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fruticultura

BREVE CARACTERIZAÇÃO DO
PORTA-ENXERTO ‘GOU TOU’ E A SUA
ADEQUAÇÃO À CITRICULTURA PORTUGUESA
Adélia Reis1, Amílcar Duarte 1,2
1FCT - Universidade do Algarve (UAlg)
2Instituto Mediterrâneo para a Agricultura,
Ambiente e Desenvolvimento (MED)

RESUMO
Os porta-enxertos predominantes hoje na
bacia do Mediterrâneo são as citranjeiras,
sobretudo a ‘Carrizo’. A laranjeira ‘Gou
Tou’ é considerada um híbrido natural
de laranjeira azeda e é um dos porta-en-
xertos mais comuns na China. Este híbri-
do pode contribuir para a diversificação
dos porta-enxertos usados em Portugal e
em países vizinhos. Parece ser tolerante à
Tristeza, cresce bem em solos calcários, é
tolerante à salinidade e à seca. O seu efei-
to sobre a produtividade e a qualidade do
fruto devem ser estudados.
FIGURA 1. Frutos de laranjeira ‘Gou Tou’ B7.
Palavras-chave: Citrinos,
Citrus aurantium, Clorose férrica, ferior. A utilização de porta-enxertos que Os problemas fitossanitários que vão sur-
Qualidade do fruto, Salinidade. se adaptem aos diferentes tipos de solos gindo e a exigência de elevada produti-
permite adequar a cultura dos citrinos a vidade dos pomares e boa qualidade da
ABSTRACT zonas com condições edáficas menos fa- fruta fazem com que seja necessário en-
The predominant rootstocks today in the voráveis. Os porta-enxertos devem ser se- contrar novos porta-enxertos que per-
Mediterranean basin are the citranges, lecionados, de acordo com as caraterísti- mitam alcançar esses objetivos, evitando
especially the ‘Carrizo’. The citrus tree cas do solo e da variedade a instalar, bem situações em que um deles seja absoluta-
‘Gou Tou’ is considered a natural hy- como do seu grau de resistência a fisiopa- mente predominante (Duarte, 2012). Um
brid of sour orange and is one of the most tias dominantes (clorose férrica), devendo dos porta-enxertos que tem despertado
common rootstocks in China. This hy- ainda ter boa resistência/tolerância a mi- algum interesse e que tem sido usado em
brid can contribute to the diversification crorganismos do solo (Cavaco, 2005). Portugal é a laranjeira ‘Gou Tou’ (Figu-
of the rootstocks used in Portugal and in Hoje, na região do Mediterrâneo uma ra 1). O objetivo deste artigo é sintetizar
neighboring countries. It seems to be tol- parte considerável dos citrinos, estão en- as caraterísticas deste porta-enxerto, des-
erant to the Tristeza disease, it grows well xertados sobre porta-enxertos toleran- critas em diversos trabalhos, e perceber se
on calcareous soils, it is tolerant to salin- tes à Tristeza dos citrinos, doença pro- ele tem caraterísticas que tornem viável a
ity and drought. Its effect on fruit yield vocada pelo Citrus tristeza virus – CTV, sua utilização de forma mais massiva, no
and quality must be studied. mais concretamente sobre as citranjei- Algarve ou noutras regiões do país.
ras ‘Troyer’ e ‘Carrizo’, que nem sem-
Keywords: Citrus, Citrus aurantium, pre se mostram adequadas às condições DO QUE SE TRATA?
Ferric chlorosis, Fruit quality, Salinity. edafoclimáticas existentes (Pinto et al., Trata-se de um porta-enxerto, também co-
2005). Quando a presença de sais é eleva- nhecido como Goutoucheng (Citrus x au-
INTRODUÇÃO da no solo ou na água de rega, a tangeri- rantium ‘Gou Tou’), sendo um dos mais
O Algarve á a principal região produto- neira Cleópatra, costuma ser uma alter- comuns na China e no sudeste da Ásia.
ra de citrinos em Portugal, apresentando nativa a considerar (Duarte, 2012). Citrus Apesar da sua similaridade com a laran-
condições edafoclimáticas caraterísticas, volkameriana e C. macrophylla também jeira azeda, não se trata de uma verdadei-
nomeadamente, solos com elevado teor têm sido amplamente usados como por- ra laranjeira azeda, mas de um híbrido na-
de calcário. A salinidade é também um ta-enxertos e a laranjeira azeda continua tural originário da província de Zhejiang,
problema frequente, sobretudo nos pe- a ser usada em Portugal, devido às suas na China (Mares et al., 2007), de progeni-
ríodos de seca prolongada, em que se tor- boas características agronómicas, apesar tores desconhecidos, no qual estão envol-
na necessário usar água de qualidade in- da sua suscetibilidade à Tristeza. vidos, possivelmente, a laranjeira azeda,

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a tangerineira e a toranjeira (Castle et al., EFEITO SOBRE A
1992). Em relação à sua origem, Herrero PRODUTIVIDADE E
et al (1996), referem que são evidentes al- QUALIDADE DO FRUTO
gumas diferenças notáveis em relação à la- Quanto à produtividade, num estudo de
ranjeira azeda, nomeadamente a presença Pompeu et al. (2014), observou-se que as
do alelo Pgi-2.4 e, principalmente, a homo- laranjeiras ‘Pêra’ enxertadas sobre ‘Gou
zigose do alelo Got-2.14. Pgi-2.4 é um ale- Tou’ (Figura 3) foram as menos produ-
lo comum nos citrinos, mas o Got-2.14 tem tivas, na maioria das colheitas, mas não
uma distribuição muito restrita, observan- exibiram deficiências nutricionais ou
do-se apenas em Citrus bergamia, C. gran- outros sintomas que pudessem ser atri-
dis, C. limettioides e C. hyxtris, mas não em buídos à suscetibilidade ao CTV dos ci-
C. auriantium. Logo, qualquer uma delas trinos. Estes resultados foram obtidos
pode estar envolvida na origem de ‘Gou no Brasil, em clima bastante diferente do
Tou’. Dada a ampla distribuição, C. gran- nosso. No entanto, Castle et al. (1992),
dis é um candidato muito provável. também verificou que as laranjeiras ‘Ha-
Na China, é utilizado como porta-en- mlin’, ‘Ruby’ e ‘Valencia Late’, quando en-
xerto, principalmente de laranjeira doce xertadas sobre ‘Gou Tou’, eram menos
e tangerineira, devido à sua boa resistên- produtivas. Em Portugal, nos poucos ca-
cia a algumas doenças e boa tolerância a FIGURA 2. Porta-enxertos ‘Gou Tou’ em viveiro. sos que conhecemos de utilização da la-
fatores abióticos pouco favoráveis (Mares ranjeira ‘Gou Tou’ como porta-enxertos,
et al., 2007). Relativamente à salinidade, apresentou ní- a produtividade parece ser inferior à das
Morfologicamente caracteriza-se por veis de tolerância à salinidade da água de árvores enxertadas sobre laranjeira azeda.
ter: uma copa densa; presença ou não de rega de 4,8 dS/m (Pinto et al., 2000). Em Legua et al. (2011), também refe-
espinhos; pecíolo médio e alado (Figu- Pinto et al. (2005) e Cimen et al. (2016), rem que os citrinos de menor rendimen-
ras 2 e 3); frutos pequenos, achatados, pode também verificar-se, que a Laranjei- to foram os enxertadas sobre ‘Gou Tou’.
com muitas sementes, sem umbigo e com ra Azeda Gou Tou B7 e Gou Tou SRA 506, Quanto à qualidade do fruto, observa-
casca grossa. A cor do fruto é amarelada, respetivamente, eram dos porta-enxertos ram-se frutos de menor calibre e com
muito semelhante à da toranja (Figura 1). estudados, os mais tolerantes à salinidade. menor teor de sólidos solúveis e maior
O sabor é ácido, com conotação de limão Quanto à adaptação a solos calcários, Le- quantidade de ácidos (Mares et al, 2007).
(Citruspages, 2019). gua et al. (2011), num estudo em Espanha
(Alicante), em solos com pH 8,5 refere que TOLERÂNCIA
TOLERÂNCIA A FATORES ‘Gou Tou’ foi um dos porta-enxertos mais A PRAGAS E DOENÇAS
ABIÓTICOS DESFAVORÁVEIS vigorosos para a laranjeira ‘Lane Late’ em Van Vuuren et al. (1991) avaliaram o por-
Estudar a adaptação de um novo porta- solos pesados e calcários. Também Mares ta-enxerto ‘Gou Tou’ quanto à tolerância
-enxerto às diferentes condições edáfi- et al. (2007) e Cimen et al. (2016) salien- ao nemátodo cítrico Tylenchulus semipene-
cas é um processo moroso e que envol- tam esta tolerância aos solos calcários. trans, à Phytophthora nicotianae var. para-
ve muitos recursos. Foram analisados os sitica, à P. citrophthora e ao vírus da Triste-
resultados obtidos num ensaio instalado «Na China, é utilizado za (CTV) em estudos realizados em estufa
em Tavira, no Centro de Experimentação como porta-enxerto, e em campo. As plantas apresentaram ele-
Agrária, referidos por Pinto et al. (2005), principalmente de laranjeira vados níveis de tolerância a P. nicotianae
bem como os resultados obtidos por Pin- doce e tangerineira, devido var. parasitica e a P. citrophthora, isolada-
to et al. (2000), num estudo realizado na à sua boa resistência a mente ou em combinação com T. semipe-
Direção Regional de Agricultura do Al- algumas doenças e boa netrans. As raízes de ‘Gou Tou’ suporta-
garve (DRAAG), em estufa. Em ambos os tolerância a fatores abióticos ram níveis muito elevados de nemátodos
ensaios, foi testado o comportamento do pouco favoráveis» no solo. Os dados do estudo indicaram que
porta-enxerto Laranjeira Azeda Gou Tou ‘Gou Tou’ é tolerante ao CTV e não resis-
B7, em diferentes concentrações salinas. tente. Estes resultados foram confirmados
Nos resultados obtidos por Pinto et al. em Espanha (Moreno et al., 1993). Pare-
(2000), em viveiro e em plantas jovens, ob- ce assim que este porta-enxerto poderá ser
servou-se que o ‘Gou Tou’ apresentou um útil em situações em que várias doenças
desenvolvimento superior (altura e diâme- problemáticas possam surgir nos citrinos.
tro) relativamente ao controlo existente (ci- Os resultados obtidos pelos diversos
tranjeira). Castle et al. (1992) verificou que investigadores carecem de estudo mais
em campo, árvores enxertadas sobre este detalhado para a região, sendo promis-
porta-enxerto eram também mais vigoro- sores sobre a possibilidade de utilização
sas. Constatou ainda que árvores de ‘Valen- deste porta-enxerto. No entanto, as inves-
cia Late’ enxertadas sobre ‘Gou Tou’ eram tigações sobre a adaptação de novos por-
mais vigorosas que quando enxertadas so- ta-enxertos numa região são muito demo-
bre laranjeira azeda (Citrus aurantium). FIGURA 3. Pormenor de ramo de laranjeira ‘Gou Tou’. radas, podendo prolongar-se por mais de

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dez anos, o que torna todo o processo bas- de menor calibre e com menor teor de só- of ‘Lane Late’ navel orange on four citrus root-
tante oneroso e mais difícil de concretizar. lidos solúveis, sendo aconselhável conti- stocks. Spanish Journal of Agricultural Research,
[S.l.], v. 9, n. 1, p. 271-279. doi:http://dx.doi.
Por outro lado, uma utilização massiva, nuar a estudá-lo quanto à sua compatibi- org/10.5424/sjar/20110901-172-10.
sem o conhecimento da adaptabilidade lidade com as cultivares enxertadas e ao Mares, M. T.; Bellver, R.; Villalba, D.; Gavilá, L. &
deste porta-enxertos às condições do nos- seu comportamento em Portugal. Méndez, J.V. 2007. Resultados de experiencias
con los patrones de cítricos “Gou Tou”, manda-
so país podem eventualmente conduzir a rino “Cleopatra” y los citranges “Carrizo”, C-35
prejuízos por parte dos citricultores. BIBLIOGRAFIA y C-32, Levante Agrícola, 386: 224-233.
Castle, W. S., Pelosi, R. R., Youtsey, C. O., Gmit- Moreno, P., Piquer, J., Pina, J. A., Juárez, J., Carbo-
ter, F.G., Lee, R. F., Powell, C.A. & Hu, X.,1992, nell, E. & Navarro, L. 1993. Preliminary Data
«Por outro lado, uma utilização Rootstocks similar to sour orange for Florida cit- on Tolerance of Gou Tou Orange to Tristeza in
massiva, sem o conhecimento rus trees, University of Florida, IFAS, Proc. Fla. Spain. Proceedings of International Organiza-
da adaptabilidade deste porta- State Hort. Soc. 105:56-60. tion of Citrus Virologists, 12: 78 – 83.
Cavaco, Miriam e Calouro, Fátima, 2005, Produção Pompeu Júnior, Jorgino & Blumer, Silvia, 2014, Híbri-
‑enxertos às condições do nosso integrada da cultura de citrinos, Direção Geral dos de trifoliata como porta-enxertos para laranjei-
país podem eventualmente de Proteção de Culturas. ra Pêra. Pesqui. Agropecu. Trop., 44(1): 09-14. http://
conduzir a prejuízos por Cimen, B., Yesiloglu, T., 2016, Rootstock Bree- dx.doi.org/10.1590/S1983-40632014000100007.
ding for Abiotic Stress Tolerance in Citrus. Em: Pinto, J.M.; Cipriano, A.; Duarte, A.; Beltão, J. &
parte dos citricultores» Shanker, A.K. & Shanker, C. (eds) Abiotic and Mariano, J., 2000, Resposta à salinidade de por-
Biotic Stress in Plants - Recent Advances and Fu- ta-enxertos tolerantes à tristeza dos citrinos. Li-
CONCLUSÃO ture Perspectives, InTech, Croatia pp.521-563. vro de actas do Congresso Nacional de Citricul-
http://dx.doi.org/10.5772/62047. tura, Universidade do Algarve, Faro: 311-317.
De uma breve análise de estudos reali- Duarte, A. M. M. 2012. Breves notas sobre a citri- Pinto, J. M.; Duarte, A.; Tomás, J. C.; Candeias, M.
zados sobre a utilização do porta-enxer- cultura portuguesa. Agrotec, 3: 40-44. http://hdl. F. & Beltrão, J., 2005, Avaliação do comporta-
to ‘Gou Tou’, conclui-se que este parece handle.net/10400.1/2775. mento agronómico de porta-enxertos toleran-
apresentar alguma tolerância à salinida- Herrero, R., Asíns, M.J., Carboneli, E.A., Navarro, tes à tristeza dos citrinos. Actas Portuguesas de
L., 1996, Genetic diversity in the orange sub- Horticultura, 6(2): 261-267. http://hdl.handle.
de, à seca, tem comportamento vigoroso family Aurantioideae. I. Intraspecies and in- net/10400.1/10379.
em solos calcários, apresenta tolerância tragenus genetic variability. Theoretical and Van Vuuren, S. P., Greech, N. M. & Collins, R. P.,
ao CTV e à Phytophthora spp., no entan- Applied Genetics, 92(5):599-609. https://doi. 1991, Reaction of Gou Tou orange to the citrus
org/10.1007/BF00224564. nematode, Phytophthora and citrus tristeza vi-
to, as árvores enxertadas sobre ele apre- Legua, P., Bellver, R., Forner, J. & Forner-Giner, rus. Proceedings of International Organization
sentam menor rendimento, com frutos A., 2011, Plant growth, yield and fruit quality of Citrus Virologists, 11: 128 – 134.

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