E: Ferimento corto-contuso em região temporal com


fratura de calota craniana exposta, múltiplas
fraturas em face, escoriações em membros,
deformidade óssea em antebraço esquerdo com
pele íntegra e otorragia à esquerda, sem outras
alterações.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
O cirurgião de plantão optou por tentativa de
intubação orotraqueal após aspiração da via aérea como
primeiro recurso de se obter uma via aérea definitiva,
mas sem sucesso. Foi realizada então uma
cricotireoidostomia por punção, pois o material de
cricotireoidostomia cirúrgica ainda estava a caminho da
sala de emergência. Ao chegar o material, prontamente o
cirurgião realizou a cricotireoidostomia cirúrgica,
garantindo uma via aérea definitiva.

Após a estabilização inicial com suporte ventilatório e


expansão volêmica, o paciente foi imediatamente
transferido ao hospital de referência para avaliação
neurocirúrgica, que não era disponível no hospital onde
estava.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Como deve ser feito o suporte de oxigênio para


pacientes vítimas de politrauma?

2. O que é uma via aérea definitiva?

3. Quais as indicações de se garantir uma via aérea


definitiva?

4. Quais são as opções de VAD existentes?

5. Quais as contraindicações das diferentes técnicas


de VAD?

Discussão
Conceitos

A via aérea definitiva (VAD) é aquela na qual há um


tubo locado na traqueia com cuff insuflado abaixo das
pregas vocais, fixado e conectado a alguma forma de
ventilação assistida, enriquecida com oxigênio. Tais
dispositivos não só têm por objetivo garantir a ventilação
adequada do paciente como proteção da via aérea contra
obstruções e broncoaspiração¹.

As opções de VAD disponíveis atualmente podem ser


divididas em cirúrgicas ou não cirúrgicas. Dentre as
cirúrgicas temos a traqueostomia e a cricotireoidostomia
cirúrgica. Já entre as não cirúrgicas, dispomos da
intubação orotraqueal ou nasotraqueal¹.

Epidemiologia

A morte por causas externas representa a principal


causa de morte de criança e adultos jovens de 1 a 49
anos, atingindo o percentual de 76,0% entre 15 e 19
anos,1 e corresponde à terceira causa de morte geral,
isto é, entre todas as idades, atrás apenas das doenças
do aparelho circulatório e neoplasias.²

O trauma, ou lesões por causas externas, acomete


principalmente a população masculina, jovem, com
escolaridade de 4 a 7 anos de estudo e é, em sua
maioria, secundário a acidentes automobilísticos ou
agressão física (homicídios).²
Estes dados refletem a importância do trauma nas
estatísticas de mortalidade no Brasil e no mundo. Sendo
a principal causa de morte da população jovem, o trauma
é um problema de saúde pública e que merece tanto
medidas de prevenção quanto de suporte a assistência
ao paciente.

Além disso, o comprometimento da via aérea no


trauma, em especial, apresenta importância ímpar por
ser a lesão que mais rapidamente leva o paciente à
morte³, necessitando de intervenção imediata no
atendimento primário aos pacientes vítimas de trauma e
sendo prioritária em relação ao atendimento aos demais
sistemas.

Patogênese

O comprometimento da via aérea no trauma causa,


essencialmente, um prejuízo à ventilação pulmonar, que
pode ocorrer por dois principais mecanismos: (i)
obstrução direta da via aérea (corpo estranho, edema de
glote ou por colabamento da via aérea secundário à
perda do tônus muscular nos casos graves de
rebaixamento do nível de consciência), ou (ii) por
falência respiratória causada por fadiga muscular frente
a um esforço respiratório sustentado. Conforme o
prejuízo a ventilação persiste, o paciente evolui com
hipoxemia progressiva, hipercapnia, acidose metabólica e
respiratória que culminam na parada cardiorrespiratória.
Além disso, diferentemente de outros tecidos, os
neurônios do sistema nervoso central são extremamente
sensíveis a hipóxia, podendo ocorrer dano neurológico
irreversível em questão de minutos, sendo, portanto, o
manejo e suporte a via aérea a medida mais importante
no atendimento ao paciente vítima de trauma.

Diagnóstico

Devido a velocidade de deterioração clínica do


paciente e a demanda de urgência por uma conduta
relacionada ao suporte a via aérea nos pacientes vítimas
de trauma, o diagnóstico de comprometimento da via
aérea ou da necessidade de intervenção que antecipe
uma falência respiratória é eminentemente clínico e
baseado na avaliação primária4, 5.

Em alguns casos, em que o paciente já recebeu o


atendimento primário e já recebeu o suporte ventilatório
inicial, outros exames, como a gasometria arterial e
dados do exame físico, como a saturação de oxigênio,
podem auxiliar no manejo deste suporte. Todavia, na
avaliação inicial na sala de emergência, a decisão por
uma via aérea definitiva ou não deve ser tomada
rapidamente com base nos parâmetros de história e
exame físico4, 5.

Tratamento
Todo paciente vítima de trauma grave deve receber
oxigênio suplementar, preferencialmente a uma
concentração de 100% com dispositivo não reinalante,
em alto fluxo (12-15 L/min). Entretanto, para alguns
pacientes, a simples suplementação de oxigênio com
máscara não reinalante, por exemplo, não é suficiente3, 4,
5.

Sendo assim, o primeiro passo na avaliação da via


aérea em pacientes vítimas de trauma é definir se há ou
não a necessidade de uma VAD, em que a ventilação do
paciente é realizada por meio de dispositivos mecânicos3,
4, 5.

Assim como o próprio atendimento ao trauma foi


sistematizado em ABCDE, as indicações de VAD também
podem ser avaliadas o mesmo mnemônico da seguinte
maneira3, 4, 5:

A: Apneia – Pacientes em apneia apresentam uma


clara e formal indicação de VAD.

B: Broncoaspiração – Pacientes com alto risco de


broncoaspiração ou obstrução da via aérea, seja por
sangue proveniente de lesões faciais, corpo
estranho ou por conteúdo gástrico possuem
indicação de VAD para proteção da via aérea.

C: Compressão ou comprometimento iminente da


perviedade da via aérea – Pacientes com
hematomas cervicais em expansão que possam
comprimir a via aérea, com queimaduras de vias
aéreas em que o edema tecidual possa levar a
obstrução do fluxo de ar e fraturas de laringe com
esforço respiratório.
D: Déficit neurológico – Pacientes com Escala de
Coma de Glasgow < 9, ou seja, vítimas de TCE
grave, possuem risco de colabamento da via aérea
e perda do reflexo de tosse para proteção da via
aérea.
E: Exaustão – Pacientes com esforço respiratório
persistente que possa levar a fadiga respiratória ou
que não mantém oxigenação adequada com outros
métodos de suporte ventilatório (Saturação de
oxigênio >90% com oxigênio suplementar a 100%).

Sabendo quais pacientes precisam de uma via aérea


definitiva, o próximo passo é definir qual das opções será
utilizada, seja ela uma intubação, uma
cricotireoidostomia ou uma traqueostomia.

A intubação traqueal pode ser realizada por dois


principais acessos, o nasotraqueal e o orotraqueal, sendo
o último muito mais frequente em situações de
atendimento ao paciente vítima de trauma3, 4, 5.

A intubação nasotraqueal, apesar de ser uma boa


opção de VAD, é menos utilizada no contexto de
emergência, pois precisa preencher os seguintes critérios
para ser indicada3, 4, 5:
Respiração espontânea.
Cooperação do paciente.

Certeza da ausência de fratura de base crânio.

Desse modo, a intubação orotraqueal (IOT) é a via


preferencial de acesso artificial à via aérea nos pacientes
vítimas de trauma, não apresentando nenhuma
contraindicação absoluta a sua realização (até a décima
edição do ATLS, havia uma contraindicação relativa à IOT
nos casos de fratura de laringe. Atualmente, a IOT pode
ser tentada inicialmente, inclusive com auxílio de
fibroscopia, caso prontamente disponível, antes de optar
por outro acesso à via aérea)3, 4, 5.

Entretanto, em alguns casos, a realização da IOT é


extremamente difícil ou até mesmo impossível. Nesses
casos, outros métodos de acesso à via aérea ganham
destaque como a cricotireoidostomia e a traqueostomia3,
4, 5.

A cricotireoidostomia pode ser realizada por duas


técnicas diferentes de acesso à via aérea: a punção e a
cirúrgica, técnicas que podem ser complementares. A
cricotireoidostomia por punção consiste na introdução de
um cateter calibroso de punção venosa com bainha de
proteção através da membrana cricotireoidea e a
ventilação é feita por um fluxo de alta pressão de
oxigênio em intervalos de 1 segundo para a “inspiração”
e 4 segundos para “expiração”. Tal medida deve ser
utilizada apenas nos casos de extrema urgência em
acesso à via aérea, pois além de não garantir uma via
aérea definitiva, causa ao paciente uma retenção de CO₂
progressiva, apresenta alto risco de barotrauma e não
deve ser utilizado em transporte de pacientes pelo risco
de perda do acesso à via aérea. Desse modo, apesar de
tirar o paciente da iminência de morte, assim que
possível a cricotireoidostomia por punção deve ser
substituída por uma VAD3, 4, 5.

Já a cricotireoidostomia cirúrgica é uma VAD em que


um tubo com balonete insuflado é posicionado através
da membrana cricotireoidea. Nesse caso, é feita uma
incisão longitudinal na linha mediana cervical sobre a
membrana cricotireoidea, que então é incisada e dilatada
para acomodar o tubo traqueal. Entretanto, apesar de ser
uma boa via de acesso emergencial nos casos de
impossibilidade de realização da IOT, a
cricotireoidostomia cirúrgica não deve ser realizada em
crianças menores de 12 anos, uma vez que pode lesar a
cartilagem cricoidea, que é a única estrutura
circunferencial de sustentação da parte superior da
traqueia na criança3, 4, 5.

Além disso, a cricotireoidostomia cirúrgica não deve


ser realizada nos casos de fratura de laringe. A tríade
clássica dessa fratura consiste em rouquidão, enfisema
subcutâneo e fratura palpável. A conduta inicial pode ser
a IOT, desde que realizada por pessoas com experiência
avançada em via aérea difícil, preferencialmente guiada
por fibroscopia.

Nos casos de impossibilidade de IOT em pacientes


com fratura de laringe a traqueostomia está indicada.
Vale lembra que a traqueostomia é um procedimento
tecnicamente complexo, com maiores riscos de
sangramento e complicações e é conduta de exceção na
urgência. A impossibilidade de IOT em pacientes com
trauma de laringe é a principal indicação de
traqueostomia de emergência no trauma no adulto.

Pontos Importantes
Conceito de via aérea definitiva (VAD): tubo locado
na traqueia com cuff insuflado abaixo das pregas
vocais, fixado e conectado a alguma forma de
ventilação assistida, enriquecida com oxigênio.
A morte por causas externas representa a principal
causa de morte de criança e adultos jovens.
O comprometimento da via aérea no trauma é o que
mata o paciente mais rapidamente.

As principais indicações de VAD são: apneia, risco


de broncoaspiração ou obstrução da via aérea,
Glasgow <9 e insuficiência respiratória.

A intubação orotraqueal (IOT) é a via preferencial


nos pacientes vítimas de trauma.
A cricotireoidostomia por punção não garante uma
via aérea definitiva.

A cricotireoidostomia cirúrgica não deve ser


realizada em crianças menores de 12 anos.

A impossibilidade de IOT em casos de fratura de


laringe é a principal indicação de traqueostomia de
emergência no trauma no adulto.

Referências
1. Departamento de Informática do Sistema Único de
Saúde (DATASUS), Mortalidade Proporcional (%) por
Faixa Etária Segundo Grupo de Causas - CID10.
Disponível em:
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/
2. Departamento de Informática do Sistema Único de
Saúde (DATASUS), Mortalidade Proporcional (%) por
Faixa Etária Segundo Grupo de Causas - CID10.
Disponível em:
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/
3. Advanced Trauma Life Support® Student Course
Manual. Tenth Edition. Estados Unidos; 2018. ISBN:
78-0-9968262-3-5
4. Mills TJ, MD, MPH DeBlieux P, MD. Emergency airway
management in the adult with direct airway trauma.
Uptodate Literature review current through: Jan
2019. This topic last updated: May 02, 2017.

5. Courtney M. Townsend, Jr, R. Daniel Beauchamp, B.


Mark Evers, Kenneth L. Mattox. Sabiston textbook of
surgery: the biological basis of modern surgical
practic /.—20th ed.
Caso 19 | Trauma
Torácico
Autores: Giulia Godoy Takahashi e Vitória Ramos Jayme
Orientador: Carlos Augusto Metidieri Menegozzo

História Clínica
J.B.R., 22 anos, masculino, solteiro, motoboy, pardo,
natural e residente da cidade de São Paulo, chega ao
serviço de emergência trazido pelo COBOM após colisão
entre motocicleta e anteparo fixo em uma via pública a
cerca de 50km/h. Na ocasião, o paciente era motorista da
motocicleta, foi ejetado do veículo e estava com
capacete, o qual permaneceu intacto.

Sinais vitais da cena: PA inaudível; FC 123; SatO₂


98%aa; FR 32; GCS 14; PIFR

O paciente foi colocado na prancha rígida, com colar


cervical. Puncionado um acesso venoso calibroso em
membro superior direito e realizada reposição volêmica
com soro fisiológico 0,9% 1000mL.

Exame Físico

Avaliação primária do trauma:


A: vias aéreas pérvias, colar cervical

B: inspeção torácica: escoriações em hemitórax


esquerdo, expansibilidade presente e simétrica;
ausculta pulmonar: murmúrios vesiculares
presentes, sem ruídos adventícios, SatO₂ 97%aa, FR
33

C: sudoreico; descorado; ausculta cardíaca: bulhas


rítmicas hipofonéticas em 2 tempos, sem sopros;

ECG: rítmico, amplitude de QRS variável; FC 136; PA


inaudível, pulsos finos e simétricos, TEC>3s, sem
sinais de turgência jugular.

Abdome: sem sinais de trauma abdominal; indolor à


palpação; descompressão brusca negativa

Pelve: estável, sínfise púbica fechada

TR: esfíncter normotônico, sem espículas ósseas,


fezes em ampola retal, sem sangramentos.

Genitais: sem sinais de uretrorragia, sem equimoses

D: GCS 14, agitado e confuso, pupilas


isofotorreagentes, sem déficits focais

E: sem sangramentos externos ativos, sem sinais de


fraturas ósseas.

Condutas Tomadas Durante O


Atendimento Inicial
A: Mantido colar cervical.

B: Colocada máscara de oxigênio não reinalante a


15 L/min.

C: Puncionados dois acessos venosos calibrosos (


jelco 14).
Iniciada ressuscitação volêmica com 1000mL de
ringer lactato.

Solicitada transfusão de dois concentrados de


hemácias na extrema urgência.

Coletados exames de sangue, gasometria arterial e


tipagem sanguínea.

Realizado e-FAST: pelve sem líquido livre, recesso


hepatorrenal e esplenorrenal com moderada
quantidade de líquido livre, janela pericárdica com
derrame pericárdico em moderada quantidade, sem
sinais de hemotórax ou pneumotórax.

Realizada sondagem vesical de demora com saída


de urina clara.

Iniciado protocolo de transfusão maciça.

Paciente encaminhado ao centro cirúrgico.


Figura 1 – Foto e-FAST (janela pericárdica)

Achados Intraoperatórios
Realizada toracotomia anterolateral
bilateral(“Clamshell”): achada pequena lesão em aurícula
direita, a qual foi suturada. Passagem de drenos
tubulares nº 36 bilateralmente.

Laparotomia exploradora: laceração hepática em


segmento VI de cerca de 10 cm, a qual foi suturada
(Figura 2).
Figura 2

Exames Complementares
Hb 14,3

Ht 41,2
Leucócitos 9090 sem desvio

Plaquetas 204000

PCR 140
Ureia 23

Creatinina 1,14

Sódio 140

Potássio 3,3

CPK 6622

Gasometria arterial: pH 7,3/ pO₂ 99/ pCO2 19/ BIC 9/


BE -14,5/ SatO₂ 98/ Lactato 94,3

Submetido a Tomografia computadorizada de


corpo inteiro após estabilização clínica: drenos
torácicos bem posicionados. Pequena quantidade de
líquido livre abdominal e pneumoperitônio. Sem outros
achados adicionais.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Quando suspeitar de trauma torácico através da


história e da avaliação primária?

2. Como diferenciar as principais lesões de trauma


torácico na avaliação clínica inicial?

3. Quais exames subsidiários devem ser solicitados?

4. Qual o manejo inicial e o tratamento definitivo


indicados para cada tipo de lesão?

5. Quais outras lesões de trauma torácico podem ser


diagnosticadas na avaliação secundária? Quais
exames subsidiários e tratamentos indicados?

Discussão

Conceitos

O trauma torácico pode causar danos importantes à


diversos órgãos, estruturas mediastinais e vasculares.
Dentre eles, podemos citar: pulmões, coração, aorta,
veia cava, esôfago e traqueia. A avaliação do tórax deve
ser cautelosa, já que lesões a essas estruturas podem ser
muito graves.1

Epidemiologia

Grande parte dos traumas torácicos registrados nos


estudos são graves. Pode-se dizer que existe um viés de
que os pacientes com traumas mais leves, como fratura
isolada de um arco costal, acabam tendo alta hospitalar
imediata e esses traumas não são computados nos
estudos epidemiológicos de trauma torácico.¹

O trauma torácico penetrante, apesar de menos


comum, apresenta taxas de mortalidade maior do que o
trauma torácico fechado.

Cerca de 15 a 30% dos traumas penetrantes


necessitam de cirurgia, enquanto no trauma fechado
esse número é menor do que 10%.¹
Tipos De Lesões

Lesões de vias aéreas

Definição: As principais lesões de vias aéreas são as


obstruções e as lesões de árvore traqueobrônquica. As
lesões da árvore traqueobrônquica são menos comuns,
mas potencialmente fatais. A grande maioria dos
pacientes vai à óbito na cena do trauma, e os poucos que
chegam ao serviço de emergência apresentam lesões
associadas, como pneumotórax hipertensivo,
tamponamento cardíaco e via aérea inadequada, levando
a alta taxa de mortalidade.³⁵

Causas: As obstruções de vias aéreas podem estar


associadas a corpo estranho, edema, sangramento,
vômito, lesão laríngea, luxação posterior da cabeça da
clavícula, entre outros. Embora menos comum, a
obstrução aguda das vias aéreas por trauma na laringe é
uma lesão com elevado risco à vida.³⁵ No caso das lesões
de árvore traqueobrônquica os mecanismos da lesão
podem ser por trauma fechado, em geral por mecanismo
de desaceleração brusca, lesões por explosão e trauma
penetrante com laceração direta ou lesão térmica.¹¹

Sinais e sintomas: os sinais mais comuns são de


obstrução como dispneia, utilização de musculatura
acessória, crepitação em pescoço, batimento de asa de
nariz, estridor, mudança na qualidade da voz ou ausência
da mesma, e queda na saturação de O₂. Deve-se
procurar por corpo estranho e retirá-lo, além de aspirar a
via aérea se houver sangramento ou secreções. No caso
de luxação posterior da cabeça da clavícula, a redução
da lesão pode aliviar ou resolver a obstrução. Essas
medidas visam garantir a perviedade das vias aéreas,
etapa fundamental do atendimento inicial.

Em casos de lesões da árvore traqueobrônquica, o


quadro clínico pode incluir enfisema subcutâneo,
pneumomediastino, pneumotórax hipertensivo,
hemoptise, queda nos níveis de saturação de oxigênio e
cianose. A melhora apenas parcial após drenagem de
tórax e escape de ar persistente pelo dreno devem
alertar sobre a possibilidade de lesão na árvore
traqueobrônquica.11,35

Diagnóstico: O diagnóstico é eminentemente clínico-


radiológico. A broncoscopia pode auxiliar no
diagnóstico.³⁵

Tratamento: Na suspeita de lesão, deve-se garantir


via aérea, muitas vezes por intubação com
videolaringoscopia e intubação seletiva do brônquio não
acometido, além de drenagem torácica se
pneumotórax.¹¹ Nesses casos, o tratamento definitivo é
cirúrgico. Em pacientes estáveis, ele pode ser retardado
até que o processo inflamatório agudo e o edema se
resolvam.³⁵
Pneumotórax simples

Definição: O pneumotórax resulta da entrada de ar


no espaço potencial entre a pleura visceral e parietal,
levando ao colabamento do pulmão deste lado.3,10

Causas: Tanto trauma penetrante como não


penetrante podem causar essa lesão.³

Classificação: As lesões pulmonares podem ser


classificadas de acordo com a American Association for
the Surgery of Trauma:

Tipo de
Grau Descrição da lesão
lesão

I Contusão Unilateral, < 1 lobo

Contusão Unilateral, 1 lobo


II
Laceração Pneumotórax simples

Contusão Unilateral, > 1 lobo

Persistente (> 72 horas), escape de ar de via aérea


III Laceração
distal

Hematoma Intraparenquimatoso não expansivo

Escape de ar de grande via aérea (segmentar ou


Laceração
lobar)

IV Hematoma Intraparenquimatoso expansivo

Ruptura de veias pulmonares de segmento


Vascular
primário

V Vascular Ruptura de veias hilares

VI Vascular Transecção total de hilo pulmonar


Sinais e sintomas: pode consistir em diminuição dos
murmúrios vesiculares do lado acometido, percussão
hipertimpânica, dor torácica e dispneia.³

Diagnóstico: Uma radiografia de tórax pode


evidenciar o ar entre as pleuras. Entretanto, sabe-se que
em até 30% das radiografias, especialmente quando
feitas com o paciente em decúbito dorsal horizontal, são
negativas.50 Isso ocorre porque o ar entre as pleuras se
acumula na região anterior (paciente deitado), podendo
passar despercebido em uma radiografia ântero-
posterior. O diagnóstico de pneumotórax também pode
ser feito através da ultrassonografia à beira-leito (e-
FAST).10,50

Tratamento: Drenagem de tórax no lado acometido,


entre o 4° e 5° espaços intercostais, entre a linha axilar
média e anterior, conectando o tubo à um sistema em
selo d’agua. Uma radiografia de tórax usualmente é
solicitada após, para confirmação do posicionamento do
dreno.3,22

Pneumotórax aberto

Definição: O pneumotórax aberto resulta de grandes


lesões da parede torácica, em geral maiores que 2/3 do
diâmetro da traqueia. Tais lesões favorecem a passagem
de ar pelo orifício torácico em direção da cavidade
pleural durante a inspiração, levando ao equilíbrio entre
as pressões intratorácica e atmosférica.

Causas: Traumas penetrantes ou contusos de alta


energia, com extensa lesão da parede torácica.

Sinais e sintomas: Dor, taquidispneia, murmúrios


vesiculares diminuídos ou abolidos no lado acometido, e
movimentação ruidosa de ar através da lesão (“ferida
soprante”).

Diagnóstico: É eminentemente clínico-radiológico.

Tratamento: O manejo inicial consiste em


fechamento da lesão com um curativo de 3 pontas, que
nada mais é do que um curativo estéril grande o
suficiente para ocluir a lesão, fixando apenas 3 lados do
mesmo, transformando-o em uma válvula unidirecional.
Durante a inspiração, o curativo oclui a ferida, impedindo
a entrada de ar pela lesão, enquanto permite a saída de
ar pela extremidade aberta durante a expiração. A
drenagem de tórax deve ser realizada após, nunca pelo
orifício da lesão. Ressalta-se que a lesão torácica não
deve ser suturada ou ocluída completamente antes da
realização da drenagem pleural.20,24

Pneumotórax hipertensivo

Definição: O pneumotórax hipertensivo desenvolve-


se quando ocorre um escape de ar para dentro da
cavidade pleural, proveniente do pulmão ou do meio
externo, com mecanismo de válvula unidirecional. O ar é
forçado para dentro do espaço pleural e, por não
apresentar meio de escape, acaba colapsando o pulmão
afetado e leva ao desvio do mediastino para o lado
oposto e redução do retorno venoso. Consequentemente,
o paciente desenvolve um choque obstrutivo com
diminuição do débito cardíaco.³⁹

Causas: ventilação mecânica em paciente com lesão


de pleura visceral, complicação de um pneumotórax
simples e em pneumotórax aberto com curativo oclusivo
sem drenagem de tórax.²⁴

Sinais e sintomas: taquidispneia, hipotensão, estase


jugular, dor torácica, taquicardia, desvio da traqueia para
o lado contra-lateral à lesão, queda da saturação de
oxigênio ausência de murmúrios vesiculares no
hemitórax acometido além de hipertimpanismo, ausência
de expansibilidade e cianose tardiamente.³⁹

Diagnóstico: É eminentemente clínico! A presença


dos sinais de sintomas descritos deve levar o médico a
realizar descompressão imediata do pneumotórax
hipertensivo. Dessa forma, não se deve retardar o
tratamento para realizar um exame de imagem
confirmatório como radiografia ou ultrassonografia.³⁹

Tratamento: O pneumotórax hipertensivo deve ser


manejado imediatamente. A descompressão imediata do
pneumotórax hipertensivo é realizada tradicionalmente
através de uma punção de alívio no 2º espaço
intercostal, na linha hemiclavicular, com um jelco
calibroso.¹⁵ Evidências recentes sugerem que a punção
de alívio deve ser realizada no quinto espaço intercostal,
entre a linha axilar média e anterior. A espessura da
parede torácica pode variar, portanto o ideal é utilizar
um jelco com agulha de pelo menos 8 cm, aumentando a
probabilidade de se atingir a cavidade pleural.²¹ Outra
opção é realizar uma incisão no 4º/5º espaço intercostal,
na altura da linha axilar média/anterior, e realizar uma
pleurostomia digital para descompressão. Tais medidas
visam converter um pneumotórax hipertensivo em um
simples, resolvendo a condição mais emergencial. Vale
ressaltar que é obrigatório realizar a drenagem pleural
após os procedimentos descompressivos.15,22

Hemotórax

Definição: O hemotórax é o acúmulo de sangue entre


as pleuras visceral e parietal. O sangramento geralmente
é autolimitado e não requer intervenção cirúrgica.⁴⁶

Causas: As mais comuns são laceração do


parênquima pulmonar, de grandes vasos, de vaso
intercostal ou da artéria mamária interna, tanto por
trauma contuso como penetrante.⁴⁶
Classificação: As lesões vasculares torácicas podem
ser classificadas de acordo com a American Association
for the Surgery of Trauma:

Grau Descrição da lesão

Artéria/ veia intercostal


Arteria/ veia torácica interna
Artéria/ veia brônquicas
I
Artéria/ veia esofágica
Veia hemiázigos
Artérias/ veias não nomeadas

Veia ázigos
Veia jugular interna
II
Veia subclávia
Veia inominada

Artéria carótida
III Artéria inominada
Artéria subclávia

Aorta torácica descendente


Veia cava inferior (intratorácica)
IV
Artéria pulmonar, ramo primário intraparenquimatoso
Veia pulmonar, ramo primário intraparenquimatoso

Aorta torácica ascendente e arco aórtico


Veia cava superior
V
Artéria pulmonar, tronco principal
Veia pulmonar, tronco principal

VI Transecção total da aorta torácica ou hilo pulmonar

Sinais e sintomas: diminuição dos murmúrios


vesiculares no lado acometido e percussão maciça na
região do derrame.⁴⁶

Diagnóstico: Na radiografia de tórax, pode ser


observado presença de líquido na cavidade pleural. O
diagnóstico de hemotórax também pode ser feito através
da ultrassonografia à beira-leito (e-FAST).²⁴

Tratamento: drenagem de tórax, tradicionalmente


com dreno tubular de 28 a 32 Fr. Atualmente sabe-se que
os drenos de maior calibre (36Fr ou maiores) não
oferecem vantagem na drenagem pleural.20,22

Tórax instável

Definição: O tórax instável acontece quando duas ou


mais costelas são fraturadas em dois ou mais pontos,
levando a uma descontinuidade deste segmento em
relação ao resto da caixa torácica.1 Também pode
acontecer quando ocorrer uma disjunção costocondral,
em que a costela fica separada do esterno.4,14

Causas: Acontece principalmente em traumas


fechados de alta energia.¹

Sinais e sintomas: Pode ser observado movimento


respiratório anormal e palpado crepitação em topografia
de arcos costais, ajudando no diagnóstico. O tórax
instável vem frequentemente acompanhado de contusão
pulmonar.1,32 Esses casos podem ocasionar insuficiência
respiratória grave, principalmente pelo componente
contusional, além da restrição ventilatória provocada
pelo comprometimento da expansibilidade torácica
adequada, e pela dor.32
Diagnóstico: A radiografia de tórax poderá
evidenciar as fraturas e áreas de opacificação (contusão
pulmonar).32

Tratamento: Administração de oxigênio, ventilação


adequada e ressuscitação volêmica cautelosa.
Importante evitar a sobrecarga de volume, que pode
agravar o quadro respiratório do paciente. Em alguns
pacientes pode ser necessário intubação e ventilação
mecânica. O controle álgico adequado é extremamente
importante nesses casos.4,42

Contusão pulmonar

Definição: A contusão pulmonar é o acúmulo de


sangue e fluidos no parênquima pulmonar (hemorragia
alveolar e edema), devido trauma de tórax, que pode
levar à hipóxia. Não necessariamente está associada a
fratura de arcos costais, principalmente em crianças, em
que a parede torácica é mais complacente. Pode levar à
insuficiência respiratória em um segundo momento,
particularmente em pacientes com reserva ventilatória
limitada.1,4

Causas: Traumas fechados de alta energia ou


traumas penetrantes, especialmente os por projétil de
arma de fogo.1

Sinais e sintomas: Os sintomas clínicos e sinais de


contusão pulmonar incluem dispnéia, hipóxia, taquipneia
e hemoptise. A gravidade desses sinais geralmente se
correlaciona com a extensão do acometimento alveolar.38

Diagnóstico: É clinico-radiológico. Os achados


radiográficos consistem, na maioria das vezes, em áreas
irregulares ou difusas de infiltrado, que inicialmente
podem ser discretas, porém pioram ao longo de 24 a 48
horas, especialmente devido a ressucitação volêmica
excessiva. Crepitações e roncos podem ser auscultados
no exame físico.38

Tratamento: consiste no mesmo descrito acima para


tórax instável, com fornecimento de oxigênio e reposição
volêmica cautelosa. Intubação e ventilação mecânica
podem ser necessários.4,32

Hemotórax maciço

Definição: O Hemotórax maciço é definido como


acúmulo de mais de 1500 mL de sangue ou 1/3 ou mais
do volume sanguíneo do paciente na cavidade torácica.1

Causas: É mais comumente causado por ferimentos


penetrantes no sistema venoso central ou hilar, mas
também pode ser causado por traumas fechados.1

Sinais e sintomas: Deve-se suspeitar de hemotórax


em casos de choque associado a murmúrios ausentes
e/ou percussão maciça.24
As veias jugulares podem estar colabadas devido à
hipovolemia ou podem estar distendidas se houver
pneumotórax concomitante (o efeito de massa do
hemotórax raramente é intenso o suficiente para causar
distensão venosa).

Lesões penetrantes mediastinais devem alertar


quanto à possível lesão de estruturas vitais.1

Diagnóstico: o diagnóstico é clínico. Deve-se


suspeitar quando o paciente apresentar choque
associado à ausculta pulmonar com murmúrios
vesiculares ausentes e macicez na percussão do
hemitórax.24

Tratamento:

Ressuscitação volêmica adequada, considerando


transfusão precoce de hemocomponentes.1

Drenagem torácica: geralmente realizada com um


dreno torácico de 28 a 32 Fr, no 5º espaço
intercostal, imediatamente anterior à linha axilar
média.22

Quando apropriado, o sangue do dreno torácico pode


ser coletado em um equipamento adequado e
reinfundido no paciente (autotransfusão). Tal manobra
reduz o uso de hemocomponentes vindos do Banco de
Sangue, reduzindo custos, além do benefício
imunológico.
A toracotomia de urgência deve ser considerada
quando houver saída imediata de mais de 1500 mL de
sangue pelo dreno torácico ou quando houver um débito
de mais de 200 mL/h nas primeiras 2 a 4 horas.37
Também está indicada na necessidade persistente de
transfusão de hemácias.24 Em casos de estabilidade
hemodinâmica, nos pacientes com sangramento
persistente porém de pequena monta, pode-se realizar
uma VATS (video-assisted thoracoscopic surgery), desde
que haja um cirurgião habilitado.16,25,30

Ressalta-se que a toracotomia de urgência deve ser


realizada na presença de um cirurgião qualificado e
treinado.37

Tamponamento cardíaco

Definição: O tamponamento cardíaco é definido pela


compressão do coração por acúmulo de líquido no saco
pericárdico, levando a uma diminuição no débito
cardíaco.5

Causas: O tamponamento cardíaco normalmente é


causado por traumas penetrantes. A maioria dessas
vítimas morre antes de chegar ao hospital.1 Em algumas
pessoas, a hemorragia é bloqueada por alguma estrutura
(coágulo ou parênquima pulmonar), levando a um
acúmulo de sangue na cavidade pericárdica que pode
evoluir com tamponamento cardíaco.5
Sinais e sintomas: Pode se desenvolver lenta ou
rapidamente, a depender do tipo de lesão que o causou.

A tríade de Beck (abafamento de bulhas cardíacas,


hipotensão e estase jugular) nem sempre está presente.
O abafamento de bulhas nem sempre é auscultado na
sala de trauma devido ao barulho intenso e as veias
podem não estar distendidas devido à hipovolemia.

O sinal de Kussmaul (aumento na pressão venosa


durante a inspiração) pode estar presente. Não se deve
confundir com o pulso de Kussmaul, entidade que define
diminuição na pressão arterial sistólica em no mínimo
10mmHg durante a inspiração.24

Diagnóstico: O FAST (Focused Assessment with


Sonography for Trauma) é um método rápido de imagem
que envolve a avaliação do coração e do pericárdio, e
que pode identificar com a acurácia de 90-95% (a
depender da experiência do operador) um
tamponamento cardíaco.2 Se o FAST for inconclusivo,
pode-se avaliar o coração através de uma ecografia
básica à beira-leito.23,41

O tamponamento cardíaco pode se desenvolver a


qualquer momento durante a avaliação inicial e por isso,
pode ser necessário repetir o FAST a depender da
evolução do paciente.6,43
Tratamento: O tratamento para o tamponamento
cardíaco é a toracotomia ou esternotomia de urgência
para reparo da lesão, devendo ser realizada por um
cirurgião experiente.24

Quando não for possível realizar a cirurgia de


imediato, pode-se realizar a pericardiocentese como um
tratamento temporário.5 Se possível, deve ser guiada por
ultrassom com o intuito de reduzir complicações.26

Parada circulatória traumática (PCT)

Definição: Paciente inconsciente e sem pulso após


um trauma.18

Causas: As principais causas para a PCR no trauma


são: hipóxia, tamponamento cardíaco, hipovolemia,
pneumotórax hipertensivo, herniação cardíaca e
contusão miocárdica.18 Deve-se lembrar que um evento
cardíaco pode ter precedido o trauma.19

Tratamento:

De acordo com as mudanças no ATLS 10ª edição:

Deve-se iniciar a ressuscitação cardiopulmonar


simultaneamente ao ABC do trauma.
Monitorização contínua1
Obtenção de via aérea definitiva com intubação
orotraqueal (não é necessário realizar a sequência
rápida) e colocar em ventilação mecânica com FiO2
100%.1

Obter dois acessos venosos calibrosos, iniciar


ressuscitação volêmica e administrar de 1mg de
adrenalina.1

Se não houver retorno à circulação espontânea:


Pode ser realizada drenagem torácica bilateral para
aliviar possível pneumotórax hipertensivo.1
Se não houver retorno à circulação espontânea:
Realizar toracotomia de reanimação com
pericardiotomia– se nenhum cirurgião estiver
disponível, pode-se realizar periocardiocentese
descompressiva (preferencialmente guiada por
ultrassom)1,34
Na toracotomia, se não houver lesão cardíaca,
devem-se visualizar possíveis lesões no tórax e
controlar o sangramento. Se não houver lesão
torácica, pode-se clampear a aorta descendente, a
fim de controlar lesões no abdome.37
Se mesmo assim não houver retorno à circulação
espontânea:
Realizar massagem cardíaca interna e/ou choque
elétrico interno

Se não houver retorno à circulação espontânea após


30 min de ressuscitação e a temperatura do
paciente for maior que 33°, pode-se atestar a
morte.45

Obs.: Estudos recentes mostram que 1,9% dos


pacientes em PCR sobrevivem após ressuscitação
cardiopulmonar adequada e 10% sobrevivem após
toracotomia de reanimação.40

Contusão miocárdica

Sinais e sintomas: O paciente pode apresentar


fratura esternal ou de arcos costais, escoriações
torácicas, sentir desconforto torácico. O paciente
traumatizado pode apresentar hipotensão, arritmias,
alterações na mobilidade da parede cardíaca e
alterações eletrocardiográficas.23,49 Podem ocorrer
diversas alterações eletrocardiográficas, como alterações
no segmento ST, fibrilação atrial, taquicardia sinusal.

A troponina pode se apresentar elevada na confusão


miocárdica, mas seu uso no diagnóstico de contusão
miocárdica é inconclusivo.47

Tratamento: Pacientes com contusão miocárdica


diagnosticada por alterações eletrocardiográficas têm um
risco aumentado para arritmias e devem ser
monitorizados pelas primeiras 24 horas.27

Ruptura traumática de aorta


Epidemiologia: Ruptura traumática de aorta é uma
causa comum de morte súbita em traumas de alta
energia com rápida desaceleração (colisão veicular
>65km/h ou queda de > 3m).12

Cerca de 80% dos pacientes com lesão aórtica


morrem imediatamente.51 Pacientes que sobrevivem
normalmente têm lesões incompletas próximas ao
ligamento arterioso ou lesões tamponadas no
mediastino.8

Sinais e sintomas: Deve-se suspeitar desse tipo de


lesão em situações de força de desaceleração
importante.

As seguintes alterações s no raio-x de tórax podem


estar presentes13,28:

Mediastino alargado
Obliteração do botão aórtico

Desvio da traqueia para a direita


Depressão dos brônquios da esquerda e elevação
dos brônquios da direita
Obliteração do espaço entre a artéria pulmonar e a
aorta
Desvio do esôfago para a direita
Hemotórax à esquerda
Fraturas do primeiro ou segundo arco costal

Na mínima suspeita de rotura de aorta, o paciente


deve ser encaminhado para um centro de referência.8,31
Deve-se realizar uma tomografia computadorizada com
contraste endovenoso, sendo sua sensibilidade e
especificidade próximas a 100% para essas lesões.8,12, 44

Tratamento: Inicialmente, pode-se controlar a


frequência cardíaca e pressão arterial com analgésicos e
betabloqueadores (se não houver contraindicações)
almejando uma FC < 80 bpm e uma PAM de 60 a 70
mmHg.7,9,51

O tratamento cirúrgico pode ser feito por cirurgia


aberta ou endovascular.17,36,48

Lesão diafragmática traumática

Epidemiologia: As lesões diafragmáticas são


incomuns, representando menos de 1% de todas a lesões
traumáticas. Em traumas toracoabdominais penetrantes,
há lesão diafragmática em 7-67% dos casos.
Normalmente está associada a lesões de outros órgãos
torácicos e abdominais.1

Lesões diafragmática que passam despercebidas


podem levar a herniação em até 30% dos pacientes, dos
quais 85% se manifestam nos primeiros 3 anos do
trauma.33
Causas: Normalmente são causadas por traumas
penetrantes, sendo uma minoria causada indiretamente
por traumas fechados. Os traumas fechados
normalmente produzem grandes herniações, enquanto
traumas penetrantes produzem pequenas perfurações,
que podem passar despercebidas.33

Classificação: As lesões diafragmáticas podem ser


classificadas de acordo com a American Association for
the Surgery of Trauma:

Grau Descrição da lesão

I Contusão

II Laceração < 2 cm

III Laceração entre 2 e 10 cm

IV Laceração > 10 cm; perda tecidual < 25 cm²

V Laceração e perda tecidual > 25 cm²

Diagnóstico: O diagnóstico de lesão diafragmática


não é tão simples. Uma radiografia de tórax pode
mostrar: diafragma elevado, dilatação gástrica e sonda
gástrica na cavidade torácica.33

Pode ser solicitada tomografia computadorizada com


contraste oral, mas pequenas lesões no diafragma
podem não ser vistas. O sinal mais comum na tomografia
é da descontinuidade diafragmática.a mostrou uma
sensibilidade de 73% a 90% no diagnóstico de lesões
diafragmáticas.1
A radiografia de tórax tem uma sensibilidade de 17%
a 46%, enquanto a tomografia computadorizada mostrou
uma sensibilidade de 73% a 90% no diagnóstico de
lesões diafragmáticas.1

Essa duvida diagnostica e particularmente polemica


no paciente estavel sem indicacao de cirurgia, visto que
em muitos casos a lesao diafragmatica e identificada no
intraoperatorio. Diante da baixa acuracia dos exames de
imagem, pode-se indicar toracoscopia ou laparoscopia
diagnósticas, cada opcao com suas vantagens e
desvantagens.33 Os procedimentos minimamente
invasivos, além de terem maior sensibilidade diagnóstica
(83-87,5%) que a radiografia e a tomografia de tórax,
possibilitam o tratamento da lesão.33

Tratamento: O tratamento é com rafia da lesão, seja


por laparotomia ou laparoscopia.29 Poucos casos, em que
a perda tecidual é muito grande, necessitam de
colocação de tela de polipropileno para cobrir o defeito.29

Ruptura esofágica

Epidemiologia: A ruptura esofágica é uma lesão


traumática rara, ocorrendo principalmente por traumas
penetrantes. Grandes centros de traumas atendem cerca
de 1 a 2 casos de ruptura esofágica por ano.1

Classificação: As lesões esofágicas podem ser


classificadas de acordo com a American Association for
the Surgery of Trauma:

Grau Descrição da lesão

I Contusão, hematoma

II Laceração < 50%

III Laceração > 50%

IV Perda tecidual ou desvascularização < 2 cm

V Perda tecidual ou desvascularização > 2 cm

Diagnóstico: Deve-se suspeitar de lesão esofágica


pela correlação do mecanismo de trauma (ferimento por
arma de fogo, ferimento por arma branca), local da lesão
(cervical, tórax e abdome) e de lesões identificadas de
estruturas próximas.

O paciente pode apresentar alguns sintomas, como:


hematêmese, odinofagia, hipersalivação, disfagia, dor
cervical. Contudo, esses sintomas nem sempre estão
presentes.1

Como a sensibilidade da tomografia computadorizada


é baixa, podemos lançar mão da esofagocopia e da
esofagografia na dúvida diagnostica.1

Tratamento: Pode ser passada uma sonda


nasogástrica sob visualização direta para descompressão
gástrica e iniciada antibioticoterapia.

Idealmente, o tratamento cirúrgico deve ser realizado


nas primeiras 24h do trauma para evitar futuras
complicações.1

Pontos Importantes
Os traumas de vias aéreas devem ser identificados
através de sinais de obstrução de vias aéreas ou de
lesões da árvore traqueobrônquica ainda duante o
atendimento inicial. O diagnóstico é clínico-
radiológico e o tratamento dos traumas de via aérea
consiste na desobstrução da via aérea, quando
possível, e garantir via aérea definitiva.

A maior parte das lesões intratorácicas podem ser


tratadas adequadamente com uma drenagem
pleural.

O pneumotórax hipertensivo é uma emergência


cirúrgica e uma das principais causas de morte não
hemorrágica no trauma. Suspeita-se dessa condição
quando houver hipotensão, turgência jugular, desvio
de traqueia, murmúrios vesiculares abolidos e
percussão torácica timpânica. O pneumotórax
hipertensivo deve ser tratado com um procedimento
de alívio (punção ou toracostomia), seguido de
drenagem torácica no hemitórax acometido.

O manejo de pacientes com contusão pulmonar


pode ser desafiador. A reposição volêmica deve ser
cautelosa uma vez que pode ocasionar piora do
quadro contusional, especialmente entre 24-72
horas.

A toracotomia de emergência deve ser considerada


quando houver saída imediata de mais de 1500 mL
de sangue na drenagem torácica ou débito de mais
de 200mL/h na primeiras 2 a 4 horas.
A pericardiocentese é, atualmente, um
procedimento realizado em pacientes com sinais de
tamponamento cardíaco quando não há algum
médico habilitado para realizar uma toracotomia. A
tríade de Beck está associada a essa condição. A
ultrassonografia point of care apresenta alta
sensibilidade para detectar o hemopericárdio.

A parada cardiorrespiratória no trauma deve ser


conduzida com manobras de ressuscitação
cardiopulmonar simultaneamente ao ABC do ATLS. A
principal diferença em relação às manobras do ACLS
pode incluir a drenagem torácica bilateral e a
posterior toracotomia de reanimação com
massagem cardíaca interna, se não houver retorno à
circulação espontânea, de forma individualizada.
Casos em que a causa da parada é um
tamponamento cardíaco apresentam sobrevida
maior após a toracotomia de reanimação quando
comparado a causas de hipovolemia.

Outras lesões devem ser identificadas na avaliação


secundária, que incluem: hemotórax, pneumotórax
simples, tórax instável, contusão pulmonar e
contusão miocárdica.

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Caso 20 | Trauma
Abdominal Contuso
Autores: Sumaya Abdul Ghaffar, José Donizeti de Meira Júnior, Carlos
Augusto Metidieri Menegozzo

História Clínica
Paciente de 25 anos, sexo masculino, trazido pela
unidade de suporte avançado do serviço de emergências,
via transporte terrestre, com história de acidente auto x
auto em via expressa a 80 km/h, com colisão frontal. O
paciente era o passageiro e utilizava cinto de segurança
de 3 pontos. Motorista ejetado do veículo, sendo
constatado óbito na cena.

Exame Físico De Admissão


FC: 120 bpm

FR: 18 irpm
PA 160 x 110 mmHg

Sat O₂: 99% em ar ambiente

GCS 15, agitado, deformidade em antebraço direito.

Tempo de transporte de 60 min.

Avaliação primária
A: Vias aéreas pérvias com colar cervical e prancha
rígida. Traqueia centrada, sem estase jugular.

B: Dispneico, murmúrio vesicular abolido à direita,


com hipertimpanismo à percussão, FR 20 irpm,
SatO₂ 90% com máscara de O₂ a 10 L/min. Presença
de equimose à direita, em região do cinto de
segurança, dor e crepitação à palpação de região
anterior do hemitórax direito.

C: FC 90 bpm, PA 140 x 80 mmHg, TEC < 3s,


corado.

D: Abdome com equimose em região do cinto de


segurança. Avaliação do abdome prejudicada em
razão da dor intensa em antebraço direito. Pelve
estável, sem hematomas perineais. Sem
sangramentos evidentes ao exame físico. Toque
retal com esfíncter normotônico, sem espículas
ósseas palpáveis, próstata alcançável, sem
sangramentos. FAST negativo*.
E: Escala de Coma de Glasgow: 15, pupilas
isocóricas e fotorreagentes bilateralmente, sem
déficit motores evidentes.

F: Equimoses na região do cinto de segurança em


tórax e abdome. Desvio evidente em antebraço
direito, sem lesões na pele, pulsos distais
preservados. Poucas escoriações em membros.
Condutas Iniciais Na Sala De
Trauma
Atendimento realizado no formato de “Trauma
Team”.

Oxigênio suplementar a 10 L/min através de


máscara facial com reservatório.

Drenagem de tórax à direita em 5º espaço


intercostal na linha axilar média com dreno tubular
nº 38, sob selo d’água.

2 acessos venosos periféricos calibrosos e iniciada


reposição volêmica com 1000 mL de Ringer Lactato
aquecido. Coletada amostra de sangue para exames
laboratoriais, e prescrita analgesia com opioides.

Sondagem vesical de demora com saída de urina


clara.

Alinhamento e imobilização do membro.

Gasometria arterial para realização de exames


point-of-care.

Tomografia de corpo inteiro + RX de antebraço


direito.

Avaliação secundária

A: Nega alergias.

M: Nega uso regular de medicamentos.


P: Nega comorbidades conhecidas.

L: Última ingestão de líquidos há 1 hora (álcool),


última refeição há 3 horas.

A: Refere que o acidente ocorreu na Marginal


Pinheiros por imprudência do condutor, que estava
utilizando o celular no momento da colisão.

Evolução
Paciente manteve-se estável hemodinamicamente
durante a tomografia. Apresentou melhora do padrão
respiratório e da saturação de oxigênio após a drenagem
torácica. Refere melhora parcial da dor em antebraço
após analgesia. Levado à sala de trauma após a
tomografia para monitorização contínua.

Exames laboratoriais

Exame Resultado Valor de Referência

Hemoglobina 14,0 g/dL 13 a 18 g/dL

Hematócrito 42% 40 a 52%

Leucometria 11.500/mm³ 4.000 a 11.000/mm³

Plaquetas 300.000/mm³ 150.000 a 450.000/mm³

TP / RNI 13,0 seg / 1,1 12,1 a 16,3 seg / 0,80 a 1,20

TTPa / R 30,0 seg / 1,0 25,1 a 36,5 seg / 0,80 a 1,20

Ureia 35 mg/dL 10 a 50 mg/dL

Creatinina 0,9 mg/dL 0,7 a 1,2 mg/dL


Exame Resultado Valor de Referência

Sódio 138 mEq/L 135 a 145 mEq/L

Potássio 3,8 mEq/L 3,5 a 5,0 mEq/L

pH 7,37 7,35 a 7,45

PO2 90 mmHg 80 a 100 mmHg

PCO2 40 mmHg 35 a 45 mmHg

Bicarbonato 24 mmol/L 21 a 28 mmol/L

Excesso de Bases -2 mmol/L -3 a +3 mmol/L

Amilase 160 U/L 28 a 100 U/L

Tomografia de Corpo Inteiro (achados


positivos):

Tórax: contusão pulmonar à direita com fratura de


3º arco costal, mediastino centrado e sem lesões
expansivas, dreno tubular a direita bem locado,
pulmões expandidos.

Abdome: presença de líquido livre em pequena


quantidade, ausência de lesões em vísceras
parenquimatosas, ausência de pneumoperitônio.

Pelve: sem sinais de fraturas, presença de sonda


vesical com balonete insuflado no interior da bexiga.
Figuras 1 e 2

Em razão da presença de líquido livre abdominal sem


lesão em víscera parenquimatosa que o justifique, foi
indicada laparotomia exploradora. Durante a exploração
da cavidade abdominal foi identificada laceração em
mesentério com comprometimento da vascularização de
um segmento de 30 cm de jejuno a 15 cm do ângulo de
Treitz, que já apresentava sinais de sofrimento vascular.
Foi realizada enterectomia segmentar e
enteroenteroanastomose mecânica laterolateral. O
restante da cavidade inspecionada não apresentava
alterações.

Scores de trauma: Injury Severity Score = 22 / Revised


Trauma Score = 8.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Quais os tipos de trauma em que se deve


suspeitar de lesão abdominal?
2. Quais são os preditores de gravidade na história
do trauma?

3. Quais as características do atendimento inicial ao


politraumatizado que remetem à existência de
trauma abdominal contuso?

4. Quais são os fatores de confusão da avaliação do


abdome dos pacientes politraumatizados?
5. Quais as indicações de tomografia de corpo inteiro
e as razões para utilizá-la?

6. Qual a conduta em caso de presença de líquido


livre no abdome sem lesão de víscera
parenquimatosa?

7. Quais as classificações e condutas específicas no


trauma abdominal, a depender das vísceras
lesadas?

Discussão
O trauma abdominal contuso (ou fechado)
corresponde a 80% dos traumatismos neste segmento
corporal¹. O principal mecanismo são os acidentes
envolvendo veículos automotores (75%)². Outros
mecanismos menos importantes incluem agressões
interpessoais, traumatismos diretos ao abdome e
quedas³. A população mais acometida são os homens
jovens (2ª e 3ª décadas de vida).

Fígado e baço são os principais órgãos lesados2,3.


Lesões pancreáticas, intestinais, mesentéricas, vesicais e
diafragmáticas são menos comuns, porém sempre
devem ser consideradas e investigadas4.

Os principais mecanismos fisiopatológicos envolvidos


na lesão de vísceras abdominais no trauma fechado
incluem aumento súbito na pressão intra-abdominal,
podendo resultar em ruptura de víscera oca,
desaceleração brusca levando a laceração de vísceras
próximo ao seu ponto de fixação no peritônio, ou
compressão das vísceras abdominais contra a coluna ou
o gradeado costal4. Fraturas costais também podem ser
responsáveis por lesão de órgãos intra-abdominais.

Avaliação

A avaliação e o atendimento ao paciente vítima de


Trauma Abdominal Contuso seguem as orientações do
ATLS.

Durante a anamnese, merece destaque o mecanismo


do trauma, e especialmente nos acidentes
automobilísticos, a velocidade em que o acidente
ocorreu, se houve capotamento ou colisão frontal, se os
passageiros utilizavam cinto de segurança (e de qual tipo
– cintos de 2 pontos aumentam o risco de fratura de
Chance4), e se houve óbitos na cena.

Na avaliação primária na sala de trauma, uma


possível lesão abdominal já pode ser suspeitada na etapa
“C” do ATLS. As alterações relacionadas a choque
(taquicardia, hipotensão, pulsos periféricos filiformes ou
ausentes, tempo de enchimento capilar lentificado, entre
outros), no contexto de trauma abdominal, sugerem que
o abdome seja fonte de sangramento. A avaliação
pormenorizada do abdome deve ser realizada durante a
Avaliação Secundária, englobando inspeção, palpação,
ausculta e percussão. Vale ressaltar que a apresentação
clínica é variada e, em muitas situações, o exame clínico
não é confiável. Assim, deve-se manter um alto índice de
suspeição de hemorragia abdominal em pacientes com
mecanismo de trauma compatível mesmo se os achados
do exame físico não forem decisivos.

É importante avaliar se há queixa de dor abdominal;


se há estigmas de trauma abdominal à inspeção como
escoriações e equimoses na parede abdominal anterior.
O sinal do cinto de segurança (equimoses na parede
abdominal e torácica anterior, na região de contato com
o cinto de segurança) é importante, pois pode indicar
lesão intra-abdominal em até 30% dos pacientes1, 5.

Avaliam-se também distensão abdominal, dor à palpação


ou sinais de peritonismo (tais como descompressão
brusca, defesa involuntária, ou rigidez da parede
abdominal). Uma etapa importante da avaliação
abdominopélvica é o toque retal, que deve avaliar
tonicidade do esfíncter, localização da próstata, presença
de espículas ósseas e sangramentos.

O exame físico abdominal de pacientes que se


encontram com rebaixamento do nível de consciência,
com lesões medulares, sedados, com outras lesões que
provocam dor intensa (e que, portanto, distraem o
paciente do exame abdominal, p.ex. fraturas com desvio
importante), ou sob efeito de álcool ou drogas, não é
confiável. Esses pacientes devem ser avaliados com
métodos complementares à procura de lesões intra-
abdominais que tenham passado despercebidas durante
o exame físico. Até 7% dos pacientes com fatores de
confusão podem apresentar lesões intra-abdominais
significativas mesmo na ausência de dor abdominal6.

Exames laboratoriais

Exames laboratoriais relevantes para o abdome, além


dos que já fazem parte da rotina do politraumatizado
(hemograma completo, coagulograma, função renal,
eletrólitos e tipagem sanguínea), incluem amilase sérica
(que pode indicar lesões pancreáticas e de alças
intestinais quando aumentada), urina 1 (presença de
microhematúria tem correlação com lesões intra-
abdominais) e gasometria arterial (que pode indicar
hipoperfusão tecidual quando há lactato elevado ou
déficit de bases).

Exames de imagem

Frente à suspeita de trauma abdominal fechado, é


importante a realização de exames de imagem para
excluir ou confirmar a presença de lesões em vísceras
intra-abdominais.

A Tomografia Computadorizada é hoje considerada


padrão-ouro na avaliação do politraumatizado. A
implementação de protocolos de Tomografia de Corpo
Inteiro em serviços de trauma permite detectar lesões de
difícil diagnóstico clínico ou por outros exames de
imagem, como afecções de retroperitônio, vasculares,
osteomusculares, entre outras. As indicações de TC de
corpo inteiro estão relacionadas ao mecanismo de
trauma, reservadas àqueles de maior energia como:
quedas > 3 m de altura, colisões a > 50 km/h, ejeção do
veículo e acidentes com mortes na cena. Também deve
ser considerada em situações de mecanismo de trauma
desconhecido e paciente inconsciente ou desorientado.
Os protocolos para indicação de TC de corpo inteiro
variam conforme o serviço.

Na avaliação do Trauma Abdominal Contuso, a TC de


Abdome com contraste EV é indicada para pacientes
estáveis hemodinamicamente. É o padrão-ouro,
apresentando elevada sensibilidade e especificidade.
Entre seus benefícios, destacam-se a possibilidade de
classificar o grau da maior parte das lesões intra-
abdominais, definir a quantidade e a origem do
hemoperitônio, possibilita a avaliação da coluna vertebral
e do retroperitônio, e permite caracterizar sangramento
ativo (“blush” ou extravasamento de contraste). Suas
principais limitações são a necessidade de estabilidade
hemodinâmica para sua realização, a baixa capacidade
de diagnosticar lesões mesentéricas, intestinais e
diafragmáticas pequenas, necessidade de uso de
contraste endovenoso, exposição à radiação e custo
elevado.

É importante destacar que a presença de líquido livre


na tomografia de abdome sem lesão de víscera
parenquimatosa (fígado ou baço, principalmente) que o
justifique deve motivar suspeita de lesão em 3 principais
órgãos: mesentério, intestino e bexiga. Nessa situação, a
conduta deve ser individualizada. A equipe pode optar
por monitorização clínica do paciente internado ou
exploração cirúrgica. Na situação de tratamento
operatório, a laparoscopia apresenta um importante
papel pois permite exclusão de lesões intraperitoneais
sem a morbidade associada a uma laparotomia
exploradora. As lesões de vísceras parenquimatosas, a
depender da gravidade e da estabilidade hemodinâmica
do paciente, tanto na entrada quanto na sua evolução,
podem ser manejadas de modo não operatório ou ter
indicação cirúrgica imediata.

O FAST atualmente é o exame de escolha para


pacientes instáveis, podendo ser realizado na sala de
trauma, inclusive como medida auxiliar à avaliação
primária do paciente. Embora indicado para pacientes
instáveis, em centros de excelência no atendimento do
politraumatizado em que sua disponibilidade é fácil, o
exame é realizado na sala de emergência para todos os
pacientes com mecanismo de trauma que justifique a
avaliação intra-abdominal de maneira rápida.
O objetivo do FAST é detectar líquido livre na
cavidade. O líquido aparece como coleção hipo ou
anecogênica e também pode ser utilizado para a
avaliação de pneumotórax (protocolo E-FAST).

As seguintes janelas são avaliadas:

Pericárdica.
Espaço hepatorrenal (espaço de Morison).

Espaço esplenorrenal.
Fundo de saco posterior (retrovesical).
Ápices e bases do tórax (E-FAST).

Não são vistas no FAST lesões como as


diafragmáticas, pancreáticas, perfurações de vísceras
ocas, traumas mesentéricos e lesões abdominais que não
resultem em líquido livre na cavidade. No paciente
instável, a presença de líquido livre em qualquer janela
abdominal (FAST positivo) indica laparotomia
exploradora. Um FAST negativo sugere que a causa da
instabilidade não é abdominal, sendo necessário
investigar outros focos. Vale ressaltar que a
especificidade do FAST não é muito alta. Assim,
recomenda-se que, caso negativo, o exame seja repetido
de modo a aumentar sua acurácia. Não é infrequente que
o segundo FAST identifique líquido livre intra-abdominal.
Outro exame que pode ser realizado no paciente
instável é o Lavado Peritoneal Diagnóstico (LPD). É
realizado através de incisão mediana 3 cm abaixo do
umbigo. Após a abertura de todos os planos até a
cavidade, é feita a sutura em bolsa do peritônio e a
introdução de uma sonda de Levine, com aspiração e
avaliação do conteúdo. O exame é positivo se hemático e
indica laparotomia exploradora. Em caso de conteúdo
não hemático, infunde-se 1000 mL de soro fisiológico
com aspiração imediata do líquido, objetivando a
recuperação de 700 mL deste volume. Os critérios de
positividade do LPD são7:

1. Saída de mais de 10 ml de sangue na aspiração


inicial após abertura do peritônio.
2. Saída de sangue à drenagem do líquido infundido.

3. Mais de 100.000 hemácias por campo ou 500


leucócitos no exame do líquido de retorno.
4. Saída de restos alimentares, bile e material fecal.

A única contraindicação absoluta ao lavado peritoneal


diagnóstico é a laparotomia exploradora já indicada.
Atualmente, entretanto, o LPD vem perdendo espaço
para o FAST, e raramente é realizado, ficando reservado
a situações em que não se tem o aparelho de
ultrassonografia disponível.
A radiografia simples de abdome é pouco utilizada no
atendimento ao trauma abdominal.

Classificações e condutas específicas no


Trauma Abdominal Contuso

Lesão Traumáticas Intestinais

O trauma de alças intestinais é classificado pela AAST


da seguinte maneira:
Tabela 1 – Lesões intestinais (cólon e delgado) traumáticas, adaptação da
tabela proposta por Moore et al8.

Tipo de
Grau Descrição
lesão

I Hematoma Contusão ou hematoma, sem laceração.

I Laceração Espessura parcial, sem perfuração.

II Laceração Menor que 50% da circunferência.

III Laceração Maior que 50% da circunferência, sem transecção.

IV Laceração Transecção do intestino.

Transecção do intestino com perda de tecido


V Laceração
segmentar.

V Vascular Desvascularização segmentar.

A conduta é conservadora a priori em hematomas,


sendo cirúrgica em todas as demais lesões, com
enterectomia e enteroenteroanastomose a ser realizada
a critério do cirurgião.

Lesão Traumáticas Hepáticas


As lesões hepáticas são também classificadas pela
AAST:
Tabela 2 – Lesões hepáticas traumáticas conforme AAST.

Grau Lesão Características na TC de abdome

I Hematoma Subcapsular < 10% da área de superfície

Ruptura capsular < 1 cm de profundidade no


I Laceração
parênquima

Subcapsular, 10 a 50% da área de superfície ou


II Hematoma
intraparenquimatoso < 2 cm de diâmetro

1 a 3 cm de profundidade no parênquima, < 10 cm


II Laceração
de extensão

Subcapsular, > 50% da área de superfície ou em


expansão. Rotura subcapsular ou hematoma
III Hematoma
parenquimatoso. Hematoma intraparenquimatoso >
2 cm ou em expansão

III Laceração Maior que 3 cm em profundidade

Dilaceração do parênquima envolvendo 25 - 75% do


IV Laceração lobo hepático ou 1 – 3 segmentos de Coinaud no
mesmo lobo.

Dilaceração do parênquima > 75% do lobo hepático


V Laceração
ou > 3 segmentos de Coinaud no mesmo lobo.

Lesão de veias justahepáticas ou veias


V Vascular
hepáticas/veia cava retrohepática

VI Vascular Avulsão hepática

O tratamento não operatório das lesões pode ser a


conduta de escolha desde que não haja instabilidade e
nem outra indicação de laparotomia exploradora. O
ambiente também deve ser propício para monitorização
intensiva do paciente, com dosagem seriada de Hb/Ht e
disponibilidade de equipe cirúrgica e anestésica 24h por
dia, além de angiografia e hemocomponentes. O grau da
lesão não deve ser considerado isoladamente para
decidir pela conduta cirúrgica. No entanto, é fato que as
lesões de maior grau resultam em instabilidade
hemodinâmica com maior frequência.

Quando indicada cirurgia, pode-se optar por uma


tática de controle de danos (tamponamento com
compressas, por exemplo) ou pelo tratamento definitivo
(cauterização, hepatorrafia, epiplonplastia, uso de
agentes hemostáticos, entre outros). A angiografia com
embolização também é uma opção em casos com blush
arterial ou pseudoaneurisma, em pacientes estáveis
hemodinamicamente sem outras indicações cirúrgicas.

Lesão Traumáticas Esplênicas

As lesões traumáticas do baço também são


classificadas pela AAST:
Tabela 3 – Lesões esplênicas traumáticas conforme AAST

Grau Lesão Descrição

Hematoma Subcapsular, <10% da área da superfície.


I
Laceração Capsular ou com profundidade <1cm.

Hematoma Subcapsular, 10-50% da área de superfície.


II
1-3 cm de profundidade sem envolver vasos
Laceração
trabeculares.

III Subcapsular, 50% da área de superfície; ou rotura;


Hematoma
ou intraparenquimatoso >5 cm ou em expansão.
Grau Lesão Descrição

>3 cm de profundidade ou envolvendo vasos


Laceração
trabeculares.

Envolve vasos hilares ou segmentares com


IV Laceração
desvascularização (>25% do baço).

Laceração Explosão esplênica


V
Lesão do pedículo com desvascularização de todo o
Vascular
baço.

O tratamento conservador de lesão de vísceras


parenquimatosas surgiu inicialmente para lesões
esplênicas e hoje é a conduta para a maior parte delas.
Na indicação cirúrgica, opta-se frequentemente pela
esplenectomia, por ser mais rápida do que as táticas de
preservação esplênica, embora estas também possam
ser aplicadas conforme a gravidade da lesão e a
experiência do cirurgião. Após a esplenectomia, é
importante realizar a vacinação do paciente para
pneumococos, Haemophilus influenza, menigococos e
vacinação anual para influenza.

Lesão Traumáticas Pancreáticas


Tabela 4 – Lesões pancreáticas traumáticas conforme AAST.

Grau Descrição

I Contusão pequena, laceração superficial sem lesão ductal.

II Contusão/laceração maior sem lesão ductal ou perda tecidual.

III Transecção distal, laceração com secção do ducto.

IV Transecção proximal, lesão com envolvimento da ampola.


Grau Descrição

V Rotura da cabeça pancreática.

V Transecção do intestino com perda de tecido segmentar.

V Desvascularização segmentar.

As lesões de pâncreas são raras, ocorrendo em menos


de 2% dos traumas. Em traumas complexos onde a
dissecção intraoperatória é difícil, dificultando a
determinação da integridade do ducto pancreático ou em
traumas de cabeça do pâncreas, a melhor conduta é a
drenagem ampla e reavaliação em segundo momento. A
pancreatografia intraoperatória é muito mórbida e
contraindicada na maioria dos serviços. Em casos menos
complexos, a pancreatectomia corpo caudal com ou sem
preservação esplênica pode ser uma opção. Em casos
grau I ou II, a drenagem ampla está indicada se houver
indicação de laparotomia exploradora; caso contrário,
deve-se optar por tratamento não operatório e avaliação
do doente. Em casos de lesões graus IV e V, muitas
vezes indica-se a gastroduodenopancreatectomia com
reconstrução em um segundo tempo cirúrgico.

Lesão Traumáticas Renais

As lesões traumáticas renais também são


classificadas pela AAST e, em sua grande maioria, a
suspeição de trauma renal se dá por hematúria vista na
sondagem vesical de demora. A maioria dos casos
também são passíveis de tratamento não operatório. Em
casos de indicação cirúrgica, deve-se avaliar a
possibilidade de preservação renal. Na impossibilidade
de preservação renal e diante de instabilidade
hemodinâmica, a nefrectomia é a cirurgia de escolha
(Tabela 5).
Tabela 5

Grau Descrição

I Contusões e hematomas subcapsulares.

II Lacerações corticais com hematomas perirrenais.

Lacerações envolvendo a junção cortico-medular ou trombose


III
arterial segmentar sem laceração.

Lacerações envolvendo o sistema coletor ou segmentações da


IV artéria renal levando à existência de área desvascularizada e a
lesões do pedículo principal com hemorragia contida.

Avulsão do hilo renal, trombose da artéria renal ou múltiplas


V
fragmentações do órgão.

V Transecção do intestino com perda de tecido segmentar.

V Desvascularização segmentar.

Lesões Traumáticas de Bexiga

A maioria dos traumas de bexiga urinária são


contusos, e grande parte desses traumas é associada à
fratura pélvica. As lesões traumáticas da bexiga são
classificadas em extraperitoneais ou intraperitoneais, o
que já basta para definir a conduta na maioria dos casos.

Clinicamente, suspeita-se de lesão traumática da


bexiga no paciente com hematúria macroscópica,
fraturas pélvicas, dor suprapúbica e dificuldade
miccional. Para confirmação diagnóstica deve-se realizar
cistografia retrógrada miccional ou cistotomografia,
métodos que também permitem classificar a lesão em
intra ou extraperitoneal. Vale ressaltar que, como esses
exames requerem sondagem vesical, é importante
excluir trauma uretral antes de sua realização, sendo,
portanto, contraindicados em pacientes com uretrorragia,
hematomas escrotais, perineais, ou com próstata não
alcançável ou espículas ósseas palpáveis ao toque retal.
Nesses casos, a realização de uretrografia retrógrada
deve preceder a cistografia miccional/cistotomografia. A
fase tardia da TC com contraste EV também pode sugerir
lesão de bexiga.

A conduta é diretamente relacionada à classificação


da lesão. A grande maioria das lesões intraperitoneais
tem tratamento cirúrgico, e das extraperitoneais,
conservador. Nestes, a sondagem vesical por
aproximadamente 14 dias é suficiente. Exceções, para as
quais se indica tratamento cirúrgico precoce, são os
pacientes com fraturas pélvicas expostas com
fragmentos ósseos intravesicais, lesões retais ou vaginais
concomitantes (para evitar formação de fístula com a
bexiga), lesão traumática do colo vesical, quando há
outras indicações para laparotomia (desde que o estado
do paciente permita prolongar o procedimento para a
rafia vesical), e hematúria persistente que interfira com a
adequada drenagem urinária (nesse contexto não se
deve realizar irrigação vesical com sonda de 3 vias).

O reparo cirúrgico das lesões vesicais é realizado com


rafia em 2 planos com fio absorvível e manutenção da
sonda vesical (uretral ou via cistostomia) por 14 dias.
Deve-se realizar nova cistografia antes da remoção da
sonda para confirmar a resolução da lesão.

Conclusão

O manejo do trauma abdominal fechado deve ser


guiado pelo Cirurgião Geral, o qual deve estar atento ao
mecanismo do trauma e aos fatores confundidores do
exame abdominal no politraumatizado. O uso de exames
de imagem tem importância significativa, tanto para
diagnóstico de lesões que passariam despercebidas pelo
exame físico, quanto para confirmar e estadiar as lesões
já suspeitadas na avaliação do paciente.

A instabilidade hemodinâmica decorrente de lesão


abdominal ou a presença de pneumoperitônio definem
conduta cirúrgica para os traumas abdominais. Para os
traumas de vísceras parenquimatosas com estabilidade
hemodinâmica, havendo disponibilidade de banco de
sangue e de equipe cirúrgica 24h/dia, pode ser tentado
tratamento não operatório, deixando-se o paciente
monitorizado em leito de UTI, e com acompanhamento
próximo de seus sinais vitais e exames laboratoriais.
Presença de líquido livre sem lesão de víscera
parenquimatosa deve levantar suspeita de trauma
intestinal, mesentérico ou de bexiga. Lesões intestinais e
de mesentério geralmente têm conduta cirúrgica, assim
como a ruptura vesical intraperitoneal. A ruptura de
bexiga extraperitoneal pode ser manejada apenas com
sondagem vesical na maioria dos casos.

Pontos Importantes
Deve-se sempre suspeitar de lesão abdominal em
traumas de alta energia, especialmente na presença
de peritonite e/ou instabilidade hemodinâmica.
Os preditores de gravidade na história do trauma
são avaliados por scores específicos como o Injury
Severity Score (ISS) e o Revised Trauma Score (RTS).
A suspeita de trauma abdominal contuso durante o
atendimento inicial do paciente inicia na avaliação
hemodinâmica, em que se identifica instabilidade
hemodinâmica. A primeira causa de instabilidade no
trauma é hemorrágica, que pode ser torácica (já
avaliado no início do atendimento), abdominal ou
pélvica. Peritonismo, instabilidade pélvica,
sangramentos uretrais, hematúria e sangramento
retal também indicam trauma abdominal, além de
equimoses na inspeção do abdome, por exemplo.
A avaliação abdominal do paciente politraumatizado
é complexa: o paciente nem sempre está em GCS
15 e orientado para responder a respeito de dor
abdominal; pode ter outras lesões (fraturas,
amputações e queimaduras, por exemplo), que
distraiam o paciente e pode, ainda, haver fatores de
confusão como uso de drogas ou álcool.
As indicações de TC de corpo inteiro estão
relacionadas com traumas de alta energia: colisões
a mais de 50km/h, capotamentos, ejeção de veículo,
óbitos na cena, quedas de mais de 3m de altura; e
variam conforme o serviço. A TC de corpo inteiro é
importante ao determinar lesões graves que
passariam despercebidas no exame físico, como
lesões retroperitoneais.
A presença de líquido livre vista na tomografia, sem
lesão de víscera parenquimatosa, chama a atenção
para possíveis lesões de alças intestinais, de
mesentério ou de bexiga. A conduta, nesses casos,
é a investigação da cavidade, seja por laparoscopia
ou laparotomia diagnóstica, conforme a diretriz do
serviço.
As classificações de lesões viscerais são divididas
conforme o órgão afetado – lesões hepáticas, renais
e esplênicas têm, na maioria dos casos, conduta
conservadora, bem como lesões extraperitoneais de
bexiga. Lesões de alça e lesões intraperitoneais de
bexiga requerem abordagem cirúrgica.

Referências
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this adult patient have a blunt intra-abdominal
injury? JAMA 2012;307:1517.

2. Isenhour JL, Marx J. Advances in abdominal trauma.


Emerg Med Clin North Am 2007;25:713.
3. Davis JJ, Cohn I Jr, Nance FC. Diagnosis and
management of blunt abdominal trauma. Ann Surg
1976; 183:672.

4. Diercks DB, Clarke S. Initial evaluation and


management of blunt abdominal trauma in adults.
Post TW, ed. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate Inc.
www.uptodate.com (Accessed on March 12, 2019.)
5. Velmahos GC, Tatevossian R, Demetriades D. The
“seat belt mark” sign: a call for increased vigilance
among physicians treating victims of motor vehicle
accidents. Am Surg 1999;65:181.

6. Ferrera PC, Verdile VP, Bartfield JM, Snyder HS,


Salluzzo RF. Injuries distracting from intra-abdominal
injuries after blunt trauma. Am J Emerg Med
1998;16(2):145.
7. Pereira Júnior GA, Lovato WJ, Carvalho JB, Horta MFV.
Abordagem geral trauma abdominal. Medicina
(Ribeirão Preto) 2007;40(4):518-30.
8. Moore EE, Cogbill TH, Malangoni MA, Jurkovich GJ,
Champion HR, Gennarelli TA, et al. J Trauma. 1990
Nov;30(11):1427-9.
Caso 21 | Trauma De
Pelve
Autores: Henrique Simonsen Lunardelli e Luis Gustavo Gusberti
Orientador: Carlos Augusto Metidieri Menegozzo

História Clínica
S.J.L., 35 anos, pedestre vítima de atropelamento por
ônibus em via de alta velocidade, atendido pelo resgate
e levada ao hospital em 40 minutos. Relatos informam
que o veículo passou por cima da vítima, poupando a
região superior do corpo, sem traumas na cabeça. Dados
da cena mostraram PA 100 x 60 mmhg, FC 125 bpm, FR
24 irpm, SpO₂ 96%. Durante transporte foi intubada e
recebeu 1L de solução cristalóide por acesso venoso
periférico em MSD. Foi iniciado também infusão de
midazolam e fentanil para manutenção da sedação.

Atendimento Inicial
Na chegada ao hospital recebe atendimento da Equipe
de Trauma:

A: Tubo endotraqueal bem locado, com colar


cervical e prancha rígida;
B: MV + bilateralmente, boa expansibilidade
torácica, percussão com som claro pulmonar
bilateralmente. FR 28 irpm, SpO₂ 94%; Ventilação
em ambu com tubo traqueal com FiO₂ de 100%.

C: PA 80 x 40 mmhg. FC 135bpm. Abdome plano,


sem sinais de escoriações, pelve com importante
deformidade à direita, instável à manobra de
compressão, com grande hematoma e escoriações
múltiplas, sem sinais de sangramentos ativos. Toque
retal sem alterações. FAST negativo. Iniciada
reposição de mais um litro de Ringer Lactato
aquecido e solicitado transfusão sanguínea em
caráter de urgência. Alocado lençol em pelve para
fixação externa.

D: Glasgow 3T, PIFR, recebendo bomba de infusão


com midazolam e fentanil.

E: Alterações descritas em C, sem outras


alterações. Sem sinais de fraturas expostas.
Realizada sondagem vesical de demora, sem
intercorrências, débito urinário imediato de 150 ml
com urina clara.

Prosseguimento do caso após avaliação


clínica

Paciente recebe transfusão de um concentrado de


hemácias e mantém sinais vitais alterados: PA 80 x 50
mmhg; FC 140 bpm; FR 27 irpm.
Realizados RX de tórax e pelve na sala de emergência,
coletada gasometria arterial e iniciado protocolo de
transfusão maciça. Recebeu também uma dose de
ataque de Transamin e profilaxia tetânica.

Exames Laboratoriais
Gasometria arterial: pH: 7,354; pO₂: 120,6; pCO₂:
35,3; HCO₃: 20; BE: -5,4; SO₂: 99,1;

Hb: 8,9 / Ht: 28,2 / Leuco: 14,72 / Neut: 78,2% /


Plaq: 89 / PCR: 130,6

Ur: 26 / Na: 153 / K: 3,6 / Mg: 1,7 / P: 6,7


INR: 1,44 / R: 0,92.

Exames De Imagem
Rx de pelve:
Figura 1

Rx de tórax:

Figura 2

Diagnóstico
Politrauma grave (Figuras 1 e 2).

Trauma de pelve com fratura instável (Figura 1).

Questões Para Orientar a Discussão

1. Como diagnosticar o trauma de pelve na


emergência e quais as medidas iniciais?

2. O exame físico é confiável para afastar fratura


pélvica?
3. Como proceder com o tratamento no caso
descrito?

4. Se o FAST fosse positivo, a conduta mudaria?

5. E se o paciente apresentasse estabilidade


hemodinâmica após as medidas iniciais, a conduta
mudaria?

Discussão

Conceitos

O trauma pélvico decorre geralmente de um impacto


de alta energia e está relacionado à alta
morbimortalidade. É uma entidade clínica de grande
desafio diagnóstico e terapêutico, tanto no âmbito do
atendimento inicial ao politraumatizado quanto nas
divergências na interação multidisciplinar de algumas
especialidades médicas.¹

O trauma pélvico pode ser separado em penetrante


ou fechado (contuso), sendo este último o mais comum
(mais de 80%). O trauma pélvico penetrante não possui
muitas peculiaridades, e sua abordagem e tratamento
seguem os conceitos do trauma penetrante abdominal.³
Aproximadamente 90% dos pacientes vítimas de traumas
pélvicos possuem lesões em outros compartimentos
corpóreos. Esses pacientes frequentemente chegam ao
serviço de emergência em situação grave, demandando
atendimento rápido, eficiente e especializado.²

O Atendimento inicial segue as diretrizes dos


pacientes vítimas de politrauma - orientado pelo ATLS. A
condição clínica e hemodinâmica do paciente é o
principal determinante das condutas.²

Epidemiologia

No Brasil o principal mecanismo de trauma pélvico


são os acidentes de trânsito. Corresponde a
aproximadamente 2 a 8% de todas as lesões
esqueléticas, sejam elas por trauma isolado ou
associadas a outras lesões.³ Entretanto, há um aumento
importante na incidência no subgrupo de pacientes
politraumatizados, chegando a 25%. Fraturas pélvicas
com integridade do arco ósseo posterior são as mais
comuns. A maioria dos pacientes é formada por adultos
do sexo masculino.²³

A mortalidade global do trauma pélvico é de 5-16%.


No entanto, essa taxa pode variar conforme o estado
clínico no atendimento inicial e o tipo de fratura. Como
exemplo, fraturas pélvicas abertas possuem mortalidade
de aproximadamente 45% quando associadas a
instabilidade hemodinâmica.13,5

Patogênese
O trauma pélvico está intimamente ligado a um
mecanismo de impacto de alta energia, normalmente
pedestres atropelados, colisões de veículos em alta
velocidade ou quedas de grandes alturas.
Frequentemente está associado a lesões graves em
estruturas adjacentes, por exemplo, grandes vasos, que
podem levar o paciente rapidamente a choque
hemorrágico, e lesões de vísceras ocas, como reto e
bexiga. Outras lesões de vísceras abdominais como baço,
fígado e intestino podem incidir em cerca de 16,5% dos
casos.¹¹ Lesões de bexiga e uretra podem estar
presentes em 1% e 3,4% dos casos, respectivamente. As
lesões neurológicas podem estar presentes em 10-15%
dos casos, no entanto, em lesões sacrais que acometem
o canal vertebral, este número pode passar dos 50%.²⁶
Com menor frequência, as dissecções de aorta torácica
possuem incidência de 1,5%. Ressalta-se que,
especialmente em idosos, em decorrência da fragilidade
óssea, as fraturas de pelve podem resultar de traumas
de baixa energia.¹⁷

A mortalidade relaciona-se principalmente com


choque hipovolêmico. A fonte de sangramento no trauma
pélvico é venosa em 90% dos casos, proveniente das
fraturas em 86% e do plexo venoso em apenas 4%. Os
outros 10% são provenientes das artérias pélvicas, sendo
as principais a artéria glútea superior e a artéria pudenda
interna.¹⁴
Contemplam as fraturas pélvicas as rupturas do anel
pélvico, fraturas sacrais, acetabulares e lesões por
avulsão. As fraturas podem ser classificadas quanto à
presença de estabilidade pélvica, vetor da força de
impacto e locais das fraturas.⁴

Fraturas instáveis com disjunção do anel pélvico


podem causar aumento do volume pélvico em até 20%.
Com isso, o espaço retroperitoneal adquire capacidade
de acumular praticamente toda a volemia do paciente.
Nesses casos, o potencial de hemorragia fatal aumenta
substancialmente.⁴

A Classificação de Tile modificada define fraturas


como tipo A, B e C de acordo com a estabilidade do anel
pélvico e com o local de fratura (Figura 3).

Figura 3

Tipo A: Estável (Arco posterior intacto)


A1 Avulsão
A1.1 — Espinha ilíaca.
A1.2 — Crista ilíaca.

A1.3 — Tuberosidade isquiotibial.


A2 asa ilíaco ou arco anterior.
A2.1 — Asa ilíaco.

A2.2 — Fratura unilateral do arco anterior.


A2.3 — Fratura bifocal arco anterior.

A3 Sacrococcígea transversa.
A3.1 — Luxação sacrococcígea.

A3.2 — Sacro sem desvio.


A3.3 — Sacro desviado.

Tipo B: Parcialmente Estável (Ruptura incompleta


arco posterior).
B1 Livro aberto (rotação externa).

B1.1 — Sacroilíaca, ruptura anterior.


B1.2— Fratura de sacro.

B2 Compressão Lateral (rotação interna).


B2-1 Ipsilateral anterior e posterior.

B2-2 Contralateral.
B3 Bilateral.
B3.1—Livro aberto bilateral.

B3.2—Livro aberto, compressão lateral.


B3.3—Livro aberto, compressão bilateral
Tipo C: Instável (Ruptura completa arco posterior).

C1 Unilateral.
C1-1 Ilíaco.

C1-2 Fratura ou luxação sacroilíaca.


C1-3 Fratura sacral.

C2 Bilateral, um lado Tipo B, outro Tipo C.


C3 Bilateral.

Outra classificação muito citada na literatura é a de


Young e Burgess, que aborda as fraturas pélvicas de
acordo com o vetor da força de impacto e com a
localização das fraturas (Figura 4).

Figura 4

GRUPO A - Força de compressão lateral


Tipo I: Força lateral posterior - fratura
horizontal ramo púbico ipsilateral - Estável.
Tipo II: força anterior e lateral - fratura
horizontal ramo púbico e fratura asa ilíaco ou
lesão sacroilíaca posterior. Lesão Ipsilateral.

Tipo III: força lateral anterior maior intensidade


cruzando a pelve. Lesão tipo I ou II ipsilateral e
lesão contralateral. Abertura sacroilíaca e lesão
dos ligamentos sacrotuberosos.

GRUPO B - Anteroposterior (AP)

Tipo I: Abertura sínfise púbica < 2,5 cm. Lig


posterior intacto. Estável.
Tipo II: Abertura > 2.5 cm com lesão
sacrotuberosa e abertura SI anterior.
Rotacionalmente instável.
Tipo III: Ruptura completa anterior e posterior.
Instável.

GRUPO C - Força vertical. Instável rotacional e


vertical.6,7

Diagnóstico
Suspeita-se de trauma pélvico logo no início do
atendimento do paciente vítima de trauma, com história
e dados da cena. Mecanismos de trauma como
atropelamentos, quedas de grandes alturas, colisões de
veículos em alta velocidade entre outros, sempre devem
levantar tal suspeita. Ao exame físico, o médico deve
atentar-se a sinais e sintomas baseados na condição
clínica do paciente, na identificação de alterações
ventilatórias e alterações perfusionais. O diagnóstico de
fratura pélvica fica muito mais provável diante de um
paciente hemodinamicamente instável, sem evidência de
traumas torácicos e com FAST ou LPD negativos.23,24

O exame físico da pelve é baseado principalmente na


inspeção e na palpação. Devem-se pesquisar
hematomas, contusões, desvios de membros e fraturas
expostas. A evidência de crepitações, dor ou
instabilidade pélvica à mobilização devem alertar o
médico sobre a possibilidade de fratura pélvica. Um
cuidado deve ser tomado: ao examinar a pelve, não se
deve realizar o exame repetida ou desnecessariamente,
pois as manobras podem piorar lesões, intensificar
sangramento e desalinhamento das fraturas.³

Os exames de imagem mais usados no contexto desse


tipo de trauma são o Rx de tórax e Rx de Pelve. O Rx de
tórax é utilizado para excluir lesões que podem se
sobrepor e confundir o diagnóstico de trauma pélvico,
principalmente hemotórax e pneumotórax. Nesse
sentido, a ultrassonografia também pode ser usada para
excluir pneumotórax e hemotórax, apresentando alto
valor preditivo negativo. O Rx de Pelve consegue avaliar
fraturas pélvicas, disjunções sacroilíacas e fraturas em
livro aberto. A radiografia permite a classificação
adequada da fratura e é fundamental no planejamento
cirúrgico da equipe ortopédica. Entretanto, seu valor é
limitado na avaliação de lesões menores.19,20

Ressalta-se o FAST e o LPD, frequentemente usados


nos pacientes vítimas de trauma. São exames muito
úteis para confirmar a presença de líquido livre na
cavidade abdominal, alterando a conduta e a prioridade
do tratamento. Deve-se interpretar esses achados com
bastante cautela, especialmente porque a presença de
fratura de pelve está associada a maiores taxas de
falsos-positivos desses exames. A tomografia
computadorizada é o exame de escolha no trauma
pélvico, porém só pode ser realizada em pacientes
hemodinamicamente estáveis e irá guiar o tratamento
definitivo.¹²

Exames laboratoriais auxiliam na estratificação de


risco do paciente, estimando a gravidade e guiando
condutas, porém não existe nenhum exame específico
para o trauma pélvico. A gasometria arterial é
mandatória, destacando-se a interpretação dos valores
de pH, Hb, Bicarbonato e Excesso de bases. Sempre se
lembrar da coleta de tipagem sanguínea para prova
cruzada.2,3

Tratamento
Na suspeita de trauma pélvico, o primeiro passo
sempre é confirmar a estabilidade ou não do anel
pélvico. Caso este se apresente instável, torna-se
necessário estabilizar a pelve para diminuir o volume
pélvico e favorecer o tamponamento sanguíneo. Para
alcançar tais objetivos existem dois principais métodos: o
uso de equipamentos específicos que comprimem e
estabilizam a pelve como compressores pneumáticos
disponíveis em alguns centros, ou, o mais comum e mais
usado, a estabilização com uso de lençol.²⁴

A estabilização da pelve com lençol é de fácil


realização, barato e pode ser feito por qualquer médico
emergencista. O lençol deve ser dobrado com
aproximadamente 20 cm de largura, colocado abaixo do
paciente, ao nível dos trocanteres maiores e cruzado
anteriormente, sendo fixado com uso de pinças Kelly ou
amarrados com um nó. Sempre se lembrar de colocar o
lençol de modo que o abdome fique exposto e possa ser
reexaminado. Deve-se reavaliar os membros inferiores
para confirmar que o lençol não esteja muito apertado
causando novas lesões, no entanto, necessita-se de uma
estabilização que garanta o fechamento do anel pélvico.
Realiza-se também a radiografia de pelve o mais precoce
possível, para confirmar estabilização da pelve.²²

Após as medidas iniciais, comuns a qualquer paciente


vítima de politrauma, o trauma pélvico pode seguir
caminhos diferentes, evidenciados no fluxograma ao final
do capítulo. Basicamente, prossegue-se para escolha do
exame complementar conforme estabilidade
hemodinâmica. A conduta será definida conforme
achados na TC de corpo inteiro se presença de
estabilidade hemodinâmica ou se instabilidade
hemodinâmica, a conduta será definida conforme
avaliação do FAST/LPD e estabilidade pélvica. Em
vigência de estabilidade pélvica, aborda-se
cirurgicamente o abdome conforme resultado de
FAST/LPD, na permanência de suspeita de lesões pélvicas
causadoras de choque refratário opta-se por arteriografia
diagnóstica e terapêutica.² Pacientes com pelve instável
devem ser submetidos à fixação externa da pelve e a
possível realização do TEP (tamponamento
extraperitoneal) com compressas. A indicação de TEP
possui maior nível de evidência nos casos de abertura do
anel pélvico.²⁵ A indicação em fraturas sem abertura do
anel é relativa. Caso o FAST seja positivo, devem
também ser submetidos à laparotomia exploradora para
controle das possíveis lesões abdominais. A ordem da
abordagem, se a laparotomia deve ser realizada primeiro
ou o TEP, varia muito conforme a literatura, não sendo
definido qual a melhor opção. Decisões devem ser
tomadas individualmente baseadas no caso clínico, no
resultado dos exames complementares e na expertise do
cirurgião. A fixação externa da pelve pode ser realizada
concomitantemente ao TEP.²²
Estas condutas se justificam, pois arteriografia aborda
somente sangramentos de origem arterial (apenas 10%
dos casos de trauma de pelve) e pacientes com pelve
instável normalmente apresentam sangramentos de
origem venosa, das estruturas ósseas, e o TEP, associado
à fixação externa da pelve, permanece o tratamento de
escolha para tal lesão.1,3

Devemos ressaltar que o FAST deve ser repetido após


avaliação primária, pois em alguns casos ele é negativo
inicialmente mesmo na presença de lesões intra
abdominais. Avaliações seriadas devem ser realizadas
com o intuito de aumentar a acurácia do exame clínico.³

Para realização do TEP, posiciona-se o paciente em


DDH, realiza-se uma incisão suprapúbica na linha média
de mais ou menos 8 cm e a dissecção por planos, até
identificação do peritônio e afastamento do mesmo
superiormente. O espaço pré-peritoneal deve ser
identificado e dissecado, com hematomas presentes
sendo evacuados. A bexiga é identificada e afastada para
um dos lados e então são colocadas compressas na
região. O procedimento é repetido do lado contralateral.
Finalmente a bexiga é realocada em sua posição original
e uma última compressa é colocada na parte central da
cavidade. A incisão é então fechada.⁹ Não existe um
número ideal de compressas a serem usadas, ficando
este a critério do cirurgião, porém é muito importante
registrar o número correto de compressas usadas, para
que na reabordagem para retirada das compressas o
cirurgião tenha o controle exato do número de
compressas. Em geral, a reoperação para retirada das
compressas ocorre em 24/48 horas. Entretanto, ela deve
ser realizada assim que o paciente tiver sua fisiologia
corrigida, principalmente em relação a acidose,
coagulopatia e hipotermia.3,9

Nos casos em que o paciente tem indicação de


laparotomia exploradora para controle de lesões
abdominais e de tamponamento extraperitoneal, as
abordagens podem ser combinadas. As incisões devem
ser separadas, para que o efeito de tamponamento seja
mais efetivo, realizando-se uma incisão supraumbilical e
outra infraumbilical, poupando-se a região periumbilical
quando possível.⁹

A arteriografia com angioembolização é uma opção


valiosa no manejo dos pacientes vítimas de trauma
pélvico, suas indicações ainda não são totalmente
conhecidas e permanecem controversas na literatura. A
indicação mais clássica é a identificação de
blush/sangramento arterial em tomografia de pacientes
estáveis hemodinamicamente. Em casos de alta suspeita
de sangramento de fonte arterial, como hipotensão
refratária, acidose persistente e não resolução do choque
com a fixação externa da pelve e o TEP, a arteriografia
também tende a ser indicada.¹²
A grande dúvida ainda permanece em casos de
pacientes instáveis hemodinamicamente após medidas
iniciais de tratamento. Nestas situações a indicação de
arteriografia vai depender da disponibilidade de
equipamento, da capacitação do centro médico e da
suspeita de lesão arterial. Em centros capacitados e com
arteriografia disponível, pacientes com pelve estável ao
exame físico seguem ao exame endovascular
rapidamente. Em centros sem arteriografia prontamente
disponível, o TEP ainda é utilizado como tratamento
padrão. Na presença de pelve instável há indicação
cirúrgica. Se o paciente permanecer com instabilidade
hemodinâmica após o tratamento otimizado pode-se
então lançar mão do estudo arteriográfico.²⁵

* FAST = Focussed assessment with sonography for trauma.


* LPD = Lavado peritoneal diagnóstico.
* TEP = Tamponamento extraperitoneal com compressas.
Pontos Importantes
A medida inicial em todo paciente vítima de trauma
pélvico é seguir o atendimento do paciente
politraumatizado segundo as diretrizes do ATLS.

Para o diagnostico e tratamento precoce desta


afecção é importante conhecer os mecanismos de
trauma e ter alta suspeita em casos de mecanismos
graves. O exame físico com inspeção e palpação da
pelve auxilia no diagnóstico, e o Rx de pelve na sala
de emergência pode ajudar a confirmar tal suspeita.

O exame físico não é confiável para afastar fratura


pélvica, porém ele ajuda a excluir lesões muito
graves. Fraturas em livro aberto, fraturas expostas e
outras lesões são frequentemente diagnosticadas
pelo exame físico. Algumas fraturas e outros tipos
de alterações só serão diagnosticadas em um
segundo momento com exames complementares e
avaliação secundária, porém estas não trazem risco
de vida imediato para o paciente.
Em traumas pélvicos graves, como no caso descrito
no capítulo, existe a necessidade de se proceder
com tratamento cirúrgico de urgência, com
tamponamento extraperitoneal com compressas e a
fixação externa da pelve, com reavaliação seriadas
do estado hemodinâmico do paciente e possível
arteriografia se necessário.
Em casos de FAST positivo e trauma pélvico
associados, lembrar de associar o tratamento
cirúrgico com Laparotomia para exploração da
cavidade abdominal e controle das possíveis lesões
intra-abdominais presentes, se possível com
incisões separadas.
Em pacientes que atingem estabilidade
hemodinâmica após as medidas iniciais, lembrar
que é possível a realização de uma Tomografia
computadorizada e outros exames complementares
conforme indicação para um tratamento guiado
pelos resultados, mais efetivo e especifico.

Referências
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Rio de Janeiro: Elsevier; 2018.

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Caso 22 | Choque No
Trauma
Autores: Talita da Silva Pinto, Matheus Pascotto de Salles, Carlos
Augusto Metidieri Menegozzo.

História Clínica
Paciente masculino, 32 anos, pintor de prédios, vítima
de queda de aproximadamente 15 metros após
rompimento de corda de sustentação, foi trazido pelo
serviço de Bombeiros após 40 minutos do ocorrido, dando
entrada pela sala de trauma.

Atendimento Sistematizado
A - Via aérea pérvia, trazido com colar cervical e
prancha rígida.

B - Murmúrio vesicular presente bilateralmente,


porém diminuído em hemitórax esquerdo,
hipertimpânico. Presença de estase jugular. FR: 40
ipm / SatO₂: 88% em ar ambiente. Realizado suporte
de oxigênio com máscara de O₂ 15 L/min. Diante da
hipótese diagnóstica de pneumotórax hipertensivo à
esquerda, realizou-se uma punção no 6º EIC
esquerdo linha axilar anterior, com saída de ar.
Submetido, em seguida, à drenagem torácica em
selo d’água com dreno 28. Paciente evoluiu com
melhora dos padrões ventilatórios (SatO₂ 92% em
máscara 15 L/min).
C - PA: 90x40mmHg, FC: 142bpm. TEC > 3
segundos. Realizada expansão volêmica com 1000ml
de ringer lactato a 39°C pelos 2 acessos venosos
periféricos calibrosos, após coleta de tipagem
sanguínea e exames laboratoriais. Pelve estável.
Realizado FAST, no qual foi identificado líquido livre
no espaços esplenorrenal e hepatorrenal. A equipe
ativou o Protocolo de Transfusão Maciça e
administrou 1g de ácido tranexâmico em bolus. Na
investigação de outros focos de sangramento,
identificou-se uma fratura exposta no membro
inferior direito, porém sem sangramento ativo. No
toque retal, ausência de espículas ósseas, próstata
tópica e esfíncter íntegro. SSondagem vesical de
demora com saída de 150ml de urina clara.
D - Pupilas isocóricas e fotorreagentes. Escala de
Coma de Glasgow 14 (AO 3 + MRV 5 + MRM 6). Força
muscular grau 5 globalmente, exceto em MID, que
não pode ser avaliado.
E - Desalinhamento de perna direita, com exposição
óssea e diminuição da perfusão distalmente à lesão.
Desalinhamento do punho direito, sem solução de
continuidade. Submetido à manobra de rolamento,
que evidenciou um exame normal da coluna
vertebral. Sala mantida em 26°C.
Avaliação Secundária:
A - Nega alergias.
M - Nega uso de medicações contínuas.
P - Hipertensão arterial.
L - Se alimentou com dieta geral há 4 horas.

A - Queda de andaime com equipamentos de


proteção incompletos (apenas capacete).

Demais achados ao exame secundário: dor no


hipocôndrio direito sem sinais de peritonismo. Pulsos
distais presentes nas extremidades, porém filiformes.

Exames Laboratoriais
Parâmetro Valor Referência Parâmetro Valor Referência

Hb 13,8 13,5-17,5 Creat 1,22 0,7-1,2

Ht 39,3 39,0-50,0 Ureia 40 10-50

Leuco 10.110 3.500-10.500 Na+ 139 137-148

(diferencial) 0/45 K+ 4,0 3,5-5,0

150.000-
Plaq 197.000 RNI 1,90 0,80-1,20
450.000

Glicose 197 70-99 RN 1,39 0,80-1,20

Gasometria Arterial

pH 7,18 7,35-7,45

pCO₂ 52,1 35-45


Gasometria Arterial

pO₂ 177,7 80-100

HCO₃ 18,7 22-26

BE -8,5 -3-+3

sO₂ 99,1 95-98

Lactato 50 4,5-14,4

Exames De Imagem

(2)
(3)

(1)
Figura 1 – E-FAST evidenciando o sinal do “código de barras” com o Modo M
no hemitórax esquerdo (1) e líquido livre nos espaços esplenorrenal (2) e
hepatorrenal (3).
Figura 2 – Fratura cominutiva em tíbia e fíbula distais

Prosseguimento Do Caso
Diante dos achados, o paciente foi submetido a
laparotomia exploradora que identificou moderada
quantidade de sangue na cavidade abdominal (cerca de
1000ml), além de hematoma retroperitoneal em zona 2
próximo ao rim esquerdo. Visualizada laceração do baço
(>25%) com acometimento de hilo esplênico. Realizada
esplenectomia. Identificado rim esquerdo, sem lesões
hilares ou parenquimatosas aparentes. Durante o ato
operatório, o paciente continuou a receber a transfusão
de hemocomponentes e completou a dose de
manutenção do ácido tranexâmico.

Paciente encaminhado à UTI no pós-operatório para


estabilização clínica. Extubado 36h após abordagem
cirúrgica. Alta da UTI após 6 dias. Alta hospitalar após 10
dias.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Como se define choque?


2. Quais são as mais (e menos) prováveis causas de
choque em pacientes politraumatizados?
3. Como os critérios clínicos para o diagnóstico de
choque hemorrágico se relacionam com a
porcentagem estimada de perda sanguínea?
4. Por que a rápida identificação da fonte de
sangramento em pacientes em choque
hemorrágico muda o seu prognóstico?

5. Como realizar o manejo inicial do paciente em


choque hemorrágico?
6. Qual a necessidade da avaliação contínua da
ressuscitação volêmica, perfusão e oxigenação
tecidual em pacientes politraumatizados?
7. Como e quando realizar ressuscitação com fluidos e
transfusão sanguínea?
8. Que tipo de situação predispõe ao atraso no
diagnóstico de choque?

Discussão

Conceito

Choque é definido como o desequilíbrio entre a oferta


de oxigênio e a sua demanda pelos tecidos, levando a
disfunção e dano celular, por vezes irreversíveis. Há 4
tipos principais de choque: hipovolêmico, distributivo,
cardiogênico e obstrutivo (Tabela 1). A literatura
contempla também o choque traumático, cuja
fisiopatologia ainda precisa ser mais elucidada. Acredita-
se que essa entidade esteja associada à resposta
inflamatória decorrente de um trauma grave, geralmente
com acometimento de múltiplos segmentos.
Tabela 1 – Os principais tipos de choque e suas causas.

Hipovolêmico Obstrutivo Distributivo Cardiogênico

Hemorrágico, IAM, arritmias,


TEP maciço, Pneumotórax Séptico,
Desidratação disfunções
hipertensivo,Tamponamento Anafilático,
(grandes valvares
Cardíaco. Neurogênico.
queimados). graves.

O principal tipo de choque no trauma é o hipovolêmico.


Entretanto, outros tipos de choque podem ocorrer em um
paciente politraumatizado, e a suspeita deve ser aventada
ainda na avaliação inicial.

O caso em questão descreve um politrauma grave (ISS


= 34 / TRISS = 94,3% / RTS = 7,55) e trata de choque
hipovolêmico de provável etiologia hemorrágica (trauma
esplênico e fratura de ossos longos).

Fisiopatologia

Débito cardíaco (DC) é o volume de sangue bombeado


pelo coração a cada minuto. O seu valor pode ser obtido
multiplicando-se a frequência cardíaca (FC) pelo volume
sistólico (VS), que é o volume de sangue ejetado a cada
batimento. O VS é determinado pelo retorno venoso (pré-
carga), contratilidade miocárdica (bomba) e pela
resistência arterial (pós-carga).¹ A alteração de um desses
fatores modifica o DC.
DC = VS x FC

O choque geralmente decorre de situações em que há


redução do DC, seja qual for a etiologia. No caso do
choque hemorrágico, há diminuição do retorno venoso
pela depleção do volume sanguíneo, com consequente
ativação de mecanismos compensatórios para manter o
débito. Como resultado, há elevação da frequência
cardíaca e aumento da resistência vascular periférica
(RVP), direcionando o fluxo de sangue para coração,
cérebro e rins.
A pressão arterial (PA) é diretamente proporcional ao
débito cardíaco e à resistência vascular periférica.
PA = DC x RVP

Durante a fase inicial de compensação do choque


hemorrágico, nos primeiros minutos após o trauma, a PA
mantém-se em níveis normais graças à liberação de
catecolaminas (epinefrina e norepinefrina) pela medula
adrenal e à reflexos simpáticos desencadeados por
barorreceptores arteriais e de receptores de estiramento
vascular. A contração das arteríolas aumenta a RVP,
enquanto a contração das veias aumenta o retorno
venoso e o volume sistólico. Até a primeira hora após o
trauma, a vasoconstrição periférica será intensificada pela
secreção de renina e formação de angiotensina II, pela
secreção de vasopressina (ADH) pela hipófise anterior e
pelo relaxamento reverso por estresse do sistema
circulatório. Nas 48 horas subsequentes ao trauma,
visando restabelecer a volemia, o organismo reabsorve
grandes quantidades de líquido do trato gastrointestinal.
Há conservação renal de água e sódio e estimulação do
centro encefálico da sede.

Inicialmente, esses mecanismos regulatórios do


sistema cardiovascular compensam as alterações
decorrentes do choque, tornando suas manifestações
clínicas menos evidentes. Se não identificado e tratado
adequadamente, contudo, ocorrerá a piora do estado de
choque. A diminuição da perfusão tecidual globalmente
leva à redução da atividade vasomotora, aumento da
permeabilidade capilar e liberação de toxinas,
aumentando ainda mais a dilatação vascular e a
diminuição do retorno venoso. Essas alterações também
levam à redução da capacidade contrátil do miocárdio,
acentuando ainda mais a queda do débito cardíaco.²
Quando os mecanismos de perpetuação (feedback
positivo) superam os de compensação (feedback
negativo), o choque atinge um estágio progressivo.

Apenas neste momento, já tardio, com o esgotamento


dos mecanismos compensatórios e queda do débito
cardíaco, que se manifesta a hipotensão. Em casos
extremos, quando há queda da PA sistólica para níveis
abaixo de 50 mmHg, o sistema nervoso central gera uma
potente estimulação simpática periférica em resposta à
isquemia, na tentativa de restaurar a própria perfusão.²

Esse estado de má distribuição de oxigênio aos tecidos


leva a uma troca do metabolismo celular para o
anaeróbio, que tem como produto final grandes
quantidades de ácido lático. Este, dissociado em lactato
no sangue, leva à queda do pH e consequente acidose
metabólica.

Além da perda de calor inerente à própria hemorragia,


o paciente politraumatizado deve ser exposto durante o
atendimento inicial, o que agrava ainda mais a
hipotermia. A acidose, desviando o pH da faixa fisiológica,
somada à hipotermia, comprometem de maneira geral as
reações enzimáticas, inclusive a cascata de coagulação
(agravando a coagulopatia) e a glicogenólise (agravando
a acidose). Da mesma forma, ambas induzem vasoplegia,
agravando ainda mais o choque devido à perda do tônus
vascular.

O sangramento leva, ainda, a depleção e consumo de


fatores de coagulação, uma vez que o endotélio lesado
expressa trombomodulina, que converte plasminogênio
em plasmina. A partir da lesão endotelial extensa, o
paciente desenvolve o estado de hiperfibrinólise maligna
do trauma.

Portanto, em um paciente politraumatizado, a perda


sanguínea significa não apenas a depleção de hemácias,
agravando ainda mais a hipóxia tecidual e a consequente
acidose, mas também perda de fatores de coagulação e
de calor. Assim, se o sangramento não for
adequadamente controlado, instalam-se condições da
tríade da morte no trauma: acidose, coagulopatia e
hipotermia.

O próprio tratamento, se não realizado de forma


correta, tende a agravar a tríade. A administração
excessiva de cristaloides gera coagulopatia dilucional,
além de hipotermia se os fluidos não forem aquecidos. Na
necessidade de transfusões, o citrato, utilizado no
tratamento de concentrados de hemácias como quelantes
de cálcio para prevenir a coagulação dentro das bolsas,
acaba indo para o intravascular, gerando uma
hipocalcemia que agrava ainda mais a coagulopatia. O
próprio ato cirúrgico leva ao consumo de fatores de
coagulação e expõe uma área maior do paciente à perdas
hídricas insensíveis e de calor. Ressalta-se que, uma vez
estabelecida a tríade da morte, o prognóstico do paciente
torna-se sombrio.

Quadro clínico

Os achados clínicos do choque no trauma estão


relacionados a disfunções da macro e da microcirculação,
e a sua apresentação está diretamente ligada ao grau de
sangramento. Em pacientes com sangramentos de
pequeno volume, espera-se encontrar sinais vitais, tempo
de enchimento capilar e avaliação neurológica normais.
Contudo, nos casos com maior grau de sangramento, os
sintomas e sinais costumam ser mais evidentes:

Hipotensão (PAM < 65mmHg).

Taquicardia (FC > 100bpm).


Taquipneia (FR > 20ipm).

Tempo de enchimento capilar > 3 segundos.


Livedo reticular.

Palidez cutânea / cianose.

Alteração do estado mental (agitação pela hipóxia


em um primeiro momento, rebaixamento do nível de
consciência posteriormente).
Uma boa regra prática é a seguinte: “todo paciente
politraumatizado, até que se prove o contrário, apresenta
choque hipovolêmico hemorrágico”. Essa afirmação é útil
pois fortalece a necessidade de pesquisa ativa de focos
de sangramento nesses pacientes. Como já apresentado,
se esperarmos o paciente atingir a hipotensão para
diagnosticar o choque, seus mecanismos de compensação
já terão se exaurido.

Diagnóstico

Sangramentos importantes capazes de levar ao choque


hemorrágico traumático são oriundos de 5 regiões
principais:

Hemorragia externa (exemplo: laceração do couro


cabeludo, local de fratura exposta).

Cavidade torácica.

Cavidade peritoneal.
Espaço retroperitoneal (considerar fratura pélvica).

Osso longos (fraturas).

Um exame ultrassonográfico específico, o e-FAST


(Extended Focused Assessment with Sonography for
Trauma) é realizado durante a avaliação inicial para
pesquisar hemopericárdio, líquido livre intra abdominal,
hemo e pneumotórax. Esse exame é muito útil para os
pacientes que se apresentam instáveis
hemodinamicamente e, assim, sem condições de
transporte para a tomografia. Caso o paciente esteja
estável do ponto de vista hemodinâmico, deverá ser
submetido à tomografia computadorizada, pois esse
exame apresenta uma acurácia melhor do que o e-FAST.
Nesses casos, o exame ultrassonográfico pode ser
realizado, porém não tem indicação absoluta.

Em alguns serviços, pode-se ainda complementar a


avaliação inicial com radiografias no trauma (cervical,
tórax e pelve), a depender do protocolo adotado.³

Classificação do choque hemorrágico

O ATLS classifica o choque hemorrágico em 4 classes.


Elas são úteis para estimar o percentual de perda
sanguínea, orientar a expansão volêmica, quando
necessária, e guiar o tratamento inicial.

Em sua 10ª edição, o Base Excess (BE) foi incluído


como parâmetro para avaliação, por tratar-se de um
indicador de má perfusão tecidual e que se altera
precocemente no choque hemorrágico. Valores negativos
de BE indicam déficit de bases no sangue do paciente e,
portanto, acidose metabólica, marcador de pior
prognóstico em um quadro de choque.
Tabela 2

Classe II Classe III Classe IV


Classe I
(leve) (moderado) (grave)
Classe II Classe III Classe IV
Classe I
(leve) (moderado) (grave)

Perda sanguínea 15% 15-30% 31-40% >40%

Frequência
- -/↑ ↑ ↑/↑↑
cardíaca

Pressão arterial - - -/↓ ↓

Pressão de pulso - ↓ ↓ ↓

Frequência
- - -/↑ ↑
respiratória

Débito urinário - - ↓ ↓↓

Escala de Coma de
- - ↓ ↓
Glasgow

Base Excess
0 a -2 -2 a -6 -6 a -10 < -10
(mEq/L)

Necessidade de Transfusão
Monitorar Possível Sim
sangue maciça

Fonte: ATLS, 10ª edição

A classe I compreende uma perda sanguínea de até


15%, insuficiente para promover alterações
hemodinâmicas consideráveis, já que os mecanismos
fisiológicos compensatórios são suficientes para
restabelecer a volemia em 24 horas. Disfunções da
microcirculação já estão presentes desde esta etapa,
como a vasoconstrição periférica e a hipoperfusão
tecidual. Os níveis de lactato começam a aumentar e o BE
começa a cair. Ainda não há comprometimento da
macrocirculação (FC e PA).
Na classe II, tem-se perda sanguínea entre 15% e 30%
da volemia, diminuição da pressão de pulso por maior
liberação de catecolaminas e, consequentemente,
aumento da pressão diastólica com aumento da RVP.
Geralmente, na classe II, a realização de expansão com
cristaloides já é suficiente para controle do choque.

Na classe III, a perda sanguínea já é considerada


moderada (31-40%), podendo haver sinais de
hipoperfusão tecidual, como hipotensão, taquicardia,
palidez de extremidades, diminuição do débito urinário e
piora da acidose metabólica. Preconiza-se, para estes
casos, transfusão de hemocomponentes e deve-se atentar
à indicação cirúrgica para controle da hemorragia.

Na classe IV, o estado do paciente é grave, com perda


sanguínea superior a 40% e risco de morte iminente. O
quadro se manifesta com taquicardia, taquipneia,
hipotensão, oligúria ou anúria, rebaixamento do nível de
consciência e acidose metabólica importante. A
transfusão maciça está indicada, sem testes prévios de
fenotipagem.

Fatores de confusão devem ser levados em


consideração na análise dos sinais e sintomas do choque,
pois podem mascará-los. Populações especiais incluem os
extremos de idade (principalmente idosos), gestantes,
atletas e usuários de marca-passo. Na avaliação inicial,
deve-se considerar a gravidade da lesão (tipo e
localização anatômica), o tempo de intervalo entre
trauma e início do tratamento, as medidas de
ressuscitação volêmica no pré-hospitalar, a presença de
hipotermia e o impacto das medicações de uso crônico
(exemplo: betabloqueadores e bloqueadores de canais de
cálcio alteram a resposta hemodinâmica do paciente;
overdose de insulina leva a hipoglicemia; uso crônico de
diuréticos pode levar a hipocalemia; AINEs podem levar a
disfunção plaquetária).

No entanto, sempre deve-se questionar a possibilidade


de outras etiologias que justifiquem o choque.
Pneumotórax hipertensivo e hemotórax maciço, por
exemplo, podem reduzir o retorno venoso ao coração por
compressão extrínseca e promover choque obstrutivo.
Esse mesmo tipo de choque sobrevém no tamponamento
cardíaco, onde há dificuldade de enchimento ventricular
na diástole.

Lesões intracranianas isoladas não causam choque, a


menos que haja dano ao tronco cerebral.¹ Estas lesões,
assim como traumas raquimedulares, cursam com choque
neurogênico, em que há aumento da capacidade vascular
devido a perda súbita do tônus vasomotor. A
apresentação clássica cursa com hipotensão, sem
taquicardia ou vasoconstrição cutânea.

Outra causa de choque hipovolêmico que deve ser


lembrada no contexto de trauma ocorre nos grandes
queimados, em que as perdas insensíveis pelas lesões
expostas podem levar à desidratação importante. O
choque séptico é menos frequente neste contexto, mas
pode ocorrer principalmente em pacientes idosos, que
demoram para chegar ao serviço especializado.⁴

Toda medida de reposição volêmica, seja com


cristaloides ou hemocomponentes, deverá ser reavaliada
após a sua realização para que, de acordo com os
parâmetros encontrados (pressão arterial, frequência
cardíaca, perfusão periférica) seja definida a resposta
como rápida, transitória ou mínima/ausente e se possa
manejar o choque de maneira adequada.

Assim que os acessos calibrosos periféricos são


puncionados no politraumatizado, exames laboratoriais
devem ser colhidos: hemograma, ureia, creatinina, sódio,
potássio, cálcio ionizado, AP, TTPa, fibrinogênio,
gasometria arterial com perfil metabólico e tipagem
sanguínea. Uma amostra deve ser encaminhada ao banco
de sangue para fenotipagem e provas cruzadas. Na
avaliação dos resultados, deve-se considerar que
hemorragias graves podem levar a apenas uma queda
discreta de concentrações de Hb/Ht iniciais. Um Ht baixo
pode advir de uma anemia prévia, assim como um Ht
normal nessa etapa não exclui sangramento significativo.¹

Resposta à ressuscitação volêmica inicial


Tabela 3
Resposta
Resposta Resposta
mínima ou
rápida transitória
ausente

Melhora
Retornam ao transitória,recorrência Permanecem
Sinais vitais
normal de hipotensão e alterados
taquicardia

Perda de sangue Mínima Moderada e em curso


Grave (>40%)
estimada (<15%) (15-40%)

Necessidade de
Pequena Moderada a alta Imediata
hemocomponentes

Preparação dos Tipagem + Liberação na


Tipo específico
hemocomponentes prova cruzada urgência (O-)

Necessidade de
Muito
intervenção Possivelmente Provavelmente
provavelmente
cirúrgica

Presença precoce
Sim Sim Sim
do cirurgião

Fonte: ATLS, 10ª edição

Os mesmos sinais e sintomas usados para diagnosticar


o choque ajudam a determinar a resposta à ressuscitação
volêmica, guiando a conduta subsequente. Marcadores
macrohemodinâmicos como a FC e a PA, contudo, não
necessariamente correspondem aos microhemodinâmicos
de perfusão e oxigenação teciduais.1 O volume urinário é
um indicador sensível da perfusão renal, devendo ser
usado como parâmetro de resposta. O débito urinário
esperado é de 0,5 ml/kg/h em adultos, 1 ml/kg/h em
crianças acima de 1 ano e de 2 ml/kg/h em crianças
abaixo de 1 ano.
Estudos em animais mostram a relação de lactato
sérico e déficit de base (BE negativo) com a oxigenação
tecidual.⁴ BE e lactato são úteis na determinação da
presença e da gravidade do choque, e medições seriadas
desses parâmetros podem ser usadas para monitorizar a
resposta ao tratamento.

Tratamento do choque hemorrágico

Melhor será o desfecho quanto mais rápido for


instituído o tratamento adequado ao paciente
politraumatizado. Para isso, é essencial que a equipe seja
treinada em atendimento em trauma.

A maneira mais eficaz de restaurar o débito cardíaco, a


perfusão e a oxigenação teciduais é através do controle
da fonte de sangramento. A reposição volêmica só
permitirá recuperação do choque após a hemostasia.¹ O
objetivo da ressuscitação volêmica é estabelecido de
acordo com o quadro clínico inicial e ajustado conforme a
resposta à terapêutica.

A terapia de ressuscitação volêmica inicial preconizada


pela 10ª edição do ATLS é a administração inicial de
1000ml de cristaloide aquecido a 39°C para adultos e 20
ml/kg em pacientes pediátricos. Preferencialmente utiliza-
se ringer lactato, uma vez que solução salina 0,9% tende
a induzir acidose hiperclorêmica.
A administração agressiva de cristaloides não é mais
recomendada, pois aumenta o risco de sangramento
devido à elevação da PA e ao deslocamento de trombos já
formados, além de agravar a coagulopatia dilucional e
aumentar o edema intersticial.⁴ Por esta razão, a
hipotensão permissiva é a estratégia preconizada até
que haja o controle cirúrgico definitivo da fonte de
sangramento em pacientes em choque hipovolêmico.
Desta forma, pacientes hipotensos devem ter a
ressuscitação com cristaloides suspensa quando a PAS se
aproximar de 80mmHg. A manutenção da reposição
deverá ser feita com hemocomponentes para manter a
PAS entre 80-90mmHg.⁵ Vale ressaltar que pacientes com
traumatismo craniencefálico grave não são candidatos a
hipotensão permissiva devido ao risco de baixo fluxo
cerebral.

Algumas evidências sugerem que a administração


precoce de sangue total, aquecido em temperatura
corporal, melhora o prognóstico do paciente com
indicação de transfusão.¹ Na ausência de sangue com
prova cruzada, concentrados de hemácias ‘O negativo’
são indicados para pacientes com perda maciça de
sangue, assim como plasma e plaquetas. Logo que houver
disponibilidade, é preferível o uso de bolsas tipo-
específicas, mesmo não cruzadas. Simultaneamente,
deve-se concentrar esforços no controle da fonte de
sangramento, assim como em reduzir efeitos da
coagulopatia, hipotermia e acidose.
Apesar de pouco disponíveis, os testes de
tromboelastografia (TEG) e de tromboelastometria
rotacional (ROTEM) ajudam a determinar deficiências
específicas na formação de trombos e a guiar a transfusão
de hemocomponentes direcionada, nos casos em que não
há necessidade de transfusão maciça.

Alguns serviços indicam a administração empírica de


cálcio após a transfusão de hemocomponentes. O ATLS,
por sua vez, preconiza a reposição de cálcio após
transfusões guiada pelos níveis séricos de cálcio ionizado.

Em pacientes com hemorragia grave, existem


evidências de aumento de sobrevida com administração
de ácido tranexâmico, um agente farmacológico
antifibrinolítico.⁶ A administração preconizada é de 1g em
bolus, seguido de 1g nas 8 horas seguintes. Os benefícios
são maiores quanto mais precoce for sua administração e
ela deve ocorrer necessariamente em até 3h após o
trauma, período após o qual estudos demonstram
aumento da mortalidade com sua administração. Apesar
de o benefício só ser notável nos pacientes que realmente
apresentam hemorragia grave, não foram encontrados
prejuízos na sua administração universal. Estudos
realizados nos EUA evidenciaram que, embora não seja
uma intervenção antifibrinolítica, a administração pré
hospitalar de plasma demonstrou melhora da coagulação
e diminuição de mortalidade em politraumatizados em
comparação com grupos-controle.⁷
Drogas vasoativas são uma boa opção no choque
neurogênico. No choque hemorrágico elas devem ser
deixadas para um segundo momento, uma vez que o
sistema nervoso simpático já está quase sempre ativado
em níveis máximos nessa condição clínica e o objetivo
principal deve ser o controle do sangramento.

Pontos Importantes
Choque é um estado de hipoperfusão tecidual.

Hipotensão não é sinônimo de choque. Nem todo


paciente chocado estará hipotenso e nem todo
paciente hipotenso está chocado.

Todo paciente politraumatizado deve ser considerado


em choque hemorrágico até que se prove o
contrário.

A primeira prioridade do tratamento do choque


hemorrágico é o controle do foco de sangramento,
seguida da reposição volêmica adequada.

A diurese é o melhor parâmetro para avaliar resposta


à reposição volêmica.

Deve-se levar em consideração fatores como idade


avançada, atletismo, gestação, medicações e
presença de marca-passo para não subestimar o
diagnóstico de choque.
Referências
1. American College of Surgeons. Advanced Trauma Life
Support, Student Course Manual. 10ª ed. Chicago;
2018.

2. Hall JE. Guyton & Hall. Tratado de fisiologia médica.


12ª ed. Elsevier; 2011
3. Christopher Colwell, MD et al. Initial evaluation of
shock in the adult trauma patient and management
of NON-hemorrhagic shock. UpToDate - acessado em
17/03/2019

4. Mattox KL, Moore EE, Feliciano DV. Trauma. 7ª ed..


McGraw-Hill; 2013

5. King, DR. Initial Care of the Severely Injured Patient.


N Engl J Med; 2019; 380:763-70.

6. Burch J, Gruenebaum D. What are the effects of


antifibrinolytic drugs on outcomes in people with
acute traumatic injury? Cochrane Clinical Answers
2016. DOI: 10.1002/cca.1074.
7. Roissant R, Bouillon B, Cerny V, Coats TJ, Duranteau
J, Fernández-Mondéjar E, et al. The European
guideline on management of major bleeding and
coagulopathy following trauma: fourth edition. Crit
Care; 2016; 12: 20-100.
Caso 23 | Traumatismo
Cranioencefálico
Autor: Emanuela Zippo
Orientador: André Felix Gentil

História Clínica
M.B.S., 15 anos, masculino, bate a cabeça durante
disputa de bola aérea em jogo de futebol e desmaia em
campo. Recobra a consciência logo após e é levado por
colegas ao hospital. Durante o trajeto comunica-se bem,
mas não se recorda dos momentos que antecederam ao
impacto.

Exame Físico
Escoriação e leve edema em região temporal
esquerda.
Sem sinais de fratura ou outros sinais de alerta.

Escore 15 na Escala de Coma de Glasgow (ECG=15),


com sintomas leves de amnésia anterógrada, além
da amnésia lacunar.
Nega cefaleia ou náuseas.

Sem sinais focais.

Exame dos nervos cranianos normal.


Hemodinamicamente estável.

Prosseguimento do caso após avaliação


clínica

Solicitada tomografia computadorizada (TC) de crânio.

Exames Complementares
Solicitada TC de crânio em caráter de urgência.

Laudo: discreto edema do músculo temporal


esquerdo, sem outros achados relacionados ao trauma
(Figura 1).
Figura 1

Hipótese Diagnóstica
Traumatismo Cranioencefálico (TCE) leve com
concussão.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Mesmo na ausência de alterações intracranianas


ao exame de tomografia, a história e o exame
físico permitem fechar o diagnóstico de
concussão?

2. É necessário perda de consciência para o


diagnóstico de concussão?

3. Quais os outros sintomas associados à concussão?


O que é a síndrome pós-concussional?

4. Como deve ser tratada a concussão?

5. Quais os riscos de um segundo impacto??

Discussão

Conceitos

A concussão é uma alteração neurológica funcional


que ocorre após um trauma, na ausência de lesões
estruturais macroscópicas¹. É considerada um subtipo de
TCE leve, com pontuação na ECG entre 13 e 15². Pode
causar perturbações no estado mental, disfunções
neurológicas transitórias e pode ou não cursar com perda
de consciência³.

Epidemiologia

O TCE leve corresponde a até 95% dos casos de TCE


nos Estados Unidos⁴. A concussão, principal subtipo, tem
alta prevalência, afetando mais de 600 adultos em
100.000/ano¹. Essa condição é mais comum no sexo
masculino (2 homens: 1 mulher) e predomina em
indivíduos jovens, com idade entre 15 e 34 anos⁴.

O principal fator de risco para concussão é a prática


de esportes de contato, entre eles: futebol, futebol
americano, boxe e rugby. O risco é aumentado durante
competições (em comparação com treinos). Estima-se
que até 3,8 milhões de atletas sejam afetados
anualmente e que indivíduos que pratiquem esportes de
contato tenham risco de sofrer uma concussão
aumentado em mais de 20%. Outros fatores de risco
incluem: baixo status socioeconômico, extremos de idade
(abaixo de 5 anos ou acima de 65 anos) e baixa função
cognitiva⁴.

Patogênese
A concussão é consequência de alterações
neuropatológicas causadas pela rápida aceleração e
desaceleração do cérebro durante o trauma, gerando um
déficit (“mismatch”) entre a demanda metabólica e o
fluxo sanguíneo cerebral¹.

Durante o trauma, o parênquima é submetido a


diferentes velocidades de rotação, o que provoca forças
de cisalhamento nas membranas axonais (sem ruptura
das mesmas, como ocorre na lesão axonal difusa),
suficiente para ocasionar a abertura dos canais de sódio
e potássio e liberação de neurotransmissores. Em
seguida, ocorre despolarização neuronal, levando a um
fenômeno de depressão do sistema nervoso central
(SNC), com redução do fluxo sanguíneo cerebral. Esse
fenômeno é responsável por parte dos sintomas que
podem ocorrer durante uma concussão, entre eles perda
de consciência, confusão e amnésia (anterógrada ou
retrógrada).

Concomitantemente ao fenômeno de depressão


neuronal, ocorre um aumento da demanda metabólica,
resultante da tentativa do tecido neural em manter a
homeostase celular. A consequência é uma crise
energética: há um aumento na demanda por glicose,
mas não há fluxo cerebral suficiente para fornecer a
quantidade de moléculas adequadas. Isso leva a um
distúrbio funcional, responsável pelos sintomas agudos
da concussão1,4.
Diagnóstico

O diagnóstico é clínico, feito com base em sinais e


sintomas típicos de concussão em pacientes com história
de TCE. A perda de consciência após o acidente é o sinal
mais sugestivo de concussão; entretanto, não é
necessário para o diagnóstico¹.

Os pacientes geralmente apresentam alterações


neurológicas como alteração de nível de consciência,
amnésia pós-traumática, cefaleia, desequilíbrios e
tonturas, desorientação, náuseas e vômitos. Para avaliar
o status neurológico desses pacientes, é importante
questionar sobre detalhes do acidente (importante para
determinar o grau de amnésia) e avaliar o status mental,
mensurando níveis de atenção, orientação e memória1,4.

A maioria desses sintomas surgem após o trauma e


possuem curta duração. Deve-se pensar em outras
etiologias em pacientes com piora clínica significativa ou
que possuem as seguintes alterações: déficits
neurológicos focais, defeitos em campos visuais,
alterações pupilares ou Síndrome de Horner1,4.

Entre 30-80% dos pacientes podem desenvolver a


Síndrome Pós-Concussional, que é uma sequela do TCE
caracterizada pela instabilidade neurológica pós-
traumática. A síndrome se manifesta como um conjunto
de sinais e sintomas que surgem em até 7 dias após o
trauma e se resolvem em semanas ou meses. Os
principais sintomas são alterações neurológicas
(especialmente cefaleia e tontura), distúrbios cognitivos
e sintomas psiquiátricos. Acredita-se que fatores
psicológicos desempenham papel importante e, por isso,
postula-se que é fundamental descanso físico e cognitivo
após o TCE2,5. Ao contrário do recomendado até alguns
anos atrás, entretanto, tal descanso não deve
corresponder a repouso absoluto, sendo mais eficaz para
a recuperação dos sintomas o retorno lento e gradativo,
mas precoce, das atividades usuais, desde que não
expondo o paciente a novas situações de risco para TCE,
conforme descrito a seguir.

Exames de Imagem

Os exames de imagem não são necessários para o


diagnóstico de concussão, pois esses pacientes
apresentam imagem normal.

No entanto, os exames de imagem podem ser


utilizados para excluir outras condições que necessitem
de intervenção neurocirúrgica imediata, especialmente
em pacientes com maior risco de desenvolver alterações
graves. Para esses casos, a TC sem contraste é o método
de escolha. Existem vários protocolos que buscam
estabelecer critérios para indicação do exame de TC em
TCE. Entre eles, o “Canadian CT Head Rule (CCHR)”3,4,
postula que o exame é indicado quando há:
Suspeita de fratura de crânio aberta ou em
depressão;

ECG < 15 após 2 horas da lesão;


Sinais clínicos de fratura de base de crânio;

Dois ou mais episódios de vômitos;


Idade acima de 65 anos;

Amnésia de eventos que ocorreram mais de 30


minutos antes do trauma;

Mecanismo de trauma grave (ex. atropelamento de


pedestre).

É importante ressaltar que existem pacientes de alto


risco com indicação para realizar TC que não estão
contemplados neste critério. São eles: pacientes com
crises epilépticas, déficits neurológicos ou em uso de
anticoagulantes.

Na prática, cada departamento de emergência deve


estabelecer suas regras para indicação a de TC em TCE,
devendo imperar sempre a opinião clínica do médico que
atende o paciente.

Gravidade

A concussão é um fenômeno autolimitado. A maioria


dos pacientes possui um ótimo prognóstico com
recuperação completa em até 3 meses¹.
O maior risco associado à concussão é a ocorrência da
Síndrome do Segundo Impacto, fenômeno raro, mas
potencialmente grave, que pode ocorrer se o mesmo
paciente sofrer uma nova concussão precocemente após
o primeiro episódio. Essa síndrome é caracterizada por
um inchaço cerebral difuso, com perda da capacidade de
regulação do fluxo sanguíneo cerebral. Cursa com grave
aumento da pressão intracraniana e congestão
cerebrovascular, sendo muitas fatal⁶. Devido ao risco
dessa síndrome, indivíduos que sofrem concussão devem
ser orientados ao retorno lento e gradativo as suas
atividades, sendo proibida a exposição a novas situações
com alto risco de TCE, significando, em geral,
afastamento inicial da prática de esportes. A liberação
para competições deve ocorrer somente após um período
que garanta a completa recuperação dos sintomas
associados à concussão. Isso pode variar de 1 a 6 meses,
dependendo da gravidade do TCE.

Evidências mostram que indivíduos submetidos a


traumas repetitivos podem sofrer lesões neurológicas
cumulativas e têm maior risco de desenvolver
Encefalopatia Traumática Crônica. Essa condição,
inicialmente descrita em pugilistas, manifesta-se por
distúrbios cognitivos, neuropsiquiátricos e motores6.
Atualmente, é muito estudada em jogadores de futebol
americano e soldados, expostos a explosões em
combate.
Tratamento
Em pacientes sem sinais de alerta, o tratamento é
conservador e o seguimento pode ser ambulatorial.
Algum familiar deve observá-lo por um período de 24
horas e deve-se orientar o retorno ao hospital se ocorrer
a presença de sonolência excessiva, crises epilépticas,
confusão, otorreia, rinorreia, entre outros. Também é
importante que o paciente permaneça em repouso físico
e cognitivo relativo (não total) por 5 a 7 dias e retorne
gradualmente as suas atividades. É fundamental alertá-lo
sobre os riscos do retorno precoce a prática de esportes
de contato, com ênfase nos riscos da Síndrome do
Segundo Impacto³.

Pacientes com sinais de alerta ou sintomas mais


pronunciados devem ser observados inicialmente em
ambiente hospitalar, para vigilância neurológica, mesmo
com exame de TC normal.

Pontos Importantes
Importância de realizar o diagnóstico de concussão
e orientar os pacientes de modo adequado, em
especial quanto ao risco da síndrome do segundo
impacto.

Pacientes com concussão podem estar praticamente


assintomáticos quando chegam ao Pronto-
Atendimento, mas isso não diminui a importância do
correto diagnóstico e orientação de condutas.
Sintomas da síndrome pós-concussional podem
durar semanas ou meses.

Caso 2

História clínica

J.S.S., 27 anos, masculino, sofre agressão com


paulada na cabeça e perda de consciência no local.
Recobrou consciência durante transporte para o hospital.

Exame Físico
GCG=14, nauseado, vomitou 1x após a chegada.
Hematoma subgaleal temporal direito, suspeita de
fratura na região do ptérion direito à palpação. Pupilas
levemente anisocóricas, direita maior que esquerda, com
reflexo fotomotor presente. Sem déficits apendiculares.
Sem sinais de fístula.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Solicitada TC de crânio e coluna cervical com
urgência. Durante transporte para o exame, paciente
vomita mais uma vez e fica mais sonolento, mas ainda
responsivo. Pupila direita nitidamente maior que a
esquerda.

Exames Complementares
Solicitada TC de crânio em caráter de urgência:

Hematoma extradural região temporal direita, com


sinais de herniação do úncus em direção ao tronco
encefálico (Figura 2).

TC de coluna cervical sem alterações.

Figura 2
Hipótese Diagnóstica
Hematoma extradural com herniação uncal direita.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Quão rápida é a deterioração neurológica neste


tipo de hematoma?

2. Quais os principais sintomas de hipertensão


intracraniana?
3. Qual a importância do fluxo da artéria meníngea
média?
4. Qual a importância e qual o mecanismo patológico
que gera anisocoria nestes casos?

Discussão

Conceitos

O hematoma extradural (HED) é uma coleção de


sangue localizada entre a dura-máter e os ossos do
crânio. Ocorre mais comumente na região temporal
(75%) e frontal (10%). Forma-se após traumas,
geralmente por laceração da artéria meníngea média,
com fraturas ósseas associadas em 90% dos casos. A
apresentação clássica é a presença de um intervalo
lúcido precedendo a deterioração neurológica3,7.

Epidemiologia

Estima-se que o HED ocorra em apenas 1-4% de todos


os TCEs⁸. Acomete, em geral, indivíduos jovens, com
idade entre 20 e 30 anos, sendo mais raro em idosos,
que possuem a dura-máter fortemente aderida ao osso.
Ocorre, principalmente, na região supratentorial, com
predomínio na região temporal (75%), podendo acometer
também a região frontal e a fossa posterior. Até 5% dos
pacientes possuem hematomas bilaterais⁹. É comum
haver fraturas ósseas associadas (90%), especialmente
na região escamosa do osso temporal, devido ao trajeto
da artéria meníngea média.

As principais causas são traumáticas: acidentes


automobilísticos (53%), quedas (30%) e agressões (8%).
Existem causas não traumáticas, mas essas são
extremamente raras. Entre elas destacam-se: infecções
com abscessos epidurais e tumores hemorrágicos¹⁰.

Patogênese

O HED pode ser causado por lesões na artéria


meníngea média, veia meníngea média, veias diploicas
ou seios venosos. Até 85% dos casos resultam da
laceração da artéria meníngea média, incluindo em seu
trajeto pelo forame espinhoso. As lesões nos seios
venosos são responsáveis por até 10% dos hematomas¹⁰.
A artéria meníngea média é ramo da artéria carótida
externa e, dessa forma, apresenta alto fluxo sanguíneo.

A coleção é formada por sangramento ativo e,


conforme o hematoma se expande, ocorre aumento da
pressão intracraniana (PIC). Segundo a doutrina de
Monro-Kellie, a calota craniana é um espaço fechado,
cujos componentes apresentam um volume fixo com
capacidade de complacência limitada. Em um momento
inicial, ocorrem algumas modificações na tentativa de
tolerar um aumento de volume sem aumentar a PIC,
entre elas a vasoconstrição venosa e o aumento do
retorno sanguíneo. No entanto, o SNC não tolera grandes
variações de volume e, com a expansão do hematoma,
os mecanismos de complacência se tornam insuficientes
para manter os níveis pressóricos adequados. Dessa
forma, a partir de um certo volume crítico, a PIC aumenta
exponencialmente¹⁰. A Curva de Langfitt representa
graficamente esse fenômeno.

A Hipertensão Intracraniana (HIC) é definida


tradicionalmente pela PIC maior que 20 mmHg. Além de
gerar manifestações clínicas, pode levar à herniação de
estruturas pela diferença de pressão entre as regiões
cerebrais. A herniação do úncus é a mais comum em HED
devido à expansão da coleção sanguínea contra o lobo
temporal, empurrando-o em direção ao tronco encefálico.
Inicialmente, a herniação uncal causa midríase no olho
ipsilateral, pela compressão inicial das fibras
parassimpáticas do nervo oculomotor (NCIII), o que é
avaliado clinicamente pela presença de anisocoria
(pupilas de tamanhos diferentes). Conforme o hematoma
se expande, o nervo pode ser totalmente lesado,
resultando em pupila média e fixa (ausência de tônus
simpático ou parassimpático e perda do reflexo
fotomotor), culminando com compressão do tronco, e,
por fim, morte encefálica¹⁰.

Diagnóstico

O diagnóstico do HED se inicia com a suspeita clínica


e é posteriormente confirmado por exames de imagem. A
apresentação clínica desses pacientes é variável,
podendo se apresentar com coma, perda de consciência
temporária ou preservação completa da consciência ao
longo de todo o episódio. A manifestação típica, que
ocorre em 14-21% dos casos, é a presença de um
“intervalo lúcido”. Nesses casos, os pacientes
apresentam uma concussão, com perda de consciência
transitória após o trauma, recobram a consciência e
parecem lúcidos por minutos ou horas até evoluírem com
piora neurológica. É importante salientar que apesar de
altamente sugestivo, a presença do intervalo lúcido não
é patognomônico de HED⁸.
A deterioração neurológica é consequência da
expansão do hematoma e varia com sua localização.
Coleções temporais tipicamente cursam com
hemiparesia contralateral e midríase ipsilateral.
Conforme o volume do sangramento aumenta, pode
ocorrer progressão da deterioração neurológica, com
midríase bilateral, seguida de pupilas médio-fixas e
posturas patológicas de decorticação e, posteriormente,
descerebração. Se não tratado com urgência, o HED pode
causar morte encefálica. Hematomas frontais cursam
predominantemente com alterações no nível de
consciência, enquanto os da fossa posterior podem
provocar alterações nos sinais vitais¹⁰.

Os pacientes manifestam sinais e sintomas clássicos


de HIC, como cefaléia, vômitos e sonolência, mas
também podem apresentar confusão, crises epilépticas,
entre outros. Conforme a PIC, o paciente pode apresentar
anisocoria com compressão do NCIII e, em fase terminal,
o Reflexo de Cushing, caracterizado pela tríade:
hipertensão, bradicardia e irregularidade respiratória,
com respiração de Cheyne-Stokes. Esses sinais indicam
gravidade e apontam a necessidade de intervenção
imediata¹⁰.

A velocidade de deterioração com expansão do


hematoma tende a ser rápida, e a maioria dos pacientes
manifesta sintomas em até 48 horas. Entretanto, existem
variações na apresentação, pois diversos fatores estão
associados, como a localização, o grau de lesão e a
presença de complicações intracranianas¹¹.

Exames de Imagem

A TC sem contraste é o exame de escolha. É


fundamental para confirmar o diagnóstico e definir a
terapêutica apropriada. Também pode detectar a
presença de outras lesões cerebrais associadas ao HED,
entre elas: hemorragia subaracnoidea (HSA), contusões e
hematomas subdurais.

A maioria dos HED são detectados pela TC


(sensibilidade de 92%)⁸. Possuem formato biconvexo (ou
lentiforme) e geralmente não cruzam as linhas de sutura,
porque são limitados pelos pontos de fixação da dura-
máter ao crânio. Comumente, são hiperdensos e bem
demarcados, mas podem apresentar atenuação
heterogênea se ocorre lesão da dura-máter e da
aracnoide, com mistura de líquido cefalorraquidiano
(LCR, “líquor”) ou durante sangramentos ativos (sinal do
redemoinho ou “swirl sign”). A mensuração do volume do
hematoma e a presença de desvio das estruturas da
linha média são importantes para determinação do
prognóstico e conduta⁸.

Gravidade
HED volumosos, cursando com sintomas clínicos,
correspondem a uma emergência
neurológica/neurocirúrgica que tem alta morbidade e
mortalidade se não forem tratados adequadamente.
Algumas condições estão associadas a pior prognóstico,
a seguir: baixas pontuações na ECG à admissão, idade
avançada, presença de alterações pupilares, lesões
intracranianas concomitantes, maior tempo entre a
deterioração neurológica e o tratamento cirúrgico e PIC
elevada no pós-operatório⁸.

O principal fator preditor de mortalidade é a


pontuação na ECG na admissão ou imediatamente antes
da cirurgia. Pacientes com ECG entre 3-5 tem
mortalidade de 36%, enquanto pacientes com ECG entre
6-8 possuem mortalidade de 9%¹⁰.

Tratamento

Deve ser rápido e agressivo, pois qualquer atraso no


diagnóstico ou no início do tratamento pode ser fatal. Se
o paciente estiver estável, deve-se solicitar uma TC com
urgência e iniciar medidas para prevenção de danos
cerebrais secundários. Entre elas, destaca-se o controle
da pressão arterial sistólica (PAS) para garantir uma
pressão de perfusão cerebral (PPC) adequada. Deve-se
manter uma PAS acima de 110 mmHg (se indivíduos
entre 15-49 anos ou acima de 70 anos) ou acima de 100
mmHg em indivíduos entre 50-69 anos¹⁰. Também é
indicada a execução de manobras preventivas para
reduzir a PIC, como elevação da cabeceira a 30º e
manter o alinhamento crânio-cervical, para facilitar o
retorno venoso jugular3,12.

Uma vez constatada a presença de um HED com


indicação de drenagem cirúrgica, a operação deve
ocorrer o mais brevemente possível, sendo considerada
uma cirurgia de emergência (e, dessa forma, recebendo
prioridade em relação a outros procedimentos). Medidas
clínicas para controle da PIC, comumente utilizadas em
situações de neurointensivismo, não são suficientes para
a reversão das consequências do aumento da PIC em
situações de HED, dessa forma não devendo ser
utilizadas com o intuito de postergar a intervenção
cirúrgica.

A maioria dos pacientes sintomáticos necessita de


intervenção cirúrgica de emergência, especialmente os
que apresentam lesões neurológicas focais. A cirurgia de
escolha é a craniotomia para drenagem do hematoma e
hemostasia da artéria meníngea média (ou outro foco de
sangramento). Como comentado, o procedimento deve
ser realizado emergencialmente, uma vez que o
diagnóstico e a conduta foram definidos. Entre as
principais indicações para o tratamento cirúrgico
estão8,10:
Pacientes clinicamente estáveis, mas com evidência
de expansão do hematoma e aumento da pressão
intracraniana;
Hematomas com volume maior que 30 cm³,
independente da ECG;
Pacientes em coma (ECG menor que 9) com
anisocoria.

Em última análise, a indicação sobre o tratamento


cirúrgico do HED compete ao neurocirurgião que avalia o
paciente.

Classicamente, existe uma situação excepcional na


qual, existindo forte suspeita de HED na presença de
deterioração neurológica grave e rápida, sendo
impossível a realização de exames de imagem (por
exemplo, localidades remotas), estaria autorizada a
realização de uma craniotomia de emergência no lado do
crânio em que a dilatação pupilar tenha ocorrido
primeiro¹⁰. Com os recursos disponíveis atualmente, tal
situação é extremamente rara.

Indivíduos com hematomas pequenos e sintomas


leves podem ser acompanhados clinicamente. Deve-se
atentar a sua evolução nas primeiras 36 horas, período
em que o hematoma tem maior risco de expansão. É
indispensável a realização de exames neurológicos e de
TC seriadas para garantir que não ocorrerá expansão do
hematoma.
Pontos Importantes
Apresentação clínica variável, podendo haver
intervalo lúcido
Reconhecimento da piora neurológica
Emergência da necessidade de cirurgia

A craniotomia com drenagem do hematoma e


hemostasia dos vasos é o procedimento de escolha

Pior prognóstico relacionado ao tempo perdido, por


atrasos no diagnóstico ou para realização do
procedimento cirúrgico

Caso 3

História clínica

Paciente T.G.S., 74 anos, feminina, com história de


queda da própria altura há 1 mês. Faz uso de aspirina
devido à colocação de stents coronários. Queixa de
diminuição de força e parestesias em hemicorpo
esquerdo. Teve nova queda da própria altura há 1 dia.

Exame Físico
eCG=15.
Bom contato com examinador.
Sem alterações de linguagem.

Pupilas isocóricas.
Nega náuseas, mas refere cefaleia em peso,
holocraniana, leve.
Hemiparesia grau IV em hemicorpo esquerdo e
hemi-hipoestesia esquerda.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Paciente encaminhado para TC de crânio sem
contraste e exames de sangue para avaliação de
agregação plaquetária e coagulação.

Exames Complementares
Solicitada TC de crânio em caráter de urgência:

Tomografia mostra extenso hematoma subdural


crônico (HSDC) à direita, com compressão do parênquima
cerebral subjacente, com sinais de sangramento recente
sobreposto a coleção mais antiga (Figura 3).
Figura 3

Hipótese Diagnóstica
Hematoma subdural crônico.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Qual o mecanismo fisiopatológico responsável pela


formação do hematoma subdural crônico?

2. Qual o papel da atrofia cortical e uso de


antiagregantes ou anticoagulantes na formação
dos hematomas subdurais crônicos?
3. Hematomas subdurais crônicos grandes sempre
requerem cirurgias de urgência?
4. A correção da antiagregação ou anticoagulação
antes da cirurgia pode prevenir quais
complicações?
5. A drenagem do hematoma deve ser realizada por
trepanações ou craniotomia?

Discussão

Conceitos

Hematomas subdurais são coleções de sangue


formadas entre a dura-máter e a aracnoide. São
classificados de acordo com o tempo de evolução em:
agudos (1-2 dias), subagudos (3-14 dias) e crônicos (mais
de 15 dias)¹³.

Os HSDC são sangramentos antigos, encapsulados no


espaço subdural. Possuem consistência líquida e são
comuns em indivíduos idosos após pequenos traumas.
Podem demorar meses para causar alterações clínicas e
não cursam com lesão do parênquima subjacente¹⁴.

Epidemiologia

O HSDC é uma das patologias neurocirúrgicas mais


comuns. Acomete, principalmente, indivíduos entre a
sexta e a sétima década de vida e apresenta incidência
de 7,35 por 100.000 por ano em indivíduos entre 70 e 79
anos¹⁴. Essa incidência tem aumentado nos últimos anos,
possivelmente devido ao envelhecimento populacional.

Existem diversos fatores de risco associados à


formação da coleção subdural crônica, como a atrofia do
parênquima cerebral (comum em idosos, alcóolatras e
pacientes com TCE prévio), uso de anticoagulantes ou
antiplaquetários, epilepsia, baixa pressão intracraniana e
hemodiálise. A idade avançada é considerada um
importante fator de risco e deve-se prestar atenção
especial a crianças que desenvolvem HSDC, pois podem
ser vítimas de agressão infantil7,13,14.

O HSDC pode ser dividido em dois grandes grupos de


acordo com sua etiologia: traumático e não traumático.
Traumas diretos são comumente relatados, mas até 30-
50% dos pacientes podem apresentar etiologia não
traumática, isto é, formação da coleção sem histórico de
TCE¹⁴. O grupo não traumático compreende
principalmente idosos, com histórico de traumas
indiretos, como uma queda sem bater a cabeça⁷. A
movimentação do cérebro dentro da caixa craniana,
mesmo sem impacto direto, pode causar a lesão de veias
e sangramento.

Patogênese
Com o envelhecimento, o volume cerebral diminui,
aumentando o espaço entre o parênquima e os ossos do
crânio em aproximadamente 10%¹⁴. O alargamento
desse espaço contribui para a reticulação das veias em
ponte, que se tornam mais susceptíveis à lesão e
precipitam a formação de HSDCs. Esse aumento também
favorece a formação de higromas, coleções de líquido
cefalorraquidiano no espaço subdural, que podem surgir
pela ruptura da aracnoide¹⁵.

A laceração das veias em ponte e a inflamação são os


mecanismos envolvidos na formação e cronificação do
hematoma, promovendo a formação de sua estrutura
complexa e multiloculada. Imediatamente após o
sangramento ocorre a proliferação de fibroblastos e
produção de fibrina, com formação de uma membrana
externa que proporciona o encapsulamento do coágulo.
Essa membrana se espessa progressivamente ao longo
de semanas, tornando-se rica em tecido fibroso e
capilares friáveis, que podem causar micro-hemorragias.
Esses pequenos sangramentos atraem mais fibroblastos
e fagócitos para dentro do hematoma, promovendo
síntese de colágeno e de fatores inflamatórios. Isso leva
à formação de uma nova membrana em seu interior,
muito vascularizada e firmemente aderida à aracnoide. O
hematoma gradualmente se torna encistado por essas
pseudomembranas, o que confere seu caráter
loculado13,14,16.
O crescimento da coleção ocorre em consequência de
sangramentos recorrentes dos capilares presentes nas
membranas, especialmente dos capilares da membrana
externa. Esses vasos são anormalmente dilatados,
possuem poucos fatores de coagulação e tendem a
gotejar constantemente em indivíduos em uso de
medicações anticoagulantes ou antiagregantes. Até 93%
das coleções possuem líquor misturado ao sangue, em
consequência da ruptura da aracnoide durante o trauma.
O conjunto de todos esses fatores leva à expansão lenta
do hematoma e manutenção de seu caráter
liquefeito14,16.

Diagnóstico

O HSDC possui caráter insidioso, podendo manifestar


sintomas semanas após a lesão inicial. A alteração mais
comum é a do nível e conteúdo da consciência (50-
70%)¹⁴, exibidos como sonolência, apatia, confusão,
demência progressiva ou coma. Inicialmente, esses
sintomas podem ser flutuantes, mas com a expansão do
hematoma se tornam constantes. A impressão inicial é
de que se tratam de quadros depressivos, intoxicações
medicamentosas ou doença de Alzheimer5,7.

Quedas recorrentes também são frequentes, afetando


74% dos indivíduos. Até 58% dos pacientes apresentam
hemiparesia e 12% podem desenvolver ataque
isquêmico transitório (AIT)¹⁴. A cefaleia é outro sintoma
comum, podendo ser acompanhada de náuseas e
vômitos e piorar com manobras de Valsalva¹⁵. Entre os
sintomas atípicos, destacam-se déficits neurológicos
focais isolados e síndromes extrapiramidais¹⁴.

Frequentemente, o diagnóstico de HSDC não é feito na


apresentação inicial dos pacientes. Para aumentar o
número de casos diagnosticados, é imprescindível que o
médico tenha alta suspeita ao avaliar pacientes idosos
com alterações no nível de consciência, demência
progressiva e piora de déficits neurológicos prévios.
Nesses casos, é extremamente importante solicitar uma
TC de crânio sem contraste para elucidar o
diagnóstico7,13.

Exames de Imagem

A TC sem contraste é o principal exame a ser


solicitado, com alta sensibilidade para hematomas
maiores que 5 mm, mas com dificuldade em identificar
sangramentos menores. A coleção subdural aparece
como uma lesão extra-axial de formato crescente, que
cruza as linhas de sutura e deforma o parênquima
cerebral, afastando-o do crânio. A densidade do
hematoma permite definir se é uma alteração mais
aguda ou crônica¹³.

HSDC tendem a ser hipodensos em consequência de


sua constituição serossanguinolenta. No entanto, em
pacientes com sangramentos constantes, como os que
utilizam anticoagulantes, os hematomas possuem
aspecto heterogêneo, devido à presença de micro-
hemorragias, que são hiperatenuantes¹⁴.

Gravidade

O prognóstico é bom para pacientes submetidos à


cirurgia. A cirurgia em si oferece baixo risco, mas devido,
frequentemente, tratar-se de uma população no extremo
de idade, a mortalidade pós-operatória associada ao
tratamento do HSDC é de 6,5% e morbidade de 16%, em
decorrência de múltiplos fatores¹⁴.

A recorrência do hematoma é relativamente comum,


surgindo em até um mês após a intervenção cirúrgica.
Até 80% dos pacientes assintomáticos podem apresentar
sangue residual em tomografias de controle, enquanto
15 a 20% dos indivíduos podem apresentar recidiva
sintomática e necessidade de nova intervenção¹⁴.

Entre fatores que influenciam no prognóstico,


destacam-se o estado neurológico na admissão, uso de
antiagregante ou anticoagulantes, a presença de
hematomas bilaterais e idade avançada¹⁷.

Tratamento
O primeiro passo para o manejo da coleção subdural
crônica é a reversão da anticoagulação e antiagregação
em pacientes em uso dessas medicações. A aplicação de
antídotos deve ser feita em casos selecionados. É
fundamental ressaltar que a decisão sobre reverter a
anticoagulação deve ser feita de acordo com as
características do paciente e após ponderação
multidisciplinar sobre os riscos e benefícios dessa
conduta, pois, em alguns casos, os riscos de
complicações trombóticas superam os benefícios do uso
de antídotos3,17.

Após o manejo da anticoagulação e antiagregação,


pode-se optar pelo tratamento conservador ou cirúrgico,
de acordo com a avaliação do neurocirurgião. O primeiro
pode ser feito em indivíduos com coleções pequenas,
que devem ser monitorados com imagens seriadas e
avaliações clínicas periódicas. O procedimento cirúrgico é
indicado para HSDC maiores, que, muitas vezes, cursam
com hipertensão intracraniana, declínio cognitivo ou
deterioração neurológica progressiva¹⁷.

A abordagem cirúrgica mais utilizada envolve a


drenagem do hematoma através de trepanações e
lavagem da cavidade com soro fisiológico. Em alguns
casos, é recomendada a realização de mais de uma
trepanação. Pode-se deixar um cateter subdural no local,
para permitir a drenagem da coleção restante, ou que se
refaz no pós-operatório. Não há indicação de remover
todas as membranas do hematoma, que comumente é
multiloculado⁷.

A craniotomia é reservada para pacientes com


hematoma subdural recorrente após drenagem cirúrgica
prévia ou com coleções sólidas. Nesses casos, indica-se a
realização da craniotomia sobre o hematoma e, a critério
do neurocirurgião, ressecção de suas membranas14,17.

Pontos Importantes
Importância da suspeita clínica e do diagnóstico de
pacientes com hematoma subdural crônico.
Suspeitar em pacientes idosos, sem histórico de
trauma com alterações neurológicas progressivas.

Hematomas subdurais crônicos em crianças podem


indicar maus-tratos.

O hematoma se torna crônico devido ao seu


encapsulamento e reorganização.
O primeiro passo no tratamento é reverter a
anticoagulação e/ou antiagregação

O tratamento cirúrgico consiste na drenagem do


hematoma através de trepanações.

Caso 4
História Clínica
Paciente AMM, 26 anos, masculino, vítima de acidente
com moto em estrada, segundo testemunhas estava em
alta velocidade e colidiu com guard-rail após a queda.
Utilizava capacete. Atendido pelo resgate, inconsciente
no local, submetido à intubação orotraqueal e
imobilização de provável fratura de membro inferior
esquerdo. Transportado em prancha rígida com
imobilização cervical para a Unidade de Pronto
Atendimento.

Exame Físico
sedado sob ventilação mecânica.
Pupila direita midriática, pupila esquerda miótica.

Epistaxe controlada pela narina direita.

Equimose periorbitária direita (“sinal de Guaxinim”).


Equimose retromastoidea direita (“sinal de Battle”).

Hemodinamicamente estável.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Após avaliação pela equipe de emergência segundo
os critérios do ATLS, o paciente é levado para tomografia
de corpo inteiro.

Exames Complementares
O achado da TC de crânio evidencia extenso
hematoma subdural agudo direito, com sinais de inchaço
cerebral hemisférico direito e desvio das estruturas da
linha mediana para esquerda (Figura 4).

Figura 4

Hipótese Diagnóstica
TCE grave, com hematoma subdural agudo (HSDA)
direito, com inchaço cerebral hemisférico grave.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Porque os hematomas subdurais agudos são em


geral mais graves que os hematomas extra-durais
e hematomas subdurais crônicos?

2. Em geral, qual a conduta imediata após o


diagnóstico de um hematoma subdural agudo?
3. Quais são as consequências da presença do
inchaço cerebral?

4. Quando é necessária a monitorização da pressão


intracraniana?

5. Quando está indicada uma craniectomia


descompressiva?

Discussão

Conceitos

O HSDA é uma coleção de sangue extra-axial,


localizado entre a dura-máter e a aracnoide. É causado
por TCE grave e está associado a lesão estrutural do
parênquima, características que permitem diferenciá-lo
do HSDC. A presença de lesão cortical subjacente faz
com seja considerado uma condição neurológica grave,
que necessita de tratamento imediato3,7.

Epidemiologia

O HSDA é uma condição neurocirúrgica relativamente


comum, que corresponde a 11% dos TCEs que
necessitam de hospitalização e a 20% dos TCEs graves.
Afeta principalmente indivíduos entre 31 e 47 anos e
predomina no sexo masculino¹³.

A principal etiologia é traumática, frequentemente por


traumas de alto impacto/alta energia, de forma que há
fratura de crânio em até 80% dos casos⁷. Raramente, o
HSDA pode ser formado de forma espontânea, na
ausência de fatores de risco como atrofia cerebral ou uso
de medicações anticoagulantes. As coleções
espontâneas podem ser causadas por patologias
subjacentes, entre elas malformações arteriovenosas
(MAVs), metástases durais e coagulopatias¹³.

Patogênese

O trauma de alta energia sobre o crânio provoca


aceleração e desaceleração do parênquima cerebral e
laceração das veias em ponte ou de pequenas artérias
corticais, provocando lesões no córtex e a formação do
hematoma no espaço subdural de forma aguda.
Conforme a coleção sanguínea se expande, ocorre
compressão do parênquima e aumento da pressão
intracraniana, uma vez que o crânio não possui
capacidade de lidar com grandes variações de volume,
como postulado pela doutrina de Monro-Kellie3,13.

Existe um ponto de descompensação a partir do qual


o cérebro perde sua capacidade de complacência e
pequenas variações no volume geram grandes aumentos
na PIC. A elevação exponencial da pressão intracraniana
cursa com diminuição da perfusão cerebral, causando um
déficit “mismatch” entre a demanda metabólica e a
oferta de oxigênio e glicose para o cérebro (à
semelhança do que ocorre de modo menos intenso em
situações de concussão). Esse descompasso, quando
grave, pode causar isquemia cerebral global¹³.

Além disso, o TCE grave pode influenciar na


capacidade de autorregulação das arteríolas cerebrais.
Em condições normais, esses vasos podem dilatar ou
contrair de acordo com as mudanças na pressão arterial.
Após o trauma, o cérebro perde sua capacidade de
autorregulação, se tornando mais susceptível à isquemia
durante a hipotensão ou ao inchaço em casos de
hipertensão. O inchaço hemisférico ocorre em virtude do
alto fluxo sanguíneo sob altas pressões para o
parênquima, o que causa vasodilatação, rotura da
barreira hematoencefálica e liberação de fatores
inflamatórios. Se nada for feito, o paciente pode
desenvolver edema cerebral maligno, que é a
hipertensão intracraniana irreversível¹⁸.

Os HSDA comumente estão associados às fraturas de


base de crânio, devido à alta energia envolvida no
mecanismo de trauma. Lesões na fossa craniana anterior
podem lacerar a dura-máter basal e formar uma fístula
com a cavidade nasal, provocando rinorreia. Hemorragias
subgaleais dão origem a hematomas na região
periorbital, sinal conhecido como olhos de Guaxinim e a
lesão do osso mastoide provoca equimose retroauricular,
ou sinal de Battle3,7.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito pela suspeita clínica e


confirmado pelos exames de imagem. Deve-se pensar
em coleção subdural aguda em pacientes com TCEs
graves e declínio neurológico progressivo.
Aproximadamente 50% dos indivíduos estão em coma na
admissão, mas até 38% podem apresentar um intervalo
lúcido antes de evoluir com piora neurológica
progressiva¹³.

Entre os principais sinais e sintomas, destacam-se:


alterações neurológicas focais e sintomas de hipertensão
intracraniana, como cefaleias e vômitos. Em casos
graves, em que a perfusão cerebral está muito
comprometida, podem surgir alterações isquêmicas¹³.
Pacientes com fratura da base de crânio associada
podem apresentar rinorreia, otorreia, equimose
periorbital ou retroauricular (sinal do Guaxinim e Battle
respectivamente) e disfunção de nervos cranianos,
principalmente dos nervos faciais (NCVII) e
vestibulococleares (NCVIII)³. Em casos muito graves,
pode ocorrer ruptura de artérias em decorrência de
fraturas cranianas (incluindo as artérias carótidas,
maxilares, etmoidais), algumas vezes necessitando
tratamento por via endoarterial em suítes de angiografia
para controle dos sangramentos.

Exames de Imagem

A TC sem contraste é o exame de escolha. O HSDA


tem formato crescente, atravessa as linhas de sutura e
não cruza as dobras durais. É homogeneamente
hiperdenso e está localizado, principalmente, na
convexidade frontoparietal e na fossa cerebral média.
Pode estar associado a outras lesões, também visíveis na
imagem, como hemorragia subaracnoidea, sangramento
intracraniano, contusões cerebrais e fraturas de base de
crânio. Em casos que cursam com hipertensão
intracraniana e efeito de massa, é possível observar
desvio das estruturas da linha média, apagamento dos
sulcos corticais e das cisternas da base¹³.

Gravidade
O HSDA é uma emergência neurológica/neurocirúrgica
e um tipo de TCE grave. A mortalidade pode chegar a
79%, e, dentre os que sobrevivem, a morbidade é
elevada, com apenas 14-40% dos pacientes evoluindo
tardiamente com resultados muito favoráveis¹⁵.

Entre os principais fatores prognósticos estão: baixa


pontuação na ECG na admissão (ECG <9), anormalidades
pupilares, presença de lesões isquêmicas, lesões
intracranianas associadas, idade avançada, hipotensão e
PIC elevada no pós-operatório¹⁵.

Tratamento

O HSDA sintomático é uma emergência


neurológica/neurocirúrgica que comumente exige
tratamento cirúrgico. Alguns casos excepcionais podem
ser manejados conservadoramente, mas isso é a
exceção. Independente do tratamento de escolha, é
fundamental otimizar a função cerebral do paciente,
garantindo um PPC adequado, com monitoramento da
PIC e controle da PA. Tradicionalmente, os protocolos
indicam que a PAS deve ser mantida acima de 100
mmHg para indivíduos entre 50 e 69 anos e acima de
110 mmHg para pacientes entre 15-49 anos ou acima de
70 anos. Um monitor de PIC deve ser considerado para
todos os pacientes em coma (ECG <9)¹⁰, pois além de
auxiliar nas decisões clínicas, estudos comprovam que o
monitoramento da PIC em TCE grave reduz a mortalidade
intra-hospitalar e a mortalidade em até 2 semanas após
o trauma. Deve-se intervir quando a PIC estiver acima de
22 mmHg. O alvo pressórico da PPF é entre 60 e 70
mmHg¹². Em unidades especializadas no tratamento
intensivo de pacientes com TCE grave, as decisões sobre
alvos pressóricos e de PPC em geral dependem da
realização de exames seriados de doppler transcraniano,
que permitem acompanhar a evolução da disfunção da
capacidade de autorregulação e individualizar o
tratamento de acordo com a evolução diária do paciente.

Em pacientes com indicação cirúrgica, a cirurgia deve


ser feita o quanto antes, já que o tratamento precoce
está associado à menor mortalidade. A decisão sobre a
indicação da drenagem cirúrgica do hematoma compete
ao neurocirurgião que avalia o caso.

Entre os procedimentos cirúrgicos disponíveis, a


craniotomia de emergência com abertura dural para
drenagem do hematoma é a técnica mais frequente. Em
geral, o inchaço cerebral requer a realização de “plástica
dural”, permitindo a expansão do volume intracraniano,
associado em casos graves com a craniectomia
descompressiva. Quando é possível repor o osso, deve-se
instalar um monitor de pressão intracraniana,
preferencialmente intraventricular, possibilitando assim
uma aferição mais confiável da PIC e a drenagem de LCR
intraventricular se necessário, como uma das medidas de
controle da PIC no ambiente de terapia intensiva
especializado em neurointensivismo.

Pontos Importantes
O hematoma subdural agudo é uma emergência
neurológica com alta morbidade e mortalidade.

Associação do inchaço hemisférico, com a perda da


autorregulação cerebral, controlada pelas arteríolas.
A craniotomia de emergência com abertura dural
para drenagem do hematoma é o tratamento de
escolha, muitas vezes sendo necessária
craniectomia descompressiva

Referências
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https://doi.org/10.1016/j.neuropharm.2018.08.004
Caso 24 | Cirurgia De
Controle De Danos
(‘Damage Control
Surgery’)
Autor: Eric Shigueo Boninsenha Kunizaki
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Augusto Fontenelle Ribeiro Júnior

História Clínica
Paciente J.P.S., 20 anos, masculino, branco, trazido
pelo SAMU, deu entrada no Pronto-Socorro vítima de
ferimento por arma de fogo (FAF) cerca de 30 minutos
antes da admissão. Não sofreu outros tipos de trauma.

Exame Físico
A: Via aérea pérvia sem colar cervical.

B: Murmúrios vesiculares diminuídos na base


pulmonar à direita. E-Fast: pneumotórax à direita,
realizada drenagem do tórax com saída de 300 ml
de sangue e ar.

C: FC= 130 bpm, PA 90x60 mmHg, dor abdominal,


FAST positivo no espaço hepatorrenal (figura 1).
D: agitado, pupilas isocóricas e fotorreagentes,
Escala de Coma de Glasgow= 14 pontos.

E: ferimento puntiforme em epigástrio (entrada do


projétil) e ferimento estrelado (saída do projétil) em
tórax direito, ferimento puntiforme em face anterior
de coxa direita sem orifício de saída.

Figura 1 – FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma)


mostrando líquido livre no espaço hepatorenal ou espaço de Morrison. No
contexto de trauma, isso significa sangue na cavidade.

Prosseguimento Do Caso
Paciente vítima de FAF abdominal com choque
hemorrágico classe III (tabela 1) e ABC Score≥ 2 pontos.
Foi ativado o protocolo de hemotransfusão da instituição.
Iniciada reposição volêmica com 2 unidades de
concentrado de hemácias, 2 unidades de plasma fresco
congelado e 2 unidades de plaquetas, sem uso de
cristaloide, e indicada laparotomia exploradora pelo
ferimento abdominal penetrante com choque associado.

No intraoperatório foi encontrada lesão não


transfixante da parede gástrica anterior e lesão
transfixante entre os segmentos III e VI do fígado com
cerca de 1500mL de sangue na cavidade (figura 2).
Durante a cirurgia o paciente apresentou instabilidade
hemodinâmica, sendo optado por laparotomia abreviada.
A lesão da parede gástrica foi rafiada e foram colocadas
compressas no fígado para hemostasia. Paciente foi
mantido em peritoniostomia pela técnica de Barker. A
equipe de Ortopedia realizou fixação externa da fratura
de fêmur durante o período da laparotomia.

O paciente foi levado novamente ao centro cirúrgico


em 24 horas após a estabilização em UTI com uso de
drogas vasoativas, nova transfusão de
hemocomponentes e correção de distúrbio ácido-básico.
Nesta abordagem foram retiradas as compressas
colocadas na 1ª cirurgia e revista a hemostasia. Foi
necessário realizar hepatectomia lateral direita não
regrada pois a lesão do fígado era extensa e mantinha
sangramento (figura 3). O estômago não apresentou
novos problemas e a lesão rafiada estava
adequadamente tratada.
Paciente recebeu alta da UTI no 7º dia pós-operatório
da primeira cirurgia e alta hospitalar no 13º dia de
internação hospitalar. Foi submetido a nova cirurgia
ortopédica neste intervalo para correção definitiva da
fratura de fêmur. Estava com boa aceitação oral, sem dor
abdominal e sem sequelas.

Figura 3 – Aspecto do fígado após hepatectomia direita


Figura 2 – Lesão hepática transfixante com grande quantidade de sangue na
cavidade

Exames Complementares

Exames Laboratoriais

Hemoglobina: 8,9g/dL (12,0 a 15,5g/dL)

Hematócrito: 28% (35 a 45%)

Lactato arterial: 20 mg/dL (4,0 a 14,4mg/dL)


Gasometria arterial: pH 7,29 (7,35-7,45) ; pO₂ 75
mmHg (80-100); pcO₂ 30 mmHg (35-45); BIC 19
mEq/L (22-26) ; BE -11mEq/L (-2 a 2); SatO₂ 94%
(94-100%)
Tabela 1 – Classificação de hemorragia (adaptado do ATLS Student Course
Manual, 10ª edição)

Classe Classe
Parâmetro Classe I Classe IV
II III

Perda sanguínea
<15% 15-30% 31-40% >40%
estimada

Frequência cardíaca ↔ ↔/ ↓ ↑ ↑/ ↑ ↑

Pressão arterial ↔ ↔ ↔/↓ ↓

Pressão de pulso ↔ ↓ ↓ ↓

Frequência respiratória ↔ ↔ ↔/↑ ↑

Diurese ↔ ↔ ↓ ↓↓

Escore de ECG ↔ ↔ ↓ ↓

0 a -2 -2 a -6 -6 a -10 -10 mEq/l ou


Déficit de base
mEq/l mEq/l mEq/l menos

Necessidade de
Monitorar Possível Sim PHM
hemotransfusão

Fonte: PHM: Protocolo de Hemotransfusão Maciça

Tabela 2 – Escore ABC para determinar necessidade de Hemotransfusão


Maciça (≥2 pontos)

Sim Não

Ferimento penetrante 1 ponto 0 pontos

FC > 120bpm 1 ponto 0 pontos

PA < 90mmHg 1 ponto 0 pontos


Sim Não

FAST positivo 1 ponto 0 pontos

Hipóteses Diagnósticas
Trauma abdominal por ferimento por arma de fogo
com choque hipovolêmico e trauma torácico associado.

Fratura em fêmur esquerdo por FAF.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Quais as primeiras medidas que devem ser


tomadas ao receber este paciente no setor de
Emergência?
2. Quais os critérios para ativação de protocolo de
hemotransfusão no trauma?

3. Quando indicar cirurgia de controle de danos no


trauma abdominal?

4. Quais são os objetivos na abordagem cirúrgica


deste paciente?
5. Como deve ser realizada a compensação clínica do
paciente e após quanto tempo ele deve ser levado
de volta ao centro cirúrgico?

Discussão
Conceitos

O paciente politraumatizado deve sempre ser avaliado


em sala de Emergência por um médico experiente e com
equipe treinada no atendimento ao Trauma. A avaliação
primária objetiva identificar lesões potencialmente fatais
e tratá-las conforme a necessidade. O programa
Advanced Trauma Life Support® - ATLS do Colégio
Americano de Cirurgiões propõe uma sistematização
deste atendimento com o ABCDE do Trauma¹:

Airway (via aérea): controle de via aérea e da


coluna cervical.

Breathing (respiração): garantir ventilação e


hematose adequadas.
Circulation (circulação): avaliar choque e controlar
fontes de sangramento.

Disability (avaliação neurológica): avaliação sumária


do estado neurológico.

Exposition (exposição): procurar lesões, controlar


temperatura do paciente.

A avaliação primária demanda decisões rápidas e


precisas, devendo cada passo ser resolvido antes de
proceder ao seguinte. Por exemplo, um paciente com via
aérea impérvia (problema identificado no A) deve ter a
via aérea garantida antes de ser avaliado para lesão
neurológica (problema identificado no D). O principal
fator responsável pela mortalidade em vítimas de
traumas graves é o sangramento não controlado¹.

Os pacientes graves devem ser rapidamente


reconhecidos e tratados, visando a estabilização
hemodinâmica para que tratamentos definitivos possam
ser aplicados. Contudo, alguns pacientes vítimas de
trauma de alta complexidade - principalmente quando o
trauma acomete tórax, abdome e pelve - com
instabilidade hemodinâmica e distúrbios de coagulação e
metabólico, não toleram procedimentos cirúrgicos
demorados e têm chances muito maiores de
complicações cirúrgicas¹.

Neste contexto, foi criado o conceito da cirurgia de


controle de danos (ou ‘damage control surgery’): uma
modalidade de tratamento cirúrgico cujo objetivo é
restaurar os parâmetros fisiológicos do paciente em
detrimento de reparos definitivos. Consiste
principalmente no controle da hemorragia e da
contaminação da cavidade com a interrupção de
vazamentos de vísceras (bile, urina, conteúdo gástrico ou
entérico). Por conta disso, também pode ser denominada
de laparotomia abreviada².

O reparo dos órgãos lesados acontece em um


segundo momento, após a estabilização do paciente com
correção de distúrbios hidroeletrolíticos, da coagulopatia
e de ressuscitação volêmica adequada. É neste momento
que o cirurgião deve proceder à reconexão de segmentos
do trato digestivo, reparos vasculares definitivos e outros
procedimentos necessários³.

A cirurgia de controle de danos foi desenvolvida para


o manejo de traumas abdominais e expandiu-se para o
tratamento de traumas torácicos, lesões vasculares e de
membros, e também para doenças intra-abdominais
graves não traumáticas como peritonites difusas com
choque séptico2, 3.

Etapas da cirurgia para controle de danos

A cirurgia para controle de danos divide-se em cinco


etapas: 1. decisão em aplicar damage control, 2.
laparotomia abreviada, 3. otimização em ambiente de
terapia intensiva, 4. reoperação programada e 5.
fechamento da parede abdominal2, 3, 4.

A decisão pela cirurgia de controle de danos depende


da avaliação clínica e dos achados intraoperatórios. Os
principais critérios objetivos para o controle de danos são
a hipotermia (temperatura <34°C), acidose (pH <7,2)
e/ou coagulopatia. Outras indicações podem ser
consideradas⁴:

Lesões viscerais extensas ou múltiplas;

Dificuldade de controlar o sangramento por meio de


métodos convencionais;
Necessidade de hemotransfusão maciça (≥10
concentrados de hemácias);
Dificuldade de fechamento da parede abdominal;

Necessidade de reabordagem para avaliação de


viabilidade de alças intestinais.

A laparotomia abreviada consiste no controle da


hemorragia e da contaminação da cavidade. O controle
de hemorragia é alcançado com a colocação de
compressas para compressão de sítios de sangramento
(figura 3), ligaduras e clampeamentos vasculares, uso de
balões vasculares (por exemplo, a técnica REBOA) e uso
de agentes hemostáticos. O controle da contaminação
necessita da inspeção do estômago ao reto com
ressecção e/ou rafia rápida dos segmentos que vazam
conteúdo2, 3, 5.

O uso de grampeadores gastrointestinais pode ser


aplicado neste momento, mantendo até mesmo
segmentos do intestino sem comunicação pelo
fechamento de ambas extremidades (‘intestino em alça
fechada’). O abdômen permanece aberto, pois há
reoperação programada e para evitar a síndrome
compartimental, sendo aplicadas técnicas de fechamento
temporário: bolsa de Bogotá, peritoniostomia a Barker ou
uso de kits comerciais de curativos a vácuo, sendo estes
considerados o padrão ouro3, 5.
Figura 3 – Desenho mostrando a colocação de compressas para hemostasia
de lesão hepática.

A recuperação em unidade de terapia intensiva (UTI)


objetiva o retorno aos parâmetros fisiológicos com
especial atenção à tríade letal: hipotermia, acidose
metabólica e coagulopatia. O uso de cristaloides para
ressuscitação volêmica tem aspectos comprovadamente
deletérios, devendo ser priorizado o uso de
hemocomponentes. O centro de trauma deverá ter um
protocolo institucional para o uso de hemotransfusão
maciça. A reposição preconizada atualmente respeita a
proporção 1:1:1 (concentrado de hemácias, plasma
fresco e plaquetas). Após estabilização do paciente o
prosseguimento da terapêutica transfusional deve ser
preferencialmente guiada com a tromboelastografia, que
guiará a necessidade de reposição de hemocomponentes
e hemoderivados para corrigir a coagulopatia3, 5, 6.

A reoperação programada deve ser realizada após a


adequada recuperação do paciente, com intervalo
máximo de 72 horas da primeira cirurgia, sendo o estado
clínico do paciente o principal determinante do momento
da reabordagem. Nesta etapa compressas utilizadas para
hemostasia deverão ser cuidadosamente retiradas para
evitar novos sangramentos. As lesões viscerais e
vasculares devem ser reparadas e o trânsito intestinal
restituído. A decisão de realizar ostomias protetoras é
particular ao cirurgião, porém há evidências que
apontam para aumento de complicações quando se
realiza anastomoses tardias3, 5, 6.

O fechamento da parede abdominal, por fim, pode ser


um desafio à parte pela retração que os tecidos sofrem
durante o período de peritoniostomia e à aderência das
alças intestinais. O tempo considerado ideal para o
fechamento definitivo é inferior a dez dias da primeira
abordagem, porém nem sempre é possível. Em casos
graves onde o controle da cavidade e estabilização do
paciente não sejam atingidos nos primeiros dias de pós-
operatório, poderá haver a necessidade da
peritoneostomia por períodos prolongados. Isso eleva os
riscos de fístulas enteroatmosféricas assim como hérnias
ventrais volumosas; em caso de hérnias, estas devem
ser tratadas após 9-12 meses. O uso de técnicas para
aproximação de aponeurose e a aplicação de telas
facilita este processo. Cuidado especial deve ser
empregado na utilização de telas, pois algumas não
podem ter contato com alças intestinais sob o risco de
lesões entéricas⁷.
Pontos Importantes
O paciente politraumatizado sempre é
potencialmente grave e deve ser atendido por
equipe devidamente treinada.
A estabilização inicial na sala de Emergência pode
não ser suficiente, devendo-se prosseguir ao
tratamento cirúrgico.
Parâmetros clínicos pré-operatórios e a evolução
intraoperatória indicam o paciente que necessitará
de cirurgia de controle de danos: choque, distúrbios
metabólicos graves, coagulopatia.
A cirurgia de controle de danos deve ser o mais
breve possível, objetivando o controle de
hemorragia e contaminação da cavidade.
A cavidade abdominal permanece aberta até a
reoperação programada por técnicas de
peritoniostomia.
A estabilização em unidade de terapia intensiva é
fundamental e a reposição volêmica deve priorizar o
uso de hemocomponentes, sendo os cristaloides
deletérios.
A proporção preconizada atualmente na
hemotransfusão é 1:1:1 (concentrado de hemácias,
plaquetas e plasma fresco).
A ativação do Protocolo de Hemotransfusão Maciça
não significa que o paciente irá obrigatoriamente
receber 10 ou mais unidades de concentrado de
hemácias. Apenas que os hemocomponentes devem
estar disponíveis. A transfusão é utilizada até a
estabilização hemodinâmica do paciente.
A reabordagem do paciente acontece após
adequada compensação clínica e estabilidade
hemodinâmica, devendo acontecer em até 72h após
a primeira cirurgia.
As lesões viscerais e vasculares devem ser
reparadas neste momento, havendo cuidado com as
anastomoses tardias pelo risco de complicações.
O fechamento do abdômen pode ser dificílimo,
sendo adequada a participação de equipes
especializadas em parede abdominal.

A cirurgia de controle de danos melhora a


morbimortalidade e está bem estabelecida no
cenário da Cirurgia do Trauma, porém ainda é uma
área de estudo em expansão. Novos trabalhos
prospectivos são necessários para consagrar
práticas e validar novas técnicas cirúrgicas.

Referências
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Manual 10th edition
2. Edelmuth RCL, Buscariolli YS, Ribeiro Júnior MAF.
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abdome aberto no trauma e urgências não
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Nascimento VP, Cruvinel Neto J, Fonseca AZ. Estudo
comparativo de técnicas de fechamento temporário
da cavidade abdominal durante o controle de danos.
Rev. Col. Bras. Cir.; 2016; 43(5): 368-373
Caso 25 | Queimadura
Elétrica Grave
Autores: João Henrique Fonseca do Nascimento, Adriano Tito Souza
Vieira, Iago Miranda Oliveira Dórea, Selton Cavalcante Tomaz,
Rebeca Ferreira de Souza,
Orientadores: André Bouzas de Andrade e Danilo Pinheiro Nunes

História Clínica
J.A.S., 32 anos, casado, masculino, pardo, eletricista,
natural e residente de cidade pequeno porte, foi
encaminhado por colegas de trabalho à emergência do
hospital municipal, por acidente laboral, sendo a queixa
principal “queimadura elétrica há 4 horas”.

Admitido na emergência, J.A.S. relata que estava em


rotina de trabalho, fazendo a manutenção de postes de
fiação elétrica do centro da cidade e que ao lidar com os
instrumentais, perdeu o equilíbrio e acidentalmente
encostou uma barra de ferro, a qual ele segurava, em fio
de alta tensão. Conta que perdeu a consciência nesse
momento, porém, logo em seguida, recobrou a lucidez.
Sabe-se que a fiação em questão tem potencial elétrico
de 7.200 volts.

Negou náuseas, vômitos, cefaleia, desconforto


torácico ou qualquer sangramento. Suplementar a isso,
já se passou 4 horas do evento acidental e o referido
paciente relata uma necessidade voraz de ingesta de
água. Nega diabetes e hipertensão arterial.

Exame Físico
Geral: Regular estado geral; alerta, verbalizando,
colaborativo e orientado no tempo e espaço; sem
agitação psicomotora; anictérico, perfusão distal
reduzida.

Dados Vitais: 35,9°C; FC: 110bpm; FR: 19irpm; PA:


100x75mmHg;

Pele e fâneros: Hiperemia no tronco; na porção


distal de mão direita, pele seca e enegrecida. Ao
exame minucioso, apresentou lesão branca
nacarada em membro superior direito (7%) e ambas
as pernas e pés (4,5% em cada membro),
totalizando 16% de superfície corporal queimada,
com lesões de 2º e 3º graus; inúmeras flictenas nas
regiões das queimaduras.
Neurológico: Pensamento coerente; ausência de
déficits focais; boa massa e tônus muscular;
sensibilidades tátil, posicional e vibratória
preservadas; reflexos preservados (++/4+) e
simétricos (exceto regiões de lesão, as quais não
foram testadas).
Pulmonar: Expansibilidade preservada; tórax
ressonante; murmúrios vesiculares presentes
bilateralmente e bem distribuídos; ausência de
ruídos adventícios.

Cardiovascular: Ictus cordis não palpável;


ausência de turgência jugular; taquicárdico, bulhas
normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.

Abdome: Abdome semi globoso sem cicatrizes;


ruídos hidroaéreos presentes; sem dor à palpação
abdominal superficial e profunda; sem sinais de
visceromegalias.

Membros: Mão direita em posição pugilista


(retraída), enegrecida, com redução total dos
tecidos, característico de carbonização, observando
sinais de membro não viável, com perda motora e
sensitiva, lesão profunda e flexão persistente (Figura
2). Outras lesões já descritas em pele e fâneros.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Após atendimento inicial, foi feita sondagem vesical e
solicitados exames complementares, a saber:
hemograma, eletrólitos e bioquímica.

Exames Complementares
Laboratório Valores obtidos Valores referência

HEMOGRAMA
Laboratório Valores obtidos Valores referência

Hemoglobina 14g/dL 12 - 17g/dL

Hematócrito 39% 36 - 50%

VCM 94fL 80 - 100fL

HCM 30pg 28 - 32pg

CHCM 33g/dL 32 - 35g/dL

RDW 13% 10 - 14%

Leucócitos 11.450/mm³ 5 - 11 x 103/mm³

Basófilos 0% 0 - 1%

Eosinófilos 2% 1 – 5%

Neutrófilos segmentados 69% 45 – 70%

Linfócitos 22% 20 – 45%

Hipótese Diagnóstica
Queimadura elétrica grave.

Conduta
Calculou-se a extensão da queimadura através da
Regra dos 9 e do diagrama de Lund-Browder (Figura 1),
determinando 16% de SCQ. Foi preenchida ficha
hospitalar do paciente. A partir disso foi iniciada
ressuscitação com solução Ringer-Lactato, com volume
total de 4480 mL calculado pela Fórmula de Parkland. Em
seguida, foi administrada morfina IV, 7 mg, juntamente
com Dipirona 500 mg, ambas para controle da dor. Com
o tempo da sondagem vesical, revelou-se urina “cor de
chá” na bolsa coletora após 1 hora (figura 3);
Eletrocardiograma (ECG), que revelou taquicardia sinusal
(figura 4) e testes rápidos Anti-HIV e Anti-HTLV (não
reagentes).

Figura 1 – Ficha de atendimento hospitalar do paciente queimado


preenchida.
Figura 2 – Mão direita em posição pugilista, enegrecida, com redução total
dos tecidos, característico de carbonização.
Figura 3 – Urina “cor de chá” observada na primeira hora de atendimento,
após sondagem vesical do paciente.

Eletrocardiograma

Revelado taquicardia sinusal (110bpm) (Figura 4)


Figura 4 – Taquicardia sinusal

Pontos De Discussão

Questões Para Orientar a Discussão

1. Com base na história e nos exames, quais as


inferências diagnósticas que podem ser
elencadas?
2. Como se procede o diagnóstico quanto à superfície
corporal queimada?
3. Como se aplica a regra dos 9 e o diagrama de
Lund-Browder no atendimento?

4. Como se deve proceder o manejo de fluidos do


paciente queimado?
5. Quais as principais condutas cirúrgicas para este
paciente?

Discussão
Conceito e Classificação

Por definição, as queimaduras são lesões teciduais


orgânicas, resultantes de trauma térmico por exposição
às chamas, calor, líquidos ou superfícies quentes, além
de substâncias químicas, radiações, atrito e, como no
paciente abordado, eletricidade.1,2 Queimaduras
provocam destruição das estruturas tegumentares e
subjacentes, prejudicando a atuação da pele como
barreira contra agentes externos, participante na
modulação da temperatura corporal e até mesmo no
metabolismo de vitamina D.

Estas lesões não devem ser subestimadas,


acreditando-se que seus danos restringem-se apenas à
pele e aos tecidos subjacentes: em verdade,
queimaduras mais profundas e mais extensas podem
apresentar complicações multissistêmicas, como paradas
cardiorrespiratórias (PCR), insuficiência renal aguda (IRA),
choque hipovolêmico e, por vezes, choque séptico.³

Queimaduras são classificadas a partir da


profundidade das lesões e de suas manifestações na
pele,1 sendo dividas em 3 graus possíveis, a saber:
Tabela 1 – Classificação de queimaduras quanto ao grau 3

Primeiro
Lesões apenas da epiderme, apresentando sinais como
Grau (1º
eritema
Grau)

Segundo Lesões da epiderme e parte da derme, apresentando sinais


Grau (2º como eritema e bolhas
Grau)
Terceiro Lesões da epiderme, derme e outros tecidos mais profundo,
Grau (3º podendo atingir os ossos; em geral, tem-se lesão branca
Grau) nacarada

As queimaduras de primeiro grau apresentam-se


como lesões hiperemiadas e dolorosas na pele, tendendo
à recuperação sem nenhum tipo de tratamento, ainda
que analgésicos possam ser administrados para
contenção da dor. Queimaduras de segundo grau se
apresentam como lesões úmidas, altamente dolorosas e
podendo ser esbranquiçadas ou amareladas.3,4
Característica marcante desta última é a presença de
flictenas, originadas da separação traumática entre
epiderme e derme, com consequente extravasamento de
fluidos intravasculares para o espaço formado. As
queimaduras de terceiro grau são vistas como lesões
enegrecidas, com eventuais vasos visíveis com sangue
coagulado.3,4 Podem ainda ser esbranquiçadas, com
aspecto de couro, sendo conhecidas como lesão
nacarada, em adicional, em si são indolores, por conta da
destruição das terminações nervosas presentes no local;
entretanto, esse tipo de lesão está associado a
queimaduras de graus menores em conjunto, o que gera
dor intensa e insuportável.3,4 A figura 5, a seguir,
demonstra diagrama histológico das queimaduras de 1º,
2º e 3º graus, respectivamente, da esquerda para direita.
Figura 5 – Esquematização das queimaduras de 1º grau (à esquerda), com
lesão da epiderme; 2º grau (ao meio), com lesão da epiderme, derme e
formação de flictenas (bolhas), característico desse grau de lesão, e de 3º
grau (à direita), com lesão de todas as camadas de pele.1,3,4,10

As queimaduras elétricas diferem das demais,


especialmente em aspectos fisiopatológicos. Elas podem
ser resultado de contato direto do tecido com a fonte da
corrente ou da recepção de um arco elétrico pela
superfície corporal (SC).2,5 É importante frisar que esses
acidentes representam até 20% de todos os tipos de
queimaduras.⁶ Para melhor compreensão desses
eventos, é necessário classificá-los quanto à voltagem.
Os choques de baixa voltagem, os quais, em geral, não
envolvem complicações maiores, apresentam potencial
abaixo de 1.000 volts; já potenciais acima desta cifra,
classificam-se em altas voltagens, com grande
capacidade lesiva.5,7,9 Os eventos de alta voltagem mais
comuns apresentam-se entre 3.000 a 12.000 volts, sendo
relatados episódios com sobreviventes expostos até
25.000 volts.⁷

Epidemiologia e Etiologia
A maioria dos inquéritos epidemiológicos brasileiros
indica o perfil das vítimas de queimaduras elétricas
semelhantes ao do paciente do caso: sexo masculino,
idade entre 14 e 55 anos, ocorrência vinculada ao
trabalho – setor de eletricidade, falta de equipamento de
proteção e/ou descuido durante o processo de
trabalho.1,8,10 Por volta de 15% dos pacientes queimados
por eletricidade apresentam também traumas mecânicos
associados, valor consideravelmente superior às demais
etiologias das queimaduras.³

Nos Estados Unidos da América (EUA) há farta


documentação acerca dos atendimentos hospitalares por
queimaduras elétricas, demonstrando a considerável
importância delas ante o atendimento nacional. A este
exemplo, em 2016 foram registradas 40.000 admissões
hospitalares americanas por queimaduras, onde destas,
cerca de 1600 (4%) foram de etiologia elétrica.9
Queimaduras por eletricidade são consideradas a causa
mais frequente de amputação em centros de queimados
nos EUA.⁹ Semelhante ao Brasil, a maior parte dos
queimados por esta causa são eletricistas e
trabalhadores de construção civil, especialmente os que
manipulam guindastes.⁹ Ainda nos EUA, durante a
infância, cerca de 66% dos queimados por eletricidade
são do sexo masculino; entretanto, durante a vida adulta
essa situação se agrava, de modo que homens passam a
responder por cerca de 90% das queimaduras por
eletricidade, o que a reforça a ideia de grupo de risco
deste gênero.⁹

Importante ainda frisar que as queimaduras por


eletricidade podem tanto ser por contato com fontes de
eletricidade, quanto causadas por raios, não sendo as
últimas tão incomuns quanto possa se imaginar. Quando
somadas as queimaduras por corrente elétrica de fiação
e demais fontes domésticas e laborais com as
queimaduras por raios, os índices de mortalidade podem
chegar até a 40%.¹¹ Dentro dessa perspectiva, as
queimaduras elétricas causadas por raios variam de
letalidade a depender da forma de contato com a
vítima.¹¹

É válido ainda ressaltar as demais possíveis etiologias


para queimaduras, por vezes até mais comuns do que as
queimaduras elétricas. Queimaduras térmicas são
sempre as mais lembradas, podendo ser causadas por
agentes muito quentes ou muito frios. São comumente
advindas de incêndios, nos quais a principal preocupação
do médico é a manutenção imediata da via aérea do
paciente, uma vez que a aspiração de gases tóxicos é
uma causa de morte rápida nestes pacientes.³

Patogênese e Clínica

Queimaduras em geral apresentam 3 zonas distintas,


divididas de acordo com o estágio de lesão, de superficial
para profunda: zona de necrose, de estase e de
hiperemia. A primeira, a zona de necrose, é a área na
qual o tecido está efetivamente morto, não há
recuperação para estas células. Em seguida, há a zona
de estase, na qual as células estão lesionadas, mas não
mortas, o que possibilita a recuperação do tecido. Por
fim, a zona de hiperemia é a área avermelhada pela
reação vasodilatadora, consequência da liberação de
mediadores inflamatórios pelos tecidos lesados.³

A injúria causada pela eletricidade se dá pela


conversão de energia elétrica em energia térmica, uma
vez que o corpo humano representa resistência à
passagem da corrente, caracterizando-se como efeito
Joule.4,5 Outra explicação para as lesões por eletricidade
é a própria atuação das forças elétricas diretamente
sobre proteínas e plasmalemas, causando
desestabilização estrutural e consequente ruptura dessas
estruturas.⁹

Inserido na esfera clínica, cabe ressaltar ainda a


diferença na apresentação de pacientes com
queimaduras por eletricidade por alta (mais de 1.000
Volts) e baixa voltagem (menos de 1.000 Volts). As
correntes de baixa voltagem tendem a ocasionar lesões
mais profundas, porém localizadas, de modo que por
vezes são menos letais do que as associadas com alta
voltagem. Estas últimas, por sua vez, tendem a produzir
lesões de profundidade relativamente menor, mas com
maior abrangência de áreas do corpo, se configurando
como fatores de maior preocupação para a equipe de
saúde no que tange ao risco de morte.⁹

Além das queimaduras em si, pacientes vítimas de


choques elétricos podem apresentar ruptura da
membrana timpânica (até 80% dos pacientes os quais a
cabeça é um ponto de entrada ou saída da corrente),
catarata (verificada em até 20% dos pacientes do grupo
anterior), distúrbios rítmicos do coração, como fibrilação
ventricular ou assistolia, depressões do ritmo respiratório
por lesão do centro respiratório no tronco encefálico,
rebaixamento do nível de consciência, comprometimento
da memória, mioglobinúria (o que pode resultar em IRA),
diminuição da densidade óssea e, por vezes, síndrome
compartimental das extremidades.¹¹ Estas situações
podem ou não surgir a depender da severidade do
trauma elétrico e dos locais afetados.9,11

Infecções da ferida e/ou sepse também são


complicações possíveis nos casos de queimaduras em
geral. O diagnóstico de infecção na queimadura é feito
após biópsia para cultura.¹² Alguns sinais podem indicar
infecção do sítio, estando estes organizados na tabela a
seguir.
Tabela 2 – Indicadores de Infecção da Área Queimada 13

Mudança da coloração da lesão.

Edema de bordas das feridas.

Aprofundamento das lesões.


Mudança do odor.

Separação rápida da escara, escara úmida.

Coloração hemorrágica sob a escara.

Celulite ao redor da lesão. Vasculite no interior da lesão (pontos


vermelhos).

Aumento ou modificação da queixa dolorosa.

Diagnóstico e avaliação da gravidade

Todos os pacientes recebidos por queimadura, de


etiologia elétrica ou não, devem ter suas lesões
avaliadas e classificadas quanto à gravidade dentro dos
moldes estabelecidos anteriormente. A severidade das
queimaduras depende de fatores determinantes como:
voltagem, amperagem, duração do contato, caminho
percorrido pela corrente entre os pontos de entrada e
saída e até mesmo a suscetibilidade do indivíduo a
lesões por choques elétricos.⁹

Em complementar, determinar a extensão da


Superfície Corporal Queimada (SCQ) é, também, parte
fundamental para conhecer a gravidade do quadro. Para
tal, é comum nos serviços de atendimento o uso de
técnicas de avaliação, a exemplo do diagrama de Lund-
Browder e a regra de Wallace, também conhecida por
regra dos 9.1,2,10 Essa é uma das técnicas mais utilizadas
dentro dos pronto atendimentos no país, pela sua
praticidade. Calcula-se a extensão da queimadura
atribuindo uma porcentagem múltipla de 9 a
determinadas áreas do corpo, as quais foram acometidas
por queimaduras a partir de 2º grau, como demonstrado
na Tabela 3 a seguir:
Tabela 3 – Indicadores de Infecção da Área Queimada 13

EXTENSÃO DA QUEIMADURA (SCQ – Regra dos 9 na urgência e


emergência)

Criança (até 9
Área Adulto
anos)

18% - idade em
Cabeça e Pescoço 9%
anos

Tronco Anterior 18% 18%

Tronco Posterior 18% 18%

MMSS (Direito) 9% 9%

MMSS (Esquerdo) 9% 9%

7% + ¼ idade em
Coxa Direita 9%
anos

7% + ¼ idade em
Coxa Esquerda 9%
anos

7% + ¼ idade em
MMII + (Pé Direito) 9%
anos

7% + ¼ idade em
MMII + (Pé Esquerdo) 9%
anos

Genitália 1%

TOTAL DA SUPERFÍCIE COPORAL


QUEIMADA (%)

É importante salientar a necessidade de se adaptar as


porcentagens de acordo com a faixa etária do ferido
(Figura 6).² Como pode ser percebido, crianças têm maior
área de superfície corporal relativa à cabeça,
diferentemente de adultos onde a cabeça representa
cerca de 9% da SCQ, assim como outras porções
também diferem quando comparadas a adultos.

Figura 6 – Adaptação da determinação da extensão da SCQ pela idade no


diagrama de Lund-Browder.1,3,10

Diversos serviços ao redor do mundo contam com


fichas hospitalares específicas para pacientes
queimados, havendo inclusive um protocolo correto para
preenchimento do diagrama de Lund-Browder. Este tipo
de protocolo foi seguido no preenchimento da ficha
hospitalar do paciente do caso. Ele determina que os
graus das queimaduras devam ser representados no
diagrama de formas distintas. Queimaduras de primeiro
grau devem ser indicadas como traços paralelos no
diagrama, em uma única direção, traços estes que
devem estar sobre a área que representa a região
queimada. Queimaduras de segundo grau devem ser
indicadas como traços transversos, um sobre o outro, e
queimaduras de terceiro grau devem ser representadas
por regiões hachuradas. Reveja a figura 1 para fixação
desta informação. Conhecendo a extensão das lesões é
possível ainda estabelecer parâmetros para evitar
complicações como choque hipovolêmico, através da
ressuscitação por fluidos, a qual será discutida adiante.³

Para além, outro método útil de avaliação da extensão


de queimaduras é a regra da palma da mão. Esta técnica
permite avaliar a extensão de queimaduras menores,
descontínuas ou difusas, que possam confundir o
profissional quando ele tente mensurá-las a partir do
diagrama de Lund-Browder.³ Ela se baseia no fato de a
palma com a superfície palmar dos dedos representar
0,8% da superfície corporal em homens e 0,7% em
mulheres. Tendo isso em mente, é feita uma aproximação
arbitrária, de modo que a palma da mão com os dedos é
considerada 1% da SC. Além disso, cabe ressaltar que a
área total palmar guarda relação inversa com o IMC: ou
seja, pessoas com maior IMC, possuem palma
representando menor percentual da superfície corporal.¹⁰

Esses instrumentos diagnósticos são auxiliares


importantes para classificar com maior especificidade
quadros de maior complexidade das queimaduras,
dividindo-as em Pequena Gravidade, Média Gravidade e
Grande Gravidade. São demonstrados a seguir no
esquema 1:
Esquema 1 – Classificação quanto à gravidade do paciente queimado entre
pequena, média e grande gravidade. Q1ºG: Queimadura de 1º grau; Q2ºG:
Queimadura de 2º grau; Q3ºG: Queimadura de 3º grau; **Queimaduras que
não envolvam face ou mão ou períneo ou pé, SCQ: Superfície Corporal
Queimada.1,3,4,10

O paciente do caso apresenta um quadro de


queimadura elétrica de alta-voltagem (7.200 volts),
atingindo a espessura total da pele (queimadura de 3º
grau) de membro superior direito e pés; exibe 16% de
SCQ, classificando-o como queimado de grande
gravidade. Deve-se ressaltar que, por se tratar de
paciente queimado de etiologia elétrica, necessita ser
encaminhado para centro especializado de queimados e
deve-se realizar eletrocardiograma ainda na
emergência.1,2
Além de queimadura por eletricidade, há outros
critérios que determinam indicação de paciente
queimado para Unidade de Tratamento de Queimaduras
(UTQ), como pode ser visto na tabela a seguir:
Tabela 4 – Critérios para indicação de tratamento em UTQ.3

Queimaduras de segundo grau em ao menos 10% da SC.

Queimaduras de terceiro grau em qualquer extensão.

Queimaduras que envolvam áreas nobres, como rosto, extremidades,


períneo, genitais e principais articulações.

Queimaduras por substâncias químicas.

Queimaduras com presença de lesão mecânica simultânea.

Ambiente sem material necessário ao tratamento de qualquer


queimadura.

Considerando o caso o paciente e ponderando todos


os itens expostos, o mesmo se enquadra para
transferência para Unidade de Tratamento de
Queimaduras que deve ser solicitada à UTQ de
referência, após a estabilização hemodinâmica e
medidas iniciais. É interessante que seja enviado
concomitantemente relatório contendo todas as
informações colhidas, bem como anotações de condutas
e exames realizados.

Achados laboratoriais e demais exames


complementares

A respeito dos exames laboratoriais na admissão,


revela-se discreta leucocitose, comum ao trauma.
Todavia, os marcadores de lesão muscular chamam mais
a atenção. A elevação das enzimas CK e CK-MB denotam
miólise, assim como a elevação da mioglobina circulante.
A elevação desses fatores, assim como outras toxinas,
produtos da lesão tecidual e necrose, é altamente
danosa a estruturas importantes, a exemplo do rim.

Os principais eletrólitos também devem ser


investigados, uma vez que queimaduras elétricas
causam lesões celulares, liberando consideráveis
quantidades de potássio no sangue, similar a lesões por
esmagamento.³ Nessas condições, a hipercalemia pode
causar distúrbios cardíacos, como arritmias diversas, em
virtude das alterações no gradiente eletroquímico do
potássio nos miócitos cardíacos e nas células autônomas
cardíacas. O aumento do potássio extracelular diminui a
saída de potássio da célula cardíaca por canais voltagem-
dependentes após a geração dos potenciais de ação,
impedindo adequada repolarização celular e com isso
transformando potenciais de condução rápida em
potenciais de condução lenta, causando os referidos
distúrbios do ritmo cardíaco.¹⁴ Como pode ser verificado
nos resultados dos exames laboratoriais requisitados, a
concentração sérica de potássio no paciente está dentro
dos limites fisiológicos, ainda que no limite superior. O
conjunto da avaliação de eletrólitos com enzimas CK e
CK-MB é importante para diagnóstico de rabdomiólise
causada pela corrente elétrica.¹¹
Tendo em vista o fato da concentração sérica dos
eletrólitos do paciente estar dentro dos valores
fisiológicos, é possível inferir que sua “sede voraz”
referida na história clínica advém da perda real de
líquidos, causada por suas queimaduras de segundo e
terceiro graus.

Como a principal causa aguda de morte em pacientes


com queimaduras por eletricidade é a PCR, ECG deve
sempre ser feito na admissão destes pacientes. Pacientes
que entraram em contato com choques elétricos de alta
voltagem apresentam mais comumente assistolia,
enquanto correntes de baixa voltagem são mais
propensas a causar episódios de fibrilação ventricular
(FV) nos pacientes.¹¹ O paciente do caso apresentou
apenas uma taquicardia sinusal, provavelmente
decorrente do estresse do evento traumático, das lesões
apresentadas e da dor decorrente das mesmas.

Deve ser também feita avaliação laboratorial da


função hepática (AST, ALT, bilirrubinas e albumina) caso
haja suspeita de trauma de vísceras abdominais,
procedendo-se da mesma maneira para o coagulograma
e avaliação da função pancreática.¹¹

Tratamentos Clínico e Cirúrgico:

a) Manejo clínico e ressuscitação volêmica


O atendimento imediato na emergência do queimado
e os cuidados iniciais do mesmo, estão dispostos no
esquema 2,1,4,10 seguindo as diretrizes preconizadas pelo
Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Cirurgia
Plástica e pela Sociedade Brasileira de Queimaduras.
Deve-se compreender que o queimado por eletricidade é
um paciente do trauma e requer avaliação de acordo
com o protocolo do Advanced Trauma Life Support
(ATLS), sendo, portanto, necessário avaliar via aérea,
respiração, circulação e déficits (Esquema 2).

CUIDADOS INICIAIS COM A VÍTIMA DE


QUEIMADURA NO PRONTO ATENDIMENTO

Esquema 2 – Fluxograma de atendimento inicial à vítima de


queimadura.1,3,4
É importante também fazer conhecer as indicações
para intubação orotraqueal, a saber:
Tabela 5 – Indicações para intubação orotraqueal1,4,10

PaO₂ <60

PaCO₂ >55

Saturação < 90

Escala de Glasgow <8

Queimaduras em face e pescoço

Presença de importante edema de face e/ou parte oral da faringe

Importante destaque no manejo do paciente


queimado é a fluidoterapia. A ressuscitação de fluidos
tem como objetivo promover adequada reposição dos
líquidos corporais perdidos pelo extravasamento ao
interstício, causado pelo caráter inflamatório sistêmico
da resposta metabólica ao trauma.⁴ Além disso, a pele
lesada perde sua capacidade de impermeabilização,
aumentando a perda de líquidos por evapotranspiração.
A ressuscitação é reservada aos pacientes que
apresentem mínimo de 15% de SCQ e obedece a fórmula
de Parkland,1,4,10 verificada a seguir:

FÓRMULA DE PARKLAND = 2 a 4mL x % SCQ x peso


(kg)

Há predileção pelo uso de solução Ringer-lactato, visto


que solução de soro fisiológico pode vir a causar acidose
hiperclorêmica no paciente. A fórmula de Parkland traz a
quantidade total de fluidos que devem ser administrados
ao paciente queimado. Depois de calculado o volume
pela fórmula de Parkland, metade desta quantidade deve
ser infundida em uma quantidade de tempo diferente.
Deve-se infundir 50% do volume calculado nas 8
primeiras horas e os outros 50% nas 16 horas seguintes.
Além disso, a contagem das horas para esta divisão deve
ter como marco inicial o momento de origem da
queimadura, jamais o de admissão na unidade
hospitalar.9,11,13 Nessa perspectiva, nosso paciente teve
admissão 4 horas após a ocorrência do acidente, o que
significa dizer que ele receberá 50% do volume total
calculado nas próximas 4 horas, como determinado pelo
protocolo de fluidoterapia.

Suplementar a isso, é necessário manter a diurese


entre 0,5 a 1ml/kg/hora, salvo em trauma elétrico, onde
é preconizado manter a diurese em 1,5ml/kg/hora ou até
clareamento da urina. Vítimas de queimaduras elétricas,
como o paciente do caso, devem apresentar diurese de
30mL/hora, contudo, em caso de urina escura ou “cor de
chá”, o que pode indicar mioglobinúria, a diurese deve
aumentar para 100mL/hora, ou até que a urina
clareie.4,9,11 Pacientes pediátricos devem manter débito
urinário em 1 mL/kg/hora.

É fulcral lembrar que cálculos para reposição volêmica


são apenas parâmetros, estimativas. A reposição deve
ser realizada até que o paciente apresente melhora nos
sinais clínicos gerais, especialmente naqueles
relacionados à perfusão tecidual.

Como referido anteriormente, as infecções são


complicações possíveis nesse contexto das queimaduras,
de modo que é importante ter em mente o tratamento
em tal situação. No período recente após a origem da
queimadura, a pele lesada é colonizada por
Staphylococcus e Streptococcus, havendo aumento da
densidade de bactérias gram-negativas em períodos
posteriores.⁷ Nesse sentido, os antimicrobianos tópicos
devem ser de amplo espectro. A Sulfadiazina de Prata 1%
é o antimicrobiano tópico de primeira escolha, sendo de
amplo espectro e tendo boa ação contra Estafilococos e
Estreptococos.4,9,13 Para pacientes com alergia a
Sulfadiazina de Prata, uma droga que pode ser aplicada é
a Mafenida, disponível tanto em creme quanto em
solução 5%. Esta droga tem espectro de ação
semelhante à Sulfadiazina, porém tem um poder de
maior penetração na ferida. Sua aplicação pode ser
dolorosa, o que pode restringir seu uso em pacientes
com queimaduras de segundo grau.4,9 Antimicrobianos
sistêmicos só devem ser administrados caso haja
infecção sistêmica no paciente.13

Ainda no espectro do tratamento clínico, o controle da


dor é um aspecto muito importante para o sucesso da
terapêutica adotada como um todo. Analgésicos devem
ser administrados, sempre que possível, por via oral,
evitando ainda mais dor ao paciente pelas demais vias.
Além disso, a literatura traz que o tratamento analgésico
obtém melhores resultados quando esses são
administrados de forma sistemática, e não apenas
quando o paciente se queixa de quadro álgico. Ainda nos
dias de hoje a morfina é a droga mais utilizada, mas
outras drogas têm despontado nos últimos anos, como
alguns derivados opiáceos, fentanil, propofol e
ketamina.9 Alguns protocolos médicos indicam:
Tabela 6– Protocolos para controle da dor em queimados15

ADULTOS CRIANÇAS

Dipirona - 15 mg a 25 mg/kg
Dipirona - 500 mg a 01 grama EV
EV

Morfina - 1 ml (10 mg) em 9 ml SF 0,9%

Solução 1 ml = 1 mg, dar até 01 mg para Morfina - 0,1 mg/kg/dose


cada 10 kg de peso (solução diluída)

b) Tratamentos cirúrgicos

Mesmo na avaliação inicial, não se pode prescindir da


realização de escarotomias em pacientes que precisem
das mesmas. Isso se justifica pela possibilidade de rápida
formação tecidual em aparência de couro (escara), a qual
pode promover a constrição de membros e secções do
corpo, prejudicando a perfusão, a respiração/ventilação
ou causar síndrome compartimental.4,10 Escarotomias
são cortes que promovem alívio da pressão e liberam os
tecidos tracionados. São indicadas em queimaduras
circunferenciais profundas (em cinto) de torso ou de
membros, ou queimaduras de toda a parede torácica que
prejudicam a mobilização do tórax na respiração.⁴ Uma
má perfusão de uma extremidade queimada poderia
causar morte das células da zona de estase, aumentando
ainda mais a área de morte tecidual e agravando o
quadro do paciente.³

As principais indicações para escarotomias são: perda


progressiva sensitiva e motora, aumento da pressão
compartimental e dificuldade para ventilar devido às
escaras circunferenciais no tronco. Por outro lado, o
procedimento deve ser realizado apenas quando há
franca indicação para tal, tendo em vista que a exposição
da musculatura aumenta a chance de necrose tecidual.⁴

Na conclusão da avaliação das feridas, se o médico


acreditar que essas não apresentarão total re-
epitelização em 3 semanas, debridamentos ou excisões
cirúrgicas e enxertos de pele são recomendados.⁴

Há duas técnicas de debridamento que podem ser


aplicadas: a excisão tangencial e a excisão fascial. A
excisão tangencial – utilizando faca de Watson ou Goulian
(Weck) – envolve retirada das camadas de cicatriz e
tecido necrótico até que uma camada viável e sangrante
de tecido seja visível. Já a excisão fascial envolve retirada
de todos os tecidos até a camada fascial da musculatura,
como o próprio nome diz, podendo ser realizada com
eletrocauterizador.1,4,6 Independente da técnica, o
debridamento deve ser realizado sob uso cauteloso de
torniquete, a fim de minimizar as perdas sanguíneas.⁴

Os enxertos de pele são essenciais para cicatrização


de lesões extensas. Podem apresentar-se como malha –
confeccionados com o expansor de Tanner – ou em
lâminas – retirados manualmente com a Faca de Blair ou
dermátomos elétricos.⁴ As intervenções cirúrgicas para o
manejo das feridas podem ser espaçadas com 2 ou 3
dias, para estabilização e ressuscitação volêmica do
paciente, até que todo o tecido lesado seja retirado e as
feridas estejam cobertas.1,4,6

Pacientes em recuperação de queimaduras, seja por


re-epitelização natural ou através de procedimentos
cirúrgicos, devem ser instruídos a se protegerem da luz
solar, utilizando protetor solar e vestimentas que
corroborem com este propósito.⁴ A pele neste estágio de
recuperação ainda é muito sensível ao sol, de modo que
este contato pode até mesmo atrasar a recuperação da
lesão.

Por fim, é imprescindível lembrar que a literatura é


clara quanto às recomendações para excisão de
membro: “se a extremidade é claramente não viável, a
amputação deve ser feita no primeiro momento
possível”,⁶ a fim de se evitar falência renal e
complicações, já sinalizadas pela urina em “cor de chá”
(Figura 3). Portanto, neste caso, a amputação da mão
direita necrosada e não viável é aconselhada.

Pontos Importantes
As queimaduras elétricas são particularmente
especiais pelos seus efeitos potencialmente
devastadores, não só à pele, mas como a nervos,
tendões e vasos, além de representarem 20% de
todos os tipos de queimaduras;

O manejo do paciente queimado por descarga de


alta voltagem é guiado pela extensão da lesão e
presença de mioglobinúria;
É altamente recomendado que todo paciente que
sofra queimadura por descarga elétrica seja
avaliado por meio de eletrocardiograma ainda na
emergência;

A fórmula para o manejo de fluidos, inclusive para


pacientes do eletrotrauma, é a fórmula de Parkland
(Volume = 4 mL X Peso(kg) x %SCQ), sendo
recomendado solução de Ringer-lactato;
A ressuscitação volêmica deverá ser administrada
50% do volume nas primeiras 8 horas, e os outros
50%, nas 16 horas seguintes;

A diurese deve atingir 30 ml/hora em adultos, e


1ml/kg/hora em crianças – se mioglobinúria, 100
ml/hora;
Se as lesões não aparentarem ter total re-
epitelização em 3 semanas, excisões cirúrgicas e
enxertos são recomendados;
Em casos de extremidade claramente não viável, a
amputação deve ser feita no primeiro momento
possível, para evitar a rabdomiólise, falência renal,
dentre outras complicações;

O cirurgião deve compreender que debridamento


seriado precoce e enxertos de pele resultam em
aumento da taxa de sobrevivência, diminuição na
frequência de infecções e redução no tempo de
internação.

Referências
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Projeto Diretrizes; 2008.

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support course provider’s manual. ABA; 2005.

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7th. Wolters Kluwer Health/Lippincott; 2014.

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Penis-A Case Report. Vol. 39, pp. 217; 2017.
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queimadura elétrica de alta voltagem. Rev Bras
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queimaduras. Evidência Médica, Janeiro; 2012
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http://www.unimedcuiaba.com.br
/portal2/_img/Informativo_
Evidencia_Medica_Unimed_Janeiro_2012.pdf
Caso 26 | Abdome Agudo:
Obstrução Intestinal Por
Bridas
Autor: Marco Antônio Santos Oliveira e Paolla Dorneles Ferraz
Sousa

História Clínica
Paciente A. H. J. G. B., 18 anos, sexo masculino,
solteiro, pardo, natural e residente da cidade de Montes
Claros – MG. Admitido no pronto-socorro da Santa Casa
de Montes Claros no 14º DPO de esplenectomia via
laparotomia devido trauma abdominal após colisão
motocicleta com carro. Comparece no hospital
apresentando dor abdominal difusa há 3 dias associada a
náuseas e vômitos. Nega febre, diarreia e outras queixas.
Diurese e evacuações presentes. Dieta não tolerada. Não
fez uso de medicações. Nega alergias ou comorbidades.

Exame Físico De Admissão

Sinais vitais

FC: 88 bpm, FR: 16 irp, PA 110x70, SatO₂: 98%.

Ao exame: Bom estado geral, orientado no tempo e


espaço, normocorado, desidratado +/4+, anictérico,
acianótico, afebril, boa perfusão tissular.

ACV: RCR 2T

AR: MVF s/RA


AGI: Abdome discretamente distendido, ruídos
hidroaéreos reduzidos, hipertimpanismo, dor à
palpação profunda difusamente, sem sinais de
peritonite. Ferida operatória prévia com bom
aspecto, limpa e seca.
Toque retal: sem sinais de lesões, presença de fezes
no dedo de luva, sem sinais de fecaloma.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Iniciada expansão volêmica, antieméticos e passagem
de sonda nasogástrica. Foi solicitada avaliação
laboratorial e TC de abdome total. Paciente respondeu às
medidas iniciais mantendo estabilidade hemodinâmica
que possibilitou a realização de exames de imagem.

Exames Complementares

Exames laboratoriais

Hb 11,8 g/dL (12,0 a 15,5)

Ht 33,6% (35 a 45%)


Leucócitos 16.300 (3.500 a 11.000)

neutrófilos 81,6%;

bastões 6%;

eosinófilos 0%;
basófilos 0%;

linfócitos 7%;

monócitos 6%;

Plaquetas 238.000 (150.000 a 450.000)

PCR 13,89 (menor que 5,0)

Ureia 39 (10 a 50)

Creatinina 1,08 (0,60 – 1,10)

Potássio 5,2 (3,5 a 4,5)

Sódio 136 (135 – 145)

Solicitada TC de abdome total em caráter


de urgência

Surgimento de moderada distensão líquida e


segmentar de alças intestinais delgadas, estando a
maior parte das outras alças de delgado e do
intestino grosso com calibre habitual. Não foi
possível determinar o ponto exato de estreitamento.
Infere-se quadro de obstrução intestinal por
prováveis bridas/aderências.
Restante, sem alterações significativas.

Figura 1

Figura 2
Figura 3

Figura 4

Hipótese Diagnóstica
Abdome agudo obstrutivo por bridas/aderências.

Questões Para Orientar a Discussão


1. Qual a principal hipótese diagnóstica a partir do
exame clínico e complementar? Qual a principal
causa do quadro em questão?

2. Como é a apresentação habitual desse quadro?

3. Quais são as complicações possíveis?

4. Quais são as possibilidades de tratamento dessa


doença?

5. Quando tratamento cirúrgico é indicado?

Discussão

Conduta

Paciente estável hemodinamicamente, foi optado


tratamento clínico inicial com dieta suspensa,
sondagem gástrica, hidratação e analgesia. Após
36h de observação, paciente manteve alto débito de
estase em sonda nasogástrica, apesar da melhora
da dor abdominal.

Submetido à laparostomia exploradora com incisão


mediana supra-infra umbilical, que evidenciou
presença de moderada quantidade de líquido seroso
livre na cavidade e múltiplas aderências intestinais,
acometendo principalmente delgado, ocasionando
obstrução intestinal em jejuno em mesocólon
próximo ao ângulo de Treitz. Realizada lise de
aderências e malaxado líquido para drenagem por
sonda nasogástrica. Realizada revisão da
hemostasia e fechamento da cavidade, sem
intercorrências.

Paciente estável, sem queixas, no 1º DPO com


presença de ruídos hidroaéreos, liberado dieta
líquida restrita.

Alta médica no 3º DPO após progressão da dieta e


liberação de flatos.

Retorno ao ambulatório da cirurgia geral com 15


dias, sem queixas.

Figura 5
Figura 6

Figura 7

Conceito

A obstrução intestinal ocorre quando a propulsão


normal e a passagem de conteúdos intestinais não se
apresentam por qualquer motivo. A obstrução pode
envolver apenas o intestino delgado (obstrução do
intestino delgado), o intestino grosso (intestino grosso
obstrução), ou através de alterações sistêmicas no
metabolismo, equilíbrio eletrolítico, ou mecanismos
neurorregulatórios envolvendo o intestino delgado e
grosso (íleo generalizado)¹.

Obstrução mecânica advém em razão da obstrução


física do lúmen intestinal ou de algo dentro do lúmen da
parede do intestino ou de uma causa extrínseca,
podendo ser classificada como parcial ou completa,
enquanto a motilidade ineficaz sem causas obstrutivas, é
chamada de “pseudo-obstrução”.

Processos de obstrução em alça fechada,


estrangulamento ou perfuração são tidos como
obstrução complicada e requerem intervenção de
emergência².

Epidemiologia

O distúrbio cirúrgico mais comum do intestino delgado


é a obstrução intestinal mecânica. Até aproximadamente
a segunda metade do século XX, a causa mais comum de
uma obstrução do intestino delgado foi a hérnia. Com o
número crescente de pacientes submetidos a operações
intra-abdominais, com herniorrafias eletiva, as
aderências secundárias, a dissecção cirúrgica ou
processos inflamatórios tornaram-se etiologia número um
para obstrução do intestino delgado².

Aproximadamente 75% dos SBOs ocorrem em razão


das aderências intra-abdominais, geralmente como
consequência de cirurgia prévia³.

Qualquer procedimento cirúrgico abdominal ou pélvico


pode predispor um paciente ao desenvolvimento de
aderências pós-operatórias. Deve-se notar que não
houve declínio apreciável na formação de aderências
com a introdução da cirurgia minimamente invasiva4.

O abdome agudo obstrutivo também pode ser


causado por neoplasias, traumas ou estenoses. A
obstrução intestinal secundária a uma malignidade pode
ser extrínseca (por exemplo, carcinomatose com
implantes) ou intrínseca (por exemplo, tumor primário do
intestino delgado – adenocarcinoma, carcinoide,
linfoma)².

Patogênese

Obstrução intestinal mecânica resulta em numerosas


alterações da fisiologia intestinal normal. A fisiopatologia
da obstrução intestinal permanece mal compreendida
apesar das diversas mudanças observadas. Distensão
intestinal, absorção diminuída, hipersecreção
intraluminal e alterações na motilidade são encontrados
universalmente, mas os mecanismos de mediação
desses distúrbios fisiopatológicos relativamente
dramáticos não estão claros².

A cólica está associada à compensação do aumento


da motilidade intestinal que, inicialmente, ocorre para
combater a obstrução. Contudo, essa atividade intestinal,
eventualmente, desaparece e há menos contrações. Este
corresponde a sons intestinais hiperativos durante a fase
inicial da obstrução do intestino delgado e diminui a
atividade com a progressão do quadro¹, ².

A microcirculação intestinal tem comprometimento da


perfusão com o aumento da pressão intraluminal
intestinal, que é um prelúdio para o desenvolvimento de
estrangulada obstrução intestinal. A sintomatologia típica
para pacientes com obstrução do intestino delgado inclui
mal-estar, náusea, vômitos, distensão e dor abdominal
com cólica. O desenvolvimento de obstipação
(incapacidade dos pacientes de passar flatos ou fezes)
deve ser considerado um sinal de alarme¹.

Diagnóstico

As obstruções intestinais produzem quadro clínico


variável, que depende de diversos fatores: localização,
tempo da obstrução, se existe sofrimento ou perfuração
de alça, grau de contaminação e condição clínica do
paciente.
Os sintomas habituais são: dor abdominal insidiosa
em cólica, associada a náuseas, vômitos e parada da
eliminação de gases e fezes. Ainda pode apresentar
aumento dos ruídos hidroaéreos e com timbre metálico,
sugerindo obstrução intestinal⁵.

Exames de imagem

A tomografia computadorizada não apenas apresenta


boas características de teste para o diagnóstico de
obstrução do intestino delgado, mas também tem
aproximadamente 90% de precisão na previsão de
estrangulamento e necessidade de cirurgia de urgência.
O valor diagnóstico da TC pode ser melhorado com o uso
de contraste oral⁷.

Uma tomografia computadorizada deve ajudar a


diferenciar entre uma obstrução completa do intestino e
ajudar a facilitar a decisão de um teste de manejo não
cirúrgico versus uma decisão de recorrer à cirurgia.
Também pode ajudar a definir a localização da obstrução
(por exemplo, alta no jejuno ou no fundo da pelve). Sinais
de alça fechada, isquemia intestinal e líquido livre são
sinais que sugerem a necessidade de cirurgia sem
demora. Além disso, escores radiológicos e clínicos
podem ser usados para prever a necessidade de cirurgia,
conforme descrito acima⁷.
A radiografia simples complementar ao exame físico é
limitada. Na obstrução de alto grau, uma tríade de
múltiplos níveis hidroaéreos, distensão das alças do
intestino delgado e ausência de gás no cólon são
patognomônicas para a obstrução do intestino delgado,
mas a sensibilidade e especificidade geral das
radiografias simples são baixas (70%)⁸.

A ultrassonografia e a ressonância magnética podem


ser úteis em situações específicas, como gravidez ou em
países de baixa renda, quando a tomografia
computadorizada não está disponível⁸.

Tratamento

Tratamento clínico

As diretrizes atuais para o gerenciamento da


obstrução intestinal por aderências recomendam manejo
não cirúrgico em pacientes sem sinais de isquemia
intestinal, com intervenção cirúrgica apenas na ausência
de resolução clínica, por 48-72 horas⁸. Priorizam o
gerenciamento não cirúrgico com o objetivo de evitar os
riscos associados à intervenção cirúrgica sempre que
possível. Aproximadamente 1 em cada 5 pacientes será
submetido à intervenção cirúrgica.

No entanto, a obstrução por aderências pode ser


melhor caracterizada no longo prazo, como uma doença
com alto potencial cirúrgico³.

Tratamento cirúrgico

A exploração abdominal por laparotomia é o


tratamento padrão para a obstrução por aderências do
intestino delgado. Nos últimos anos, no entanto, a
cirurgia laparoscópica foi introduzida como excelente
alternativa. Os potenciais benefícios da laparoscopia
incluem formação de aderências menos extensas,
retorno precoce dos movimentos intestinais, redução da
dor pós-operatória e menor tempo de permanência⁹.
r

Embora a laparoscopia possa fornecer alguns


benefícios para alguns pacientes com abdome agudo
obstrutivo por aderências, os cirurgiões devem selecionar
cuidadosamente os candidatos ao tratamento
laparoscópico. A laparoscopia em um abdome com alças
intestinais muito distendidas e múltiplas aderências
complexas poderiam aumentar o risco de complicações
graves, como enterotomias e atraso no diagnóstico de
perfurações¹⁰.

Pontos Importantes
Abdome agudo obstrutivo é multifatorial, além de
apresentar-se nas formas parcial ou completa.
A obstrução intestinal por aderências é a principal
causa de abdome agudo obstrutivo, responsável por
aproximadamente 75% dos casos.

Quadro clínico característico: dor e distensão


abdominal associado a náuseas, vômitos, mal-estar,
parada de eliminação de flatos e fezes. No exame
físico pode ser encontrado hipertimpanismo com
ruídos hidroaéreos aumentados com timbre
metálico.
A radiografia é limitada pela dificuldade em
demonstrar a origem e localização exata da
obstrução, sendo a TC de abdome com contraste
oral o padrão ouro.
O ideal é iniciar o tratamento com manejo não
cirúrgico, observando a resposta do paciente entre
48 a 72 horas, exceto quando há suspeita de
estrangulamento ou perfuração de alça e
instabilidade hemodinâmica.
A videolaparoscopia surgiu como ótima alternativa
para a abordagem laparotômica, porém deve ser
indicada em casos selecionados, principalmente em
casos com grande distensão abdominal.

Referências
1. Zinner MJ, Ashley SW. Maingot’s abdominal
operations, 12. Edition. New York: MacGraw­Hill;
2013.

2. Nyhus LM, Baker RJ, Fischer JE. Mastery of surgery. 6.


Edition. London: Little, Brown & Company; 2012.
3. Behman R, Nathens AB, Mason S, et al. Association
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Published online January 30, 2019.
4. Sallinen V, et al. Laparoscopic versus open
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open-label trial. The Lancet Gastroenterology &
Hepatology, v. 4, n. 4, p. 278-286, 2019.
5. Gama JR, Machado MC, Rasslan S. Clínica cirúrgica.
USP. Barueri-SP: Manole; 2008.
6. Catena F, et al. Bologna guidelines for diagnosis and
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(ASBO): 2010 evidence-based guidelines of the
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7. Zielinski MD, et al. Prospective, observational
validation of a multivariate small-bowel obstruction
model to predict the need for operative intervention.
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n. 6, p. 1068-1076, 2011.
8. Ten Broek RPG, et al. Bologna guidelines for
diagnosis and management of adhesive small bowel
obstruction (ASBO): 2017 update of the evidence-
based guidelines from the world society of
emergency surgery ASBO working group. World
Journal of Emergency Surgery, v. 13, n. 1, p. 24,
2018.

9. Nordin A, Freedman J. Laparoscopic versus open


surgical management of small bowel obstruction: an
analysis of clinical outcomes. Surgical endoscopy, v.
30, n. 10, p. 4454-4463, 2016.

10. Strik C, et al. Adhesiolysis in patients undergoing a


repeat median laparotomy. Diseases of the Colon &
Rectum, v. 58, n. 8, p. 792-798, 2015.
Caso 27 | Apendicite
Autora: Anna Carolina Batista Dantas

História Clínica
Paciente feminina, 18 anos, veio ao pronto
atendimento com queixa de dor periumbilical e náuseas
há 12 horas. Negava febre, diarreia ou sintomas
urinários. Mãe estava preocupada porque no café e no
almoço a paciente não quis se alimentar, pois estava
sem fome.

Exame Físico De Admissão


PA = 110 x 70 mmHgFC

90 bpmT

36,5°

SpO₂ = 98%

Peso = 65 kgAlt = 1,66


Abdome com dor leve, mais localizada em região
periumbilical e fossa ilíaca direita.

Atendimento Inicial
Teve melhora dos sintomas após medicação com
dipirona e ondansetron. Deu entrada pela clínica médica,
onde pensaram em dispepsia ou um quadro de inicial de
gastroenterite aguda. Por esse motivo, optaram realizar
exames laboratoriais e USG de abdome total.

Exames Complementares
Hb 13,5 g/dL (12,0 a 15,5)

Ht 37% (35 a 45%)


Leucócitos 14.800 (3.500 a 10.500)

Neutrófilos 70,9%; 10.500 (1.700 a 7000)

Eosinófilos 1,3%; 200 (50 a 500)

Basófilos 0,2%; 30 (0 a 300)

Linfócitos 10,1%; 1.500 (900 a 2900)

Monócitos 17,3%; 2.570 (300 a 9000)

Plaquetas 200.000 (150.000 a 450.000)


PCR 35 (< 1,0)

Ureia 25 (10 a 50)

Creatinina 0,6 (0,60 – 1,10)

Potássio 3,7 (3,5 a 4,5)

INR 0,9 (< 1,0)

PTT 1,9 (1,7 a 3,5 s)


USG de abdome teve achado de discreta quantidade
de líquido livre em pelve, sem outras alterações,
porém o apêndice não foi visualizado.

Tratamento Definitivo
Após retornar do setor de radiologia, paciente teve
retorno da dor, agora em maior intensidade. Por piora da
dor, o médico plantonista da clínica médica optou por
pedir avaliação do cirurgião de plantão. Ao reexaminar a
paciente, a dor agora estava mais intensa e localizada
em fossa ilíaca direita, porém sem sinais de peritonite.

Optado por realizar tomografia de abdome para


avaliar outras hipóteses diagnósticas, como apendicite
aguda, cisto de ovário roto ou gastroenterite. O exame
de imagem revelou os seguintes achados: apêndice cecal
apresenta trajeto medial e descendente, distendido por
conteúdo líquido, com discreto hiper-realce parietal e
calibre de 1,0 cm, sem densificação significativa da
gordura adjacente.

Mãe e paciente foram informadas do diagnóstico. Em


seguida, a jovem foi internada para tratamento cirúrgico,
que foi realizado no mesmo dia com apendicectomia
laparoscópica, com achado de apendicite inicial, sem
sinais de complicação. Ainda no pronto atendimento,
mantida em jejum, com hidratação venosa, sintomáticos
e iniciada antibioticoterapia com Ciprofloxacino e
Metronidazol.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Qual é o quadro clínico da apendicite aguda?

2. Quais foram os achados nos exames de imagem?

3. Qual é o tratamento padrão-ouro?

Discussão
A apendicite aguda é a principal causa de abdome
agudo e uma das indicações mais frequentes de cirurgia
abdominal de urgência. Apesar de estudos recentes
sobre tratamento clínico com antibioticoterapia, o
tratamento padrão-ouro continua sendo através da
apendicectomia.

Quadro clínico

O quadro clínico clássico se apresenta como: dor


abdominal em fossa ilíaca direita (FID), náuseas e
hiporexia. Entretanto, a dor abdominal, como primeiro
sintoma, pode se iniciar em região epigástrica ou
periumbilical e migrar em seguida para a FID. Esse
padrão de dor migratória está presente em cerca de 50%
dos casos, por isso devemos atentar para pacientes que
chegam ao pronto atendimento com poucas horas de
evolução e com dor abdominal com essa caracterização.

Ao exame físico, o paciente pode apresentar febre


baixa, discreta distensão abdominal e dor localizada em
FID depois que a inflamação acomete o peritôneo
parietal. Há uma série de sinais ao exame físico típicos
de apendicite aguda, mas atualmente são pouco usados
devido ao fácil acesso a exames complementares:

Sinal de Blumberg: dor à descompressão brusca no


ponto de McBurney.

Sinal de Rovsing: dor à palpação da FID após palpar


a fossa ilíaca esquerda.

Sinal de Iliopsoas: dor abdominal à extensão do


quadril direito, associado ao apêndice retrocecal.

Sinal do obturador: dor hipogástrica à flexão e


rotação interna do quadril. Presente no apêndice
pélvico.

Diagnóstico

Exames laboratoriais

Uma leucocitose leve com desvio à esquerda está


presente em até 80% dos casos, mas tem baixa
especificidade. Aumento de leucócitos no sumário de
urina também é comum, e pode confundir com suspeita
de infecção urinária com cistite.

Exames de imagem

Apesar de ser defendido por muitos anos o


diagnóstico eminentemente clínico da apendicite aguda,
com o fácil acesso a exames de imagem, eles podem nos
auxiliar a dar uma diagnóstico mais acurado e diminuir o
número de apendicectomias não terapeuticas.

Deve ser considerada a disponibilidade do serviço e a


experiência do radiologista, mas via de regra a
Tomografia de Abdome (TC) é o exame com melhor
acurácia em relação à Ultrassonografia (USG) e
Ressonância Magnética (RM).

Para cada exame, alguns achados são específicos de


apendicite aguda:

USG: diâmetro do apêndice maior que 6 mm.

TC: diâmetro do apêndice maior que 6 mm com


lúmen obstruído; espessamento de parede maior
que 2 mm; borramento de gordura do
mesoapêndice; apendicolito (visto em até 25% dos
casos).

RM: apêndice aumento maior que 6-7 mm e


preenchido por fluido.
Figura 1 – Tomografia computadorizada de abdome com achado de apêndice
cecal com paredes espessadas e aumento do diâmetro.

Tratamento

Há mais de 100 anos o tratamento padrão-ouro para


apendicite aguda tem sido a apendicectomia, por via
aberta, ou, mais recentemente, laparoscópica. Por
questões de custo e estrutura física, a laparoscopia não
está amplamente disponível, porém estudos recentes
mostraram que a laparoscopia tem menor dor pós-
operatória, menor tempo de internação hospitalar e
menos infecção de ferida operatória do que a cirurgia por
via aberta. Em casos de dúvida diagnóstica que não pode
ser esclarecida por exame de imagem, a laparoscopia
diagnóstica mostra-se uma opção segura e útil,
principalmente em mulheres e obesos.
Figura 2 – Imagem anatômica do apêndice, com destaque para o peritôneo
visceral e parietal.

Figura 3 – Apendicectomia laparoscópica com grampeador.

Outro tema bastante estudado nos últimos anos tem


sido o tratamento conservador com antibiótico, sem
cirurgia. Sim, os estudos são promissores, especialmente
em crianças, mas ainda não há dados suficientes para
contestar a cirurgia como tratamento padrão. As maiores
limitações dos estudos são em relação a critérios de
seleção como idade, IMC, tempo de doença e preditores
nos exames de imagem. Um estudo publicado no JAMA,
em 2018, o qual avalia 257 pacientes adultos com
apendicite não complicada, foram tratados três dias com
Ertapenem e 7 dias de Levofloxacino, e tiveram ao longo
de 5 anos de acompanhamento uma recidiva com
indicação de apendicectomia em 39% dos casos.

Após a cirurgia, se não houver complicações ou sinais


de sepse, a dieta oral pode ser reintroduzida
precocemente e o paciente pode ter alta hospitalar em
menos de 24h. Em caso de apendicite complicada, isto é,
com perfuração, necrose e/ou abscesso, o antibiótico
deve ser mantido após o procedimento por cerca de 5 a
7 dias.

Pontos Importantes
Atentar para os sinais e sintomas da apendicite
aguda, mesmo com apresentação precoce.
Conhecer os testes e manobras do exame físico.

Entender os benefícios e indicações de cada técnica


de exame de imagem.
Entender o benefício do tratamento cirúrgico em
detrimento do tratamento clínico exclusivo.

Referências
1. Gorter RR; Eker HH; Gorter-Stam MA; et al.
Diagnosis and Management of Acute Appendicitis.
EAES Consensus Development Conference 2015.
Surg Endosc 2016; 30:4668.

2. Sallinen V; Akl EA; You JJ; et al. Meta-analysis of


Antibiotics versus Appendicectomy for Non-
Perforated Acute Appendicitis. Br J Surg 2016;
103:656.

3. Salminen P; Tuominen R; Paajanen H; et al. Five-Year


Follow-up of Antibiotic Therapy for Uncomplicated
Acute Appendicitis in the APPAC Randomized Clinical
Trial. JAMA 2018; 320:1259.

4. Andersen BR; Kallehave FL; Andersen HK. Antibiotics


versus Placebo for Prevention of Postoperative
Infection After Appendicectomy. Cochrane Database
Syst Rev 2005; :CD001439.
5. Brügger L; Rosella L; Candinas D; Güller U.
Improving Outcomes After Laparoscopic
Appendectomy: a Population-Based, 12-year Trend
Analysis of 7446 Patients. Ann Surg 2011; 253:309.
Caso 28 | Abdome Agudo
Vascular
Autores: Jefferson Matos de Menezes; Vanessa Silveira Aguiar Cruz
Orientadora: Thaisa Soares Crespo

História Clínica
E. S. S. R., 53 anos, sexo masculino, casado, negro,
natural e residente da cidade de Montes Claros-MG,
procurou atendimento em unidade de pronto
atendimento queixando-se de dor abdominal intensa,
tipo em cólica, em região infraumbilical e mediana,
iniciado há 2 horas. Relata que tem episódios recorrentes
há 5 anos, com mudança do hábito intestinal, náuseas e
vômitos, além de alteração do hábito intestinal com
fezes amolecidas e muco. Nega queixas urinárias ou
sangramento baixo. Informa ser portador de HAS em uso
de Hidroclorotiazida 25 mg, nega demais comorbidades.
Nega alergias. Apresenta filha portadora de retocolite
ulcerativa.

Exame Físico
Sinais vitais: FC: 120 bpm; FR: 24 irpm; SatO₂: 94%
em uso de cateter nasal a 3 L/min.
Paciente encontra-se em regular estado geral,
longilíneo, lúcido, orientado no tempo e espaço,
agitado. Mucosas hipocaradas +2/4, desidratado
+2/4, anictérico, afebril.

SR: Tórax expansibilidade simétrica, ausência de


cicatrizes, murmúrio vesicular fisiológico, sem ruídos
adventícios.

SCV: Ritmo cardíaco regular taquicárdico, sem


sopros.
AD: Abdome discretamente distendido, ruídos
hidroaéreos presentes, ausência de cicatriz,
retrações e abaulamentos, normotenso, indolor à
palpação profunda ou superficial, blumberg
negativo, rovsing negativo, psoas negativo, murphy
negativo, giordano negativo.
Inspeção anal sem evidências de lesões, toque retal
sem alterações.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Iniciou-se expansão volêmica moderada e analgesia.
Solicitou-se avaliação laboratorial e TC abdominal.
Paciente respondeu às medidas iniciais mantendo
estabilidade hemodinâmica que possibilitou a realização
de exames de imagem.
Exames complementares

Hb: 15,2 g/dL (12,0 a 15,5)

Ht: 45,8% (38 a 52%)

VCM: 84,7/fL (82 a 100)

HCM: 28,1/pg (26 a 34)

CHCM: 33,2 g/dL (32 a 36)

RDW 14.

Leucócitos: 17.700 /mcl

bastonetes: 4% (710,8 mcl)


segmentados: 91% (16.170,7 mcl)

eosinófilos: 0%

monócitos: 2% (355,4)

linfócitos típicos: 3% (533,1)

Plaquetas: 189.000

PCR: 349,79 (inferior a 5 mg/dL)

Ureia: 57 mg/dL (15 a 45)

Creatinina: 0,99 mg/dL (0,7 a 1,3)

Potássio: 4,4 mmol/L (3,5 a 5,1)


Sódio: 135 mEq/L (135 a 145)

Fosfatase alcalina: 76 U/dL (46 a 116)

Gama GT: 56,0 U/L (15-85)


TGO: 41,0 (11 a 38)

TGP: 27 U/dL (12 a 78)

Urina rotina

células epiteliais: raras p/campo

piócitos: 1 p/campo

hemácias: ausentes

cilindros: ausentes

cristais: ausentes
flora microbiana: aparentemente normal

Gasometria arterial:

pH: 7,18

pCO₂: 37 mmHg

pO₂: 152 mmHg

HCO₃⁻: 13.8 mmol/L

BE: -14.6 mmol/L

Lactato: 6.9 mmol/L

Solicitado TC de abdome na urgência

Material hipodenso preenchendo a luz da artéria


mesentérica superior, sugerindo trombose. Associa-se
dilatação com espessamento de alças do intestino
delgado, notadamente do segmento distal do íleo, com
densificação do mesentério local e lâminas líquidas nesta
região, sugerindo isquemia mesentérica aguda com
sinais de sofrimento de alças ileais (Figuras 1 e 2).

Figura 1
Figura 2

Hipótese Diagnóstica

Isquemia mesentérica aguda.

Iniciado antibioticoterapia venosa, sondagem


nasogástrica. Paciente submetido a laparotomia
exploradora, ao inventário da cavidade: alças
isquêmicas, com necrose e perfuração, sendo a área de
isquemia iniciada aproximadamente ae 40 cm do ângulo
de Treitz até O cólon transverso em seu ponto médio.
Presença de líquido livre, com odor pútrido, associado à
perfuração e vários pontos do delgado com
pneumoperitôneo e extravasamento de conteúdo
entérico. Procedida enterectomia de todo seguimento
isquêmico, restando-se cerca de 40 cm de íleo e o
restante do cólon. Exteriorizada alça de jejuno e cólon
em flanco direito.

Figura 3 – Paciente, após procedimento cirúrgico, esteve sob suporte


intensivo e em seu 4º dia de pós-operatório evoluiu para o óbito.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Pela história, exame clínico e complementar, qual


é a doença apresentada?
2. Quais são os fatores de risco para o
desenvolvimento dessa doença?
3. Quais são as complicações e prognóstico dessa
doença?
4. Quais são as possibilidades de tratamento dessa
doença?

Discussão

Conceito

A isquemia mesentérica aguda (IMA) pode ser definida


como uma interrupção súbita do fluxo sanguíneo para
um segmento do intestino delgado culminando em
isquemia, dano celular, necrose intestinal, tendo a morte
como desfecho se não tratado1.

Epidemiologia

A IMA representa 0,09-0,2% das admissões na


emergência em âmbito hospitalar. Além de elevada
mortalidade (50 a 80%)2-4.

Pode ser classificada em não oclusiva e oclusiva, essa


apresenta como causas principais: oclusão da artéria
mesentérica superior por trombose (de 15 a 25%) ou por
um êmbolo (50%) e trombose da veia mesentérica
superior (5-15%)5-7. Tanto as oclusões arteriais por
trombose quanto as por embolia são mais frequentes em
mulheres (aproximadamente 70%), com idade média de
70 anos5,8.
A isquemia da artéria mesentérica superior por
êmbolo, principal causa de IMA, ocorre principalmente a
partir de uma fonte cardíaca, tais como: doença valvar,
endocardite, síndrome coronariana ou fibrilação atrial9.

Patogênese

A irrigação do trato digestivo ocorre através de ramos


da aorta abdominal: tronco celíaco, artéria mesentérica
superior e artéria mesentérica inferior. Essas são
conectadas através de uma ampla rede de colaterais
entre a circulação visceral e não visceral10.

A artéria mesentérica superior tem como função


fornecer sangue para todo o intestino delgado até a
parte média do cólon transverso. Em razão de sua
inserção na aorta ser mais angulada, além do seu maior
fluxo, torna-se mais susceptível à formação de êmbolos,
sendo o principal sítio da isquemia mesentérica11,12.

Em estágios inicias da isquemia, a parede do intestino


torna-se congesta e, posteriormente, edematosa e
friável. Entre 3-4h haverá necrose das vilosidades
intestinais e, dentro de 6h, pode ser observado infarto da
mucosa, mural ou transmural. Sem o tratamento,
pacientes apresentam hemorragia intestinal após 1 a 4
dias, enquanto as bactérias entéricas causam gangrena,
resultando em perfuração e sepse13,14.
Diagnóstico

A suspeição clínica de abdome agudo de origem


vascular inicia-se a partir do reconhecimento da
população de risco, bem como a sintomatologia por ela
manifestada.

A isquemia mesentérica de origem embólica é de


apresentação abrupta e severa, culminando num rápido
agravamento do quadro clínico, devido à deficiente
formação de circulação colateral. Não podemos esquecer
que o sintoma mais comum da isquemia mesentérica é a
dor abdominal desproporcional aos achados no exame
físico5.

A isquemia é um processo patológico que inicialmente


se apresenta como uma dor visceral, de forma difusa, às
vezes em cólica, contínua, de intensidade moderada a
severa, em algumas situações refratária ao uso de
opioides. Outros sinais comuns são náusea e vômitos,
assim como a diarreia progredindo para constipação
também pode estar presente15,16.

Em contraposição, a trombose venosa mesentérica


apresenta-se como dor pós-prandial crônica e perda de
peso, já que muitos pacientes desenvolvem uma relação
de medo com a ingesta alimentar.

Peritonite e septicemia são manifestações tardias


devido à perfuração intestinal secundaria à necrose
transmural. Essa pode ser evidenciada ao toque retal
pela presença de fezes sanguinolentas5.

No relato apresentando, pode-se observar que o


paciente apresentava claudicação pós-prandial, que
culminou em um evento agudo.

Achados laboratoriais

Apesar de os achados laboratoriais não serem


específicos, eles corroboram com a suspeição clínica. A
leucocitose é a principal alteração encontrada seguida da
acidose metabólica com seus níveis séricos de lactato
elevados, esse quando ultrapassa 2 mmol/L está
associado à necrose transmural irreversível17,18.

Outros biomarcadores podem estar elevados como o


D-dímetro, amilase e proteína C reativa19.

Exames de imagem

Ressaltamos que o estudo por imagem deve ser


realizado quando há hipótese diagnóstica de isquemia
mesentérica20. É importante sabermos identificar os
sinais radiológicos que representam isquemia, sobretudo,
no âmbito da emergência, considerando que atrasos na
propedêutica adequada pode elevar sobremaneira à
morbimortalidade.21
A radiografia de abdome torna-se útil para identificar
outras doenças intestinais, como obstruções intestinais
ou perfurações de vísceras ocas da cavidade abdominal.
Na isquemia mesentérica não ocorre alterações precoces
nesse tipo de estudo5.

A ultrassonografia abdominal associada ao doppler


pode ser útil. Apresenta alta sensibilidade (92 a 100%),
além de avaliar de forma não invasiva a circulação
mesentérica, identificando pontos de oclusão arterial ou
trombose venosa. Entretanto, em casos agudos, devido à
distensão abdominal, torna-se um exame muito
limitado5,22.

A angiografia era considerada padrão ouro no passado


para o diagnóstico de isquemia mesentérica. No entanto,
esse posto foi substituído pela angiotomografia
apresentando elevado grau de sensibilidade 93% e
especificidade 96%23.

Vários achados tomográficos são encontrados nessa


patologia, possibilitando informações como a etiologia e
duração do quadro22. Apesar de inespecífico, o
espessamento da parede intestinal é o achado mais
comum, varia de 8 a 15 mm, e pode estar relacionado à
edema, infecção ou hemorragia na parede intestinal24-26.

A pneumatose (gás na parede entérica) é um achado


preocupante que levanta a possibilidade de infarto
transmural. O gás pode alcançar o trajeto das veias
mesentéricas e veia porta24. A isquemia severa também
pode levar ao pneumoperitônio franco através da
perfuração do intestino, bem como o encurtamento de
gordura mesentérica e ascite24,27.

Achados tomográficos

Espessamento da parede intestinal.

Distensão de alça ou nível hidroaéreo.

Pneumatose intestinal

Encurtamento de gordura mesentérica.

Ascite. Pneumoperitôneo.

Obstrução por trombo ou êmbolo na presença de contraste endovenoso.

Gás em veias mesentéricas e/ou veia porta.

Tratamento

A abordagem terapêutica pode ser resumida em 4


“Rs”: ressuscitação volêmica, rápido diagnóstico,
revascularização precoce e reavaliação do instestino28.

O objetivo é de restaurar adequada perfusão tecidual


através da ressuscitação com fluidos e, se necessário,
otimiza-se por meio da oxigenioterapia suplementar29,30.

O uso de vasopressores nos casos de choque deve ser


ponderado, pois pode agravar o fluxo sanguíneo
mesentérico. Dobutamina e baixas doses de dopamina
demonstraram menos impacto nesse fluxo, devendo,
portanto, ser priorizados.
O uso de antibióticos é indicado quando há
possibilidade de ocorrer translocação bacteriana por
quebra da barreira mucosa intestinal. Cefalosporinas de
terceira geração associada à cobertura para anaeróbios é
a combinação preconizada28.

Não podemos esquecer de avaliar e corrigir os


distúrbios hidroeletrolíticos, acidobásicos e realizar o
controle da dor.

A IAM tem duas linhas de abordagem terapêutica: a


terapia endovascular e cirúrgica. A escolha entre essas
opções será realizada levando-se em conta o exame
clínico do paciente, seu estado hemodinâmico, tempo de
início, achados vasculares na imagem e viabilidade do
intestino.

O infarto entérico deve ser tratado através da


laparotomia exploradora com ressecção do segmento
necrosado.

Pacientes com sinais de perfuração intestinal


(peritonite) devem ser submetidos a uma abordagem
cirúrgica imediatamente. Já pacientes estáveis que
apresentam achados vasculares e intestinais favoráveis e
precoces em exames de imagem, podem se beneficiar
mais com o tratamento endovascular21.

Após a revascularização para isquemia intestinal


aguda, sugere-se uma segunda cirurgia de revisão
“second look”, idealmente dentro de 24 a 48h do
procedimento inicial. Reavalia-se a viabilidade do
intestino, anastomose intestinal e reparos vasculares, se
necessário, é feita uma ressecção adicional17,22.

Pontos Importantes
A isquemia mesentérica aguda pode ser definida
como uma interrupção súbita do fluxo sanguíneo
para um segmento do intestino delgado.
Mais frequente em mulheres (aproximadamente
70%), com idade média de 70 anos.

Elevada mortalidade (50 a 80%).


Em estágios iniciais da isquemia, a parede do
intestino torna-se congesta e, posteriormente,
edematosa e friável. Sem o tratamento, pacientes
apresentam hemorragia intestinal após 1 a 4 dias,
enquanto bactérias entéricas podem causar
gangrena, resultando em perfuração e sepse.

O sintoma mais comum da isquemia mesentérica é


a dor abdominal desproporcional aos achados no
exame físico.

Apesar de os achados laboratoriais não serem


específicos, eles corroboram com a suspeição
clínica. Leucocitose é a principal alteração
encontrada, seguida da acidose metabólica.
A angiotomografia apresenta elevado grau de
sensibilidade 93% e especificidade 96%, é
considerada o padrão-ouro para diagnosticar IMA.

A pneumatose (gás na parede entérica) é um


achado preocupante.
A abordagem terapêutica pode ser resumida em 4
“Rs”: ressuscitação volêmica, rápido diagnóstico,
revascularização precoce e reavaliação do intestino.
Pacientes com sinais de perfuração intestinal
(peritonite) devem ser submetidos a uma
abordagem cirúrgica imediata.

Referências
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Caso 29 | Abdome Agudo:
Obstrução Intestinal Por
Hérnia Femoral
Estrangulada
Autores: Marco Antônio Santos Oliveira e Paolla Dorneles Ferraz
Sousa

História Clínica
Paciente A. P. M., 82 anos, sexo feminino, viúva,
faioderma, natural e residente da cidade de Montes
Claros – MG. Paciente encaminhada de outra instituição,
com relato de constipação intestinal há 10 dias,
evoluindo com parada da eliminação de fezes e flatos há
4 dias. Também refere dor abdominal tipo cólica, vômitos
e febre hoje (38°C). Dieta não tolerada.

HPP: Hipertensa em uso de losartana 50 mg BID, nega


cirurgias prévias.

Exame Físico De Admissão


Sinais vitais: FC: 108bpm, FR: 20irpm, PA 130x75,
SatO₂: 96%.
Ao exame: Regular estado geral, orientada no
tempo e espaço, hipocorada +/4+, desidratada
+/4+, anictérica, acianótica, afebril, boa perfusão
tissular.

ACV: RCR 2T.

AR: MVF s/RA.

AGI: Abdome distendido, ruídos hidroaéreos


reduzidos, hipertimpanismo, dor à palpação
profunda difusamente, sem sinais de peritonite.
Presença de tumefação endurecida em região
inguinal esquerda dolorosa à palpação e não
redutível.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Iniciada expansão volêmica, antieméticos e passagem
de sonda nasogástrica. Solicitou-se avaliação laboratorial
e TC de abdome total. A paciente respondeu às medidas
iniciais mantendo estabilidade hemodinâmica que
possibilitou a realização de exames de imagem.

Exames Complementares

Exames laboratoriais:

Hb 9,1 g/dL (12,0 a 15,5).


Ht 28,5% (35 a 45%).

Leucócitos 7.910 (3.500 a 11.000).

Neutrófilos: 66%.

Bastonetes: 2%.
Eosinófilos 1%.

Basófilos 0%.

Linfócitos 24%.

Monócitos 7%.

Plaquetas 202.000 (150.000 a 450.000).

PCR 97,78 (menor que 5,0).

Ureia 39 (10 a 50).

Creatinina 0,79 (0,60 – 1,10).

Potássio 3,7 (3,5 a 4,5).

Sódio 137 (135 – 145).

Solicitada TC de abdome total em caráter de


urgência

Nota-se hérnia inguinal encarcerada à esquerda,


com acentuada dilatação de alças de intestino
delgado a montante (Figura 1). Correlacionar com
dados clínicos.

Restante, sem alterações significativas.


Figura 1

Hipótese Diagnóstica
Abdome agudo obstrutivo por hérnia inguinal
estrangulada.

Conduta
Realizada inguinotomia esquerda, diérese por
planos, identificado saco herniário em canal femoral
esquerdo, abertura de saco herniário com alça do
intestino delgado isquêmicas, e com áreas de
necrose. Realizada a redução de alça e tratamento
saco herniário, fechamento de canal femural com
plug de tela de prolipropileno fixada com prolene
2.0, rafia por planos.
Figura 2

Submetida incisão mediana infraumbilical, diérese


por planos. Foi evidenciado líquido livre seroso em
cavidade, com distensão difusa de alças de delgado.
Notou-se a 30 cm da válvula ileocecal presença de
área de estenose (conteúdo herniário) persistindo
com necrose. Foi optado por enterectomia e incisão
em flanco direito para confecção de ileostomia.
Realizada a manobra de ordenha da alça com
esvaziamento de conteúdo entérico. Feita a revisão
da cavidade e da hemostasia, contagem de
compressas. Laparorrafia com fechamento por
planos. Maturação precoce de ileostomia em dupla
boca.

Paciente estável, referindo dor em incisão cirúrgica,


no 1º DPO com presença de ruídos hidroaéreos
reduzidos, liberado dieta líquida restrita.
Alta médica no 8º DPO, sem queixas. Afebril, dieta
bem tolerada, deambulação restrita. Ileostomia
funcionante e mucosa com bom aspecto.

Retorno no ambulatório da cirurgia geral com 10


dias, sem queixas.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Qual é o diagnóstico a partir da história clínica?

2. Quais são os fatores de risco para o quadro?

3. Quais são as complicações?

4. Qual é a técnica cirúrgica considerada padrão-


ouro?

Discussão

Conceito

O termo hérnia tem origem do latim, e sua tradução


literal seria a ruptura de uma parte de determinada
estrutura. Em português significa a passagem, parcial ou
total, de uma estrutura anatômica, através de orifício
patológico, de sua localização normal para outra
anormal¹.
A protrusão de elementos anatômicos,
originariamente localizados dentro da cavidade
abdominal, por uma fraqueza ou defeito nas camadas de
fáscia ou musculoaponeuróticas que deveria contê-los
adequadamente, na região inguinofemoral, é
extremamente frequente, provavelmente pela associação
de diversos fatores, desde alterações anatômicas da
inserção dos músculos oblíquo interno e transverso,
persistência do conduto peritoneovaginal, degeneração
da fáscia transversal, aumento da pressão intra-
abdominal e desnutrição, até fatores iatrogênicos².

O estrangulamento de uma hérnia está associado à


alta taxa de mortalidade e morbidade, especialmente na
população idosa. A mortalidade está relacionada à
duração do estrangulamento e a idade do paciente. Uma
duração mais longa de estrangulamento leva a um grau
maior de edema de tecido, isquemia e risco de necrose
total. Portanto, uma hérnia estrangulada representa
claramente uma emergência¹.

Epidemiologia

O risco de aparecimento de herniações na região


inguinofernoral é de aproximadamente 25% em homens
e menos de 5% em mulheres. Aproximadamente, 96%
dessas hérnias são inguinais e apenas 4% femorais. As
hérnias inguinais são mais frequentes em homens (razão
de 9 para 1) e as femorais são mais frequentes em
mulheres (razão de 4 para 1)³.

Os índices de recidiva após a realização de


determinadas operações podem chegar a quase 30% em
cinco anos¹.

Patogênese

Uma hérnia inguinal indireta é formada através de um


conduto peritôneo-vaginal patente e uma hérnia inguinal
direta é causada quando o assoalho do triângulo de
Hesselbach está enfraquecido. A hérnia indireta pode
dilatar o anel interno e deslocar ou atenuar o assoalho
inguinal. Em seguida, o peritônio pode se sobressair em
ambos os lados dos vasos epigástricos, para formar uma
hérnia combinada direta e indireta, que é chamada de
“hérnia de pantaloon”. O conteúdo dessa hérnia pode ser
parte do intestino delgado, omento, peritônio, bexiga e
parte do cólon2,4.

A aparência e a progressão de uma hérnia causam-se


pelo aumento da pressão intra-abdominal. Muitas
condições são responsáveis por esse aumento:
obesidade acentuada, tensão abdominal decorrente de
exercícios pesados, tosse, constipação com esforço nas
fezes e prostatismo com esforço na micção são algumas
das causas mais comuns de aumento da pressão intra-
abdominal. Por último, mas não menos importante, a
idade avançada e a doença debilitante crônica podem
resultar na debilitação da fáscia transversal (que forma o
piso do triângulo de Hesselbach)³.

O estrangulamento da hérnia inguinal reduz o


suprimento de sangue associado a uma obstrução, que
pode não estar necessariamente completa. Na maioria
dos casos, ocorre uma complicação da intussuscepção,
torção, volvo ou qualquer outra forma de obstrução de
alça fechada⁴.

Diagnóstico

A queixa mais comum dos pacientes é o aparecimento


de abaulamento na região inguinocrural. Na maioria dos
casos, esse abaulamento está relacionado aos esforços e
acompanhado por dor e queimação¹.

Outras queixas, como alterações do hábito intestinal


ou urinário, mudança das características da dor e
aparecimento de sinais flogísticos, dependem do grau
evolutivo ou de complicações decorrentes da fixação de
estruturas herniadas ao saco herniário e consequente
impossibilidade de redução do conteúdo herniado ou,
ainda, comprometimento da irrigação sanguínea dessas
estruturas por compressão na passagem pelo orifício
herniário².

O exame físico deve ser realizado em posição


ortostática e em decúbito dorsal. Em pé, com o aumento
da pressão intra-abdominal por manobra de Valsalva, o
abaulamento pode se tornar mais evidente².

Exames de imagem

Os pacientes com dor persistente sem achados


característicos ao exame clínico, e aqueles com massa
de origem duvidosa podem se beneficiar de exames de
imagem.

A ultrassonografia específica da parede abdominal na


região inguinofemoral, com transdutores menores, tem
sido cada vez mais utilizada para o diagnóstico de
herniações, com sensibilidade de 90% e especificidade
entre 82 e 86%. Para melhores resultados, o exame deve
ser realizado com o paciente alternando situação de
relaxamento muscular com manobra de Valsalva².

A tomografia computadorizada, por sua vez, é


realizada para elucidação diagnóstica de massas, e o
achado de hérnias acaba sendo incidental. Outra
utilidade da tomografia é a mensuração do volume do
conteúdo herniado nas grandes hérnias inguinoescrotais,
bem como a identificação dos órgãos herniados².

A ressonância nuclear magnética não constitui


método habitual para diagnóstico de hérnias inguinais ou
femorais. Apresenta, porém, sensibilidade e
especificidade maiores que 95% para estabelecer o tipo
de hérnia⁵.
Tratamento

O tratamento cirúrgico é a escolha para os casos de


obstrução intestinal, sendo que nos casos de
estrangulamento, a abordagem cirúrgica deve ser o mais
precoce possível³.

Segundo Hernandez-Irrizary et al 60% dos reparos de


hérnia inguinal de emergência utilizam a técnica aberta,
sem tela. Essa alta proporção de reparos sem tela de
polipropileno para hérnia inguinal está em consonância
com o ensino tradicional, que desencoraja o uso da tela
em cirurgias contaminadas⁴.

O reparo cirúrgico bem-sucedido de uma hérnia


depende de um fechamento sem tensão do defeito da
hérnia para atingir a menor taxa de recorrência. As
técnicas baseadas na sutura do defeito, resultaram em
recidiva com altas taxas de até 15%4,6.

A técnica de Lichtenstein, que consiste na colocação


de tela de polipropileno sobre o defeito sem realizar
sutura no defeito, é considerado o padrão ouro pela
redução da taxa de recorrência e reduzir a diferença de
resultados entre cirurgiões experientes e aqueles com
pouca experiência. Atualmente, a técnica também é
considerada segura, mesmo em casos com ressecção
intestinal⁶.
Os reparos laparoscópicos ainda são pouco utilizados
em casos de estrangulamento⁶.

Pontos Importantes
A obstrução intestinal por herniação é a segunda
causa de abdome agudo obstrutivo, atrás apenas
das aderências e bridas.
Quadro clínico característico: dor em região inguinal
que pode estar acompanhado de náuseas, vômitos,
mal-estar, parada de eliminação de flatos e fezes.
No exame físico pode ser encontrado abaulamento
em região inguinal, hipertimpanismo com ruídos
hidroaéreos aumentados com timbre metálico.
Diagnóstico é eminentemente clínico, mas em casos
de dúvida diagnóstica ou melhor seguimento do
caso, a ultrassonografia e a tomografia de pelve
estão indicadas.
O quadro de hérnia estrangulada é considerado uma
emergência médica, sendo indicado o tratamento
cirúrgico o mais precoce possível. No entanto, em
casos de encarceramento, a cirurgia pode ser
programada quando é possível realizar a redução de
hérnia sem sinais de isquemia intestinal.

Optar pelos tratamentos sem tensão no reparo tem


proporcionado melhores resultados.
A videolaparoscopia surgiu como ótima alternativa
para a abordagem laparotomica, porém deve ser
indicada em casos selecionados, principalmente em
casos com complicações severas.

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Caso 30 | Pancreatite
Aguda
Autores: Beatriz Villa, Renan Rodrigues, Shuaib El Boustani, Rodrigo
Camargo Leão Edelmuth

História Clínica
I.F.B., 65 anos, sexo masculino, casado, branco,
natural e residente de São Paulo. Compareceu ao serviço
com queixa de dor abdominal há 3 horas. Paciente refere
dor localizada na região epigástrica com irradiação para
dorso, do tipo cólica, de início súbito e com piora
progressiva desde então, intensidade 8/10, associado a
náuseas e vômitos. Informa piora da dor após
alimentação.

Antecedentes Pessoais
Hernioplastia inguinal bilateral há 20 anos. Nega
outras comorbidades.
Tabagista 50 maço/ano; ex-etilista (1 dose de
destilado por dia dos 25 anos aos 30 anos),
atualmente etilista social.

Nega antecedentes oncológicos em familiares de


primeiro grau.
Nega uso de algum medicamento.

Exame físico

REG, hipocorado (++/+4), desidratado (++/+4),


acianótico, anictérico, afebril.

ACV: BRNF 2T S/S, FC 89 bpm.

AR: MV + S/RA.

Abdômen: flácido, plano, RHA +, doloroso à


palpação superficial e profunda, pior em flanco
esquerdo, mas sem distensão ou peritonite.
Extremidades: tróficas, sem edemas e
normoperfundidas.

Nega alterações em outros sistemas.

Exames Laboratoriais
Hb 18 g/dl (12,0 a 15,5)

Ht 55% (40 a 50)

Leucócitos 17.500/mm³ (4.500 a 11.000)

Creatinina 0,8 mg/dl (0,60 – 1,20)

Ureia 22 mg/dl (10 a 50)

Sódio 139 mEq/l (135 – 145)

Potássio 4,2 mEq/l (3,5 a 4,5)


TGO 15 U/L (5 a 40)

TGP 13 U/L (7 a 56)

BT 1,48 mg/dl (até 1,2)

BD 0,25 mg/dl (até 0,4)


BI 1,23 mg/dl (até 0,8)

FAL 190 U/L (25 a 100)

GGT 421 U/L (7 a 60)

Amilase 800 (inferior a 60)

Lipase 2.600 (inferior a 80)

Glicose 114 mg/dl (inferior a 110)

PLA 172.000/µL (150.000 a 450.000)

INR 1,13 (até 1)

TTPA 26,2 s (24 a 34)

PCR 44 mg/dl (até 1)

Exame De Imagem
Figuras 1 e 2

TC de abdome total com contraste:

Pâncreas de dimensões aumentadas, com parênquima


heterogêneo, destacando-se coleção heterogênea
comprometendo o corpo e cauda, com extensão para a
região da cárdia e junção esôfago-gástrica, medindo
cerca de 9,6 x 6,8 x 8,2 cm (antes 7,2 x 4,0 x 5,1 cm).
Nota-se conteúdo hiperdenso no interior da coleção
acima descrita, podendo estar relacionada ao conteúdo
hemático. Associa-se ainda densificação e borramento
dos planos adiposos adjacentes ao pâncreas. Edema
periportal. Imagens nodulares homogêneas adjacentes
ao hilo hepático e na topografia na cadeia nodal porto
cava, medindo até 3,6 x 3,0 cm, sugestivas de
linfonodomegalias. Não há sinais de dilatação de vias
biliares intra ou extra-hepáticas. Discreta quantidade de
líquido livre na cavidade pélvica (Figuras 1 e 2).

Questões Para Orientar a Discussão

1. Relacionando a história, o exame clínico e


complementar, quais seriam as hipóteses de
diagnóstico sindrômico, topográfico e etiológico?

2. Quais são os fatores de risco para o


desenvolvimento dessa doença e como se dá a
sua evolução?

3. O paciente apresentou as manifestações clínicas


características dessa doença?

4. Quais exames diagnósticos seriam necessários


para confirmar a hipótese diagnóstica?

5. Quais são os critérios de classificação e gravidade


dessa doença?

6. Quais são as possibilidades de tratamento clínico e


cirúrgico dessa doença?

Discussão
Definição

A pancreatite aguda (PA) é definida como um processo


inflamatório do pâncreas, podendo ser apenas uma
inflação edematosa intersticial sem complicações ou uma
pancreatite necrosante.1,2,3

Epidemiologia

A PA está diretamente relacionada à colelitíase em 11-


56% dos casos, especialmente em mulheres, ao consumo
excessivo de álcool em 3-66% dos casos,
predominantemente em homens e em homens e sem
causa aparente (idiopática), em 8-44% dos casos, sem
preferência quanto ao gênero e relacionada, na maioria
das vezes à presença de lama biliar e microcálculos.
Outras causas menos frequentes também podem ser
citadas como a hiperlipidemia, infecções (caxumba, HIV),
traumas ou cirurgias abdominais, vasculites, drogas,
pâncreas divisum.2,3

Etiologia da pancreatite aguda2,3

Biliar (principal causa).

Alcoólica.

Idiopática (microlitíase/lama biliar).

Medicamentosa (Furosemida e tiazídicos, metronidazol, tetraciclina,


bactrim, azatioprina, aminossalicilatos, ácido valpróico e estrogênios).

Triglicérides.

Hipercalcemia.
Etiologia da pancreatite aguda2,3

Tumores.

Pós-CPRE Infecções.

(HIV, caxumba).

Outros: trauma, cirurgias abdominais, vasculites.

Fisiopatologia

A pancreatite decorre da ativação inapropriada de


tripsinogênio em tripsina que induz autodigestão do
tecido pancreático. Como consequência desse processo
ocorre inflamação, edema e necrose dos ácinos, das
ilhotas pancreáticas, do tecido adiposo intersticial e de
vasos.

Casos mais graves apresentam liberação excessiva de


citocinas inflamatórias responsáveis pela síndrome da
resposta inflamatória sistêmica, infecção do tecido
necrótico, depleção do fluído intravascular e falência de
múltiplos órgãos.

Fases da Pancreatite Aguda

Fase inicial:

Os distúrbios sistêmicos resultam da resposta do


hospedeiro a lesões pancreáticas locais. Geralmente tem
duração de 7 dias, mas pode prolongar-se até a segunda
semana. As cascatas de citocinas são ativadas pela
inflamação pancreática que se manifesta clinicamente
como síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS),
apresentando um risco aumentado de desenvolver uma
falência orgânica.2,4

Fase tardia:

Caracterizada pela persistência de sinais sistêmicos


de inflamação ou pela presença de complicações locais,
e ocorre apenas em pacientes com pancreatite aguda
moderadamente grave ou grave. As complicações locais
evoluem durante a fase tardia.2,4

Quadro clínico

As manifestações clínicas são variáveis e dependentes


da gravidade da doença. A apresentação clássica é de
dor abdominal intensa, em faixa ou em barra, em andar
superior do abdome (em epigastro com irradiação para o
dorso), e frequentemente associada a náuseas e
vômitos. Além disso, a ingesta alimentar é fator
desencadeante da dor ou da piora deste sintoma.2, 3

A icterícia, apesar de rara, pode estar presente, seja


por coledocolitíase, com ou sem colangite, ou pela
passagem do cálculo na via biliar.1

O exame físico está diretamente relacionado à


gravidade caso. Visto que a maioria ( > 90%) das
pancreatites são leves, esses pacientes geralmente não
apresentam sinais sistêmicos de gravidade. Mas vale
lembrar que em alguns casos, os doentes podem
apresentar sinais clássicos de hipovolemia como
taquicardia, hipotensão e má perfusão periférica. Esses
sinais clínicos devem ser prontamente reconhecidos, pois
são marcadores de pior prognóstico.2, 4

Assim como as manifestações clínicas e estado geral


do paciente, o exame físico abdominal tem relação direta
com a gravidade da doença. A distensão abdominal
associada à diminuição dos ruídos hidroaéreos é comum.
E esses pacientes costumam ter bastante dor ao exame.
Em casos graves pode haver sinais irritação peritoneal,
simulando um abdome cirúrgico. A febre é incomum na
maioria dos casos.

Nas formas extremamente graves (pancreatite necro-


hemorrágica), pode haver sangramento retroperitoneal
que clinicamente manifesta-se por meio dos sinais de
Cullen e de Grey-Turner (hematoma periumbilical ou
hematoma em flancos, respectivamente).2

Diagnóstico

Seguindo a classificação de Atlanta,4 o diagnóstico de


pancreatite aguda deve apresentar duas das três
características a seguir:
Dor abdominal, de início agudo na região
epigástrica, irradiando para o dorso, clássica dor em
faixa.
Lipase ou Amilase sérica aumentada pelo menos
três vezes maior do que o limite superior da
normalidade.
Exame de imagem com alterações relacionadas à
pancreatite aguda. A tomografia computadorizada
com contraste é o padrão ouro, mas a ressonância
magnética ou ultrassonografia transabdominal
podem ser utilizadas.

Diagnóstico laboratorial

Lipase sérica: As elevações da lipase ocorrem entre


4 a 8 horas após o início dos sintomas, com um pico de
24 horas e retorno ao normal dentro de 8 a 14 dias.2, 3

Amilase sérica: As elevações séricas da amilase


ocorrem entre 6 a 12 horas do início do sintoma, tendo
uma meia-vida curta de aproximadamente 10 horas. É
importantíssimo salientar que os níveis séricos das
enzimas pancreáticas não têm nenhuma relação com
prognóstico do paciente. Além disso, são exames que
têm utilidade exclusiva para firmar o diagnóstico, não
devendo ser colida de forma rotineira durante a
internação. Não devemos realizar curva de enzimas
pancreáticas!2, 3
Hematócrito: Elevação no hematócrito devido à
hemoconcentração.

Proteína C reativa (PCR): É um marcador


prognóstico importantíssimo. Valores maiores que
150mg/dl até 48 horas pós-início do quadro sugerem
necrose pancreática. Diferentemente das enzimas
pancreáticas, a curva de PCR deve ser realizada para
avaliar o andamento do quadro.4

Métodos de imagem

Radiografia de tórax: não possui valor diagnóstico,


mas deve ser solicitada para afastar complicações e
realizar diagnósticos diferencias. Presença de derrame
pleural e ou infiltrados pulmonares durante as primeiras
24 horas podem estar associados à necrose ou
insuficiência orgânica.2

Tomografia computadorizada de abdome com


contraste endovenoso: Pode ser feita para
diagnóstico, monitorização e estadiamento do paciente
com pancreatite aguda. Não há indicação de TC em casos
de pancreatite aguda leve. E nos casos de pancreatite
aguda grave, devemos postergar a realização da TC e
realizá-la preferencialmente após 3-5 dias do início dos
sintomas. Se feita de forma precoce, podemos
subestimar a gravidade da pancreatite, pois inicialmente
o parênquima pancreático está pouco doente, somente
com edema. Geralmente após 72- 96h a necrose pode
começar a ser visualizada nos exames de imagem e
conseguimos diferenciar pancreatites edematosas de
quadros necrotizantes.2, 4

Figura 3 – Pancreatite aguda edematoma/intersticial. Notem o borramento


de gordura peripancreática (setas). Não há coleções ou acúmulo de líquido.
O parênquima pancreático contrasta por inteiro, mas de forma
heterogênea.⁴

Classificação de Gravidade da PA

O principal determinante da gravidade da pancreatite


aguda durante a fase inicial é a presença e a duração da
falência orgânica (ou insuficiência orgânica). Três
sistemas de órgãos devem ser avaliados para definir a
insuficiência orgânica: respiratória, cardiovascular e
renal. A falência orgânica é definida como uma
pontuação de 2 ou mais para um desses três sistemas de
órgãos usando o sistema de pontuação Marshall
modificado (tabela 2). Outra ferramenta para determinar
a gravidade da pancreatite aguda são os critérios de
gravidade de Ranson (tabela 3). Além dos critérios
clínicos acima citados, existem critérios tomográficos
para indicadores de gravidade, conhecido como critérios
de Balthazar Robinson (tabela 4).1-4

Se a falência orgânica se resolver dentro de 48 h, é


descrita como “falência orgânica transitória”, e se
persistir por mais de 48 h é descrita como “falência
orgânica persistente”.
Tabela 1 – Classificação de gravidade da Pancreatite aguda (classificação de
Atlanta revisada, 2012).⁴

Pancreatite Ausência de falência orgânica.


aguda leve Sem complicações locais ou à distância.

Pancreatite Presença de falência orgânica transitória (< 48h) e/ou


moderadamente complicações locais ou a distância sem falência
grave orgânica persistente.

Pancreatite
Presença de falência orgânica persistente (> 48h).
aguda grave

Tabela 2 – Pontuação de Marshall Modificada⁴

Pontuação de Marshall modificada

Score
Sistema
0 1 2 3 4

101
Respiratório > ≤
Respiratório 301 - 400 201 - 300 -
(PaO₂/FiO₂) 400 101
200

Renal Creatinina 311


≤ >
sérica 134 - 169 170 - 310 -
134 439
(micromol/L) 439
Pontuação de Marshall modificada

3,6
Creatinina < >
1,4 - 1,8 1,9 - 3,6 -
sérica (mg/dL) 1,4 4,9
4,9

< <
< 90, 90 90
Cardiovascular > < 90, não
Cardiovascular responsivo pH pH
(PAS mmHg) 90 responsivo
ao fluido < <
7,3 7,2

A falência orgânica é definida como uma pontuação


de 2 ou mais para um desses três sistemas de órgãos.
Tabela 3 – Critérios de gravidade de Ranson²

Admissão Dentro das 48 horas iniciais

Queda do hematócrito > 10 %


Idade > 55 anos
Aumento da ureia (5 mg/dL)
Glóbulos brancos >
Cálcio sérico < 8 mg/dL
16.000/mm³
PaO₂ < 60 mmHg
Glicemia > 200 mg/dL
Excesso de base > 12 mmol/L
DHL > 350 UI/L
Sequestro de liquido > 6L (em 24
TGO > 250 UI/L
horas)

Tabela 4 – Critérios de Balthazar²

Achado tomográfico Pontos

Normal A 0

Aumento difuso ou local do pâncreas B 1

Inflamação peripancreática C 2

Coleção em 1 espaço D 3

Coleção em 2 ou + espaços e/ou presença de ar E 4

Necrose

Nenhuma 0
Achado tomográfico Pontos

< ou igual a 33% 2

33 - 50% 4

> 50 % 6

Total (0 - 10)

0 – 3 Pontos = 3% de mortalidade e 8 % de morbidade; 4 – 6 pontos = 6 %


de mortalidade e 35 % de morbidade; 7 – 10 pontos = 17 % de mortalidade
e 92 % de morbidade

Conduta da Pancreatite Aguda

O tratamento consiste em jejum oral, hidratação e


analgesia sistêmica.1-3

O jejum deve ser mantido até que o paciente


apresente melhora clínica do quadro. A dieta leve,
hipogordurosa pode ser ofertada a partir do momento
que o paciente não apresentar mais náuseas, referir
fome e não tiver mais dor. Caso o mesmo apresente dor
abdominal com a ingesta oral, o jejum deve ser
retomado.

Pacientes com inúmeros episódios de vômitos,


refratários a antieméticos venosos (ondansetrona,
metoclopramida, dimenidrinato), podem se beneficiar do
uso de sonda nasogástrica aberta. A SNG também está
indicada para pacientes com distensão abdominal
importante.
O controle da dor pode ser feito com analgésicos
simples como dipirona de horário. Em casos com dor
intensa, opioides podem ser utilizados (tramadol e
morfina).2

A reposição de líquidos intravenosos é realizada


especialmente durante as primeiras 24 horas. Devemos
realizar a reposição com cristaloides (SF 0,9% ou ringer
lactato). Os pacientes com pancreatite aguda tendem a
hipovolemia, secundária a perda de líquido para o
interstício. Por esse motivo, a hidratação visando a
normovolemia é essencial. A diurese é excelente para
avaliar a reposta à reposição volêmica. Devemos ter
como alvo um débito urinário de 0,5 – 1,0 ml/Kg/h. 2,3

Não existe indicação de antibioticoprofilaxia na


pancreatite aguda, independentemente do tipo ou
gravidade da doença O uso de antibióticos em pacientes
com suspeita de necrose pancreática infectada deve ser
avaliado separadamente e é de grande dificuldade.
Existem duas maneiras de confirmar a infecção da
necrose pancreática:

TC de abdome que demonstra gás dentro da


coleção.
Cultura positiva de necrose pancreática (punção
transabdominal guiada por imagem).
O uso de antibiótico empírico pode ser empregado em
alguns casos muito graves, geralmente para pacientes
críticos com droga vasoativa e que evoluem com falência
orgânica. A proteína C Reativa (PCR) > 300 é um forte
marcador sugestivo de infecção. Caso seja optado por
antibioticoterapia o uso de carbapenêmicos está
indicado.1,4

Visto que a principal causa de pancreatite aguda é


biliar (colelitíase), devemos realizar um ultrassom de
abdome superior para paciente com pancreatite aguda.
Se confirmado o diagnóstico de litíase biliar, a
colecistectomia laparoscópica deve ser realizada na
mesma internação após melhora do quadro de
pancreatite (resolução dos sintomas).

Vale lembrar que não existe indicação de


colangiopancreatografia endoscópica (CPRE) para os
casos de pancreatite! A CPRE só deve ser realizada em
casos de pancreatite associados à colangite (infecção
ascendente das vias biliares). Nesses casos, a CPRE visa
desobstruir a via biliar, e permitir o escoamento de bile
para o duodeno.
Figura 4 – Necrose pancreática infectada. Notem que a coleção necrótica
aguda (ANC) é heterogêna e mal delimitada (as setas brancas delimitam as
bordas da ANC). Além disso, há a presença de gás (cabeças brancas de
seta), sinal patognomônico de infecção.⁴

Complicações da Pancreatite aguda

Como dito anteriormente, a pancreatite aguda pode


cursar como uma inflamação edematosa intersticial sem
complicações (80-90%), ou pode cursar com uma
necrose pancreática (10-20%). As morfologias das
complicações da PA são descritas abaixo.

1. Pancreatite necrotizante: Inflamação associada à


necrose do parênquima pancreático e / ou necrose
peripancreática.
Critérios tomográficos:

Falta de aumento do parênquima pancreático


por meio do contraste intravenoso e / ou;
Presença de achados de necrose
peripancreática (WON, ACN).
2. APFC: coleção fluída peripancreática aguda
(acute peripancreatic fluid collection)⁴
Fluido peripancreático associado à pancreatite
edematosa intersticial sem necrose peripancreática
associada. Este termo se aplica apenas às áreas de
fluido peripancreático observadas nas primeiras 4
semanas após o início da pancreatite edematosa
intersticial e sem as características de um
pseudocisto.
Critérios da TC com contraste:
Ocorre no contexto da pancreatite edematosa
intersticial.
Coleção homogênea com densidade de fluido.
Confinado por planos fasciais normais
peripancreáticos.
Nenhuma parede definível encapsulando a
coleção.

Adjacente ao pâncreas (sem extensão


intrapancrética)
Figura 5 – Pancreatite aguda edematosa com coleção fluída
peripancreática em espaço pararrenal esquerdo (setas demonstrando
as bordas da APFC). O parênquima pancreático está aumentado em
tamanho, se contrasta por completo, mas de forma heterogênea.4

3. Pseudocisto pancreático⁴
Uma coleção encapsulada de fluido com uma
parede inflamatória bem definida geralmente fora
do pâncreas com mínima ou nenhuma necrose. Esta
entidade geralmente ocorre mais de 4 semanas
após o início da pancreatite edematosa intersticial.
Critérios da TC com contraste:
Bem circunscrito, geralmente redondo ou oval.

Densidade de fluido homogênea.


Nenhuma parede definível encapsulando a
coleção.
Nenhum componente não líquido.
Parede bem definida; isto é, completamente
encapsulado.
A maturação geralmente requer mais de 4
semanas após o início da pancreatite aguda;
ocorre após a pancreatite edematosa
intersticial.

Figura 6 – Pseudocisto de pâncreas: notem o a imagem cística,


ovalada com líquido homogêneo e com paredes bem definidas e bem
delimitadas. As estrelas brancas demonstram o pâncreas com boa
contrastação.4

4. ANC: acute necrotic colection (coleção


necrótica aguda)⁴
Uma coleção contendo quantidades variáveis de
líquido e necrose associadas à pancreatite
necrotizante; a necrose pode envolver o parênquima
pancreático e / ou os tecidos peripancreáticos.
Critérios da TC com contraste:
Ocorre apenas no cenário da pancreatite
necrosante aguda.
Densidade heterogênea e não líquida de
diferentes graus em diferentes locais (alguns
parecem homogêneos no início do curso).

Nenhuma parede definível encapsulando a


coleção.

Localização intrapancreática e / ou
extrapancreática.

Figura 7 – Coleção necrótica aguda peripancreática: notem a necrose


peripancreática, bastante heterogênea e mal delimitada (setas
brancas). O parênquima pancreático não apresenta áreas de necrose
e tem contrastação homogênea nesse caso (estrelas brancas)⁴.

5. WON: walled-off necrosis (necrose “murada”)⁴


Uma coleção madura e encapsulada de necrose
pancreática e / ou peripancreática que desenvolveu
uma parede inflamatória bem definida. A WON
geralmente ocorre > 4 semanas após o início da
pancreatite necrotizante
Critérios da TC com contraste:

Heterogênea com densidade líquida e não


líquida com vários graus de locações (alguns
podem parecer homogêneos).
Parede bem definida, isto é, completamente
encapsulada.
Localização intrapancreática e / ou
extrapancreática.
A maturação geralmente requer 4 semanas
após o início da pancreatite necrosante aguda.

Figuras 8 e 9 – Fluído heterogêneo encapsulado e bem delimitado. Notem os


diferentes componentes dentro de uma mesma coleção (cabeças pretas de
seta) e a parede espessa que delimita a coleção (setas brancas).⁴

Tipo de complicação Tempo Cápsula/delimitação

APFC: coleção fluída peripancreática


<4 Mal delimitada, sem
aguda (acute peripancreatic fluid
semanas cápsula e homogênea.
collection)

Coleção bem
>4
Pseudocisto pancreático delimitada e
semanas
homogênea.
Tipo de complicação Tempo Cápsula/delimitação

Mal delimitada, sem


ANC: acute necrotic colection <4
cápsula e
(coleção necrótica aguda) semanas
heterogênea.

Coleção bem
WON: walled-off necrosis (necrose >4
delimitada e
“murada”) semanas
heterogênea.

Pontos Importantes
A pancreatite aguda é uma importante causa de dor
abdominal no pronto socorro. O quadro clínico
clássico consiste de dor abdominal em andar
superior, em faixa com irradiação para o dorso,
associado a náuseas e vômitos.

A principal causa de pancreatite aguda é biliar


(colelitíase), seguida por etilismo.
O diagnóstico é feito com dois de três critérios:
Quadro clínico típico.
Lipase ou amilase sérica aumentada pelo
menos três vezes maior do que o limite
superior da normalidade.
Exame de imagem.

O valor sérico das enzimas pancreáticas não


mantêm nenhuma correlação com a gravidade do
caso ou extensão da necrose.
A pancreatite aguda pode ser dividida em
edematosa ou necrotizante/ hemorrágica. Sendo
que a maioria dos casos são edematosas leves (80-
90%).
A infecção da necrose pancreática é extremamente
rara e, por esse motivo, não existe indicação de
antibiótico profilático.
A TC de abdome, apesar de ser excelente método
diagnóstico, só está indicada para casos graves ou
em dúvida diagnóstica. Se indicada, deve-se realizar
o exame em um momento mais tardio, de
preferência após 72h – 96h do início dos sintomas.
Se realizada de forma precoce, podemos subestimar
a gravidade e extensão local da doença.

O tratamento da pancreatite aguda consiste no


tripé: jejum, analgesia e hidratação. A passagem de
SNG está indicada para pacientes com vômitos
refratários e distensão abdominal importante.
Podemos realimentar o paciente a partir do
momento em que o mesmo apresente melhora
clínica, não tenha mais dor, náuseas e/ou vômitos.

Devemos sempre investigar a etiologia da


pancreatite aguda na internação e tratar a sua
causa. A colecistectomia deve ser realizada de
forma precoce, preferencialmente na mesma
internação, para aqueles pacientes cuja etiologia
seja biliar.
Referências
1. Swaroop VS, Chari ST, Clain JE. Severe acute
pancreatitis. JAMA; 2004; 291:2865.

2. Townsend C, Beauchamp RD, Evers BM, Mattox K.


Sabiston textbook of surgery: The biological basis of
modern surgical practice. 20th ed. Ed. Elsevier;
2017.
3. Tonsi AF, Bacchion M, Crippa S, Malleo G, Bassi C.
Acute pancreatitis at the beginning of the 21st
century: the state of the art. World J Gastroenterol;
2009 Jun 28;15(24):2945-59.

4. Banks PA et al. Classification of acute pancreatitis—


2012: revision of the Atlanta classification and
definitions by international consensus. Gut;
2013;62:102–111.
Caso 31 | Doença
Diverticular E
Diverticulite Aguda
Autora:: Mariana Novaes e Marina Carla Gimenez
Orientador: Rodrigo Camargo Leão Edelmuth

História Clínica
R.C.S.T., 62 anos, sexo feminino, casada, nulípara,
aposentada, branca, natural e residente de cidade de
São Paulo, procurou atendimento em unidade de pronto-
atendimento por dor abdominal com início há 2 dias.
Paciente refere dor hipogástrica leve, com início há 48 h.
Há 8 h houve aumento da dor, que evoluiu para dor
intensa e contínua em fossa ilíaca esquerda. Refere
calafrios, não aferiu a temperatura axilar. Nega uso de
medicação para alívio da dor. Refere três internações
anteriores em outro serviço, há 12, 7 e 3 meses, por
quadro de dor abdominal semelhante, sendo o primeiro
acompanhado por enterorragia. Relata ter sido tratada
clinicamente. Deveria retornar para segmento, mas não
o fez. Histórico de gastrite e DRGE em uso esporádico de
antiácidos. Nega HAS e DM. Nega alergias. Mãe faleceu
por complicações de diabetes tipo 2, não sabe informar
sobre o pai.
Exame Físico
Sinais vitais: PA 110x70, FC 110 bpm, FR 17, SatO₂%
96%.

Paciente encontra-se em bom estado geral, lúcida,


orientada em tempo e espaço.

Mucosas hipocoradas 2+/4+, desidratada 2+/4+,


anictérica, afebril.
Abdome discretamente distendido 1+/4, ruídos
hidroaéreos presentes, percussão timpânica, sem
alterações à palpação superficial, difusamente
doloroso à palpação profunda, com descompressão
brusca positiva em fossa ilíaca esquerda. Giordano
negativo.
Inspeção anal sem evidências de lesões, toque retal
sem alterações, presença de laivos de sangue em
dedo de luva.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Iniciou-se expansão volêmica moderada. Solicitou-se
avaliação laboratorial e TC abdominal. Paciente
respondeu às medidas iniciais mantendo estabilidade
hemodinâmica que possibilitou a realização de exames
de imagem.
Exames Complementares

Exames laboratoriais

Hb 11,8 g/dl (12,0 a 15,5)

Ht 34,6% (35% a 45%)

HCM 32,2 pg (26 a 34)

VCM 90,3 fl (82,0 a 98,0)

CHCM 34,8 g/dl (31,0 a 36,0)

RDW 14% (11.9 – 15,5)

Leucócitos 10.110 (3.500 a 10.500)

neutrófilos 70,8%; 7, 160 (1.700 a 7.000)

eosinófilos 1,8%; 180 (50 a 500)


Basófilos 0,2%; 20 (0 a 300)

Linfócitos 16,3 %; 1.650 (900 a 2.900)

Monócitos 10,9%; 1.1000 (300 a 9.000)

Plaquetas 176.000 (150.000 a 450.000)

PCR 20 (menor que 1,0)

Ureia 42 (10 a 50)

Creatinina 0,73 (0,60 – 1,10)

Potássio 4,0 (3,5 a 4,5)

Sódio 141 (135 – 145)


INR 0,8 (menor que 1,0)

PTT 2,3 (1,7 a 3,5 s)

Solicitada TC de abdome total em caráter de


urgência

Achados compatíveis com diverticulite aguda em


cólon sigmoide, que apresenta segmento espessado,
com divertículos e sinais de processo inflamatório, sem
coleções ou sinais de perfuração. Ausência de
pneumoperitônio (Figuras 1 e 2).

Fígado homogêneo, com dimensões normais. Vesícula


biliar e vias biliares de aspecto usual. Pâncreas
homogêneo, com dimensões normais. Rins de dimensões
e espessura normal, sem cálculos ou hidronefrose.
Figura 1
Figura 2

Hipótese Diagnóstica
Diverticulite aguda não complicada: Hinchey I.

Paciente evolui sem piora clínica, sem hipotensão e


com melhora da dor. Optado por tratamento clínico inicial
com antibioticoterapia IV (ciprofloxacino e metronidazol),
analgesia e dieta líquida. Após 48 h de observação e
tratamento clínico, é optado por alta hospitalar com
antibiótico oral por 5 dias. Agendada realização de
enema opaco em 6 semanas após a vigência de
diverticulite aguda e retorno ambulatorial com exame.
Enema Opaco

Figura 3 – Enema com múltiplos divertículos em cólon sigmoide. Sem


extravasamento de contraste.

Na 6ª semana após o episódio, paciente encontra-se


completamente assintomática, aceitando dieta oral sem
dor e com hábito intestinal preservado.

Optado por seguimento clínico e retorno com


colonoscopia.

Questões Para Orientar a Discussão


1. Pela história, exame clínico e complementar, qual
é a doença apresentada? Qual é a doença de base
que está levando a esse quadro?

2. Quais são os fatores de risco para o


desenvolvimento dessa doença e como se dá a
sua evolução?

3. Quais são as complicações e critérios de


gravidade?
4. Quais são as possibilidades de tratamento dessa
doença?
5. Quais são as indicações de tratamento cirúrgico
para essa doença?

Discussão

Conceitos

Divertículo é uma protrusão sacular da parede do


colón, chamado de divertículo “falso” ou “de pulsão”, em
que herniam somente a mucosa e a submucosa através
da camada muscular.1

A doença diverticular pode ser completamente


assintomática ou ter diferentes graus de sintomas.
Alguns pacientes apresentam sintomas leves, como
desconforto abdominal eventual, enquanto outros podem
apresentar dor intensa e enterorragia. Não podemos
esquecer que a doença diverticular é a principal causa de
HDB.1-2

Já a diverticulite aguda é definida como a inflamação


aguda do divertículo. Pode ser não complicada ou
complicada por abscesso, fístula, obstrução intestinal
e/ou perfuração.1,3

Epidemiologia

Sabe-se que a diverticulite é uma condição mais


comumente encontrada em países ocidentalizados, tendo
sua incidência aumentada à medida que a população
envelhece.1

A prevalência da doença diverticular é diretamente


proporcional à idade: aumentando de menos de 20% aos
40 anos para 60% aos 60 e 80% nos maiores de 85 anos.
De 4 a 15% dos pacientes com doença diverticular
desenvolvem diverticulite (idade média: 63 anos).1,4

Abaixo dos 50 anos, a doença diverticular é mais


comum em homens. Entre 50 e 70 anos, há uma
pequena preponderância por mulheres e em pacientes
com mais de 70 anos, a maior parcela acometida são
mulheres.1

Os principais fatores de risco para o desenvolvimento


de diverticulite são a dieta rica em carne vermelha,
pobre em fibras, sedentarismo, IMC alto (> 25)
tabagismo (> 40 maços-ano) e história familiar.
Alimentos como milho e castanhas não têm influência
sobre a doença, bem como cafeína e uso de álcool.
Várias medicações estão associadas com o aumento do
risco de diverticulite e sangramento diverticular incluindo
AINES, corticosteroides e opiáceos. As estatinas
diminuem o risco de diverticulite perfurada; altos níveis
de vitamina D diminuem as chances de internação por
diverticulite.1,3

Patogênese

O divertículo desenvolve-se em pontos de fraqueza da


parede colônica, que correspondem ao local onde a vasa
recta penetra a camada muscular circular do colón.
Motilidade colônica anormal é um fator predisponente
importante no desenvolvimento do divertículo. Pacientes
com diverticulose costumam apresentar contrações
segmentares exageradas, as quais aumentam a pressão
intraluminal, causando assim a herniação da mucosa e
submucosa. A grande maioria dos divertículos são
encontrados no cólon descendente e sigmoide.

A principal causa de diverticulite é a perfuração micro


ou macroscópica de um divertículo. Antes, acreditava-se
que a obstrução do divertículo por um fecalito
aumentava a pressão diverticular, causando então a
perfuração. Entretanto, hoje sabe-se que essa não é a
principal causa. O processo primário é a erosão da
parede do divertículo pelo aumento da pressão
intraluminal ou por partículas de comidas entaladas,
seguida de inflamação e necrose local que resultam na
perfuração do pseudodivertículo.

A inflamação é geralmente leve e uma perfuração


pequena é contida pela parede da gordura pericólica e
mesentérica: trata-se da diverticulite não complicada.
Define-se diverticulite complicada quando há, além da
inflamação, abscesso, obstrução, fístula, sangramento ou
perfuração, tais complicações estão mais relacionadas ao
primeiro episódio de diverticulite e associam-se à dor
abdominal crônica.

A história natural da doença diverticular, observada


em pacientes tratados clinicamente, consiste em
episódios sintomáticos agudos intervalados com grandes
períodos assintomáticos. Atualmente, sabe-se que a
recorrência é infrequente e torna-se rara com o passar
dos episódios.¹

Diagnóstico

Os pacientes com diverticulite costumam apresentar


dor abdominal aguda, constante e localizada no
quadrante inferior esquerdo. Outros sintomas incluem
anorexia, constipação, náusea, diarreia e febre,
geralmente menor que 39°C. É a famosa apendicite do
lado esquerdo. Na presença de sepse grave ou choque,
deve-se suspeitar de diverticulite complicada, bem como
sinais de peritonite.1, 3-5

Achados laboratoriais

Leucocitose e elevação de PCR são esperados e


mantêm correlação direta com a gravidade/complicação
da doença. PCR muito elevado, geralmente maior que
200, sugere perfuração.

Exames de Imagem

Não são necessários para a maioria dos pacientes que


apresentam sintomas leves. A radiografia simples de
abdome tem perdido muito espaço no dia a dia, mas
ainda pode ser uma ferramenta útil em locais de poucos
recursos, especialmente na suspeita de perfuração
(pneumoperitônio).

A Tomografia Computadorizada (TC) de abdome e


pelve com contraste endovenoso é o exame de imagem
de escolha para pacientes com suspeita de diverticulite
aguda. Além de ser bastante sensível para o diagnóstico,
também é um exame útil para avaliar diagnósticos
diferenciais de dor em andar inferior do abdome como
apendicite e abscessos tubo-ovarianos.1, 3, 6

Achados tomográficos na diverticulite aguda


Achados tomográficos na diverticulite aguda

Presença de divertículos.

Inflamação pericólica com borramento de gordura.

Presença de inflamação dos divertículos.

Espessamento da parede colônica (> 4 mm).

Abscessos pericólicos e peridiverticulares.

Líquido livre junto ao cólon e em pelve.

A colonoscopia está contraindicada na vigência da


diverticulite aguda devido ao maior risco de perfuração e
só deve ser realizada após 4 a 6 semanas de resolução
da mesma. Sua realização é obrigatória para confirmar a
presença de divertículos, contudo, mais importante: para
exclusão de outras patologias, como o câncer colorretal.

Assim como a colonoscopia, o enema opaco pode ser


realizado fora das crises para avaliar a presença de
divertículos e/ou fístulas. Foi muito útil no passado e,
atualmente, fica reservado para locais onde a tomografia
computadorizada não está disponível.⁵

Estadiamento/Gravidade

A diverticulite aguda complicada pode ser classificada


de acordo com os critérios de Hinchey. Mas vale ressaltar
que esse sistema não considera as comorbidades
preexistentes do paciente.1
Mortalidade
Estágio Grau de perfuração
(%)

I Abscesso pericólico confinado Menor que 5%

Grande abscesso que se estende para


II Menor que 5%
pelve

III Peritonite purulenta 13%

IV Peritonite fecal 43%

Tratamento

Devemos separar os pacientes em dois grandes


grupos para guiar o tratamento:

Casos não complicados ou Hinchey I em pacientes


sem repercussões sistêmicas e com estado geral
preservado.
Diverticulite aguda complicada (Hinchey II, III, IV) ou
pacientes com sinais de sepse.

O manejo da diverticulite sofreu quebra de


paradigmas importantes nas últimas décadas, com
abordagens menos invasivas, tratamento domiciliar sem
antibiótico ou com antibioticoterapia de curto prazo,
manejo conservador e técnicas cirúrgicas minimamente
invasivas.6, 8

Em pacientes que apresentam diverticulite aguda não


complicada, com bom estado geral e imunocompetentes,
o tratamento domiciliar é aceito com analgesia, dieta rica
em fibras e reavaliação em 72 h.1, 5, 6

O uso de antibióticos na diverticulite aguda não


complicada tem sido questionado. Alguns estudos mais
recentes demonstraram não haver benefício no uso de
antibiótico oral, pois não reduziram o tempo de resolução
dos sintomas, complicações, tempo de internação nem
risco de recorrência. Entretanto, a conduta mais aceita
atualmente continua sendo o uso de antibiótico oral de
curta duração (4-7 dias). Os antibióticos utilizados podem
ser vistos na Tabela 1.1-4, 6

Tabela 1 – Sugestões de esquemas de antibiótico oral

Esquema Dosagem

Ciprofloxacino 500 mg VO 12/12 h


Quinolona e Metronidazol
Metronidazol 500 mg VO 8/8 h

Sulfametoxazol-Trimetoprima e Bactrim 800/160 mg VO 12/12h


Metronidazol Metronidazol 500 mg VO 8/8h

Amoxicilina + Clavulanato 875/125


Amoxicilina com clavulanato
mg VO 12/12h

O tratamento em regime de internação deve ficar


reservado a pacientes com repercussões sistêmicas da
doença (sinais de sepse) ou em casos de diverticulite
aguda complicada que necessitem de intervenção
percutânea ou cirúrgica (Tabela 2).1-4, 6

Tabela 2 – Indicações de internação na diverticulite aguda – NEJM 2007


Diverticulite complicada (abscesso, peritonite, perfuração)

Sinais de sepse (leucocitose acentuada, queda do estado geral)

Dor refratária ou peritonite

Imunodeficientes

Comorbidades significativas

Idade avançada

Intolerância à dieta oral

Falha de tratamento clínico domiciliar prévio

Dificuldade de retorno para avaliação (ex. moradores de rua)

Paciente com abcessos pequenos (menos que 4 cm),


pericolônicos, sem peritonite, são normalmente tratados
com medidas clínicas8. A drenagem percutânea, guiada
por tomografia, se torna uma opção para abcessos
maiores, a distância (Hinchey II).
Tabela 3 - Resumo das recomendações para o manejo da diverticulite aguda
não complicada

Uso racional e seletivo de antibioticoterapia (ao invés do uso rotineiro

Colonoscopia obrigatória após resolução do quadro (para excluir


neoplasia)

Reforçar necessidade de dieta rica em fibra ou suplementação de fibras

Não há indicação de evitar ingesta de sementes, nozes, amêndoas, milho,


pipoca e similares

Não há indicação absoluta de cirurgia eletiva após primeiro episódio não


complicado.

Tratamento cirúrgico
Com o advento da radiologia intervencionista e
melhores condições em terapia intensiva, o número de
cirurgias de urgência diminuiu ao longo das últimas
décadas. Apesar disso, a cirurgia ainda é o tratamento
definitivo para diverticulite.

A cirurgia de urgência fica reservada para aqueles


pacientes refratários ao tratamento clínico conservador
ou cuja drenagem percutânea não foi satisfatória ou
mesmo não foi factível. Além disso, a cirurgia também
está indicada em casos de peritonite difusa, com
perfuração livre (Hinchey III e IV), abscessos grandes não
passíveis de drenagem ou sepse grave mesmo após as
medidas clínicas. O procedimento padrão é a
retossigmoidectomia com colostomia terminal e
sepultamento do coto distal, o clássico Hartmann.1, 4 , 7, 8

Em casos selecionados, se não houver contaminação


grosseira da cavidade, em pacientes jovens, sem
comorbidades e o mesmo estiver clinicamente bem,
pode-se realizar a anastomose primária. Entretanto,
esses casos dificilmente terão sua cirurgia de urgência
indicada.

Cirurgia eletiva

A retossigmoidectomia com anastomose primária é o


tratamento padrão, mas a indicação de cirurgia eletiva
tem sido cada vez mais restritiva e individualizada.
Classicamente, indicava-se cirurgia após o 2º episódio de
diverticulite, porém hoje não devemos mais indicar
cirurgia somente baseado no número de episódios.

A indicação cirúrgica deve ser ponderada


individualmente e avaliado o risco benéfico da cirurgia vs
a chance de recidiva e complicações. Alguns subgrupos
de pacientes podem ser candidatos à cirurgia eletiva
como pacientes jovens, pela maior probabilidade de
recorrência, pacientes imunocomprometidos pelo risco
de apresentações atípicas e aumento da mortalidade em
procedimentos de emergência, e pacientes com fistula
diverticular, devido à maior probabilidade de
complicações.1, 4 - 8
Tabela 4 – Indicações de retossigmoidectomia eletiva

Indicação Racional

Drenagem de abscesso no
evento agudo (diverticulite Maior risco de complicações no futuro
complicada prévia)

Avaliar individualmente, caso a caso:


Doença recorrente e número de episódios prévios, sintomas
sintomas crônicos atuais, risco da cirurgia para o paciente em
questão e preferências do paciente

Comorbidades
São fatores de risco para novos episódios
(imunodeprimidos, doenças
complicados, com perfuração. O limiar
do colágeno, usuários
cirúrgico eletivo deve ser menor nesses
crônicos de corticoide e
casos.
desnutrição)

Fístulas (cólon-vesical ou cólon-uterina).


Complicações ITU de repetição
Estenoses
Pontos Importantes
Os divertículos de cólon são divertículos falsos
(protrusão de mucosa submucosa).

A presença de divertículos tem relação direta com a


idade e sua localização é mais comum no cólon
sigmoide.
A vasta maioria dos pacientes com divertículos são
assintomáticos. Daqueles que têm sintomas, o
principal é a hemorragia digestiva baixa. Além de
sangramentos, pode haver também dor pélvica.
A doença diverticular pode complicar agudamente e
é conhecida como diverticulite aguda. A diverticulite
aguda pode ser simples ou complicada. As principais
complicações da diverticulite aguda são abscessos,
perfurações, fístulas cólon-vesical ou cólon-uterina
e/ou estenoses/obstruções.

Quadro clínico clássico: idosos com dor/desconforto


em FIE e febre.
O exame padrão ouro para fazer o diagnóstico de
diverticulite aguda é tomografia computadorizada
de abdome com contraste venoso.
A colonoscopia nunca deve ser indicada na fase
aguda, mas é obrigatória após resolução do quadro
(para excluir neoplasia).
A diverticulite aguda não complicada costuma ser
autolimitada e o tratamento é de suporte clínico. A
conduta clássica consiste no uso de antibióticos
orais (ciprofloxacino e metronidazol) por um curto
período (3 - 7 dias).
No entanto, evidências recentes refutam essa
prática.
Toda diverticulite aguda complicada deve ser
classificada conforme a classificação de
Hinchey:
Hinchey 1: Suporte clínico, analgesia e
antibioticoterapia. Tratamento pode ser
ambulatorial.
Hinchey 2: Suporte clínico, analgesia e
antibioticoterapia venosa + punção de
abscesso por radiologia intervencionista.
Hinchey 3 e 4: Além das condutas já
citadas, a cirurgia está indicada:
retossigmoidectomia.

Referências
1. Jacobs D, et al. Diverticulitis. N Engl J Med. 2007;
357:2057-2066.
2. Pemberton Jh, et al. Acute colonic diverticulitis:
medical management. UpToDate, Waltham, MA.
(Acessado em 25 de Novembro, 2018).
3. Morris AM, et al. Sigmoid diverticulitis. JAMA.
2014;311(3):287-297.

4. Sachin D, et al. Management of acute diverticulitis.


JAMA. 2017 jul 18;318(3):291-292.
5. Pemberton Jh, et al. Clinical manifestations and
diagnosis of acute diverticulitis in adults. UpToDate,
Waltham, MA. (Acessado em 25 de Novembro,
2018).
6. WILKINS T et al. Diagnosis and management of
acute diverticulitis. Am Fam Physician. 2013 may
1;87(9):612-20.
7. Shota T, et al. Surgical outcomes and diverticulitis.
Gastroenterology Report 1. 2013: 64-69.
8. Regenbogen S, et al. Surgery for diverticulitis in the
21st century: a systematic review. JAMA Surg. 2014
mar;149(3):292-303.
Caso 32 | Colecistite Na
Gestante
Autores: Rodrigo Pereira Peixoto, Ana Júlia Machado Talma, Sofia
Machado Talma
Orientador: Frederico Cantarino Cordeiro de Araújo

História Clínica
G. A. M. C., sexo feminino, 34 anos, grávida, G3P2
(cesárias) A0, sem alergias medicamentosas, vinha com
quadro de 2 meses de dor no hipocôndrio direito (pós-
prandial), associado a náuseas e vômitos, sem febre ou
sintomas colestáticos, quando apresentou agudização e
intensificação da dor no hipocôndrio direito, febre e Sinal
de Murphy.

Foi internada em um hospital regional local, onde


realizou ultrassonografia que evidenciou vesícula biliar
com paredes espessadas e presença de quatro cálculos
de cerca de 1,3 cm em infundíbulo, e também foi
confirmada a gestação (com 6 semanas e 4 dias de idade
gestacional). Diante disso, foi optado por tratamento
conservador, com antibiótico terapêutico (amocixilina +
clavulanato).

No seguimento ambulatorial, a paciente manteve dor


no hipocôndrio direito compatível com dor biliar,
colecistolitíase sintomática, sendo controlada com
medicações sintomáticas.

Com o decorrer da gestação, a paciente foi


novamente internada com quadro de colecistite aguda,
no hospital universitário referência do município. Diante
da reincidência do quadro, foi revista a proposta anterior
conservadora, e indicado tratamento cirúrgico. Com 18
semanas de idade gestação, a paciente foi submetia ao
procedimento proposto: colecistectomia
videolaparoscópica (CVL).

A cirurgia ocorreu com sucesso e sem intercorrências.


O pneumoperitônio foi estabelecido de forma aberta
(técnica de Hasson). Foi possível passar os trocartes em
posição habitual: 10 mm em cicatriz umbilical e
subxifoide e 5 mm em hipocôndrio direito e flanco direito.
À abordagem, observou-se útero gravídico, o qual não
representou dificuldade à técnica cirúrgica, e vesícula
com aderências pericolecísticas e parede friável. Dado o
estado da vesícula, a cirurgia foi trabalhosa e
desafiadora, mas ainda assim conseguiu-se realizar o
tratamento seguro do pedículo colecístico, segundo a
visão crítica de segurança de Strasberg.

No pós-operatório, a paciente evoluiu bem, sem


intercorrências cirúrgicas ou obstétricas, recebendo alta
no dia seguinte. Também apresentou boa evolução no
seguimento ambulatorial, com controle dos sintomas e
conseguindo completar a gestação sem novas
intercorrências. Além disso, o feto também não
apresentou alteração teratogênica.

Figura 1 – Visão videolaparoscópica da vesícula biliar, pós dissecção inicial.


Observe os sítios de aderências prévias.

Figura 2 – Cisão laparoscópica do útero gravídico e d os anexos uterinos


direitos.

Questões Para Orientar a Discussão


1. Pela história clínica e exame físico, qual foi a
doença apresentada? Qual é a fisiopatologia?

2. Quais são os fatores que levam ao seu


desenvolvimento e como é sua evolução?

3. Quais repercussões fetais e maternas que podem


ocorrer?

4. Qual é o tratamento da colecistite, na gestante?

Discussão

Conceitos

As causas de dor abdominal em gestantes são


múltiplas e causas obstétricas devem sempre ser
consideradas. Aproximadamente, uma, a cada 500
gestantes, vai necessitar de cirurgia abdominal por causa
não obstétrica durante a gravidez. As causas mais
comuns de emergências cirúrgicas abdominais não
obstétricas são a apendicite e a colecistite aguda. As
particularidades anatômicas e fisiológicas nesse grupo de
pacientes podem contribuir para quadros clínicos atípicos
e, consequentemente, diagnósticos tardios e desfechos
desfavoráveis. É importante destacar que o útero
adentra a cavidade abdominal em torno da 12a semana
de idade gestacional. Entre 18 e 20 semanas, este está
localizado próximo à cicatriz umbilical. Dessa forma, o
apêndice cecal, ceco e cólon ascendente são
progressivamente deslocados lateral e superiormente. Ao
termo, o útero está localizado próximo à borda inferior de
fígado e vesícula biliar. De maneira concomitante, a
distensão do peritônio e da parede abdominal pode
mascarar sinais de irritação peritoneal.

A colecistite aguda é uma doença inflamatória da


vesícula biliar, e constitui a segunda forma de abdome
agudo na gestante. Na população geral, o tratamento
padrão é a colecistectomia precoce, idealmente em até
72h do início do quadro. Entretanto, considerando-se a
população de gestantes, é necessário se perguntar sobre
as relações materno-fetais quanto à doença e/ou
tratamento cirúrgico.

Epidemiologia

Nos Estados Unidos, 10-15% da população tem


colecistolitíase, e entre 10-25% desses pacientes
desenvolvem sintomas ou complicações, dentre eles a
colecistite aguda. Colecistite aguda constitui a segunda
maior causa de emergências abdominais não obstétricas
em gestantes. Nessa, sua incidência é de uma a cada
1600-10000/gestações.

Durante a gestação, a colecistite é considerada a


segunda causa mais comum de cirurgia não obstétrica
em razão da dor abdominal, ficando atrás apenas de
cirurgias decorrentes de apendicite aguda.

Patogênese

A colecistolitíase é o fator etiológico causal da


colecistite aguda em aproximadamente 90% dos casos e
está presente em 3,5-10% das mulheres grávidas.

A colecistite aguda litiásica ocorre quando há


obstrução persistente do ducto cístico por cálculo,
levando a estase biliar e inflamação. A sobredistensão da
vesícula consequente gera prejuízo à drenagem venosa
e, posteriormente, à irrigação arterial com graus
variáveis de isquemia de sua parede. A progressão da
doença pode levar ainda, em alguns casos, à infecção da
vesícula biliar por translocação da microbiota entérica
(sobretudo gram-negativos, como E. coli, e anaeróbios).

Os altos níveis de progesterona em gestantes causam


diminuição da contratilidade da parede da vesícula biliar
com esvaziamento retardado da mesma e biliostase.
Níveis elevados de estrogênio, por sua vez, contribuem
para o aumento da concentração biliar de colesterol. A
combinação desses fatores torna a gravidez um
momento de maior propensão à formação de cálculos
biliares.

Diagnóstico
Do ponto de vista clínico, dor abdominal, náuseas,
vômitos e febre são os sintomas tipicamente vistos nos
pacientes com colecistite aguda. Tipicamente, a dor
localiza-se no hipocôndrio direito, e tem duração superior
a 6 horas. Ao exame físico, pode ser encontrado o sinal
de Murphy (inspiração profunda interrompida por dor à
palpação profunda no quadrante superior direito
abdominal). Todavia, como dito anteriormente, alterações
anatomofisiológicas apresentadas pela gestante podem
contribuir para apresentações clínicas atípicas, tanto na
qualidade da dor, como em sua localização.

Os possíveis diagnósticos diferenciais são diversos e


causas obstétricas devem ser sempre lembradas. São
exemplos: esteatohepatite aguda da gravidez, pré-
eclâmpsia, apendicite aguda, hepatite viral aguda,
pancreatite aguda, úlcera péptica, pielonefrite,
pneumonia de base direita, entre outros.

Ao laboratório, adaptações do organismo à gravidez


resultam em alterações em exames laboratoriais, sem
significado patológico. Temos como exemplos a chamada
anemia fisiológica da gravidez, leucocitose com valores
tão altos quanto 16000 leucócitos/mm3 e elevação da
fosfatase alcalina em até 15 vezes os valores de
referência. Entretanto, a presença de leucocitose com
desvio à esquerda e a elevação de marcadores
inflamatórios, como a Proteína C Reativa, devem suscitar
a existência de processo inflamatório/infeccioso. Níveis
elevados de bilirrubina sugerem obstrução biliar e a
possibilidade de coledocolitíase deve ser descartada.

O ultrassom é a modalidade diagnóstica inicial de


escolha por ser método não invasivo, não emitir radiação
ionizante, disponível e barato. Possui sensibilidade para
detecção de cálculos de 95-98% e pode, ainda, auxiliar
em diagnósticos diferenciais. São achados característicos
da colecistite aguda: presença de cálculo(s) no interior
da vesícula biliar (tipicamente não móveis/impactados no
infundíbulo), espessamento de sua parede igual ou
superior a 4 mm, fluido pericolecístico e a presença de
sinal de Murphy ultrassonográfico.

Caso o diagnóstico permaneça incerto mesmo após a


ultrassonografia, outros métodos de imagem devem ser
considerados: a Ressonância Magnética (RM) e a
Tomografia computadorizada (TC). A RM é o exame de
escolha após ultrassonografia inconclusiva por não emitir
radiação ionizante. Tem alta sensibilidade (98%) e alta
especificidade (94%) na detecção de doença biliar.
Apesar da falta de dados sobre a existência de danos ao
feto com o uso de Gadolínio, o mesmo deve ser utilizado
apenas quando estritamente necessário e na menor dose
possível. O uso de radiação deve ser evitado em
gestantes, sobretudo no primeiro trimestre. Porém, vários
estudos demonstraram ser muito improvável a
ocorrência de efeitos teratogênicos com doses de
radiação associadas à realização de TC inferior a 100
mGy (1 a 2 exames). Da mesma forma, estudos com uso
de contraste iodado endovenoso não mostraram risco
aumentado de teratogênese em animais ou humanos.
Por outro lado, há estudos que comprovam aumento no
risco de câncer na infância quando realizadas TCs,
sobretudo no primeiro trimestre de gestação. Sendo
assim, a realização de TC contrastada pode ser feita em
mulheres grávidas, quando necessária e na
indisponibilidade da RM, para evitar atrasos no
diagnóstico e tratamento.

Tratamento

Deve ser iniciada antibioticoterapia após o


diagnóstico, com cobertura para patógenos entéricos,
como gram-negativos e anaeróbios. Para casos de
colecistite aguda não complicada não há necessidade de
uso de antibióticos após a colecistectomia. Nos demais
casos, a conduta deve ser individualizada. Anti-
inflamatórios não esteroidais estão contraindicados após
a 24ª semana de gestação por estarem associados ao
fechamento precoce do ducto arterioso.

O tratamento de eleição da colecistite aguda na


grávida, assim como no restante da população, é a
colecistectomia videolaparoscópica. O tratamento não
cirúrgico está associado à recorrência de episódios de
colecistite em 44-92% das pacientes. Além disso, o
manejo conservador também está associado à maior
incidência de aborto espontâneo, ameaça de aborto e
prematuridade, quando comparado ao cirúrgico.

Tradicionalmente, procedimentos cirúrgicos foram


evitados durante o primeiro e terceiro trimestre de
gestação, pelo risco de aborto e parto prematuro,
respectivamente. Por outro lado, alguns estudos recentes
sugerem que a abordagem cirúrgica por laparoscopia é
segura durante qualquer trimestre da gestação sem
aumentar o risco para a gestante ou ao feto.

Se houver opção pela cirurgia, devem ser levados em


consideração a infraestrutura do hospital, disponibilidade
de material e a experiência do cirurgião. As vantagens da
laparoscopia sobre a laparotomia, na gravidez, são
similares às encontradas em não gestantes. Podemos
elencar menor dor pós-operatória, menor taxa de íleo
pós-operatório e formação de aderências, menor tempo
de permanência hospitalar e retorno ao trabalho mais
precoce. São vantagens adicionais observadas em
gestantes: menores taxas de depressão respiratória fetal
pela menor necessidade de uso de narcóticos pela
gestante, menor taxa de complicações de ferida
operatória, menor taxa de hipoventilação pós-operatória
materna e risco de eventos tromboembólicos.

Há algumas recomendações a serem seguidas quando


do ato cirúrgico. Pacientes no segundo e terceiro
trimestres devem ser posicionadas, preferencialmente,
em decúbito lateral esquerdo para minimizar os efeitos
compressivos sobre a veia cava pelo útero gravídico. O
acesso à cavidade abdominal na laparoscopia pode ser
feito tanto pela técnica aberta (Hasson) quanto pelo uso
da agulha de Veress, ou pelo trocater óptico. O
posicionamento dos trocateres pode ser alterado em
vista do tamanho do útero. A insuflação com CO₂ pode
ser feita de forma segura, mantendo níveis deste gás
entre 10-15 mmHg e a monitorização intraoperatória de
CO₂ por meio de capnografia é indicada. A gestação está
relacionada ao estado de hipercoagulabilidade com
incidência de trombose venosa profunda de 0,1-0,2%. A
realização da cirurgia e confecção do pneumoperitônio
podem aumentar esse risco. Então, também ficam
indicadas medidas tromboprofiláticas, como o uso de
dispositivos de compressão pneumática intermitente e
deambulação precoce. Caso seja indicada anticoagulação
profilática, não há contraindicação ao uso de heparina
não fracionada ou heparina de baixo peso molecular.

A monitorização fetal intraoperatória é infrequente e


dificultada pelo pneumoperitônio. Pelo American College
of Obstetrics and Gynaecology Committee, em cirurgias
não obstétricas em gestantes, a monitorização fetal deve
ser uma decisão individualizada, levando-se em
consideração a idade gestacional, o tipo de cirurgia e as
facilidades de avaliação.
Pontos Importantes
A colecistite aguda é um abdome agudo frequente
na gravidez, que pode oferecer riscos ao binômio
materno-fetal.

Há estratégias clínicas e cirúrgicas para o seu


manejo.
Tradicionalmente, aguarda-se o segundo semestre
para condutas cirúrgicas, considerando-se o risco
teratogênico do primeiro trimestre e maior
dificuldade técnica no terceiro trimestre. Entretanto,
parece ser seguro operar a gestante
independentemente do período gestacional.

A decisão de conduta deve ser compartilhada entre


a paciente e a equipe médica, ponderando-se o
risco-benefício.

Casos leves podem ser manejados de forma


conservadora com antibióticos, e ter sua cirurgia
adiada para o segundo semestre ou pós-parto, ou
serem abordados cirurgicamente naquele mesmo
momento.

Casos graves, naturalmente, configuram urgência


cirúrgica e devem ser prontamente operados.

Referências
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Docimo JrS; Pauli E. (eds). Clinical Algorithms in
General Surgery. Springer, Cham.
Caso 33 | Coledocolitíase
Cirúrgica
Autores: Estevão Moreira David, Debora Faria Nogueira, Rodrigo
Pereira Peixoto, Ana Júlia Machado Talma, Sofia Machado Talma
Orientador: Frederico Cantarino Cordeiro de Araújo

História Clínica
F. J. S., 70 anos, natural e residente em Juiz de Fora-
MG, tabagista grave, etilista grave, desempregado,
procura atendimento médico em unidade secundária de
saúde devido à dor abdominal difusa, de forte
intensidade, associada à colúria e icterícia, de início
espontâneo, acompanhada de náuseas, vômitos, febre e
hiporexia. O quadro foi progressivo em intensidade e
gravidade. A dor, inicialmente epigástrica e moderada,
tornou-se mais intensa e difusa. Devido às limitações do
serviço público de saúde, só foi transferido para o
hospital após três semanas de evolução do quadro clínico
inicial.

Exame Físico De Admissão


Regular estado geral, hipocorado, hidratado, ictérico
(2+/4+), afebril, lúcido e contactuante.
Sinais vitais: FC 104 bpm, FR 24 irpm, SatO₂ 95%, PA:
140x90 mmHg.

Abdome: globoso, distendido, ascítico, peristáltico,


hipertimpanismo central, macicez móvel, doloroso
difusamente à palpação, com tensão muscular
aumentada, sem sinais de peritonite. Hepatomegalia 13
cm.

HPP:

Cirrose hepática alcoólica.

DM2.

Hipertensão arterial sistêmica.

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.

Gastrectomia Prévia com Reconstrução em Y de


Roux há 20 anos (doença ulcerosa péptica) .

Colecistolitíase assintomática prévia.

Trazia exames complementares com leucocitose com


desvio, elevação de PCR, alteração de enzimas
canaliculares, hiperbilirrubinemia às custas de bilirrubina
direta e descompensação da insuficiência hepática:

PCR: 246,5 mg/L (normal até 8 mg/L).

GGT: 448 U/L (normal até 58 U/L).

FA: 984 U/L (normal até 100 U/L).

Bilirrubina total: 6,17 mg/dL (normal até 1,2 mg/dL) – direta: 4,45 mg/dL e
indireta 1,7 mg/dL.
TGP: 17 U/L (normal até 39 U/L).

TGO: 9 U/L (normal até 39 U/L).

Amilase: 190 (normal até 125 U/L).

Hemoglobina 8,7 g/dL (normal 13,5 a 17,8 g/dL).

Leucócitos totais: 20300 /mm³ (normal até 10000/mm³).

RNI: 1,6 (normal até 1,1).

Albumina: 3,0 (normal 3,5 a 5,5 g/dL).

O quadro clínico era compatível com um abdome


agudo inflamatório, com provável complicação
subsequente. Todavia, era notável uma alteração clínica
e laboratorial apontando para uma descompensação da
cirrose hepática – nesse momento, Child B9 e Meld 19.

Diante desse quadro, o paciente recebeu medidas


clínicas de compensação (hidratação venosa e controle
sintomático) e foi submetido à investigação
complementar por imagem – tomografia
computadorizada de abdome.

O exame demonstrou ausência de pneumoperitônio, e


evidenciou uma vesícula biliar sobredistendida e
espessa, associada a uma grande quantidade de líquido
livre na cavidade abdominal. Demonstrou ainda sinais de
hepatopatia, com hepatomegalia de bordos irregulares.
Figura 1 – Tomografia computadorizada de abdome, corte transversal, sem
contraste, evidenciando vesícula biliar sobredistendida e espessada,
associada a grande quantidade de líquido livre na cavidade. Ausência de
pneumoperitônio.

A interpretação diagnóstica sindrômica do caso foi


então revisitada. Até que ponto se tratava de uma cirrose
descompensada, explicando, essa, as alterações
encontradas? Qual era a doença inflamatória infecciosa
vigente como causa principal da clínica ou, no mínimo,
causa da descompensação hepática?

O líquido livre foi puncionado, encontrando franco


conteúdo biliar, com bilirrubina dosada acima 20 U/L
(configurando peritonite bacteriana secundária). Dessa
forma, indicou-se exploração cirúrgica.

O paciente foi submetido à cirurgia laparoscópica,


onde foi observado importante coleperitôneo e vesícula
biliar perfurada em seu fundo, com extravasamento de
bile e cálculos, fechando o diagnóstico de colecistite
aguda litiásica complicada num paciente cirrótico.

A colecistectomia foi realizada com sucesso, por via


videolaparoscópica, e a cavidade foi adequadamente
aspirada e limpa.

É importante destacar, porém, que frente a todo


quadro de litíase biliar na vesícula, o cirurgião deve se
interrogar a probabilidade de cálculos na via biliar
comum associados. Como havia elevação de bilirrubinas
e enzimas canaliculares, surgiu a dúvida: Seria essa
elevação pela descompensação da hepatopatia? Ou seria
decorrente de uma coledocolitíase obstrutiva?

Dessa forma, no mesmo tempo cirúrgico, foi realizada


uma colangiografia intraoperatória, que demonstrou
coledocolitíase e importante dilatação do hepatocolédoco
(1,7 cm).
Figura 2 – Colangiografia intraoperatória, demonstrando: cateter no ducto
cístico, dilatação intensa do hepatocolédoco (1,7 cm), e falhas de
enchimento em seu terço inferior, compatíveis com cálculos biliares.

O tratamento cirúrgico poderia ser suficiente apenas


com a colecistetomia, e a coledocolitíase seria resolvida
de forma endoscópica, numa CPRE. No entanto, como o
paciente já havia sido submetido à gastrectomia com
reconstrução em Y de Roux, o acesso à papila duodenal
por CPRE não é possível, uma vez que o duodeno não faz
mais parte do trânsito. Impunha-se, portanto, a
necessidade de um tratamento cirúrgico da
coledocolitíase.

Foi realizada então a exploração cirúrgica


laparoscópica do colédoco (coledocolitotomia), com
extração de cálculos da via biliar comum, seguida de
coledocoplastia. O ducto colédoco foi aberto junto à
inserção do ducto cístico, permitindo a introdução de
instrumentos para remoção dos cálculos. Os cálculos
foram retirados utilizando-se um cateter de Fogarty. O
sítio de manipulação do colédoco foi então fechado
utilizando-se um flap o ducto cístico/infundíbulo.

Figura 3 – Aspecto intraoperatório videolaparoscópico, no qual se pode


visibilizar o momento em que o cateter de Fogarty extrai do colédoco cálculo
biliar.

Por fim, foi realizada nova colangiografia


intraoperatória, que demonstrou sucesso no tratamento:
ausência de cálculos residuais e bom escoamento ao
duodeno.
Figura 4 – Colangiografia pós-coledocolitotomia, mostrando dilatação do
hepatocolédoco, mas sem falhas de enchimento, e bom escoamento do
contraste ao duodeno.

Após o sucesso intraoperatório, o paciente foi


encaminhado à UTI para cuidados pós cirúrgicos, tendo
boa evolução inicial. Tardiamente, evoluiu com fístula
biliar, benigna, de baixo débito e bem drenada, tratada
conservadoramente com sucesso. Mantém atualmente
seguimento ambulatorial, em 6 meses da cirurgia,
quando da escrita desse relato, sem intercorrências, em
boa evolução.

Questões Para Orientar a Discussão


1. Pela história clínica e exame físico, qual foi a
doença apresentada? Qual é a fisiopatologia?

2. Quais são os fatores que levam ao seu


desenvolvimento e como é sua evolução?
3. Quais as principais manifestações clínicas? Qual
arsenal diagnóstico deve-se lançar mão?

4. Qual o tratamento da patologia apresentada?


Como realizar a estratificação de risco?

Discussão

Conceitos

Coledocolitíase é a condição clínica na qual existe


presença ou formação de cálculos na via biliar comum.
Esses cálculos, como será mostrado a seguir, podem ser
primários, quando originados na própria via biliar
comum; ou secundários, quando a litíase não se forma na
via biliar, mas para lá migra.

A coledocolitíase pode levar a obstrução do fluxo


biliar, gerando colestase, e, mais gravemente, a uma
doença infecciosa do trato biliar, a colangite.

Epidemiologia
A litíase biliar é uma doença de alta prevalência
mundial, podendo chegar a até 20% da população geral.
Dentre os pacientes com colecistolitíase,
aproximadamente 15-20% podem apresentar
coledocolitíase, sintomática ou não. A ocorrência de
coledocolitíase primária é associada à existência de uma
via biliar doente, com cisto, dilatação senil ou fibrose
cística e tem sua incidência pouco documentada.

Etiologia

A coledocolitíase é classificada pelo seu ponto de


origem, como cálculos primários no colédoco surgindo
inicialmente no ducto biliar comum e cálculos
secundários passando da vesícula para o colédoco.

A coledocolitíase primária é a forma mais rara.


Usualmente formada por cálculos pigmentares marrons,
que são uma combinação de pigmentos biliares
precipitados e colesterol, e decorrentes de uma
colonização bacteriana no ducto biliar – mais frequente
em asiáticos. A microbiota bacteriana secreta uma
enzima que hidrolisa a bilirrubina glucorinídea para
formar bilirrubina livre, quando então se precipita.
Também pode ocorrer a formação de cálculos de
colesterol, amarelos, em vias biliares patologicamente
dilatadas, como na doença cística das vias biliares.
A forma secundária, por sua vez, representa a grande
maioria dos casos, e se inicia na vesícula biliar. Os
cálculos da vesícula biliar podem ser ditos amarelos, de
colesterol, decorrentes de mecanismos diversos, como
hipersaturação da bile por colesterol, e tendência a
precipitação, cristalização e nucleação em forma de
cálculos; também podem ser pigmentares marrons, como
acima descritos, ou pretos, formados por bilirrubinato de
cálcio – onde há um papel predominante da bilirrubina,
mais frequente em cirróticos.

Patogênese

A patogênese da coledocolitíase depende da sua


etiologia. Quando se trata de cálculos secundários, a
grande maioria dos casos, os cálculos provêm da
vesícula biliar e chegam à via biliar comum a partir da
sua contração. Uma vez na via biliar comum, os cálculos
podem fluir até o duodeno, juntamente com a bile, e,
nesse caso não cursam com manifestações clínicas; por
outro lado, devido ao diâmetro reduzido do colédoco
distal, os cálculos podem permanecer no colédoco.

Estando no colédoco, os cálculos podem cursar com


diferentes manifestações, a depender do seu
comportamento dentro da via biliar: não obstrutivo,
obstrutivo parcial ou obstrutivo total. A coledocolitíase
pode gerar complicações, como colangite ascendente ou
pancreatite aguda.
Manifestações clínicas

Aproximadamente 10% dos pacientes com


coledocolitíase são sintomáticos, sugerindo que a maior
parte dos casos de coledocolitíase permanece
clinicamente silenciosa.

Quando não é clinicamente silencioso, o cálculo no


colédoco pode gerar sintomas que vão desde cólica biliar
à síndrome colestática franca: icterícia, colúria e acolia
fecal. A icterícia com coledocolitíase é mais provável de
ser dolorosa, pois o começo da obstrução é agudo,
causando rápida distensão do ducto biliar e irritação das
fibras que causam a dor (diferentemente da icterícia por
tumores, que tende a ser crônica e indolor). A febre pode
estar associada à dor no quadrante superior direito e
icterícia, uma condição conhecida como “tríade de
Charcot”. Essa tríade sugere colangite ascendente e, se
não tratada, pode evoluir para choque séptico. Acrescida
de hipotensão e alterações no estado mental, com
evidência de choque, a tríade de Charcot é conhecida
como pêntade de Reynolds.

Diagnóstico

O diagnóstico da coledocolitíase é suspeitado numa


síndrome colestática, com icterícia, colúria e acolia fecal.
Ou seja: pele e mucosas amarelados, urina escurecida
(“cor de Coca-Cola”) e fezes claras.
A suspeita é reforçada laboratorialmente, ao
encontrarmos elevação de bilirrubina total (às custas de
direta), fosfatase alcalina (FA), gama glutamil transferase
(GGT), alanina aminotransferase (ALT) e aspartato
aminotransferase (AST). Todavia, um método de imagem
é necessário para de fato diagnosticar a coledocolitíase.

Ultrassonografia de abdome

A ultrassonografia de abdome é um ótimo exame


inicial, não invasivo, e altamente disponível (embora
operador-dependente). Está indicado para investigar a
presença ou não de cálculos na vesícula biliar
(lembrando que a vesícula é a fonte da maioria dos
cálculos de colédoco, que são secundários).

A ultrassonografia pode ainda dar sinais indiretos da


coledocolitíase, ao demonstrar dilatação das vias biliares
extra (hepatocolédoco) e intra-hepáticas. Um
hepatocolédoco acima de 6 mm sugere obstrução biliar.

Obs.: É digno de nota que o avançar da idade ou uma


colecistectomia prévia geram dilatação fisiológica do
colédoco de até 8 mm.

O diagnóstico direto da coledocolitíase por meio da


ultrassonografia não é impossível, apenas difícil. Isso pois
o ducto colédoco se esconde atrás do duodeno
justamente na área onde os cálculos impactam – e a
interposição gasosa impede que haja uma avaliação
adequada ultrassonográfica. A ultrassonografia é
pertinente pelos dados mencionados nos parágrafos
acima, e para aqueles fins deve ser solicitada. Numa
minoria de casos (aproximadamente 5-10%), porém, ela
consegue evidenciar diretamente a coledocolitíase.

Ressonância magnética

A colangiografia por ressonância magnética é um


exame excelente nesse contexto. Usa recursos de
reconstrução da árvore biliar baseado na própria bile
como “contraste”, e assim permite uma boa avaliação da
anatomia hepatobiliar, que se encontrará dilatada. Tem
alta sensibilidade e especificidade e se torna o método
de escolha atual. Pode ser realizada sem a injeção de
contraste venoso (gadolínio).

Os cálculos são descritos como pequenas imagens


arredondadas, “falhas de enchimento” no
hepatocolédoco e vesícula biliar. Pequenos cálculos,
menores que 3 mm, podem não ser detectados.

Tomografia computadorizada

A tomografia não é o exame de imagem ideal, não


apenas por usar radiação ionizante, mas por serem a
maioria dos cálculos radioluscentes – não gerando
imagem no exame, na maioria dos casos. As vias biliares
podem ser observadas dilatadas, e até sugerir fator
obstrutivo, mas apenas cálculos de bilirrubinato de cálcio
(que são menos de 5% dos cálculos totais) são
detectados (como imagens hiperdensas no
hepatocolédoco).

O papel da tomografia está nos casos em que o


diagnóstico diferencial de tumor de cabeça de pâncreas
é uma hipótese provável.

Colangiografia intraoperatória

A colangiografia direta intraoperatória é um método


radioscópico excelente de diagnóstico. Durante a
colecistectomia, cateteriza-se o ducto cístico, injeta-se
contraste iodado, e mapeia-se por fluoroscopia no arco
cirúrgico em C.

Este exame consegue criar uma imagem de


colangiografia, inclusive, superior àquela por ressonância
magnética. Entretanto, é necessariamente invasiva,
intraoperatória, e operador dependente.

Ecoendoscopia

A ecoendoscopia é um método inovador, no qual o


ultrassom é realizado por via endoscópica junto à parede
do duodeno. Dessa forma, temos um poder diagnóstico
altíssimo – a maior sensibilidade dos métodos aqui
descritos.
O método, porém, além operador-dependente, é caro
e pouco disponível.

Tratamento

CPRE

O tratamento usual da coledocolitíase é endoscópico,


feito por Colanpancreatografia Retrógrada Endoscópica
(CPRE), na qual realiza-se a papilotomia endoscópica e
extração de cálculos do colédoco. Embora tenha
capacidade diagnóstica, a CPRE deve ser vista sempre
como procedimento terapêutico, por ser invasiva e
carregar consigo riscos consideráveis (até 10% de
complicações, e até 3% de complicações graves:
sangramentos, perfurações e pancreatite aguda pós
CPRE).

Exploração cirúrgica das vias biliares

O tratamento cirúrgico era o padrão no passado, com


realização de papilotomia cirúrgica ou coledocotomia
aberta e extração mecânica de cálculos. Ambas as
técnicas são eficazes, e trazem grande
morbimortalidade.

Felizmente, o aperfeiçoamento técnico-científico


permitiu abordagem minimamente invasiva do colédoco,
e hoje há a exploração cirúrgica videolaparoscópica do
colédoco, e mesmo coledocoscopia intraoperatória.

A exploração videolaparoscópica da via biliar comum


é um método excelente terapêutico, que parece ser
superior à CPRE no que diz respeito às complicações.
Todavia, exige infraestrutura, recursos hospitalares e
cirurgião altamente capacitado – sendo menos disponível
que a CPRE.

Derivação biliodigestiva

Última linha no tratamento da coledocolitíase, a


derivação biliodigestiva consiste justamente na
confecção de uma anastomose entre a via biliar comum
e o tubo digestivo. Pode ser realizada para com o
duodeno (anastomose hepático-duodenal), ou,
preferencialmente, ao jejuno excluso do trânsito, numa
anastomose hepático-jejunal em Y de Roux. Tem elevada
eficácia, mas, naturalmente, relevante morbimortalidade.

Diante diferentes métodos e cenários clínicos, é de se


pensar como escolher a propedêutica ideal, e como
manejar a coledocolitíase.

Estratificação De Risco E Manejo


Da Coledocolitíase
A suspeita clínica da coledocolitíase vem do paciente
com síndrome colestática: icterícia, colúria e acolia fecal,
sobretudo quando associados a sintomas de dor biliar, e
o exame de eleição para o diagnóstico da coledocolitíase
é a colangiografia por ressonância magnética.

Entretanto, sabemos que o paciente nem sempre é


clinicamente sintomático, e que a ressonância magnética
é um exame caro e pouco disponível. Dessa forma, como
orientar melhor a suspeita clínica, assim como melhor
utilizar o recurso propedêutico?

Portanto, frente a todos os casos de colecistolitíase


(cálculos na vesícula biliar), deve-se proceder à
estratificação do risco de coledocolitíase. A estratificação
é feita baseada em critérios:

Clínicos: síndrome colestática? Colangite clínica?


Pancreatite aguda biliar?
Laboratoriais: elevação de bilirrubinas, FA, GGT,
ALT ou AST?
Ultrassonográficos: presença de cálculos na
vesícula biliar? Dilatação do hepatocolédoco?
Presença de cálculo no colédoco ao USG?

Para essa estratificação de risco, utilizamos os


preditores abaixo:

Fatores preditivos de coledocolitíase:


Fatores preditivos de coledocolitíase:

Visualização de cálculo na via biliar comum por USG.


Muito
Sinais clínicos de colangite.
forte
Bilirrubina sérica > 4 mg/dL.

Dilatação de colédoco > 6 mm à USG (com vesícula biliar in


situ).
Forte
Bilirrubina sérica 1,8 - 4 mg/dL.

Alterações das demais provas bioquímicas hepatobiliares.

Moderado Idade > 55 anos

Pancreatite biliar.

Probabilidade de coledocolitíase de acordo com os preditores


clínicos.

Presença de qualquer dos fatores “muito fortes” Alto

Presença dos dois fatores “fortes”. Alto

Ausência de qualquer um dos preditores. Baixo

Outros pacientes. Moderado

De acordo com o risco de coledocolitíase o paciente é


submetido a diferentes formas de manejo propedêutico
e/ou terapêutico.

Os pacientes com baixo risco de coledocolitíase têm


conduta direta, presumindo-se ausência de cálculos no
colédoco. Procedem à colecistectomia
videolaparoscópica.
Os pacientes com risco intermediário de
coledocolitíase tem a via biliar investigada. Essa
investigação pode ser realizada por diferentes formas,
como vimos acima. Usualmente, realiza-se no pré-
operatório a colangiografia por ressonância magnética,
ou no intraoperatório a colangiografia cirúrgica. A
ecoendoscopia, quando disponível, tem uma de suas
melhores aplicações, e também pode ser utilizada para a
investigação dos pacientes em risco intermediário. Caso
não seja detectada a coledocolitíase, procede-se apenas
à colecistectomia. Porém, caso seja encontrada a
coledocolitíase, essa deve ser abordada.

Por fim, nos pacientes com alto risco de


coledocolitíase presume-se a presença de cálculos no
colédoco, e parte-se para um método intervencionista de
intuito terapêutico diretamente. A CPRE é o método mais
difundido e disponível, com resultados excelentes, e, na
maioria dos protocolos, o tratamento de escolha.
Alternativamente, podemos lançar mão dos tratamentos
cirúrgicos na coledocolitíase.

Qual é o papel do tratamento cirúrgico da


coledocolitíase?

Nos pacientes em risco intermediário de


coledocolitíase, o cirurgião pode investigar o colédoco
com colangiografia intraoperatória, correto? Caso essa
venha positiva, o cirurgião pode proceder de duas
formas: 1. Terminar a colecistectomia simples e, na
mesma internação, realizar CPRE no paciente, ou 2.
Realizar a exploração cirúrgica da via biliar comum, por
via videolaparoscópica.

Essa exploração é segura e parece ser o melhor


método para o paciente, ao comparar-se
morbimortalidade. Consiste na abertura da via biliar
comum, por via videolaparoscópica, instrumentação do
colédoco e remoção dos cálculos. É altamente eficaz,
tem baixa morbimortalidade, mas, menos disponível que
a CPRE por demandar infraestrutura cirúrgica complexa e
cirurgião de alto treinamento em laparoscopia avançada.

Outros cenários em que o tratamento cirúrgico vem à


tona são aqueles nos quais a CPRE é indisponível (falta
de recursos locais), não factível (duodeno não acessível)
ou falha (insucesso terapêutico da CPRE).

Qual é o papel da derivação biliodigestiva,


no tratamento cirúrgico da
coledocolitíase?

O grau de comprometimento do hepatocolédoco pela


coledocolitíase é variável. Em geral, ao cessar-se o efeito
obstrutivo gerado pelo cálculo, o hepatocolédoco retoma
sua anatomia e função habitual. Entretanto, em alguns
casos, o hepatocolédoco pode estar demasiadamente
doente e, anatômica e funcionalmente, ser incapaz de
promover adequado esvaziamento biliar – o que o torna
litogênico. É nesse perfil de pacientes que a
biliodigestiva encontra sua grande indicação.

Indica-se, portanto, a derivação biliodigestiva nos


pacientes com alteração anatômica pela coledocolitíase,
com dilatação acima de 2 cm do hepatocolédoco, e ou
seu comprometimento anatômico.

Pontos Importantes
A coledocolitíase é uma complicação da
colecistolitíase, com potencial de gravidade
importante, na forma de colestase e colangite.

Inicialmente, a maioria das coledocolitíases são


silenciosas, o que obriga o médico a sempre buscá-
la ativamente, estratificando o risco de
coledocolitíase em todas as colecistolitíases.

A estratificação de risco de coledocolitíase se dá por


dados clínicos, laboratoriais e ultrassonográficos.

Pacientes em baixo risco de coledocolitíase são


tratados por colecistectomia simples.
Pacientes em risco intermediário de coledocolitíase
são investigados por colangiografia por ressonância
magnética no pré operatório, colangiografia
intraoperatória ou ecoendoscopia
A ecoendoscopia é o método mais sensível para o
diagnóstico da coledocolitíase.

Pacientes em alto risco para coledocolitíase


recebem diretamente um procedimento terapêutico
para a coledocolitíase.

A CPRE é o tratamento usual da coledocolitíase,


sendo indicado na grande maioria dos casos.
O tratamento cirúrgico da coledocolitíase, por
exploração vídeolaparoscópica da via biliar comum,
parece ser o melhor método para o tratamento da
coledocolitíase, mas é muito pouco disponível dada
a infraestrutura necessária e o profissional
altamente capacitado envolvido.

O manejo da coledocolitíase é regido por diversas


variáveis clínicas e complementares. As condutas
devem ser tomadas de acordo com individualidades
e particularidades de cada paciente, equipe médica
local e recursos disponíveis.

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Caso 34 | Colangite
Aguda E CPRE
Autores: Antonio Afonso de Miranda Neto, Epifânio Silvino do Monte
Junior, Alberto Machado da Ponte Neto.
Orientador: Eduardo Guimarães Hourneaux de Moura.

História Clínica
B.L.M., 53 anos, sexo feminino, advogada, branca,
natural de Adamantina-SP e procedente de São Paulo-SP,
procurou atendimento em pronto atendimento devido a
quadro de dor em hipocôndrio direito com início há 05
dias. Paciente refere dor tipo cólica, de moderada
intensidade, intermitente, sem irradiação, associado a
episódios de náuseas sem vômitos, além de piora da dor
após ingesta alimentar. Refere uso de analgésicos
comuns com melhora parcial do quadro neste período.
Refere ainda que há 02 dias houve piora da dor,
tornando-se contínua, além de início de quadro de
icterícia e 01 episódio de febre aferida (38°) associada a
calafrios. Nega alterações do hábito intestinal ou
urinários. Refere já ter apresentado há 03 meses
episódios de dores semelhantes, com resolução após uso
de analgésicos comuns. Histórico de hipertensão e
dislipidemia em acompanhamento regular em unidade
básica de saúde. Nega cirurgias prévias. Mãe diabética,
submetida a colecistectomia com 30 anos por colelitíase,
pai hipertenso, sem outros antecedentes.

Exame Físico
Sinais vitais: PA: 128 X 74 mmHg, FC:78 bpm,
Temperatura: 37,9°C, SatO₂: 98% em ar ambiente

Paciente encontra-se em bom estado geral, lúcida e


orientada em tempo e espaço.

Mucosas coradas, hidratadas, ictérica (+/+4), febril,


acianótico, eupnéica.

Abdome: plano, leve distensão, ruídos hidroaéreos


presentes, doloroso à palpação superficial e
profunda em HCD, sinal de Murphy negativo,
ausência de massas palpáveis ou visceromegalias
presentes, descompressão brusca negativa.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Solicitado exames laboratoriais e ultrassonografia de
abdome superior (USG), além de realizado expansão
volêmica e monitorização contínua. Ultrassonografia
evidenciou vesícula biliar com imagens arredondadas em
seu interior com sombra acústica posterior, medindo até
0,8 cm, sugestivos de cálculos, além de discreta
dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas,
medindo até 1,0 cm, senda observado imagem nodular
hiperecogênica também com sombra acústica posterior,
localizada em terço distal do colédoco, medindo 0,9 cm.
Pâncreas com boa visualização, com volume e textura
normais.

Exames Complementares
EXAME VALOR REFERÊNCIA

Hemoglobina 12,9 g/dL 13 - 18 g/dL

Hematócrito 37,2% 40 - 52%

140 - 450 mil/


Plaquetas 231 mil/ mm³
mm³

Leucócitos 12,54 mil/mm³ 4 - 11 mil/mm³

Neutrófilos 10,57 mil/mm³ 1,6 - 7,0 mm³

ALT 180 U/L < 41 U/L

AST 150 U/L <30 U/L

Fosfatase alcalina 264 U/L 40 - 129 U/L

Gama-GT 409 U/L 8 - 61 U/L

Bilirrubina total 2,63 mg/dL 0,2 - 1,0 mg/dL

Bilirrubina direta 2,0 mg/dL < 0,3 md/dL

Bilirrubina indireta 0,63 mg/dL 0,1 – 0,6 mg/dL

Amilase 39 U/L 28 - 100 U/L

Lipase 13 U/L 13 – 60 U/L

Creatinina 0,9 mg/dL 0,7 – 1,2 mg/dL

Ureia 46 mg/dL 10 – 50 mg/dL


EXAME VALOR REFERÊNCIA

Glicose 90 mg/dL 70 – 100 mg/dL

Potássio 3,8 mEq/L 3,5 – 5,0 mEq/L

135 – 145
Sódio 142 mEq/L
mEq/L

Proteína C reativa 39 mg/dL < 6 mg/dL

INR 1,19 0,95 – 1,2

RR 0,93 0,8 – 1,2

Hemocultura de sangue Escherichia coli


periférico multissensível

Feito a hipótese de colangite aguda leve, prosseguiu-


se com internação hospitalar, jejum, hidratação venosa,
além de início de antibióticoterapia com ceftriaxone e
metronidazol.

Realizado então CPRE em caráter de urgência:

Introdução do duodenoscópio até 2ª porção duodenal,


com visualização e centralização da papila. Papila em
posição habitual, abaulada, sem lesões de mucosa. Óstio
papilar com boa drenagem das secreções
biliopancreáticas. Tentativa de acesso a via biliar
transpapilar com canulótomo e fio-guia flexível, sem
sucesso. Foi necessária a realização de infundibulotomia
(fistulotomia supra papilar) que ocorreu sem
intercorrências, sendo evidenciado saída de cálculo de
seu interior. Efetuada cateterização seletiva das vias
biliares pelo orifício da infundibulotomia, com auxílio de
fio-guia teflonado, seguida de infusão do meio de
contraste. Colédoco com calibre aumentado (10 mm),
sem imagens de falha de enchimento. Foi realizada
ampliação da infundibulotomia que ocorreu sem
intercorrências. Ao final do exame: Boa drenagem do
meio de contraste.

Conclusão:

1. Dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas.

2. Coledocolitíase.

3. Infundibulotomia supra papilar com saída de cálculo.

4. Colangiografia pós infundibulotomia sem cálculos.

Figura 1 – Duodenoscopia com visualização da papila duodenal abaulada,


com falha na técnica de cateterização com papilótomo.

Figura 2 – Fistulotomia supra papilar (infundibulotomia).


Figura 3 – Retirada de cálculo após infundibulotomia.

Figura 4 – Colangiografia pós remoção de cálculo da via biliar evidenciando


bom escoamento de contraste.

Hipótese Diagnóstica
Colangite Aguda Leve (Grau 01).
Paciente evoluiu bem após a remoção do cálculo da
via biliar, com melhora clínica e laboratorial gradativa,
em vigência de antibióticoterapia, mantendo boa
aceitação alimentar, em programação de colecistectomia
após estabilização clínica durante a mesma internação.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Pela história, exame físico e exames


complementares, qual a doença apresentada?
Qual a doença de base que está levando a esse
quadro?
2. Quais são os fatores de risco para o
desenvolvimento dessa doença e como se dá a
sua evolução?
3. Quais são as complicações e critérios de
gravidade?

4. Quais são as possibilidades de tratamento dessa


doença?
5. Quais são as indicações de tratamento cirúrgico
para essa doença?

Discussão

Conceitos
Colangite aguda é uma síndrome caracterizada por
dor abdominal, febre e icterícia, resultante de
estase/obstrução e consequente infecção da via biliar¹.
Tal condição pode levar a uma rápida deterioração clínica
do paciente em decorrência do quadro séptico
estabelecido, mostrando a necessidade de um
diagnóstico precoce e preciso, além de um tratamento
efetivo².

A fisiopatologia da doença reside na presença de um


fator obstrutivo da via biliar. Uma vez obstruída, ocorre
aumento da pressão interna da árvore biliar, predispondo
translocação bacteriana e subsequente septicemia¹.

A taxa de mortalidade dos pacientes com colangite


aguda vem caindo progressivamente ao longo dos anos.
Na década de 1970 chegava a exceder 50%, entretanto,
com os avanços no tratamento clínico, a taxa de
mortalidade caiu para taxas em torno de 11% ou menos.
Apesar de todos os avanços no diagnóstico precoce e no
tratamento clínico, quadros de colangite aguda grave
ainda apresentam taxas de mortalidade altas, chegando
a alcançar entre 20 a 30%1,3.

Epidemiologia e Fatores de Risco:

A causa mais comum de obstrução biliar é a


coledocolitíase. Outras causas relacionadas a obstrução
biliar são4,5:
estenoses benignas (pós-cirúrgica, pancreatite
aguda e crônica, colangite auto-imune, colangite
esclerosante primária, cálculos complicados e
malformações congênitas);

estenoses malignas (neoplasias pancreáticas,


colangiocarcinoma, vesícula biliar, metástases
hepáticas, dentre outras);

obstrução de stents biliares;


infecções parasitárias.

A história natural da colangite aguda envolve a


infecção local, sepse e choque séptico. Os principais
microorganismos envolvidos são bactérias Gram-
negativas, dentre elas a Escherichia coli é a mais
comumente relacionada. Entretanto, outras Gram-
negativas também podem estar envolvidas, dentre elas a
Klebsiella sp. e a Pseudomonas aeruginosa. Entre os
Gram-positivos, destacamos os Enterococcus sp. e
Streptococcus, já em relação aos anaeróbios podemos ter
os Bacterióides e Clostridium. Outros microorganismos
envolvidos como fungos (Candida albicans) e parasitas
(Ascaris, Echinoccus e Chonorchis), são mais raros de
serem encontrados².

Patogênese e Quadro Clínico

A colangite aguda é resultante da combinação entre a


obstrução biliar (parcial ou total) associado a infecção
bacteriana. A obstrução biliar aumenta a pressão intra-
biliar, levando a um aumento da permeabilidade dos
ductos biliares, permitindo a translocação de bactérias e
toxinas da circulação portal para o trato biliar1,6.

Os sintomas relacionados englobam a clássica Tríade


de Charcot, originalmente descrita em 1877. Compõem a
tríade: dor abdominal (mais predominante no quadrante
superior direito), febre e icterícia, sendo que os dois
primeiros são mais comuns, com incidência de pelo
menos em 80% dos pacientes. Icterícia está presente em
aproximadamente 60 a 70% dos casos. Apenas 50 a 75%
dos pacientes apresentam a tríade clássica2,4,6.

Mais tarde, em 1959, Reynolds e Dragan descreveram


uma forma mais grave e rara da colangite aguda, que
combina os sintomas relacionados a Tríade de Charcot
com rebaixamento do nível de consciência associado a
hipotensão (choque séptico), sendo então conhecido
como Pêntade de Reynolds, esta última ocorrendo de
forma mais prevalente em pacientes idosos e
imunossuprimidos em geral2,4,6.

Pacientes também podem apresentar complicações


resultantes de bacteremia como, por exemplo, abscessos
hepáticos, sepse, disfunção múltipla de órgãos e de
forma mais grave, choque séptico2,6.

Diagnóstico e Diagnósticos Diferenciais


A suspeita de colangite aguda deve basear-se no
quadro clínico do paciente. Como mencionado
anteriormente, sintomas relacionados a tríade de Charcot
(dor abdominal, febre e icterícia) podem guiar a suspeita
diagnóstica. Todavia, nos casos em que houver
possibilidade de colangite e nem todos os fatores
estiverem presentes, o tratamento não deve ser
postergado e a complementação diagnóstica deve ser
empregada de modo concomitante. Outros sintomas
relacionados são: tremores, náuseas e vômitos6. Todavia,
nos casos em que houver possibilidade de colangite e
nem todos os fatores estiverem presentes, o tratamento
não deve ser postergado e a complementação
diagnóstica deve ser empregada de modo concomitante.

Em 2007 foi realizado em Tóquio um encontro


internacional, onde foi introduzido o Guideline de Tóquio
(TG) para o diagnóstico de colangite aguda. A partir
deste encontro, foram estabelecidos os critérios
diagnósticos que iriam nortear a definição de colangite
aguda, para o pronto estabelecimento dos critérios de
gravidade e posterior início de tratamento específico
para cada paciente7.

Os principais diagnósticos diferenciais da colangite


aguda, envolvem outras etiologias que cursam com
quadro de dor abdominal em hipocôndrio direito e febre,
dentre elas podemos destacar2,4,6:
Colecistite aguda;

Fístulas biliares;
Pancreatite aguda;

Abscesso hepático.

Podemos diferenciá-los através da história clínica,


exame físico, exames laboratoriais, exames de imagem,
e por fim, através da colangiopancreatografia
endoscópica retrógrada (CPRE).
Tabela 1 – Critérios diagnósticos para Colangite Aguda. “Tóquio Guidelines”,
20077.

A: Inflamação sistêmica:

A1: Febre e/ou calafrios;


- Febre: temperatura > 38°C

A2: Exames laboratoriais: evidencia de resposta inflamatória;


- Contagem de leucócitos alterada (< 4 ou > 10 x 1.000 /µl); aumento do
PCR (≥1 mg/dl); e outras mudanças que indiquem inflamação.

B: Colestase:

B1: Icterícia
- Bilirrubina total (BT ≥ 2mg/dl)

B2: Exames laboratoriais: exames de função hepática alterados;


- fosfatase alcalina > 1,5 x valor normal
- gama-GT > 1,5 x valor normal
- AST > 1,5 x valor normal
- ALT > 1,5 x valor normal

C: Imagem:

C1: Dilatação biliar;

C2: Evidência da etiologia no exame de imagem (estenose, cálculo, stent,


etc);

Diagnóstico suspeito: 1 item A + 1 item B ou C


Diagnóstico definitivo: 1 item A + 1 item B + 1 item C

Métodos Diagnóstico

Exames laboratoriais são importantes na avaliação


inicial do quadro inflamatório agudo do paciente. Dentre
eles podemos destacar: leucograma, contagem de
plaquetas, proteína C reativa (PCR), albumina, fosfatase
alcalina, gama-GT (GGT), aspartato aminotransferase
(AST), alanina aminotransferase (ALT), bilirrubina total e
frações, ureia, creatinina, coagulograma completo (INR,
TP), gasometria arterial com dosagem de lactato, são os
principais utilizados no diagnóstico e na graduação da
gravidade clínica do paciente. Em caso de febre alta
presente, hemoculturas também devem ser
coletadas1,2,3,6.

Na complementação diagnóstica, exames de imagem


também são importantes na definição da etiologia do
quadro agudo. Um dos principais objetivos é a
investigação da presença ou ausência de obstrução da
via biliar, como por exemplo, causada por cálculos ou
estenoses, além da topografia da obstrução1,2,6.

O USG de abdome faz parte da propedêutica inicial. É


um exame amplamente disponível, de menor custo e não
invasivo. Sua principal desvantagem é ser examinador
dependente6.
A tomografia computadorizada de abdome é um
método mais sensível que o USG na determinação de
causas obstrutivas (coledocolitíase, neoplasias, colangite
esclerosante), bem como na identificação do nível de
obstrução, entretanto, oferece maior risco de lesão renal
aguda devido ao uso de contraste endovenoso. Além
disso, expõe o paciente à radiação ionizante e não
oferece possibilidade terapêutica ou de biópsia6,7,8.

A colangiorressonância é um método que vem se


tornando mais presente e difundido nos últimos anos. É
utilizada quando o diagnóstico permanece duvidoso, a
despeito do USG e TC de abdome. É um método que vem
se tornando mais popular e difundido nos últimos anos.
Possui como vantagens ser não invasivo, não utilizar
radiação, além de ser seguro em gestantes. Apresenta
maior sensibilidade em obstruções biliares e cálculos em
via biliar acima de 6 mm. Em relação a suas
desvantagens, da mesma maneira que a tomografia, é
um método que não oferece possibilidade terapêutica,
além de ser mais caro, não disponível na maioria dos
centros, contraindicado em pacientes com implantes
ferromagnéticos2,6,8.

Estadiamento

Disfunção orgânica é o preditor mais comum de pior


prognóstico na colangite aguda. Desta forma, o momento
exato da realização da CPRE e da descompressão biliar é
fundamental, e o seu atraso está associado a maiores
taxas de morbi/mortalidade2,7,8.

O TG também estabeleceu critérios de gravidade para


identificar e direcionar corretamente os pacientes, a fim
de iniciar terapêutica mais adequada.

Colangite grave (Grau 3): definida quando a


colangite aguda está associada com o
estabelecimento de disfunção orgânica, em pelo
menos um dos órgãos/sistemas a seguir:
Cardiovascular: hipotensão necessitando doses
de dopamina ≥ 5 microgramas/kg/min ou
qualquer dose de noradrenalina;
Neurológico: distúrbio do nível de consciência;

Respiratório: PaO₂/FiO₂ < 300;


Renal: oligúria, creatinina sérica > 2 mg/dl;
Hepática: INR > 1,5
Hematológico: contagem de plaquetas <
100.000/mm3.

Colangite moderada (Grau 2): quando a colangite


aguda está associada com pelo menos duas das
condições a seguir:

Contagem de leucograma anormal: >


12.000/mm3, ou < 4.000/mm3);
Febre alta (≥39°C);
Idade ≥ 75 anos;
Hiperbilirrubinemia (bilirrubina total ≥5mg/dl);
Hipoalbuminemia.
Colangite leve (Grau 1): quando a colangite aguda
não preenche critérios para moderada ou grave no
seu diagnóstico inicial7.

Tratamento

O tratamento da colangite se baseia em dois grandes


cernes: 1) Suporte clínico e 2) drenagem da via biliar. Os
pacientes com diagnóstico ou forte suspeita devem ser
internados e classificados de acordo com a gravidade do
quadro clínico. Em consonância com os achados,
devemos instituir hidratação venosa, analgesia e
antibioticoterapia3,9.

Para um tratamento adequado, devemos saber se o


paciente é proveniente da comunidade ou de ambiente
hospitalar, além de reconhecer o risco individual para
microrganismos resistentes e desfechos desfavoráveis.
Conforme supracitado, a maioria dos organismos
responsáveis pela infecção da via biliar são gram
negativos. Assim sendo, boas opções para pacientes de
baixo risco e oriundos da comunidade são a cefazolina,
cefuroxime e cetriaxone. Em pacientes com risco
moderado (idade avançada, imunocomprometidos ou
comorbidade importante), cuja origem é domicílio,
podemos empregar ciprofloxacino, levofloxacino e
metronidazol, podendo lançar mão de cefepime,
piperacilina-tazobactan ou meropenem. Nos casos mais
graves é mandatória a terapia intravenosa, de modo que
as opções indicadas são meropenem, piperacilina-
tazobactan, cefepime + metronidazol, ciprofloxacino ou
levofloxacino + metronidazol, associando vancomicina a
qualquer um dos esquemas2,3,7,8,9.

A antibioticoterapia deve ser guiada pela CCIH de


cada instituição, respeitando o perfil de resistência de
cada serviço. A duração depende dos parâmetros clínicos
e laboratoriais de cada paciente. Após resolução da fonte
mantenedora, o antibiótico deve permanecer na
prescrição por pelo menos cinco ou sete dias2,3,7.

A urgência na drenagem da via biliar vai variar de


acordo com a classificação de gravidade de cada
paciente. Nos casos de moderado risco, a drenagem
pode ocorrer de 24 a 48 horas. Para os indivíduos que
não respondem a antibioticoterapia ou que são
classificados como graves, a drenagem deve ocorrer em
até 24 horas5,7,8,9.

A escolha do procedimento de drenagem é um ponto


importante do tratamento. A esfincterotomia
endoscópica com garantia da patência da via biliar é o
procedimento de escolha. Todavia, em alguns casos a
CPRE não é tecnicamente factível, podendo dessa forma,
lançarmos mão da drenagem biliar ecoguiada. Em uma
minoria dos pacientes, o tratamento mais viável é a
drenagem transparietohepática percutânea ou drenagem
cirúrgica1,4,5,7.

As taxas de sucesso do procedimento endoscópico


são altas, chegando a 90%. Além disso, está associada a
um baixo índice de complicações. A extração é feita
através de balão extrator ou basket, sendo o primeiro
mais utilizado pela facilidade no manuseio, e pelo menor
risco de aprisionamento na via biliar. Em alguns casos, os
cálculos têm diâmetro aumentado, de modo que a
litrotripsia eletrohidráulica ou a laser é necessária, não
sendo, contudo, indicado no tratamento de urgência1,4.

Um ponto importante a ser mencionado é a indicação


dos stents biliares no contexto da colangite aguda. Nos
casos de colangite grave ou em falha na remoção
completa de cálculos, é mandatória a colocação de
stents, sendo as próteses plásticas as de primeira
escolha2,5,6.

A drenagem percutânea transparietohepática está


indicada nos casos em que temos insucesso na
drenagem endoscópica. Este procedimento também
permite uma gama de terapêuticas, tais como drenagem,
remoção de cálculos, dilatação de estenoses primárias e
colocação de próteses em estenoses malignas.
Entretanto, a drenagem biliar transparietohepática
requer uma via biliar dilatada2,9.

Um outro recurso para a terapêutica é a drenagem


cirúrgica (derivação bilio digestiva por exemplo) a ser
realizada em situações onde há falha dos métodos
descritos anteriormente, ou quando não há
disponibilidade dos mesmos2,3,8,9,10.

Pontos Importantes
A colangite aguda ocorre em virtude da combinação
entre obstrução da via biliar associado a infecção
bacteriana.
A obstrução biliar predispõe ao aumento da pressão
interna da árvore biliar, resultando em translocação
bacteriana e infecção sistêmica.
A principal causa da colangite aguda é a
coledocolitíase. Dentre outras causas, podemos
destacar neoplasias de vias biliares/pâncreas,
estenoses benignas, obstrução por stents biliares,
além de infecções parasitárias.
Os principais microorganismos envolvidos são as
bactérias gram negativas. Dentre elas, podemos
destacar a Escherichia coli.
O quadro clínico clássico compõe a Tríade de
Charcot (dor abdominal mais prevalente em
hipocôndrio direito, febre e icterícia).
A associação de hipotensão e alteração do nível de
consciência, compõe a Pêntade de Reynalds (esta
última mais rara e descrita em casos de maior
gravidade).
O diagnóstico é estabelecido pelo quadro clínico do
paciente. Exames laboratoriais e de imagem (USG
de abdome superior, Colangio-RNM) são
importantes para definir gravidade e prognóstico,
bem como a etiologia do quadro, e nunca devem
atrasar o início do tratamento do paciente.
A colangite aguda pode ser classificada como leve,
moderada ou grave. A colangite grave envolve
disfunção orgânica ao quadro clínico de base do
paciente.
O tratamento baseia-se em suporte clinico
associado a descompressão da via biliar.
Suporte clínico: hidratação, analgesia e
antibioticoterapia. Dentro da antibioticoterapia,
devemos necessariamente cobrir bactérias gram
negativas e anaeróbias (p.ex: Ceftriaxone ou
Ciprofloxacino + Metronidazol). A antibioticoterapia
vai permanecer no mínimo por 5 a 7 dias após a
resolução da etiologia do quadro.
A drenagem da via biliar deve ocorrer dentre das
primeiras 24 a 48h do quadro.
A CPRE é o procedimento de escolha na maioria dos
casos, devido a principal etiologia ser a
coledocolitíase. A colocação de próteses biliares
dependerá do nível de obstrução biliar, bem como
do quadro clínico do paciente, dando preferência as
próteses plásticas.
Drenagem transparietohepática é uma alternativa a
drenagem da via biliar, quando a CPRE não é
factível.
Procedimentos cirúrgicos (p.ex: derivação bilio
digestiva) são reservados quando há falha dos
métodos anteriores, ou quando os mesmos não
estão disponíveis.

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Group Inc.
Caso 35 | Hemorragia
Digestiva Alta
Autores: João Henrique Fonseca do Nascimento, Adriano Tito Souza
Vieira, Iago Miranda Oliveira Dórea, Willian Miguel, André Bouzas
de Andrade e André Gusmão Cunha

História Clínica
J. A. C. L., 50 anos, masculino, branco, casado,
pedreiro desempregado, natural e procedente de região
metropolitana da capital do estado da Bahia, é levado
pela esposa para emergência do Hospital Universitário da
capital com história de melena, seguido de hematêmese
volumosa, há cerca de 24 horas. Refere vômito borráceo,
odor de ferro, sem presença de restos alimentares ou
outros elementos. A melena foi caracterizada pelo
paciente, como pastosa, escura, de caráter em borra de
café e odor consideravelmente fétido. Nega febre,
dispneia, tonturas, desmaios, cefaleia ou outras queixas
álgicas no momento. Diz ter diagnóstico, há 2 anos, de
doença parenquimatosa crônica do fígado e hipertensão
portal, sendo atualmente acompanhado no ambulatório
de centro de referência de seu município. Ademais, conta
seguir as orientações médicas, não apresentando, desde
o início do diagnóstico, outros problemas advindos dessa
doença (sic).
Ainda a respeito de seus antecedentes médicos e
patológicos, nega transfusões ou traumas. Nega HAS, DM
e epidemiologia para Doença de Chagas e
Esquistossomose. Nega uso de antiplaquetários, anti-
inflamatórios ou anticoagulantes. Refere ambos pais
falecidos em idade longeva, acreditando ter causa
associada à senilidade. Tem dois irmãos, de 37 e 45 anos,
vivos e aparentemente hígidos. Refere desconhecimento
sobre doenças de caráter hereditário ou congênito na
família. Em hábitos de vida e psicossociais, descreve
sedentarismo, alimentação hiperlipídica sem consumo
regular de frutas e leguminosas, além de abstenção de
álcool há 10 meses, quando perdeu o emprego. Conta,
também, história passada de hábito etílico desde os 20
anos aos finais de semana, fazendo uso até o momento
da embriaguez, com eventuais perdas da consciência,
consumindo aguardente (cachaça a base de cana-de-
açúcar) e cervejas. Nega tabagismo, uso de drogas
ilícitas ou injetáveis, múltiplos parceiros ou parceiras
sexuais, relação sexual desprotegida ou história de
infecção sexualmente transmissível.

Exame Físico De Admissão


Dados vitais: Pressão arterial 110x70 mmHg, FC 84
bpm, FR 18 ipm, temperatura axilar: 37,3°C, SpO₂: 98%.

Dados antropométricos: 64 kg; 1,68 m; IMC 22,67


kg/m².
Exame geral: Paciente em regular estado geral,
lúcido e orientado no tempo e espaço, mucosas
anictéricas, hidratadas e hipocoradas (+/++++), fácies
atípicas.

Exame de pele e fâneros: Pele normocorada,


anictérica, turgor preservado, assim como textura,
espessura e mobilidade.

Exame do aparelho cardiovascular: Bulhas


rítmicas normofonéticas em 2T, tempo de enchimento
capilar de 1 segundo, pulso radial cheio e regular.

Exame do aparelho respiratório: Tórax de


conformação normal, simétrico, sem sinais de esforço
respiratório. Expansibilidade preservada, som claro
pulmonar a percussão, frêmito tóraco-vocal preservado.
Murmúrios vesiculares preservados e bem distribuídos
bilateralmente, sem sons adventícios.

Exame do abdome: semigloboso, flácido, cicatriz


umbilical de conformação normal, sem cicatrizes
cirúrgicas, sem ondas peristálticas visíveis e com discreta
circulação colateral periumbilical do tipo caput medusae.
Ruídos hidroaéreos normofonéticos e bem distribuídos
nos quatro quadrantes abdominais. À hepatimetria,
notou-se fígado diminuto. À palpação, borda normal e
textura rígida. Traube livre. Baço não palpável à manobra
de Schuster. Ausência de dor na compressão de ponto
cístico à inspiração.
Prosseguimento Do Caso Após
Avaliação Clínica
O paciente foi posto em dieta zero para exame
endoscópico. Foi solicitado eletrocardiograma com
resultado dentro da normalidade. Administrou-se
terlipressina, intravenoso, em bolus de 2 ug e, após
medidas de suporte clínico, o paciente foi encaminhado
para serviço de Endoscopia Digestiva Alta para
investigação da causa da hemorragia.
Concomitantemente, foram pedidos exames
laboratoriais: Hemograma e avaliação de função
hepática.

Exames Laboratoriais
Laboratório Valores obtidos Valores referência

HEMOGRAMA

Hemácias 4,9 x 1012/L 4,5 – 6,1 x 1012/L

Hemoglobina 13 g/dL 12 – 15,5 g/dL

Hematócrito 39% 36 – 50%

VCM 90 fL 80 – 100 fL

HCM 30 pg 27 – 33 pg

CHCM 33 g/dL 30 – 36 g/dL

RDW 11% 10 - 14%

Leucócitos 4400/mm³ 3,6 - 11 x 103/mm³

Basófilos 0% 0 – 1%
Laboratório Valores obtidos Valores referência

Eosinófilos 1% 1 – 5%

Neutrófilos segmentados 44% 40 – 70%

Linfócitos 46% 20 – 50%

Monócitos 9% 3 – 14%

Plaquetas 154.000 150.000 a 400.000/mm³

FUNÇÃO HEPÁTICA

TGO/AST 54 U/L 0 – 45 U/L

TGP/ALT 61 U/L 0 – 50 U/L

Albumina 3,7 g/dL 3,3 – 4,6 g/dL

Bilirrubina total 0,8 mg/dL Até 1,2 mg/dL

TP 15 s 10 – 14 s

RNI 1,5 1 – 1,4

Endoscopia Digestiva Alta (Eda)

Preparo:

Sedação aos cuidados do anestesiologista.

Introdução do endoscópio através da parte oral da


faringe sob visão direta, sem intercorrências.

Esôfago:

Forma, calibre, mucosa e distensibilidade normais.


Padrão vascular revela 2 cordões varicosos de médio e
2 de pequeno calibre, azulados, ausência de manchas
vermelhas, em terço distal.

Ausência de úlceras ou lesões.

Transição esôfago gástrica encontra-se coincidente


com o pinçamento diafragmático.

Estômago:

Forma, volume, coloração, mucosa, pregas e


distensibilidade dentro dos padrões de normalidade.

Duodeno:

Forma, calibre, mucosa, padrão vascular e


distensibilidade dentro dos padrões de normalidade.

Impressão diagnóstica:

Presença de varizes esofágicas de fino e médio


calibre.
Figura 1 – Endoscopia Digestiva Alta do paciente (Cortesia de Dr. Iury Jorge
Melo).

Hipótese Diagnóstica
Hemorragia Digestiva Alta secundária a Varizes
Esofagianas.

Condutas
Foi realizada a ligadura endoscópica elástica das
varizes esofagianas (Figura 2), colocando 4 bandas, sem
intercorrência. Após os procedimentos, foi introduzido no
tratamento norfloxacino oral, 400 mg, 2 vezes/dia por 7
dias.
Figura 2 – Ligadura elástica endoscópica das varizes esofagianas (Cortesia
de Dr. Iury Jorge Melo).

Questões Para Orientar a Discussão

1. Diante da história e dos exames complementares,


qual é a provável etiopatogenia do caso
apresentado?
2. Quais são os principais diagnósticos diferenciais
etiológicos a serem feitos?

3. Quais são os critérios de gravidade e medidas


iniciais a serem tomadas?

4. Quais são os principais fatores de risco para o


surgimento de varizes do esôfago?
5. Quais são as modalidades e possibilidades de
tratamento para essa ocorrência?

6. Quais são as indicações cirúrgicas de terapêutica


para o caso em questão e qual é o tratamento de
cura para a doença de base?

Discussão

Conceito e classificação

Por definição, a hemorragia digestiva (HD) é qualquer


sangramento que ocorra no trajeto que vai da boca ao
ânus e é uma das causas mais frequentes de
hospitalização de urgência1,3. A condição é associada à
perda considerável de volume sanguíneo via trato
gastrointestinal e leva a um espectro de manifestações
clínicas dependentes da localização da fonte de
hemorragia e de fatores específicos2,4.

Em termos de localização, o ligamento de Treitz, que


faz relação com a flexura duodenojejunal, é um
importante marco anatômico que permite a classificação
em HD altas (HDA), que ocorrem proximal/superior a este
ligamento, ou seja, esôfago, estômago ou duodeno, e HD
baixas (HDB), que ocorrem distal/inferior ao mesmo, já
em intestino delgado, íleo, cólon, reto ou ânus1,2,4. Mais
recentemente, a literatura especializada neste tema tem
empregado uma nova classificação, denominada HD
média, as quais referenciam lesões sangrentas em
pontos anatômicos entre a papila de Vater e a válvula
ileocecal2,5,6. Em adicional, tem-se a HD obscura, àquelas
que são provenientes de local desconhecido no trato
gastrintestinal, e as HD oculta, cuja clínica e exames de
imagem realizados não puderam determinar o local de
sangramento do quadro hemorrágico5,6.

Para além, pode-se ainda classificar o evento em HD


aguda ou HD crônica. Na HD aguda, o sangramento tem
aparecimento recente – definido, por consenso, por um
período menor que 3 dias – e esse quadro pode levar à
instabilidade hemodinâmica, com alteração dos sinais
vitais, anemia e até necessidade de transfusão
sanguínea5,7. Por outro lado, as HD crônica são mais
prolongadas, com um período de sangramento de vários
dias, frequentemente associadas à perda de sangue
lenta ou intermitente, podendo se manifestar com
sangue oculto ou visível nas fezes e anemia6-8. Nota-se
que, por mecanismos compensatórios da circulação,
pacientes com HD crônica normalmente estão sem
repercussão hemodinâmica5,6,8.

Com os avanços em diagnóstico, endoscopia e


terapêutica, o manejo da HD tem melhorado os índices
de mortalidade e prognóstico, principalmente os de
etiologia varicosa e da úlcera péptica, causas
importantes de HDA1,3,4,6,7. Em contrapartida, os tempos
atuais evidenciam um notável envelhecimento da
população brasileira e aumento da incidência de
comorbidades diversas, os quais são fatores
predisponentes às hemorragias digestivas em geral1,5-7.

Epidemiologia e etiologia

A epidemiologia da HDA revela uma importante


incidência mundial, com índices de 100 casos a cada
100.000 habitantes por ano, destacando-se a ocorrência
10 vezes mais frequentes que as HD baixas1,3,4,6,7.
Apesar de 80% dos casos de HDA serem autolimitados, a
mortalidade associada ao quadro chega a 12%. Ainda,
pacientes com HDA computam de 250.000 a 300.000
admissões hospitalares por ano e oneram,
aproximadamente, 2,5 bilhões de dólares os serviços de
saúde dos Estados Unidos da América1,5-7.

Já no Brasil, a incidência das HDA computa 50 a 100 a


cada 100.000 habitantes ao ano e vem
consideravelmente aumentando com a idade, à medida
que a população muda o perfil de sua pirâmide
etária1,3,4,6,7. Pacientes acima de 65 anos correspondem
a 30% dos casos em emergências médicas do país, e as
estatísticas revelam uma mortalidade persistente, com
mesmos índices há 40 anos, chegando a 10%1,5-7. Ainda
nessa perspectiva, 10% dos pacientes com HDA
apresentam sangramento contínuo, o que significa dizer
que, no Brasil, 90% dos pacientes tem evento
autolimitado1,3,4,6,7. Todavia, dos pacientes que
apresentam evento autolimitado, 1 em cada 5 vai evoluir
com ressangramento importante1,5-7.

A respeito da etiologia, a HDA tem íntima relação com


a hipertensão portal por culminar na gastropatia
congestiva e na formação das varizes esofagianas, e
estas, por ruptura, provocarem o evento
hemorrágico1,3,4,6,7. As três causas mais frequentes de
HDA são, em ordem de maior frequência, a úlcera
duodenal (31,4%), varizes esofagianas (24,3%) e úlceras
gástricas (15%), computando, juntas, mais de 60% das
etiologias1,3,4,6,7. Apesar das varizes do esôfago não
terem maior prevalência, o sangramento esofágico é a
causa de maior gravidade e mortalidade – chegando a
59% dos casos1,3,4,6,7. Além disso, como causas menos
comuns, podem ser citadas as lacerações de Mallory-
Weiss, malignidade, doença erosiva e anormalidades
vasculares1,5-7.

Patogênese e clínica

A Hemorragia Digestiva Alta Varicosa (HDAV) ocorre


após rompimento de varizes esofagogástricas (VEG), que
são formadas pela abertura de microvasos e de
colaterais venosos para descomprimir o território
hipertenso hepático para a circulação sistêmica
hipotensa1,3,4,6,7. Esse aumento da pressão venosa portal
(hipertensão portal) é secundário ao curso natural da
doença parenquimatosa hepática crônica (cirrose
hepática), onde ocorrem modificações anatômicas e
funcionais do parênquima hepático e do sistema venoso
portal, responsável pela drenagem do sangue
proveniente do trato gastrointestinal, pâncreas, vesícula
biliar e baço, em direção ao fígado1,5-7. Os pacientes com
cirrose hepática cursam com acentuada resistência intra-
hepática, consequência mecânica da distorção da
arquitetura histológica que apresentam1,3,4,6,7. Tal
distorção é causada por fibrose, formações de nódulos de
regeneração, remodelação sinusoidal e oclusão vascular,
o que caracteriza a hipertensão portal, no cirrótico, como
sinusoidal1,5-7. Entre as possíveis localizações das veias
colaterais que unem o sistema porta à circulação
sistêmica, tem-se o ligamento falciforme, que
corresponde à veia umbilical obliterada3,5,8. No curso da
hipertensão portal, esse ligamento pode recanalizar ou
pode surgir veias paraumbilicais, que fornecem a
conexão entre o sistema porta e as veias da circulação
sistêmica, pelas veias da parede anterior do abdome, ao
redor do umbigo3,5,8. Essa conexão é denominada
Síndrome de Cruveilhier-Baumgarten. É válido ressaltar
que as varizes esofagogástricas tendem a se desenvolver
quando o gradiente de pressão venosa entre a circulação
portal e sistêmica (GVPH) atinge a marca de 10 mmHg, e
tendem a se romper quando atinge 12 mmHg1,3,4,6,7.
Outrossim, mecanismos fisiopatogênicos também atuam
nesse contexto, sendo responsáveis por mudanças
biofísicas nas membranas dos cardiomiócitos, pela
atenuação do sistema β-adrenérgico e pela
hiperatividade de sistemas inotrópicos negativos, as
quais confluem para o desenvolvimento da síndrome
hepatorrenal1,3,4,6,7.

Além disso, há também o aumento do fluxo sanguíneo


esplâncnico, o qual tem intensidade dependente do
balanço entre vasoconstritores, a exemplo de Endotelina-
1, Leucotrienos, Tramboxano A2, e vasodilatores como
óxido nítrico (NO), anandamida e monóxido de carbono.
Todas essas moléculas agem sobre a microvasculatura
hepática, esplâncnica e sistêmica1,3,4,6,7.
Figura 3 – Eventos sequenciais observados na instalação da hipertensão
portal1,5-7.

A apresentação clínica da HDA varia com a


intensidade do sangramento. Hematêmese e melena são
os sinais clínicos mais comumente observados e
relatados pelos pacientes, que podem ou não ser
acompanhados de instabilidade hemodinâmica
(hipotensão, taquicardia, lipotimia e aumento do débito
cardíaco)1,3-8. Geralmente, a manifestação inicial é a
melena, acompanhada por palidez muco-cutânea e sinais
clínicos de encefalopatia portossistêmica, com ou sem
repercussões hemodinâmicas3,5,8. Vale ressaltar que a
cada novo quadro, reduz-se a reserva funcional hepática,
o que pode ocasionar ascites, icterícia, distúrbios de
circulação e insuficiência renal1,5-7. Na ocorrência da
hemorragia, pacientes considerados graves e que devem
ser tratados são aqueles que apresentam circulação
sistêmica hiperdinâmica, com débito cardíaco
aumentado, redução da resistência vascular periférica e
hipotensão arterial1,3,4,6,7. Considera-se sangramento
clinicamente significativo, pacientes que apresentem:

necessidade de transfusão de, pelo menos, duas


unidades de sangue em 24 horas; ou
pressão sistólica menor que 100 mmHg; ou
mudança postural que ocasione queda pressórica
superior a 20 mmHg.
Tratando-se da prevalência de varizes
esofagogástricas (VEG) dentro do contexto
fisiopatológico, a literatura demonstra que cerca de 30%
dos pacientes cirróticos compensados apresentam VEG,
enquanto a prevalência pode ampliar-se em até 60% nos
pacientes com doença descompensada1,3,4,6,7.

É caracterizado como cirrose hepática


descompensada o paciente que apresenta
desenvolvimento das seguintes complicações:

hemorragia varicosa;
ascite;

encefalopatia;
icterícia;
carcinoma hepatocelular.

Por conseguinte, é caracterizado com cirrose hepática


compensada o paciente que não apresenta os critérios
citados acima. Ademais, a probabilidade de um doente
com cirrose hepática compensada evoluir para
descompensada é de 5 a 7%/ano1,3,4,6,7.

Os fatores preditivos de sangramento das varizes,


podem relacionar-se ao calibre das varizes, tensão
sanguínea ou que apresentam em sua superfície sinais
endoscópicos, como manchas hematocísticas e do
vergão vermelho, além da gravidade hepática avaliada
pela classificação de Child-Pugh1,3-8.

Diagnóstico

O diagnóstico de HDA perpassa pela avaliação da


história clínica do paciente e pela realização de
Endoscopia Digestiva Alta (EDA), sendo esta a mais
utilizada tanto no diagnóstico como para tratamento3,5,8.
Em cerca de 40% dos casos, a anamnese dá indicação,
com relevante acurácia, sobre a origem anatômica do
sangramento, sendo, portanto, a coleta eficiente da
história imprescindível ao diagnóstico1,5-7.

Como já discutido, alguns diagnósticos diferenciais


devem ser feitos ante quadro semelhante ao do caso
clínico abordado, sendo os principais: úlceras pépticas e
síndrome de Mallory-Weiss1,3,4,6,7. Neste caso, confirma-
se a importância da associação da história clínica com o
exame endoscópico: o paciente do caso tem HDA
secundária a ruptura de varizes esofágicas1,3-8. Pacientes
com HDA cursam com hematêmese (sangue vivo ou
borráceo), melena ou ainda hematoquezia (em 10%
destas ocorrências), presente em casos de sangramento
muito intenso. Inicialmente, a história clínica já direciona
o pensamento para sangramento varicoso, haja vista que
é informado que o paciente é diagnosticado com doença
parenquimatosa do fígado (DPF) e hipertensão
portal1,3,4,6,7. Ademais, ainda no âmbito da história
clínica, o paciente não refere dores abdominais, o que
poderia ser fator indicativo de úlcera péptica, afastando
ainda mais esse diagnóstico3,5,8. Fator interessante a
ser considerado é que a Doença Ulcerosa Péptica (DUP)
vem diminuindo sua incidência nos últimos anos, em
virtude da utilização dos Inibidores de Bomba de Prótons
(IBP) e dos tratamentos mais eficientes contra H.
pylori1,3,4,6,7.

Associada à história clínica, a EDA é o exame mais


utilizado e recomendado, com alta sensibilidade (92%)
para correta identificação do local de sangramento e
especificidade de quase 100%1,3-8. O uso desse exame
permitiu a verificação de varizes esofágicas e o descarte
das demais hipóteses diagnósticas3,5,8. Outros
diagnósticos menos comuns, porem digno de nota,
seriam: Esofagite, úlcera de anastomose, lesão aguda de
mucosa gástrica, lesão de Dieulafoy, gastropatia
hipertensiva, fístula aortoentérica e duodenite1,3,4,6,7.

Achados laboratoriais

Os principais exames a serem pedidos em pacientes


com HDA varicosa são o hemograma, coagulograma e
exames de avaliação da função hepática3,5,8.

No hemograma, é muito importante verificar os níveis


de hemoglobina (Hb) do paciente, bem como o
hematócrito3,5,8. Eles podem estar normais, ou
diminuídos, a depender da gravidade da HDA(1,3,4,6,7).
Interessante notar que, por vezes, mesmo ante perdas
volêmicas consideráveis, o paciente pode apresentar Hb
acima do limite transfusional (7 g/dL)1,3,4,6,7: não
obstante, este parâmetro sozinho não é suficiente para
descartar a necessidade de transfusão, devendo-se
sempre aliar a ele a avaliação dos sinais clínicos de
perfusão tecidual (Tabela 3)3,5,8. O número de plaquetas
e de fatores de coagulação também deve ser observado,
uma vez que presença de coagulopatia é fator de risco
para ressangramento de varizes em pacientes
acometidos por doença parenquimatosa do fígado1,3-8.
No paciente do caso, a quantidade de plaquetas está
dentro da normalidade3,5,8.

A avaliação dos exames de função hepática é fulcral


em pacientes hepatopatas, pois a gravidade da
hepatopatia é um dos fatores prognósticos em casos de
HDA varicosa, e estes exames orientarão as condutas a
serem tomadas1,3,4,6,7. Estes, em conjunto com os
achados do exame físico, permitem ainda a
determinação do score de Child-Pugh para o paciente.
Esse escore leva em conta a ocorrência de encefalopatia
hepática e ascite, avaliação dos níveis de bilirrubina e
albumina e o tempo de protrombina (com a razão
normalizada internacional)3,5,8. Dessa forma, classifica-se
o quadro de acordo com o nível de gravidade da doença,
como pode ser observado na tabela abaixo:
Tabela 1 – Classificação Child-Pugh para gravidade de doença
parenquimatosa do fígado3,5,8.

1 3
PONTUAÇÃO 2 PONTOS
PONTO PONTOS

Bilirrubina (mg/dL) <2 2-3 >3

Grau 3
Encefalopatia Ausência Grau 1 ou 2
ou 4

Albumina (g/dL) >3,5 2,8- 3,5 <2,8

Tempo de protrombina (segundos


<4 4–6 >6
a mais)

RNI <1,7 1,7 – 2,3 >2,3

Pequena ou
Ascite Ausência Grande
média

A classificação do grau de doença parenquimatosa do fígado é dada pela


soma das pontuações em cada item:
Classe A: 5 ou 6 pontos.
Classe B: A7 a 9 pontos.
Classe C: 10 ou mais pontos.

Essa classificação foi criada para categorizar


pacientes em diferentes grupos de risco para cirurgia de
descompressão portal3,5,8. Hoje em dia, ela é
amplamente difundida para avaliação do prognóstico da
doença parenquimatosa hepática e para inscrição do
paciente em lista para transplante de fígado1,3-8. Além
disso, essa classificação também auxilia o profissional de
saúde a monitorar o aparecimento de complicações
esperadas, como a peritonite bacteriana espontânea
(PBE) e as próprias varizes esofágicas3,5,8. Pacientes com
DPF classificada como Child-Pugh A são tidos como
“compensados”: a doença não afeta sensivelmente os
afazeres diários e nem traz transtornos maiores3,5,8. Por
outro lado, pacientes com doenças classificadas como
Child-Pugh B ou C são hepatopatas em situação de
gravidade maior, já podendo inclusive serem incluído na
lista de espera para transplante hepático1,3,4,6,7.

Além de informado na história clínica, os achados dos


exames físico e laboratoriais permitem classificar o
paciente do caso como Child-Pugh A, tendo em vista que
ele fez apenas 1 ponto em cada uma das categorias
acima estabelecidas.

Ainda nesse entendimento, o Tempo de Protrombina


(TP) e a Razão Normalizada Internacional (RNI) são
importantes para avaliação da gravidade da doença
hepática mas também de distúrbios da coagulação
sanguínea1,3,4,6,7. Como referido previamente,
coagulopatias representam fator de risco para
ressangramento, ao passo que o próprio ressangramento
é fator de mau prognóstico1,3-8. O TP do paciente do caso
está minimamente aumentado, e o RNI está em 1,5. Esse
valor corrobora com o raciocínio clínico desenvolvido até
o momento, uma vez que RNI acima de 1,5 em paciente
cirrótico aumenta a probabilidade de existência de variz
esofágica – as quais, de fato, ele possui.

Exames de imagem e endoscopia


Como já discorrido, endoscopia digestiva alta é o
exame de maior relevância no contexto da HDA. Ela
permite a visualização direta das estruturas do trato
gastrointestinal superior, sendo de importante ajuda para
definição da origem do sangramento e avaliação de
fatores de risco e de mau prognóstico3,5,8. O exame deve
ser feito após a estabilização hemodinâmica do paciente
– caso este chegue instável – em até 12 horas após
admissão hospitalar1,3,4,6,7.

A técnica deve, idealmente, ser realizada por


gastroenterologista endoscopistas, necessitando de
procedimento anestésico prévio por médico
anestesista3,5,8. Através do endoscópio, as varizes
podem ser visualizadas e seu nível de gravidade
classificado através do escore estipulado pela World
Gastroenterology Organization (WGO)1,3-8. De acordo
com a WGO, varizes podem ser classificadas como
explicitado na tabela 2.
Tabela 2 – Classificação Endoscópica de Varizes Esofágicas pela WGO
(2013)1,3-8.

TAMANHO CLASSIFICAÇÃO DE CLASSIFICAÇÃO DE TRÊS


DA VARIZ DOIS TAMANHOS TAMANHOS

Veias minimamente elevadas


PEQUENA < 5 mm
acima da mucosa esofágica.

Veias tortuosas ocupando menos


MÉDIA –
de 1/3 da luz esofágica.

Veias tortuosas ocupando mais


GRANDE > 5 mm
de 1/3 da luz esofágica.
Além de avaliação das varizes, o exame permite ainda
que sejam identificados fatores de risco para
ressangramento, como a presença de manchas
vermelhas nas lesões varicosas, além de permitir
medidas terapêuticas locais específicas3,5,8. Na HDA em
geral, a endoscopia é capaz ainda de orientar biópsias
para averiguação de infecção por H. pylori ou
malignidade, a depender do achado1,3-8.

Exames de imagem também podem ser solicitados


para ampliar investigação, mas são consideravelmente
inferiores à EDA no quesito diagnóstico3,5,8. É possível
solicitar radiografia de tórax, nas modalidades
posteroanterior e perfil, ou de abdome, caso haja
suspeita de perfuração de vísceras, obstrução intestinal
ou aspiração pulmonar3,5,8.

Abordagem inicial e tratamento

O rastreio das varizes esofagogástricas é importante


conduta no acompanhamento do paciente portador de
hipertensão portal, especialmente pela sua relação
fisiopatológica de ambas as condições1,3-8. A hemorragia
digestiva alta é a principal complicação da hipertensão
portal, consequência das rupturas dessas varizes. Apesar
do alto risco de óbito, nos últimos anos, os avanços nas
terapias farmacológicas, endoscópicas e
antibioticoprofilaxia provocou queda dos índices de
mortalidade, para valores em torno de 15 a 20%1,3,4,6,7.
O tratamento tem o objetivo de conter o sangramento e
reestabelecimento da hemostasia, reposição volêmica e
correção do choque (se for o caso), prevenção do
ressangramento e das complicações associadas à
HDA3,5,8.

É importante compreender que pacientes que se


apresentam com sangramentos volumosos ou com
estigmas altamente indicativos de ressangramento
devem ser hospitalizados1,3-8. Além disso, os pacientes
com sinais de instabilidade hemodinâmica, além da
internação, devem ser acompanhados em unidade de
terapia intensiva1,3,4,6,7. Em geral, o quadro evolui com
instabilidade hemodinâmica relevante; contudo, pode
ocorrer estabilização espontânea em até metade dos
casos3,5,8. Os indivíduos com baixo risco de
ressangramento iminente e sem repercussões clínicas
devem se alimentar precocemente e não precisam ficar
hospitalizados1,3-8. Pacientes hepatopatas crônicos ou
com estigmas periféricos de doença hepática, a exemplo
de teleangiectasias ou circulação colateral periumbilical
(caput medusae), apresentam alto risco para HDA, uma
vez que essas doenças de base são identificadas em até
70% destas ocorrências hemorrágicas3,5,8.

Em cuidados iniciais e manejo clínico, deve-se abordar


o paciente com os mesmos princípios dos atendimentos
de emergência, averiguando via aérea e sua
perviabilidade, qualidade respiratória, aspectos
circulatórios, impactos neurológicos e nível de
consciência1,3,4,6,7. Nos primeiros cuidados, é preciso
iniciar a monitorização dos sinais vitais, tanto na
admissão, quanto na evolução, além da saturação de
oxigênio e obter acesso venoso periférico. Indivíduos com
saturação de O² menor que 90%, devem receber
oxigênio via cateter nasal3,5,8. Ademais, em casos de
hematêmese volumosa ou rebaixamento rápido do nível
de consciência, pode-se lançar mão da intubação
orotraqueal para garantir a via aérea, evitando
aspiração1,3,4,6,7. A sondagem vesical pode ser uma
medida relevante, especialmente para acompanhar o
débito urinário de pacientes mais graves3,5,8. Com a
finalidade de se avaliar o status hemodinâmico,
parâmetros clínicos do choque devem ser investigados,
permitindo, inclusive, analisar a gravidade da hemorragia
digestiva e seu impacto circulatório (tabela 3)1,3-8.
Tabela 3 – Critérios de avaliação do status hemodinâmico e choque
hipovolêmico na HDA1,3-7.

Pressão
Frequência Perda Perda Gravidade
arterial
cardíaca sanguínea volêmica HDA
sistólica

> 90 mmHg < 100 bpm <1L < 20% Discreta

> 90 mmHg < 100 bpm < 1,5 L 20 - 40% Moderada

< 90 mmHg > 100 bpm >2L > 40% Maciça

mmHg: milímetro de mercúrio; bpm: batimentos por minuto

Pacientes cirróticos merecem maior atenção sobre a


circulação esplâncnica, justamente pelo seu constante
estado de hiperdinâmica, tanto pela hipertensão
provocada pela estase portal, quanto por mediadores
vasoativos locais, a exemplo do óxido nítrico1,3-8. Esse
fator deve ser levado em consideração durante a
reposição volêmica, uma vez que esta possa contribuir
para aumento circulatório no território esplâncnico, com
consequente ascite e contribuição pressórica à já
hipertensão localizada3,5,8. Aditivamente, a manutenção
de uma hemoglobina maior que 7 g/dL e da pressão
sistólica maior que 90 mmHg são parâmetros suficientes
para se garantir uma boa perfusão e evitar o choque,
com baixos riscos de ressangramento1,3,4,6,7.

Em análise complementar, as várias modalidades de


tratamentos e as mudanças de prioridade de intervenção
demonstram que não há uma terapia unicamente
satisfatória para se abordar um paciente com HDA,
preferindo-se um manejo sequencial e particularizada
para cada caso1,3-8. Nesse contexto, os tratamentos não
cirúrgicos são a primeira escolha, tanto pelo grande
avanço das terapias farmacológicas e endoscópicas –
que, por sua vez, apresentam redução significativa da
chance de ressangramento e da taxa de mortalidade –,
quanto pelo fato de sempre haver um alto risco
associado à cirurgia, devido a função hepática
comprometida1,3-8. A critério pedagógico, vamos
estratificar as estratégicas de tratamento em: manejo
clínico e ressuscitação, tratamento endoscópico,
radiologia intervencionista e tratamento cirúrgico1,3,4,6,7.
Manejo clínico e ressuscitação

O principal objetivo da ressuscitação de emergência é


a restauração da volemia, que deve ser realizada antes
da endoscopia digestiva alta1,2,4. Essa ressuscitação
deve ser feita em bolus e preferencialmente com solução
de cristaloides, a exemplo de soro fisiológico ou solução
Ringer com lactato, além da necessidade de tipagem de
bolsas de sangue para pacientes com sangramentos
volumosos1,3-8. A atual recomendação é de iniciar
protocolos de transfusões com Hb menor que 7g/dL, o
que se demonstra menor mortalidade em 30 dias e
menor risco de reações transfusionais importantes3,5,8.
Apesar de um hiperesplenismo comumente associado
aos quadros de varizes e hipertensão portal, a literatura
demonstra que a transfusão de bolsa de plaquetas só se
faz necessária se a contagem delas for menor que
50.000/mm3(1,3-8). Ademais, as infecções em pacientes
com estas condições são consideravelmente frequentes,
o que faz necessária a antibioticoprofilaxia
imediata1,3,4,6,7. A literatura demonstra que essa terapia
antimicrobiana profilática reduz a taxa de infecções em
mais de 50% dos casos, além de aumentar a
sobrevida1,3-8.

Em plano complementar, a terapia farmacológica com


somatostatina e seus análogos tem sido tão eficaz em
conter os sangramentos agudos, quanto a intervenção
endoscópica, trazendo, assim, a farmacoterapia como
um dos cernes principais deste tratamento3,5,8. Essas
drogas vasoativas atuam como vasoconstritores
esplâncnicos e apresentam menos efeitos adversos que a
vasopressina1,3-8. Qualquer hospital ou serviço de
emergência pode fazer a terapia medicamentosa para
HDA e as drogas de escolhas e suas posologias são
apresentadas na tabela 4. É importante dizer que a
terapia farmacológica deve ser iniciada mesmo antes da
EDA se a suspeita de sangramento por varizes esofágicas
é alta.
Tabela 4 – Drogas vasoativas de escolha no manejo da HDA varicosa1,2,4.

DROGA POSOLOGIA ADMINISTRAÇÃO

Bolus inicial 2 mcg de 4/4 horas


(Redução para 1 mcg de 4/4
TERLIPRESSINA Bolus endovenoso
horas, após contenção da
hemorragia.)

Bolus inicial 250 mcg (Infusão


SOMATOSTATINA contínua 250 mcg/h por 2 a 5 Bolus endovenoso
dias.)

Bolus inicial 50 mcg (Infusão


OCTREOTÍDEO contínua 25-50 mcg/h por 2 a 5 Bolus endovenoso
dias.)

A Terlipressina é a única droga que demonstrou controle da hemorragia


em uso isolado, enquanto as outras se fazem em associação com a
terapia endoscópica.

Endoscopia Digestiva Alta (EDA)

Atualmente, o tratamento endoscópico por meio da


Endoscopia Digestiva Alta é a terapia mais
frequentemente aplicada na rotina de manejo do
sangramento digestivo das varizes esofagianas – tanto
com a técnica de esclerose da variz, como a ligadura
(Figura 4)1,2,4. Ambas as técnicas demonstraram ser
igualmente eficazes à hemostasia, cessando o
sangramento em até 90% dos casos1,2,3,4–8. Apesar de
apresentarem menos complicações, são de difícil
execução em pacientes com sangramento ativo, além de
exigir um endoscopista treinado1,3,4,6,7. A técnica de
ligadura é a mais recomendada, porém, tanto essa,
quanto a injeção de agente esclerosante podem ser
aplicadas isoladamente ou em combinação, sendo que
antes do procedimento deve-se ter realizado a
intervenção farmacológica (com terlipressina,
somatostatina ou octreotídeo)1,2,4. Hoje, os agentes
esclerosantes mais comumente utilizados são o morruato
de sódio, cianoacrilato e o sulfato de tetradecil de sódio.
De maneira geral, injeta-se 1 a 2 mL do agente
esclerosante em cada variz, logo acima da junção
esofagogástrica e 5 cm proximal a ela e,
alternativamente, a variz pode ser ligada com faixa
elástica1,3-8. Esses procedimentos não são livres de
riscos: a escleroterapia apresenta uma taxa de
mortalidade que varia de 1 a 3%, e complicações do tipo
dor retroesternal, úlcera esofágica e febre1,3-8. A falha da
técnica endoscópica à hemostasia é declarada quando
duas sessões não alcançam a contenção do sangramento
e se nesses casos não for executada uma cirurgia de
emergência, a mortalidade pode chegar a 60%1,3,4,6,7.
Figura 4 – Esquema da intervenção endoscópica por meio da técnica de
escleroterapia (esquerda) e a de ligadura elástica endoscópica (direita)1,2,4.

Tamponamento por balão

Há casos especiais que o tamponamento por balão de


Sengstaken-Blakemore (Figura 5) se faz necessário1,3-7.
As principais indicações para o uso deste balão são casos
de hemorragias profusamente volumosas ou quando
duas intervenções de hemostasia, por meio de terapia
endoscópica, falham e, nesses casos, o uso do balão
pode conter a hemorragia em 85% das ocorrências1,2,4.
Para uso, o paciente é posto em decúbito lateral
esquerdo e o tubo é passado. É importante mencionar
que o paciente deve ser intubado antes do
procedimento, como forma de se prevenir a aspiração.
Em posterior, o balão gástrico é insuflado com 100-300
mL de ar, tracionado até sentir resistência – ancoragem
na junção esôfago-gástrica – então deve ser deixado
sobre tração. Só então, com o auxílio do manômetro, o
balão esofágico é colocado em uma pressão de 30-40
mmHg e ajustado conforme se observa melhora do
sangramento3,5,8. O tempo máximo que o paciente deve
ficar com o dispositivo é de 12 a 24 horas, sendo
fortemente contraindicado tempo maior que esse1,2,4.

Figura 5 – Esquema do tudo de Sengstaken-Blakemore para tratamento da


HDA varicosa1,2,4.

Muitas complicações estão associadas ao uso desse


balão, a exemplo de migração do balão gástrico,
broncoaspiração, hiperenchimento, necrose e ruptura
esofágica, necrose nasal, oral ou labial, ressangramento,
lesões superficiais da mucosa gástrica, além de uma
incidência de ressangramento importante em mais de
50% dos casos, o que explica a raridade de sua aplicação
na rotina médica atual1,3-7. Contudo, só se justifica seu
uso para uma estabilização temporária até tratamento
definitivo ser instituído, e/ou nas falhas endoscópicas1,3-
7.
Derivação Portossistêmica Transjugular
Intra-hepática (TIPS)

A TIPS é um procedimento de radiologia


intervencionista que objetiva a descompressão da
hipertensão portal, sem intervenção cirúrgica. A TIPS,
junto com as cirurgias, são consideradas medidas
terapêuticas de resgaste3,5,8. De forma sucinta, o acesso
é feito pela veia jugular e o stent é guiado de forma
descendente, atravessando o parênquima fibroso do
fígado cirrótico e indo ao encontro do sistema venoso
portal. Assim, é criado um novo trajeto parenquimatoso
entre as veias hepáticas e porta, através de um cateter
com balão3,5,8. É inserido uma prótese expansível de
metal que, por fim, expande e cria o espaço circulatório
(Figura 6)1,3-8.

Como já mencionado, a TIPS é uma terapêutica


invasiva que não deve ser a primeira escolha para as
hemorragias agudas, sendo que a mortalidade está
intimamente relacionada com o grau de disfunção
hepática1,3,4,6,7. A TIPS, sumariamente, é um
procedimento ponte, nos pacientes os quais o tratamento
por meio da EDA falhou e resta apenas pouca quantidade
de tempo até o transplante hepático3,5,8. Nessa
perspectiva, ele ainda é muito útil, uma vez que reduz a
hipertensão portal, contribuindo para facilitar a cirurgia
de transplante3,5,8.
Figura 6 – Derivação portossistêmica transjugular intra-hepática (TIPS)1,3-8.

Das contraindicações absolutas do TIPS, tem-se a


insuficiência cardíaca à direita e a doença policística
hepática, hipertensão pulmonar e sepse; já das relativas,
enumeram-se trombose de veia porta, tumores hepáticos
hipervascularizados e encefalopatia1,3,4,6,7.

Cirurgia de emergência

Apesar de todos os benefícios de técnicas menos


invasivas, como a terapia farmacológica, endoscópica e
sua associação, quando estas falham, é imprescindível
que as técnicas cirúrgicas de emergência sejam lançadas
prontamente1,3-7. Além da falha das terapias menos
invasivas, outra indicação de medida cirúrgica é quando
falha também a colocação da TIPS ou quando esta última
não está disponível no serviço1,3,4,6,7. É importante
reconhecer que, apesar de ser muito eficaz na resolução
do sangramento, as cirurgias de emergência tem
desfecho de mortalidade em mais da metade dos
pacientes4,6,7.

Nessa perspectiva, compreende-se que o objetivo


maior das cirurgias é a descompressão do sistema porta
e a escolha da técnica mais apropriada acaba sendo
guiada pela experiência do cirurgião1,3-7. Um dos
exemplos de operação comumente aplicada dentro do
quadro da emergência da HDA é a anastomose
portocava, pois é uma técnica relativamente rápida e
eficiente quanto à descompressão circulatória portal3,5,8.
As técnicas operatórias existentes são divididas em três
grandes grupos: as derivações portossistêmicas, os
procedimentos de desvascularização e o transplante
hepático3,5,8.

As derivações portossistêmicas criam, como o próprio


nome intitula, uma derivação entre o fluxo do sistema
porta hipertenso e o sistema venoso sistêmico de baixa
pressão1,3-7. Dentro desse grupo, por sua vez, há três
tipos de derivações: as derivações não seletivas ou totais
(Figura 7) – as quais descomprimem toda a hipertensão
do sistema porta por desviar completamente o fluxo
sanguíneo para longe do fígado1,3-7; as derivações
seletivas – as quais reduzem a pressão porta para níveis
de 12 mmHg, o que, por sua vez, reduz a hipertensão
das varizes esofagianas, contudo ainda mantêm a
hipertensão portal1,3,4,6,7; e as derivações parciais – que,
apesar de descomprimir as varizes, também mantêm a
hipertensão portal1,3-8.

Figura 7 – Derivações portossistêmica não seletivas. Superior-esquerdo:


Derivação portocava terminolateral; superior-direito: Derivação portocava
laterolateral; inferior-esquerdo: Derivações de interposição de largo calibre
(A) portocava, (B) mesocava, (C) mesorrenal; inferior-direto: Derivação
esplenorrenal convencional1,3-7.

As derivações não seletivas, a exemplo da portocava e


da esplenorrenal convencional, são consideradas
excelentes para o controle da hemorragia e da ascite,
pois diminuem de forma importante a tensão venosa
portal3,5,8. Contudo, esses procedimentos aumentam
consideravelmente a chance de complicações, como
encefalopatia e insuficiência hepática progressiva.
Derivações seletivas, como a esplenorrenal distal, são
indicadas a pacientes que têm função hepatocelular
preservada e contraindicadas na presença de ascite de
grande volume3,5,8. Já derivações parciais, como a
portocava calibrada, são indicadas em paciente cirróticos
e são aquelas que fazem uso de prótese, a qual liga a
veia porta à veia cava. Essa técnica, apesar de reduzir os
níveis pressóricos – em geral, redução de 12 mmHg –
mantém, ainda, o fluxo portal1,3,4,6,7.

Em plano complementar, o procedimento de


desvascularização mais comumente empregado é a
desconexão ázigo-portal ou DAP. Sucintamente, a técnica
envolve a desvascularização esofagogástrica, com
transecção esofágica, em conjunto com a esplenectomia.
Para esse procedimento, os candidatos são aqueles que
têm contraindicações para a realização das cirurgias de
derivação, ou são portadores de trombose venosa
esplâncnica difusa ou ainda de trombose de anastomose
esplenorrenal distal3,5,8.

Outrossim, o transplante hepático não é


essencialmente um tratamento para o sangramento das
varizes, mas sim é o único método que trata a doença
hepática subjacente e, em conjunto, culmina com a
descompressão hepática eficaz. É o único método que
promove, assim, a cura da hepatopatia, e deve sempre
ser considerado a todo paciente com doença hepática
avançada1,3,4,6,7. Contudo, por razões relacionadas a
custos, políticas públicas e número ainda baixo de
doadores, o procedimento de transplante ainda não está
disponível para todos os pacientes3,5,8. Assim, as terapias
supracitadas – farmacoterapia e EDA – devem ser
lançadas primariamente a pacientes com sangramento
comum de varizes, que apresentam função hepática
regular (classes A e B de Child-Pugh), como também a
etilistas ativos1,3,4,6,7. Quando surgem complicações
associadas à cirrose ou quando há descompensação
funcional hepática evidente, seja clínica ou laboratorial, o
transplante hepático deve ser cogitado. Nas indicações,
enumeram-se os quesitos de hipoalbuminemia (menor
que 2,5 g/dL), tempo da protrombina alargado (maior
que 5 segundos), encefalopatia hepática crônica e ascite
refratária3,5,8. Já no tocante às contraindicações, tem-se
quadro de infecção ativa ou sepse, hepatite B em forma
replicativa, tumores hepatobiliares metastáticos, doença
cardiovascular ou infecção por vírus da imunodeficiência
humana (HIV). A sobrevida em 5 anos chega a 70% dos
transplantados3,5,7,8.

Por fim, um algoritmo de tratamento da hemorragia


digestiva alta secundária a varizes esofagianas é
demonstrado na figura 8.
Figura 8 – Algoritmo de manejo terapêutico para hemorragias varicosas1,3-
7.

Pontos Importantes
Por definição, a hemorragia digestiva (HD) é
qualquer sangramento que ocorra no trajeto que vai
da boca ao ânus.
O ligamento de Treitz permite a classificação em HD
altas (HDA), que ocorrem proximal/superior a este
ligamento, e HD baixas (HDB), que ocorrem
distal/inferior ao mesmo.

As três causas mais frequentes de HDA são: a úlcera


duodenal (31,4%), varizes esofagianas (24,3%) e
úlceras gástricas (15%).
A HDA varicosa ocorre após rompimento de varizes
esofagogástricas, formadas pela abertura de
microvasos e de colaterais venosos para
descomprimir o território hepático hipertenso.

A hipertensão portal é secundária à doença


parenquimatosa hepática crônica, onde há
modificações anatômicas e funcionais do fígado e do
sistema venoso porta-hepático.
Para diagnóstico de HDA preciso, é necessária a
história clínica do paciente em conjunto com a
Endoscopia Digestiva Alta (EDA), o exame mais
utilizado e sensível para isso.

Os principais exames a serem pedidos em pacientes


com HDA varicosa são o hemograma, coagulograma
e exames de avaliação da função hepática.
A avaliação da função hepática é fulcral em
pacientes hepatopatas, pois a gravidade da
hepatopatia é fator prognóstico para pacientes com
HDA varicosa.

A endoscopia digestiva alta deve ser feita após a


estabilização hemodinâmica do paciente (caso este
chegue instável) em até 12 horas após admissão
hospitalar.
O tratamento objetiva contenção do sangramento,
reposição volêmica e correção do choque (se for o
caso), prevenção do ressangramento e das
complicações associadas à HDA.

Os tratamentos não cirúrgicos são a primeira


escolha para intervenção, principalmente pelo
grande avanço das terapias farmacológicas e
endoscópicas.
As infecções nos pacientes com HDA são
consideravelmente frequentes, o que faz necessária
a antibioticoprofilaxia imediata.

A terapia farmacológica com somatostatina ou seus


análogos tem sido tão eficaz em conter os
sangramentos agudos quanto a intervenção
endoscópica.
Atualmente, o tratamento endoscópico por meio da
Endoscopia Digestiva Alta é a terapia mais
frequentemente aplicada no manejo da HDA
varicosa.
A TIPS, sumariamente, é um procedimento ponte,
nos pacientes os quais o tratamento por meio da
EDA falhou e resta apenas pouca quantidade de
tempo até o transplante hepático.

As derivações, como tratamento cirúrgico, buscam


desviar o fluxo porta hipertenso ao sistema venoso
sistêmico de baixa pressão.
Existem três grupos de derivações, as não seletivas
(totais), as seletivas e as parciais.

A Desconexão Ázigo-Porta (DAP), como tratamento


cirúrgico, promove a desvascularização
esofagogástrica, juntamente com uma transecção
esofágica e esplenectomia.
O transplante hepático é o único método que
promove a cura da hepatopatia e deve sempre ser
considerado a todo paciente com doença hepática
avançada.

Referências
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Ulcer Bleeding. 2012 [cited 2019 Feb 8]; Available
from: www.amjgastro.com.
Caso 36 | Litíase Urinária
Autores: Lucas Takemura, Pedro Henrique Peixoto Costa
Orientador: Oliver Rojas Claros

História Clínica
J. J. M., 30 anos, sexo feminino, casada, um filho,
procura o pronto atendimento por dor em flanco
esquerdo há 2 dias, tipo cólica, de forte intensidade, com
irradiação para região inguinal do mesmo lado. Refere
ainda náuseas, vômitos, febre aferida em domicílio (T:
38°C) e disúria. Nega alteração de hábito intestinal. Nega
corrimento vaginal ou atraso menstrual. Relata episódios
frequentes de infecção do trato urinário nos últimos
anos, tratadas ambulatorialmente.

Paciente é obesa (IMC 35 kg/m²) e faz uso de


broncodilatador inalatório para controle de asma. Nega
outras comorbidades, cirurgias prévias, tabagismo ou
etilismo.

Exame Físico De Admissão


Sinais vitais: PA 110x70 mmHg, FC 107 bpm, FR 16,
SpO2 96%, Taxilar 38,2°C
Encontrava-se em bom estado geral, hipocorada
2+/4+, hidratada, febril, eupneica, fácies de dor.

Abdome globoso, flácido, com dor intensa à palpação


de flanco esquerdo e fossa ilíaca esquerda, sinal de
Giordano positivo à esquerda, sem sinais de peritonite.

Exames Complementares

Exames laboratoriais

Resultado Valor de referência (VR)

Hemoglobina (Hb) 9,0 g/dL VR: 12,0 - 15,5 g/dL

Leucócitos 17.170 /uL VR: 3.500 - 10.500 /uL

Plaquetas 298.000 /uL VR: 150.000 - 450.000 /uL

Ureia (Ur) 50,0 mg/dL VR: 16,6 - 48,5 mg/dL

Creatinina (Cr) 2,0 mg/dL VR: 0,5 - 0,9 mg/dL

Sódio (Na) 135,3 mEq/L VR: 135 - 145 mEq/L

Potássio (K) 4,13 mEq/L VR: 3,5 - 5,5 mEq/L

Proteína C reativa (PCR) 126,3 mg/L VR: < 5,0 mg/L

Exame de urina tipo I (EAS) colhido na entrada


evidenciando hematúria microscópica, leucocitúria e
nitrito negativo. Urocultura com crescimento de Proteus
mirabilis multissensível.

Paciente realizou uma ultrassonografia (USG) de


abdome total, que demonstrou imagens hiperecoicas
na projeção da pelve renal bilateralmente, com intensa
sombra acústica posterior, compatível com formação
calculosa, além de aumento da dimensão do rim
esquerdo com hidronefrose importante associada.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Na sequência da investigação, foi solicitada uma
tomografia (TC) de abdome total sem contraste
endovenoso, que evidenciou rins com dimensões
aumentadas, afilamento do parênquima renal, cálculos
coraliformes bilaterais, além de dilatação pielocalicinal à
esquerda às custas de cálculo de aproximadamente 0,9
cm em junção ureteropiélica (JUP).

Inicialmente, a paciente foi submetida a passagem de


cateter duplo jota (DJ) à esquerda, tendo em vista o
quadro de pielonefrite aguda complicada. Evoluiu com
melhora clínica e laboratorial após o procedimento.

Durante o seguimento ambulatorial, realizou


cintilografia renal com DMSA, que evidenciou função
renal deprimida bilateralmente. Rim direito com 66% e
rim esquerdo com 34% de contribuição relativa.

Tendo em vista o grande volume de cálculos renais,


optou-se pela realização de nefrolitotomia anatrófica e
troca do cateter DJ à esquerda. A TC de controle após o
procedimento mostrou resolução de nefrolitíase deste
lado (Figura 1).
Figura 1 – Corte axial (primeira figura) e coronal (segunda figura) mostrando
resolução do cálculo coraliforme em rim esquerdo e cateter DJ bem
posicionado na pelve renal esquerda. Rim direito com cálculo coraliforme
complexo.

Em um segundo momento, procedeu-se o tratamento


do rim direito por nefrolitotomia percutânea, sendo
necessário mais de uma abordagem para limpeza
completa dos cálculos.

Questões Para Orientar a Discussão


1. Pela história clínica e exames complementares,
qual é a provável composição dos cálculos renais
apresentados pela paciente? Qual o principal fator
de risco associado a formação deste tipo de
cálculo?

2. Qual é o método de imagem padrão-ouro para o


diagnóstico?

3. Quais são as principais indicações de derivação


urinária de urgência?

4. Quais são as opções de tratamento definitivo para


essa doença?

5. Quais são as principais medidas de prevenção?

Discussão Litíase Urinária

Epidemiologia

A nefrolitíase é uma doença extremamente


prevalente, principalmente na população ocidental,
sendo um motivo frequente de busca ao pronto-socorro.
Estima-se uma prevalência ao longo da vida em torno de
1 a 15%, variando de acordo com idade, sexo, etnia e
localização geográfica1. É relativamente incomum antes
dos 20 anos, apresentando um pico de incidência por
volta da 4ª a 6ª décadas de vida2. Ocorre mais
comumente em homens em uma proporção de 2:1 a 3:1,
porém essa diferença vem diminuindo ao longo dos
anos3. Em relação à etnia, a maior prevalência é vista em
brancos, seguido de hispânicos, asiáticos e negros4.

Anatomia e patogênese

Os rins são órgãos retroperitoneais que têm relação


íntima com vários outros órgãos abdominais, como o
fígado, baço, duodeno, cólon, adrenais e diafragma. A
pelve renal se continua através dos ureteres, que têm
três pontos de estreitamento que favorecem a
impactação do cálculo nos casos em que estes saem do
rim e avançam pelo trato urinário. O primeiro é a junção
ureteropélvica (JUP), o segundo o ponto de cruzamento
dos vasos ilíacos e por fim a junção ureterovesical (JUV).

A formação dos cálculos se dá basicamente pela


cristalização de elementos que se tornam supersaturados
na urina, sendo os principais: cálcio, oxalato, ácido úrico
e cistina. Além disso, o pH, presença de infecção e estase
também influenciam na formação dos cálculos. O pH
urinário ácido favorece a formação de cálculos de ácido
úrico e cistina, enquanto o pH urinário alcalino favorece a
formação de cálculos de estruvita e hidroxiapatita. Em
contraponto, alguns elementos inibem o processo de
cristalização: citrato, magnésio, pirofosfato, nefrocalcina
e glicoproteína de Tamm-Horsfall5. As placas de Randall
são estruturas localizadas no interstício medular,
compostas principalmente por fosfato de cálcio (ou
apatita de cálcio) e servem como nidus para a formação
dos cálculos urinários6.

O cálcio é o principal componente, sendo os cálculos


de oxalato de cálcio presentes em cerca de 60% dos
casos e os de fosfato de cálcio em 10 a 20%5. Os cálculos
de estruvita (fosfato amoníaco magnesiano) são
considerados cálculos infecciosos, causados por
bactérias produtoras de urease (hidrolisam a ureia em
amônia, aumentando o pH urinário). O patógeno mais
comumente associado à formação desses cálculos é o
Proteus mirabilis, embora Klebsiella, Pseudomonas e
Staphylococcus também possam ser encontrados7.

Os cálculos Coraliformes são tipicamente compostos


por estruvita, com história clínica clássica relacionada a
infecções urinárias de repetição, como no caso clínico
descrito acima.

Outros tipos de cálculos como de cistina e relacionado


a drogas são menos frequentes5.

Fatores de risco

Dieta: ingestão em excesso de oxalato, sódio,


proteínas de origem animal. Baixa ingesta hídrica e
paradoxalmente, dieta pobre em cálcio.
História prévia de litíase urinária.

História familiar de litíase urinária.


Condições clínicas, como gota, diabetes mellitus,
hiperparatireoidismo, acidose tubular renal tipo 1,
sarcoidose, obesidade, cirurgia bariátrica, entre
outras.

Malformações dos rins e sistema urinário.


Uso de medicações como: indinavir, aciclovir,
sulfadiazina e triantereno8.

Diagnóstico

A nefrolitíase geralmente torna-se sintomática quando


ocorre obstrução do sistema coletor. Cálculos proximais
costumam se manifestar com dor em flanco, tipo cólica,
de forte intensidade, associada a náuseas, vômitos,
sudorese e taquicardia. Conforme o cálculo desce em
direção a bexiga, o paciente pode experienciar uma
mudança na topografia da dor, com irradiação para
região inguinal, testículos ou grandes lábios ipsilaterais.
Cálculos distais, próximos a JUV, podem simular um
quadro de cistite com disúria, polaciúria e urgência
urinária. Hematúria micro ou macroscópica é outro
sintoma comum. Sinal de Giordano costuma ser
negativo, exceto em casos de pielonefrite associada9.

Além da história clínica e do exame físico, é


necessária a investigação complementar para
confirmação diagnóstica.
Exames complementares

Exames laboratoriais iniciais devem incluir


hemograma, eletrólitos, função renal e exame parcial de
urina, principalmente para descartar infecção do trato
urinário e alteração da função renal.

Exames de imagem são solicitados para confirmação


diagnóstica, localização do cálculo e planejamento do
tratamento. Os cálculos de oxalato de cálcio mais
comuns são radiopacos e, em geral, visualizados no Raio
X simples de abdome. Os cálculos de ácido úrico, por sua
vez, são radiotransparentes e não identificados no Raio
X. A Ultrassonografia (USG) de aparelho urinário costuma
ser o exame diagnóstico inicial na investigação de litíase
urinária, embora tenha baixa sensibilidade para detecção
de cálculos em terço médio e distal do ureter. Detecção
de cálculos na junção ureterovesical (JUV) pelo USG é
facilitada quando o exame é realizado com a bexiga
repleta. O exame padrão-ouro para diagnóstico de litíase
urinária é a Tomografia computadorizada (TC) de
aparelho urinário sem contraste endovenoso, embora
cálculos de indinavir não sejam detectados por este
método. Gestantes com suspeita de litíase urinária
devem ser investigadas inicialmente com USG aparelho
urinário e, caso o diagnóstico não for confirmado, uma
Ressonância magnética (RNM) sem gadolíneo pode ser
solicitada10.
Tratamento

O tratamento inicial consiste em controle da dor com


analgesia, geralmente com anti-inflamatórios e opioides.
Existem várias formas de tratamento definitivo
disponíveis e a escolha depende dos parâmetros clínicos
do paciente, tamanho e localização do cálculo, além da
refratariedade do episódio Ingimarsson11.

Terapia medicamentosa expulsiva (tme)

Indicada para cálculos de até 10 mm impactados no


trajeto ureteral, sendo o maior benefício evidenciado em
cálculos distais. A classe farmacológica de escolha é a
dos bloqueadores alfa-adrenérgicos (Tansulosina,
Doxazosina etc.), tomados diariamente por um período
de 4 a 6 semanas. O principal efeito colateral dessas
medicações é hipotensão12.

A falha terapêutica é considerada quando ocorre


refratariedade ou curso prolongado da dor, presença de
infecção ou piora da função renal, sendo indicado
intervenção cirúrgica nesses casos11.

Drenagem da via urinária

Nos casos de obstrução ao fluxo urinário pelo cálculo


impactado, com presença de infecção, deterioração da
função renal ou sintomatologia refratária, torna-se
necessário a drenagem da via urinária com urgência.
Esta drenagem pode ser feita por nefrostomia
percutânea ou passagem de um cateter duplo jota (DJ)
no ureter por cistoscopia13.

Litotripsia extracorpórea com ondas de


choque (leco)

O princípio básico da LECO é diminuir o tamanho do


cálculo em fragmentos menores que possam ser
eliminados de maneira natural pela via urinária. O tipo de
onda de choque utilizada varia conforme o aparelho,
sendo a energia eletromagnética a mais utilizada. Tem
como principal vantagem ser um procedimento não
invasivo, porém grande parte dos pacientes necessitam
tratamentos adicionais.

O procedimento geralmente é indicado para cálculos


de até 2 cm, localizados em pelve renal ou ureter
proximal. As contraindicações da LECO incluem:
gestação, distúrbios de coagulação, infecção do trato
urinário, obstrução anatômica distal ao cálculo e
aneurisma arterial próximo ao cálculo. Fatores limitantes,
que predizem menor taxa de sucesso do procedimento,
são: cálculos maiores do que 2 cm, cálculos “duros”
(densidade > 1.000 UH), localização em cálices
inferiores, distância pele-cálculo maior do que 9 cm,
além de outros como cálice longo, infundíbulo estreito ou
ainda ângulo infundíbulo-pélvico acentuado. As principais
complicações são hematoma perirrenal, ureterolitíase
obstrutiva pelos fragmentos, sepse13.

Ureterolitotripsia

É considerado um procedimento minimamente


invasivo, no qual se introduz um aparelho chamado
ureteroscópio através da uretra, bexiga, chegando aos
ureteres e até a pelve renal. O tratamento dos cálculos
pode ser feito com diferentes modalidades de energia,
entre elas pneumática, ultrassônica ou laser. Os cálculos
podem ser quebrados em fragmentos menores e
retirados com uma cesta (basket) ou em fragmentos
submilimétricos (pulverização) seguidos de eliminação
espontânea pela via urinária14.

Em relação aos tipos de ureteroscópios, podem ser


semirrígidos, que possuem melhor visibilidade e são
ideais para cálculos em ureter distal e médio, ou
flexíveis, atingindo até a pelve renal e possibilitando
exploração de toda via urinária. Via de regra, após a
retirada dos cálculos, é deixado um cateter duplo jota
(DJ) para facilitar a drenagem urinária e prevenir uma
obstrução ureteral por inflamação e edema induzidos
pelo procedimento14.

O tratamento por ureterolitotripsia possui melhores


taxas de sucesso em relação a LECO, com menor
necessidade de procedimentos adicionais. Além disso
possui baixa taxa de complicações (desconforto com o
cateter, lesão de ureter, sangramento e infecção). A
principal contraindicação é a presença de infecção do
trato urinário, que deve ser tratada previamente ao
procedimento. É a opção de escolha para tratamento de
ureterolitíase em obesos ou pacientes com distúrbios da
coagulação e não é necessário suspender AAS antes do
procedimento15.

Nefrolitotripsia percutânea (nlp)

A nefrolitotripsia percutânea é indicada para os


cálculos maiores de 2 cm (procedimento de escolha),
incluindo cálculos coraliformes, ou ainda cálculos
localizados no polo inferior. Contraindicações ao
procedimento incluem: distúrbios de coagulação,
infecção do trato urinário não tratada, tumor no trajeto
do acesso e gestantes. O paciente é fica em posição
supina ou prona, a punção é realizada com auxílio de
fluoroscopia e/ou ultrassom e a litotripsia pode ser
realizada com várias formas de energia (pneumática,
ultrassônica, laser). A principal complicação associada a
nefrolitotripsia percutânea é o sangramento, por vezes
de difícil controle. Casos mais graves podem ser
controlados por embolização superseletiva16.

Cirurgia aberta ou laparoscópica


Com o advento das técnicas minimamente invasivas,
esses procedimento perderam espaço, sendo hoje
indicadas para casos de excepcionais nos quais ocorreu
falha dos procedimentos citados anteriormente,
principalmente nos casos de cálculos grandes e
complexos. As opções são: nefrolitotomia anatrófica e
pielolitotomia11.

Prevenção

Medidas para prevenir a formação de novos cálculos


urinários incluem aumento da ingesta hídrica e dieta com
restrição de sódio e proteína animal. Restrição de cálcio
na dieta não é recomendada, pois resulta em maior
quantidade de oxalato livre no lúmen intestinal, que será
absorvido e excretado na urina17.

Recomenda-se análise da composição do cálculo


expelido ou removido cirurgicamente em todos os
pacientes no primeiro episódio de litíase urinária, a fim
de auxiliar na investigação do distúrbio metabólico
predisponente.

Pacientes com litíase urinária são também


investigados com estudo metabólico, a fim de investigar
possíveis fatores predisponentes. Vale ressaltar que a
hipercalciúria é o distúrbio metabólico mais comum na
formação de cálculos urinários, correspondendo cerca de
30-60% dos casos18.
Pontos Importantes
Cálculos urinários são mais comuns em homens,
brancos, na 4ª a 6ª décadas de vida.
A formação dos cálculos ocorre pela cristalização de
elementos supersaturados na urina.

Cálculos de oxalato de cálcio são os mais comuns.


Cálculos de estruvita (fosfato amoníaco
magnesiano) são os principais componentes dos
cálculos coraliformes e associam-se a infecções do
trato urinário por bactérias produtoras de urease,
principalmente Proteus mirabilis.

pH urinário ácido favorece a formação de cálculos


de ácido úrico e cistina, enquanto pH urinário
alcalino favorece a formação de cálculos de
estruvita e hidroxiapatita.

Cálculos em ureter distal tem como diagnóstico


diferencial cistite.
Raio X simples de abdome não identifica cálculos de
ácido úrico (radiotransparentes).
A TC de abdome sem contraste EV é o exame
padrão-ouro para diagnóstico de litíase urinária,
mas não detecta cálculos de indinavir.
TME é indicada para cálculos ureterais até 10 mm e
os alfa-bloqueadores são os agentes de escolha.
Duração do tratamento é de 4 a 6 semanas.
Hipotensão é o principal efeito colateral.
LECO é indicada para cálculos renais ou ureterais
proximais até 2 cm. Contraindicada se gestação,
distúrbio de coagulação, infecção do trato urinário,
obstrução anatômica distal ao cálculo e aneurisma
arterial próximo ao cálculo.
Drenagem da via urinária, seja com cateter DJ ou
nefrostomia percutânea, é indicada em caso de
urolitíase obstrutiva associada a infecção do trato
urinário, deterioração da função renal ou
sintomatologia refratária.
A ureterolitotripsia semirrígida é a opção de escolha
para tratamento de cálculos ureterais distais.
Cálculos renais e ureterais proximais podem ser
tratados com ureterolitotripsia flexível.
NLP é a opção de escolha para cálculos renais
maiores do que 2 cm, incluindo coraliformes.
Pacientes com diagnóstico de litíase urinária devem
ser investigados com estudo metabólico.
Hipercalciúria é o distúrbio metabólico mais comum.

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Work-up of Patients with Urolithiasis: Indications and
Diagnostic Algorithm. Eur Urol Focus. 2017;3(1):62-
71.
Caso 37 | Neoplasia De
Próstata
Autores: Lucas Takemura, Hugo Octaviano Duarte Santos, Rafael
Rojas Claros
Orientador: Oliver Rojas Claros

História Clínica
A.C.F., 51 anos, sexo masculino, conta antecedente de
sintomas do trato urinário inferior que caracterizou como
jato urinário médio, sensação de esvaziamento vesical
incompleto e noctúria três vezes há dois anos. Refere
que evoluiu com retenção urinária aguda há dois meses
após episódio de prostatite aguda e que esta com sonda
vesical de demora desde então. Fez tratamento
adequado com antibioticoterapia orientada por
urocultura. Dosagem de PSA da ocasião da retenção
urinária aguda foi de 62 e PSA controle atual de 14,9.
PSA de dois anos atrás era de 2,6. Conta que pai teve
diagnóstico de câncer de próstata. Foi submetido à
biópsia transretal de próstata e traz resultado que mostra
adenocarcinoma de próstata Gleason 5+4 em todos os
fragmentos.

Exame Físico
Encontrava-se em bom estado geral. Abdome globoso,
flácido e indolor.

Exame digital de próstata: próstata indolor, volume


maior que 80 g, endurecida bilateralmente com nódulo
palpável em base esquerda.

Exames Complementares

Exames laboratoriais

Resultado Valor de referência (VR)

PSA Total 14,9 ng/mL Inferior a 2,5 ng/ml

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Solicitados exames de imagem para estadiamento.

Ressonância multiparamétrica da pelve com próstata


com dimensão de 82 g e extensa lesão infiltrativa
acometendo ambos os lobos da base ao ápice, em
especial o aspecto posterior do lobo esquerdo. Presença
de comprometimento bilateral de feixe vasculonervoso e
envolvimento de ambas as vesículas seminais e do terço
distal da uretra prostática. Presença linfonodomegalias
nas cadeias ilíacas externas com até 3,9 cm. Cintilografia
óssea: áreas de concentração anômala do indicador em
asa do ilíaco esquerdo e acetábulo esquerdo e região
trocantérica do fêmur direito com características de
lesões secundárias ósseas. (Figura 1)

Figura 1 – Cintilografia óssea

Programada ressecção transuretral de próstata e


encaminhada para serviço de oncologia clínica para a
avaliação de tratamento sistêmico.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Quais são os principais fatores de risco para


câncer de próstata?

2. Como funciona o rastreamento do câncer de


próstata?
3. Qual é a importância da graduação histológica de
Gleason?

4. Quais são as opções de tratamento radical?

5. Qual é o principio racional do tratamento


sistêmico?

Discussão

Epidemiologia

O câncer de próstata (CaP) é o tumor sólido não


cutâneo mais comum nos homens de países ocidentais,
constituindo a segunda causa de óbitos por câncer.
Estimou-se o diagnóstico em cerca de 220.800 homens
americanos em 2015, com cerca de 27.540 mortes
relacionadas a esta patologia1.No Brasil,
aproximadamente 61.200 novos casos de CaP foram
diagnosticados em 20162.

Patogênese

O Cap surge porque as múltiplas divisões celulares


que ocorrem com o passar dos anos vêm acompanhadas
de discreta fragmentação dos cromossomos que se
privam de parte de seu material genético. Com o
decorrer do tempo, acumulam-se perdas dos genes
supressores, que liberam a atividade dos proto-
oncogenes e permitem a degeneração das células
prostáticas. Biomarcadores emergentes incluem genes
supressores (p53, p21, p27, NKX3.1, PTEN, Rb) e
oncogenes- Bcl2, c-myc, EZH2 e HER23,4.

Diagnóstico

A maioria dos tumores de próstata está na zona


periférica da próstata e por essa razão a maioria dos
homens não vai apresentar sintomas da doença em sua
fase inicial. Em estádios mais avançados, poderão
aparecer sintomas de dificuldade miccional relacionada
com a obstrução infravesical. Quando há disseminação a
distância, pode aparecer dor óssea (metástases ósseas).
Elevação nos níveis de PSA e exame digital de próstata
(EDP) suspeito são as principais indicações de biópsia da
próstata para fazer o diagnóstico histológico5.

O antígeno prostático específico (PSA) é uma


glicoproteína da família das calicreínas produzida pelo
epitélio prostático, e apesar de poder ser encontrado em
pequenas concentrações em outros tecidos, na prática
clínica, é considerado um marcador órgão-específico da
próstata1.

O PSA pode ser alterado por alguns fatores além do


CaP, como uso de medicamentos que interfiram no
metabolismo dos andrógenos (finasterida, dutasterida),
prostatite, hiperplasia prostática benigna (HPB) e
traumas, além de variar com a raça e a idade. Também é
necessário ressaltar que não há valor de PSA que exclua
a chance de CaP; quanto maior o PSA, maior a chance de
CaP e de tumor significativo6.

Com relação à biópsia, devem ser retirados pelo


menos 12 fragmentos, com uma maior avaliação da zona
periférica prostática7. Caso seja indicada uma rebiópsia e
os exames prévios não forem diagnósticos para CaP, está
indicada a realização de uma biópsia sistemática
associada ao exame de lesões suspeitas visualizadas na
ressonância multiparamétrica de próstata (RNMmp)8.

Graduação histológica de Gleason

Baseia-se na diferenciação glandular e no padrão


arquitetural. De acordo com este sistema, o grau
(padrão) histológico poderá ser de 1 a 5. É calculado pela
soma do padrão histológico mais comum e o padrão
histológico mais alto do fragmento biopsiado, sendo
assim o escore final pode variar de 2 a 109.

Rastreamento de Cap

Existem boas evidências que desaconselham o


rastreamento populacional em massa do CaP, mostrando
que os benefícios que seriam esperados de redução de
mortalidade específica não se justificam diante dos riscos
advindos do rastreamento, tais como excesso de
diagnósticos de tumores sem repercussão clínica,
tratamentos excessivos para doenças indolentes e
morbimortalidades10.

Por outro lado, os estudos de rastreamento de melhor


metodologia mostraram uma redução do risco relativo de
mortalidade por CaP de 21% no estudo ERSPC após 13
anos11. Há uma tendência atual de se realizar o
rastreamento do CaP de forma mais seletiva e
individualizada, para homens previamente informados
dos riscos e benefícios do rastreamento, levando-se em
consideração basicamente a idade, fatores de risco, tais
como raça negra e antecedente familiar, e a expectativa
de vida.

A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) recomenda


que todos os homens com idade acima de 50 anos
devam realizar o exame de PSA, bem como o EDP.
Homens da raça negra ou com antecedente familiar da
doença deverão começar o rastreamento aos 45 anos. A
idade limite para o rastreamento é até 75 anos ou em
homens com expectativa de vida menor que 10 anos12.

Estadiamento

Os principais fatores prognósticos no câncer de


próstata são: o estádio TNM, o escore de Gleason e os
níveis de PSA. Com base nesses dados, os pacientes
podem ser classificados em relação ao risco de recidiva.
Dividem-se os casos em risco baixo, intermediário e alto,
conforme a classificação de D’Amico13.

A RNMmp pode ser empregada no diagnóstico, no


estadiamento local e na distância. O exame tem
demonstrado papel importante também na vigilância
ativa e no planejamento cirúrgico14.

O aspecto típico de uma lesão suspeita nas imagens


ponderadas em T2 da RNMmp é a presença de hipossinal
na zona periférica. No CaP, o aumento da vascularização
mostra um padrão de intenso e rápido realce pelo
contraste (wash-in), seguido de um clareamento rápido e
intenso (wash-out) na fase DCE. O CaP apresenta uma
densidade celular aumentada em relação ao tecido
prostático normal, o que acarreta maior restrição à
difusão15.

A cintilografia óssea (CO) está indicada no


estadiamento do CaP recém-diagnosticado em pacientes
com PSA > 20 ng/ml, ISUP ≥ 3, estádio clínico T3 ou T4,
dor óssea ou CaP com recidiva bioquímica16.

Tratamento

O CaP é considerado localizado quando não apresenta


extensão extracapsular ou para as vesículas seminais,
disseminação para linfonodos regionais ou metástases
(T1-T2). Nesses casos, o paciente é candidato a uma das
seguintes opções: terapia de preservação tecidual
(conduta expectante, vigilância ativa ou terapia focal),
prostatectomia radical, braquiterapia e radioterapia
externa17.

As diretrizes da European Association of Urology (EAU)


reconhecem que cerca de 45% dos homens com CaP
localizado detectados por PSA não se beneficiarão do
tratamento definitivo radical, o que abre perspectiva
para abordagem de preservação de tecido. A escolha do
tratamento não radical depende da expectativa de vida,
das características do tumor e da intenção do tratamento
(curativo vs. paliativo)17.

Vigilância ativa está indicada em cenário curativo e


tem como objetivo poupar pacientes com uma
expectativa de vida superior a dez anos de morbidades
desnecessárias, visando alcançar o momento ideal – caso
este chegue –, para se propor o tratamento curativo. O
protoco mais aceito preconiza os seguintes critérios de
inclusão: T1, Gleason < 6, densidade do PSA < 0,15, e no
máximo dois fragmentos positivos com até 50% de
acometimento de cada fragmento. A vigilância ativa é
feita através de um calendário predefinido de exames de
toque retal, testes de PSA, varreduras com ressonância
magnética (RM) e rebiópsias da próstata18.

A prostatectomia radical (PR) é considerada o padrão


ouro para o tratamento de CaP localizado19 usualmente
para pacientes com expectativa de vida superior a dez
anos17. Trata-se de cirurgia para remoção da próstata e
vesículas seminais, com anastomose entre a uretra e o
colo vesical. Tal procedimento pode ser realizado através
das vias abertas retropúbica ou perineal,
videolaparoscópica ou robótica. Não existem evidências
científicas de boa qualidade que demonstrem
superioridade de uma técnica sobre a outra no que diz
respeito ao controle da doença20.

Radioterapia externa tem sido muito utilizada no


tratamento do Cap localizado, sendo particularmente útil
nos indivíduos com alto risco cirúrgico. Radioterapia
conformacionada na próstata com planejamento
computadorizado (RT) em fase única com dose de 74 a
78 Gy (2 Gy/dia) no acelerador linear de alta energia
mostrou-se superior em termos de controle local da
doença em relação às doses mais baixas, com 64 ou 70
Gy. De modo geral, recomenda-se o bloqueio hormonal
adjuvante à radioterapia em pacientes com doença
localizada com risco intermediário por um período de seis
meses e com alto risco por pelo menos dois anos21.

Os pacientes com adenocarcinoma de próstata podem


ser detectados com doença avançada no momento do
diagnóstico pelos exames de estadiamento, quando se
evidencia acometimento ósseo, visceral ou linfonodal.
Após tentativa de tratamento curativo, configura-se
doença avançada pela recidiva bioquímica (caracterizada
pela elevação do PSA) ou pela progressão clínica da
doença. A terapia de privação androgênica (TPA) é
realizada por meio da supressão da secreção de
andrógenos testiculares ou por meio da inibição da ação
dos andrógenos no nível de seu receptor. Constitui-se no
pilar do tratamento do câncer de próstata avançado. Os
principais efeitos colaterais da supressão hormonal são a
diminuição de libido, a disfunção erétil, presença de
fogachos, ganho de peso com perda de massa muscular,
ginecomastia e aumento no índice de eventos
cardiovasculares22.

A orquiectomia bilateral, seja total ou subcapsular,


trata-se de procedimento simples, virtualmente isento de
complicações e que pode ser feito sob anestesia local,
além de ser a abordagem mais custo-efetiva23. Os
agonistas de LHRH constituem outra modalidade de TPA.
Seu mecanismo de ação se dá pela subexpressão dos
receptores de LHRH na hipófise anterior, que ocorre após
exposição crônica ao LHRH, inibindo a produção de LH e,
por consequência, da testosterona, que cai para níveis de
castração após 2 a 4 semanas24.

Estudos sugerem que 10% a 20% dos pacientes com


CaP metastático desenvolverão doença castração-
resistente (CaPMRC) em 5 anos, com sobrevida média de,
aproximadamente, 14 meses. A prevalência de CaPMRC
corresponde a 17,8% dos pacientes com CaP25.
O tratamento sistêmico dos pacientes com CaP
resistente à castração metastática evoluiu muito com
quimioterapias que mostram ganho de sobrevida global,
com melhora de qualidade de vida e com toxicidades
aceitáveis. O cenário para os pacientes com CaPMRC
mudou após estudos prospectivos randomizados com
tratamentos à base de docetaxel, cabazitaxel,
abiraterona e enzalutamida26-29.

Pontos Importantes
Indivíduos com expectativa de vida inferior a 10
anos não devem ser submetidos ao rastreamento
para CaP.
Vigilância ativa é uma modalidade terapêutica que
pode ser recomendada para pacientes portadores
de CaP de baixo risco.

O PSA é considerado um marcador órgão-específico


da próstata, e não câncer específico. Porém, ainda é
o mais importante marcador para detecção precoce
do câncer de próstata.

A biópsia prostática está indicada quando o exame


digital de próstata se encontra alterado ou na
vigência de alguma alteração suspeita de PSA.

Os principais fatores prognósticos no CaP são: o


estádio TNM, o escore de Gleason e os níveis de
PSA.
Ante o diagnóstico de CaP localizado, é fundamental
estimar os grupos de risco e o prognóstico, a fim de
realizar adequadas escolhas terapêuticas.

A prostatectomia radical (independentemente das


vias de acesso) é padrão-ouro para indivíduos com
boa saúde e maior expectativa de vida e com Cap
localizado.

Radioterapia é adequada para pacientes mais


idosos ou com contraindicação ou resistência à
cirurgia.

No CaP avançado, o uso da terapia de privação


androgênica reduz significativamente a progressão
da doença e previne complicações.
A terapia de privação androgênica esta associada à
síndrome metabólica, à aceleração da perda de
massa óssea e muscular, ao déficit cognitivo e à
disfunção sexual.

Quimioterapias mostram ganho de sobrevida global,


com melhora de qualidade de vida e com
toxicidades aceitáveis para pacientes com câncer de
próstata resistente à castração.

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Caso 38 | Neoplasia
Renal
Autor: Yuri Souza Botelho
Orientador: Felipe Saraiva Bernardes

História Clínica
E.P.V., 72 anos, sexo masculino, solteiro, residente de
Taboão da Serra, SP. Referenciado para atendimento
ambulatorial após achado em TC de abdome e pelve,
exame motivado por dor lombar bilateral inespecífica há
1 mês, com resolução espontânea e completa.
Atualmente assintomático, nega hematúria ou sintomas
urinários.

Paciente diabético tipo 2, hipertenso, em uso de


metformina, hidroclorotiazida, nifedipino, propranolol e
sinvastatina. Sem antecedentes cirúrgicos.

Exame Físico
Sinais vitais: PA 140x90mmhg; FC 90bpm; FR 16;
SatO₂ 97%aa.
Paciente em bom estado geral, consciente,
orientado em tempo e espaço.

Corado, hidratado, anictérico, afebril.


Exame cardiopulmonar sem alterações.

Abdome plano, flácido, ruídos hidroaéreos


presentes. Sem visceromegalias. Teste de punho-
percussão lombar (Giordano) negativo.

Prosseguimento do caso após avaliação


clínica

Solicitados exames laboratoriais gerais e avaliação de


TC prévia.

Exames Complementares

Laboratoriais

Hb 13,9 g/dl (12,0 – 15,5)

Ht 41,5% (35 - 45)

Leucócitos 3,37 mil/mm³ (3,5 – 10,5)

Plaquetas 164 mil/mm³ (150 – 450)


PCR 3 mg/L (< 5,0)

Ureia 44 mg/dl (10 – 50)

Creatinina 0,86 mg/dl (0,6- 1,1)

Potássio 5,3 mEq/L (3,5 – 5)

Sódio 151 mEq/L (135 – 145)

INR 1,02 (0,95 – 1,2)


R 1,21 (0,8 – 1,2)

Tomografia computadorizada de abdome e pelve

Achado De Maior Relevância Na


TC De Abdome E Pelve
Lesão sólida nodular hipervascular no terço médio do
rim esquerdo, posterior e parcialmente exofítica,
medindo 4cm no maior diâmetro. Ausência de
linfonodomegalias.

Outros Achados Na TC
Presença de cistos renais simples bilaterais, o maior
no terço superior do rim direito medindo 7,5cm (Bosniak
I). Cistos com fina septação no terço inferior do rim
esquerdo, medindo 3,4cm (Bosniak II).

Demais estruturas anatômicas sem alterações.

Hipótese Diagnóstica: Neoplasia Maligna Renal


Esquerda e Cistos renais bilaterais.

Complementação de estadiamento com Tomografia


Computadorizada de Tórax: sem evidência de doença a
distância.

Paciente submetido a Nefrectomia Parcial Esquerda


Videolaparoscópica: clampeamento arterial por 15
minutos, e fechamento de leito renal com sutura e cola
cirúrgica.

Mantido repouso absoluto em 1º PO, recebe alta no 3º


PO após retirada de dreno abdominal.

Exame Anatomopatológico revelou: Carcinoma Renal


tipo Células Claras de 5cm com margens livres.
Estadiamento final: pT1b.

Paciente assintomático no retorno, em seguimento


com TC de controle a cada 6 meses.

Questões Para Orientar a Discussão


1. Avaliação de imagens incidentais do rim: quando é
preocupante?

2. Diagnóstico de tumores renais: quais tipos


histológicos e os diferenciais?

3. Biópsia em massas renais: quando indicar?

4. Como e quando tratar cirurgicamente os tumores


renais?

5. Neoplasia renal metastática: quais opções de


tratamento?

Discussão

Conceitos

Lesões renais incidentais são comuns devido ao uso


atual disseminado dos exames de imagem. A grande
maioria delas são cistos simples, sem realce após uso de
contraste, e não necessitam de tratamento. Porém a
presença de cistos complexos ou massas sólidas são
sugestivas de câncer.

O diagnóstico diferencial de massas renais é amplo,


compreende etiologias vasculares, infecciosas,
inflamatórias e neoplásicas (tabela 1).
A abordagem inicial consiste em excluir esses
diferenciais e determinar se os achados de imagem são
suspeitos para doença renal neoplásica maligna.

Uma minoria dos pacientes demonstram sintomas na


apresentação de tumores renais, consequência de
crescimento local, metástases ou síndromes
paraneoplásicas. A tríade clássica hematúria, massa
abdominal palpável e dor em flanco está presente em
menos de 5% dos novos casos.¹
Tabela 1 –Diagnósticos diferenciais de massa renais.

Etiologias Diagnósticos Diferenciais

Malignos: Carcinoma renal, carcinoma urotelia, linfoma,


Neoplásica cistos complexos, Tumores retroperitoniais, metástases.
Benignos: oncocitoma, angiomiolipoma.

Infecciosa Pielonefrite aguda, Abscesso renal, Tuberculose.

Vascular Infarto renal.

Inflamatória Pielonefrite Xantogranulomatosa.

Hipertrofia da Coluna de Bertin, rim em “dromedário,


Congênito
lobulações fetais.

Epidemiologia

Mundialmente, o carcinoma de células renais (CCR) é


o sexto tipo de câncer mais comumente diagnosticado
em homens, e o décimo em mulheres (respectivamente
5% e 3% dos diagnósticos oncológicos). Ocorre
predominantemente entre a sexta e oitava década de
vida, com uma idade média de 64 anos.²
No Brasil, para o ano de 2018 estima-se uma média
de 6.270 novos casos de Câncer de rim,³ com
mortalidade de 3 para cada 100 mil habitantes.⁴

Por razões ainda desconhecidas, houve um aumento


na incidência de CCR desde 1990. Parte desse
crescimento é provavelmente decorrente do diagnóstico
incidental de massas renais durante a realização de
exames de imagem e embora a maior parte dos
diagnósticos seja de lesões menores, a doença avançada
continua sendo estatisticamente prevalente com até 17%
dos pacientes apresentando metástase à distância no
momento do diagnóstico.⁵

Os fatores de risco mais envolvidos são idade, sexo


masculino, história familiar, hipertensão e obesidade. A
doença renal terminal, exposição ambiental a solventes e
síndromes familiares também estão associados.⁶

Patogênese

Os carcinomas de células renais (CCR) são os


cânceres originados das células do córtex renal, e
representam 80% a 85% de todas as neoplasias renais
primárias. Embora apresentem o mesmo subtipo
histológico, os CCR representam um grupo heterogêneo
de doenças do ponto de vista histológico e celular, o que
torna a sua classificação histológica algo de extrema
importância, uma vez que a determinação do subtipo
tem significativas implicações prognósticas e
terapêuticas.7,8

A variante mais comum de CCR é o carcinoma de


células claras (CCC), que representa 60-70% de todos os
CCR em adultos.⁹ Se origina do epitélio tubular dos
néfrons proximais e tem um comportamento agressivo
que pode variar de acordo com o grau histológico de
Fuhrman e presença de alterações sarcomatoides.
Recebe o nome de células claras por sua aparência
histológica, decorrente de um conteúdo citoplasmático
rico em lipídios e glicogênio.¹⁰ Decorre de uma mutação
esporádica em 95% das vezes, e nos 5% restantes, está
associado a síndromes hereditárias (como Von Hippel-
Lindau e esclerose tuberosa).

A segunda variante mais comum é o CCR papilífero


que corresponde a 5-20% dos CCR em adultos.¹¹ O termo
papilífero descreve as projeções digitiformes que podem
ser encontradas na maioria dos tumores. Pode ser
dividido em 2 tipos de acordo com sua aparência
histológica e comportamento biológico. O CCR papilífero
do tipo 1 tem um prognóstico mais favorável, e
geralmente se apresenta no estágio 1 ou 2 da doença. Já
o CCR papilífero do tipo 2 tem um prognóstico pior e está
frequentemente associado a tumores agressivos, no
estágio 3 ou 4.¹²
A terceira variante mais comum é o CCR cromófobo
(5-7%). Recebem esse nome pela dificuldade de
coloração no exame histopatológico. É o subtipo menos
agressivo dentre os CCR, com metástase à distância em
6-7%. Normalmente se apresenta como uma grande
massa compacta e solitária, sem necrose ou
calcificação.¹³

Outras variantes menos comuns são: cístico-sólidos,


tumores de ducto coletor (Bellini), medular e de
translocação, que correspondem juntos a menos de 5%
dos CCR.

Diagnóstico

Exames de Imagem

Devido os achados limitados na história e exame


físico, principalmente em tumores renais pequenos, os
exames de imagem têm papel fundamental no
diagnóstico. Ultrassonografia (US), Tomografia
Computadorizada (TC) e Ressonância Nuclear Magnética
(RNM) são os métodos mais utilizados.

Na avaliação de cistos renais, utilizamos a


classificação de Bosniak (Tabela 2) para estimar a
probabilidade de doença maligna, e definição de
conduta. Lesões Bosniak I e II são de baixo potencial
maligno, de manejo conservador. Já lesões Bosniak III ou
IV devem ser manejados tal como lesões sólidas.

Uma situação especial são cistos Bosniak IIF (letra F


indicando follow-up), cuja conduta é seguimento com
exames de imagem a cada 6 meses.¹⁴
Tabela 2 – Classificação de Bosniak.

Características Abordagem

Bosniak Paredes finas, sem septações ou calcificações,


Benigno.
I conteúdo homogêneo com densidade de água.

Paredes finas, podendo apresentar poucas e


Bosniak
finas septações não realçadas ou pequenas Benigno.
II
calcificações nas paredes ou septos.

Número maior de septações finas. Realce e Acompanhar


Bosniak espessamento mínimos das paredes ou septos. por até 5
IIF Pode apresentar calcificações que podem ser anos. Alguns
nodulares e espessas. são malignos.

Bosniak Paredes espessadas e irregulares, ou septos Cirurgia. 50%


III realçados. são malignos.

Cirurgia.
Bosniak Conteúdo claramente maligno com realce dos
Maioria é
IV componentes de tecido mole.
maligno.

Na presença de lesões sólidas ou nódulos, o principal


critério na diferenciação de lesões malignas é a captação
de contraste, sendo a TC de abdome o exame de escolha
para avaliação. Além disso, a TC fornece informações
sobre anatomia e função do rim contralateral e adrenais,
extensão local do tumor primário, acometimento tumoral
linfonodal e venoso.¹⁵
TC também é capaz de diferenciar os diagnósticos
diferenciais de lesões neoplásicas renais na grande
maioria dos casos. Entretanto, oncocitoma e
angiomiolipoma pobre em gordura, 2 tipos de lesões
benignas renais, fogem a essa regra. O diagnóstico
normalmente acaba sendo feito de maneira retrospectiva
após análise patológica.¹⁶

A RNM fica indicada em casos de alergia a contraste


iodado, insuficiência renal e na diferenciação de cistos
renais complexos (Bosniak IIF-III).¹⁷

Biópsia Renal

Lesões sólidas renais representam lesão maligna em


> 80% dos casos. Portanto, o diagnóstico por imagem é
suficiente para indicação de tratamento, sem
necessidade de amostragem histopatológica na grande
maioria dos casos.

Porém existem exceções, e a biópsia renal está


indicada nas seguintes situações:¹⁸

Leão metastática: diagnóstico histopatológico para


definição de tratamento sistêmico.
Terapia de Ablação renal.

Pacientes com Rim único.


Dúvida diagnóstica.
Estadiamento

O processo de estadiamento consiste em avaliar o


nível de acometimento tumoral, tanto localmente como a
distância. É um dos principais fatores para definição de
tratamento e para determinar o prognóstico da doença.

Além da imagem inicial com TC de abdome e pelve, o


estadiamento do tumor renal rotineiramente deve incluir
Rx ou TC do Tórax. Demais exames, como TC de crânio
ou Cintilografia óssea devem ser realizados na presença
de sintomas específicos ou em doença de grande
volume/avançada já no diagnóstico inicial.¹⁹

Apresentamos o sistema de estadiamento TNM


abaixo:
Tabela 3 – Classificação TNM 2017.

Tumor primário (T)

TX Tumor primário não pode ser avaliado.

T0 Sem evidência de tumor.

T1 ≤ 7cm, limitado ao rim.

T1a ≤ 4cm, limitado ao rim.

T1b > 4cm e ≤ 7cm, limitado ao rim.

T2 > 7cm, limitado ao rim.

T2a > 7cm e ≤ 10cm, limitado ao rim.

T2b > 10cm, limitado ao rim.

Se estende para os vasos renais ou tecidos perirrenais, mas não


T3
invade adrenal ipsilateral ou fáscia de Gerota.
Tumor primário (T)

Se estende para veia renal ou ramos, ou invade sistema


T3a
pielocalicinal, ou invade tecido perirrenal, mas não invade Gerota.

T3b Se estende de forma grosseira para a cava infradiafragmática.

Se estende para a cava supradiafragmática ou invade a parede da


T3c
cava.

T4 Invade além da fáscia de Gerota.

Linfonodos regionais (N)

Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados.

N0 Sem metástases em linfonodos regionais.

N1 Presença de metástases em linfonodos regionais.

Metástases à distância (M)

M0 Sem metástases à distância.

M1 Presença de metástases à distância.

Estágio T N M

I T1 N0 M0

II T2 N0 M0

III T1 ou T2 N1 M0

T3 N0 ou N1 M0

IV T4 Qualquer N M0

Qualquer T Qualquer N M1

Tratamento
Devemos levar em conta o tamanho da lesão, sua
localização, a condição clínica global do paciente, além
da presença de metástases, para definir o melhor
tratamento. O objetivo é obter controle oncológico com
mínima perda de função renal e baixa morbidade.

Atualmente, as modalidades de tratamento


disponíveis para doença local são: cirurgia, ablação e
vigilância ativa.

Cirúrgico: classicamente, a nefrectomia radical era o


método de escolha para o tratamento dos tumores
renais. Entretanto, a partir da década de 90, a cirurgia
parcial se consolidou como técnica de escolha,
principalmente em pequenas massas (<4cm).
Atualmente, a nefrectomia parcial pode ser indicada até
mesmo em lesões maiores (T1 e T2) quando
tecnicamente factíveis, enquanto cirurgia radical fica
reservada para grandes lesões, com acometimento local
avançado, invasão de estruturas adjacentes ou na
presença de trombos tumorais.²⁰

A via de acesso depende da experiência do cirurgião,


custos e disponibilidade de material, porém ambos
procedimentos podem ser realizados por via aberta,
laparoscópica ou robótica.²¹

Não existe benefício comprovado em linfadenectomia


de rotina para pacientes com tumor renal, devendo ser
realizada apenas quando identificado lesões linfonodais
suspeitas no estadiamento.²² A realização de
adrenalectomia associada à nefrectomia também
somente deve ser realizada se já existir acometimento
pela lesão renal.²³

Não Cirúrgico:

Ablação: radioablação e crioablação, realizados de


forma percutânea ou laparoscópica, podem ser indicados
em massas renais pequenas (<4cm). Apresentam
menores taxas de complicação quando comparados a
nefrectomia parcial, porém com pior controle
oncológico,²⁴ sendo indicado em pacientes com múltiplas
comorbidades e maior risco cirúrgico.

Vigilância Ativa: Sabemos que até 1/3 das pequenas


massas renais podem ter evolução indolente.²⁵ Dessa
forma, em pacientes de idade avançada, com menor
expectativa de vida e comorbidades graves, pode ser
realizado apenas seguimento com TC, em casos
selecionados.²⁶

Tratamento Sistêmico: os tumores renais


historicamente não respondem aos regimes de QT
convencionais. A exceção são tumores com diferenciação
sarcomatoide.

Como alternativa, nos últimos 20 anos, outras formas


de terapia sistêmica (ex: imunoterapia, terapia alvo)
foram propostas, tanto em regimes de adjuvância como
em doença metastática.

O tratamento adjuvante não demonstrou benefício


claro em ensaios clínicos, não sendo indicado.

No contexto metastático, 3 classes de medicações se


destacam: interleucinas, inibidores de tirosina quinase
(TKI) e, mais recentemente, inibidores do controle
imunológico. Podem ser associados a nefrectomia
citorredutora em pacientes de baixo risco e oligo-
metastáticos. ²⁷

O racional de terapia inclui, de forma geral, o


tratamento de primeira linha com TKI (ex: sunitinibe) e
segunda linha com imunoterapia (ex: nivolumab), porém
as condutas devem ser individualizadas de acordo com
tipo histológico, scores de risco e discutidas com equipe
de oncologia clínica.²⁸

Pontos Importantes
A maioria dos pacientes com neoplasia renal se
apresentam com imagens incidentais do rim e
assintomáticos.
Os 3 principais tipos de carcinoma de células renais
são: carcinoma de células claras (CCC), papilífero e
cromófobo. CCC é mais prevalente e de pior
prognóstico.
A Tomografia computadorizada é o padrão ouro para
diagnóstico e estadiamento de carcinomas renais.
Todo cisto renal deve ser avaliado pela Classificação
de Bosniak para definição de conduta. Tratar cistos
Bosniak III/IV como lesões sólidas.
O diagnóstico de carcinoma renal se baseia em
exames de imagem, não sendo necessário biópsia
exceto em casos de doença metastática, dúvida
diagnóstica, rim único, ou quando se considera
terapia de ablação renal.
Nefrectomia parcial é modalidade de tratamento de
escolha para a maioria dos tumores até
estadiamento T2. Realiza-se a cirurgia radical em
casos de estadiamento mais avançado, com
proximidade de estruturas do hilo renal ou na
presença de trombos tumorais extensos.
Massas renais < 4cm, considerar terapias
alternativas como ablação ou vigilância ativa, em
pacientes mais idosos e com múltiplas
comorbidades ou fragilidade.
Carcinoma de células renais não responde a QT
convencional.
O Tratamento de doença metastática envolve
drogas alvo ou imunoterapia, e deve ser realizado
em ambiente multidisciplinar com oncologia clínica,
baseando-se no tipo histológico e risco
individualizado, podendo ser associado a
nefrectomia citorredutora.

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Caso 39 | Epididimite
Autor: Hugo Octaviano Duarte Santos
Orientador: Oliver Rojas Claros

História Clínica
Paciente D.V.M.N., 43 anos, sexo masculino.

Paciente relata que há três semanas vem


apresentando dor de forte intensidade no testículo
direito, associada a episódios de febre de até 38,5°C. A
dor irradia para região inguinal direita e teve episódios
de náuseas sem vômitos. Não tem queixas em testículo
contralateral. Nega sintomas urinários. Não tem outras
queixas fora a dor e a febre. Relata ser sexualmente
ativo.

Esteve duas vezes em outro pronto-socorro. Na


primeira vez, foi medicado com anti-inflamatório e na
segunda vez recebeu alta com receita de ciprofloxacino,
tendo feito uso por cinco dias. Como não obteve melhora
com uso do antibiótico, retornou ao pronto-socorro.

Paciente nega outras doenças ou uso contínuo de


medicações

Nega cirurgias prévias


Exame Físico
Paciente febril ao toque. Temperatura axilar = 38,2°C.

Testículos tópicos e simétricos, não há hiperemia.


Epidídimo direito endurecido e doloroso à palpação em
toda sua extensão. Cordão espermático à direita
espessado e doloroso ao toque. Não há nodulações à
palpação do testículo direito.

Testículo e epidídimo esquerdo indolores e sem


alterações.

Paciente relata melhora da dor ao se elevar a bolsa


testicular.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Paciente encaminhado para sala de medicação, onde
realizou analgesia com dipirona sódica com alívio da dor.
Realizou também exames complementares de sangue e
USG doppler de bolsa testicular para avaliação do
quadro.

Exames Complementares

Exames laboratoriais
Exame Resultado Valor de referência (VR)

Hemoglobina (Hb) 14,5 g/dl VR: 12,0 - 15,5 g/dl

Leucócitos 6.730/uL VR: 3.500 - 10.500 /uL

Plaquetas 225.000 /uL VR: 150.000 - 450.000 /uL

Creatinina (Cr) 0,8 mg/dl VR: 0,5 - 0,9 mg/dl

Sódio (Na) 140 mEq/L VR: 135 - 145 mEq/L

Potássio (K) 4,4 mEq/L VR: 3,5 - 5,5 mEq/L

Proteína C reativa (PCR) 3,72 mg/L VR: < 5,0 mg/L

Exame de urina tipo I (EAS) colhido na entrada sem


alterações

Usg doppler

Figura 1
Figura 2

Questões Para Orientar a Discussão

1. Se aplicado o reflexo cremastérico no exame


físico, qual o achado esperado?

2. Quais as características no ultrassom-doppler


apontam para o diagnóstico?

3. Quais são os principais agentes causadores e por


qual motivo o tratamento com antibiótico não
resultou em melhora?

4. Qual o nome da manobra realizada no exame


físico que corrobora para o diagnóstico?

5. Quais medidas podem ser realizadas para aliviar


os sintomas?

Discussão
Conceitos

Epididimite é a causa mais comum de dor testicular


no departamento de emergência de adultos¹. Geralmente
tem como causa uma infecção bacteriana, porém pode
ocorrer de forma subaguda, sugerindo etiologia não
infecciosa, como autoimune ou trauma.

Em alguns casos, a epididimite pode causar edema e


dor testicular, caracterizando uma orquiepididimite,
apesar de isso não alterar a forma de abordagem desses
casos². A orquite sem epididimite é uma condição mais
rara, normalmente associada a infecções virais como
caxumba.

Epidemiologia e Patogênese

Epididimite é mais comum em homens jovens com


vida sexual ativa.

Bactérias chegam até o epidídimo de forma


retrógrada, via ductos deferentes. Raramente a
epididimite pode ocorrer por disseminação hematogênica
de bactérias.

Pode-se separar o agente etiológico mais comum


dependendo da idade do paciente. Em pacientes mais
jovens, com menos de 35 anos, bactérias sexualmente
transmissíveis como Nesseria gonorrhoeae e Chlamydia
trachomatis são as mais prevalentes. Já nos pacientes
mais velhos há maior prevalência de Escherichia Coli e
outras enterobactérias. Outros agentes causadores de
epididimite menos frequentes incluem o Mycobacterium
tuberculosis⁵.

Diagnóstico

A maioria dos pacientes chega ao pronto-socorro com


quadro de dor em testículo unilateralmente associada ou
não a edema do testículo. No exame físico é possível
notar a presença de dor ao se palpar a face posterior dos
testículos e eventualmente ao se palpar o cordão
espermático. Em alguns casos, há alívio da dor ao se
elevar a bolsa testicular com a mão aberta abaixo dela
(Manobra de Prehn).

Algumas vezes, o paciente pode ter dor intensa, com


irradiação para região inguinal ipsilateral, febre e
sintomas irritativos urinários. Não é incomum a história
de febre. Em homens com história de hiperplasia benigna
da próstata ou com história recente de instrumentação
de trato urinário, a epididimite pode vir associada a um
quadro de prostatite, deixando o quadro de sintomas
mais florido.

O principal diagnóstico diferencial da epididimite é a


torção testicular, cujo diagnóstico rápido e preciso é
indispensável para decidir sobre a realização ou não de
abordagem cirúrgica. O diagnóstico é presuntivo,
baseado na anamnese e no exame físico após exclusão
da possibilidade de torção testicular. Em todos os casos
suspeitos, exames de urina, urocultura e pesquisa de
antígenos de Chlamydia trachomatis e Neisseria
gonorrhoeae devem ser solicitados. É importante
ressaltar que na maioria dos pacientes o resultado dos
exames de urina vem negativo⁶.

O ultrassom doppler é uma ferramenta útil no auxílio


diagnóstico e demonstrará aumento do fluxo vascular ao
doppler no testículo afetado.

Tratamento

A maioria dos pacientes é tratada com antibiótico via


oral, analgesia com anti-inflamatórios e medidas de
suporte para reduzir a dor, tal como aplicação local de
gelo e elevação da bolsa testicular com suspensório
escrotal.

Os antibióticos de escolha variam conforme a idade


do paciente, pois aqueles mais jovens possuem maior
propensão a ter epididimite de origem sexualmente
transmissível.

Em pacientes < 35 anos preconiza-se o uso de


ceftriaxone para cobertura de Neisseria Gonorrhoeae e
de Doxiciclina ou Azitromicina objetivando a cobertura
para Chlamydia trachomatis. Fluoroquinolonas não são
recomendadas para tratamento de orquiepididimite caso
se suspeite de infecção por Neiserria Gonorrhoeae
devido à resistência desenvolvida por essa bactéria a
essa classe de antimicrobianos.

Para aqueles pacientes > 35 anos e em baixo risco


para contração de doenças sexualmente transmissíveis,
a cobertura antimicrobiana deve mirar enterobactérias,
sendo o Levofloxacino uma boa opção, bem como
sulfametoxazol-trimetoprim⁷. Espera-se uma resposta
aos antimicrobianos prescritos após 48-72h do início das
medicações; caso não haja melhora, deve-se considerar
a presença de resistência bacteriana ou até mesmo outra
causa para a dor testicular⁵.

Pontos Importantes
A epididimite pode ser causada por infecção
bacteriana ou não. Em se tratando de infecção
bacteriana, a idade do paciente pode indicar o
agente causador, auxiliando na escolha
antimicrobiana. Nos pacientes sexualmente ativos,
deve-se considerar Nesseria gonorrhoeae e
Chlamydia trachomatis como prováveis agentes
causadores.
A intensidade da dor que o paciente apresenta não
tem relação com o diagnóstico da causa da dor
testicular. A dor da epididimite pode ser de leve a
intensa. O alívio da dor ao se elevar os testículos
(manobra de Prehn) fala a favor do diagnóstico de
epididimite.

O ultrassom doppler é o exame complementar de


escolha para diagnóstico de epididimite, sendo o
achado típico a presença de aumento da
vascularização e edema do epidídimo, que indicam
inflamação local

O tratamento é baseado em alívio sintomático com


analgésicos e terapia antimicrobiana, devendo a
escolha do antibiótico ser baseada na idade do
paciente, se é ou não sexualmente ativo e também
baseado no perfil de resistência antimicrobiana do
local.

Referências
1. Trojian TH, Lishnak TS, Heiman D. Epididymitis and
orchitis: an overview. Am Fam Physician. 2009;
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Genitourin Med. 1986; 62:342.
5. Eyre, RC. Evaluation of acute scrotal pain in adults.
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testicular problems. Prim Care. 2010; 37:613.

7. Workowski KA, Bolan GA, Centers for Disease


Control and Prevention. Sexually transmitted
diseases treatment guidelines, 2015. MMWR
Recomm Rep. 2015; 64:1.
Caso 40 | Torção De
Testículo
Autor: Hugo Octaviano Duarte Santos
Orientador: Oliver Rojas Claros

História Clínica
Paciente M.H.M., 20 anos, sexo masculino.

Relata que há quatro dias iniciou com dor em testículo


direito de forma súbita com piora progressiva. Associado
à dor, apresentou náuseas sem vômitos. Não notou
irradiação da dor. Diz que não procurou serviço de saúde
antes, pois pesquisou na internet sobre dor testicular e
acreditou que iria melhorar sozinho. Como não obteve
melhora, procurou o hospital.

Nega hematúria, disúria ou outros sintomas urinários.


Nega ter tido febre.

Nega ter doenças ou fazer uso contínuo de


medicações.

Exame Físico
Sinais vitais: PA 125x90; FC 92bpm; Temperatura
axilar = 35,6°C
Nota-se testículo direito horizontalizado e elevado
na bolsa testicular, com hiperemia e espessamento
da pele adjacente. Testículo esquerdo tópico, sem
alterações.

À palpação, o testículo e epidídimo direito


apresentam-se endurecidos e moderadamente
dolorosos ao toque.

Demais aspectos do exame físico sem alterações.

Prosseguimento do caso após avaliação


clínica

Inicialmente, foi prescrita analgesia com anti-


inflamatório (cetoprofeno) com melhora da dor. Também
foram solicitados exames complementares: laboratório e
USG doppler de bolsa testicular.

Exames Complementares

Exames laboratoriais

Exame Resultado Valor de referência (VR)

Hemoglobina (Hb) 13,6 g/dl VR: 12,0 - 15,5 g/dl

Leucócitos 11.080 /uL VR: 3.500 - 10.500 /uL

Plaquetas 160.000 /uL VR: 150.000 - 450.000 /uL

Creatinina (Cr) 0,8 mg/dl VR: 0,5 - 0,9 mg/dl

Sódio (Na) 141 mEq/L VR: 135 - 145 mEq/L


Exame Resultado Valor de referência (VR)

Potássio (K) 3,7 mEq/L VR: 3,5 - 5,5 mEq/L

Exame de urina tipo I (EAS) colhido na entrada sem


alterações

Usg doppler

Figura 1
Figura 2

Questões Para Orientar a Discussão

1. No exame físico, qual sinal observado aponta para


um pior prognóstico em relação à possibilidade de
preservação do testículo?

2. Qual outro teste poderia ter sido realizado no


exame físico que apontaria para o diagnóstico de
torção testicular?

3. Quais são os principais diagnósticos diferenciais?

4. Se indicada cirurgia, em até quanto tempo após o


início dos sintomas há maior chance de
preservação do testículo?
5. Em eventual abordagem cirúrgica em que se
necessite realizar orquiectomia, qual outro passo
crucial na cirurgia não pode ser esquecido?

Discussão

Conceitos

Torção testicular e epididimite são as duas principais


causas de dor testicular que levam pacientes a
procurarem um pronto-socorro. Frente a um paciente que
chega ao departamento de emergência com dor
testicular, uma avaliação precisa, objetiva e rápida deve
ser realizada com o objetivo de identificar alguma
situação que necessite de intervenção cirúrgica de
urgência.

Na torção testicular, quanto maior o tempo de torção,


maior as chances de inviabilidade do testículo na
exploração cirúrgica. Acredita-se que o testículo sofre
dano irreversível após 12 horas de isquemia, sendo que o
processo de infarto e liquefação do testículo se inicia
após 6 horas do início do quadro1,2. Pacientes
submetidos à orquiectomia devido à torção testicular
estão em maior risco de desenvolver infertilidade,
mesmo com testículo contralateral normal, pois após a
retirada do testículo há uma reação imunológica com
formação de anticorpos antiesperma, afetando o
funcionamento do testículo remanescente3.

Existem outras causas de dor testicular, como torção


de apêndice testicular, que possui um quadro clínico
menos exuberante, geralmente com aparecimento mais
lento da dor, que pode ser de leve a severa1.

A gangrena de Fournier é uma fasceíte necrotizante


do períneo. Trata-se de uma infecção grave que gera dor
intensa e pode envolver a bolsa testicular. O diagnóstico
da Gangrena de Fournier deve ser estabelecido de
maneira precoce. Sinais que apontam para sua
ocorrência são o edema azulado da região acometida,
com crepitação da pele e presença de gás no
subcutâneo.

Outras causas menos comuns de dor testicular


incluem a orquite de origem viral (notadamente por
Caxumba), hérnias inguinais ou inguinoescrotais, dor
relacionada à obstrução ductal pós-vasectomia e
varicocele.

Epidemiologia e Patogênese

A torção testicular ocorre devido à fixação inadequada


do testículo à túnica vaginalis1. Com isso, há obstrução
do fluxo arterial e venoso, gerando isquemia e dor.
Quando instalada, a torção ocorre na maioria das vezes
no sentido medial (horário) em até 2/3 dos pacientes4. É
uma emergência urológica e acomete mais comumente
neonatos e meninos após a puberdade, porém pode
ocorrer em qualquer idade5. Cerca de 40% dos casos de
torção testicular ocorre em pacientes com mais de 21
anos6.

É possível que ocorra torção do testículo após algum


insulto traumático ou atividade física, porém ela também
pode ocorrer durante o repouso, espontaneamente.

Diagnóstico
O paciente com torção do testículo geralmente se
apresenta no serviço de emergência hospitalar com
história de dor de início abrupto de moderada a forte
intensidade, especialmente doloroso ao toque e com
edema. Pode haver apresentação subaguda do quadro,
com história de dor testicular intermitente,
especialmente em crianças1. Alguns pacientes podem
relatar náuseas e vômitos associados.

Durante o exame físico deve ser observado se há


sinais de horizontalização e elevação do testículo,
conhecido como sinal de Angel. Esse sinal ocorre devido
ao encurtamento do cordão espermático durante a
torção. Apesar de ser um sinal característico no exame
físico da torção testicular, muitas vezes o edema
reacional que ocorre no testículo após a torção pode
deixar dúvidas quanto à presença de horizontalização do
testículo. A presença do edema é um sinal que ocorre
cedo após a torção, porém ele é gradativamente
substituído por uma hidrocele reacional após o
estabelecimento de necrose e liquefação do testículo.
Após 12 a 24 horas do início dos sintomas ocorre o
desenvolvimento de hiperemia reacional da pele
adjacente a um testículo, sendo este sinal um preditor de
inviabilidade da gônada, uma vez que após 12 h do início
da torção o testículo já apresenta dano irreversível1,2.

Um teste que pode ser realizado nesses pacientes que


ajuda a diferenciar a torção testicular da epididimite é o
Reflexo Cremastérico. Como há torção do cordão
espermático (incluindo o Cremaster), ao se realizar um
estímulo na porção superior da coxa o músculo não
contrai, mantendo o testículo na mesma posição. Na
epididimite, quando o reflexo é testado, o músculo
Cremaster contrai, elevando o testículo.

O exame físico é o suficiente para presumir o


diagnóstico de torção testicular em casos típicos,
devendo o paciente ser encaminhado para tratamento
assim que possível. O ultrassom doppler é o exame
complementar de escolha nos casos suspeitos e
demonstrará ausência de fluxo vascular no testículo
afetado. A sensibilidade do ultrassom doppler varia de
82-100% e a especificidade é de 100%7-9. É importante
ressaltar que o Urologista deve sempre ser contatado
para dar seguimento ao caso, não devendo o tratamento
ser retardado ao se aguardar por exames
complementares. Caso não haja ultrassom doppler
disponível, a melhor opção é a exploração cirúrgica
imediata10.

Tratamento

O tratamento da torção testicular envolve a


exploração da bolsa testicular com redução da torção e
fixação do testículo acometido. O testículo contralateral
também deve ser avaliado e fixado, uma vez que a
fixação do testículo na túnica vaginal na maioria das
vezes é um defeito bilateral. Em caso de inviabilidade do
testículo torcido, com sinais de necrose, a orquiectomia
simples deve ser realizada e, se disponível, uma prótese
testicular pode ser alocada para substituir o testículo
removido. Este último passo também pode ser realizado
em um segundo momento, em outra abordagem
cirúrgica.

Uma redução manual da torção pode ser tentada,


caso não exista previsão para realizar cirurgia nas 2
horas subsequentes ao diagnóstico. Essa manobra
aumenta as chances de salvamento do testículo e
diminui a dor relacionada à torção1,4. Classicamente, a
manobra consiste em girar o testículo no sentido anti-
horário, porém é importante ressaltar que até 1/3 dos
pacientes fazem torção testicular no próprio sentido anti-
horário, o que tornaria a manobra ineficaz4. Mesmo em
eventual sucesso da redução manual, uma cirurgia deve
ser realizada na sequência para realizar orquidopexia
bilateral e avaliação do testículo afetado.

Pontos Importantes
Frente a um paciente com dor testicular que procura
o pronto-socorro, o principal objetivo deve ser
descartar a presença de torção testicular com
brevidade, pois quanto mais tempo de sintomas,
pior o prognóstico para a viabilidade do testículo
acometido.
Sinais no exame físico que apontam para presença
de torção testicular são a horizontalização do
testículo e ausência de reflexo cremastérico. A
presença de edema, aumento do volume do
testículo e dor podem ocorrer em outras causas de
dor testicular, como orquiepididimites, sendo estes
achados de pouco valor diagnóstico.
O testículo já pode sofrer dano irreversível após 12 h
do início do quadro de torção, mesmo período em
que se inicia o aparecimento de hiperemia da pele
da bolsa testicular, sendo este um sinal de pior
prognóstico.
O exame de escolha para diagnóstico é o Ultrassom
Doppler, porém não se deve postergar uma
indicação cirúrgica na suspeita do diagnóstico de
torção, caso o exame não esteja prontamente
disponível.
Durante a cirurgia para correção da torção
testicular, o testículo contralateral deve ser
explorado e fixado (orquidopexia), independente do
estado de viabilidade do testículo acometido.
Mesmo que o paciente submetido à orquiectomia
por necrose do testículo tenha seu testículo
contralateral de bom aspecto e bem fixado após
abordagem cirúrgica, há o risco de desenvolver
déficit na produção de espermatozoides por
mecanismos imunológicos.
Referências
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Testicular torsion: direction, degree, duration and
disinformation. J Urol. 2003; 169:663.
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acute scrotal pain. World J Urol. 2011; 29:639.
Caso 41 | Tireoide
Autores: Adriana Santos de Oliveira e Vergilius José Furtado de
Araújo Neto

História Clínica
Paciente do sexo feminino, de 87 anos, com
antecedente de hipotireoidismo, hipertensão arterial
sistêmica e bócio multinodular volumoso, classificação
Bethesda II. Relatava aumento do volume cervical há 7
anos, com sintomas compressivos em progressão e piora
recente. Em janeiro de 2016 apresentou episódio de
hemoptise, com necessidade de procurar atendimento de
emergência.

Exame Físico
Ao exame físico apresentava tireoide volumosa com
componente mergulhante à esquerda, pouco móvel à
deglutição, sem distensão veias jugulares externas.

Figura 1 – Bócio tireoidiano volumoso. Edema palpebral bilateral.


Prosseguimento Do Caso Após
Avaliação Clínica
TSH 1.55 (ref. 0,27 a 4,20 µIU/mL) T4l 0.92 (ref. 0,93 a
1,70 ng/dL) Ultrassonografia Cervical (19/11/2015)
nódulos no lobo direito, destacando-se o maior no terço
superior, misto, predominantemente sólido,
isoecogênico, de contornos regulares, sem halo ou
microcalcificações, medindo 1,7 (T) x 1,6 x 1,7 cm
(volume de 2,4 cc). Nódulo acometendo quase
completamente o lobo esquerdo, misto,
predominantemente sólido, isoecogênico, de contornos
lobulados, sem halo ou microcalcificações, medindo 8,4
(T) x 5,1 x 8,9 cm. Volume total da glândula: 221,4 cm3
(normal = 6 a 15 cm3).

Tomografia Cervical (10/05/2017): glândula tireoide de


dimensões acentuadamente aumentadas, destacando
maior volume do lobo esquerdo. Determina
deslocamento para direita de hipofaringe, laringe,
esôfago, traqueia. Comprime esôfago e causa redução da
coluna aérea traqueal (menores eixos no plano axial 0.9
x 0.5cm) Componente mergulhante ultrapassa em cerca
de 0.7 cm o plano da fúrcula esternal. Presença de vasos
proeminentes e congestos no subcutâneo da região
cervical. Imagem 02.
Figura 2 – Deslocamento da traqueia para direita com redução coluna aérea.
Seta: vasos proeminentes e congestos no subcutâneo da região cervical.

Broncoscopia (maio/2016): traqueia com sinais de


compressão extrínseca com comprometimento 40-50%
da luz traqueal nos dois terços proximais. Mucosa com
congestão importantes ectasias vasculares calibrosas em
toda extensão. Coto vascular apresentando sangramento
vivo e pulsátil na parede lateral direita (terço distal).
Realizada intubação orotraqueal com cuff insuflado
abaixo do local de sangramento. Tratamento do coto
vascular com injeção de solução milesimal de adrenalina
com controle efetivo do sangramento.

Figura 3 – Imagens bronscoscópicas demonstrada na sequência: congestão


vascular, coto vascular e adrenalização do coto.

Condução Do Caso
A paciente evolui sem mais episódios de hemoptise.
Recusou a cirurgia em novembro de 2016. Com piora dos
demais sintomas compressivos e aumento do volume do
bócio, foi submetida a tireoidectomia total em 11 de
maio de 2017. (Imagem 04). A Intubação orotraqueal
pela equipe anestésica ocorreu sem episódios de
sangramento. Procedimento cirúrgico totalmente por via
cervical anterior, sem intercorrências.

Figura 4 – Imagens do intraoperatório

Paciente recebeu alta no quarto pós-operatório. Em


avaliação ambulatorial pós cirúrgica, apresentava-se
eufônica, sem necessidade reposição de cálcio,
recebendo dose 75 mcg de levotiroxina e sem novos
episódios de hemoptise. A paciente recusou a realização
da broncoscopia de controle pós-operatório, todavia
apresentou regressão completa dos sintomas.

Anatomopatológico: Carcinoma Indiferenciado


(anaplásico) da tireoide. Componente bem diferenciado:
presença de áreas de componente bem diferenciado de
padrão papilífero com extensão extratireoidiana
presente.

Questões Para Orientar a Discussão


1. Quais as principais doenças de relevância cirúrgica
da glândula tireoide?

2. Qual a definição de bócio?

3. Quais os tipos de carcinomas da glândula tireoide?

4. Como conduzir um caso de nódulo de tireoide


assintomático?

5. Qual a apresentação clínica de um quadro de


tireoide volumosa?

6. Quais os principais cuidados intraoperatórios?

7. Quais as principais complicações pós-operatórias?

8. Discussão sobre carcinoma anaplásico de tireoide.

Discussão
A tireoide é uma glândula endócrina, localizada na
região cervical anterior, responsável pela regulação da
atividade metabólica de todo o corpo. Trata-se de um
órgão ricamente vascularizado e anatomicamente
relacionado com diversas outras estruturas nobres do
pescoço, como grandes vasos, as paratireoides, a
traqueia, a laringe e os nervos laríngeos 1,2,3,4,5,6,7.

As afecções das glândulas tireoides são diversas e


prevalentes. Podem se apresentar como aumento de sua
função (hipertireoidismo), diminuição da sua função
(hipotireoidismo), doenças inflamatórias (tireoidites),
doenças infecciosas (abscessos tireoidianos), nódulos
benignos, aumentos difusos ou neoplasias
malignas1,2,3,4,5,6,7.

Doenças Benignas da Tireoide

Podemos dividir as doenças benignas da tireoide em


duas categorias principais: alterações da sua morfologia
(bócios) ou alterações da sua função (hipertireoidismo ou
hipotireoidismo). Tais manifestações podem ocorrer
concomitantemente ou não. Neste portal, na sessão de
endocrinologia, você poderá ver a respeito de
hipertireoidismo e hipotireoidismo com mais
detalhes1,2,3,4,5,6,7.

Bócio

Bócio é definido como qualquer alteração morfológica


da tireoide (seja por nódulos ou aumento de seu volume)
que não seja provocado por doença maligna ou por
infecção1,2,3.

Os bócios podem ser classificados da seguinte


maneira:
O bócio é considerado endêmico quando associado à
carência nutricional de tireoide, situação muito rara
desde os anos 1960 no Brasil, quando foi instituída por
lei a obrigatoriedade da suplementação de iodo no
sal1,2,3.

Quando há alteração morfológica da tireoide não


associada à deficiência nutricional de iodo, o bócio é
chamado de “esporádico”, situação mais frequente.

Bócios podem ser difusos, quando não possuem


nódulos, ou nodulares, quando cursam com formação de
nódulos. A situação mais frequente são os bócios
nodulares assintomáticos, achados em exames de
rastreamento de rotina, como a ultrassonografia do
pescoço1,2,3.
Por fim, do ponto de vista fisiológico, os bócios podem
ser divididos em tóxicos, quando cursam com
hipertireoidismo, ou simples, quando o paciente é
eutireoideo ou hipotireoideo 1,2,3.

A apresentação clínica do bócio é dependente de duas


principais variáveis1,2,3

Volume: bócios volumosos cursam com sintomas


compressivos, que são a dispneia, a disfagia e a
disfonia
Função tireoidiana: bócios tóxicos cursam com
sintomas de hipertireoidismo.

Diagnóstico

O bócio pode ser diagnosticado em pacientes


assintomáticos, por exame de rotina, como a
ultrassonografia cervical. Nódulos de tireoide
representam afecção muito frequente do parênquima
tireoidiano, sendo estimado que cerca de 50% da
população acima dos 50 anos, especialmente do sexo
feminino, poderá apresentar um nódulo de tireoide1,2,3.

Entretanto, o diagnóstico pode ser suspeitado


também diante da apresentação clínica previamente
mencionada, com sintomas de compressão ou por conta
de hipertireoidismo1,2,3.
Exames Complementares

O primeiro exame definidor de conduta diante de um


quadro de bócio é a avaliação laboratorial da função
tireoidiana, para determinar se estamos diante de um
bócio simples ou tóxico, conforme o esquema
abaixo1,2,3,7:

Diante de um TSH baixo, temos o diagnóstico de bócio


tóxico (excluindo-se outras causas de tireotoxicose, vide
vídeo específico sobre hipertireoidismo e
tireotoxicose)1,2,3,7.

Com o diagnóstico de bócio tóxico, é importante


diferenciar se o nódulo que está sendo responsável pelo
quadro de hipertireoidismo, por ser hiperprodutor de
hormônios (bócio nodular tóxico) ou se o parênquima
tireoidiano não nodular está causando a síndrome da
tireotoxicose, independente da presença do nódulo. Para
isso, nos valemos de um exame de medicina nuclear
chamado de cintilografia de tireoide1,2,3,7.

A cintilografia permite o mapeamento funcional da


tireoide e, em áreas de maior captação de iodo
radioativo, concluímos que há maior atividade glandular,
permitindo a diferenciação de nódulos tóxicos e nódulos
simples1,2,3,7.

É importante ter em mente que nódulos tóxicos


(conhecidos como “quentes”) não devem ser
puncionados. A punção da tireoide tem o propósito de
avaliar risco de malignidade, porém nódulos quentes
praticamente nunca são causados por câncer, mas as
alterações metabólicas locais que levam à toxicidade
podem levar também a alterações citológicas que dão
um resultado falso-positivo ou inconclusivo, gerando
grande ansiedade ao paciente1,2,3,7.

Para nódulos frios, o próximo passo diagnóstico é a


avaliação ultrassonográfica com radiologista experiente,
para determinar se há características radiológicas
sugestivas de malignidade. São elas1,2,3,7:

Nódulos sólidos hipoecogênicos.

Margens irregulares.
Microcalcificação.

Vascularização central ao Doppler.


Nódulos mais altos do que largos.

Nódulos com baixa suspeição de malignidade devem


ser puncionados quando maiores que 1,5 cm. Em casos
de suspeita intermediária ou alta, a punção está indicada
em nódulos acima de 1,0 cm, ou menores, a depender do
contexto clínico, caso a suspeita seja muito alta4,5,6.

A punção aspirativa por agulha fina é um exame de


caráter citológico e que, portanto, tem suas limitações
para diagnosticar malignidade. Utiliza-se a Classificação
de Bethesda para predizer a probabilidade de
malignidade do material aspirado na punção4,5,6:

RISCO DE
CATEGORIA
MALIGNIDADE MANEJO CLÍNICO
DIAGNÓSTICA
(%)

(I)Amostra não Repetir a PAAF com


-
diagnóstica auxílio de ultrassom

(II)Benigno 0-3 Seguimento clínico

(III)Atipias de Significado
5-15 Repetir PAAF
Indeterminado

(IV)Suspeito de
15-30 Cirurgia: lobectomia
Neoplasia Folicular

(V)Suspeito de Cirurgia: Tireoidectomia


60-75
Malignidade ou lobectomia

(VI)Maligno 97-99 Cirurgia: Tireoidectomia

Carcinoma da Tireoide

Existem dois tipos de células que compõem e a


tireoide: a célula folicular e a célula parafolicular (célula
C)4,5,6.

Sendo assim, os tipos de câncer de tireoide podem ser


divididos da seguinte maneira 4,5,6:
Carcinoma de Tireoide proveniente de
Células Foliculares

O tipo mais comum de câncer de tireoide é o


proveniente das células foliculares. Dentre eles, o mais
frequente é o Carcinoma Papilífero de Tireoide4,5,6.

As células neoplásicas podem apresentar diferentes


graus de diferenciação, sendo que, quanto mais
diferenciado, melhor tende a ser o prognóstico do
paciente. O carcinoma anaplásico de tireoide, que é o
mais indiferenciado, é uma das doenças mais agressivas
que acometem o ser humano, com mortalidade próxima
a 100% em 6 meses após o diagnóstico4,5,6.

Já os carcinomas papilíferos de tireoide bem


diferenciado, salvo algumas exceções, costumam
apresentar excelente prognóstico, com altos índices de
cura e grande tempo de sobrevida livre de doença, na
maioria dos casos4,5,6.
As células do carcinoma de tireoide bem diferenciados
resguardam características similares às células
foliculares saudáveis, dentre as quais, destacamos4,5,6:

Capacidade de captação de iodo.

Resposta aos estímulos de TSH.


Capacidade de produção de tireoglobulina.

O entendimento dessas características é de


fundamental importância para falarmos sobre
diagnóstico, tratamento e seguimento desses
doentes4,5,6.

O paciente portador de câncer bem diferenciado de


tireoide normalmente se apresenta de uma das seguintes
maneiras4,5,6:

Nódulo de tireoide: que pode ter um crescimento


mais rápido, e ser endurecido.

Linfonodomegalia cervical, que muitas vezes tem


um aspecto cístico.

O diagnóstico é feito por punção aspirativa por agulha


fina (PAAF), que apresenta suspeita ou confirmação de
malignidade (Bethesda III, IV, V ou VI)4,5,6.

Diante do diagnóstico, é importante realizar algum


exame de imagem para melhor estadiamento do pescoço
(ultrassonografia ou tomografia computadorizada com
contraste são os mais utilizados, mas pode-se também
se valer de uma Ressonância Magnética, em alguns
casos), exame de laringoscopia direta, raio-X ou
tomografia de tórax e dosagem de antitireoglobulina4,5,6.

Se houver linfonodomegalia cervical, ela deve ser


também puncionada para análise citológica e dosagem
de tireoglobulina, que permite o diagnóstico de
metástase linfática cervical, o que muda o tratamento do
paciente4,5,6.

O tratamento é cirúrgico, com tireoidectomia e, se


houver linfonodos acometidos, linfadenectomia cervical
(que nós cirurgiões chamamos de “esvaziamento
cervical”)4,5,6.

Além do tratamento cirúrgico, em casos de risco


intermediário ou alto, está indicada a supressão de TSH
(uma vez que as células respondem ao estímulo de TSH)
e a radioiodoterapia (uma vez que as células captam
iodo)4,5,6.

O seguimento deve ser feito com exame de imagem


(ultrassonografia ou tomografia computadorizada de
pescoço) e dosagem de tireoglobulina sérica, que deve
estar próxima de zero em pacientes submetidos a
tireoidectomia total sem recidiva da doença4,5,6.

Carcinomas provenientes de Células


Parafoliculares
O carcinoma de tireoide proveniente da célula
parafolicular é conhecido como Carcinoma Medular de
Tireoide5.

Trata-se de uma doença normalmente mais agressiva


do que o carcinoma papilífero, e apresenta algumas
diferenças dignas de nota5:

Uma vez que são provenientes de células


parafoliculares, produzem calcitonina, e não
tireoglobulina.
As suas células não respondem a TSH e não captam
iodo.

Pode estar associado a síndromes neoplásicas


familiares, como as Neoplasias Endócrinas Múltiplas
tipo 2A e 2B.

A apresentação clínica, inicialmente, é similar ao


quadro do carcinoma papilífero de tireoide, mas a
progressão frequentemente é mais rápida5.

Diante da suspeita, é importante o exame de punção


aspirativa, a dosagem sérica de calcitonina e, se houver
linfonodomegalia suspeita, a punção do linfonodo para
análise citológica e dosagem de calcitonina do
linfonodo5.

É também sempre importante fazer a pesquisa de


genes associados a neoplasias endócrinas múltiplas, uma
vez que é uma doença hereditária que, se confirmada,
indica também a procura ativa nos familiares de primeiro
grau5.

Os outros exames para estadiaemento e programação


cirúrgica são os mesmos do carcinoma papilífero de
tireoide5.

O tratamento consiste em tireoidectomia total e


esvaziamento cervical, com extensões variadas a
depender do caso5.

Neste caso, não cabe o tratamento complementar


com radioiodoterapia e supressão de TSH, pelas
características das células deste câncer. O seguimento é
feito com exame de imagem e dosagem de calcitonina
sérica5.

Tratamento Cirúrgico das Doenças da


Tireoide

A tireoidectomia é uma das cirurgias mais comuns na


especialidade de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Trata-se
de um procedimento invasivo, que envolve alto grau de
conhecimento anatômico e fisiológico, além de grande
destreza e delicadeza de técnica cirúrgica. Este
procedimento, que na era antiga era considerado
extremamente perigoso, com altíssimo risco de
sangramento e outras complicações, graças ao esforço
de grandes cirurgiões do final do século XIX e início do
século XX, como Billroth (1829–1894), Kocher (1841–
1917) e Halsted (1852–1922), tornou-se um
procedimento seguro, com baixos índices de
complicação4,5,6,7.

Entretanto, é importante salientar que, como qualquer


procedimento médico, a tireoidectomia não é livre de
consequências e complicações. Sendo assim, trata-se de
um procedimento que deve ser realizado por profissional
médico bem treinado e qualificado, e que tem indicações
claras, nas quais o benefício justifica o risco4,5,6,7.

Indicações

Confirmação ou suspeita de malignidade.

Hipertireoidismo refratário a tratamento não


operatório.

Sintomas compressivos.
Componente da glândula mergulhante para o
mediastino.
Queixa estética.

Tipos

Existem diversas variações técnicas e classificações


da tireoidectomia4,5,6,7.

Atualmente, aceita-se, na maioria dos casos, as


seguintes variações:
Tireoidectomia total: em que toda a glândula é
ressecada.
Lobectomia total: cirurgia em que se resseca um
lobo inteiro da tireoide, associado à ressecção do
istmo e do lobo piramidal, deixando-se apenas o
lobo contralateral.

Outros procedimentos, como nodulectomias e


tireoidectomias subtotais não são mais indicados na
maioria dos serviços, uma vez que a manipulação
bilateral do compartimento central do pescoço, com
dissecção de nervos e outras estruturas nobres podem
levar a fibrose e inflamação local da cirurgia, dificultando
muito uma reabordagem, se necessária. Sendo assim, o
princípio que se segue é o de que um lado do
compartimento central deve ser abordado
cirurgicamente uma única vez, dada a alta morbidade
associada à reabordagem cirúrgica daquela região4,5,6,7.

Complicações Específicas

O procedimento possui três complicações específicas,


que devem ser vigiadas no pós-operatório4,5,6,7

Hematoma cervical – veja também o vídeo


“Hematoma Cervical”.
Hipoparatireoidismo - veja também o vídeo
“distúrbios do cálcio”.
Disfonia: por lesão dos nervos laríngeos. Vale
lembrar que a lesão bilateral dos nervos laríngeos
inferiores pode cursar com paralisia bilateral de
pregas vocais em posição mediana, causando
insuficiência respiratória e necessidade de
traqueostomia.

Sendo assim, pode-se perceber o grau de sofisticação


e delicadeza envolvidas na tireoidectomia, sendo,
portanto, fundamental que o cirurgião que a realize seja
bem treinado e tenha experiência4,5,6,7.

Carcinoma Anaplásico de Tireoide

O carcinoma anaplásico (ou indiferenciado) da


tireoide, corresponde por 2 a 5% das neoplasias malignas
desta glândula. É um tumor derivado das células
foliculares, que em algum momento perdem a
capacidade de captar iodo e produzir tireoglobulina.
Trata-se de um dos tumores mais letais que pode
acometer o ser humano. Após o diagnóstico, menos de
15% dos doentes sobrevivem por mais de 6 meses,
mesmo com o desenvolvimento da medicina atual e
novos medicamentos disponíveis. A abordagem, muitas
vezes, é paliativa4,5,6,7.

Apresentação Clínica
O carcinoma anaplásico da tireoide se apresenta na
6a e 7a décadas de vida, 55 a 77% dos casos em
mulheres. Pode ser precedido por bócio de longa duração
ou carcinomas bem diferenciados da tireoide. O quadro
clínico mais comum é de aumento rápido e acentuado do
volume do pescoço, acompanhado de dificuldade de
respirar, deglutir, piora do estado geral, perda ponderal e
disfonia. Ao exame físico, identifica-se paciente em mau
estado geral com tumor endurecido, fixo à traqueia e
laringe, com dispneia obstrutiva. Pode ser encontrada
metástase para linfonodo cervical. O principal
diagnóstico diferencial é a hemorragia dentro de um
nódulo de bócio, que também pode causar aumento
rápido. Do volume da tireoide e os outros sintomas
mencionados4,5,6,7.

Exames complementares

Dentre os exames complementares possíveis,


destacamos a tomografia computadorizada, que define a
extensão da doença, localiza com maior precisão a
traqueia e também permite identificar metástase a
distância. A laringoscopia é realizada para determinar a
mobilidade das pregas vocais e, complementada com
traqueobroncoscopia e esofagoscopia, permite avaliar a
extensão do comprometimento destes órgãos. A punção
aspirativa por agulha fina deve ser realizada para
diagnóstico, que é conformado por biópsia histológica do
tumor, que também pode ser realizada durante
traqueostomia, frequentemente necessária para evitar a
obstrução aguda das vias aéreas pelo tumor4,5,6,7.

Tratamento

Os melhores resultados são obtidos com associações


terapêuticas. Tireoidectomia total é considerada a melhor
alternativa quando o tumor está restrito à tireoide,
seguida de radioterapia e quimioterapia. No entanto, o
tratamento padronizado para carcinoma indiferenciado
da tireoide é aplicado a poucos casos e, mesmo quando o
tratamento é realizado aparentemente a contento, em
menos de 15% dos casos a sobrevida ultrapassa os 6
meses4,5,6,7.

Tratamentos paliativos, uso de próteses


endobrônquicas ou ressecção endoscópica do tumor na
traqueia podem ser utilizados para evitar óbito por
insuficiência respiratória4,5,6,7.

Em decorrência das múltiplas anormalidades


genéticas, particularmente a mutação no p53, presente
em até 70% dos casos, terapias-alvo são objetos de
estudo para tratamentos, nesses casos4,5,6,7.

Pontos Importantes
Podemos dividir as doenças benignas da tireoide em
duas categorias principais: alterações da sua
morfologia (bócios) ou alterações da sua função
(hipertireoidismo ou hipotireoidismo
Bócio é definido como qualquer alteração
morfológica da tireoide (seja por nódulos ou
aumento de seu volume) que não seja provocado
por doença maligna ou por infecção
A apresentação clínica do bócio é dependente de
duas principais variáveis: volume e função
tireoidiana

O primeiro exame definidor de conduta diante de


um quadro de bócio é a avaliação laboratorial da
função tireoidiana

O tipo mais comum de câncer de tireoide é o


proveniente das células foliculares. Dentre eles, o
mais frequente é o Carcinoma Papilífero de Tireoide.
O diagnóstico é feito por punção aspirativa por
agulha fina (PAAF), que apresenta suspeita ou
confirmação de malignidade (Bethesda III, IV, V ou
VI)
O carcinoma de tireoide proveniente da célula
parafolicular é conhecido como Carcinoma Medular
de Tireoide. Trata-se de uma doença normalmente
mais agressiva do que o carcinoma papilífero
É importante salientar que, como qualquer
procedimento médico, a tireoidectomia não é livre
de consequências e complicações. Sendo assim,
trata-se de um procedimento que deve ser realizado
por profissional médico bem treinado e qualificado,
e que tem indicações claras, nas quais o benefício
justifica o risco
O carcinoma anaplásico (ou indiferenciado) da
tireoide, corresponde por 2 a 5% das neoplasias
malignas desta glândula.

Referências
1. Manual do residente de cirurgia de cabeça e
pescoço / editores Vergilius J. F. Araújo Filho, Claudio
Roberto Cernea, Lenine Garcia Brandão – 2 th –
Barueri, SP; Manole; 2013. Capítulo 19 – Bócios
simples (Vergilius José Furtado de Araujo Filho)
2. Manual do residente de cirurgia de cabeça e
pescoço / editores Vergilius J. F. Araujo Filho, Claudio
Roberto Cernea, Lenine Garcia Brandão – 2 th –
Barueri, SP; Manole; 2013. Capítulo 20 – Bócios
tóxicos (Lenine Garcia Brandão, Vergilius José
Furtado de Araujo Filho).
3. Manual do residente de cirurgia de cabeça e
pescoço / editores Vergilius J. F. Araujo Filho, Claudio
Roberto Cernea, Lenine Garcia Brandão – 2 ed –
Barueri, SP; Manole; 2013. Capítulo 22 – Carcinoma
bem diferenciado da Tireoide (Lenine Garcia
Brandão, Vergilius José Furtado de Araujo Filho).
4. Manual do residente de cirurgia de cabeça e
pescoço / editores Vergilius J. F. Araujo Filho, Claudio
Roberto Cernea, Lenine Garcia Brandão – 2 th –
Barueri, SP; Manole, 2013. Capítulo 23 – Carcinoma
Medular da Tireoide (Marcos Roberto Tavares)
5. Manual do residente de cirurgia de cabeça e
pescoço / editores Vergilius J. F. Araujo Filho, Claudio
Roberto Cernea, Lenine Garcia Brandão – 2 th –
Barueri, SP; Manole; 2013. Capítulo 25 – Carcinoma
Indiferenciado da Tireoide (Marcos Roberto Tavares).
6. Chiachio S, Lorenzoni A, Boni G, Rubello D, Elisei R,
Mariani G. Anaplastic Thyroid câncer: prevalence,
diagnose and treatment. Minerva Endocrinol. 2008;
33 (4): 341-57
7. Araujo Neto VJF. Aula on-line “A tireoide e suas
doenças” portal EduMedica. www.edumedica.com.br
Caso 42 | Carcinoma
Espinocelular De Cabeça
E Pescoço
Autores: Daniel Abreu Rocha e Vergilius José Furtado de Araujo
Neto

História Clínica
Identificação: S.S.S., 61 anos, sexo masculino,
pardo, casado, comerciante.

História da Moléstia Atual: Paciente com história


de disfonia de início há um ano, sem períodos de
melhora, sem fatores que melhoravam ou pioravam o
sintoma. Associadamente, queixava-se de cervicalgia
anterior, inespecífica, sem fatores agravantes, que
apresentava boa resposta a analgesia. Não apresentava
odinofagia, dispneia, nódulos cervicais ou outros
sintomas. Ainda não havia realizado investigação do
quadro clínico.

Antecedentes pessoais/Hábitos e vícios: Negava


comorbidades; negava tabagismo ativo, porém referia
tabagismo passivo. Etilista social.

Exame Físico
Bom estado geral, corado, hidratado, anictérico,
acianótico, afebril, eupneico

Lúcido e orientado no tempo espaço

Oroscopia sem lesão.

Pescoço negativo

Nasofibrolaringoscopia:

Rinofaringe: Torus tubários permeáveis


bilateralmente. Ausência de massas ou secreções
em cavum. Parede posterior normal.

Faringe: Mucosa faríngea de aspecto normal. Base


da língua, valéculas e seios piriformes preservados.
Amígdalas normotróficas.

Laringe: Região supraglótica sem alterações


endoscópicas. Região infraglótica com mucosa
integra, sem abaulamentos ou depressões. Pregas
vocais direita e esquerda com mobilidade e
tonicidade conservadas. Lesão vegetante de
terço médio de prega vocal, séssil, com
preservação da comissura anterior (Figura 1).
Primeiros anéis traqueais sem lesões no exame.

Impressão Lesão vegetante de prega vocal D.


Figura 1

Diagnóstico inicial: lesão vegetante de PVD de


etiologia a esclarecer, com aspecto macroscópico
suspeito para malignidade.

Conduta: Devido a localização da lesão, a dificuldade


técnica para acessá-la e os riscos associados a biópsia na
região (sangramento e edema de via aérea), optado por
indicar laringoscopia de suspensão sob sedação e
intubação orotraqueal em centro cirúrgico, com
programação de biópsia e congelação da lesão.

Evolução
Paciente submetido ao procedimento cirúrgico com
sucesso e sem intercorrências. À laringoscopia de
suspensão, foi constatado lesão vegetante e infiltrativa
na totalidade da PVD, com os seguintes limites: anterior –
até a comissura anterior sem ultrapassa-la; posterior –
até o processo vocal da aritenoide direita; superior – até
ventrículo direito; inferior – limitada a glote, sem
aparente extensão para subglote. Por motivos
anatômicos, a exposição da glote foi limitada, o que não
tornava o paciente apto a uma eventual ressecção
endoscópica de toda a lesão.

A congelação da lesão mostrou que a biópsia foi


representativa e com diagnóstico provável de Carcinoma
Epidermóide. O resultado definitivo da biópsia após
análise em parafina foi de Carcinoma Epidermoide
moderadamente diferenciado ulcerado e invasivo.

Ainda durante a internação, o paciente foi submetido


à Tomografia Computadorizada de Pescoço e Tórax para o
estadiamento do paciente

Laudo TC pescoço

Lesão vegetante, infiltrativa e ulcerada com realce


heterogêneo pelo meio de contraste iodado está
centrada na metade anterior prega vocal direita. Há
aparente extensão à comissura anterior, ao espaço
paralaríngeo direito e ao ventrículo laríngeo ipsilateral,
mantendo contato com a prega vocal esquerda, não
podendo afastar seu comprometimento neste estudo.
Não há nítida extensão à prega vestibular direita. Nota-
se, ainda, esclerose da cartilagem aritenoide direita,
compatível com infiltração, e uma área focal de não
ossificação com densidade de gordura no aspecto interno
do terço anterior da lâmina direita da cartilagem tireoide,
próxima da lesão.

Não se evidenciam linfonodomegalias.

Laudo TC tórax

Pequena calcificação nodular paraesofágica esquerda,


de aspecto sequelar.

Diminuto nódulo pulmonar não calcificado basal


direito, menor que 0,3 cm.

Pequenas imagens císticas pulmonares no lobo


superior e no lobo inferior do pulmão direito, que podem
representar focos de enfisema e/ou bronquiectasias.

Restante do parênquima pulmonar sem


particularidades.

Ausência de linfonodomegalias.
Figura 2 – Corte tomográfico à altura da cartilagem tireoide evidenciando
lesão cometendo prega vocal

Figura 3 – Corte tomográfico à altura da cartilagem cricoide evidenciando


lesão cometendo prega vocal

Diagnóstico atual: CEC de laringe em região glótica


– cT2N0Mx.

Conduta: Devido à impossibilidade de ressecção


endoscópica da lesão, foi discutido com o paciente e
explicado sobre as possibilidades terapêuticas: Cirurgia
(laringectomia parcial horizontal supracricoide com
cricohioidoepiglotepexia + esvaziamento cervical eletivo
seletivo dos nível II-IV à direita) versus Radioterapia.
Além disso, foi explanado as vantagens e desvantagens
de cada uma. Em decisão em conjunto entre a equipe
médica e o paciente, foi optado pela proposta cirúrgica.

Evolução: O paciente foi submetido ao procedimento


cirúrgico uma semana após a laringoscopia de suspensão
com sucesso e sem intercorrências. Foi realizado o
sacrifício da aritenoide D para garantia de margens
oncológicas seguras. O paciente ficou na UTI no POi e no
1º PO. Permaneceu na enfermaria até o 5º PO, quando
recebeu alta após boa evolução. O AP definitivo da peça
confirmou o diagnóstico histopatológico de Carcinoma
Epidermoide Invasivo Bem Diferenciado, medindo 1,1 cm
no maior eixo, com margens cirúrgicas livres e displasia
de alto grau na comissura anterior e sem acometimento
de supraglote. O estadiamento final foi pT1a pN0 e não
foi indicado tratamento adjuvante. O paciente iniciou a
fonoterapia no pós-operatório e conseguiu decanular e se
alimentar por VO exclusiva. Até o presente momento, o
paciente permanece sem evidência de recidiva
oncológica.
Figura 4 – Exposição da lesão após cervicotomia, ressecção dos músculos
infra-hióideos e istemctomia da tireoide.
Figura 5 – Visão cranial da laringe após secção do pecilgo da epiglote. Nota-
se a lesão vegetante ao nível da PVD (*)
Figura 6 – Visão caudal da endolaringe após secção no nível da cricóide.
Nota-se a lesão vegetante ao nível da PVD (*)
Figura 7 – Visão após ressecção parcial horizontal supracricóide da laringe
Figura 8 – Visão após realização da cricohioidoepiglotopexia
Figura 9 – Visão final da peça cirúrgica

Questões Para Orientar a Discussão

1. Quais os fatores de risco para carcinoma espino-


celular de cabeça e pescoço?
2. Como identificar precocemente os sintomas,
especialmente disfonia, disfagia e desconforto
respiratório?
3. Quais os procedimentos para diagnóstico e
estadiamento da lesão?

4. Quais os princípios gerais da abordagem inicial e


tratamento do carcinoma espinocelular da cabeça
e pescoço?

Discussão
A maioria dos carcinomas espinocelulares (CEC) da
cabeça e pescoço começam na superfície das mucosas
do trato aerodigestório. Ele pode aparecer na cavidade
oral, faringe, laringe, cavidade nasal ou seios paranasais,
principalmente.1

Epidemiologia e fatores de risco

Existem grandes diferenças geográficas na incidência


e sítio primário do câncer de cabeça e pescoço. Essa
probabilidade reflete a prevalência dos fatores de risco,
como o uso de tabaco ou consumo de álcool, além de
fatores étnicos e genéticos nas diferentes populações.

Apesar da maior taxa do carcinoma de cabeça e


pescoço acontecer em homens mais velhos, a incidência
tem aumentado em pacientes jovens e não tabagistas,
por conta do papel que o papiloma vírus humano (HPV)
desempenha como fator etiológico no desenvolvimento
do CEC de orofaringe, principalmente.
O uso do cigarro é o fator de risco mais importante.
Existe evidência de que há uma predisposição genética
ao efeito carcinogênico do cigarro. Além disso, o tabaco
associado ao consumo de álcool provoca um aumento
sinérgico no fator de risco. A exposição repetitiva da
mucosa do trato aerodigestório alto aos efeitos
carcinogênicos do tabaco, álcool, ou ambos, pode causar
o aparecimento do CEC em mais de um sítio primário, o
que é conhecido como “cancerização de campo”.

A infecção por HPV também é causa de CEC de


cabeça e pescoço. O HPV é associado ao carcinoma com
sítio primário na orofaringe (amígdalas e base da língua),
acometendo pacientes jovens e não tabagista,
representando a maioria dos casos em alguns países,
como nos Estados Unidos. Esses pacientes costumam ter
melhor resposta ao tratamento e melhor prognóstico. O
status do HPV já muda o estadiamento do câncer de
orofaringe, entretanto, ainda não há evidência que
respalde a desintensificação ou mudança do tratamento
baseado apenas no conhecimento deste fator etiológico
presente.

Outros fatores de risco incluem o consumo de noz de


Betel, exposição a radiação, desnutrição, mau estado
dentário, imunossupressão, trauma crônico de mucosa
por prótese dentária e fatores ocupacionais.2

Apresentação clínica
A apresentação clínica do CEC de cabeça e pescoço
varia dependendo do sítio da lesão primária. Uma vez
que o diagnóstico precoce é determinante para o
prognóstico do doente, o médico generalista deve estar
atento, em um paciente com fatores de risco, ao
aparecimento das seguintes queixas:

Ferimento na mucosa da boca ou orofaringe que não


cicatriza.
Sangramento de cavidade oral ou nasal.
Disfonia de início abrupto, não relacionada a causas
inflamatórias ou infecciosas, e que não se resolve
dentro de 14 dias.
Massas cervicais.

Perda ponderal.
Dispneia.
Disfagia.
Otalgia.

Especialmente no câncer de laringe, que corresponde


ao caso apresentado neste capítulo, os sintomas iniciais
dependem da localização da lesão primária dentro do
órgão. Lesões de supraglote se apresentam inicialmente
com disfagia, pela proximidade anatômica com a
hipofaringe e esôfago. Esses tumores costumam
manifestar metástases linfáticas para linfonodos
cervicais de forma precoce, devido à riqueza de tecido
linfoide presente neste andar da laringe. Os tumores de
glote se apresentam de maneira mais precoce com
disfonia, e normalmente tardam a manifestar metástases
cervicais. Já os tumores primários de infraglote, mais
raros e com pior prognóstico, costumam se apresentar
inicialmente com dispneia e tosse, sendo difíceis de
diagnosticar.2

Diagnóstico

Um paciente tabagista com alguma das


apresentações clínicas mencionadas acima deve passar
por avaliação completa do trato aerodigestório.

A avaliação consiste em:

Exame físico completo: oroscopia e palpação


minuciosa do pescoço.
Exame endoscópico completo: faringolaringoscopia
com uso de nasofibroscópio, endoscopia digestiva
alta e traqueobroncoscopia.
Exame radiológico completo: tomografia
computadorizada de face, pescoço e tórax.

Se identificada alguma lesão suspeita, deve ser


biopsiada. Essa biópsia, se o paciente colaborar e não for
perto da via aérea, pode ser realizada em ambiente
ambulatorial. Idealmente, ela deve ser feita de forma
incisional, e não ressecando a lesão, o que pode levar a
comprometimento de suas margens, com dificuldade de
ampliá-las na hora do tratamento definitivo, além de
grande lesão com dificuldade de cicatrização.

Se o paciente tiver uma lesão em hipofaringe ou


laringe (como no caso apresentado), a biópsia não deve
ser feita ambulatorialmente, e sim em ambiente
controlado (de preferência, em centro cirúrgico), com
possibilidade de garantir via aérea cirúrgica, caso
necessário, em caso de sangramento ou edema. O
procedimento pode ser feito por traqueobroncoscopia,
endoscopia digestiva alta ou laringoscopia de suspensão
a depender do caso.

Estadiamento (1)

O estadiamento depende do sítio primário da lesão.


Via de regra, depende do tamanho da lesão e, no caso de
boca e orofaringe, da profundidade de invasão do tumor.
Alguns sítios, como a laringe, têm um estadiamento T
bastante específico. Já o estadiamento N e M é
praticamente o mesmo para quase todos os sítios, com
exceção feita ao carcinoma de orofairinge por HPV,
carincoma se seios paransais e de nasofaringe.

Quanto ao CEC de laringe, segundo a 8ª edição do


AJCC UICC publicada em 2017 e em vigor desde 2018, se
dá da seguinte forma:
Tumor primário (T)

Supraglote

TX: tumor primário não pode ser acessado.


Tis: Carcinoma in situ.

T1: tumor limitado a apenas um subsítio da


supraglote com mobilidade normal de pegas vocais.
T2: tumor invade mucosa em mais de um subsítio
da supraglote ou da glote, ou região externa à
supraglote, como mucosa da base da língua,
valécula ou parede medial do seio piriforme, sem
fixação da laringe.
T3: tumor limitado à laringe, com paralisia de prega
vocal e/ou invasão de qualquer uma das seguintes
estruturas: área pós-cricoide da hipofaringe, espaço
pré-epigótico, espaço paraglótico e/ou pericôndrio
interno da cartilagem tireoide
T4:
T4a: doença moderadamente avançada
localmente. Tumor invade grosseiramente a
cartilagem tireoide e/ou invade os tecidos além
da laringe, como traqueia, partes moles do
pescoço, incluindo musculatura profunda
extrínseca da língua, músculos estriados,
tireoide ou esôfago.
T4b: doença muito avançada localmente.
Tumor invade espaço pré-vertebral, engloba a
carótida ou invade estruturas do mediastino

Glote

TX: tumor primário não pode ser acessado.


Tis: carcinoma in situ.
T1:

T1a: tumor limitado a uma prega vocal.


T1b: tumor envolve a comissura anterior ou a prega
vocal contra-lateral.
T2: tumor se extende para a supraglote e ou
subglote e/ou com paresia de prega vocal.
T3: tumor limitado à laringe, com paralisia de prega
vocal e/ou invasão do espaço paraglótico e/ou
pericôndrio interno da cartilagem tireoide
T4:

T4a: doença moderadamente avançada


localmente. Tumor invade grosseiramente a
cartilagem tireoide e/ou invade os tecidos além
da laringe, como traqueia, partes moles do
pescoço, incluindo musculatura profunda
extrínseca da língua, músculos estriados,
tireoide ou esôfago.
T4b: doença muito avançada localmente.
Tumor invade espaço pré-vertebral, engloba a
carótida ou invade estruturas do mediastino.

Subglote

TX: tumor primário não pode ser acessado.


Tis: carcinoma in situ.

T1: tumor limitado à subglote.


T2: tumor se estende para a(s) corda(s) vocal(is)
com mobilidade normal ou paresia.
T3: Tumor limitado à laringe, com paralisia de prega
vocal e/ou invasão.
T4:
T4a: doença moderadamente avançada
localmente. Tumor invade grosseiramente a
cartilagem tireoide e/ou invade os tecidos além
da laringe, como traqueia, partes moles do
pescoço, incluindo musculatura profunda
extrínseca da língua, músculos estriados,
tireoide ou esôfago.
T4b: doença muito avançada localmente.
Tumor invade espaço pré-vertebral, engloba a
carótida ou invade estruturas do mediastino

Linfonodos regionais (cN)


NX: linfonodos regionais não podem ser acessados.

N0: nenhum linfonodo regional comprometido.


N1: Metástase em um único linfonodo, menor ou
igual a 3 cm em seu maior eixo e sem
extravasamento extra-nodal (ENE-).
N2
N2a: metástase em um único linfonodo
ipsilateral, maior que 3 cm porém menor ou
igual a 6 cm em sua maior dimensão e ENE-.
N2b: metástase em múltiplos linfonodos,
ipsilaterais, menores ou iguais a 6 cm em sua
maior dimensão ENE-.
N2c: metástase bilaterais ou contralaterais,
menores ou iguais a 6 cm em sua maior
dimensão ENE-.
N3

N3a: metástase em um linfonodo ou


conglomerado linfonodal maior que 6 cm ENE-.
N3b: metástase em qualquer linfonodo
clinicamente ENE+, ou seja, com
extravasamento extranodal.

Metástases à distância (M)

M0: metástases à distância não detectadas.


M1: metástases à distância detectadas.
Tratamento

O tratamento do CEC de cabeça e pescoço pode ter


proposta cirúrgica, não cirúrgica (com radioterapia
associada à quimioterapia ou isolada), ou combinada.

As variáveis que envolvem a decisão dependem,


primariamente, de:

Características biológicas do tumor e sua


responsividade a cada tratamento.
Características anatômicas e fisiológicas do sítio
primário, e sua sensibilidade a cada tratamento,
levando em conta seus efeitos colaterais e
morbidades.
Características clínicas do paciente e seu status
clínico para tolerar o tratamento proposto.
Desejos e convicções do paciente, além de suporte
familiar e condição social.
Características do serviço em que está inserido e
suas condições de oferecer suporte multidisciplinar,
e tratamento com mais de uma especialidade
médica, muitas vezes.
Estadiamento do tumor e prognóstico.

Há de se levar em consideração que o tratamento


cirúrgico, com ressecção da lesão com margens livres
muitas vezes envolve a necessidade de grande agressão
cirúrgica, seja pelo acesso, seja pelo tamanho do defeito
cirúrgico, que pode necessitar de reconstrução com
retalhos (locais, regionais ou microcirúrgicos), além da
necessidade de linfadenectomia cervical (esvaziamento
cervical) eletivo ou terapêutico, além do uso de
traqueostomia, sonda nasoenteral, gastrostomia, suporte
de UTI etc.4

Pontos Importantes
Reconhecer os fatores de risco para o CEC de
cabeça e pescoço, especialmente o tabagismo e o
consumo de álcool.
Identificar precocemente as lesões suspeitas,
especialmente em pacientes com disfonia, feridas
na boca, emagrecimento, massas cervicais ou
dispneia.
Conduzir o caso inicialmente de forma adequada,
com avaliação completa e biópsia.
Entender o contexto da doença, do doente, e do
serviço em que o paciente está inserido para melhor
definir a estratégia de tratamento.

Pontos Importantes No CEC De


Laringe
A laringe é um órgão ímpar localizado na linha
média da região cervical anterior. Sua função
primordial é servir como um esfíncter para a via
aérea, permitindo aos seres humanos se alimentar e
respirar atráves de um único orifício. A função
fonatória é uma finalidade secundária da laringe,
sendo uma consequência da passagem de ar
através desta. Isso é muito importante para nos
orientar quanto a decisão para a melhor abordagem
terapêutica nos tumores de laringe, pois as terapias
com preservação de órgão (seja por
quimio/radioterapia ou pelas laringectomias
parciais) devem ter sua indicação muito bem
discutidas nos casos em que o paciente já teve uma
perda da função esfincteriana da laringe por
destruição local pelo tumor.
Os CEC correspondem por mais de 95% dos tumores
malignos originados na laringe e seus fatores de
risco são similares àqueles do CEC de boca e
orofaringe.
Com base em sua embriologia, é dividida em três
regiões diferentes: supraglote, glote e subglote (ou
infraglote). Essas divisões têm importantes pesos
nas decisões clínicas no tratamento dos tumores de
laringe, pois o padrão de disseminação regional do
tumor primário será diferente conforme a
localização da lesão.
Características clínicas dos tumores de laringe
conforme localização do tumor primário:
Supraglote.
Segundo local mais comum de tumores da
laringe.
Em geral, a maioria das lesões se
apresentam como doença avançada ao
diagnóstico. Isso é explicado devido a
ausência de sintomas precoces e a
dificuldade que esses pacientes
encontram no acesso ao especialista que
dispõe das ferramentas para o
diagnóstico.

Devido a sua rica rede linfática e a chance


de micrometástase ser >20% no momento
do diagnóstico, é indicado o esvaziamento
cervical eletivo seletivo dos níveis II, III e
IV ipsilateral ao tumor primário no
momento da cirurgia. Se a lesão
ultrapassar a linha média, o esvaziamento
deve ser bilateral.

Pode ser acometida por tumores primários


da orofaringe que invadem a supra glote
por contiguidade.
Glote:
É o local mais comum de tumores
malignos primários da laringe.

Em contraste com os tumores de


supraglote, a maioria dos pacientes se
apresentará com doença localizada no
momento do diagnóstico, devido a riqueza
de sintomas precoce que apresentará,
destacando-se a disfonia.

Apresenta uma rede linfática pobre,


normalmente não levando a metástase
linfonodais e, por consequência, não
demandando esvaziamentos cervicais
eletivos.
Subglote

Raramente é sede de um tumor primário,


sendo normalmente acometida por
extensão direta de um tumor da glote ou
supraglote.

Quando sede de tumor primário,


apresenta um prognóstico ruim.
Existe um grande arsenal terapêutico para
o tumor primário de laringe, dividido
principalmente entre radioterapia e
cirurgia. A escolha para a melhor
ferramenta terapêutica depende
principalmente do estadiamento da lesão,
da funcionabilidade prévia da laringe, da
localização do tumor e da experiência da
equipe. De forma geral, os tumores iniciais
(T1 e T2) são bem tratados tanto por
cirurgia (laringectomias parciais
endoscópicas ou laringectomias parciais
abertas) como por radioterapia. As lesões
localmente avançadas que preservem a
funcionalidade da laringe e não tenham
invasão grosseira da cartilagem tireoide
ou para além do arcabouço laríngeo (T3)
são bem tratadas por radioterapia. Já as
lesões localmente avançadas com perda
da função da laringe ou que apresentam
invasão grosseira da cartilagem tireoide
ou de alguma estrutura extra-laríngea (T4)
são melhor tratadas por cirurgia radical
(laringectomia total)

Referências:
1. Head and Neck. In: AJCC Cancer Staging Manual, 8th
ed, Amid MB (Ed), Springer, New York 2017. p.53.,
corrected at 4th printing, 2018.
2. UpToDate Overview of the diagnosis and staging of
head and neck câncer. Authors: Colin S Poon, MD,
PhD, FRCPC Kerstin M Stenson, MD, FACS Section
Editors: Bruce E Brockstein, MD Marvin P Fried, MD,
FACS Depuy Editor: Sonali Shah, MD. Literature
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updated: Mar 20, 2019.

3. A FILHO, V J F; CERNEA, C. R; BRANDÃO, L. G.


Manual do residente de cirurgia de cabeça e
pescoço. 2 ed. São Paulo: Manole, 2013.

4. JATIN P. S.; SNEHAL G; BHUVANESH P, Singh. Jatin


Shah’s head and neck sugery and oncology. 4th ed.
Philadelphia, PA. Elsevier, 2012.
Caso 43 | Diagnóstico
Diferencial Das Massas
Cervicais
Autor: Vergilius José Furtado de Araujo Neto

História Clínica
Paciente de 31 anos, do sexo masculino, engenheiro,
vem ao ambulatório com queixa de abaulamento cervical
discretamente doloroso em região lateral do pescoço, à
esquerda, há 6 meses. A massa é única e tem
crescimento lento e progressivo. Paciente nega história
de emagrecimento, febre ou sudorese noturna. Não há
fatores de risco para doenças sexualmente
transmissíveis, nega tabagismo, etilismo ou uso de
drogas. Não teve contato com pacientes com
tuberculose. Nega comorbidades ou cirurgias prévias.
Sem antecedentes familiares relevantes.

Exame Físico
Bom estado geral. Corado, hidratado, anictérico,
acianótico, afebril e eupneico. Frequência cardíaca
de 80 batimentos por minuto. Pressão arterial de
120 x 80 mmHg
Sem alterações relevantes na semiologia cardíaca,
abdominal, torácica e de membros.

Exame físico do pescoço:

Inspeção estática: assimetria, com abaulamento à


esquerda, à altura do plano do osso hioide. Ausência de
alterações dermatológicas, estase jugular ou pletora
facial. Ausência de sinais flogísticos. Com uso de
paquímetro, a massa mede 5 centímetros em seu maior
diâmetro.

Inspeção dinâmica: massa não se move à


deglutição. Não há restrição à movimentação do
pescoço ou elevação dos braços.

Palpação estática: massa pulsátil, de consistência


fibroelástica, limites parcialmente definidos,
profunda ao músculo esternocleidomastoideo. Sem
outras massas palpáveis na face o pescoço.

Palpação dinâmica: massa parcialmente fixa, não se


movimenta no sentido crânio-caudal, mas se
movimenta no sentido laterolateral. Não móvel à
manobra de deglutição.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Foram solicitados exames laboratoriais ao paciente,
todos dentro da normalidade. Destacamos os mais
relevantes:

Metanefrinas urinárias e séricas negativas.

Sorologias negativas.

Hemograma com hemoglobina e leucograma dentro


do padrão de normalidade.

Contagem de plaquetas normal.

Função renal sem alterações.

Função tireoidiana sem alterações.

Foi também solicitada uma tomografia


computadorizada cervical com contraste intravenoso
iodado.
Figura 1
Figura 2

Laudo: “Nódulo sólido, homogêneo, de contornos


regulares, hipervascularizado, com realce discretamente
heterogêneo ao meio de contraste, centrado no espaço
carotídeo esquerdo, medindo cerca de 3,1 x 3,0 x 5,5 cm.
Inferiormente, mantém contato com a bifurcação
carotídea, com pequeno componente que se estende
caudalmente, envolvendo parcialmente a carótida
comum” (Figuras 1 e 2).

Hipótese Diagnóstica
Paraganglioma de corpo carotídeo

Paciente foi submetido à arteriografia para teste de


oclusão de carótida e embolização do tumor para
programação operatória na sequência (Figuras 3 e 4).
Figura 3
Figura 4

Paciente foi então submetido à ressecção cirúrgica do


tumor (Figuras 5 e 6):
Figura 5
Figura 6

Questões Para Orientar a Discussão

1. Diante de um paciente com queixa de massa


cervical, quais os dados clínicos relevantes para a
condução do caso?

2. Quais os passos da realização do exame físico do


pescoço?
3. Como são divididos os níveis cervicais?
4. Quais os exames complementares relevantes na
investigação de uma massa cervical?

5. Quando está indicada a realização de biópsia?


Quais os meios para realizá-la?
6. Como podem ser divididos, do ponto de vista
etiológico, os diagnósticos diferenciais das massas
cervicais?
7. Discussão sobre paraganglioma.

Discussão
A avaliação inicial de qualquer paciente com queixa
relacionada à região cervical deve começar com história
clínica e exame físico cervical. A formulação de hipóteses
diagnósticas e adequada condução da investigação
dependem fundamentalmente desses dois passos.

A história clínica deve ser feita de forma detalhada,


com atenção a queixas e sintomas, valorizando também
os antecedentes e hábitos. Quanto mais completa a
avaliação inicial, mais precisas serão as medidas
tomadas posteriormente, durante a condução do caso.

Durante a avaliação física do pescoço, os seguintes


passos devem ser seguidos: inspeção estática; inspeção
dinâmica; palpação estática; e palpação dinâmica.
Diversas doenças podem se apresentar como massas
cervicais. O diagnóstico preciso de uma massa no
pescoço é fundamental para o tratamento apropriado. O
raciocínio clínico, a fim de eleger as hipóteses mais
prováveis, será dirigido pela faixa etária, história clínica e
exame físico do paciente. (1)

Para organizarmos o raciocínio de como investigar


uma massa cervical, é importante o conhecimento sólido
de dois fatores:

Anatomia.
Etiologia.

Com relação à anatomia, é importante lembrar que o


pescoço pode ser dividido em 6 níveis. Uma maneira fácil
e esquemática de entender a anatomia desses níveis
cervicais é conhecendo os principais reparos da seguinte
maneira:

Reparos ósseos e cartilaginosos


Figura 7

Estruturas vasculares relevantes

Figura 8

Músculos de referência
Figura 9

Principais órgãos de cada região

Figura 10

Tendo como base os pontos de referência ósseos e


cartilaginosos (mandíbula, hioide, cricoide e clavículas), e
conhecendo quais os principais órgãos e os músculos que
o recobrem, fica fácil dividir o pescoço nos seis níveis e
saber quais as estruturas de cada região:

Nível I: região entre mandíbula e hioide. A glândula


submandibular é o principal órgão, entre o ventre
anterior e posterior do músculo digástrico.
Nível II: Terço cranial do feixe jugulocarotídeo,
recoberto pelo músculo esternocleidomastoideo. O
bulbo carotídeo é o seu limite caudal e uma das
estruturas que pode ser palpável no pescoço
(especialmente na presença de algum tumor de
parede carotídea). Note também que a porção mais
inferior da parótida se insinua no nível II. Note que o
bulbo carotídeo está situado no mesmo plano do
osso hioide.

Nível III: terço médio do feixe jugulocarotídeo,


limitado caudalmente pelo plano da cricoide (que
corresponde ao plano no qual o músculo omo-
hioideo cruza o músculo esternocleidomastoideo).

Nível IV: terço mais caudal do feixe jugulocariotídeo,


no qual, à esquerda, temos o ducto torácico e pode
haver manifestação de doenças fora do pescoço,
por disseminação linfática.

Nível V: trígono posterior do pescoço, delimitado


pela borda posterior do m. esternocleidomastoideo,
clavícula e borda anterior do trapézio.
Nível VI: compartimento central, delimitado pelas
carótidas comuns, hioide. (3)
Figura 11
Figura 12

Além disso, para entender sobre os principais


diagnósticos diferenciais, precisamos ter em mente a
etiologia das doenças do pescoço, que podem ser
agrupadas em três categorias:

Doenças inflamatórias/infecciosas.

Doenças neoplásicas (benignas ou malignas).


Doenças congênitas.
Vale lembrar que temos cerca de 30% dos nossos
linfonodos na região cervical, e eles estão presentes em
todos os níveis. Sendo assim, linfonodomegalias (sejam
de etiologia infecciosa, inflamatória, neoplásica benigna,
neoplásica maligna primária ou metastática) estão
sempre nos diagnósticos diferenciais.

Frequência 0-15 anos 16 – 50 anos > 40 anos

Neoplásicos
- benignos
- linfomas
- tireoide
- trato
Inflamatórias ou aerodigestivo alto
Inflamatórias
infecciosas, incluindo - glândulas
1º ou
aquelas em glândulas salivares
infecciosas
salivares - tumores
mesenquimais
- metástases de
tumores
originados em
tórax ou abdome

Congênitos
Congênitos
- cistos Inflamatórios/
2º - cistos
- lesões infecciosos
- lesões vasculares
vasculares

Neoplásicos
- linfoma Neoplásicos
- câncer de - linfomas
tireoide - tireoide
Congênitos
3º - sarcomas - glândulas salivares
- cistos
- metástases - trato aerodigestivo
de tumores alto
de - neurogênicos
nasofaringe

Neste caso, uma massa no nível II em paciente jovem.


Não parece estar inflamada ou infectada. No nível II,
temos o bulbo carotídeo, linfonodos e a cauda da
parótida.

Não aparenta ser uma doença inflamatória ou


infecciosa, uma vez que a queixa é crônica e não há
fatores de risco ou elementos da história que sugiram
inflamação ou infecção. Podemos estar diante de uma
doença congênita ou neoplásica.

A doença congênita mais frequente do nível II é o


cisto branquial. Trata-se de um remanescente
embrionário das fendas branquiais, precursoras de
diversas estruturas da face e pescoço. O cisto branquial,
como o nome sugere, tem consistência amolecida,
cística. Além disso, ele normalmente cresce após um
episódio de infecção de vias aéreas e costuma regredir
depois. Por fim, o cisto tende a inflamar e infectar. Todos
esses elementos não aparecem na história do nosso
paciente. Afastamos, pelo menos neste momento, a
hipótese de doença congênita.

E quanto à neoplasia?

Paciente não apresenta sintomas B para pensarmos


em linfoma, não apresenta nódulos tireoidianos para
pensarmos em metástase de carcinoma de tireoide e não
apresenta antecedente de tabagismo e etilismo, além de
ser jovem, para pensarmos em metástase de carcinoma
espinocelular de mucosa de trato aerodigestório alto.
Mas podemos estar diante de uma neoplasia de
glândula salivar (lembra da cauda da parótida?), ou ainda
de uma neoplasia benigna de corpo carotídeo (lembre-se
de que o tumor pulsa!).

Como prosseguir?

Aqui cai bem uma tomografia cervical com contraste.


Um ultrassom permitiria a visualização um pouco
limitada, dado que a massa tem limites imprecisos à
palpação e aparentemente é profunda.

E quanto à biópsia?

Uma massa cervical, em geral, deve ser investigada


inicialmente com a realização de punção aspirativa por
agulha fina. É um procedimento que colhe material
citológico, com um pouco menos de acurácia diagnóstica
que a biópsia histológica. Entretanto, é menos mórbido e
diminui a chance de disseminação tumoral, diante da
suspeita de carcinoma metastático. Uma vez afastada a
hipótese de carcinoma metastático, e com PAAF
inconclusiva, pode-se, ocasionalmente, prosseguir para
biópsia cirúrgica da lesão.

Porém, neste caso, a principal hipótese é


Paraganglioma de corpo carotídeo.

Diante da suspeita de lesões altamente


vascularizadas, a punção ou a biópsia são
contraindicadas, o diagnóstico é feito por imagem.

Resumo dos principais diagnósticos diferenciais pelos níveis


cervicais

Linfonodomegalia (inflamatória, infecciosa ou neoplásica)


I Cisto do ducto tireoglosso (IA)
Doenças das glândulas submandibulares (IB)

Linfonodomegalia (inflamatória, infecciosa ou neoplásica)


Cisto branquial de 2ª fenda
II Tumores da porção inferior da parótida
Inflamação ou infecção da glândula parótida
Tumores de corpo carotídeo

Linfonodomegalia (inflamatória, infecciosa ou neoplásica)


III
Tumores de corpo carotídeo

Linfonodomegalia (lembrar do linfonodo de Virchow, à esquerda, por


IV conta do ducto torácico, que representa manifestação cervical de
doenças fora do pescoço)

Linfonodomegalia (inflamatória, infecciosa ou neoplásica)


V
Linfangiomas

Cisto do ducto tireoglosso


Doenças da tireoide
VI
Linfonodomegalias (inflamatória, infeciosa ou neoplásica)
Carcinoma de paratireoide

Paraganglioma (2)

Os paragangliomas são tumores originados das


células cromafins do sistema nervoso autônomo
parassimpático, localizadas nas paredes de vasos
sanguíneos. São também chamados de quimiodectomas
ou glômus. Quase todos esses tumores são benignos,
sendo raros os casos em que uma metástase à distância
fecha o diagnóstico de paraganglioma malignos. Apenas
1 a 3% dos paragangliomas são funcionais, produzindo
catecolaminas em quantidades suficientes para serem
clinicamente importantes. Quando presentes no pescoço,
podem ser carotídeos, temporais ou jugulotimpânicos,
vagais ou de outros sítios mais raros, como a laringe, os
seios paranasais e a glândula tireoide.

Paraganglioma Carotídeo

Também chamado de glômus carotídeo ou de tumor


do bulbo carotídeo. Cerca de 70% dos paragangliomas
carotídeos se apresentam como uma massa cervical
indolor de crescimento lento e progressivo. Alguns
pacientes podem apresentar disfunções do nervo vago,
mas disfunções de outros pares cranianos são incomuns.
Nos exames de imagem, o paraganglioma se apresenta
como uma massa muito vascularizada na região do bulbo
carotídeo. A tomografia computadorizada é o exame de
imagem mais utilizado, e a imagem típica é um blush
causado pelo contraste venoso. A artéria carótida interna
está deslocada posterolateralmente e a externa,
anteromedialmente.

A classificação mais utilizada é a de Shamblin:

Classe I: contato menor que 180 graus com as


artérias carótidas.
Classe II: tumor envolve parcialmente as artérias
carótidas.
Classe III: o tumor envolve completamente as
artérias carótidas.

O risco de lesão dos grandes vasos cervicais e dos


nervos cranianos é maior nos classificados como Classe
III de Shamblin. Nesses casos, o cirurgião deve estar
sempre preparado para realizar interrupções do fluxo
arterial e pode haver necessidade de reconstruções
vasculares. Por conta disso, um teste de oclusão de
carótida com arteriografia e um cirurgião vascular de
sobreaviso são cuidados necessários durante o preparo
pré-operatório.

A cirurgia é o tratamento de escolha, por ser o único


tratamento passível de promover a cura, porém, deve ser
extensamente discutida com o paciente em razão do alto
risco de sequelas. A maioria dos autores indica a
embolização via arteriografia 3 a 5 dias antes da cirurgia
para reduzir o sangramento durante o procedimento,
porém essa conduta não é unânime. A radioterapia tem
resultados muito duvidosos e só deve ser indicada nos
casos de tumores recidivados ou em pacientes com risco
cirúrgico muito elevado.

Pontos Importantes
Conhecer os níveis cervicais e as principais
estruturas de cada nível.
Conhecer as possíveis etiologias das massas
cervicais e seus principais fatores de risco.
Saber coletar uma boa história clínica, tendo em
mente os principais diagnósticos de cada faixa
etária.
Saber realizar um exame físico adequado da região
cervical.
Conhecer os principais recursos de exames
complementares, laboratoriais e de imagem,
pertinentes em cada caso.

Saber quando há indicação de investigação


citológica ou patológica, e quando está
contraindicada essa investigação.

Referências
1. Araujo Filho VJF, Cernea CR, Brandão LG. Manual do
residente de cirurgia de cabeça e pescoço. 2. ed.
Barueri: Manole; 2013. Capítulo 32 – Diagnóstico e
tratamento dos tumores laterais do pescoço (Caio
Tosato Caliseo, Raquel Ajub Moysés).

2. Araujo Filho VJF, Cernea CR, Brandão LG. Manual do


residente de cirurgia de cabeça e pescoço. 2. ed.
Barueri: Manole; 2013. Capítulo 14 – Tumores
neurogênicos, vasculares e neuroendócrinos em
cabeça e pescoço (Fernanda Amarante Bonani).
3. Brandão LG, Brescia MDG. Cirurgia de cabeça e
pescoço: fundamentos para a graduação médica.
São Paulo: Sarvier, 2010. Capítulo 10 – Propedêutica
Cervical (Daniel Marin Ramos).
Caso 44 | Queimaduras E
Enxertos De Pele
Autores: Gustavo Gomes Ribeiro Monteiro
Orientador: Marcelo Lima Portocarrero

História Clínica
Paciente 27 anos, sexo masculino, trazido pelo
resgate, vítima de acidente de trabalho com explosivo
em local fechado. Apresenta queimaduras de segundo e
terceiro grau acometendo face, membro superior
esquerdo e membro inferior esquerdo.

Exame Físico
Sinais vitais: PA 160x90, FC 114 bpm, FR 19, SatO₂%
93% Peso estimado: 70kg

Paciente encontrava-se em regular estado geral,


lúcido, orientado em tempo e espaço. Mucosas
descoradas 2+/4+, desidratado 1+/4+, anictérico,
afebril.

Superfície corporal queimada (SCQ) estimada em


12%, calculada pela “regra dos noves” de Wallace.
Foram identificadas queimaduras de segundo grau
profundo e terceiro grau em face, face palmar mão
esquerda e face anterolateral de pé direito.
Atendimento Primário
Iniciou-se atendimento conforme protocolo ATLS
(Advanced Trauma Life Support). Inicialmente, pelo risco
iminente de obstrução de via aérea, optou-se por
intubação orotraqueal e ventilação mecânica (figura 1).1
Na sequência, iniciado reposição volêmica, cálculo da
hidratação é feito através da fórmula de Parkland = 2 a
4ml x % SCQ x peso (kg). Foram identificadas
queimaduras de segundo grau profundo e terceiro grau
em face, face palmar mão esquerda e face anterolateral
de pé direito (figura 2,3).1
Figura 1 – Risco iminente de obstrução de via aérea, optou-se por intubação
orotraqueal

Figura 2 – Queimadura segundo e terceiro grau em mão esquerda

Figura 3 – Queimadura segundo e terceiro grau em pé direito

Exames Complementares

Exames laboratoriais
Hb 14,8 g/dl (12,0 a 15,5)

Ht 34,6% (35% a 45%)

HCM 32,2 pg (26 a 34)

VCM 90,3 fl (82,0 a 98,0)

CHCM 34,8 g/dl (31,0 a 36,0)

RDW 14% (11.9 – 15,5)

Leucócitos 10.110 (3.500 a 10.500)

Neutrófilos 70,8% ; 7, 160 (1.700 a 7000)


Eosinófilos 1,8% ; 180 (50 a 500)

Basófilos 0,2%; 20 (0 a 300)

Linfócitos 16,3%; 1.650 (900 a 2900)

Monócitos 10,9%; 1.1000 (300 a 9000

Plaquetas 176.000 (150.000 a 450.000)

PCR 27 (< 1,0)

Ureia 42 (10 a 50)

Creatinina 0,73 (0,60 – 1,10)

Potássio 4,0 (3,5 a 4,5)

Sódio 141 (135 – 145)

INR 0,8 (< 1,0)

PTT 2,3 (1,7 a 3,5 s)

Tratamento Definitivo
Após estabilidade clínica e expansão volêmica
baseada inicialmente pelo volume calculado pela fórmula
de Parkland e, na sequência, conforme volume de
diurese e função renal, optou-se por debridamento
abordagem cirúrgica das áreas queimadas.

Realizado o debridamento (Figuras 3, 4 e 5), sendo


indicada a enxertia das áreas cruentas com enxerto de
pele parcial em lâmina do pé direito e de pé esquerdo
(área doadora: face lateral de coxa esquerda) e enxerto
de pele total em lâmina em mão esquerda (área doadora:
inguinal esquerda) (Figuras 6, 7 e 8). Realizada abertura
do curativo no 5º dia após enxertia, com integração de
100% dos enxertos (Figuras 9, 10 e 11).

Figura 4 – Mão esquerda após debridamento cirúrgico


Figura 5 – Pé esquerdo, face medial, após debridamento cirúrgico

Figura 6 – Pé direito, face anterolateral, após debridamento cirúrgico


Figura 7 – Mão esquerda após enxerto de pele total

Figura 8 – Pé esquerdo, face medial, após enxerto de pele parcial


Figura 9 – Pé direito, face anterolateral, após enxerto de pele parcial

Figura 10 – Integração de 100% do enxerto


Figura 11 – integração de 100% do enxerto

Figura 12 – Integração de 100% do enxerto

Questões Para Orientar a Discussão


1. Como a avaliar e classificar as queimaduras,
incluindo a estimativa do tamanho e da
profundidade da queimadura?
2. Qual é fisiopatologia da resposta ao estresse para
lesão de queimadura aguda, incluindo as sequelas
hemodinâmicas, metabólicas, nutricionais e
imunológicas?
3. No manejo inicial dos pacientes com queimaduras
agudas, quais são as prioridades, incluindo a
reposição volêmica, suporte nutricional e
tratamento de feridas?
4. Quando e como utilizar agentes antimicrobianos
tópicos, curativos biológicos, substitutos de pele e
enxertos cutâneos?
5. Quais são os princípios cirúrgicos fundamentais no
tratamento de pacientes com queimaduras,
incluindo debridamento de feridas, enxerto de pele
e liberação da contratura da cicatriz?
6. O que muda quando nos deparamos com lesões
inalatórias, queimaduras químicas, lesões elétricas
e necrólise epidérmica tóxica?

Discussão

Conceitos
As queimaduras são divididas em: queimaduras
térmicas, elétricas, de radiação e químicas.

A extensão dos danos depende da temperatura do


agente, da concentração de calor e da duração do
contato.2

Epidemiologia

A incidência de queimaduras varia conforme o país


estudado. De acordo com a Organização Mundial da
Saúde (OMS), os incêndios causam 6,6 milhões de
queimaduras importantes e 400.000 mortes todos os
anos. A população pobre é predominantemente: 95% das
queimaduras relacionadas com o fogo ocorrem em países
de renda média-baixa e onde os programas de prevenção
são quase inexistentes.2

No Brasil, os pacientes acometidos têm, em média, 25


anos, o que acarreta grande prejuízo para a
produtividade de jovens economicamente ativos. Os
homens são responsáveis por cerca de dois terços dos
casos. O contato com líquidos aquecidos é a etiologia
mais comum. Essa distribuição demonstra o predomínio
de lesões em ambiente doméstico.3,4

Fatores de risco

Baixo nível socioeconômico


Extremos de idade: crianças com idade inferior a
cinco anos de idade

Alcoolismo
Transtornos psiquiátricos

Doenças neurológicas, como epilepsia.2

Fisiopatologia

Resposta Local: as temperaturas excessivamente


altas produzem lesão tecidual gradual, irradiando a partir
do ponto de contato e tornam-se progressivamente
menos graves em direção à periferia. Três zonas de
queimadura foram descritas por Jackson:

Zona de Coagulação: o aumento da temperatura


mata as células na área mais próxima à fonte de
calor, coagula e desnatura as proteínas
circundantes da matriz extracelular. A circulação
para essa área cessa imediatamente2.

Zona de Estase: a área que circunda a lesão é


caracterizada pela diminuição da perfusão tecidual.
Nessa zona, o tecido é potencialmente recuperável.
O objetivo principal da recuperação da queimadura
é aumentar a perfusão tecidual neste local e evitar
que qualquer dano se torne irreversível. Insultos
adicionais, como hipotensão prolongada, infecção
ou edema podem converter essa zona em uma área
de perda de tecido completa2.
Zona de Hiperemia: circunda a zona de estase.
Nesta zona mais externa, a perfusão do tecido é
aumentada. O tecido desse local recupera-se
invariavelmente, a menos que haja sepse grave ou
hipoperfusão prolongada2.

Resposta Sistêmica

A liberação de citocinas e outros mediadores


inflamatórios no local da lesão geralmente não têm um
efeito sistêmico quando a queimadura é menor que 30%
SCQ. Acima disso, invariavelmente, resulta em
perturbações graves e únicas da função cardiovascular,
quando ocorre choque devido a alterações inflamatórias
e aumento da permeabilidade capilar. O choque por
queimadura é resultado da relação entre hipovolemia e
liberação de vários mediadores da inflamação com
efeitos sobre a microcirculação e a função cardíaca,
grandes vasos e pulmões.2,5

Hipovolemia e Extravasamento de Líquidos: o


conceito fundamental em choque por queimadura é que
podem ocorrer enormes deslocamentos de fluidos, ainda
que a água corporal total permaneça inalterada. O que
realmente muda é o volume de cada compartimento de
fluido, com aumento dos volumes intracelular e
intersticiais em detrimento dos volumes plasmático e
sanguíneos.2
Mediadores da lesão de queimadura: o
hipermetabolismo é mediado por hormônios como
cotecolaminas, glucagon e, particularmente, cortisol. O
aumento da permeabilidade vascular pós-queimadura é
mediado pela histamina e inúmeras substâncias
vasoativas, incluindo serotonina, bradicinina,
prostaglandinas, leucotrienos e fator de agregação
plaquetária.2

Classificação Das Queimaduras


Quanto À Origem

1- Lesões térmicas

Queimaduras de flash e chama:

As queimaduras por chama, em geral, acometem a


derme profunda ou ocasionam lesões de espessura total
(toda derme e epiderme). As flash burns, queimaduras
decorrentes arco voltaico, atingem camadas progressivas
da derme em proporção à quantidade e tipo do
combustível que explode.2

Escaldaduras:

As queimaduras por líquido quente são causa


frequente nos extremos de idade. A profundidade do
ferimento depende da temperatura do líquido, da
espessura da pele e do tempo de contato. Óleos de
lubrificação quentes, geralmente, causam queimaduras
mais profundas se comparados a líquidos mais fluidos,
como água e café.

Queimaduras de Contato:

Para se obter uma queimadura de contato direto, o


objeto tocado deve estar extremamente quente ou o
contato for anormalmente longo. Este último é a razão
mais comum, e esses tipos de queimaduras são
geralmente vistos em pessoas com epilepsia ou aquelas
que abusam de álcool ou drogas, ou idosos com perda da
consciência.2

Piche:

Produto feito a partir de derivados do petróleo,


possuindo um ponto de ebulição elevado; assim, os
acidentes com piche tendem a ser associados com as
queimaduras mais profundas. Uma vez arrefecido, o
piche endurece rapidamente sobre a pele. O piche
aderido não deve ser removido no local, mas apenas por
pessoal qualificado em um centro médico. A remoção do
piche não é essencial em caráter de urgência. O
desbridamento mecânico ou manual é ineficaz e resulta
na remoção de pele e folículos pilosos viáveis
subjacentes, estendendo assim a profundidade e a área
da lesão dérmica.2
2 - Lesões químicas:

As queimaduras químicas podem surgir quando se


entra em contato direto com substâncias corrosivas,
como ácidos, bases (principal exemplo: soda cáustica),
ou, frequentemente, outros produtos de limpeza fortes,
diluentes ou gasolina, por exemplo.2

3 - Lesões elétricas

As queimaduras elétricas de baixa tensão (abaixo de


1.000 volts) ocorrem, com frequência, no domicílio,
acometendo crianças; quando ocorre em adultos, está
relacionada, geralmente, a acidentes de trabalho. As
lesões por alta voltagem (acima de 1.000 volts) ocorrem
em ambiente extradomiciliar, em jovens do sexo
masculino, que entram em contato com linhas de alta
tensão suspensas ou subterrâneas.2

Diagnóstico
Classificar a queimadura e estimar a área
queimada

Após a conclusão do exame primário, uma pesquisa


secundária deve avaliar a profundidade e superfície
corporal queimada (SCQ).

É preciso fazer um cálculo cuidadoso da superfície


corporal queimada (SCQ) para orientar a reposição
volêmica. Para os adultos, a regra dos nove de Wallace é
um método simples e preciso de fazer esse cálculo.

No entanto, em crianças, o gráfico de Lund e Browder


é mais preciso, uma vez que representa as diferentes
proporções corporais em lactentes e crianças. Neste
diagrama, os membros inferiores aumentam sua
representatividade com a idade, enquanto o segmento
cefálico diminui sua participação no cálculo da SCQ.
As queimaduras de primeiro grau não são
consideradas na estimativa da SCQ.2

Regra dos 9 de Wallace:

Estimativa do tamanho da queimadura segundo


“regra dos nove” de Wallace: cabeça e pescoço, 9%;
cada braço, 9%; dorso anterior, 18%; dorso posterior,
18%; cada perna, 9%; genitália/períneo, 1%. ASC, área
de superfície corporal. (De: Herndon DN, ed. Total Burn
Care, 2nd edn. Edinburgh: Elsevier.)

Idade 0-1 1-4 5-9 10-14 15 Adulto

Metade anterior ou posterior (% (%) (%) (%) (%) (%)

1/2 da cabeça 9,5 8,5 6,5 5,5 4,5 3,5


Idade 0-1 1-4 5-9 10-14 15 Adulto

1/2 da coxa 2,75 3,25 4,0 4,25 2,5 4,75

1/2 da perna 2,5 2,5 2,75 3,0 3,25 3,5

Gráfico de Lund e Browder:

Estimativa do tamanho da queimadura segundo o


método de Lund e Browner. (De: Herndon DN, ed. Total
Burn Care, 2nd edn. Edinburgh: Elsevier). Mais preciso
para a estimativa da SCQ, o diagrama considera as
diferentes proporções corporais de acordo com a idade.
Os membros inferiores aumentam proporcionalmente sua
representatividade, ao passo que o segmento cefálico
diminui.
Estadiamento/Gravidade

Queimaduras Epidérmicas (primeiro grau): essas


queimaduras envolvem apenas a epiderme. Elas não
formam bolhas, mas são avermelhadas e muito
dolorosas, e ficam brancas ao serem pressionadas. Não
devem ser consideradas na estimativa de superfície
queimada. O mecanismo de cura é por regeneração, o
que ocorre em 7 dias. A terapia de suporte geralmente é
suficiente, com analgesia e hidratação da pele. Não deixa
cicatriz.2

Queimaduras Superficiais de Espessura Parcial


(segundo grau superficial): esse tipo de lesão afeta a
epiderme e a derme papilar. Aspecto rosa-pálido, com
pequenas bolhas, fica branca se pressionada. Em geral, é
extremamente dolorida, pois os nervos superficiais ficam
expostos. São consideradas na estimativa de
porcentagem de SCQ. A cura é esperada no prazo de 14
dias, com a restauração da pele a partir dos
queratinócitos presentes nos anexos cutâneos
(preservados na derme profunda) e bordas da
queimadura. A taxa de restauração depende da
densidade desses anexos cutâneos: pele fina e sem pelos
(parte interna dos braços, pálpebras) restauram mais
lentamente do que a pele grossa ou coberta de pelos
(costas, couro cabeludo e face). O tratamento visa à
prevenção da progressão da ferida pelo uso de cremes
antimicrobianos e curativos oclusivos, já́ que a
epitelização progride mais rapidamente em um ambiente
úmido.2

Queimaduras Profundas de Espessura Parcial


(segundo grau profundo): acomete a epiderme,
toda a derme papilar até a derme reticular. Aspecto
rosa-escuro ao vermelho manchada, pode ter grandes
bolhas, preenchimento capilar lento a ausente. Pode ser
dolorida ou ter a sensação dolorosa reduzida/ausente.
Participa da porcentagem da área queimada. Essas
feridas são as mais difíceis de avaliar e tratar. A distinção
nem sempre é simples, e muitas feridas de queimaduras
apresentam uma mistura de características de lesões
superficiais, tornando difícil a classificação precisa de
toda a ferida. Não se deve deixar cicatrizar por segunda
intenção, mas sim submeter à cirurgia. Apresentam risco
moderado a alto para formar cicatriz hipertrófica,
principalmente quando a cirurgia é retardada por mais de
3 semanas.1,2

Queimaduras de Espessura Completa (terceiro


grau): as queimaduras de espessura total, ou de terceiro
grau, envolvem todas as camadas da epiderme e da
derme e podem destruir estruturas subcutâneas.

Elas possuem um aspecto esbranquiçado ou


carbonizado, sem bolhas, sem preenchimento capilar.
Essas queimaduras, geralmente, não apresentam
sensibilidade por causa da destruição das terminações
nervosas, mas as áreas circundantes são extremamente
dolorosas. Todos os elementos de restauração foram
destruídos nessas lesões, e a cura ocorre apenas a partir
das bordas e está associada a contratura considerável.
Todas essas lesões devem ser excisadas e enxertadas a
menos que tenham < 1 cm de diâmetro em uma área em
que a função não estaria comprometida pela
cicatrização, mecanismo de cura nestes casos.1,2

Lesão por Inalação

Pacientes com lesões de inalação estão associados às


maiores taxas de mortalidade do que os pacientes sem
lesão inalatória. Felizmente, essas situações são raras.
Pacientes presos em ambientes fechados apresentam
maior risco de lesão por inalação. A via aérea superior
deve ser avaliada por laringoscopia, e a árvore
traqueobrônquica por broncoscopia. A radiografia não é
sensível para detecção de lesão por inalação. A lesão
térmica proveniente da exposição à chama ou aos gases
quentes pode acometer as vias aéreas superiores
(supraglóticas). Isso resulta em queimaduras dos lábios e
da orofaringe, resultando em edema e obstrução da via
respiratória. O calor raramente causa lesão subglótica.
Os produtos da combustão, embora resfriados pelo
tempo que levam para atingir os pulmões, atuam como
irritantes diretos dos pulmões, levando à inflamação e ao
broncoespasmo. A ação ciliar dos pneumócitos é
prejudicada, agravando a situação. O exsudato
inflamatório gerado não é removido e, em sequência,
ocorrem atelectasia e/ou pneumonia. O monóxido de
carbono inalado se liga à hemoglobina com 40 vezes
mais afinidade que o oxigênio. Também se liga às
proteínas intracelulares, particularmente nas da via da
citocromo-oxidase. Esses dois efeitos levam à hipóxia
intracelular e extracelular. Nessas circunstâncias, a
oximetria de pulso também é imprecisa, uma vez que
não pode diferenciar oxi-hemoglobina e carboxi-
hemoglobina e pode, portanto, fornecer resultados
normais. A gasometria arterial poderá́ revelar acidose
metabólica e níveis elevados de carboxi-hemoglobina,
mas pode não mostrar hipóxia. O tratamento é feito com
oxigênio a 100% com uma máscara facial com
reservatório, que desloca o monóxido de carbono ligado
às proteínas seis vezes mais rapidamente que o oxigênio
atmosférico. A oxigenioterapia hiperbárica pode reduzir a
meia-vida do monóxido de carbono. Não existe um
tratamento eficaz da lesão por inalatória além do
tratamento de suporte.2,6,7

Tratamento Clínico

Conceitos

Quais queimaduras têm indicação de


tratamento clínico?
Pacientes com queimaduras de 1º grau e 2º grau
superficial.2

Como é feito o tratamento destes pacientes?

Após debridamento inicial e lavagem abundante da


área queimada com solução cristaloide, a área queimada
é envolvida com um curativo contendo 4 camadas

Camada não aderente

Gaze de metro/Gaze de queimado


Algodão
Ataduras2

Quais pacientes têm indicação de antibióticos


tópicos?

Queimaduras com remoção da epiderme (a partir de


2º grau superficial) se beneficiam da cobertura com
antimicrobianos tópicos. O mais utilizado é a sulfadiazina
de prata.2

Existe indicação de antibioticoterapia


sistêmica?

Não há indicação de uso de antibióticos de maneira


profilática, mesmo nos grandes queimados.1,2

Deve ser realizada imunização antitetânica nos


pacientes queimados?
Sim. Pacientes com estado vacinal incompleto ou
desconhecido devem receber vacina e imunoglobulina
antitetânicas. Pacientes com vacinação completa e
último reforço há mais de 5 anos devem receber uma
dose de reforço.1

Qual a via para nutrição do paciente queimado?

A via enteral deve ser sempre preferida, caso haja


condições para tal. Os pacientes queimados apresentam
demandas metabólicas mais altas que pacientes hígidos,
sendo utilizadas equações para calcular o aporte calórico
e proteico, que pode chegar a 3g/kg/dia.1,4

Tratamento Cirúrgico

Conceitos

Definição enxerto de pele:

Transplante cutâneo livre, retirado de sua área original


(área doadora) e transferido para outro local (área
receptora), sem vínculo com a área original, sendo
nutrido por embebição na área receptora.2

Qual queimadura tem indicação de cirurgia?

A partir segundo grau profundo2,5

Qual melhor momento?


Idealmente, a cirurgia de debridamento e enxertia
deve ser realizada precocemente. Reduz perdas pela
ferida; infecções hospitalares; e custos do tratamento.2,4

E se não operar as queimaduras profundas?

Nestes casos, a não operação leva a resultados


inestéticos, com déficits funcionais, restrições de
movimentação de articulações por cicatrização
hipertrófica.2,4

Qual é a cirurgia?

Excisão tangencial até derme viável com bisturi ou


faca de Blair (imagem 12), associada à hemostasia
compressiva. Se possível enxertia de pele, esta deverá
ser retirada com lâmina de bisturi ou faca de Blair ou
então dermátomo elétrico (Imagem 13).2

Qual o limite de debridamento por cirurgia?

Máximo 10-15% se lesões parciais; se for excisão


total, máximo de 5%.2

Quando posso enxertar?

Área receptora com boa vascularização. Sem infecção


ou contaminação grosseira. 2,7

ATENÇÃO!
Queimaduras de 3º grau circunferenciais em
extremidades e no tórax podem restringir a circulação e
a ventilação. Atentar para indicação de escarotomia na
admissão, para evitar síndrome compartimental.1,2

Figura 13 – Faca de Blair – utilizada para debridamento e retirada de


enxertos
Figura 14 – Dermátomo elétrico – utilizado para retirada de enxertos

Classificação dos enxertos

Origem
Autoenxertos ou isoenxertos: próprio receptor ou
gêmeo univitelino.
Homoenxertos ou aloenxertos: indivíduos da mesma
espécie.

Heteroenxerto ou xenoenxerto: oriundo de espécie


diferente.2

Formato

Lâminas: fragmento de pele, da forma original, é


colocado na área receptora. Melhores do ponto de
vista estético e funcional (imagem 14).

Malhas: O enxerto é processado em um dermátomo,


aumentando muito sua superfície (de 1,5:1 a 9:1).
Utilizadas em grandes queimados com escassez de
áreas doadoras, porém com pior resultado estético –
aspecto rendilhado e espaços nas fenestras do
enxerto epitelizados por cicatrizes (Imagem 15).

Selos: Pequenos fragmentos do enxerto eram


espalhados como selos. Em desuso.2
Figura 15 – Aspecto de enxerto em lâmina

Figura 16 – Aspecto de enxerto em malha (1:1,5).

Espessura

De maneira geral, a qualidade estética e funcional dos


enxertos é diretamente proporcional à quantidade de
derme transplantada. Ou seja, quanto mais espesso o
enxerto, maior a qualidade da reconstrução realizada.
Esta característica é máxima nos enxertos totais de pele
e mínima no enxerto de pele parcial fino.

Por outro lado, quanto maior a espessura do enxerto,


pior a restauração da área doadora, que pode necessitar
de procedimentos para fechamento primário (como no
enxerto de pele total). Isso limita a disponibilidade de
enxerto de pele total, pois suas áreas doadoras
invariavelmente necessitam de alguma manobra
cirúrgica para fechamento primário.2,7

Os enxertos são divididos em:

Enxerto cutâneo de espessura total (Wolfe-


Krause): Levam toda a derme da área doadora.
Preservam anexos (glândulas sudoríparas, sebáceas
e até alguns folículos pilosos). A área doadora
necessita de fechamento primário, pois resulta de
uma lesão de espessura total (semelhante à
“queimadura de 3º grau”). Indicado para áreas
nobres, nas quais se almeja um resultado estético e
funcional melhor.

Enxerto cutâneo de espessura parcial: Finos,


médios ou grossos, a depender da espessura da
derme. Nestes enxertos, a área doadora passa por
um processo de restauração, semelhante ao de uma
queimaduras de segundo grau superficial.

Finos ou de Ollier-Thiersch: Úteis nos doentes


grandes queimados, pois há melhor
restauração da área doadora.

Médios ou de Blair-Brown: Resultados


intermediários entre pele total/parcial espessa
e pele parcial finos.
Grossos ou Padgett: melhor resultado estético
dentre os enxertos de pele parcial.2

Bases fisiopatológicas da enxertia

Embebição plasmática (0-24 HORAS): Nas


primeiras 24 horas após a enxertia o plasma que
transuda da área receptora é absorvido pelo enxerto
formando uma malha de fibrina que serve para sua
fixação e nutrição.
Revascularização (Até sete dias): Mantido
contato íntimo, imobilidade e ocorre a penetração
dos vasos do leito receptor – chamada
neovascularização (antigamente inosculação).
Segue-se à proliferação vascular, completando a
revascularização do enxerto entre 4 e 7 dias.

Maturação (Após sete dias): Ocorre hiperplasia


da derme e atrofia das glândulas, que retornam com
sua função parcial depois. A reinervação se inicia
em 2-4 semanas, mas pode demorar meses até uma
sensibilidade aceitável.

Retração do enxerto
Primária: Ocorre imediatamente após a retirada do
enxerto do leito, sendo diretamente proporcional à
espessura do enxerto. Depende da quantidade de
fibras elásticas na derme do enxerto.
Secundária: Ocorre após a integração do enxerto
no leito receptor, sendo inversamente proporcional
à espessura do enxerto. Depende da retração do
próprio leito receptor. Quanto mais fino o enxerto,
mais vulnerável à retração do leito ele será.2

Pós-operatório:

Abertura do curativo

Laminar: 3-4 dias

Malha: 5-7 dias.2

Área doadora

Enxerto parcial: tratada como queimadura de


segundo grau (oclusão ou exposição)

Enxerto total: geralmente realizado fechamento


primário (sutura ou enxertia)2

Principais causas de perda de enxerto

Hematoma/Seroma
Cisalhamento
Infecção2,3

Pontos Importantes

1. Quanto à história/mecanismo da
queimadura:

Mecanismo exato

Natureza da lesão (escaldadura, chama, flash,


contato, elétrica, química)

Como entrou em contato com o paciente?

Quais primeiros-socorros foram realizados?


Qual tratamento foi iniciado?

Existe risco de lesões concomitantes (tais como


queda de altura, acidente de trânsito, explosão)?

Horários exatos

O tempo decorrido desde as


queimaduras/lesões/inalação de fumaça até a
chegada ao hospital
Quanto tempo o paciente ficou exposto à fonte de
energia?

Quanto tempo o paciente ficou exposto à fumaça?


Há quanto tempo foi aplicado o resfriamento?

Quando foi iniciada a reposição volêmica?


Se lesões inalatórias

Existe risco de lesões inalatórias (ocorreu queima


em um ambiente fechado)?
Se possível, a natureza dos materiais de queima
(móveis, espuma de poliuretano, cloreto de polivinil
etc.)

Se escaldaduras

Qual foi o líquido?

Estava fervendo ou foi fervido recentemente?


Havia algum soluto no líquido? (Aumenta a
temperatura de ebulição e provoca lesão mais
grave, como o arroz fervente)

Existe alguma suspeita de lesão não acidental?

Lesões por queimadura elétrica

Qual foi a tensão (alta ou baixa)?


Houve um flash ou arco?

Tempo de contato

Lesões químicas

Qual foi a substância química?

2. Pontos fundamentais do atendimento


inicial:
Realizar um levantamento preliminar ABCDE:

A Vias respiratórias (Airway), com o controle da


coluna cervical

Sinais de lesão inalatória

História de queimaduras por chama em um espaço


fechado
Queimaduras dérmicas de espessura completa ou
profundas na face, pescoço ou parte superior do
tórax

Pelos nasais chamuscados


Escarro carbonáceo ou partículas de carvão na
orofaringe

B Respiração (Breathing)

C Circulação - Reposição volêmica

D Deficiência neurológica

E Exposição com controle ambiental1

Avaliar a extensão e profundidade da


queimadura

Estabelecer um bom acesso intravenoso e fornecer


líquidos (em crianças, a via intraóssea pode ser
utilizada para a administração de fluidos se não for
possível o acesso intravenoso)

Proporcionar analgesia
Cateterizar o paciente ou estabelecer
monitoramento de débito urinário

Coletar amostras de sangue iniciais para a


investigação (hemograma completo; ureia e
concentração de eletrólitos; teste de coagulação;
grupo sanguíneo; e guardar ou misturar o soro
remanescente)
Lesões elétricas
Eletrocardiograma de 12 derivações

As enzimas cardíacas (para lesões de alta


tensão)
Lesões por inalação
Radiografia torácica

Gasometria arterial

Curativos1,2

3. Procedimentos urgentes e importantes

Atendimento inicial

Escarotomia
Debridamento cirúrgico e enxertia precoces,
visando:
Reconstrução da superfície (p. ex., epitélio
instável).
Restauração da função (p. ex., contraturas
articulares)

Evitar deformidades progressivas que impedem


a realização de atividades cotidianas não
corrigíveis por reabilitação não cirúrgica
Estética (p. ex., alterações de pigmentação,
irregularidades de textura)2,4,7

Referências
1. Subcommittee ATLS, Tchorz KM, International ATLS
Working Group. Advanced trauma life support
(ATLS®): the ninth edition. The journal of trauma
and acute care surgery. 2013; 4(5): 1363.

2. Peter C. Neligan, MB, FRCS(I), FRCSC, FACS. Cirurgia


plástica: extremidade inferior, tronco e
queimaduras. Capítulo 18: Manejo agudo de lesões
por queimadura/ eletricidade p.393-415.
3. Cruz BF, Cordovil PBL, Batista KNM. Perfil
epidemiológico de pacientes que sofreram
queimaduras no Brasil: revisão de literatura. Rev
Bras Queimaduras. 2012;11(4):246-250.

4. Caleman G, Morais JF, Puga ME, Riera R, Atallah


AN.Use of albumin as a risk factor for hospital
mortality among burn patients in Brazil:
nonconcurrent cohort study. São Paulo Med J.
2010;128(5):289-95.

5. Milcheski DA, Busnardo F, Ferreira MC. Reconstrução


microcirúrgica em queimaduras. Rev Bras
Queimaduras. 2010;9(3):100-4.
6. Souza R, Jardim C, Salge JM, Carvalho, Carvalho
CRR. Lesão por inalação de fumaça. J Bras Pneumol.
2004;30(6):557-65.

7. Zhao JH, Diao JS, Xia WS, Pan Y, Han Y. Clinical


application of full-face, whole, full-thickness skin
grafting: a case report. J Plast Reconstr Aesthet
Surg. 2012;65(11):1576-9.
Caso 45 | Reconstrução
De Feridas Complexas
Com Retalhos
Autora: Monique Mendes
Orientador: Marcelo Lima Portocarrero

História Clínica
Paciente do sexo masculino, 44 anos, branco,
engenheiro. Internação prolongada em leito de UTI por
descompensação grave de insuficiência cardíaca
congestiva perfil B, com fração de ejeção do ventrículo
esquerdo de 35%. Evoluiu com úlcera de pressão de
grandes dimensões em região sacral, com exposição de
estruturas profundas, tratada inicialmente com curativos
diários com papaína 10%. Antecedentes de obesidade
grau III, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus,
dislipidemia e tabagismo.

Exame Físico
Sinais vitais: PA 140x90, FC 72bpm, FR16, Sat O₂%
94%.

Paciente em regular estado geral, eupnéico, afebril.


Úlcera de pressão sacral grau IV, com exposição do
osso sacral e cóccix, músculos, fáscia e tendões.
Grande quantidade de tecido desvitalizado, com
odor fétido. Sem coleções palpáveis ou sinais de
infecção local, apenas necrose tecidual. (FIGURA 1)

Figura 1 – Úlcera de pressão sacral grau IV.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Indicado inicialmente curativo com sulfadiazina de
prata 1%, com objetivo de descolonizar a ferida,
mudanças de decúbito a cada 2 horas e medidas clínicas
visando melhorar o perfil nutricional do paciente. Após
adoção de tais medidas, foram realizados três
procedimentos de desbridamento cirúrgico sequenciais
com instalação de terapia com pressão negativa (Figura
2). Ao final dos procedimentos, a ferida apresentava
redução das dimensões e fundo limpo com tecido de
granulação avermelhado (Figura 3).

Figura 2 – Aspecto de úlcera de pressão sacral após primeiro desbridamento


cirúrgico.
Figura 3 – Aspecto de úlcera de pressão sacral após utilização da terapia por
pressão negativa.

Para cobertura do defeito, optou-se pela realização de


retalho de avanço em V-Y fasciocutâno unilateral (Figura
4).
Figura 4 – Retalho de avanço em V-Y fasciocutâno para fechamento de
úlcera sacral.

Sem demais intercorrências e com mínima morbidade


em área doadora, paciente recebeu alta hospitalar no 7
dia pós-operatório.

Em seguimento ambulatorial, 6 meses após a cirurgia,


apresentou-se reabilitado com retorno completo às
atividades laborais.

Questões Para Orientar a Discussão


1. Qual o conceito de ferida complexa e quais seriam
os exemplos destes tipos de ferida?
2. Qual o racional para a escolha do tipo de
reconstrução a ser feita?

3. Qual a diferença entre enxerto e retalho?

4. Como podem ser classificados os retalhos?

5. O que é um retalho livre (microcirúrgico)?

Discussão

Conceitos

As feridas complexas representam um desafio


constante para o cirurgião plástico e para a equipe
multidisciplinar, tanto no atendimento de urgência
quanto nas abordagens eletivas. Devido a grande
variedade de etiologias como traumatismos, úlceras
vasculares, úlceras de pressão e sequelas de ressecções
oncológicas, é difícil conceituar as feridas complexas. As
feridas complexas são feridas que não cicatrizam
adequadamente no tempo previsto, impondo sérias
consequências à saúde do indivíduo.

Classificam-se em agudas ou crônicas, a depender do


período decorrido para a cicatrização. Dessa forma, são
consideradas feridas crônicas aquelas cujo período de
cicatrização supera 4 semanas ou que não apresentam
20-40% de redução de sua área após 2-4 semanas de
terapia ideal.1

As úlceras de pressão, como a apresentada no caso


acima, são um grande exemplo deste tipo de ferida, pois
habitualmente agregam morbidade significativa a
pacientes acamados por traumatismos raquimedulares
ou eventos graves com internação prolongada. Este tipo
de úlcera ocorre pela compressão de uma proeminência
óssea sobre as partes moles quando não há mudança de
posição do paciente (mudança da distribuição de pontos
de pressão). Apenas 2h de compressão mantida numa
região do corpo podem ser suficientes para o
aparecimento destas lesões.2 Nos pacientes acamados,
como o do caso apresentado, a região sacral é a mais
frequentemente acometida. Nos pacientes que utilizam
cadeiras de roda, a região isquática é a mais acometida.3

São outros exemplos de feridas complexas: úlceras


vasculares, ferimentos descolantes, fraturas expostas
com perda de substância, pé diabético, entre outros.

Opções de reconstrução para fechamentos


de feridas

Classicamente o conceito que durante muito tempo


norteou o tratamento de feridas foi o de “Escada da
Reconstrução”, proposto por Mathes e Nahai.4 Ele
representa uma abordagem sistemática para o
fechamento das feridas, priorizando a utilização de
técnica simples com progressão para técnicas mais
complexas, a depender das necessidades do defeito,
sempre que possível. Por este conceito, se uma ferida era
passível de ser tratada pela aposição de um enxerto de
pele, não deveriam ser realizados retalhos para o seu
tratamento. A técnica mais simples factível era a
escolhida.

Este conceito foi substituído pelo “Elevador da


Reconstrução”, no qual a técnica escolhida deve ser a
que proverá o melhor resultado estético e funcional,
independente da complexidade do procedimento.5 Deste
modo, se a melhora técnica para uma determinada ferida
é a realização de um retalho livre, esta deve ser a
primeira escolha, mesmo que seja possível realizar um
retalho local, enxerto ou até fechamento primário. Dois
exemplos em que opta-se diretamente pela reconstrução
microcirúrgica seriam as reconstruções oncológicas
maiores de cabeça e pescoço e os traumatismos com
perda de cobertura em terço distal da perna e pé.

O tratamento das feridas complexas pode ser


basicamente dividido em quatro técnicas:

1. Primeira intenção (fechamento primário):


aproximação das bordas da ferida através de
suturas. Indicada em feridas com pouca
desvitalização tecidual, baixo grau de contaminação
e bordas regulares. Promove uma epitelização mais
rápida e geralmente evoluem sem maiores
complicações, com uma cicatriz mais fina e de
melhor qualidade estética.

2. Segunda intenção (cicatrização secundária):


a ferida é mantida aberta e se fecha naturalmente.
Indicada em feridas pequenas e superficiais. As
bordas das feridas são aproximadas pela ação dos
miofibroblastos, consequentemente o tempo de
epitelização é prolongado e há maior índice de
contratura.
3. Enxertos de pele: Transferência de pele de uma
região (área doadora) para outra (área receptora),
recebendo nesta nova área, suprimento sanguíneo
que garantirá sua viabilidade. Indicados para feridas
que apresentam leito limpo, bem vascularizado,
sem sinais de infecção, sem exposição de estruturas
nobres (ossos sem periósteo, cartilagem sem
pericôndrio, tendões sem paratendão, nervos e
vasos) e que não sejam áreas de apoio ou pressão.
Podem ser de espessura total ou parcial da pele e se
apresentar na forma de lâmina ou malhas.
4. Retalhos locais ou livres: Transferência de
tecidos que apresentam aporte sanguíneo próprio,
seja ele baseado em pedículo conhecido (axiais) ou
em leito vascular aleatório (randomizados).
Indicados para feridas com grandes ou moderadas
perdas teciduais, com deficiência de volume e que
necessitam de proteção para estruturas vitais.
Apresentam maior aporte sanguíneo tecidual e,
portanto, maior resistência às infecções bacterianas.

Lembrem-se! A escolha entre eles é feita pelo


melhor resultado final da reconstrução, e não pela
simplicidade/complexidade da lesão!

O uso de retalhos

O uso de retalhos na reconstrução cirúrgica complexa


está bem definido na literatura. Os primeiros registros
dessas técnicas datam da antiguidade, com referências
nas descrições de Sushruta (600 a.C.).6

Na seleção de um retalho deve-se levar em conta:

as características do defeito: tamanho e local do


defeito, exposição de estruturas nobres;

as comorbidades e expectativas do paciente;


viabilidade e morbidade da área doadora;

características do retalho: tamanho e calibre do


pedículo, espessura do tecido, dificuldades técnicas,
custos.
prever complicações e ter em mente método de
reconstrução alternativo em caso de perda do
retalho inicial.
Os retalhos podem ser classificados de acordo com:

1. Composição dos tecidos:

Simples: Contém apenas uma estrutura anatômica


(Ex: cutâneo, muscular, de mucosa).

Compostos: Apresentam duas ou mais estruturas


anatômicas (Ex: fasciocutâneo, miocutâneo,
osteocutâneo).

2. Suprimento sanguíneo:

Randomizados ou ao acaso: Não apresentam um


pedículo definido. Recebem irrigação pelo plexo
subdérmico.

Axiais: Recebem irrigação através de uma ou mais


artérias definidas que representam o eixo do
retalho.
Reversos: subtipo de retalho axial, sendo
baseados distalmente, sendo o fluxo arterial e
venoso para o território da pele em uma
direção inversa ao normal. Ex.: no retalho
chinês pediculado para cobertura da mão, a
pele do antebraço recebe o fluxo sanguíneo
através de uma inversão de fluxo na artéria
radial (que está ligada proximalmente). Isto é
possível graças ao arco palmar, no qual há
conexão entre o fluxo ulnar e radial.
3. Localização:

Locais: Apresentam-se adjacentes ao defeito,


recobrindo o mesmo através de movimento de
avanço ou rotação sobre seu próprio eixo.
Características de cor e espessura semelhantes.

Regionais: Apesar de não apresentar contiguidade


com o defeito, localizam-se na mesma região
anatômica.
Distantes: Localizados em região anatômica
diferente do defeito a ser reconstruído. Muitas vezes
exigem dois ou mais procedimentos cirúrgicos.

4. Método de transferência:

Avanço - o tecido do retalho avança em direção ao


defeito, sem transposição de nenhum tecido entre a
área doadora e o defeito. Ex.: Retalhos em V-Y.
Rotação - o tecido do retalho, contíguo com o
defeito, é rodado em direção à área da ferida. Ex.:
Retalho de couro cabeludo em hélice.
Transposição - O retalho transpõe área de pele sã,
sem, no entanto, manter nenhuma ilha de pele
sadia entre a área doadora e a receptora. Ex.:
retalho bilobado.
Interpolação - O retalho transpõe área de pele sã
para alcançar a ferida, mantendo ilha de pele sadia
entre a área doadora e a receptora. Ex.: Retalho
paramediano frontal, retalho latíssimo do dorso para
reconstrução mamária.

Livre - O tecido do retalho, é transplantado junto


com o seu vaso receptor para uma área receptora,
na qual são realizadas anastomoses a fim de
garantir o fluxo sanguíneo para o tecido
transplantado.

Observe que cada item desta classificação é


independente dos demais. Sendo assim, quando
realizamos um transplante microcirúrgico do músculo
latíssimo do dorso para cobertura do pé ele será um
retalho composto (miocutâneo), axial, à distância e livre
(microcirúrgico). O mesmo retalho pode ser realizado
como retalho composto (miocutâneo), regional, axial, de
avanço em VY para reconstrução mamária. Observe as
características do retalho para classificá-lo com maior
precisão.

O quadro 1 abaixo descreve alguns dos principais


retalhos utilizados para reconstrução a depender da
região do corpo onde se encontram as feridas/lesões:

Região Retalhos mais utilizados

Frontal, temporal, supraclavicular, peitoral maior, trapézio.


Cabeça e
Microcirurgia: radial do antebraço, antero-lateral da coxa,
Pescoço
osteomiocutâneo de fíbula.

Peitoral maior, serrátil, latíssimo do dorso, reto abdominal.


Mamas
Microcirurgia: retalhos abdominais perfurantes.
Região Retalhos mais utilizados

Tórax / Peitoral maior, latíssimo do dorso, serrátil anterior, reto


Mediastino abdominal.

Reto abdominal, oblíquo externo, latíssimo do dorso,


Parede tensor da fáscia lata, reto femoral.
abdominal Microcirurgia: Antero-lateral da coxa, retalho da virilha
(Groin Flap).

Grácil, Tensor da fáscia lata, reto abdominal, Gluteal Fold,


Gluteal thigh.
Virilha e Úlceras de pressão
períneo Sacral: VY glúteo.
Isquiática: VY posterior da coxa / gluteal thigh.
Trocantérica: Tensor da fáscia lata.

Gastrocnêmio, Sóleo, Sural, retalhos perfurantes.


Extremidade
Microcirurgia: Latíssimo do dorso, Antero-lateral da coxa,
inferior
grácil.

Plantar medial, plantar lateral, sural reverso.


Pés Microrirugia: Latíssimo do dorso, Antero-lateral da coxa,
grácil.

Retalhos microcirúrgicos

A microcirurgia refere-se ao uso de lentes de


magnificação durante um procedimento cirúrgico, sendo
uma técnica, ou conjunto de técnicas, e não uma
especialidade médica. A microcirurgia é utilizada em
diversas especialidades como neurocirurgia,
otorrinolaringologia, ortopedia, entre outras.7

Os retalhos livres são tecidos transferidos juntamente


com pedículo vascular próprio que, através de técnicas
de microcirurgia, são anastomosados aos vasos
sanguíneos próximos ao leito receptor de modo a cobrir
área de interesse, distante da região doadora.

Algumas vezes, tratam-se da primeira opção de


reconstrução em defeitos onde não é possível a
utilização de retalhos locais. Isso ocorre devido à
dimensão ou característica dos defeitos, por exemplo,
nas feridas em terço distal dos membros inferiores e pés
e nos ressecções oncológicas de tumores de cabeça e
pescoço.

Devido a complexidade técnica e longa duração dos


procedimentos, exigem não somente material
especializado e bons equipamentos, como também uma
extensa curva de aprendizado para uma dissecção
cuidadosa dos tecidos e desenvolvimento de habilidades
num campo magnificado.

As anastomoses vasculares podem ser término-


terminais ou término-laterais a depender da
compatibilidade dos cotos vasculares a serem
aproximados. As técnicas de microcirurgia também
permitem a sutura de nervos periféricos.

Os cuidados pós-operatórios incluem a monitorização


clínica das características clínicas do retalho que ainda
representa a maneira mais simples e efetiva de
avaliação. São observados o tempo de sangramento à
escarificação do retalho, a temperatura, cor, enchimento
capilar, turgor da pele, em períodos que dependem da
necessidade avaliada pela equipe cirúrgica. O uso de
Doppler e monitorização de oxigênio transcutâneo
também podem ser utilizados.8

São descritas taxas de 8% a 34% de reexploração ou


revisão do pedículo vascular em retalhos microcirúrgicos
e a taxa de salvamento é geralmente alta após esta
revisão (69% a 100%). Estão associadas principalmente a
falha da anastomose (ruptura, estreitamento do lúmen,
erro técnico na sutura), vasoespasmo e trombose arterial
ou venosa.9

Pontos Importantes
Uma ferida é considerada crônica quando não
cicatriza dentro de quatro semanas. As úlceras de
pressão são um exemplo desse tipo de ferida e
estão associadas a grande morbidade e custo.

A sua patogenia envolve compressão de


proeminência óssea sobre as partes moles quando
não há mudança de posição do paciente.

Além dos cuidados locais e mudanças de decúbito,


os retalhos representam a principal forma de
tratamento cirúrgico para fechamento dessas
feridas.

Os retalhos consistem em segmento de tecido


transferido de um de um local do organismo (área
doadora) para outro (área receptora), mantendo-se
íntegro o seu suprimento vascular. Diferem-se,
desta forma, dos enxertos que são nutridos pelo
leito receptor.
O conceito de “Escada da Reconstrução” representa
uma abordagem sistemática para o fechamento das
feridas, priorizando a utilização de técnica simples
com progressão para técnicas mais complexas. São
elas: fechamento primário, enxertos, retalhos loco-
regionais e retalhos livres.

A utilização do conceito de “Elevador da


Reconstrução” é mais adequada uma vez que
técnica escolhida deve ser a que proverá o melhor
resultado estético e funcional, independente da
complexidade do procedimento. Dessa forma, a
microcirurgia poderá ser a primeira escolha.

Referências
1. Neligan, P. C.; Gurtner. G. C. Plastic Surgery, 3rd th,
Elsevier, 2015, vol 1
2. Dinsdale, S. M. Decubitus ulcers: role of pressure
and friction in causation. Arch Phys Med Rehabil.
1974; 55:147–152.”
3. Neligan, P. C.; Gurtner. G. C. Plastic Surgery, 3rd th,
Elsevier, 2015, vol 3
4. Mathes, S. J.; Nahai, F.; Reconstructive Surgery:
Principles, Anatomy & Technique. Churchill
Livingstone; 1997.
5. Gottlieb LJ, Krieger LM.From the reconstructive
ladder to the reconstructive elevator.Plast Reconstr
Surg. 1994 Jun;93(7):1503-4.
6. Champaneria MC1, Workman AD, Gupta
SC.Sushruta: father of plastic surgery.Ann Plast Surg.
2014 Jul;73(1):2-7.
7. Brown, D. L; Borschel, G. H.; Levi. B; Michigan
Manual of Plastic Surgery, 2th, Philadelphia,
Lippincott / Wolters Kluwer Health; 2014.
8. Mélega, J. M; Cirurgia Plástica Fundamentos e Arte,
Princípios gerais, 1th, Guanabara Koogan; 2002.
9. Bijos, P. Microcirurgia Reconstrutiva. 1 th, Atheneu;
2005
Caso 46 | Trombose
Venosa Profunda
Autores: Harue Santiago Kumakura e Nicole Inforsato

História Clínica
J. M. D., 41 anos, solteira, nulípara, apresenta dor e
edema em membro inferior esquerdo há 3 dias e
procurou o pronto-socorro para investigação diagnóstica.
A dor teve início espontâneo há 72 horas, sendo de
moderada intensidade em coxa e perna esquerda,
associada à edema progressivo difuso nesse membro,
ambos sem fator desencadeante ou melhora. Obesa,
sedentária, está na primeira semana de pós-operatório
de colecistectomia. Nega HAS e DM. Faz uso apenas de
anticoncepcional oral hormonal.

Exame Físico De Admissão


Sinais vitais: PA 120 x 70 mmHg, FC 80 bpm, FR 18
ipm, SatO₂% 98%.

Paciente em bom estado geral, vigil, orientada,


corada, hidratada, eupneica, afebril.
Membros inferiores com pulsos femorais, poplíteos,
pediosos e tibiais posteriores presentes e
simétricos.

Edema em membro inferior esquerdo 3+/4+, frio,


mole, doloroso.
Tempo de enchimento capilar de 2 segundos.

Sem cianose.
Figura 1 – Membros inferiores, com edema assimétrico à esquerda.
Prosseguimento Do Caso Após
Avaliação Clínica
A paciente foi acomodada em uma maca em
trendelenburg e encaminhada para a realização de
exame de imagem e para coleta de exames laboratoriais.

Exames Complementares

Exames laboratoriais

Hb 13,0 g/dL (12,0 a 15,5) Ht 37% (35% a 45%)

Plaquetas 176.000/mm3 (150.000 a


HCM 31 pg (26 a 34)
450.000)

Leucócitos 8.500/mm3 (3.500 a


PCR 0,7 mg/dL (menor que 1,0)
10.500)

Ureia 31 mg/dL (10 a 50) Creatinina 0,75 mg/dL (0,60 – 1,10)

Sódio 139 mEq/L (135 – 145) Potássio 4,0 mEq/L (3,5 a 4,5)

INR 0,8 (menor que 1,0) PTT 2,5 s (1,7 a 3,5)

Foi solicitado o exame de ultrassonografia (USG) com


Doppler venoso de membros inferiores em caráter de
urgência.

Veia ilíaca externa e femoral comum esquerda (VFCE)


apresentando calibre aumentado, não compressíveis às
manobras habituais, e com material hipoecogênico
endoluminal nos vasos em questão e sem fluxo ao
mapeamento venoso com doppler colorido (Figura 2).
Figura 2

Hipótese Diagnóstica
Trombose venosa profunda (TVP) do membro inferior
esquerdo.

A paciente foi internada e anticoagulada com


heparina e varfarina e teve alta com INR de 2,4. Após 1
mês com INR de 2,3, apresentou dor torácica e dispneia
súbita. Retornou ao pronto-socorro para investigação.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Pela história e exame clínico e complementar, qual


é a doença apresentada?
2. Quais são os fatores de risco para o
desenvolvimento dessa doença?
3. Quais heparinas podem ter sido utilizadas e quais
doses?

4. Quanto tempo deve ser mantida a anticoagulação?


Quais são as outras possibilidades de
anticoagulantes orais?

5. Sendo a doença no membro inferior esquerdo,


qual síndrome devemos investigar?

6. Qual complicação a paciente apresentou? Há


indicação de filtro de veia cava inferior?

Discussão

Conceitos

A trombose venosa profunda (TVP) é a formação de


trombos dentro das veias, em sua maioria nos membros
inferiores, entre os músculos profundos. O ponto de corte
para a localização da área afetada no membro inferior é
o nível superior que o trombo atingiu, sendo proximal se
ultrapassar a região poplítea ou distal se confinada à
panturrilha.

Durante a evolução da TVP pode ocorrer extensão


ascendente do trombo1 e liberação de fragmentos
(êmbolos). A migração deste para o pulmão poderá
obstruir a artéria pulmonar, ou seus ramos, levando à
Tromboembolia Pulmonar (TEP)2-4.

Os dois processos (TVP e TEP), por serem contínuos do


ponto de vista patológico, podem ser agrupados como
TEV (Tromboembolia Venosa)4.

Epidemiologia

A TVP tem grande importância visto que acomete


mais de 500.000 pacientes por ano e, aproximadamente,
20% dos pacientes internados, segundo a Nacional
Inpatiente Sample. A mortalidade chega à 50.000 mortes
ao ano por TEP.

Pacientes acometidos por um episódio de TEV


apresentam alto risco de recorrência tromboembólica e
possibilidade de originar complicações tardias, como a
síndrome pós-trombótica (SPT). O risco de recorrência
tromboembólica é maior nos primeiros meses após o
evento inicial, sendo de 7 a 14% nos primeiros três
meses, e de até 30% em oito anos5.

A SPT é caracterizada por edema crônico da perna


afetada pela perda de função valvular venosa, podendo
causar ulceração. Afeta de 2 a 10% dos pacientes que
sofreram TEV, podendo se desenvolver em até dez anos
após o evento trombótico, até se tornar clinicamente
detectável3. Essas complicações reduzem a qualidade de
vida e associam-se à morbidade, com resultante carga
econômica para o sistema de saúde6.

A TVP é uma doença multifatorial e para sua


ocorrência é necessário um ou mais fatores de risco.
Quanto mais jovem, mais fatores de risco podem estar
presentes para o desenvolvimento da doença: em
crianças, 3 a 4 fatores e, em adultos jovens, 2 ou mais7.
Os principais fatores de risco são:

idade;
imobilização ou hospitalização prolongada;

viagens prolongadas;
tromboembolismo prévios;

doenças malignas: aproximadamente 20% dos


primeiros episódios de TVP tem relação com
malignidade8;

cirurgia;
trauma;

uso de anticoncepcional hormonal oral ou reposição


hormonal;
trombofilia;

gravidez;
obesidade;
tipo sanguíneo: o grupo sanguíneo A tem risco de
TVP 1,4 x maior que os demais grupos;

doenças inflamatórias intestinais.

Patogênese

Para que ocorra trombose é necessária a presença de


um ou mais componentes da tríade de Virchow, descrita
em 1856, que consiste em: lesão endotelial, estase
sanguínea e hipercoagulabilidade. Isolados ou
combinados eles conduzem à formação de trombos.

Diagnóstico clínico

O quadro clínico da TVP caracteriza-se por: edema,


dor (na compressão do trajeto venoso, na palpação da
panturrilha ou ainda na dorsiflexão passiva do pé-sinal de
Homans), calor local e eritema. Os sintomas geralmente
são unilaterais, porém, se a TVP for proximal, como na
veia cava, ou se a TVP for bilateral, os sintomas podem
estar presentes em ambos os membros.

Há modelos clínicos preditores de probabilidade de


diagnóstico de TVP, sendo o mais consagrado
desenvolvido por Weel e colaboradores em 1977. É
adotada a pontuação em que o paciente recebe 1 ponto
para a presença de cada um dos fatores como descrito
na Tabela 1. Além disso, são investigadas a presença de
outras afecções que justificassem o quadro clínico. Caso
o paciente tenha um diagnóstico diferencial mais
provável, subtrai-se 2 pontos de seu escore9.
Tabela 1 – Escore de Weels.

Características clínicas Escore

Câncer em atividade. 1

Paresia, paralisia ou imobilização com gesso dos membros


1
inferiores.

Imobilização (> 3 dias) ou cirurgia maior (até 4 semanas). 1

Aumento da sensibilidade ao longo das veias do sistema venoso


1
profundo.

Edema em todo o membro. 1

Edema da panturrilha (>3 cm) em relação à perna normal. 1

Edema depressível (cacifo) maior na perna afetada (unilateral). 1

Veias colaterais superficiais. 1

Diagnóstico diferencial mais provável (celulite, tromboflebite,


alterações osteoarticulares, cãibras, ruptura muscular ou -2
tendínea, alterações linfáticas, cisto de Baker.

De acordo com as pontuações obtidas neste


protocolo, os pacientes são classificados quanto à
probabilidade de apresentar TVP em três grupos:

Pacientes com baixa probabilidade de TVP (3%):


menor ou igual a 0 pontos.

Pacientes com moderada probabilidade de TVP


(17%): 1 a 2 pontos.

Pacientes com alta probabilidade de TVP (50-75%):


3 ou mais pontos.
O diagnóstico puramente clínico da TVP, baseado em
sinais e sintomas, é impreciso e insensível, apenas um
terço ou menos das suspeitas clínicas são confirmadas
por meio de exames de imagem4.

Há uma preferência da trombose venosa proximal pelo


lado esquerdo, ou seja, há uma relação de 4:1 no
envolvimento da ilíaca esquerda em relação à direita.
Isso se deve em grande parte pela ocorrência da
Síndrome de May-Thurner , onde há a compressão da
veia ilíaca comum esquerda pela artéria ilíaca direita
sobre a coluna vertebral com o desenvolvimento de
lesões intraluminais10.

Figura 3 – Síndrome de May-Thurner.


Exames de imagem

Flebografia é o exame padrão ouro para o diagnóstico


de TVP, porém, vem sendo cada vez menos usado, por
ser invasivo, haver exposição à radiação e necessitar de
contraste endovenoso.

USG Doppler é o exame de escolha para o diagnóstico


de TVP, apresentando sensibilidade de 39% e
especificidade de 98% em pacientes hospitalizados e
sintomáticos. Fácil de ser realizado pela acessibilidade do
aparelho, com custo razoável e totalmente não invasivo.

Angioressonância tem como vantagem a boa


visualização das veias centrais (ilíaca, cava e afluentes),
além de fornecer informações sobre a idade do trombo
por edema perivascular. Porém, é um exame de alto
custo e com maior tempo para aquisição de imagens.

A Angiotomografia também tem como vantagem a


boa visualização das veias pélvica e de coxa, porém tem
alto custo, pois é necessário o acesso venoso, injeção de
contraste e uso de radiação2.

Exames laboratoriais

O D-dímero é o produto da degradação da fibrina e


serve para excluir o diagnóstico de TVP. Deve ser feito
em pacientes com baixa probabilidade de ter a doença,
apresentando um valor preditivo negativo de 99 a
100%11.

Complicações

A Phlegmasia cerulean dolens é uma complicação


resultante de uma TVP extensa que causa uma obstrução
da drenagem venosa severa com alta morbidade. O
paciente geralmente apresenta dor de forte intensidade,
edema, cianose, necrose venosa e síndrome
compartimental, que pode gerar compressão arterial. O
atraso no diagnóstico pode levar à perda do membro ou
óbito. A maioria dos casos é precedido por Phlegmasia
alba dolens com dor, edema e palidez. O tratamento da
Phlegmasia cerulean dolens é por trombólise guiada por
cateter ou trombectomia.

O Tromboembolismo Pulmonar (TEP) é a principal


complicação da TVP e consiste na obstrução da
circulação arterial pulmonar por coágulos sanguíneos
provenientes da circulação venosa profunda, geralmente
dos membros inferiores. Apresenta-se clinicamente com
dor torácica, dispneia, hemoptise, taquicardia, entre
outros sintomas menos frequentes. O diagnóstico
radiológico padrão-ouro ainda é a angiografia pulmonar,
porém esta tem perdido espaço para a angiotomografia
que também apresenta alta sensibilidade e
especificidades, com rápida execução e é menos
invasiva. O tratamento é feito com anticoagulação plena
sistêmica. Entretanto, em casos graves que apresentam
instabilidades hemodinâmica ou disfunção moderada ou
grave ventricular direita, deve-se indicar o uso de
trombolíticos, se não houver contraindicação. Nos casos
de TEP maciço, com mais de 50% de obstrução da artéria
pulmonar principal, associado à instabilidade
hemodinâmica grave, indica-se a tromboembolectomia
cirúrgica, um procedimento de grande porte, com altas
taxas de morbimortalidade12.

Diagnóstico diferencial

Mais de três quartos dos pacientes com suspeita de


TVP tem outra causa para os sintomas. Por esse motivo,
é importante fazer o diagnóstico diferencial com outras
patologias: lesão muscular ou de tendão, linfangite,
insuficiência venosa, cisto de Baker, celulite, afecções
inflamatórias do joelho3-4.

Profilaxia da TVP

A prevenção da TVP pode ser feita através dos


métodos físicos e medicamentosos. Para os pacientes de
baixo risco são usadas as medidas físicas: meias
elásticas ou compressão pneumática intermitente. Para
os pacientes de moderado e alto risco, deve-se adicionar
o uso de anticoagulantes. Em paciente internados, a
droga padrão é a heparina sódica ou fracionada.
Heparina sódica 5.000 UI subcutânea de 12/12 horas ou
8/8 horas e Enoxaparina 40 mg subcutânea (SC) 1x dia.
Em tratamento domiciliar usar, se possível, os
anticoagulantes orais.

Tratamento

Quando houver forte suspeita de TVP, ou em sua


confirmação, deve-se iniciar imediatamente a
anticoagulação.

Heparina não fracionada. Liga-se a antitrombina III


e potencializa a inativação da trombina, do fator Xa e
IXa. Assim, inibem a formação de trombos adicionais e
permitem que o mecanismo fibrinolítico lisem os trombos
já existentes. Deve ser administrada da seguinte forma:
Tabela 2 – Ajuste de dose da Heparina.

Dose de ataque 80 UI/kg em bolus

Dose inicial de infusão


18 UI/kg/h
contínua

Ajuste da infusão por


TTPa

Valor médio em TTPA Ajuste

Bolus 80 UI/kg + Aumentar a infusão em 4


< 1,2 x controle
UI/kg/h.

Bolus 80 UI/kg + Aumentar a infusão em 2


1,2 - 1,5 x controle
UI/kg/h.

1,6 - 2,3 x controle Não modificar.

2,4 - 3,0 x controle Diminuir a infusão em 2 UI/Kg/h.

> 3,0 x controle Parar a infusão por 1 hora + diminuir a infusão


em 3 UI/Kg/h.
O TTPA deve ser monitorizado a cada 6 horas e a dose
de heparina ajustada até entrar na faixa terapêutica de
1,5 a 2,0 vezes o valor de controle.

Heparina fracionada. Atuam aumentando a ação


inibitória do fator XI sobre o fator X e, assim, inibem a
conversão do fibrinogênio em fibrina. O FDA aprovou a
Enoxaparina para tratamento de TVP ambulatorial,
enquanto os anticoagulantes orais não alcançam sua
eficácia13. Sua aplicação pode ser realizada de duas
formas:

1 mg/kg, SC, 12/12h em pacientes ambulatoriais ou


internados;

1,5 mg/kg, SC, 1x dia em pacientes internados.

Essas doses devem ser corrigidas em pacientes


obesos e com insuficiência renal crônica. Nesses casos,
deve-se dosar o fator anti Xa de 3 a 6 horas após a
aplicação da droga.

O anticoagulante oral antagonista de vitamina K


(Varfarina) deve ser iniciado no primeiro dia de
internação com a heparina. Inicia-se com 5 mg e pode
variar entre 2,5 e 7,5 mg, em média. Deve ser ajustado
de acordo com o INR, que deve permanecer entre 2 e 3,
valor alcançado próximo ao 5º dia.
Os anticoagulantes orais inibidores do fator Xa –
rivaroxabana e apixabana podem ser iniciados como
monoterapia, possibilitando alta hospitalar precoce. Já a
edoxabana deve ser iniciada com terapia combinada com
heparina.

O anticoagulante oral inibidor da trombina –


dabigatrana deve ser iniciado também com terapia
combinada com heparina.

A duração da terapia anticoagulante deve ser de


3 a 6 meses, se os fatores de risco foram transitórios.
Será perene em casos com fatores de risco persistentes,
nas TVPs de causas indefinidas ou em casos de TVP
recorrentes.

O Filtro de veia cava (FVC) é um tratamento de


exceção. Suas indicações absolutas são:

Trombose venosa profunda e/ou tromboembolismo


pulmonar com contraindicação para o uso de
terapia anticoagulante.
Tromboembolismo pulmonar recorrente em vigência
de correta anticoagulação.
Complicações hemorrágicas durante o tratamento
com anticoagulante após embolectomia pulmonar.

Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico consiste em trombólise por
cateter ou trombectomia. Eles são geralmente
reservados para os casos de Phlegmasia cerulean dolens
ou TVP ilíaco-femoral extensa, na qual a terapia
anticoagulante falhou. Os pacientes candidatos ao
tratamento devem ter sintomas com menos de 14 dias,
bom status funcional e baixo risco de sangramento.

A trombólise por cateter inserido na veia afetada tem


a vantagem de usar menor volume de trombolítico e
alcançar a lise do trombo mais rapidamente quando
comparada à trombólise sistêmica. Também remove
trombos de veias menores e de forma mais completa
quando comparado à trombectomia. Porém, apresenta
como desvantagem o risco de sangramentos maiores,
sem reduzir a incidência de síndrome pós-trombótica,
apenas diminuindo a intensidade dos sintomas desta14-
15.

Pontos Importantes
A TVP tem alta incidência e morbimortalidade
associada.
O quadro clínico de TVP consiste em edema, dor,
calor e eritema.

Suspeitar de TVP em pacientes com os seguintes


fatores de risco: > 65 anos, imobilidade ou
internação prolongada, pós-operatório, gestação,
obesidade, doença inflamatória intestinal.
Na suspeita de TVP, aplicar o escore de Weels e
realizar USG Doppler de membros inferiores.
USG Doppler é o exame de escolha para o
diagnóstico de TVP, fácil de ser realizado pela
acessibilidade do aparelho, com custo razoável,
totalmente não invasivo.
O exame de D-Dimero serve apenas para afastar o
diagnóstico de TVP quando negativo, não sendo
confirmatório quando positivo.
Ao diagnosticar TVP, iniciar imediatamente
anticoagulação plena.

Manter a anticoagulação por 3-6 meses. Nos casos


em que os fatores de risco persistem, não
suspender a anticoagulação.

O tratamento cirúrgico é uma exceção para casos


de Phlegmasia cerulean dolens ou TVP iliacofemoral
extensa.

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of Chest Physicians Evidence- Based Clinical Practice
Guidelines. Chest 2012;141:e419S.
Caso 47 | Obstrução
Arterial Aguda
Autores: Caroline do Valle Rotter
Orientador: Harue Santiago Kumakura e Nicole Inforsato

História Clínica
C.V.R.T., 35 anos, sexo feminino, católica, casada, 2
filhos, branca, natural e procedente de São Paulo.
Procurou atendimento médico por queixa de dor no
membro inferior esquerdo. Paciente refere dor súbita há
10 horas seguida de parestesia, que evoluiu há alguns
minutos com dificuldade de mobilização do pé.

Refere antecedente de febre reumática com fibrilação


atrial crônica (FA) há 25 anos, sem anticoagulação há
aproximadamente 3 meses. Suspendeu a medicação por
conta própria. Nega outras comorbidades, nega trauma
local.

Exame Físico
Sinais vitais: PA: 120 x 80 mmHg, FC: 110 bpm; FR:
15 ipm; SatO₂: 98% em ar ambiente.

Bom estado geral, fácies de dor, corada e hidratada,


orientada em tempo e espaço.
Cardíaco: bulhas arrítmicas, normofonéticas, em 2
tempos com sopro sistólico pancardíaco.

Abdome: plano, flácido, indolor à palpação, sem


massas palpáveis, sem visceromegalias.

Membros inferiores: membro inferior esquerdo (MIE)


com cianose não fixa na planta, frialdade até terço
médio de perna, diminuição de sensibilidade em
mesmo nível (térmica, tátil e dolorosa), dor à
palpação do compartimento anterior da perna, força
diminuída à dorsiflexão do pé. Membro inferior
direito (MID) sem alterações. Ausência de feridas
em ambas as pernas.
Tabela 1- Pulsos dos membros inferiores

Tibial Tibial
Pulsos Femoral Poplíteo Pedioso
Anterior posterior

MID + + + + +

MIE + - - - -
Figura 1 – Exame físico em paciente com cianose plantar não fixa em
membro inferior esquerdo.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Realizada internação hospitalar da paciente, seguida
de repouso no leito em proclive, aquecimento passivo do
membro com algodão ortopédico e faixa crepe frouxa,
compensação de doenças de base. Iniciada analgesia e
anticoagulação com heparina sódica em bomba de
infusão.

Foi então indicada cirurgia, realizados exames


laboratoriais gerais e eletrocardiograma (ECG) de
urgência.

Exames Complementares
Tabela 2 – Exames laboratoriais no PS

Exames Laboratoriais

Hb 11,8 g/dl (12,0 a 15,5) Ht 34% (35% a 45%)

Plaquetas 250.000 mm3 (150.000 a


HCM 32,2 pg (26 a 34)
450.000)

Leucócitos 10.100/mm3 (3.500 a


PCR 15 mg/dl (menor que 1,0)
10.500)

Ureia 42 mg/dl (10 a 50) Creatinina 0,73 mg/dl (0,60 – 1,10)

Sódio 141 mEq/L (135 – 145) Potássio 4,0 mEq/L (3,5 a 4,5)

INR 0,8 (menor que 1,0) PTT 2,3 s (1,7 a 3,5)


Figura 2 – ECG com FA.

Enquanto aguardava o preparo da sala cirúrgica, foi


solicitado um ultrassom (USG) com doppler de membro
inferior esquerdo. Achado de oclusão da artéria femoral
comum esquerda, com material hipoecogênico
endoluminal no vaso em questão e sem fluxo ao
mapeamento com doppler colorido.

Figura 3 – USG Doppler do MIE

Hipótese Diagnóstica
Oclusão arterial aguda de membro inferior esquerdo
de origem cardioembólica.

Evolução
Paciente encaminhada para o centro cirúrgico,
realizada fasciotomia da perna esquerda e embolectomia
por acesso inguinal esquerdo. Saída de coágulos em
moderada quantidade da bifurcação da artéria femoral.

Fig 4. Produto de embolectomia do MIE.

Encaminhada à UTI no pós-operatório, evoluiu com


bom controle álgico, pulsos distais presentes e membro
inferior esquerdo bem perfundido. Realizado fechamento
primário da fasciotomia e transição de anticoagulação
para varfarina, alta hospitalar com INR 2,5, com
seguimento ambulatorial para anticoagulação.
Questões Para Orientar a Discussão

1. Pela história e exame clínico da paciente, qual o


diagnóstico sindrômico e etiológico para o quadro
apresentado? Qual é a doença de base que está
levando a esse quadro?

2. Quais as principais etiologias dessa doença?

3. Era necessário realizar exame de imagem neste


caso?

4. De que forma podemos classificar a apresentação


inicial? Quais são as implicações dessa
classificação?

5. Quais os diagnósticos diferenciais?

6. Quais as possibilidades de tratamento?

7. Como será o seguimento desta paciente?

Discussão

Conceitos

A oclusão arterial aguda (OAA) é uma oclusão súbita


de uma artéria levando a um desequilíbrio circulatório do
território por ela irrigado, resultando em isquemia de
intensidade variável1. Sua apresentação clínica depende
da etiologia da obstrução. As causas mais comuns são:
embolia arterial, trombose arterial e trauma local. Após
duas semanas do evento agudo, a isquemia arterial
passa a ser considerada crônica2,3.

Epidemiologia

A incidência de isquemia aguda nos membros


inferiores é 1,5 casos para cada 10.000 pessoas ao ano4,
correspondendo a 12% de todas as cirurgias em uma
unidade vascular.

A expectativa de vida para os pacientes com isquemia


aguda é similar à de muitos tipos de câncer; somente 14-
44% estarão vivos em 5 anos, sobrevida
significativamente menor do que nos controles.

Os pacientes com trombose sobrevivem duas vezes


mais do que os com embolia, mas, com frequência,
perdem o membro afetado duas vezes mais. Quando a
intervenção não é realizada, 2/3 dos pacientes sofrem
amputação.

A isquemia nos membros superiores corresponde a


apenas 20% dos casos de isquemia de membros,
apresenta melhor prognóstico de vida e de salvamento
do membro, tem relação com embolia em 80% dos casos
e, geralmente, ocorre em pacientes com fibrilação atrial.
O tratamento conservador é associado à claudicação do
membro5.
Patogênese

Apesar das diferentes causas, a patogênese da OAA é


basicamente a mesma. Quando há oclusão de uma
artéria sem doença obstrutiva prévia, ocorre uma
sídrome isquêmica, cuja gravidade dependerá da
circulação colateral preexistente. O primeiro tecido a ser
afetado é o nervoso, por isso o paciente apresenta perda
inicial de sensibilidade e motricidade. Depois, ocorre
lesão das células musculares estriadas, tendo­se
demonstrado alterações irreversíveis já após 4 a 6 h de
isquemia, seguidas pela isquemia de pele, tecido celular
subcutâneo e adiposo. E, por último, ocorre a isquemia
do osso6.

Etiologia

As principais causas de OAA são: embolia arterial,


trombose e trauma. A embolia arterial consiste na
progressão, na corrente sanguínea, de trombos,
fragmentos de placas ateromatosas, células tumorais,
gases ou outros corpos estranhos, desprendidos ou
introduzidos em um local qualquer do aparelho
cardiocirculatório, podendo ocasionar oclusão parcial ou
total de uma artéria em um ponto distante da origem
deles na corrente sanguínea. Os êmbolos migram em
velocidade variável, alojando-se em regiões de
diminuição abrupta de calibre arterial: bifurcações
arteriais e emergência de colaterais importantes. A
bifurcação femoral é o local mais frequentemente
atingido, respondendo por 35 a 50% dos casos7.
Aproximadamente 20% dos êmbolos atingem a
circulação cerebral e 10% a visceral. As embolias podem
ser classificadas quanto a sua etiologia em:

Cardíacas (78-96%): o coração é a principal fonte


emboligênica arterial. A causa mais frequente da
formação desses trombos é a fibrilação atrial que
acompanha as lesões da valva mitral de origem
reumática, o hipertireoidismo, o infarto agudo do
miocárdio (IAM) e a miocardioesclerose.

Extracardíacos: aneurismas, aterosclerose com


embolização distal, arterites, drogas, corpo
estranho, iatrogênico (pós-procedimentos
diagnósticos ou terapêuticos) etc.

A trombose arterial é uma obstrução total ou parcial


de uma artéria por trombo formado no local, a partir de
alterações patológicas que envolvem a hemostasia. Tal
evento, geralmente, ocorre no local de uma estenose
arterial com lesão endotelial, de um enxerto ou de um
stent, ou ainda consequente a um estado de
hipercoagulabilidade. Suas possíveis etiologias são:

Degenerativas: aterosclerose, aneurisma, dissecção,


doença arterial cística.
Displásicas: displasia fibromuscular.
Inflamatórias: tromboangeíte obliterante, arterite de
células gigantes, poliarterite nodosa, lúpus
eritematoso sistêmico etc.
Mecânicas: trauma local repetitivo, procedimentos
invasivos, compressão muscular.
Hematológicas: trombofilia, policitemia vera,
trombocitose.

Miscelânia: neoplasias, infecções, hiper-


homocisteinemia, trombose de enxertos.

Quadro clínico

O quadro depende, inicialmente, do território arterial


acometido, mas costuma cursar com dor súbita seguida
de parestesia (hipoestesia tátil, dolorosa, térmica e
paresia), paralisia, esfriamento do membro, palidez da
extremidade, que é intensificada com elevação do
membro, cianose não fixa, cianose fixa e flictenas
(necrose da pele). Além do quadro descrito, no exame
físico é possível identificar ausência de pulsos distais ao
ponto de oclusão e colabamento de veias superficiais.
Quando ocorre ingurgitamento de veias, deve-se
suspeitar de trombose venosa associada ao quadro. Em
inglês, os sintomas são conhecidos com os 6Ps da
isquemia aguda: pain, pallor, poikilothermia,
pulselessness, paresthesia and paralysis.

Diagnóstico
O diagnóstico da OAA pode ser estabelicido
basicamente com uma história clínica e exame físico
minucioso. A suspeita da provável etiologia e a
severidade da isquemia determinam se algum exame
dianóstico deve ser realizado ou não.

Na história clínica, devemos avaliar o tempo de


aparecimentos dos sintomas, modo de início e fatores
desencadeantes. No exame físico, realizar a palpação dos
pulsos, verificação dos níveis de alteração da coloração
cutânea e temperatura e a propedeutica neurológica.

Para avaliar a isquemia do membro, podemos usar a


Classificação de Rutherford, que auxilia na decisão
sobre a necessidade de exames adicionais e de conduta.

1. Viável: dor em repouso, porém sem ameaça


imediata ao membro. Ausência de déficit
neurológico ou fraqueza muscular, enchimento
capilar normal, sinais de Doppler arterial e venoso
claramente audíveis.

2. Ameaçado: isquemia reversível, membro salvável,


sendo possível evitar uma amputação maior se a
obstrução for rapidamente aliviada
a. Marginalmente ameaçado: Pode apresentar
dormência e pequena perda sensorial restrita aos
artelhos, dor descontínua e, frequentemente,
ausência de sinal de Doppler arterial, porém venoso
audível. Pode ser salvo pelo tratamento imediato.
b. Ameaça imediata. Apresenta dor isquêmica em
repouso persistente, perda de sensibilidade além
dos artelhos, algum grau de perda motora (paresia
ou paralisia) e ausência de sinais audíveis no
Doppler arterial e venoso. Pode ser salvo pela
revascularização imediata.
3. Inviável: há perda de sensibilidade, paralisia
muscular acima do pé, ausência de enchimento
capilar, ou, eventualmente, contratura muscular, ou
pele marmórea. Ausência de sinal de Doppler
(venoso e arterial). Geralmente, evolui para
amputações maiores ou para lesões
neuromusculares permanentes.

Uma vez estabelecido o diagnóstico de oclusão


arterial aguda e sua severidade, é necessário determinar
o diagnóstico etiológico. É fundamental a tentativa de
diferenciação entre embolia e trombose arteriais, pelo
fato de suas histórias naturais e tratamento cirúrgico
serem essencialmente diferentes.
Tabela 3 - Comparação das características da embolia e da trombose para
auxiliar no diagnóstico diferencial.

Característica Embolia Trombose

Aguda e subaguda,
Início Aguda
gradual

Dor Aguda e intensa Moderada/intensa

Antecedentes
Ausentes ou raros Presentes
de claudicação
Característica Embolia Trombose

Doença
Frequente Ocasional
cardíaca

Pálido (céreo amarelo-limão); Pálido; mosqueado


Cor do membro
mosqueado cianótico cianótico

Déficit de pulso
no membro Pouco frequente Frequente
contralateral

Presença de
sopros no
Pouco frequente Frequente
membro
contralateral

Fonte
Frequente (FA) Menos comum
emboligênica

Sinais mínimos de doença Sinais de doença


aterosclerótica; imagem de aterosclerótica difusa;
Angiografia oclusão em taça invertida; imagem de oclusão
pouca ou nenhuma irregular; circulação
circulação colateral colateral desenvolvida

Métodos complementares

Para escolher o tipo de exame de imagem que será


realizado na OAA, devemos avaliar: a disponibilidade do
método, o tempo para a realização e interpretação, a
urgência e possibilidade de revascularização do membro
acometido. Temos como opções de exames diagnósticos
complementares:

Ultrassom Doppler: Confirma o diagnóstico, local da


obstrução, dados sobre circulação colateral e eventual
trombose venosa associada. Pode auxiliar no diferencial
entre trombose e embolia a partir de dados obtidos do
exame da extremidade contralateral. Sinal de fluxo distal
com pressão > 50 mmHg permite inferir presença de
razoável circulação colateral. Ausência de sinal de
Doppler em artérias distais indicam gravidade de quadro.

Arteriografia: Permite localizar a obstrução, definir a


etiologia (entre embolia ou trombose), visualizar a árvore
arterial distal, além de facilitar a decisão em relação às
opções terapêuticas. Tem indicação em extremidade
viável e não deve retardar tratamento.

Angiotomografia: Tem como vantagen a rápida


execução e a possibilidade de reconstrução
tridimensional, auxiliando na programação cirúgica.
Como desvantagens: indisponibilidade, necessidade de
uso de contraste nefrotóxico e alergênico, o que pode
retardar tratamento definitivo.

Diagnóstico diferencial

A principal patologia que devemos diferenciar da OAA


é a trombose venosa profunda:
Tabela 4 – Características clínicas para auxílio no diagnóstico diferencial
entre OAA e TVP.

Oclusão Arterial Trombose Venosa


Características
Aguda Profunda

Início Súbito Gradual

Veias superficiais Colabadas Ingurgitadas

Edema Ausente Presente


Oclusão Arterial Trombose Venosa
Características
Aguda Profunda

Temperatura Diminuída Normal ou quase

Pulsos Ausentes Presentes

Elevação do
Piora Melhora
membro

Também devemos fazer diagnóstico diferencial com as


seguintes condições que também causam dor e redução
de perfusão: obstrução arterial crônica e síndrome
compartimental.

Tratamento

O principal objetivo do tratamento é a preservação da


vida e do membro. Para isso, deve-se avaliar
rapidamente as condições clínicas do doente com
exames pré-operatórios e iniciar os cuidados gerais.

Evitar manobras intempestivas, manuseando


membro e paciente com delicadeza.
Não puncionar veias ou colocar eletrodos para ECG
no membro afetado.
Repouso no leito, em proclive. Tronco elevado em
caso de obstrução de MMSS.
Proteger membro contra extremos de temperatura
(aquecimento passivo com algodão ortopédico, faixa
crepe frouxa). Não realizar aquecimento ativo.
Compensação de doenças de base dentro do
possível.

Na abordagem medicamentosa, devemos iniciar o


mais rápido possível a anticoagulação plena com
heparina sódica – um bolus de 80 UI/Kg, seguido de
infusão contínua em bomba de 18 UI/Kg/h com ajustes
para mante o R 1,5-2,0. Em conjunto, iniciar o
tratamento da dor com analgésicos e hidratação venosa.

Tratamento cirúrgico

Se houver viabilidade do membro acometido e


condições clínicas, o paciente deve ser encaminhado ao
tratamento cirúrgico. Como opções temos:

Embolectomia: realizada com o cateter tipo Fogarty


em OAA por êmbolo, em artérias pouco ou não
ateroscleróticas. Há rápida restauração de fluxo
sanguíneo, com procedimento relativamente
simples.
Fibrinólise por cateter: deve ser indicada em
pacientes sem contraindicação ao uso de
fibrinolítico, menos de 14 dias de história, circulação
colateral suficiente para manter membro por 10-12
horas, baixo risco de desenvolver mionecrose e
lesão nervosa. Sempre que possível, realizar o
favorecimento de trombólise local pelo risco de
sangramento local e sistêmico.
Derivação: nos casos de trombose em pacientes de
alto risco: pensar em derivações extra-anatômicas
(femorofemoral, axilo-femoral).
Angioplastia transluminal: nos casos de trombose
(pode ser precedida de trombólise com bons
resultados).
Trombectomia: desobstrução arterial associada ou
não à angioplastia, endarterectomia, fibrinólise.
Fasciotomia: pode ser necessária em casos
selecionados, com edema intenso e sinais de
síndrome compartimental.

Fig. 5 e 6 – Fasciotomia em MIE (esquerda) / Membro com isquemia


irreversível (direita).

Amputação: indicada em extremidades clinicamente


inviáveis, paciente em mau estado geral, membros
paralíticos. As variáveis que predizem o risco de
amputação são o tempo total de isquemia, a idade
avançada e a não anticoagulação pós-operatória.
Nem todas extremidades agudamente isquêmicas
são recuperáveis, e a amputação para manutenção
da vida pode ser o desfecho apropriado8.

Complicações

Aproximadamente metade das mortes por isquemia


aguda de membros após procedimentos terapêuticos é
causada por complicações tromboembólicas. Preconiza-
se ao menos 3 meses de anticoagulação no pós-
operatório9.

Nos casos de OAA, devemos sempre atentar para a


síndrome compartimental e síndrome de isquemia-
reperfusão. Na primeira, ocorre o aumento da pressão
nos compartimentos musculares situados entre as fáscias
inelásticas e ossos, a ponto de comprometer a perfusão
tecidual e a alteração irreversível de músculos e nervos.
Devemos realizar a descompressão através de
fasciotomia (Fig. 5) se pressão tecidual > 30 mmHg10.
Após 1-2 semanas do procedimento, deve-se suturar a
pele ou aguardar a cicatrização por segunda intenção.

A síndrome de isquemia-reperfusão ocorre após


isquemia de grandes massas musculares, com eventual
desenvolvimento de alterações metabólicas locais e
sistêmicas após desobstrução arterial e reperfusão de
tecidos isquêmicos. Pode causar: acidose metabólica,
hipercalemia, hipoxemia, mioglobinemia, aumento de
CPK, DHL e SGOT11. No tratamento, deve-se corrigir
distúrbios ácido-base e hidroeletrolíticos; se necessário,
realizar diálise, fasciotomia ou amputação de membro.
Atentar para reperfusão controlada, hipotermia e
hemodiluição.

Pontos Importantes
A oclusão arterial aguda deve ser identificada
rapidamente e deve-se instituir o tratamento
indicado imediatamente, sob risco de amputação do
membro caso não sejam iniciadas as medidas de
prontidão.

Realizar anamnese detalhada, com informações


sobre comorbidades do paciente, história de
claudicação, fibrilação atrial crônica, visando
distinguir um quadro de oclusão arterial aguda por
trombose ou embolia, uma vez que o tratamento
para as duas condições pode ser diferente.
As oclusões arteriais agudas devem ser classificadas
segundo Rutherford, que correlaciona o risco de
perda de membro, e com isso determinar o
tratamento adequado.
Iniciar anticoagulação plena imediatamente, caso
não haja contra-indicação.

Embolia arterial sem ateromatose associada é


tratada costumeiramente com embolectomia com
catéter de Fogarty.
Trombose arterial aguda pode ser tratada com
angioplastia transluminal, tromboendarterectomia,
derivações arteriais.

Referências
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Society Consensus for the Management of
Peripheral Arterial Disease (TASC II). J Vasc Surg.
2007; 45 (Suppl S):S5.
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lower extremity ischemia: revised version. J Vasc
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4. Creager MA, Kaufman JA, ConteMS. Clinical practice.
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arteriais agudas periféricas. Rev Bras Cardiol Invas.
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(myonephopatic- metabolic syndrome). New York:
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7. Elliott Jr J, Hageman J, Szilagyi E, et al. Arterial
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8. Maffei FHA. Doenças vasculares periféricas. 5. ed.
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9. Green RM, DeWeese JA, RobCG. Arterial


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10. Mubarak SJ, Owen CA, Hargens AR, et al. Acute


compartment syndromes: diagnosis and treament
with the aid of the wick catheter. 1978; 60:1091­5.
11. Haimovici H. Arterial embolism with acute massive
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of a hitherto unreported syndrome with report of
two cases. Surgery. 1960; 47:739.
Caso 48 | Obstrução
Arterial Crônica
Autores: Nicole Inforsato e Harue Santiago Kumakura Christian Barbosa
Lamha

História Clínica
Paciente de 64 anos, masculino, caminhoneiro, procurou o
pronto-socorro com queixa de escurecimento do segundo
dedo do pé direito de forma progressiva, iniciado há um mês,
após trauma local em cadeira. Refere importante dor local,
mas nega febre ou saída de secreção da ferida. Antes da
lesão aparecer, apresentava dor na panturrilha direita após
caminhar pequenas distâncias (meia quadra ou 50 metros),
em ardência e limitante, obrigando-o a interromper a
marcha. Após alguns minutos, a dor desaparecia
completamente. Como trabalha dirigindo, não procurou
atendimento médico antes, apesar de a dor já estar
atrapalhando seu sono há alguns meses, obrigando-o a
dormir com o pé para fora da cama, pendente. Paciente
magro, com diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica
(HAS), diabetes melito (DM) e dislipidemia (DLP) com
controle inadequado. Tabagista desde os 20 anos, dois maços
por dia. De antecedente pessoal, refere ter tido um “princípio
de infarto” aos 59 anos, sem seguimento adequado após o
quadro.

Exame Físico De Admissão


Sinais vitais: PA 172x94 mmHg, FC 94 bpm, FR 16 irpm,
Sat O₂ 92%, Temp 36,7°C.

Bom estado geral, descorado +/4+, hidratado,


acianótico, anictérico, afebril, emagrecido, consciente e
orientado.

Membro inferiores com rarefação da pilificação e


perfusão lentificada. Membro inferior direito (MID) com
lesão trófica em todo o segundo pododáctilo (2ºPDD),
de aspecto mumificado, necrótico, sem secreção na
expressão, doloroso em sua base e com diminuição da
temperatura em relação ao membro inferior esquerdo
(MIE).

Figura 1 – Lesão necrótica em 2ºPDD do MID.

PULSOS EM MEMBROS INFERIORES

TIBIAL TIBIAL
FEMORAL POPLÍTEO PEDIOSO
POSTERIOR ANTERIOR

MIE +++ ++ + - -
PULSOS EM MEMBROS INFERIORES

MID ++ - - - -

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
O paciente foi internado, iniciados anti-hipertensivos
orais, dextro de 6/6 horas, controle glicêmico com insulina
regular, analgesia endovenosa, lavagem de ferida com
realização de curativo seco aquecido e coleta de exames
complementares.

Exames Complementares

Exames laboratoriais

Hb 10,5 g/dL (12,0 a 15,5)

Ht 33,6% (35 a 45%)

Leucócitos 9.110 /mm³ (3.500 a 10.500)

Plaquetas 372.000/mm³ (150.000 a 450.000)

PCR 12 mg/dL (menor que 1,0)

Ureia 60 mg/dL (10 a 50)

Creatinina 1,2 mg/dL (0,60 – 1,10)

Potássio 4,4 mEq/L (3,5 a 4,5)

Sódio 134 mEq/L (135 – 145)

INR 0,8 (menor que 1,0)

Glicemia 210 mg/dL


Solicitada angiotomografia (angioTC) de membros
inferiores (MMII): Analisado as artérias do seguimento
aorto-ilíaco, femoro-poplíteo e infrapatelares com diâmetros
e trajetos habituais. Sinais de ateromatose difusa em todos
os seguimentos arteriais analisados. Observa-se oclusão
segmentar da artéria femoral superficial à direita de
aproximadamente 10 cm de extensão com reenchimento da
artéria poplítea em sua porção supragenicular através de
circulação colateral local. Demais artérias com estenoses
focais, mas sem oclusões.

Figura 2 – AngioTC de MMII em cortes transversais. Flecha verde demostrando


oclusão segmentar da artéria femoral superficial em seu terço distal com
reenchimento da artéria poplítea por circulação colateral.
Hipótese Diagnóstica
Oclusão arterial crônica (OAC) ou Doença arterial
obstrutiva periférica (DAOP) com lesão trófica (LT) em MID.

Paciente foi submetido ao tratamento cirúrgico


endovascular. Realizada a punção da artéria femoral comum
direita e alocado introdutor de 6Fr. Foi realizada arteriografia
de todo o membro e identificado o ponto de oclusão na
artéria femoral superficial direita (AFSD), sendo esta vencida
com o auxílio de fio guia hidrofílico e cateter guia. Realizada
angioplastia da lesão com balão de alta pressão recoberto
com droga (paclitaxel). Após arteriografia de controle,
melhora importante da lesão com bom escoamento de
contraste, sem estenose residual, não sendo necessário
implante de stent autoexpansível.

Figura 3 – Angioplastia do MID – a. Angiotomografia com reconstrução em três


dimensões (3D); b. Arteriografia inicial demonstrando significativa
correspondência com os achados da angioTC; c. Angioplastia sendo realizada com
balão de alta pressão, revestido com droga no local da oclusão; d. Resultado final
com significativa melhora da lesão.

Após o término do procedimento, houve melhora da


perfusão distal do pé. Em seguida, foi realizada amputação
do 2ºPDD do MID com desarticulação metatarso-falangeana.
Ferida com bom sangramento local.
Figura 4 – Imagem pós procedimento cirúrgico

O paciente evoluiu bem, com melhora da dor, recebendo


alta hospitalar no 5º pós-operatório (5ºPO) em uso de ácido
acetilsalicílico (AAS), estatina e clopidogrel, além das
medicações para demais comorbidades. Cicatrização
completa da ferida após um mês.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Pela história e exames clínico e complementar, qual é


a doença apresentada?
2. Quais são os fatores de risco para o desenvolvimento
dessa doença e como ocorre sua evolução?

3. Quais são as complicações e critérios de gravidade?


4. Quais são as indicações de tratamento cirúrgico para
essa doença? Toda doença arterial deve ser operada?
5. Quais são as possibilidades de tratamento dessa
doença?

Discussão

Conceitos

Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP) ou Obstrução


Arterial Crônica (OAC), como o nome sugere, é uma afecção
que acomete os vasos arteriais de todos os calibres, inclusive
a Aorta, mas que atinge principalmente os vasos em
territórios periféricos, sendo os vasos dos membros inferiores
os mais frequentes. A interrupção gradativa da circulação
arterial termina por provocar dor ao uso de musculatura,
alterações de pele, alterações nervosas e até o aparecimento
de lesões tróficas (LT) e amputações de membro.

O termo arteriosclerose foi sugerido por Lobstein em 1829


e englobava qualquer doença associada ao espessamento da
parede arterial. Esse espessamento, por fim, causava o
endurecimento (ou esclerose) e a perda da elasticidade das
artérias. Dentro desse conceito, podemos observar três
variantes morfológicas:

Aterosclerose: doença inflamatória e multifatorial de


vasos de médio e grande calibre onde há o depósito
localizado de lipídeos, carboidratos, componentes do sangue,
tecido fibroso e cálcio – o chamado ateroma. Apresenta a
etiopatogenia ainda não muito bem definida, apesar de
amplamente estudada. Decorre de uma resposta inflamatória
e fibroproliferativa advinda de agressões à superfície do
endotélio. É um processo crônico e progressivo que se inicia
desde a adolescência, mas que, na maioria dos pacientes, irá
manifestar apenas após a quarta década de vida.

Esclerose Calcificante da Média ou Esclerose de


Mönckberg: fibrose e calcificação da camada média das
artérias musculares, principalmente. Não provoca diminuição
da luz, mas pode promover o aparecimento de aneurismas.

Arteriolosclerose: diminuição da luz vascular por


proliferação fibromuscular ou endotelial, que atinge
pequenas artérias e arteríolas.

As variações morfológicas da arteriosclerose podem


coexistir em um mesmo paciente. Apesar de
subdiagnosticada, a DAOP é considerada o principal
marcador de doença cardiovascular (DCV).

A DAOP pode ser dividida em assintomática e sintomática.


Consideramos pacientes sintomáticos aqueles com
claudicação intermitente ou isquemia crítica – pacientes que
apresentam dor de repouso ou lesões teciduais isquêmicas.

Epidemiologia

Além de ser responsável por 85% das claudicações dos


membros inferiores, a aterosclerose é responsável também
por 95% das coronariopatias e 75% dos acidentes vasculares
cerebrais. Observou-se que 75% dos pacientes com DAOP
morreram de DCV, sendo a mortalidade de paciente com
claudicação intermitente de 2-3 vezes maior do que grupos-
controle1.

A aterosclerose se manifesta clinicamente em 10-12% da


população adulta, passando a 20% dos pacientes acima de
70 anos2, e principalmente em pacientes do sexo masculino,
caucasianos e diabéticos3. A prevalência de claudicação
intermitente entre homens de 60 anos foi estimada em 3-
6%4. Já a isquemia crítica dos membros inferiores tem uma
incidência estimada de 500-1.000 novos casos por ano por
milhão de habitantes5 e, entre esses pacientes, o índice de
amputação primária varia de 10-40%.

Fatores de risco
Tabela 1 – Fatores de risco para Doença Arterial Obstrutiva periférica

FATORES DE RISCO PARA DAOP

Sexo Masculino Se manifestam 5-10 anos antes do que em mulheres

Risco duas vezes maior do que em pacientes da raça


Raça Negra
branca

Idade Avançada Predomínio dentre 50 e 70 anos

Hiperlipidemia Colesterol e principalmente o LDL. HDL é fator protetor

Fator de risco modificável mais potente (6). Risco de


Tabagismo desenvolvimento de DAOP em fumantes é 3-4 vezes maior
do que em pacientes não fumantes (7).

Hipertensão
Arterial Induz alterações do endotélio e processos inflamatórios
Sistêmica (HAS)

Diabetes melito
Frequência de 2-6 vezes maior em pacientes com DM (8)
(DM)

Hiper-
Presente em 28-30% dos pacientes com DAOP precoce (9)
homocisteinemia
FATORES DE RISCO PARA DAOP

Hiperfibrogenemia, aumento da viscosidade sanguínea,


Outros fatores inflamatórios, fatores genéticos, estresse oxidativo,
metaloproteinases, etc.

Patogênese e manifestações clínicas

A doença arterial aterosclerótica tem o seu


desenvolvimento gradual e insidioso, e a localização das
placas poderá ser difusa ou localizada. Os sinais e sintomas
isquêmicos são consequência da oferta insuficiente de
oxigênio para os tecidos e irão depender de diversos fatores
como grau de estenose, lesões únicas ou sequenciais,
presença de oclusões totais do fluxo, vaso acometido,
doenças venosas associadas, presença de circulação
colateral, resistência periférica (definida pelas arteríolas e
esfíncteres pré-capilares e controlada pelo sistema nervoso
simpático), insuficiência cardíaca associada, entre outros.

Quando os sintomas aparecem apenas aos esforços


físicos, chamamos de Claudicação Intermitente (CI).
Durante as atividades, para aumentar o aporte de oxigênio
para os tecidos, ocorrem diversas alterações fisiológicas,
como o aumento da pressão sistólica, aumento da
velocidade de fluxo e a diminuição da resistência periférica.
Essas alterações fisiológicas, na presença de obstruções
arteriais e associadas à maior necessidade de oxigenação
durante o exercício, fazem com que até pequenas lesões,
que não produzem sintomas ao repouso, provoquem
sintomas isquêmicos.
Quando há progressão da doença arterial e, na ausência
do desenvolvimento da circulação colateral, os sinais e
sintomas isquêmicos irão aparecer mesmo no repouso. Isso
significa que a oxigenação disponível aos tecidos é menor do
que a necessária para a manutenção do seu metabolismo
basal. A provável evolução desse quadro é a gangrena do
tecido, originando as lesões tróficas. Estas também podem
ser decorrentes de traumas ou infecções do tecido –
situações que exigem um maior aporte de oxigenação para
sua cicatrização, não disponíveis em pacientes com DAOP.
Chamamos assim de Isquemias Críticas os quadros de dor
isquêmica em repouso ou obstruções arteriais associadas às
lesões tróficas.

Figura 5 – Exemplos de lesões isquêmicas em artelhos de membro inferior.

Todavia, em qualquer paciente, as placas ateroscleróticas


podem sofrer roturas ou descolamentos a qualquer momento
culminando na exposição de componentes altamente
trombogênicos que ativam a cascata de coagulação e a
agregação plaquetária local. A este evento damos o nome de
“acidente de placa”, que pode resultar em uma oclusão
arterial aguda (OAA) com sintomas súbitos de Isquemia
Aguda (ou OAC descompensada) – dor, palidez,
diminuição de temperatura, ausência de pulso, parestesia e
paresia.

Diagnóstico

O diagnóstico será feito através de uma minuciosa


anamnese e um bom exame físico no qual deve-se procurar
todos os pulsos. Como já discutido previamente, os pacientes
podem ser assintomáticos ou sintomáticos, sendo estes os
pacientes com claudicação intermitente ou com isquemia
crítica (dor de repouso ou lesão trófica).

A anamnese deve conter dados como padrão da dor,


circunstâncias que levaram ao aparecimento de lesões
(espontâneas ou traumáticas), comorbidades associadas,
presença de fatores de risco como tabagismo, necessidade
de manutenção dos membros pendentes (para alívio de dor)
etc.

Os sintomas da claudicação intermitente incluem dor,


adormecimento, cãibra, fadiga e até paralisia muscular
durante o esforço físico. Geralmente, ocorrem na panturrilha,
mas podem acometer coxa ou nádegas a depender da
artéria acometida. Os sintomas aparecem geralmente após
uma mesma distância percorrida e melhoram com a
interrupção da marcha. Na prática clínica, utilizamos a
quantidade de interrupções da marcha em uma mesma
distância para determinarmos melhora ou piora do quadro
clínico.
Tabela 2 – Classificações de Fontaine e Rutherford para DAOP.

Fontaine Rutherford

Estágio Quadro Clínico Grau Categoria Quadro Clínico

I Assintomático 0 0 Assintomático

IIa Leve 1 Leve

Claudicação 2 Claudicação Moderada


Moderada
IIb I
ou Grave
3 Grave

II 4 Dor em Repouso
III Dor em repouso
III 5 Perda tecidual pequena

IV Ulceração ou Gangrena IV 6 Perda tecidual grande

O exame físico bem feito será indispensável. Muitas


vezes, apenas com uma boa avaliação pode-se determinar o
nível de obstrução das artérias. Iniciamos sempre com
medidas de pressão arterial nos membros superiores e
palpação abdominal. Devemos observar, então:

Inspeção: palidez, cianose, mudanças de coloração na


elevação ou no declive, cianoses fixas, hiperemia
reativa, diminuição na quantidade de pelos,
calosidades, pele seca, presença de lesões secas ou
úmidas (infectadas), atrofia muscular, atrofia de
subcutâneo, anquilose de articulações, flexo de joelho
(posição antálgica), edema, tempo de enchimento
venoso etc.
Ausculta: presença de sopros.
Palpação: abaulamentos, massas pulsáteis, níveis
térmicos, frêmitos, hiporreflexia e, principalmente,
presença ou ausência de pulsos.

Pulsos Palpáveis

Supraclavicular Femoral

Axilar Poplíteo

Membros Superiores Braquial Membros Inferiores Tibial Anterior

Radial Tibial Posterior

Ulnar Pedioso

Exames Complementares

Teste de marcha: realizado em esteiras ou até mesmo no


corredor hospitalar e utilizando-se diversos protocolos
existentes. Visa avaliar a distância onde inicia-se a dor
isquêmica ainda leve e suportável (claudicação inicial) até
quando o paciente atinge o limite de dor (claudicação final).
Pode ser repetido durante seguimento ambulatorial
avaliando melhora ou piora da claudicação.

Índice Tornozelo-Braço (ITB): utilizando-se um sonar


Doppler de 5 a 10 mHz em topografia da artéria a ser
avaliada, insufla-se um esfigmomanômetro proximal à essa
artéria até o desaparecimento de seu sinal. Observa-se,
então, o valor que o sinal reaparece durante a desinsuflação
– valor mais alto da pressão sistólica dessa artéria. Quando
realizamos a relação entre a pressão sistólica do tornozelo
(T) e a pressão sistólica do braço (B), obtemos o ITB (ITB =
T/B).
ITB Sinais e Sintomas

0,9 a 1,3 Assintomático

0,7 a 0,9 Claudicação

0,4 a 0,89 Dor em repouso

< 0,4 Gangrena

Ultrassom Doppler (USG Doppler): exame de baixo custo,


não invasivo e com boa acessibilidade. Geralmente, é o
primeiro exame realizado em pacientes com DAOP e, muitas
vezes, o único necessário para a avaliação pré-operatória.
Consegue determinar locais de obstrução, presença de
estenoses ou dilatações, avaliar simultaneamente a
qualidade de veias que poderiam ser usadas em
enxertos/pontes, além de permitir o seguimento pós-
operatório. Suas limitações são devido à profundidade de
alguns vasos, biotipo do paciente, presença de lesões em
pele, vasos calcificados, além de ser examinador
dependente.

Arteriografia: obtenção de imagens através da injeção de


contraste intra-arterial e captação através de radioscopia. É
padrão-ouro para a DAOP, mas, por ser invasivo e pouco
disponível, tem o uso restrito a pacientes com intenção
cirúrgica.

Angiotomografia (AngioTC): obtém imagens também


através da injeção de contraste, mas é menos invasiva, uma
vez que o contraste é administrado via endovenosa
periférica e não diretamente na artéria. Com a evolução
tecnológica, a AngioTC já obtém imagens muito próximas às
arteriografias e possibilita a avaliação das estruturas
adjacentes – como veias, ossos, músculos – sendo assim um
bom substituto para avaliações pré-operatórias completas e
programações cirúrgicas.

Ultrassom Intravascular (IVUS): consiste em um cateter


com um transdutor ultrassônico em sua ponta que consegue
analisar com acurácia a localização de lesões vasculares e
estenoses, graus de estenoses, qualidade da parede vascular
etc. Exame ainda pouco disponível e que requer treinamento
do executor, mas que fornece imagens em tempo real
durante o procedimento cirúrgico.

Diagnósticos diferenciais

Diagnósticos Diferenciais

Doenças Não
Doenças Vasculares
Vasculares

Tromboangeíte Obliterante (TAO) ou Doença de


Artrites
Buerger

Doença Fibromuscular Bursites

Síndrome da Cauda
Doença de Takayasu ou Arteríte Primária da Aorta
Equína

Síndrome Compartimental Crônica Artrose de Quadril

Compressão do Nervo
Síndrome do Aprisionamento da Artéria Poplítea
Ciático

Estenose de Canal
Doença Cística da Artéria Poplítea
Medular

Acrocianose Gota

Insuficência Venosa Crônica Tendinites


Tratamento clínico

O paciente com DAOP deve ser tratado clinicamente


desde seu diagnóstico visando controle da evolução da
doença e o tratamento dos sintomas, principalmente em
pacientes com Claudicação Intermitente10,11. Assim, algumas
medidas muito importantes devem ser adotadas, como:

cessar tabagismo;
exercícios físicos;
antiagregantes plaquetários, como o ácido
acetilsalicílico (AAS);
correção da hiperlipidemia – com medidas dietéticas e
medicamentosas como estatinas;
controle de comorbidades, como HAS, DM e obesidade.

Em pacientes com claudicação intermitente podemos,


também, iniciar tratamento com terapia farmacológica,
como:

Cilostazol: inibidor da fosfodiesterase III para inibir a


ativação e a agregação plaquetária, além de ter ação
vasodilatadora direta. Pode aumentar em 40 a 60% a
distância de claudicação melhorando a qualidade de
vida12.
Pentoxifilina: aumenta a flexibilidade das hemácias
provocando melhor nutrição dos tecidos. Revisões
recentes consideraram sua ação inconclusiva e,
atualmente, é considerada como droga de segunda
escolha13.
Os pacientes com Isquemias Agudas (OAC
descompensadas) ou Isquemias Críticas deverão ser
submetidos ao tratamento cirúrgico para a restauração da
circulação. Entretanto, enquanto aguarda-se o procedimento,
ou naqueles sem a possibilidade do tratamento, algumas
medidas clínicas e farmacológicas poderão melhorar os
sintomas visando controle de dor, adiamento cirúrgico e
evitar amputações. Entre eles:

aquecimento do membro;
analgesia com analgésicos simples, AAS, anti-
inflamatórios não estereoides (AINEs), opioides etc.;
bloqueios neurológicos;
proclive;
vasodilatadores – uso controverso;

prostaglandinas;
anticoagulantes e Fibrinolíticos – para as isquemias
agudas.

Tratamento cirúrgico

O tratamento cirúrgico poderá ser por via


convencional/aberta ou por via endovascular. A escolha pela
técnica irá depender do local da lesão arterial, de sua
extensão, disponibilidade de materiais endovasculares,
materiais autólogos (veias de boa qualidade) ou materiais
heterólogos (próteses). É pela classificação TASC II (The
Trans-Atlantic Inter-Society Consensus Document on
Management of Peripheral Arterial Disease) que avaliamos se
a lesão a ser tratada terá melhores resultados por via aberta
ou por via endovascular sendo, por exemplo, as lesões
menores, únicas e mais curtas classificadas como TASC-A até
as lesões múltiplas e extensas classificadas como TASC-D14.

Figura 6 – Imagens intraoperatórias de angioplastia da Artéria Ilíaca Comum


Esquerda (AICE). Arteriografia pré-angioplastia (à esquerda); angioplastia com
balão de alta pressão (centro); controle arteriográfico final com importante
melhora da lesão estenótica (à direita).

Quando se opta pela cirurgia aberta, o material autólogo


mais utilizado é a veia safena magna (também chamada de
veia safena interna), por apresentar grande extensão, boa
resistência e diâmetro compatível com artérias. Como as
veias apresentam válvulas em seu interior que determinam
que seu fluxo seja unilateral (de distal para proximal e,
consequentemente, do menor diâmetro da veia para seu
maior diâmetro), as veias deverão ser “invertidas” (quando
utilizamos seguimentos curtos para a ponte de
revascularização e seu diâmetro não é significativamente
diferente) ou deverão ser “devalvuladas” (quando utilizamos
seguimentos longos da veia onde haverá grande diferença
de diâmetro entre suas extremidades). Um exemplo de
cirurgia utilizada para a revascularização de membro inferior
com lesões extensas (TASC C e D) é o “enxerto femoro-distal
com veia safena magna ipsilateral devalvulada”.
Figura 7 – Tomada distal de enxerto com veia safena. Seta azul apontando a
artéria Tibial Posterior que receberá o enxerto e a seta verde apontando a veia
safena magna fazendo a ponte de revascularização, antes de sua anastomose
com a artéria.

O tratamento cirúrgico visará a melhora dos sintomas e,


principalmente, a cicatrização das feridas.

Figura 8 – À esquerda, reconstrução 3D angiotomográfica de lesão arterial


oclusiva em Artéria Femoral Comum Direita (AFCD); à direita, Controle
arteriográfico pós-operatório do mesmo caso após endarterectomia da AFCD com
profundoplastia e fechamento com patch de pericárdio bovino.
Já os enxertos heterólogos mais utilizados são os de fio
sintético multifilamentoso de poliéster (Dacron®) e os de
Politetrafluoretileno (PTFE).

Figura 9 – Exemplos de cirurgia aberta na região da artéria femoral comum com


uso de prótese de Dacron® (à esquerda) e uso de patch de pericárdio bovino (à
direita).

Figura 10 – Diferença de curvas ultrassonográficas pré (à esquerda) e pós-


operatórias (à direita) captadas na artéria tibial posterior (TP). Note o aumento da
aceleração e da velocidade da curva.
Figura 11 – Angioplastia da artéria plantar com balão de alta pressão (à esquerda)
e seu controle arteriográfico (à direita) demonstrando bom fluxo e patência.

Tratamentos cirúrgicos alternativos

Quando o tratamento cirúrgico já foi realizado sem


melhora do quadro, ou quando não há mais alternativas
cirúrgicas possíveis, devemos lançar mão de outros
tratamentos visando o controle dos sintomas e melhora da
qualidade de vida, como:

simpatectomia: objetivando vasodilatação periférica;


neurotripsia: controle álgico para dores refratárias;
amputações: sendo primárias (quando a perda de tecido
é grande demais, tornando o membro inviável nem
mesmo com cirurgias de revascularização) ou
secundárias (após procedimento cirúrgico sem
resolução do quadro).

Pontos Importantes
Diagnosticar isquemia crítica e sua gravidade – dor em
repouso e presença de lesões teciduais isquêmicas
(lesões tróficas).
Fatores de risco para Doença Arterial Obstrutiva
Periférica: sexo masculino, raça negra, idade avançada,
hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito,
tabagismo.
A importância da anamnese e da queixa de claudicação
intermitente.
A importância do exame físico completo, com inspeção,
palpação, ausculta, aferição de pressão arterial nos
membros.

Saber os exames complementares disponíveis na


avaliação de um paciente com DAOP, suas vantagens e
desvantagens.
Medidas clínicas para controle da DAOP, como cessação
do tabagismo, atividades físicas, uso do AAS, estatinas
e controle das comorbidades, principalmente
hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito,
obesidade e dislipidemia.

Indicação cirúrgica em um paciente com DAOP –


presença da isquemia crítica.
Escolha do tratamento cirúrgico – endovascular ou
aberta e a importância da classificação TASC II (The
Trans-Atlantic Inter-Society Consensus Document on
Management of Peripheral Arterial Disease).

Referências
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Vascular Nursing, and the Society for Vascular Surgery
(Writing Committee to Develop Clinical Performance
Measures for Peripheral Artery Disease) Developed in
Collaboration With the American Association of
Cardiovascular and Pulmonary Rehabilitation; the
American Diabetes Association; the Society for
Atherosclerosis Imaging and Prevention; the Society for
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Caso 49 | Aneurisma De
Aorta
Autores: Nicole Inforsato e Harue Santiago Kumakura

História Clínica
Paciente masculino, de 72 anos, hipertenso, tabagista
há 40 anos, dislipidêmico, dá entrada no pronto-socorro
com queixa de dor abdominal de forte intensidade há 5
horas, progressiva, sem fatores de melhora ou piora, não
relacionada com a alimentação e de localização em
mesogastro irradiando para dorso, à esquerda. Nega
febre, alterações urinárias ou gastrointestinais. Uso
irregular de medicações para hipertensão. Refere que pai
morreu no interior de mal súbito, sem diagnóstico
preciso.

Exame Físico
Sinais vitais: PA 80x50 mmHg, FC 112 bpm, FR 18
ipm, SatO₂ 94%

Regular estado geral, descorado 2+/4+, desidratado


+/4+, acianótico, anictérico, afebril, taquipneico.
Apresenta-se sudoreico, com fácies de dor, mas
consciente e orientado.
Abdome globoso, flácido, descompressão brusca
negativa, Giordano negativo, sem sinais de ascite.
Apresenta dor em palpação profunda de
mesogástrio onde palpa-se uma massa pulsátil de
mais ou menos 8 cm de diâmetro. Não apresenta
hematomas periumbilicais ou em regiões inguinais.

Membros inferiores com pulsos palpáveis e bem


perfundidos.

Prosseguimento Do Caso Após


Avaliação Clínica
Paciente mantido monitorizado em sala de
emergência cirúrgica, colhido exames laboratoriais e
solicitado exame de imagem de emergência. Iniciado
apenas analgesia endovenosa.

Exames Complementares

Exames laboratoriais

Hb 9,5 g/dl (12,0 a 15,5)

Leucócitos 7.500 (3.500 a 10.500) – sem desvio


Plaquetas 286.000 (150.000 a 450.000)

Ureia 31 (10 a 50)

Creatinina 1,30 (0,60 – 1,10)


Potássio 4,01 (3,5 a 4,5)

Sódio 142 (135 – 145)

INR 0,9 (menor que 1,0)

Solicitada TC de abdome total em caráter


de emergência

Aorta descendente com aterosclerose difusa e


trombos em toda a sua extensão. Dilatação
aneurismática da aorta em seu seguimento abdominal,
com início da dilatação a 2 cm abaixo da artéria renal
direita (mais inferior), estendendo-se até a bifurcação
das artérias ilíacas comuns. Parede espessada e com
borramento de gordura retroperitoneal e de músculo
psoas à esquerda, com rebatimento lateral de loja renal
esquerda. Sem líquido livre em cavidade abdominal.

Figura 1 – Angiotomografia de aorta e ramos em corte transversal e


reconstrução em 3 Dimensões (3D)

Hipótese Diagnóstica
Aneurisma da Aorta Abdominal Infrarrenal
(AAAIR) roto

Paciente foi imediatamente internado e encaminhado


para o centro cirúrgico para a realização de correção
endovascular do AAAIR. Realizada inserção de cateter
venoso central e pressão arterial invasiva com o paciente
acordado e iniciado procedimento cirúrgico com
dissecção das artérias femorais bilaterais com anestesia
local. Paciente foi sedado e intubado apenas após
material endovascular alocado. Durante o procedimento,
foram transfundidos 2 concentrados de hemácias, com
melhora da pressão arterial sistêmica e dos níveis de
hemoglobina. Mantido em unidade de terapia intensiva
(UTI) por 3 dias após o procedimento cirúrgico, tendo
iniciado dieta e deambulação já no segundo dia pós-
operatório. Paciente recebeu alta hospitalar no quinto dia
pós-operatório, após estabilização dos exames
laboratoriais e da pressão arterial sistêmica. Iniciado
seguimento ambulatorial com exame de tomografia
computadorizada sem contraste seriada: 1º, 3º e 6º mês
após o procedimento cirúrgico e, então, seguimento
anual.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Pela história e exame clínico e complementar, qual


é a doença apresentada?
2. Quais são os fatores de risco para o
desenvolvimento dessa doença e como ocorre a
sua evolução? Como deve ser feito o screening
dessa doença?

3. Quais são as complicações possíveis nessa


doença?

4. Quais são as possibilidades de tratamento dessa


doença?

5. Quais são as indicações de tratamento cirúrgico


para essa doença? Como determinamos que tipo
de cirurgia será realizada (se convencional ou
endovascular)?

Discussão

Conceitos

Em 19911, o Subcommittee on Reporting Standards


for Arterial Aneurysms definiu os aneurismas como uma
dilatação permanente e localizada (focal) de uma artéria
com um aumento de, pelo menos, 50% de seu diâmetro
em comparação com o diâmetro esperado para a artéria
em questão. Como inúmeros fatores determinam qual
deve ser o tamanho esperado de uma artéria (idade do
paciente, sexo, estatura etc.), por vezes consideramos o
diâmetro da artéria proximal ao aneurisma com seu
tamanho normal.
Os aneurismas podem ser únicos ou múltiplos;
verdadeiros ou falsos (pseudoaneurismas); fusiformes ou
saculares; e apresentarem diversas etiologias, tais como
degenerativos, micóticos (infecciosos), inflamatórios,
traumáticos, pós-estenóticos, congênitos, pós-dissecções
etc.

Por sua maior frequência, trataremos, neste capítulo,


especificamente dos Aneurismas da Aorta Abdominal
(AAA).

Epidemiologia

Os AAA acometem mais homens do que mulheres,


mais frequentes na raça branca e asiáticos do que na
negra, atingem mais pacientes idosos, começando o seu
desenvolvimento em torno dos 50 anos e tendo sua
maior incidência em pacientes em torno dos 80 anos.
São de 3-7 vezes mais frequentes do que os Aneurismas
da Aorta Torácica (AAT)2 e de 8-15 vezes mais frequentes
do que os Aneurismas da Artéria Poplítea3.

Patogênese

Considera-se, hoje, que a patogenia dos AAA é


bastante complexa e multifatorial, não sendo mais
determinada apenas como aterosclerótica, mas sim como
degenerativa. Diversos fatores estão associados ao
aparecimento da dilatação em um vaso, tais como
genéticos, ambientais, inflamação tissular, respostas
autoimunes e a degradação das fibras de colágeno ou
elásticas por proteases, especialmente as
metaloproteinases (MMPs)4,5.

Os AAA são mais frequentes do que outros


aneurismas por características peculiares da aorta
abdominal, tais como: um menor número de camadas de
membrana elástica (30 camadas, enquanto a aorta
torácica apresenta 40 camadas); ausência de vasa
vasorum, sendo a nutrição de sua parede por difusão
direta da luz arterial; diminuição gradativa das camadas
de membrana elástica, tornando-a menos complacente;
alterações hemodinâmicas importantes relacionadas à
bifurcação para as artérias ilíacas comuns que provoca
importante sobrecarga hemodinâmica local6.

Os principais fatores de risco para o desenvolvimento


dos AAA são: tabagismo, hipercolesterolemia,
hipertensão arterial sistêmica (HAS), sexo masculino e
história familiar.7

Os principais fatores de risco para a expansão de um


AAA são: idade avançada, doença cardiológica severa,
infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio, tabagismo e
transplante renal ou cardíaco.7

Diagnóstico
A maior parte dos AAA são assintomáticos e tem seu
diagnóstico realizado através da suspeita clínica no
exame físico ou em achado incidental de exames de
imagem. No exame físico, principalmente em pacientes
magros, podemos observar ou palpar uma tumoração
pulsátil indolor na região periumbilical. Esse achado,
porém, não é tão frequente, principalmente em
aneurismas menores ou em pacientes obesos8.

Figura 2 – Paciente em decúbito dorsal horizontal com massa pulsátil


bastante evidente no exame físico abdominal

Em diversos casos, por ser uma doença assintomática


durante seu desenvolvimento, o diagnóstico será feito
apenas na complicação do aneurisma. Para AAA, a mais
frequente é a rotura, mas outras manifestações podem
ser observadas, tais como a oclusão arterial aguda da
aorta, ateroembolismos (quando há embolia de placas
ateroscleróticas), síndrome do Dedo Azul, compressão
extrínseca de outros órgão como ureter ou alças
intestinais, corrosão de vertebras, fístulas arteriovenosas
ou fístulas aortoentéricas.

O screening para AAA é bastante controverso na


literatura. Considera-se que há benefício em realizar o
rastreamento único em pacientes do sexo masculino
acima dos 65 anos de idade com histórico de tabagismo
ou em pacientes acima de 55 anos com história familiar9.
Apesar de uma população muito restrita estar englobada
nos critérios de inclusão para o rastreamento, cabe
ressaltar que exames abdominais de ultrassonografia ou
de tomografia estão sendo cada vez mais solicitados à
maioria dos pacientes, aumentando, assim, o diagnóstico
dos aneurismas ainda em diâmetros pequenos ou em sua
fase assintomática.

A tríade clássica do AAA roto é composta por massa


abdominal pulsátil, dor abdominal e hipotensão.
Entretanto, apenas 26% dos pacientes irá apresentar
esses sintomas10. A dor é caracterizada como súbita, de
forte intensidade e com frequente irradiação para flancos
e dorso. A localização mais frequente da rotura é na
parede posterolateral esquerda. A grande maioria dos
AAA, quando se rompe, irá produzir sintomas e
determinar uma emergência cirúrgica. Entretanto, uma
pequena parcela desses pacientes poderá apresentar
uma compensação do quadro, também chamado de
aneurisma roto tamponado. Esse quadro ocorre,
principalmente, em aneurismas com rotura para o
retroperitôneo, em que a resistência tecidual do
compartimento iguala-se à pressão do sangue
extravasado, impedindo a manutenção do sangramento.
Um AAA roto pode ficar tamponado por algumas horas ou
até por anos, tornando a rotura de aspecto crônico.

Achados laboratoriais

Os AAA não apresentam exames laboratoriais


específicos para o diagnóstico. Os pacientes, entretanto,
apresentam frequentemente hipercolesterolemia e
hipertrigliceridemias. Quando há a rotura do AAA,
observa-se queda dos níveis de hemoglobina pelo
sangramento agudo.

Exames de Imagem

Podemos diagnosticar um AAA em diversos exames


como:

Radiografia simples de abdome: observa-se a


calcificação na parede da aorta de diâmetro
aumentado. Entretanto, é um exame muito limitado,
não demonstrando a relação do aneurisma com
outros órgãos, posição dos vasos, anatomia da
aorta, roturas etc.

Ultrassonografia (USG): exame barato e não


invasivo, podendo ser utilizado como seguimento do
diâmetro em pacientes com acompanhamento
ambulatorial. O tratamento cirúrgico do aneurisma
pode e deve ser indicado apenas com o laudo
ultrassonográfico. Sua limitação deve-se ao fato de
ser examinador dependente, derivar do biótipo do
paciente e apresentar interferências como
interposição gasosa das alças intestinais
(principalmente em porções mais altas da aorta
abdominal).

Angiotomografia (AngioTC): exame muito utilizado,


principalmente, para planejamento cirúrgico. É
relativamente disponível e de fácil interpretação,
além de promover uma ampla avaliação dos
diâmetros da aorta, da anatomia do aneurisma, de
sua relação com outros vasos e órgãos e,
especialmente, na era endovascular, de planejar o
tratamento visando às próteses mais adequadas a
serem utilizadas. Suas principais limitações incluem
ser um exame caro, necessitar de centros que
disponham do aparelho de tomografia de alta
resolução e cortes finos, ser invasivo, com injeção
endovenosa de contraste iodado e de implicar na
utilização de radiação ionizante.
Angiorressonância Magnética (AngioRM): excelente
exame por apresentar as mesmas vantagens da
AngioTC, com alta resolução da imagem, associada
à utilização de contraste não iodado e a obtenção
da imagem sem o uso da radiação ionizante. Apesar
de suas inúmeras vantagens, possui custo elevado,
é pouco disponível, não podendo ser utilizado em
pacientes com materiais metálicos como clipes ou
marca-passos (pelo uso de campo magnético), além
de não ser suportado por pacientes com
claustrofobia.

Indicação Cirúrgica

Os AAA devem ser tratados visando evitar suas


complicações, sendo a principal, como já falado, a rotura.
Os principais fatores de risco para a rotura do AAA são:
sexo feminino, diâmetros maiores de 5,0-5,5 cm, doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), crescimento
acelerado, pressão arterial alta, tabagismo ativo,
transplante renal ou cardíaco e história familiar de AAA7.
Características do aneurisma ou de sua parede também
são consideradas como fatores de risco para a sua
rotura, como os aneurismas saculares, presença de
bolhas (blebs), trombos dissecantes (sinal do crescente)
etc.

Figura 3 – Exemplos de achados tomográficos de AAA com sinais de rotura.


Presença de desvios de estruturas vizinhas, borramento de gordura
periaórtica e contraste dissecando trombo mural.

Em pacientes assintomáticos, consideramos de


indicação cirúrgica aqueles com AAA acima de 5,0-5,5
cm e/ou de crescimento do diâmetro máximo de 0,5-0,7
cm em 6 meses ou 1,0 cm em 1 ano11,12. Caso o
aneurisma torne-se sintomático, apresentando sintomas
como dor, sinais de rotura em exames de imagem,
ateroembolismos, oclusões arteriais agudas,
compressões extrínsecas, corrosão de vértebras, fístulas
aortocaval ou aortoentérica, este deve ser operado em
caráter de emergência, independentemente de seu
diâmetro máximo.

Entretanto, além de ser considerado o risco da rotura,


deve-se sempre considerar o risco cirúrgico e a
expectativa de vida do paciente para uma indicação
cirúrgica mais adequada.

Tratamento

Entre os aneurismas sem indicação cirúrgica, deve-se


iniciar um acompanhamento ambulatorial a cada 6
meses ou 1 ano com exames de imagem seriados nos
pacientes que apresentam AAA de diâmetro entre 4,5-5,4
cm. Comorbidades como dislipidemia,
hipercolesterolemias, hipertensão arterial sistêmica,
diabetes e tabagismo também devem ser controladas em
todos os pacientes.

Tratamento cirúrgico

Podemos dividir entre os tratamentos cirúrgicos


abertos (ou convencionais) e os tratamento cirúrgicos
endovasculares. Entre os critérios que determinam a
escolha do procedimento, destacam-se a expertise do
cirurgião, a disponibilidade de equipamentos e materiais
para uma cirurgia endovascular, a anatomia do AAA e
fatores relacionados ao paciente. Deve-se considerar
todos os riscos e benefícios, e os fatores individuais de
cada paciente.

CRITÉRIOS QUE FAVORECEM A ESCOLHA DA TÉCNICA CIRÚRGICA

ABERTO OU CONVENCIONAL ENDOVASCULAR

Jovens Idosos

Poucas comorbidades Múltiplas comorbidades

Anatomia desfavorável para


endovascular (justarrenal, colo curto,
Biotipo desfavorável (obesos)
colo cônico, artérias ilíacas comuns
curtas)

Anomalias anatômicas (como


Trombo exuberante em colo proximal rim em ferradura, exuberante
circulação colateral)

Tortuosidade exuberante do aneurisma Abdomes hostis

Alergia a contraste Aneurismas inflamatórios

Seguimento pós-operatório menos


Procedimento menos invasivo
invasivo

Menor tempo de recuperação


pós-operatória
Figura 4 – Correção cirúrgica aberta de AAA justarrenal. AngioTC em corte
coronal pré-operatório, foto do intraoperatório com o aneurisma íntegro, foto
da correção do AAA utilizando prótese de Dacron®, trombo mural retirado
na abertura da parede aneurismática.

Figura 5 – Exemplos de correções cirúrgicas abertas (ou convencionais) de


AAA com próteses de Dacron®

Figura 6 – Exemplos de correções cirúrgicas de AAA por via endovascular.


Relação de três casos com imagem de AngioTC com reconstrução 3D pré-
operatória e o resultado arteriográfico intraoperatório após inserção de
endopróteses.

No tratamento cirúrgico aberto é realizado o acesso à


aorta abdominal por via transperitoneal ou por via
retroperitoneal. A incisão cirúrgica vai depender do
biótipo do paciente e da localização do aneurisma, tendo
como opções a laparotomia medial, paramediana,
transversal ou acesso extraperitoneal oblíquo esquerdo
(para evitar a veia cava à frente da aorta). Uma vez
acessada a aorta, faz-se o controle proximal e distal do
aneurisma. Antes de interromper o fluxo de sangue, o
paciente deve ser submetido à heparinização sistêmica,
evitando tromboses. O saco aneurismático, então, é
aberto e o seguimento aneurismático da aorta é
substituído por material sintético heterólogo, geralmente
com próteses de poliéster (Dacron) ou de
Politetrafluoretileno (PTFE).

No tratamento endovascular, será necessária a


disponibilidade de uma radioscopia e uma maca cirúrgica
radiotransparente. A aorta é acessada através de
punções arteriais – geralmente por via femoral bilateral
–, com a utilização de materiais endovasculares como
introdutores, fios-guia, cateteres-guia, além do uso de
algum meio de contraste iodado ou de dióxido de
carbono. Então, a parte interna do vaso aneurismático
será revestida com um dispositivo geralmente de metal
(stent), que é recoberto por um tecido impermeável –
constituindo as chamadas endopróteses. Quando do
fluxo do sangue para dentro da endoprótese, haverá a
exclusão do espaço dilatado do vaso e consequente
trombose do saco aneurismático.

Acompanhamento ambulatorial pós-


operatório

Independente da técnica cirúrgica empregada na


correção do AAA, os pacientes deverão ser seguidos de
forma perene com exames semestrais ou anuais tanto
físicos como de imagem. Comumente, é solicitado o
acompanhamento com USG para pacientes submetidos
ao procedimento convencional e com tomografia para os
pacientes submetidos ao procedimento endovascular.

Pontos Importantes
As dilatações dos vasos são consideradas
aneurismáticas quando ultrapassam em 50% o
diâmetro esperado para aquele seguimento. Abaixo
disso, chamamos as artérias de ectasiadas.

Podemos ter aneurismas em todos os vasos do


corpo, arteriais ou venosos. O aneurisma arterial
mais frequente é o da aorta, em seu seguimento
abdominal. Esse fato se deve às características da
parede aórtica neste seguimento e às alterações
hemodinâmicas locais.

O surgimento de aneurismas é multifatorial, sendo a


degeneração da parede aórtica um dos fatores mais
importantes. Assim, o avançar da idade, o
tabagismo e comorbidades como HAS estão muito
relacionados com a doença.
A maioria dos AAA são assintomáticos. Suas
complicações são graves e a mais frequente, e
temida, é a rotura.

A tríade clássica da rotura do AAA é composta por:


dor abdominal ou em flanco/dorso, hipotensão e
massa abdominal pulsátil. Nem sempre observamos
todos esses sinais juntos.
Um AAA roto pode ficar tamponado por algumas
horas e até cronicamente.
O diagnóstico dos AAA é feito por exames de
imagem, sendo a angiotomografia de múltiplos
cortes finos o exame de escolha por ser
relativamente acessível, permitir a programação
cirúrgica endovascular, permitir reconstrução
tridimensional do aneurisma e avaliar órgãos
adjacentes e sua relação com a aorta.
O screening é controverso, mas, de modo geral,
indicado apenas aos pacientes do sexo masculino
com idade igual ou maior do que 65 anos e que já
tiveram histórico de tabagismo ativo em algum
momento de sua vida.
Os AAA têm indicação cirúrgica quando apresentam
diâmetro acima de 5,5 cm, crescimento acelerado
em exames de seguimento ambulatorial ou quando
são sintomáticos. Deve-se avaliar o risco e benefício
do procedimento cirúrgico levando em consideração
comorbidades ou expectativas de vida limitantes no
paciente candidato ao procedimento.

A correção cirúrgica pode ser por via aberta ou


endovascular e será determinada por características
do paciente, cirurgião e serviço. Além disso, a
localização e anatomia do aneurisma é muito
importante para essa decisão.
Todos os pacientes com AAA, operados ou não,
deverão ser seguidos de forma perene.

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Caso 50 | Atresia De Vias
Biliares (AVB)
Autor: Guilherme de Freitas Paganoti

História Clínica
L.G.F.S, masculino, atualmente com 2 meses e 18 dias
de vida, apresenta histórico de icterícia iniciada em torno
do 21º dia de vida com piora importante nas últimas 2
semanas, havia sido orientado banho de sol, mas sem
melhora do quadro. A mãe refere que, em conjunto com
a piora da icterícia, houve escurecimento da urina e, há
03 dias, notou que as fezes começaram a ficar brancas.
LGFS é o terceiro filho de pais não consanguíneos, e seus
irmãos mais velhos são saudáveis. Não há histórico
familiar para doenças hepáticas ou metabólicas. Nasceu
de parto normal, com 39 semanas gestacionais, APGAR
9/10, peso ao nascimento de 3,5kg, recebeu alta da
maternidade com a mãe, anictérico e mamando leite
materno livre demanda.

Exame Físico
Ativo e Reativo aos estímulos.
Peso: 5,100kg, comprimento 50cm.
Faces: corada, hidratada, ictérica 3+/4+, sem
esboço de dor ao exame, calmo.

Ao exame físico, apesar da icterícia visível tanto


pela esclera quanto pela coloração da pele, LGFS se
apresenta saudável, com ganho ponderal e
desenvolvimento neuropsicomotor adequados para
a idade.

Abdome levemente distendido, porém, flácido,


indolor e sem massas palpáveis. Apresenta fígado
palpável 3cm do rebordo costal direito, de
consistência levemente endurecida, contornos finos
e regulares. Baço não é palpável, mas a percussão
do espaço de Traube é maciça. Sem ascite. Não se
visualiza circulação colateral em parede abdominal.

Após a retirada das fraldas para o exame, nota-se


fezes acólicas e urina de aspecto colúrico. Não há
hérnias inguinais, genitálias e períneo sem
alterações.

Figura 1 – Acolia Fecal


Exames complementares

TGO: 356.

TGP: 251.

GGT: 890.

FA: 670.

Bilirrubina Total: 18 / Bilirrubina Direita: 16,2 /


Bilirrubina Indireta 1,8.

Albumina: 3,9.

INR: 1,09.

R: 1,01.

Fator V: 70%.

HB: 10,9.

Leucócitos: 6.000 sem desvio com predomínio de


neutrófilo.

Amônia: 20.

Solicitado para complementação diagnóstica a


Ultrassonografia de Abdome que evidenciou fígado com
ecotextura heterogênea e aumento pequeno de suas
dimensões. Pequena esplenomegalia. Presença de
triângulo fibroso ao nível do porta-hepatis e ausência de
vesícula biliar. Doppler de porta, artéria e supra-
hepáticas sem alterações. Sem ascite.
Figura 2 – Achado ultrassonográfico: triangulo fibroso (seta) e ausência de
vesícula biliar. Ramos portais representados pela seta branca.

Hipótese Diagnóstica: Atresia de Vias


Biliares

A confluência dos achados clínicos com laboratoriais e


ultrassonográficos direcionam o diagnóstico para a
atresia de vias biliares. Dos marcos clínicos, sem dúvida,
a icterícia associada a acolia fecal persistente devem
levantar a forte suspeita para esse diagnóstico.

Como paciente apresenta função hepática preservada,


não há indícios clínicos e ultrassonográficos de cirrose
avançada, a cirurgia de Kasai foi indicada para o caso.

No intra-operatório identificou-se vesicular biliar


atrésica e fibrose da via biliar extra-hepática. O fígado
era de consistência pouco endurecida e colestático. Baço
levemente aumentado com poliesplenia. A cirurgia de
derivação biliodigestiva em y-de-roux com porto-
enteroanastomose ocorreu sem intercorrências.

Figura 3 – Primeira foto mostra aspecto intraoperatório da atresia de vias


biliares (hipotrofia da vesícula biliar e fibrose da via biliar extra-hepática)
com fígado colestático. Na segunda foto evidencia o baço aumentado com
presença de baços acessórios.
Recebeu alta hospitalar no 8º dia pós-operatório, em
bom estado geral, ictérico 1+/4+, fezes coradas e
aleitamento materno exclusivo livre demanda. Na
prescrição de alta recebe sulfametoxazol-trimetron,
ursacol e prednisolona. Mantém seguimento ambulatorial
com equipe cirúrgica e hepatologia pediátrica.

Questões Para Orientar a Discussão

1. Pelo quadro clínico e associado a exames


complementares simples é possível fazer o
diagnóstico da AVB?

2. Existem fatores de risco para o desenvolvimento


dessa doença?

3. Quais os fatores de pior evolução?

4. O Tratamento Cirúrgico é sempre indicado? Como


é feito o seguimento para os casos que operam? E
para os casos em que não se indicam cirurgia,
como é feito o seguimento?

5. Todas as crianças com atresia de vias biliares vão


para transplante?

Discussão

Conceito
A atresia de vias biliares, embora seja rara, é uma das
principais doenças hepáticas cirúrgicas do recém-nascido
e a maior causa de transplante de fígado na população
pediátrica1,2.

A característica marcante desta doença é o intenso


processo de fibrose da via biliar extra-hepática levando a
cirrose biliar secundária ao acúmulo de bile no fígado1,2.

Por ser uma doença obstrutiva de via biliar, as


manifestações clínicas iniciais são típicas das colestases.
Icterícia com predomínio da bilirrubina conjugada,
associada a colúria e acolia fecal estão presentes, com
certa frequência, desde o início do quadro. Entretanto, o
principal marco clínico das icterícias neonatais, que deve
levantar fortemente a suspeita de atresia de via biliares
é, sem dúvida, a acolia fecal1,2.

O diagnóstico precoce é fundamental para a indicação


cirúrgica e deve, sempre que possível, ser feito antes das
12 semanas de vida. Após este período existe maior
chance de já ter instalado processo irreversível de cirrose
e, desta forma, a cirurgia para drenagem da via biliar não
traria benefício1,2.

Epidemiologia

Não há predileção por etnias. A incidência mundial é


de 1:10.000 a 1:15:000 nascidos vivos. Infelizmente
sabemos que muitos pacientes pediátricos morrem de
insuficiência hepática sem que a causa seja identificada,
assim não temos em valores reais a atual situação da
atresia de vias biliares em nosso território. Estima-se
que, aproximadamente, 294 recém-nascidos
desenvolvam atresia de vias biliares no Brasil
anualmente3,4.

Ainda não foram identificados fatores de risco


gestacionais ou pós-natais que sejam claramente
implicados na maior probabilidade de desenvolvimento
da AVB na população3,4.

Patogênese

A etiologia da atresia de vias biliares ainda não está


totalmente elucidada. Sabe-se que não se configura uma
malformação congênita e que fatores imunológicos
estejam presentes no desenvolvimento desta patologia.
A teoria mais aceita atualmente é da participação de
infecções virais (e dentre os agentes se destacam os
reovírus, herpes vírus, rotavírus, papilomavírus,
citomegalovírus) com uma predisposição imunológica
mediada por HLA-B12 (além do CD4 e células NK). Desta
forma, acredita-se que a AVB seja efeito da exposição a
agentes infecciosos que desencadeiam uma resposta
inflamatória contra a via biliar extra-hepática nas
primeiras semanas de vida do recém-nascido3,4.
Toxinas e metabólitos ainda não foram
comprovadamente associados ao surgimento da atresia
de vias biliares3,4.

Diagnóstico

A história clínica de icterícia de padrão colestático nas


primeiras semanas de vida de um recém-nascido deve,
de fato, levantar a forte suspeita de atresia de vias
biliares. O principal elemento na história é a acolia fecal,
assim, todo recém-nascido que apresente este sinal deve
ser investigado exaustivamente para AVB1,2,3,4.

A complementação diagnóstica pode ser feita por


exames laboratoriais simples que mostraram icterícia de
padrão colestático às custas de hiperbilirrubinemia
direta. Elevação das transaminases, fosfatase alcalina e
gama GT são encontradas como consequências dos
efeitos deletérios do acúmulo de bilirrubina aos
hepatócitos. Alterações da função hepática como
diminuição a albumina, alargamento do tempo de
protrombina e INR costumam surgir mais tardiamente e
são marcadores de falência hepática1,2,3,4.

Ultrassonografia de abdome é um exame que pode


ser diagnóstico quando realizados por profissionais com
experiência. O achado de trígono fibroso com vesícula
biliar vazia ou atrésica, em um recém-nascido com
icterícia de padrão colestático, praticamente fecha o
diagnóstico. Tomografia de abdome, Colangiorressonacia
e cintilografia são úteis, mas exigem anestesia e, desta
forma, não são isentos de morbidade1,2,3,4.

A laparotomia exploradora é útil, pois confirma o


diagnóstico através da visualização direta da via biliar,
possibilitando a realização de cirurgia de Kasai no mesmo
ato, ou mesmo a biópsia para os casos cirróticos ou com
via biliar normal em que a dúvida persista1,2,3,4.

A biópsia hepática é o padrão ouro para o diagnóstico.


O achado de proliferação ductular com plugs de
bilirrubina fecham o diagnóstico1,2,3,4.

Tratamento

O tratamento cirúrgico é realizado assim que


confirmado o diagnóstico, e de certa forma, o quanto
antes, a fim de evitar a evolução para cirrose hepática,
classicamente antes da 12ª semana de vida. Entretanto,
para os recém-nascidos que ultrapassam essa idade,
principalmente entre a 12ª e 16ª semana, o caso ser
deve ser analisado individualmente e se não houver sinal
de cirrose a cirurgia é indicada5.

A cirurgia de Kasai consiste em uma derivação


biliodigestiva em y de roux, com anastomose da alça
intestinal diretamente no parênquima hepático do porta-
hepatis (local da confluência dos ductos biliares direito e
esquerdo, onde o processo de fibrose e atresia ocorrem
na doença)5.

Caso o recém-nascido se apresente fora da faixa


etária para a cirurgia ou tenha algum indício clínico de
cirrose hepática, a cirurgia de Kasai é contraindicada e a
criança é encaminhada para o seguimento ambulatorial
pré-transplante5.

A taxa de sucesso da cirurgia é menor que 10%, ou


seja, a maioria das crianças evoluirá para cirrose
hepática e transplante hepático em algum momento de
suas vidas. Entretanto, consideramos a cirurgia de Kasai
benéfica uma vez que prolongamos o tempo de vida para
o transplante, estando a criança mais velha e em
condições clínicas melhores, comparativamente se
indicado transplante antes do primeiro ano de vida
(tempo médio em que as crianças com AVB sem Kasai
são transplantadas)5.

Após a cirurgia de Kasai, o recém-nascido mantém


seguimento com equipe da cirurgia pediátrica e
transplante hepático. Os principais cuidados pós-
operatórios são voltados para o profilaxia dos episódios
de colangite que podem acelerar o processo de cirrose
hepática mesmo após o Kasai. De forma rotineira se
acompanha a função hepática e a formação de varizes
de esôfago, assim, ao indício de piora o transplante
hepático pode ser indicado5.
Pontos Importantes
Atresia de vias biliares é a principal causa de
transplante na população pediátrica.

Icterícia de padrão colestático no recém-nascido


deve ser investigada profundamente.
O marco clínico da AVB é a acolia fecal.

O diagnóstico pode ser feito pela clínica, associado


a exames laboratoriais simples e USG de abdome.

Tomografia, colangiorressonância e cintilografia são


úteis mais agregam morbidade à propedêutica de
investigação.
Laparotomia com avaliação direta da via biliar é
uma opção , pois possibilita o diagnóstico e
tratamento no mesmo ato operatório. Se ainda
houve dúvida possibilita a realização de biópsia
hepática.
O padrão ouro para o diagnóstico é a biópsia
hepática.
A cirurgia de Kasai deve ser feita classicamente
antes da 12ª semana de vida ou, se o recém-
nascido ultrapassar essa idade, na ausência de
sinais e sintomas de cirrose já instalados.
A taxa de sucesso do Kasai é menor que 10%, e
serve como uma ponte para o transplante.
O seguimento dos pacientes com atresia de vias
biliares deve ser feito por equipe especializada em
hepatologia e transplante hepático.

Referências
1. Tannuri, U. Doenças Cirúrgicas da Criança e do
Adolescente (Coleção Pediatria- Instituto da Criança
HC-FMUSP). Barueri, São Paulo; Manole; 2010.
2. Souza, JCK; Salle, JLP. Cirurgia Pediátrica: Teoria e
Prática. São Paulo, SP. Roca; 2007.
3. Gama-Rodrigues, Joaquim José; Machado, Marcel
Cerqueira Cesar; Rasslan, Samir. Clínica Cirúrgica.
Barueri,SP. Manole; 2008.

4. Maksoud, JG. Cirurgia Pediátrica. 2th. Tijuca,RJ.


Revinter; 2003
5. Andrade WC; Silva MM et al; Current management of
biliary atresia based on 35 years of experience at a
single center; Clinics (São Paulo); 2018 Jul 10;73:28.
Table of Contents
Capa
Créditos
Autores
Prefácio
Estrutura dos casos
Sumário
Caso 01 | Doença do refluxo gastroesofágico
História clínica
Exame físico de admissão
1ª Hipótese diagnóstica
Evolução do caso
2ª Hipótese diagnóstica
Discussão
Tratamento
Pontos importantes
Referências
Caso 02 | Acalasia
História clínica
Exame físico
Exames complementares
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Tratamento
Discussão
Outros tratamentos
Pontos importantes
Referências
Caso 03 | Carcinoma de Esôfago
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 04 | Câncer Gástrico
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Diagnóstico e conduta
Discussão
Tratamento
Pontos importantes
Referências
Caso 05 | Bypass Gástrico X Gastrectomia Vertical no
tratamento cirúrgico da obesidade mórbida
História clínica
Exame físico
Exames laboratoriais
Exames de imagem
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 06 | Complicações precoces após cirurgia
bariátrica
História clínica
Exame físico de admissão
Atendimento inicial
Exames complementares
Tratamento definitivo
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 07 | Metástase hepática de câncer colorretal
História clínica
Exame físico
Hipótese diagnóstica
Conduta
Seguimento
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 08 | Nódulo hepático benigno
História clínica
Exame físico
Exames complementares (valores de referência)
Hipótese diagnóstica
Conduta e evolução
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 09 | Cirrose Carcinoma Hepatocelular
História clínica
Exame físico de admissão
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 10 | Câncer de Cólon
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 11 | Neoplasia Maligna do Reto
Caso 1
Exame físico
Exames laboratoriais
Exame físico
Exames laboratoriais
Conduta
Caso 2
Exame físico
Exames complementares
Conduta e seguimento
Exame físico
Retossigmoidoscopia flexível
Ressonância magnética
Conduta
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 12 | Doença hemorroidária
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 13 | Fissura anal
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 14 | Retocolite Ulcerativa
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 15 | Doença de Crohn
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Seguimento
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 16 | Hérnia inguinal e femural
História clínica
Exame físico de admissão
Prosseguimento do caso
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 17 | Hérnia incisional
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 18 | Manejo de Via Aérea no Trauma
História Clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 19 | Trauma Torácico
História clínica
Exame físico
Condutas tomadas durante o atendimento inicial
Achados intraoperatórios
Exames complementares
Discussão
Tipos de lesões
Pontos importantes
Referências
Caso 20 | Trauma Abdominal Contuso
História clínica
Exame físico de admissão
Condutas iniciais na sala de trauma
Evolução
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 21 | Trauma de pelve
História clínica
Atendimento inicial
Exames laboratoriais
Exames de imagem
Diagnóstico
Discussão
Diagnóstico
Tratamento
Pontos importantes
Referências
Caso 22 | Choque no Trauma
História clínica
Atendimento sistematizado
Avaliação secundária:
Exames laboratoriais
Exames de imagem
Prosseguimento do caso
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 23 | Traumatismo Cranioencefálico
História clínica
Exame físico
Exames complementares
Hipótese Diagnóstica
Discussão
Tratamento
Pontos importantes
Caso 2
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Caso 3
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Caso 4
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 24 | Cirurgia de Controle de Danos (‘Damage
Control Surgery’)
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso
Exames complementares
Hipóteses diagnósticas
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 25 | Queimadura Elétrica Grave
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Conduta
Pontos de discussão
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 26 | Abdome agudo: obstrução intestinal por
bridas
História clínica
Exame físico de admissão
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Discussão
Tratamento
Pontos importantes
Referências
Caso 27 | Apendicite
História clínica
Exame físico de admissão
Atendimento inicial
Exames complementares
Tratamento definitivo
Discussão
Diagnóstico
Pontos importantes
Referências
Caso 28 | Abdome agudo vascular
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 29 | Abdome agudo: Obstrução intestinal por
hérnia femoral estrangulada
História clínica
Exame físico de admissão
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Conduta
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 30 | Pancreatite Aguda
História Clínica
Antecedentes Pessoais
Exames laboratoriais
Exame de imagem
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 31 | Doença Diverticular e Diverticulite aguda
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Enema opaco
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 32 | Colecistite na gestante
História clínica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 33 | Coledocolitíase cirúrgica
História clínica
Exame físico de admissão
Discussão
Tratamento
Estratificação de risco e manejo da
coledocolitíase
Pontos importantes
Referências
Caso 34 | Colangite Aguda e CPRE
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 35 | Hemorragia Digestiva Alta
História clínica
Exame físico de admissão
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames laboratoriais
Endoscopia digestiva alta (eda)
Hipótese diagnóstica
Condutas
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 36 | Litíase urinária
História clínica
Exame físico de admissão
Exames complementares
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Discussão litíase urinária
Pontos importantes
Referências
Caso 37 | Neoplasia de Próstata
História clínica
Exame físico
Exames complementares
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 38 | Neoplasia Renal
História clínica
Exame físico
Exames complementares
Achado de maior relevância na TC de abdome e
pelve
Outros achados na TC
Discussão
Diagnóstico
Pontos importantes
Referências
Caso 39 | Epididimite
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 40 | Torção de testículo
História clínica
Exame físico
Exames complementares
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 41 | Tireoide
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Condução do caso
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 42 | Carcinoma Espinocelular de Cabeça e
Pescoço
História Clínica
Exame físico
Evolução
Discussão
Pontos importantes
Pontos importantes no CEC de laringe
Referências:
Caso 43 | Diagnóstico Diferencial das Massas
Cervicais
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 44 | Queimaduras e Enxertos de Pele
História clínica
Exame físico
Atendimento primário
Exames complementares
Tratamento definitivo
Discussão
Classificação das queimaduras quanto à origem
Diagnóstico
Tratamento clínico
Tratamento cirúrgico
Pontos importantes
Referências
Caso 45 | Reconstrução de Feridas Complexas com
Retalhos
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 46 | Trombose Venosa Profunda
História clínica
Exame físico de admissão
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 47 | Obstrução Arterial Aguda
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 48 | Obstrução Arterial Crônica
História clínica
Exame físico de admissão
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 49 | Aneurisma de Aorta
História clínica
Exame físico
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Exames complementares
Hipótese diagnóstica
Discussão
Pontos importantes
Referências
Caso 50 | Atresia de Vias Biliares (AVB)
História Clínica
Exame Físico
Discussão
Pontos importantes
Referências

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