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nome
Campo Grande
Mato Grosso do Sul
2009
Primeira edição
A trajetória de um
nome
Essa obra ainda não está completa. Como a digitalização de documentação histórica e registros não é uma
prática comum no Brasil, torna o trabalho de pesquisa muito árduo e com muitas lacunas nas informações
encontradas.
Se você conhece algum fato interessante que deveria constar aqui, alguma parte da genealogia que não
está descrita ou achar que alguma informação está equivocada, entre em contato conosco para que possamos atualizá-la.
Trata-se de uma obra viva, e quanto mais pessoas participarem dela, mais valor terá.
Formas de contato:
Arquivos pessoais de Alfredo Malta Gonçalves; Flávio Marçolla Lott; Alison Drummond Lott e Izabel Marina
Prado Lott; Moacyr Magalhães Lott, Ricardo Lott e Stella Lott (mais informações sobre a vida de Nair Andrade
de Magalhães Lott podem ser obtidas coma a Stella, autora do livro “Lembranças de Nair”.
O Brasão da Família
ESCUDO
Dois cavalos de pata para o alto, prateados, sobre fundo verde
CÚPULA
Uma cabeça de cavalo, patinado em prata.
DIVISA • LEMA
Ação e Responsabilidade
LOTT. Bat.
“O filho do Lott”
Todas as minhas instâncias provêm das comunidades do sudeste.
Provavelmente um imigrante dos Países Baixos.
Como Abraão era comum, parece que Lott também o seja.
A história, sendo atrativa, seria conhecida dos aldeões.
As personagens principais do Velho Testamento como do Novo
foram utilizadas na origem.
BRASÃO
Este Brasão é predicado nas informações fornecidas e baseadas
nas seguintes autoridades:
“Armorial Americano de Bolton”, 1927.
“Virkus. Compêndio de Genealogia Americana”, volume V, p. 204
“Bardsley — Sobrenomes Ingleses e Galenses”, 1901, p. 495.
A Apresentação
O velho ditado “as coisas boas acontecem na hora certa” tem sua
comprovação com este livro (sem nenhuma pretensão de ser um livro,
por tratar-se de uma obra aberta, que receberá atualizações).
Durante toda a sua vida — pelo que conhecemos e por relatos do nosso
pai —, dedicou-se a causas sociais e humanitárias, ações que
desenvolve até hoje. Um homem de bem, de “Ação e Responsabilidade”.
Um autêntico Lott.
19 Os Lott na América
41 Lott City
42 Lott no Canadá
45 Lott no Brasil
66 Família Andrade
A Anexos
Marechal Lott
Casarão de Sítio
Civilização Celta
Ilha de Avalon
O mito de Merlin
A lenda de Papai Noel
A A origem do nome Lott
Até onde se sabe, a família Lott é oriunda do Reino Unido
(Inglaterra), mas isso é um tanto incerto, pois alguns relatos citam que teriam
vindo das “terras baixas” (hoje a Holanda) e como Lott significaria “Filho de Lot”
(o Lot da Bíblia, que acompanhando Abraão, saíra em busca de Canaã), tudo
indica que teriam sua origem nas comunidades do sudeste, como narra os
dizeres atrás do brasão (que consta no livro “Marechal Henrique Lott”, de 1960,
Rio de Janeiro, por major Joffre Gomes da Costa.), reeditado neste volume
(“...todas as minhas instâncias provêm das comunidades do sudeste”). Mas,
historicamente falando, a cultura e a genealogia dos Lott como nós a
conhecemos hoje, teve início realmente no Reino Unido. Uma vez que Edward
Lott — pai de Edward Willian Jacobson Lott, nasceu em Exeter, cidade de Devon,
na atual Inglaterra, e provavelmente descendente de uma linhagem da família
que teria migrado dos países baixos (Holanda) para o Reino Unido.
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O primeiro Lott que se tem notícia no Brasil teria sido Edward William
Jacobson Lott, filho de Herman Lott, coronel do exército britânico, que, por não
ter conseguido ingressar nas forças armadas devido à sua baixa estatura, teria
interrompido seus estudos na Europa e vindo para o Brasil, para iniciar atividades
na mineração (ver capítulo: Lott no Brasil).
N Nederlands - O Berço da
Família Lott
Nederlands ou Reino Unido dos Países Baixos, também conhecido
popularmente como Holanda, está situado no noroeste da Europa e tem uma
superfície de 41.526 Km². Limita-se ao norte e oeste com o Mar do Norte, leste
com a Alemanha e ao sul com a Bélgica. Além do território europeu, o Reino
Unido dos Países Baixos, compreendem as Antilhas Holandesas. Seus habitantes
se denominam holandeses ou neerlandeses.
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de Nederlands, rompendo a uniformidade da paisagem holandesa.
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território, que, com a grande invasão dos anos 406 e 407, puseram fim à
ocupação romana.
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No ano de 925, os Países Baixos foram incluídos no reino germânico,
mas o enfraquecimento dos vínculos entre os senhores feudais e a Coroa
contribuem para aumentar a independência dos territórios holandeses ao longo
da Idade Média. As cidades flamengas começaram a crescer e a economia
mercantil se desenvolveu rapidamente.
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O Os Lott na América
No século XVII, parte da família migrou para a América, para a região
que hoje compreende “New York” e “Long Island”. Englebret Lott, nascido por
volta do ano de 1600 da Era Cristã, em Ruinenvold, (região de Drenthe,
Nederlands), teria sido o primeiro Lott a migrar para a América, em 1652,
trazendo consigo sua esposa, Sarah Mrs Lott e seus três filhos, Peter Lott
(nascido em 1626), Bartel Engelbertszen Lott (nascido em 1630) e Mary Lott
(nascida em 1631), e foram morar em “Nieuw Amsterdam” (Nova Amsterdam)
que mais tarde se tornaria Nova York, devido à pressão britânica.
Nieuw Amsterdam
19
abril de 1745. Eles tiveram oito filhos (Jurrien Lott, Johannes Lott Jr.,
Christopher Lott, Hendrick Lott, Ann Lott, Jane Lott, Catalina Lott e Antje
Lott). Johannes E. Lott realizou importantes trabalhos nas guerras na França
e Índia, e sua esposa, Jannetje Probasco, era patriota e levantou fundos para
financiar as causas da independência. Johannes faleceu em 25 de janeiro de
1792, em Nova Lott, cidade fundada por eles (ver capítulo: Lott City, Co. Falls,
TEXAS). Sua viúva, Jannetje, permaneceu na casa até sua morte, em 28 de
outubro de 1802. De acordo com a sua vontade (de 10 de novembro de 1788),
a fazenda e a casa passaram igualmente a seus quatro filhos, Christopher,
Hendrick, Johannes e Jurrien.
Henry DeWitt Lott casou-se com Anna Bennett e tiveram 3 filhos. Até
1910, os três filhos ainda moravam na Casa dos Lott. John Bennett Lott e sua
família, juntamente com seu irmão solteiro George Lott, em uma parte da casa, e
Mrs. Andrew Suydam, casado com Jennie Maria Lott, e sua família, na outra parte
da casa. Após falecimento de John Bennett Lott, sua irmã Jennie, comprou o
restante da casa da viúva Phoebe Voorhees Lott, em 1923, e continuou morando
lá. Mrs. Suydam morreu em 1952.
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As filhas de Jennie Suydam Lott , Anna Bennett Suydam Lott e Ella
Suydam Lott, moraram juntas na casa. Anna tinha se casado com Charles R.
Kluth, no dia 30 de janeiro de 1917, e tiveram duas crianças. Ella Lott nunca se
casou e morreu dentro da casa, em 1989.
Em 1996, foi iniciado um projeto de restauração da Casa dos Lott. Em
2002, a propriedade é vendida pela família ao governo de NY, que a tomba como
patrimônio histórico.
Hoje (2009), a neta de John Bennett Lott, Catherine Lott, está trabalhando
para levantar fundos e restabelecer o Domicílio dos Lott, onde seu pai, John
Voorhees Lott cresceu. (ver capitulo sobre a Lott House).
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certeza, espalharam-se pelo continente.
Outro Lott que foi para o já então Estados Unidos da América foi Lott
Russon, filho de Thomas Russon e Sarah Davis. Ele nasceu em 1° de janeiro de
1828, foi para NY onde pegou um trem em direção à Utah, fixando-se com a
família. Mas, essa história vale a pena ser contada à parte (ver capítulo: Lott
Russon e Família).
Lott House
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Testamento de Johannes E. Lott, deixando a propriedade para seus
quatro filhos homens.
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L Lott’s House. Um marco de
Nova York
Em 1996, começa um projeto de restauração da Casa dos Lott, e,
após insistentes propostas, a família vende a casa para a prefeitura de New York,
no ano de 2002. Hoje (2009), a neta de John Bennett Lott, Catherine Lott, é
responsável por levantar fundos e tentar restabelecer o Domicílio dos Lott, onde
seu pai John Voorhees Lott, cresceu.
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L Lott’s House. Um marco de
Nova York
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L Lott’s House. Um marco de
Nova York
Quartos da casa
Sótao da casa
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L Lott’s House. Um marco de
Nova York
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L Lott’s House. Um marco de
Nova York
Recortes de jornais e revistas, sobre a importância do tombamento
e das decobertas do passado na casa.
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L Lott’s House. Um marco de
Nova York
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L Lott’s House. Um marco de
Nova York
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L Lott Russon e família
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”Estávamos terminnado uma milha e tínhamos que ir em nossas mãos e joelhos.
Íamos rapidamente até que me vi sem poder me mexer e sem luz alguma... O que
fazer que eu não soube. Por horas eu estava rezando a Deus para pôr em minha
cabeça uma ideia que me tirasse dali. De fato surgiu um plano em minha cabeça.
Nós usávamos pequenos e redondos bonés e o espírito de Deus pois em minha
mente pegar meu boné e recolher a terra dentro dele. Trabalhado com meu boné
durante horas, Deus ouviu nossas orações e nós chegamos ao fundo da cova
aproximadamente seis horas depois. Os homens não souberam o que tinha
acontecido a nós. Eles nunca entrariam lá novamente”.
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comecei a chamar Deus, em oração solene, perguntando-Lhe se de fato havia a
“Igreja de Deus”. Eu não tinha rezado muito tempo, quando uma luz surge do céu
ao meu redor, e ouvi dentro de mim uma voz que dizia que a bíblia estava aberta
diante de mim e eu poderia entendê-la. Essa luz me acompanhou por uma milha.
Chegando em casa, contei tudo para Eliza, e nesta noite não consegui dormir,
virando para o lado e pensando em tudo. Na manhã seguinte corri à casa de
mamãe, satisfeito, e achando que ela adoraria saber das notícias gloriosas que eu
havia recebido dos céus. Mas não, fiquei desapontado. E Deus me presenteou
com um testemunho glorioso, que eu estaria comprometido ao Reino de Deus. Em
seguida, fui batizado e uma idéia me tomou a cabeça; ir para Utah”.
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novamente Deus me preservou do fogo”.
Mas, diante do apelo de sua esposa, realmente ele nunca mais vestiu
suas calças para trabalhar nas minas.“Na semana seguinte fomos à casa de
minha irmã e minha mãe, para nos despedir, e quando ela me abraçou e chorou,
no auge de seus 78 anos; me senti muito mal”( Sarah, mãe de Lott, faleceu logo
após sua partida).
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Annie, era a mais debilitada. Após comprar alguma comida de anciões, levei para
ela, que tornou a comer, mas estava muito doente. Tivemos apenas dois dias
bons, dos 16 dias de viagem. Os tripulantes diziam que nunca tinham visto o mar
tão revolto, e éramos proibidos de subir ao convés, mas as crianças choravam por
água e então eu subi. Mas, estando mais perto, vi a real situação, quando vi uma
montanha de água que me jogou desmaiado na lateral do navio, nem sei por
quanto tempo. Quando acordei, consegui ir agachado até a bomba e enfim enchi
minhas garrafas com água e voltei para baixo. Em um segundo momento, quando
subi ao convés, um forte vento me arrancou do navio e me jogou ao mar, de onde
sai com muito custo e com a ajuda de tripulantes do navio. Depois disso desci e
comentei com Sarah, que era muito arriscado subir com o mar revolto e que era
mais prudente sofrer com a sede. Para piorar, nosso navio foi dado como perdido
e um outro barco saiu a nossa procura, vindo de NY, e demorou 3 dias para nos
encontrar. Curiosamente, o comandante do barco chegou para minha esposa e
disse: — “Senhora, quando você vai com sua família para Utah? Por que, eles têm
um profeta em seu navio." Ela respondeu, “Bem, se todos pensam como eu, só
esperamos a hora de baixarem as portas e nos vermos livres”. O então
comandante não disse mas nenhuma palavra e em dois dias vimos terra firme.
Desembarcamos em “Castle Gardens” e agradecemos a Deus por todos terem
chegado em segurança e bem, alegres por nossas vidas estarem seguras”.
Em NY, eles pegaram um trem para Salt Lake City, Utah, e essa
viagem não foi menos sofrida, pois a cada parada rápida, Lott tinha que descer
do trem, procurar comida e o que precisavam e voltar para o trem. Uma certa vez,
ele não encontrou o que precisava e na mesma hora em que ouviu o apito do
trem correu, até mesmo sem seu chapéu, e pegou o trem em movimento, sem
comprar nada, e seriam mais 7 dias até Salt Lake City, isto em 1871. Chegando
em Salt Lake City, foram à casa de Nebecker; “onde nos ofereceram uma bela
ceia e encontramos nossa filha mais velha, Charlotte”, que havia se casado bem
com o filho de Nebecker. “Ficamos felizes, pois ela havia feito a travessia alguns
semestres antes, em 1869, quando foram completadas as estradas de ferro e não
tinha nenhum parente em Utah”. Ela estava inicialmente em Ogden, quando o
filho de Nebecker lhe pergunta “É da Inglaterra e irmã dos Russon?” Ela diz que
sim, e que estava à procura de algum conhecido, quando recebe como resposta
“este sou eu”, e foram juntos para Lehi, em viagem longa, por não haver ainda
a ferrovia. Nebecker conheceu os Russon na Inglaterra, em uma ocasião que
estava lá como missionário. “Depois que nossa filha mais velha veio, Deus abriu
os caminhos para nós, agradeço à Deus por isso”, diz Lott. Quando chegaram a
Lehi, os Lott moraram um tempo com Charlotte e seu marido, Elisha Peck, em
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uma pequena casa, até o nascimento de seu primeiro filho, e primeiro neto de
Lott e Sarah.
Por incrível que pareça, mais uma vez a vida de Lott esteve à prova,
deta vez em Lehi, como ele conta em relato:
Pelo relato acima, podemos supor que Lott e a família foram trabalhar
na fazenda, e entraram para a igreja de seu patrão, ganhando respeito e
confiança, pela eficiência e dedicação no trabalho, além de uma postura
exemplar. Em 1876, Lott foi chamado para ser presidente do “Quórum dos
Anciões” e professor, até março de 1895, quando perde a audição e fica
impossibilitado das funções.“Minhas crianças tiveram que escrever em papel tudo
que eles queriam saber. Eu nunca esquecerei isto”.
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muito jovens para isso, e mesmo meu filho Joseph F. Russon, que estava em
Provo, na escola e nós não lhe falamos a respeito, ficou sabendo e fez o mesmo.
Todos vieram para casa rezar na mesa, eu levantei e disse:“Meus caros amigos,
vocês fizeram tudo que Deus esperava de vocês, mas mesmo assim pode ser que
nunca mais eu ouça novamente”. E na manhã seguinte eu estava ouvindo. Minha
esposa falou comigo e choramos de emoção”.
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L Lott City, Co. Falls, Texas
LOTT, TEXAS (Falls County). Lott está nos Estados Unidos da
América, na Rota 77, nove milhas a noroeste de Rosebud. A Companhia Texas
Townsite comprou as terras em 1889. Quando foram construídas as linhas férreas
de San Antônio e Arkansas, em 1890, Lott foi fundada. A cidade foi nomeada em
homenagem à Uriah Lott, presidente da companhia férrea. A agência postal foi
aberta por determinação, em 1890, com S. J. Crump como agente postal.
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L Lott no Canadá
Foram encontrados registros de representantes da família no
Canadá, como o sargento da Força Aérea Britânica, William Lesley Lott, nascido
em Londres, no dia 9 de maio de 1917, e morto em combate, no dia 13 de
outubro de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, em Hannover, Alemanha.
Ele foi morar, não por acaso, na cidade de “London City”, Ontário, Canadá. Antes
de Willian, o coronel do exército Britânico, Herman Lott (pai de Edward Willian
Jacobson Lott), também havia lutado no Canadá, contra os franceses, por volta
de 1820, onde inclusive teve dois de seus cinco filhos: Lucy Anne Lott e Charles
Edwin Lott.
42
L Lott na Inglaterra (Reino Unido)
Segundo registros de nascimento, o primeiro Lott que se tem notícia
no Reino Unido (Ilhas Britânicas) foi John Lott (Lotte), filho de Richard Lotte e
Agnes Lott.
John Lott nasceu no ano de 1529, em Mershan, um vilarejo de Kent,
Inglaterra, e faleceu no dia 12 de agosto de 1597, deixando 3 filhos e 3 filhas, que
são: John Lott, Willian Lott, Robert Lott, Anne Lott, Mary Lott e Ann Lott. Logo a
família de expande e ocupa outras regiões, como Suffolk, onde Robert Lott
contruiu até um pequeno castelo, por volta de 1680, denominado “Little Wenham
Hall”, onde sua família permaneceu por mais de oito gerações.
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L Lott no Brasil
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descendência mais detalhada em capítulos separados. São eles: Henrique
Baptista Duffles Teixeira Lott e Mário Hermanson Lott.
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Rio de Janeiro (ver capítulo seguinte: Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott);
• Carmen Teixeira Lott, nascida em Barbacena - MG, no ano de 1896. Faleceu
solteira, em 1945;
• João Baptista Teixeira Lott, nascido em Santa Tereza - RJ, em 1898. Cursou a
Academia de Comércio de Juiz de Fora. Faleceu solteiro;
• Eduardo Baptista Teixeira Lott, (coronel do Exército). Casado com Silvia
Andrade de Magalhães Lott. Não tiveram filhos;
• Aracy Teixeira Lott, nascida no Rio de Janeiro, casada com o engenheiro civil
Américo Andrade. Não tiveram filhos;
• Alaíde Teixeira Lott, nasceu no Rio de Janeiro e casou-se com o general do
Exército Murilo Penha. Tiveram uma filha, Célia Maria;
• Nelson Baptista Teixeira Lott, faleceu ainda jovem, com 2 anos, em 1905;
• Aurelina Teixeira Lott, faleceu ainda jovem, com 2 anos, em 1907;
• Edith Teixeira Lott. Enfermeira, formada pela Escola Ana Néri, no Rio de
Janeiro. Solteira, faleceu em 1929;
• Mary Duffles Teixeira Lott. Perita-contadora, formada pela Academia de
Comércio do Rio de Janeiro, casada com Rafael Tomaz Duffles Cauceglia.
Tiveram 3 filhos: Paulo Cezar, Sergio Luiz e Mary Lucia;
• Marietta Duffles Teixeira Lott. Perita-contadora, formada pela Academia de
Comércio do Rio de Janeiro. Morreu solteira.
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• Sílvia Gomide Morgan, casada com Edgard da Costa Lim /sem filhos;
• Maria José Gomide Morgan. Morreu solteira;
• Márcio Gomide Morgan. Morreu solteiro;
• Helena Gomide Morgan, casada com Wolmer de A. Matto /2 filhos.
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H Henrique Baptista Duffes
Teixeira Lott
49
Goulart obtiveram a maior votação. Empossados, Lott foi mantido no Ministério da
Guerra. Já em fevereiro de 1956, teve que enfrentar uma rebelião militar,
conhecida como Revolta de Jacareacanga, no Pará. O movimento era chefiado
pelo major-aviador Haroldo Veloso e pelo capitão-aviador José Chaves Lameirão,
envolvendo uns poucos militares da Aeronáutica.
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o assunto aos três ministros militares, que vetaram o local escolhido, sugerindo a
ilha de Fernando de Noronha. Em 17 de dezembro de 1956, o acordo foi
assinado, tendo ainda recebido um último ajuste no dia 21 de janeiro de 1957.
Pela concessão o Brasil recebeu cerca de 100 milhões de dólares em
armamentos.
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ocorreu outro atrito entre Lott e Alkmin. Enquanto o ministro da Guerra era
contrário ao reatamento das relações comerciais do Brasil com a União Soviética
por motivos de segurança, o ministro da Fazenda defendia essa medida, visando,
entre outras coisas, a exportação de café para aquele país. Esse conflito gerou
uma séria crise no interior do governo e Alkmin acabou por demitir-se do
ministério, em 1958.
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colegas de armas que era "completamente antidemocrático e contrário aos
interesses nacionais procurar depor um presidente da República mediante uma
insurreição".
O Soldado da Legalidade.
Um militar brasileiro sem vocação para golpe.
Marechal Lott (de óculos), o Jornalista Miguel Farah, Srª Maria Aurora
Gomes Leão (ao lado de Lott), Dirceu Bento da Silva, repórter da Rádio
Ourinhos e o deputado federal Ulisses Guimarães, abaixo e à direita.
Foto tirada em 1960, no Coreto da Praça Melo Peixoto, em Ourinhos,
durante campanha
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Como presidente da Câmara dos Deputados, Luz era o substituto legal de Café
Filho, que estava doente. Se Lott rejeitasse a demissão, cometeria um ato de
insubordinação. Aceitá-la, porém, abriria a porta para um rompimento da ordem
constitucional; Luz estava entre os conspiradores que planejavam impedir a
posse do presidente recém-eleito, Juscelino Kubitschek. No dia seguinte, Lott
reassumiu seu posto no ministério. Sem a sua ação decisiva, Juscelino não teria
tomado posse no início do ano seguinte. Foi o momento culminante de sua vida,
o gesto que define sua personalidade, retratada na biografia O Soldado Absoluto
(Record; 572 páginas), do jornalista Wagner William. Lott era essa figura atípica
no Brasil de seu tempo: um militar sem vocação golpista.
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pelos generais mais próximos do getulismo. Mas não era o esquerdista que seus
adversários pintavam. Como ministro da Guerra – cargo em que foi mantido por
Juscelino –, exerceu vigilância contra a influência comunista no Exército. No
encontro que teve com Fidel Castro, em 1959, não houve simpatia de parte a
parte. "A reunião ficou marcada pelas baforadas de charuto que Fidel dava na
direção de Lott, que odiava qualquer tipo de fumo", conta William.
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Fatos importantes
56
Fatos importantes
57
Henrique Lott em família
Henriette Lott
Normalista, cursou o Colégio Assunção, na Dinamarca, Colégio S. Houulst, em
Paris, diplomada em filosofia, casada com Alberto Carneiro da Cunha Nóbrega,
major do Exército. Tiveram 2 filhos:
• Maria Alice Lott Nóbrega (03.06.1946);
• Laura Maria Lott Nóbrega (17.06.1949).
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Casou-se em segundas núpcias com Mário Pacheco Júnior, Economista com
quem teve mais um filho, Henrique Lott Pacheco (22.10.1960).
Elys Lott
Normalista, com cursos na Dinamarca e França, casada com Hugo José Ligneul,
major do Exército. Tiveram um filho, José Marcos Ligneul (20.08.1958)
59
H Hermano Lott Júnior
Filho de Hermano Felisberto Caldeira Lott, engenheiro civil, casado
com Marina Diniz Drummont, com quem teve 4 filhos:
61
G Georgina Lott
Casada com Elton Guimarães, representante comercial e funcionário
da prefeitura municipal de Belo Horizonte. Tiveram 3 filhos:
C Clarice Lott
Casada com Edmundo Campanhã Burjato, formado em medicina.
Tiveram 2 filhos:
62
M Maria Carmelita Lott
Casada com Lafaiete Maia, representante comercial. Tiveram 2
filhos:
63
Virgínia Rezende Lott
Normalista, casada com Manuel Bonfim Freire, bacharel em direito. O casal tem 2
filhas:
• Ana Cristina e Vera Maria.
64
importância na fundação da cidade de Sitio (hoje Antônio Carlos) assim como
Barbacena, Juiz de Fora e outras cidades próximas.
65
M F Família Andrade
Cimodócea Andrade
Casou-se com o bacharel em direito José Coelho de Magalhães Gomes. Tiveram
5 filhos:
• Paulo Andrade Magalhães Gomes, engenheiro, professor da Escola de Minas
de Ouro Preto. Casou-se com Francisca de Oliveira;
• Cícero Andrade Magalhães Gomes, engenheiro do D.N.E.R. Casou-se com a
professora Iracema Duffles Teixeira, sua prima-irmã;
• Fernando Andrade Magalhães Gomes, médico pediatra, autor de vários livros
especializados; casou-se com Raquel Noce;
• Clovis Andrade Magalhães Gomes, coronel-de-exército e oficial de gabinete
do ministro da Guerra. Casou-se com Amélia Pereira;
• Maurilo Andrade Magalhães Gomes, médico e fazendeiro. Casou-se com
Guiomar Correia.
66
Família Andrade
Edmeia Iracema Andrade
Casada com Tomaz Duffles da Costa Teixeira. Tiveram 9 filhos:
• Romeu Andrade Duffles Teixeira. Engenheiro.
• Iracema Duffles Teixeira Magalhães Gomes, professora, casada com o primo-
irmão, Cícero Andrade Magalhães Gomes, engenheiro;
• Gilberto Andrade Duffles Teixeira, casado com Iracema Novais Duffles Teixeira;
• Juracy Andrade Duffles Teixeira;
• Jandira, (faleceu aos 4 anos) gêmea com Jacira;
• Jacira, gêmea com Jandira;
• Ceci Andrade Duffles Teixeira;
• Delson Andrade Duffles Teixeira, casado com Maria do Carmo;
• Celso Andrade Duffles Teixeira, engenheiro agrônomo, casado com Wanda
Rodrigues .
Pompéo Andrade
Médico, casado com Mariana Duffles de Andrade. Tiveram 3 filhos:
• Yeda Andrade;
• Rubens Andrade (engenheiro);
• Milton Andrade (médico).
Guiomar Andrade
Casada com o engenheiro Carlos Tomáz Magalhães Gomes. Tiveram 3 filhos:
• Diva Andrade (professora);
• Amaro Andrade (engenheiro);
• Vera Andrade (farmacêutica).
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F Filhos de Mário Hermanson
Lott e Nair Andrade
69
• Cássia, casada com o engenheiro civil Fernando Giannetti Teixeira dos
Santos. São seus filhos: Diogo e Eduarda;
• Carla, Casada com Alexandre Santiago Prímola. Filhos: Bernardo e Caio.
70
É casado com Alpherina Marçolla Lott, filha de Alpherina Marçolla e
Victório Marçolla, renomado industrial, que ajudou a construir Belo Horizonte,
e que faz parte da história de Minas Gerais.
Durante sua vida como piloto, nunca sofreu nenhum acidente aéreo.
Meticuloso, responsável e seguidor de normas de segurança — perfil dos
Lott —, muitas vezes era chamado de "encrenquinha", chato... etc. Um caso
ocorrido em 1968, serve de exemplo: em missão de rotina do antigo Correio
Aéreo, ao dirigir-se para o avião C-47 (Douglas), taxiado no aeroporto do Rio de
Janeiro, com destino a Fortaleza, CE, encontrou o avião sem a porta, com parte
de uma hélice para fora, bloqueando o corredor interno. (Nota: existe no C-47
um dispositivo para levar hélice extra na parte de baixo da fuselagem). Ao
deparar com aquela situação, perguntou por que a hélice não estava no
suporte; responderam que estava em falta, e que tinham que levar a hélice de
qualquer maneira para socorrer outro avião parado em Salvador, BA. Além da
hélice, estavam levando também pesadas caixas de ferramentas, peças,
mudança de oficiais... etc, ou seja: carga total. Ele avaliou a situação e pediu,
então, paraquedas para toda a tripulação. Não tinha. Só tinham dois.
Como piloto-comandante do avião, comunicou à tripulação que não iriam
decolar com a hélice bloqueando o corredor, já que não havia paraquedas para
todos. Criou-se confusão, cancela voo, não cancela..... e, por fim, decolaram,
sem a hélice. Sobrevoando o sul da Bahia, um dos motores entra em pane e
para completamente. Começam a perder altitude, e foram obrigados a jogar toda
a carga no mar para tentar estabilizar o avião, e chegar no campo mais próximo.
Conseguiram pousar em Caravelas, BA. Se a hélice estivesse a bordo da
aeronave, certamente teriam caído, porque não haveria como se livrar da carga
e nem da hélice, pelo seu peso e volume. São seus filhos:
71
• Elizabeth Marçolla Lott. Nasceu em Corpus Christ (USA), em 17/06/1949.
Formada em história, trabalhou por mais de 20 anos na VASP como comissária
de bordo e em apoio terrestre;
• Flávio Marçolla Lott. Nasceu em 05/07/1950, em Belo Horizonte. Casado com
Iara Ferreira Lott, reside em Campo Grande, MS, desde 1988. Já exerceu
várias profissões, mas se destacou como publicitário, design, analista de
organização e métodos (participou da criação da Coalbra, DF e da Prodasul,
MS), artista plástico e artesão. São seus filhos: Janaina Ferreira Lott, nascida
em 01/01/1978, na cidade de Belo Horizonte, formada em publicidade e
propaganda, trabalha em agência, onde é sócia de seu pai, casada com
Franco Marquez de Godoy. E os gêmeos, Rodrigo Ferreira Lott e Rafael
Ferreira Lott, nascidos em 12/10/1980, na cidade de Florianópolis (SC).
Rodrigo é pesquisador, ciclista ativista e artesão, cursou alguns anos a faculdade
de ciências biológicas e trabalhou alguns anos no projeto de conservação
Arara- Azul (Instituto Arara Azul), na cidade de Miranda (MS).
Rafael cursou a faculdade de engenharia ambiental e ciências biológicas;
é arte-finalista, ciclista ativista e artesão, casado com Suzy Mary de Arruda
Figueiras, gerente de vendas, artesã e estudante de jornalismo.
Henrique Figueiras Lott é seu filho.
• Neusa Marçolla Lott. Nasceu em 29/01/1952, na cidade de Natal (RN). Foi
casada com Mário Lúcio Thibau. Formada em pedagogia. Trabalhou por mais
de 20 anos em várias agências bancárias, antes de se aposentar. Atualmente é
artesã. São seus filhos: Vinícios e Cristiane;
• Beatriz Marçolla Lott. Nasceu em 20/01/1955, na cidade de Barbacena (MG).
Biblioteconomista, trabalhou vários anos na profissão, na Petrobras. Morou em
Macaé (RJ), Ouro Preto e Sabará (MG). Atualmente mora em Belo Horizonte. É
especialista em tratamentos alternativos.
• Roberto Marçolla Lott. Nasceu em 06/12/1956, na cidade de Barbacena
(MG). É arquiteto, professor e artesão-ceramista.
• Regina Marçolla Lott. Nasceu na cidade de Barbacena (MG), em 19/12/1957, e
faleceu em 11/07/1958.
• Sérgio Marçolla Lott. Nasceu em 11/10/1961, em Belo Horizonte. Casado com
Edilene Matos. Empresário, administrador de empresas e aquarista
especialista em peixes ornamentais marinhos e de água doce. Tem uma das
mais importantes lojas do segmento em Belo Horizonte, e o Mundo das Águas
— exposição permanente de peixes, para educação ambiental. São seus
filhos: João Pedro e Marcelo.
72
Trabalhou na Secretaría de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais,
ocupando o cargo de chefe do Setor de Levantamento e Projetos Topográficos,
para a construção da Cidade Industrial de Belo Horizonte. Funcionário da
Usiminas (Usina Siderúrgica de Minas Gerais), ocupou os cargos de Chefe da
Seção de Cálculos e Projetos. Fiscalizou as obras de construção da Fábrica de
Oxigênio e da montagem da estrutura metálica da Laminação de Tiras a Quente.
Ocupou ainda os cargos de chefe da Seção de Manutenção Civil, assessor da
Superintendência de Engenharia de Detalhamento e de Engenharia
Especializadada - Departamento de Engenharia Civil. Com a emancipação da
cidade de Ipatinga, em 1964, ocupou durante 4 anos o cargo de secretário de
Obras Públicas. Casado com Leoni Maria Bianchini, normalista, nascida em
01/03/1933, na cidade de Lavras, Minas Gerais. É filha de João Bianchini e de
Anita Lúcio Bianchini. Da união de Moacyr e Leoni nasceram os seguintes filhos:
73
Múcio Magalhães Lott
Engenheiro civil, nasceu em 08/06/1928, na cidade Itabirito (MG). Casou duas
vezes. A primeira, com Selma Helena Moura, falecida em 07/01/1967, filha de
Sebastião Moura e de Leony Orlandi; e em segunda núpcias, com Valmira da
Conceição Silveira, filha de Miguel Silveira e Maria Thereza Orlandi. Trabalhou na
Secretaria Estadual de Saúde. Como engenheiro da Montreal Engenharia,
participou na ampliação da fábrica de polietileno, na construção do Alto Forno
Número 2, além da coqueria da Usiminas (Usina Siderúrgica de Minas Gerais).
Trabalhou, ainda, na Fábrica Nacional de Vagões (Minas Gerais).
Filhos do primeiro matrimônio:
• Marcelo Moura Lott. Engenheiro mecânico e gerente de produção da Petrobras.
Casado com Vanda Maria Santos Rocha. São seus filhos: Matheus e Henrique;
• Alexandre Moura Lott. Economista, funcionário da Caixa Econômica Federal.
Casado com Eliane Regina Amorim. São seus filhos: Larissa e Paula;
• Eduardo Moura Lott. Engenheiro mecânico, e gestor de negócios da AETHRA
(Componentes Automotivos Ltda.), casado com Eliane de Fatima Souza Rocha.
Filho: Vitor;
• Celma Moura Lott Diniz. Decoradora, casada com Cássio Rezende Diniz .
Filho: Heitor;
Filhos do segundo matrimônio:
• Maria Tereza Silveira Lott. Pedagoga (Escola Estadual Gramont Alves);
• Ana Carolina Lott Vilela. Analista de sistema, casada com Alexsandro Luiz Vilela.
Filho: Gabriel.
74
• Magali Moura Lott, formada em secretariado, casada com Fernando Carlos de
Carvalho Junior, engenheiro da Construtora Andrade Gutierres. São seus filhos:
Fernando e Juliana;
• Mário Lott Neto, engenheiro civil, da Construtora Tratex S/A e Construrora Fer
Franco, casado com Regina Jacomo Braga. São seus filhos: Murilo e Túlio;
• Mariangela Moura Lott, formada em psicologia, foi casada com Ronaldo Ronan
de Oliveira. São seus filhos: Thais, Lucas e Bruna.
Casada em segunda núpcias com Walmo Soares Vianna, médico
oftalmologista.
75
Mauro Magalhães Lott
Técnico agrimensor, nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 31/07/1935.
Trabalhou na Usina Siderúrgica de Minas Gerais, (USIMINAS), na Divisão de
Projetos Topográficos, e, como fiscal, nas montagens do Gasómetro e da
Laminação de Tiras a Frio. Foi gerente administrativo da MacLaren, em Ipatinga,
Minas Gerais. Trabalhou na Mendes Júnior Internacional, em obras civis na
Mauritânia (África). Retornando ao Brasil, assumiu vários cargos administrativos na
Nuclebras, em Poços de Caldas, (MG). Faleceu em 26/11/1980. Casado com
Marisa Heibuth Gonçalves, filha de Arthur Heibuth Gonçalves e de Eponina
Heibuth Gonçalves. Tiveram três filhos:
• William, casado com Ana Cristina. São seus filhos: Luiza, Marta e Gabriel;
• Márcia, casada com Marco Antônio. Filho: Ivan;
• Renato, casado com Camile. Filho: Guilherme.
76
Horizonte (MG). Na década de 70, radicou-se em definitivo no Rio de Janeiro,
passando a morar no começo da carreira junto com o sobrinho Flavio Marçolla
Lott. Participou, como cantor, da banda de Osmar Melito. Faz gravações de trilhas
musicais e jingles para propagandas. Já se apresentou em vários especiais para
a televisão.
Discografia:
Maria Madrugada (1964) Compacto simples;
Litoral / Sá Marina (1968) Compacto simples;
Like I do ? Someone (1976) Compacto simples;
Marcas do que se foi / Menina do mato (1977) Compacto simples;
Cavalo bravo / Comportamento (1977) Compacto simples;
Tema de baby (1977) Compacto simples
Outra vez (1978) Compacto simples
EmCantos Geraes (2005) Rádio MEC/Petrobras CD
77
Brasão Lott
A Árvore Genealógica
Lott na América
• Englebret Lott • Sarah Mrs Lott
1600 / Ruinenvold, Drenthe, Netherlands 1604 / Ruinenvold, Drenthe, Netherlands
* ---- * 1661 / Portsmouth, Rhode Island, US
* 1728
1654 / Flatbush, King Count, New York
* 1728
1664 / Flatbush, King Count, New York * ----
1644 / Portsmouth, Rhode Island, US
/ ----
* 1730
1660 / Portsmouth, Rhode Island, US
/ Rye, New York
/ Jamaica Queens, New York / -----
Josiah Abbott Benjamin Haviland
Catrina De Witt Antie Rapalje
---- 7 filhos e 3 filhas (Haviland)
2 filhos e 4 filhas Pag 02 ----
3.2 • Rebecca Mott • Phebe Mott 3.7
1.2 • Engelbert Lott • Peter Lott (Jr) 1.7
* 1730
1654 / Flatbush, King Count, New York
* ----
1666 / Flatbush, King Count, New York * 1719
1649 / Portsmouth, Rhode Island, US
/ Portsmouth, Rhode Island, US * ----
1661 / Portsmouth, Rhode Island, US
/ ----
/ Flatbush, King Count, New York / ----
Daniel Lawton ----
Cornelia De Lanoy ----
10 filhos e 4 filhas (Lawton) ----
---- Pag 11 ----
* 1730
1656 / Flatbush, King Count, New York
* 1766
1670 / Flatbush, King Count, New York * 1676
1650 / Portsmouth, Rhode Island, US
/ Portsmouth, Rhode Island, US
* 1671
1670 / Portsmouth, Rhode Island, US
/ Portsmouth, Rhode Island, US
/ ----- / Jamaica Queens, New York
---- ----
Douwe Jansen Van Ditmarsen ----
---- ----
4 filhos e 1 filhas (Família Van Ditmarsen) ----
* ----
1660 / Flatbush, King Count, New York * ----
1656 / Portsmouth, Rhode Island, US
/ ----
* 1758
1671 / Portsmouth, Rhode Island, US
/ Portsmouth, Rhode Island, US
/ ----
John Jr. Vaughan (Vahan) Miss Hefferland
----
---- ----
----
3.5 • Sarah Mott • Elizabeth Mott 3.10
1.5 • Peter Lott Continua
* 1720
1658 / Flatbush, King Count, New York
Famílias se cruzam
* 1687
1657 / Portsmouth, Rhode Island, US
/ ----
* 1659 / Portsmouth, Rhode Island, US
1723- / Portsmouth, Rhode Island, US
/ Hopewell, Hunterdon, New Jersey
Nishe (Ann) * Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
John Tripp
----
William Ricketson
4 filhos e 2 filhas (Ricketson)
2 filhos e 3 filhas Pag 17 Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
01/18
1.1 • Hendrick Pietersen Lott • Catrina De Witt
1654 / Flatbush, King Count, New York 1654 / Jamaica Queens, New York
* 1728 / Jamaica Queens, New York * 1734 / Jamaica Queens, New York
1.1.6.1
• Nicholas Fulkerson
* ----1738/ -----/ Bushwick, Kings, New York
----
----
1.1.4.5 • Nicklaes Lott 1.1.4.6 • Doritie Lott 1.1.4.7 • Antie Lott 1.1.4.8 • Maria Lott
* 1726 / Flatbush, Kings, New York
1766 / Unidade de Ifantaria
* 1740 / Flatbush, Kings, New York
1813 / Flatbush, Kings, New York
* 1737 / Flatbush, Kings, New York
1800 / Flatbush, Kings, New York
* 1804
1722 / Flatbush, King Count, New York
/ Flatbush, King Count, New York
---- John Van Liew Orleuwe Stephen Lott / 1.1.4.7 / Pag 17 Carl Or Charles Boerum
---- ---- 6 filhos e 4 filhas Pag 06 ----
1.1.4.9 • Katrina Lott 1.1.4.10 • Folkert Lott 1.1.4.11 • Joris Lott 1.1.4.12 • Jeronimus Lott
Continua
* 1719 / Flatbush, Kings, New York
1769 / Flatbush, Kings, New York
* 1732 / Flatbush, Kings, New York
1763 / Flatbush, Kings, New York
* 1717 / Flatbush, Kings, New York
1762 /Flatbush, Kings, New York
* 1794
1742 / Flatbush, King Count, New York
/ Flatbush, King Count, New York Famílias se cruzam
---- ---- Maria Van Brunt Lammetje Rapalje
---- ---- 1 filho e 1 filha Pag 09 5 filhos e 8 filhas Pag 09 * Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
02/18
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
1.1.4.1 • Johannes E. Lott • Jannetje Probasco Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
1721 / Flatbush, Kings, New York 1772 / New Lots, Kings, New York
* 1782 / Flatbush, Kings, New York * 1802 / Flatbush, Kings, New York
---- Informação não encontrada
Continua
Famílias se cruzam
1.1.4.1.2
• Hendrick I. Lott 1.1.4.1.4
• Jurrian Lott 1.1.4.1.6 • Antje (Ann) Lott 1.1.4.1.8
• Johannes H. Lott
* 1760 / Flatbush, Kings, New York
1840 / Flatbush, Kings, New York
* 1750 / Flatlands, Long Islands, New York
1800 / Flatlands, Long Islands, New York
* 1747 / Flatlands, Long Island, New York
1829 / ---- * 1807
1752 / Flatlands, Long Island, New York
/ New Lots, Long Island, New York
Mary Brownjohn ---- Henry Staats Margaret Van Nuyse
1 filho e 2 filhas Pag 05 ---- ---- 4 filhos e 4 filhas
1.1.4.1.1.1
• Johannes Lott 1.1.4.1.8.1
• Jost Lott 1.1.4.1.8.2
• Elizabeth Lott
* 1795 / Flatbush, Kings, New York
---- / ---- * 1784 / Jamaica, Queens, New York
---- / ----
* ----1788/ ----/ Jamaica, Queens, New York
---- 1.1.4.1.8.5.1 1.1.4.1.8.5.2 ---- ----
----
• Mary Lott • Margaret Lott ---- ----
1.1.4.1.1.2
• Thomas Brownjohn Lott * 1893
1810 / Jamaica, Queens, New York
* 1853
1812/ Jamaica, Queens, New York
1.1.4.1.8.3 • Jacobus Lott 1.1.4.1.8.4
/ ---- / Jamaica, Queens, New York • Magdalena H. Lott
* ----1797/ ----/ Flatbush, Kings, New York Isaac Simonsos
5 filhos e 6 filhas (Família Simonson)
Peter Nostrand
6 filhos e 2 filhas (Família Nostrand) * 1786 / Jamaica, Queens, New York
---- / ---- * ----1790/ ----/ Jamaica, Queens, New York
----
1.1.4.1.8.5.3 1.1.4.1.8.5.4 ---- ----
----
• Hendrick S. Lott • Abigail Jane Lott ---- ----
1.1.4.1.1.3
• Jerrian Lott * 1904
1822 / Jamaica, Queens, New York
* ----1818/ ----/ Jamaica, Queens, New York 1.1.4.1.8.5 1.1.4.1.8.6
/ Jamaica, Queens, New York
• Johannes Lott Jr. • Rebecca Lott
* 1800 / Flatbush, Kings, New York
---- / ---- Caroline Way Joseph Powell
---- 4 filhos e 3 filhas Pag 04 2 filhas (Família Powell) * 1786 / Jamaica, Queens, New York
1858 / ----
* ----1767/ Newtown,
/ Jamaica, Queens, New York
Queens, New York
---- 1.1.4.1.8.5.5 1.1.4.1.8.5.6 Abigail Bergen Johannes Brinkeroff
1.1.4.1.1.4 • James Lott • John Bergen Lott 3 filhos e 3 filhas 6 filhos e 1 filha (Família Brinkeroff)
• Elisabeth Campbell Lott
* 1827
1794 / Flatbush, Kings, New York * 1873
1815 / Jamaica, Queens, New York
/ Jamaica, Queens, New York
* ----1813/ ----/ Jamaica, Queens, New York 1.1.4.1.8.7 • Hendrick Lott 1.1.4.1.8.8
• Antje Lott
/ New Lotts, Kings, New York Esther Osterman Mary Denton
---- 4 filhas Pag 04 1 filho e 2 filhas Pag 04 * 1774 / Jamaica, Queens, New York
---- / ---- * 1844
1782 / Jamaica, Queens, New York
/ ----
----
---- Tunis Bergen (Lott/Bergen)
---- 4 filhos e 2 filhas Pag 04
03/18
1.1.4.1.8.7 1.1.4.1.8.5.5 1.1.4.1.8.5.6
• Hendrick S. Lott • James Lott • John Bergen Lott
* 1822 / Jamaica, Queens, New York
1904 / Jamaica, Queens, New York * 1815 / Jamaica, Queens, New York
1873 / Jamaica, Queens, New York
* ----1813/ ----/ Jamaica, Queens, New York
Caroline Way Esther Osterman Mary Denton
4 filhos e 3 filhas 4 filhas 1 filho e 2 filhas
1.1.4.1.8.5.3.1 1.1.4.1.8.5.3.2 1.1.4.1.8.5.5.1 1.1.4.1.8.5.5.2 1.1.4.1.8.5.6.1 1.1.4.1.8.5.6.2
• Anna Louisa Lott • (Sem Nome) Lott • Jane Eliza Lott • Sarah Ann Lott • Phebe Ann Lott • Mary Lott
* 1852 / Jamaica, Queens, New York
1855 / Jamaica, Queens, New York
* 1856 / Jamaica, Queens, New York
1858 / Jamaica, Queens, New York
* ---- / Jamaica, Queens, New York
---- / ----
* 1847 / Jamaica, Queens, New York
---- / ----
* 1841 / Jamaica, Queens, New York
---- / ----
* ----1843/ ----/ Jamaica, Queens, New York
---- ---- ---- ---- ---- ----
---- ---- ---- ---- ---- ----
1.1.4.1.8.5.3.3 1.1.4.1.8.5.3.4 1.1.4.1.8.5.5.3 1.1.4.1.8.5.5.4 1.1.4.1.8.5.6.3
• Leonard Lott • Walter Way Lott • Caroline Lott • Catherine Emma Lott • John Denton Lott
* 1861 / Jamaica, Queens, New York
---- / ---- * 1847 / Jamaica, Queens, New York
1847 / Jamaica, Queens, New York
* 1849 / Jamaica, Queens, New York
---- / ---- * 1843 / Jamaica, Queens, New York
---- / ----
* ----1845/ ----/ Jamaica, Queens, New York
---- ---- ---- ---- ----
---- ---- ---- ---- ----
1.1.4.1.8.5.3.5 1.1.4.1.8.5.3.6
• Marietta Lott • Walter Henry Lott
* 1854 / Jamaica, Queens, New York
---- / ----
* 1851
1848 / Jamaica, Queens, New York
/ Jamaica, Queens, New York
Peter Vanderveer ---- Continua
---- ---- Famílias se cruzam
1.1.4.1.8.5.3.7
• Caroline Amanda Lott * Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
* ----1859/ ----/ Jamaica, Queens, New York Nome da Esposa/Esposo
---- Número de filhos do casal
---- ---- Informação não encontrada
04/18
1.1.4.1.2 • Hendrick I. Lott • Mary Brownjohn
1760 / Flatbush, Kings, New York 1770 / Flatbush, Kings, New York
* 1840 / Flatbush, Kings, New York * 1853 / Flatbush, Kings, New York
1.1.4.1.2.1.1.1
1.1.4.1.2.1.1
• Henry De Witt Lott • John Bennett Lott 1.1.4.1.2.1.1.1.1 1.1.4.1.2.1.1.1.2 1.1.4.1.2.1.1.1.3
* 1821 / Flatbush, Kings, New York • Sarah Barrea Lott • Jeremiah Lott • Nicholas Lansing Lott
1889 / Flatbush, Kings, New York * 1843 / Jamaica, Queens, New York
Annie Bennett
1893/ Jamaica, Queens, New York
Phoebe Voorhees * 1885 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* 1876 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* ----1888/ ----/ Flatbush, Kings, New York
2 filhos e 1 filha 3 filhos e 2 filhas Christopher Lott Sarah Lyles Louise E. Morgan
---- ---- ----
1.1.4.1.2.1.2
• Simon Bennett Lott 1.1.4.1.2.1.1.2
• George Lott
* ----1830/ ----/ Brooklyn, New York * ----1865/ ----/ Flatbush, Kings, New York
1.1.4.1.2.1.1.1.4 1.1.4.1.2.1.1.1.5
Martha Jane Van Cleef • Harriet Lydia Lott • John Voorhees Lott
----
----
---- * ----1871/ ----/ Flatbush, Kings, New York * ----1891/ ----/ Flatbush, Kings, New York 1.1.4.1.2.1.1.1.5.1
1.1.4.1.2.1.3
• Catharine Ann Lott 1.1.4.1.2.1.1.3 Robert G. Strong Eliza B. Garvin • Catherine Lott
* 1895
1825 / Flatbush, Kings, New York
• Jennie Lott ---- 1 filha / .... (talvez mais filhos)
* ainda
---- / Brooklyn, New York
viva (2009) / Brooklyn, New York
/ Flatbush, Kings, New York
Samuel L. Clapp * ----1867/ ----/ Flatbush, Kings, New York ----
----
----
Andrew Suydan
1.1.4.1.2.1.4
• Eliza Lott 2 filhas
* ----1828/ Brooklyn,
/ Flatbush, Kings, New York
New York
Byron Whitcomb
---- 1.1.4.1.2.1.1.3.1
1.1.4.1.2.1.6
• Mary Lott
1.1.4.1.2.1.1.3.2
• Ella Lott
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
* 1887
1823 / Flatbush, Kings, New York
/ Flatbush, Kings, New York
* 1989
1901 / Brooklyn, New York
/ Brooklyn, New York Número de filhos do casal
John W. Vanderveer Não se casou ---- Informação não encontrada
---- ----
05/18
1.1.4.1.3
• Catalina Lott 1.1.4.1.3.1 1.1.4.1.3.1.1 1.1.4.1.3.1.1.1 1.1.4.1.3.1.1.1.1
• Abraham A. Wyckoff • Caroline V. Wyckoff • Anna Lott Bergen • Carwyn Goldsmith Billard
* 1755 / Flatbush, Kings, New York
1812 / ----
* ---- / ----
* ---- / ----
* 1911 / Broklyn, New York
* 1947 / Broklyn, New York
---- / ---- ---- / ---- ---- / ---- ---- / ----
Ulpianus Van Sinderin Lizzie Bergen John Lott Bergen Milton Goldsmith Billard ----
Williamson Wyckoff 1 filha 1 filha 3 filhos ----
1 filho (Segunda união) 1.1.4.1.3.1.1.1.2
* Robert Billard é Capitão do Corpo • Weslley Bergen Billard
de Bombeiros em NY e foi quem
relatou esses fatos. * ----1952/ ----/ Broklyn, New York
Voltando uma geração... ----
----
1.1.4.1.3.1.1.1.3
1.1.4.2 • Hendrick I. Lott • Rebecca Van Kirk • Robert Lott Billard *
1715 / Flatbush, Kings, New York 1716 / Flatbush, Kings, New York
* vivo
1963 / Broklyn, New York
em 2006, vivendo em NY
* 1763 / Jamaica, Queens, New York * ---- / ---- ----
----
Continua
1.1.4.7.1 1.1.4.7.2 1.1.4.7.3 1.1.4.7.4 1.1.4.7.5 Famílias se cruzam
• Peter Lott • Antje Lott • Hendrick S. Lott • Maria Lott • Stephen Lott Jr.
* 1766 / Woodhaven, Queens, New York
1828 / Jamaica, Queens, New York
* 1768 / Woodhaven, Queens, New York
---- / ----
* 1761 / Woodhaven, Queens, New York
1832 / Woodhaven, Queens, New York
* 1774 / Woodhaven, Queens, New York
1840 / Woodhaven, Queens, New York
* 1808
1770 / Jamaica, Queens, New York
/ Jamaica, Queens, New York
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
---- John Vanderveer Sarah Suydan Benjamin Sammis Femmetye (Phebe) Elderse Nome da Esposa/Esposo
---- ---- 7 filhos e 3 filhas Pag 07 ---- 1 filho e 4 filhas Pag 08 Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
1.1.4.7.3.6.2.1
• Stephen H. Lott
1.1.4.7.3.6.2.2
• Eldert Lott
1.1.4.7.3.6.2.3
• Douwe Suydan Lott
1.1.4.7.3.6.2.4
• Steven Lott
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
* 1934
1856 / Woodhaven, Queens, New York
/ Flatbush, Kings, New York * 1897
1848 / Jamaica, Queens, New York
/ ----
* 1941
1850 / Woodhaven, Queens, New York
/ ----
* 1849
1846 / Jamaica, Queens, New York
/ Jamaica, Queens, New York Número de filhos do casal
---- ---- Ruth A. Bedel ---- ---- Informação não encontrada
---- ---- ---- ----
07/18
1.1.4.7.3.10.5 1.1.4.7.3.10.5.3 1.1.4.7.3.10.5.4
1.1.4.7.3.10.5.1 1.1.4.7.3.10.5.2
• John Bergen Lott • Phebe Ann Lott • John Lott • Sarah Jane Lott • Caroline Lott
* 1844 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* 1842 / Jamaica, Queens, New York
1865 / Jamaica, Queens, New York
* 1846 / Jamaica, Queens, New York
1865 / ----
* 1848 / Jamaica, Queens, New York
1868 / Jamaica, Queens, New York
* 1865
1856 / Jamaica, Queens, New York
/ Jamaica, Queens, New York
---- ---- ---- ----
Charlotte A. Doughty ---- ---- ---- ----
1 filho e 3 filhas
Continua
Famílias se cruzam
1.1.4.7.9.1.1 1.1.4.7.9.1.2 1.1.4.7.9.1.3 1.1.4.7.9.1.4
• Charles Vanderveer Lott • Maria GertrudeLott • John Vanderveer Lott • Nicholas Lott
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
* 1846/ Jamaica, Queens, New York
---- / ----
* 1848 / Jamaica,Queens, New York
---- / ----
* 1845 / Jamaica, Queens, New York
---- / ---- * 1844 / Flatbush, Kings, New York
---- / ---- Nome da Esposa/Esposo
---- ---- ---- Elizabeth Gilbert
Número de filhos do casal
---- ---- ---- 1 filha (Emma Gilbert Lott)
---- Informação não encontrada
08/18
1.1.4.7.10 1.1.4.7.10.1 1.1.4.7.10.2 1.1.4.7.10.3 1.1.4.7.10.4 1.1.4.7.10.5
• Johannes Stephense Lott • John I. Lott • Phebe (Femmetie) Lott • Anne Lott • Ellen (Nellie) Suydann Lott • Stephen J. Lott
* 1813
1763 / Woodhaven, Queens, New York
/ ---- * 1788 / Woodhaven, Queens, New York
1816 / Jamaica, Queens, New York
* 1798 / Jamaica, Queens, New York
---- / ----
* 1786 / Woodhaven, Queens, New York
1857 / Jamaica, Queens, New York
* 1802 / Woodhaven, Queens, New York
1883 / Jamaica, Queens, New York
* 1871
1799 / Woodhaven, Queens, New York
/ Woodhaven, Queens, New York
Jamina Covert John L. Spader Abraham Hegeman Abraham Mills Cornelia Rapelje
Nellie Suyden
---- ---- 2 filhas (Família Hegeman) 1 filha (Susan Mills) 2 filhos e 1 filha
2 filho e 3 filhas
• Jannetje Lott • Johannes Lott 1786 / Bedford, Long Island, New York
Jacobus Lefferts * 1829
1781 / Bedford, Long Island, New York
/ Bedford, Long Island, New York
* 1717 / Flatbush, Kings, New York
1762 /Flatbush, Kings, New York * 1745 / New Utrechet, Kings, New York
1817 / ----
* 1738 / New Utrechet, Kings, New York
1762 / New Utrechet, Kings, New York
2 filhos e 1 filha Caterine Lefferts Benson
Nicholas Covenhoven Aeltje Rapalje 3 filhos (Família Benson Lefferts)
Maria Van Brunt 2 filhos e 2 filhas (Família Covenhoven) 1 filha (Maria Lott) 1.1.4.11.2.1.2
1 filho e 1 filha
• Maria Lott Lefferts
1.1.4.7.12.1 1.1.4.7.12.2 1.1.4.7.12.3 1.1.4.7.12.4 * 1865
1786 / Bedford, Long Island, New York
/ Bedford, Long Island, New York
1.1.4.12 • Johannes Lott • Daniel Lott • Catrina Lott • Aeltje Lott John Lefferts
1 filho e 1 filha (Família Lefferts Lefferts)
• Jeronimus Lott * 1775 / Flatbush, Kings, New York
1812 / Flatbush, Kings, Ne
* 1780 / Flatbush, Kings, New York
1826 / Flatbush, Kings, New York
* 1767 / Flatbush, Kings, New York
1831 / Flatbush, Kings, New York
* 1773 / Flatbush, Kings, New York
1813 / Flatbush, Kings, New York 1.1.4.11.2.1.3
Elisabeth Van Sideren Maria (Polly) Suydan Garret Vanderveer George Van Brunt • Leffert I. Lefferts
* 1742 / Flatbush, King Count, New York
1794 / Flatbush, King Count, New York 2 filhos e 1 filha Pag 10 ---- 1 filha (Leah Vanderveer) ----
Lammetje Rapalje
* 1830
1783 / Bedford, Long Island, New Yorkork
/ Bedford, Long Island, New Yorkork
1.1.4.7.12.5 1.1.4.7.12.6 1.1.4.7.12.7 1.1.4.7.12.8 Cynthia Lefferts
5 filhos e 8 filhas
• Hendrick Lott • George (Joris) Lott • Lammetie Lott • Augeneta Neetlje Lott 5 filhos e 2 filhas (Família Leffert Lefferts)
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
1.1.4.7.12.10.1.6 1.1.4.7.12.10.1.6.3 1.1.4.7.12.10.1.6.4
Nome da Esposa/Esposo
1.1.4.7.12.10.1.6.1 1.1.4.7.12.10.1.6.2
• Abraham Lott • John Abraham Lott • Catharine Lydia Lott • Maria Bergen Lott • James Lloyd Lott Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
* 1831 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* 1856 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* 1868 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* 1858 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* 1867
1863 / Flatbush, Kings, New York
/ Flatbush, Kings, New York
---- ---- ---- ----
Gertrude Bergen ---- ---- ---- ----
2 filhos e 2 filhas
10/18
1.1.4.7.12.13 1.1.4.7.12.13.1 1.1.4.7.12.13.2 1.1.4.7.12.13.3
• Jeromus Lott • Maria Lott • Jane Ann Lott • Lambert Lott
* 1776 / Flatbush, Kings, New York
1831 / Flatbush, Kings, New York
* 1811 / Flatbush, Kings, New York
1824 / Flatbush, Kings, New York
* 1816 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* ----1814/ ----/ Flatbush, Kings, New York
---- ---- ----
Ann Suydan ---- ---- ----
1 filho e 2 filhas
11/18
1.2.7.1
1.2.7.1.1 1.2.7.1.2 1.2.7.1.3 1.2.7.1.4 1.2.7.1.5
• Peter Lott • Dominious Lott • Jan Lott • Lammetie Lott • Catalina Lott • Antie (Ann) Lott
* 1726 / Flatbush, Kings, New York
1775 / New York City, New York * 1766 / Middewout, Kings, New York
1767 / Middewout, Kings, New York
* 1752 / Middewout, Kings, New York
1776 / Middewout, Kings, New York
* 1750 / Bushwick, Kings, New York
1824 / Bushwick, Kings, New York
* 1760 / Middewout, Kings, New York
1767 / Middewout, Kings, New York
* 1850
1763 / Middewout, Kings, New York
/ Flatbush, Kings, New York
Neeltie Vanderveer ---- ---- Peter Wickoff ---- Wiliam Wiliamson
---- ---- 2 filhos e 5 filhas (Família Wickoff) ---- 3 filhos (Família Wiliamson)
3 filhos e 4 filhas
1.2.7.1.6 1.2.7.1.7
• Johannes Lott • Jannetie (Jane) Lott
* 1776
1757 / Middewout, Kings, New York
/ Middewout, Kings, New York
* 1754 / Newton, Kings, New York
1828 / Flatbush, Kings, New York
---- ----
---- ----
1.2.8.1.1
• Pieter Lott
1.2.8.4.1 1.2.8.4.2 1.2.8.4.3 1.2.8.4.4
* ----
1744 / Flatbush, Kings, New York
/ ----
• Catharine Lott • Jan Lott • Angenietje Lott • Jacobus Lott Jr.
----
---- * 1754 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* 1756 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* 1732 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* ----1752/ ----/ New Utrecht, Kings, New York
1.2.8.1.2 ---- ---- ---- ----
• Joris Lott ---- ---- ---- ----
* ----
1747 / Flatbush, Kings, New York
/ ---- 1.2.8.4.5 1.2.8.4.6 1.2.8.4.7 1.2.8.4.8 1.2.8.4.9
----
----
• Abraham Lott • Abraham Lott • Abraham Lott • Simons Lott • Maryke Lott
1.2.8.1.3 * 1735 / New Utrecht, Kings, New York
1736/ New Utrecht, Kings, New York
* 1738 / New Utrecht, Kings, New York
--- / ----
* 1753/ New Utrecht, Kings, New York
---- / ---- * 1742 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* ----1747/ ----/ New Utrecht, Kings, New York
• Sara Lott ---- ---- ---- Ann Van Nuyse James Van Horne
Pag 13
* 1750 / New York City, New York
---- / ----
---- ---- ---- 2 filhos e 3 filhas 4 filhas (Família Van Horne)
----
----
1.2.8.1.4
• Femmetje Lott * Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
* 1793
1753 / New York City, New York
/ New York City, New York
Nome da Esposa/Esposo
Isaac Blauvet Número de filhos do casal Continua
1 filho e 1 filha (Família Blauvet) ---- Informação não encontrada Famílias se cruzam
12/18
1.2.8.4.8
1.2.8.4.8.1 1.2.8.4.8.2 1.2.8.4.8.3 1.2.8.4.8.4 1.2.8.4.8.5
• Simons Lott • Jacobus Lott • Anna Lott • Ann Lott • Sarah Lott • Charles Lott
* 1742 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* 1771 / Flatbush, Kings, New York
1831 / Flatbush, Kings, New York
* 1782 / New Utrecht, Kings, New York
1844 / New Utrecht, Kings, New York
* 1750 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* 1774 / New Utrecht, Kings, New York
1853 / New Utrecht, Kings, New York
* 1849
1778 / New Utrecht, Kings, New York
/ New Utrecht, Kings, New York
Jane Titus ---- ---- John Denyse Sophia Cloyd
Ann Van Nuyse 5 filhos e 4 filhas Abaixo ---- ---- 2 filhas (Antie e Jane Denyse) 6 filhos e 4 filhas
2 filhos e 3 filhas
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
13/18
1.2.8.4.1.5 1.2.8.4.1.5.1 1.2.8.4.1.5.2 1.2.8.4.1.5.3
• Francis Lott • Jane Elizabeth Lott • Zenobia Josephine Lott • Frank H. Lott
* 1822 / New Utrecht, Kings, New York
1896/ New Utrecht, Kings, New York
* 1843 / Jamaica, Queens, New York
1852 / Jamaica, Queens, New York
* 1854 / Jamaica, Queens, New York
1881 / Jamaica, Queens, New York
* 1863
1857 / Jamaica, Queens, New York
/ Jamaica, Queens, New York
---- ---- ----
Amelia E. Van Allen ---- ---- ----
1 filho e 2 filhas
1.2.8.4.1.6
• Charles Lott 1.2.8.4.1.6.1 1.2.8.4.1.6.2 1.2.8.4.1.6.3 1.2.8.4.1.6.4
* 1806 / New Utrecht, Kings, New York
• James C. Lott • Sarah Elisabeth Lott • Catharine Aletta Lott • Janne Ann Lott
1874 / New Utrecht, Kings, New York
Helen Ryden * 1829 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* 1842 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* 1839 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* ----1834/ ----/ New Utrecht, Kings, New York
1 filho e 3 filhas Phebe M. Suydan ---- ---- John Van Nuyse
1 filho e 1 filha ---- ---- 2 filhos e 1 filha
1.2.8.4.1.6.1.1
1.2.8.4.1.6.4.2 1.2.8.4.1.6.4.1
• Charles Henry Lott
• Hellen Anna Van Nuyse • Charles Lott Bergen Van Nuyse
* ----1857/ ----/ New Utrecht, Kings, New York * 1868 / New Utrecht, Kings, New York
* ----1865/ ----/ New Utrecht, Kings, New York
---- ---- / ----
---- ---- ----
---- ----
1.2.8.4.1.6.1.2
1.2.8.4.1.6.4.3
• Mae Suydan Lott
• Adrian John Van Nuyse
* ----1861/ ----/ New Utrecht, Kings, New York * ----1855/ ----/ New Utrecht, Kings, New York
----
---- ----
----
Continua
Famílias se cruzam
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
1.2.8.4.1.9 Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
• Aaron Lott 1.2.8.4.1.9.1 1.2.8.4.1.9.2
• Jeremiah Lott
1.2.8.4.1.9.3 1.2.8.4.1.9.4
• James Lott • Charles Francis Lott • Abram Lott
* ----1828/ ----/ New Utrecht, Kings, New York * 1850 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* 1854 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ---- * 1856 / New Utrecht, Kings, New York
---- / ----
* ----1862/ ----/ New Utrecht, Kings, New York
Cynthia Lott (1.2.8.3.5.6.4.3) ---- ---- Elisabeth W. Remsen ----
---- ---- ---- ----
4 filhos
14/18
1.2.8.3
1.2.8.3.1 1.2.8.3.2 1.2.8.3.3 1.2.8.3.4
• Engelbart Lott (Sr.) • Englebert Lott • Petrus Lott • Abraham Lott • Engelbert Lott
* 1719 / Flatbush, Kings, New York
1779 / Flatbush, Kings, New York
* 1751 / Flatbush, Kings, New York
1752 / Flatbush, Kings, New York
* 1759 / Flatbush, Kings, New York
1760 / Flatbush, Kings, New York
* 1747 / Flatbush, Kings, New York
1747 / Flatbush, Kings, New York
* 1754 / Flatbush, Kings, New York
1779 / Flatbush, Kings, New York
---- ---- ---- ----
Maritie Ditmars ---- ---- ---- ----
8 filhos
1.2.8.3.8.1
1.2.8.3.5 1.2.8.3.6 1.2.8.3.7 1.2.8.3.8 • Abraham Lott
• Johannes E. Lott • Engelbart Lott • Engelbert Lott • Abraham E. Lott * ----1775/ ----/ Endenton, North Carolina
* 1746 / Flatbush, Kings, New York
1811 / Flatbush, Kings, New York
* 1750 / Flatbush, Kings, New York
1757 / Flatbush, Kings, New York
* 1750 / Flatbush, Kings, New York
---- / ---- * 1748 / Flatbush, Kings, New York
1785 / Endenton, North Carolina ----
Catharine Vanderbilt ---- ---- Rebecca Duryea ----
4 filhos e 3 filhas ---- ---- 1 filho (Abraham Lott)
1.2.8.3.5.7
1.2.8.3.5.2.1 1.2.8.3.5.3.1 • Phebe Lott
• Catharine Lloyd Lott • John I. Lott
1.2.8.3.5.3.1.1 1.2.8.3.5.3.1.2 * 1830
1770 / Flatbush, Kings, New York
/ Flatbush, Kings, New York
* 1859
1859 / Flatbush, Kings, New York
/ Flatbush, Kings, New York
* 1857
1800 / Flatbush, Kings, New York
/ Flatbush, Kings, New York • Anna Maria Lott • Elizabeth Lott ----
John A. Lott / 1.1.4.7.12.10.1
5 filhos e 4 filhas Ver Pag 10
Mary Ann Vanderbilt
1 filhos e 5 filhas
* 1838 / Flatbush, Kings, New York
1838 / Flatbush, Kings, New York
* 1828/ Flatbush, Kings, New York
1834 / Flatbush, Kings, New York
----
---- ----
1.2.8.3.5.2.2 1.2.8.3.5.3.2 ---- ----
• Abigail Leffert Lott • Samuel G. Lott
* 1811 / Flatbush, Kings, New York
1884 / Flatbush, Kings, New York
* 1866
1803 / Broolkyn, Queens, New York
/ Flatbush, Kings, New York
1.2.8.3.5.3.1.3 1.2.8.3.5.3.1.4
John B. Zabriskie Ann Bergen
3 filhos e 2 filhas (Família Zabriskie) 4 filhos e 1 filha Pag 16 • Ann Vanderveer Lott • Caroline V. Lott
* 1845 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* ----1831// ----Flatbush, Kings, New York
---- Abraham I. Ditmars
---- 1 filho e 4 filhas (Família Ditmars)
Continua
Famílias se cruzam
1.2.8.3.5.3.1.5 1.2.8.3.5.3.1.6
* Data e Local de Nascimento
Data e Local de Falecimento
• Jeremiah Vanderbilt Lott • Elizabeth Garretson Lott
Nome da Esposa/Esposo * 1842 / Flatbush, Kings, New York
1845 / Flatbush, Kings, New York
* 1894
1835/ Flatbush, Kings, New York
/ Flatbush, Kings, New York
Número de filhos do casal ---- ----
---- Informação não encontrada ---- ----
15/18
1.2.8.3.5.3.2
1.2.8.3.5.3.2.1 1.2.8.3.5.3.2.2 1.2.8.3.5.3.2.3 1.2.8.3.5.3.2.4 1.2.8.3.5.3.2.5
• Samuel G. Lott • Mary Carolina Lott • John S. Lott • John Lott • John Lott • Theodore Bergen Lott
* 1803 / Broolkyn, Queens, New York
1866 / Flatbush, Kings, New York
* 1837 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* 1833 / Flatbush, Kings, New York
---- / ----
* 1830 / Flatbush, Kings, New York
1837 / Flatbush, Kings, New York
* 1850 / Flatbush, Kings, New York
1851 / Flatbush, Kings, New York
* ----1834// ----Flatbush, Kings, New York
Henry Lyles Jr. ---- ---- ---- Gertrude Vandervort
Ann Bergen ---- ---- ---- ---- ----
4 filhos e 1 filha
16/18
1.5 • Peter Lott • Nishe Ann
1658 / Flatbush, King Count, New York 1662 / Hempstead, Hunterdon, New Jersey
* 1720 / Hopewell, Hunterdon, New Jersey * ---- / ----
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
1.5.3.1.1 1.5.3.1.2 Número de filhos do casal
• Leonard Lott Jr. • Zephaniah Lott ---- Informação não encontrada
* 1766 / Luzerne, Bucks, Pensylvania
---- / ----
* ----1743/ ----/ Mehoopany,Wyoming, Pensylvania
---- Alice Van Pelt
---- ---
17/18
1.5.3.1.2.1 1.5.3.1.2.2 1.5.3.1.2.3 1.5.3.1.2.4 1.5.3.1.2.5
• Zephaniah Lott • Abraham Lott • Zephaniah Lott Jr. • Hendrick Lott (Sr.) • Caty Lott • Joseph Lott
3 filhos 1.5.3.1.2.6
1.5.3.1.2.2.1
1.5.3.1.2.3.1 1.5.3.1.2.3.2 • Stephen Lott
• Dennison Lott • Elizabeth Lott • Samuel Lott (Sr.) * ----1783/ ----/ Southtampton, Bucks , Pensylvania
* 1796 / Mehoopany, Wyoming, Pensylv.
---- / ---- * ----1798/ ----/ Philadelphia, Pensylvania * 1870
1796 / Philadelphia, Pensylvania
Betsy Ellis
/ Reading, Ohio
---- ----
---- Margaret Bache
----
---- 4 filhos e 2 filhas
1.5.3.1.2.2.2
1.5.3.1.2.3.3
• Deborah Lott • Mary Lott
* 1825
1819 / Mehoopany, Wyoming, Pensylv.
/ Mehoopany, Wyoming, Pensylv. * ----1800/ ----/ Philadelphia, Pensylvania 1.5.3.1.2.3.2.1 1.5.3.1.2.3.2.2 1.5.3.1.2.3.2.3
Emmer Harris
----
• Margaret Rusha Lott • Samuel Lott (Jr.) • Katherine Elisabeth Lott
----
1.5.3.1.2.2.3
---- * 1833 / Philadelphia, Pensylvania
1852 / Philadelphia, Pensylvania
* 1831 / Philadelphia, Pensylvania
1873 / Philadelphia, Pensylvania
* ----1838/ ----/ Philadelphia, Pensylvania
1.5.3.1.2.3.4 ---- Catherine Conover ----
• Isaac Lott • Henry Lott ---- ---- ----
* ----1792/ ----/ Mehoopany, Wyoming, Pensylv. * ----1802/ ----/ Philadelphia, Pensylvania 1.5.3.1.2.3.2.4 1.5.3.1.2.3.2.5 1.5.3.1.2.3.2.6
----
----
---- • Henry Lott • Elijah Lott • Lois Bache Lott
----
* 1823 / Philadelphia, Pensylvania
---- / ----
* 1835 / Philadelphia, Pensylvania
---- / ----
* ----1825/ ----/ Philadelphia, Pensylvania
---- ---- Marilda Wintermote
---- ---- ----
Continua
Famílias se cruzam
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
18/18
A Árvore Genealógica
Lott no Brasil
• Edward Lott • ---- Mrs Lott
---- / Exeter, Devon, Inglaterra ---- / Inglaterra
* ---- / Exeter, Devon, Inglaterra * ---- / Inglaterra
* ----
1858 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil
/ -----
* ----
1860 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil
/ -----
* 1956
1862 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil
/ ----, Minas Gerais, Brasil
* ----
1863 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil
/ ----- * Data
Data e Local de Nascimento
---- Ricardo Gomide Morgan Maria Cândida Malvina Linhares Guerra José de Melo Brandão
e Local de Falecimento
Não teve filhos 9 filhos e 7 filhas PAG 06 5 filhos e 6 filhas PAG 07 2 filhos e 4 filhas PAG 07 Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
01/15
2.2.1
• Maria Carolina da Silva Lott • José de Melo de Souza Brandão
1849 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
2.2.1.1 2.2.1.2
• Aurelina de Melo Brandão • Hermano de Melo Brandão
* ---- / ----
---- / -----
* ----
---- / ----
/ -----
José Francisco Olinda de Aguiar
2 filhos 3 filhos
2.2.2
• Josephina Thereza da Silva Lott • Paschal Ruocculo
1850 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
02/15
2.2.4
• Eduardo Alfredo Caldeira Lott • Rita Augusta de Lima
1853 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
2.2.5
• Henrique Mathew Caldeira Lott • Maria Baptistina Duffles Teixeira
1855 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
03/15
2.2.5.1 2º Casamento / 1952
• Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott • Laura Ferreira do Amaral • Antonieta Duffles Teixeira de Andrade
1894 / Sítio, Minas Gerais, Brasil ---- / ---- ---- / ----
* 1984 / Rio de Janeiro, RJ, Brasil * 1650 / Rio de Janeiro, RJ, Brasil * ---- / ----
Prima de Henrique, Não tiveram filhos
Porém, ela tinha do 1º casamento. Era viúva.
* ----
28.06.1944 / ----
/ faleceu jovem 2.2.5.1.3.1 2.2.5.1.3.2 2.2.5.1.4.2
---- • Regina Maria Lott C. Cunha • Elizabeth Lott Coutinho Cunha • Lura Maria Lott Nóbrega
----
* 30.01.1949 / ----
---- / ----
* 08.02.1953 / ----
---- / ----
* ----
17.06.1949 / ----
/ ----
2.2.5.1.2.2 ---- ---- ----
• Oscar H. Lott de Morais Costa ---- ---- ----
* ----
29.08.1945 / ----
/ ---- 2.2.5.1.3.3 2.2.5.1.3.4 2.2.5.1.4.3
---- • Paulo Lott Coutinho Dutra • Waldemar Henrique Lott C. Dutra • Henrique Lott PAcheco
----
* 25.09.1954/ ----
---- / ----
* 03.04.1956 / ----
---- / ----
* ----
22.10.1960 / ----
/ ----
2.2.5.1.2.3 ---- ---- ----
• Nelson Luis Lott de M. Costa ---- ---- ----
* ----
25.04.1949 / ----
/ ----
----
----
2.2.5.1.2.4
• Carlos Eduardo Lott de M. Costa
2.2.5.1.2.5
• Laura Lúcia Lott de M. Costa
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
* ----
16.09.1953 / ----
/ ---- * ----
08.10.1958 / ----
Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
/ ---- Continua
---- ---- Informação não encontrada
---- Famílias se cruzam
----
----
04/15
2.2.5.1.6
• Lauro Henrique Lott • Déa Boreli
---- / ---- ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
Continua
Famílias se cruzam
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
05/15
2.2.7
Margarida Branca Caldeira Lott • Ricardo Gomide Morgan
1860 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
Continua
Famílias se cruzam
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
06/15
2.2.9
• Sílvia Lúcia da Silva lott • José de Melo Brandão
1863 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
2.2.8
• Hermano Felisberto Caldeira Lott • Maria Cândida Malvina Linhares Guerra
1862 / Serro Frio, Minas Gerais, Brasil ---- / ----
* 1956 / ----, Minas Gerais, Brasil * ---- / ----
2.2.8.8 2.2.8.9
• Clarice Lott • Maria Carmelita Lott
2.2.8.10
• Carlos Alberto Lott
2.2.8.11
• José Carlos Lott * Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
* ----
---- / ----
/ ----- * ----
---- / ----
/ ----- * ----
---- / ----
/ ----- * ----
---- / ----
/ ----- Número de filhos do casal
Edmundo Campanhã Burjato Lafaiete Maia Odete Jardim de Rezende Maria Cândida Baptista de Melo ---- Informação não encontrada
2 filhos PAG 15 2 filhos PAG 15 3 filhos PAG 15 1 filho (Adarico Batista Lott)
07/15
2.2.8.2
• Hermano Lott Júnior • Marina Diniz Drummond
* ---- / Ouro Preto-MG
---- / ---- * ---- / São Paulo-SP
---- / ----
Continua
* 2º Casamento
Marcio Stancioli
Famílias se cruzam
08/15
2.2.8.3
• Mário Hermanson Lott • Nair Andrade de Magalhães Gomes
---- / Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil 24.12.1898 / Bias Fortes, Barbacena, Minas Gerais, Brasil
* 1962 / Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil * 13.01.1981 / ----
2.2.8.3.1 2.2.8.3.4
2.2.8.3.2
• Maurício Magalhães Lott 2.2.8.3.3 • Múcio Magalhães Lott 2.2.8.3.5
• Milton Magalhães Lott • Moacyr Magalhães Lott • Mário Lott Júnior
04.11.1922 / ----, Minas Gerais, Brasil
* 23.03.2003 * 08.06.1928 / Itabirito, Minas Gerais, Brasil
/ -----
Cide Salomão (falecida em 1952)
* 21.10.1924 / Guanhães, Minas Gerais, Brasil
/ Reside em Belo Horizonte, MG, Brasil
* 15.06.1926 / Guanhães, Minas Gerais, Brasil
/ ----
---- / -----
Selma Helena Moura (falecida em 1967) * ----
11.11.1929 / Itabirito, Minas Gerais, Brasil
/ -----
1 filho e 2 filhas Alpherina Maçolla Leoni Maria Bianchini 3 filhos e 1 filha Dila Moura (falecida em 1988)
Clélia Fernandes 3 filhos e 4 filhas PAG 10 2 filhos e 1 filha PAG 11 Valmira da Conceição 1 filho e 3 filhas PAG 12
4 filhas 2 filhas PAG 12
2.2.8.3.1 2º Casamento
• Maurício Magalhães lott • Cide Salomão • Clélia Fernandes
04.11.1922 / ----, Minas Gerais, Brasil ---- / ---- ---- / ----
* 23.02.2003 / ---- * 1952 / ---- * ---- / ----
Ronaldo Lage Villela Aristides Fernando Giannetti Teixeira Santos Alexandre Santiago Prímola
3 filhos (Débora, Polyana e Priscila) 2 filhos (Érica e Leonardo) 2 filhos (Diogo e Eduarda) 2 filhos (Bernardo e Caio)
09/15
2.2.8.3.2
• Milton Magalhães Lott • Alpherina Marçolla
* 21.10.1924 / Guanhães, Minas Gerais, Brasil
/ Reside em Belo Horizonte, MG, Brasil * ----//Reside
----
em Belo Horizonte, MG, Brasil
2.2.8.3.2.3.1 2.2.8.3.2.7.1
• Vinícius Thibau Lott • João Pedro Matos Lott
* 1977 / Belo Horizonte, MG, Brasil
/ Reside em Belo Horizonte, MG, Brasil * ----/ Reside
/ ----
em Belo Horizonte, MG, Brasil
---- ----
Não tem filhos Não tem filhos
2.2.8.3.2.3.2 2.2.8.3.2.7.2
2.2.8.3.2.2 • Cristiane Thibau Lott • Marcelo Matos Lott
• Flávio Marçolla Lott • Iara Ferreira Pires * 1980 / Belo Horizonte, MG, Brasil
/ Reside em Belo Horizonte, MG, Brasil * ----/ Reside
/ ----
em Belo Horizonte, MG, Brasil
---- ----
05.07.1950 / Belo Horizonte, MG, Brasil 01.08.1952 / Volta Redonda, RJ, Brasil
* / Reside em Campo Grande, MS, Brasil * / Reside em Campo Grande, MS, Brasil
Não tem filhos Não tem filhos
2.2.8.3.2.2.1
• Janaína Ferreira Lott
2.2.8.3.2.2.2
• Rodrigo Ferreira Lott
2.2.8.3.2.2.3
• Rafael Ferreira Lott
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
* 01.01.1978 / Belo Horizonte, MG, Brasil
/ Reside em Campo Grande, MS, Brasil * 12.01.1980 / Florianópolis, SC, Brasil
/ Reside em Campo Grande, MS, Brasil * 12.01.1980 / Florianópolis, SC, Brasil
/ Reside em Campo Grande, MS, Brasil Número de filhos do casal Continua
Franco Marquez de Godoy ---- Suzy Mary de Arruda Figueiras ---- Informação não encontrada Famílias se cruzam
Não tem filhos Não tem filhos Henrique Figueiras Lott nascido em 2011
10/15
2.2.8.3.3
• Moacyr Magalhães Lott • Leoni Maria Bianchini
* 15.06.1926
/ ----
/ Guanhães, Minas Gerais, Brasil
* 01.03.1933
/ ----
/ Lavras, Minas Gerais, Brasil
2.2.8.3.3.1.2 2.2.8.3.3.2.2
• Thales Bianchini Lott Nascimento • Anna Beatriz Carneiro Lott
* 02.05.1989 / Belo Horizonte, MG, Brasil
---- / ---- * ----27.08.1982
/ ----
/ Cabo Frio, RJ, Brasil
---- ----
---- Não teve filhos
Continua
Famílias se cruzam
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
11/15
2.2.8.3.4 2º Casamento
• Múcio Magalhães Lott • Selma Helena Moura • Valmira da Conceição Silveira
08.06.1928 / Itabirito, Minas Gerais, Brasil ---- / ---- ---- / ----
* ---- / ---- * 1967 / ---- * ---- / ----
2.2.8.3.5
• Mário Lott Júnior • Dila Moura
* 11.11.1929
/ ----
/ Itabirito, Minas Gerais, Brasil ---- / ----
* 1988 / ----
Continua
Famílias se cruzam
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
12/15
2.2.8.3.7
• Stela Lott de Almeida Cunha • José Carlos de Almeida Cunha
---- / ---- ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
2.2.8.3.8
• Mauro Magalhães Lott • Maria Heibuth Gonçalves
31.07.1935 / Belo Horizonte, MG, Brasil ---- / ----
* 26.11.1980 / Poços de Caldas, MG, Brasil * ---- / ----
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
Nome da Esposa/Esposo
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
13/15
2.2.8.3.9
• Marcos de Magalhães Lott • Lilia de Carvalho
02.01.1939 / Belo Horizonte, MG, Brasil ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
Continua
2.2.8.7.2.1 2.2.8.7.2.2 Famílias se cruzam
• • Mário Lott Guimarães Filho • Marcelo Lott Guimarães
* ---- / -----
---- / ----- * ----
---- / -----
/ -----
* Data
Data e Local de Nascimento
e Local de Falecimento
---- Soraia Nome da Esposa/Esposo
2 filhos ( Carolina e Daniel ) 2 filhos ( Henrique e Cristiana ) Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
14/15
2.2.8.8
• Clarice Lott • Edmundo Campanhã Burjato
---- / ---- ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
2.2.8.8.1 2.2.8.8.2
• Edmundo Lott Burjato • Vitor Hermano Lott Burjato
* ----
---- / ----
/ ----- * ----
---- / ----
/ -----
Marilena Rodrigues Waldeci Negreli
3 filhos ( Adriana, Carla e Henrique ) 1 filho ( Marcelo )
2.2.8.9
• Maria Carmelita Lott • Lafaiete Maia
---- / ---- ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ----
2.2.8.9.1 2.2.8.9.2
• Nilza Lott Maia • Maria Lúcia Lott Maia
* ---- / ----
---- / ----- * ----
---- / ----
/ -----
Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Gastão Sete Cámara
1 filho ( João Lafaiete Lott Maia ) 3 filhos ( Gastão, Luciana, Guilherme )
2.2.8.10
• Carlos Alberto Lott • Odete Jardim de Rezende
---- / ---- ---- / ----
* ---- / ---- * ---- / ---- Continua
Famílias se cruzam
* ---- / -----
---- / ----- * ---- / -----
---- / ----- * ---- / -----
---- / -----
Número de filhos do casal
---- Informação não encontrada
Lígia Brito de Souza Álvaro Henrique Viana de Morais Manuel Bonfim Freire
4 filhos ( Gisele, Priscila, Alberto Alexandre 4 filho (Ana Cláudia, Ana Eliza, Rodrigo 2 filhas (Ana Cristina e Vera Maria)
e Carlos Frederico Souza Lott) e Álvaro Henrique Lott )
15/15
A anexos
A
H Henrique Baptista Duffes
Teixeira Lott
Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott nasceu em Sítio (MG), hoje município de Antônio Carlos, no dia 16 de
novembro de 1894, filho de Henrique Matthew Lott e de Maria Baptista Duffles Teixeira Lott. Em 1905, matriculou-se no
Colégio Militar (RJ). Sentou praça em março de 1911. Promovido a primeiro-tenente em novembro de 1920, fez os cursos
de engenharia militar, cavalaria e infantaria, em cuja arma obteve o primeiro lugar da turma.
Em março de 1925, Lott matriculou-se no primeiro ano da Escola de Estado-Maior do Exército, cujo curso
concluiu em dezembro de 1927. Quando irrompeu a Revolução de 1930, Lott servia ainda como instrutor da Escola Militar,
onde comandava um batalhão.
Em novembro de 1944 foi promovido a general-de-brigada, seguindo logo depois para Santa Maria (RS) como
comandante da Infantaria Divisionária local (ID/3). Estava nesse posto quando, sondado, aquiesceu com o movimento
militar que destituiu o presidente Getúlio Vargas no dia 29 de outubro de 1945. Deixou a ID/3 em março de 1946, para
comandar a ID/2, em São Paulo. Em dezembro de 1946 foi nomeado adido militar junto à embaixada brasileira em
Washington.
Em 1954, no próprio dia do suicídio de Vargas, o vice-presidente João Café Filho tomou posse na presidência da
República. Conhecido por suas posições de intolerância a qualquer indisciplina militar, Lott foi imediatamente escolhido
para ocupar o Ministério da Guerra.
Transcorridas as eleições no dia 3 de outubro de 1955, Kubitschek e Goulart obtiveram a maior votação.
Empossados, Lott foi mantido no Ministério da Guerra. Já em fevereiro de 1956 teve que enfrentar uma rebelião militar,
conhecida como Revolta de Jacareacanga, no Pará. O movimento era chefiado pelo major-aviador Haroldo Veloso e pelo
capitão-aviador José Chaves Lameirão, envolvendo uns poucos militares daAeronáutica.
Preocupado em governar numa atmosfera de distensão, o presidente Kubitschek obteve do Congresso a concessão
de uma anistia "ampla e irrestrita" para todos os civis e militares acusados de haverem cometido "atos revolucionários"
entre 10 de novembro de 1955 e 1º e março de 1956, incluindo assim os rebeldes de Jacareacanga. Ainda em maio de 1956,
quando ocorreu a primeira manifestação popular liderada pelos estudantes contra o aumento das tarifas de bonde no Rio de
Janeiro, Lott foi convocado por Kubitschek para que fosse encontrada uma forma de sustar o movimento. A cidade foi
ocupada por tropas militares, a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi cercada e até deputados foram espancados pela
polícia, fato que provocou protestos na Câmara.
No dia 2 de outubro de 1956 Lott fez parte da comitiva encabeçada pelo presidente Juscelino Kubitschek na visita
ao local escolhido para a construção de Brasília. No tocante ao capital estrangeiro, em perfeita sintonia com Kubitschek,
defendia sua entrada maciça no país, declarando à revista O Cruzeiro que, na prática, não via dicotomia entre "capital
estrangeiro" e "capital nacional", mas lhe interessava somente o capital "em si’, como mola do progresso. Nessa entrevista
afirmou ainda sua profunda convicção anticomunista.
No final de 1956 o governo norte-americano incumbiu seu embaixador no Brasil de propor às autoridades
brasileiras a instalação, em Pernambuco, de uma estação de rastreamento de foguetes. Juscelino submeteu o assunto aos
três ministros militares, que vetaram o local escolhido, sugerindo a ilha de Fernando de Noronha. Em 17 de dezembro de
1956 o acordo foi assinado, tendo ainda recebido um último ajuste no dia 21 de janeiro de 1957. Pela concessão o Brasil
recebeu cerca de 100 milhões de dólares em armamentos.
Com sua atuação em defesa da ordem e da legalidade, Lott desagradava profundamente aos círculos
oposicionistas do governo Kubitschek. Em maio de 1957, passando por cima das autoridades policiais locais, o Exército
interveio colocando tanques nas estradas para impedir o movimento que ficou conhecido como a Marcha da Produção,
organizada por cafeicultores do Paraná, São Paulo e Minas Gerais. Os agricultores pretendiam marchar em direção ao
Catete, saindo uma coluna de cada estado, com o objetivo de pressionar o governo para uma reforma no sistema cambial
que viesse a beneficiar a cafeicultura.
Retornando a São Paulo em junho, Lott foi homenageado com um banquete pelos principais comandantes do
Exército e da Aeronáutica naquele estado. Na ocasião, vários oficiais da Força Aérea Brasileira (FAB) que não
compareceram ao ato foram presos. Ainda no mês de junho Lott entrou em atrito com o ministro da Fazenda, José Maria
Alkmin, em torno do aumento do custo de vida. Em memorial enviado a Juscelino, o ministro da Guerra chegou a apontar
Alkmin como o responsável direto pela crise financeira. Nesse mesmo período Lott sofreu pesado ataque da imprensa
oposicionista por se ter declarado favorável ao projeto de lei que instituía o voto aos analfabetos. O projeto foi apresentado
pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e derrotado na Câmara em agosto de 1957.
Em maio de 1958, quando os cafeicultores de São Paulo tentaram novamente realizar a Marcha da Produção, o
ministro da Guerra reagiu da mesma forma que no ano anterior, impedindo a realização do movimento.
No mês seguinte ocorreu outro atrito entre Lott e Alkmin. Enquanto o ministro da Guerra era contrário ao
reatamento das relações comerciais do Brasil com a União Soviética por motivos de segurança, o ministro da Fazenda
defendia essa medida, visando, entre outras coisas, a exportação de café para aquele país. Esse conflito gerou uma séria
crise no interior do governo eAlkmin acabou por demitir-se do ministério em 1958.
Em agosto do mesmo ano, o secretário de Estado norte-americano John Foster Dulles visitou o Brasil. Diante de
suas pressões no sentido de que se alterasse o estatuto da Petrobras, Lott pronunciou uma frase que se tornaria célebre: "A
Petrobras é intocável."
Transferido para a reserva remunerada no posto de marechal em janeiro de 1959, no final de março o ministro da
Guerra viajou aos Estados Unidos para uma visita oficial de três semanas. Por ocasião de seu embarque no aeroporto do
Galeão, no Rio de Janeiro, houve uma verdadeira manifestação pública em seu favor à qual compareceram grande massa
popular e notórias personalidades políticas e militares, destacando-se a presença do vice-presidente, João Goulart. Nos
Estados Unidos o marechal foi questionado acerca da notícia que corria no Brasil, segundo a qual a Frente Parlamentar
Nacionalista — criada em 1956 na Câmara dos Deputados, reunindo parlamentares de quase todos os partidos políticos em
defesa de ideais nacionalistas — lançaria sua candidatura à presidência da República nas eleições de 1960. Lott, na ocasião,
declarou que não lhe interessava ser candidato.
Em 11 de fevereiro de 1960 Lott deixou o ministério, desincompatibilizando-se para concorrer às eleições. Jânio
Quadros tomou posse no dia 31 de janeiro de 1961, mas renunciou a seu mandato na presidência da República em 25 de
agosto do mesmo ano. Logo após a renúncia, os ministros militares — marechal Odílio Denis, almirante Sílvio Heck e
brigadeiro Gabriel Grün Moss — declararam a inconveniência de que o vice-presidente João Goulart, que se encontrava no
exterior, assumisse a presidência. No dia seguinte Lott divulgou um manifesto "às forças vivas da nação, às forças da
produção e do pensamento, aos estudantes e aos intelectuais, aos operários e ao povo em geral", conclamando-os a tomar
posição em defesa da Constituição. Em função deste manifesto, foi imediatamente preso e conduzido à fortaleza de Laje.
No dia 1º de abril de 1964 o presidente João Goulart foi derrubado por um movimento político-militar. Na ocasião,
Lott declarou numa nota a seus colegas de armas que era "completamente antidemocrático e contrário aos interesses
nacionais procurar depor um presidente da República mediante uma insurreição".
Depois de dez anos inteiramente recolhido à vida privada, em 27 de setembro de 1975 Lott recebeu a Comenda da
Escola de Estado-Maior dos Estados Unidos, no consulado norte-americano no Rio de Janeiro. Ao completar 85 anos em
novembro de 1979, defendeu publicamente a necessidade e a importância da anistia.
Casou-se duas vezes, em segundas núpcias com Antonieta Duffles de Andrade Lott. Faleceu no Rio de Janeiro, no
dia 19 de maio de 1984.
Fonte: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós 1930
Marechal Henrique Lott em traje militar. Cartão de Natal de 1960 / Lott e Jango.
O Cruzeiro - 24 de setembro de 1960.
As grandes coisas exigem silêncio, ou que delas falemos com grandeza. Grandeza significa: cinismo e inocência.
Claro está que Nietzsche, mestre incandescente que já iluminou minhas auroras, não emprega o termo cinismo na sua acepção
comum. O cinismo dele está incrustado no medalhão de uma corrente filosófica. Significa desprezo às convenções. Cínico,
assim, sempre fui. Tentarei ser inocente.
Vitória &Apelo
Perguntei-lhe certa vez se estava convencido da sua vitória.
Respondeu:
- Não posso empregar tal palavra porque a considero muito forte. Não estou convencido. Mas creio que
vou vencer.
Abordamos depois um assunto que dá muito bem uma idéia de como é o marechal por dentro.Algo que
considero importantissimo dentro desta história. Perguntei-lhe:
- O apoio de Juscelino vem ou não vem, marechal?
Respondeu:
- Não quero ser eleito com o prestígio de outro. Ou querem que eu seja presidente, ou não querem.
Desejo ter autoridade própria. Não pretendo ser reflexo de ninguém. Isso poderá parecer orgulho ou
vaidade, mas não é uma coisa nem outra. O presidente Juscelino não precisa dizer mais do que tem dito:
que fui seu auxiliar, que cooperei com lealdade e dedicação. E não está dizendo nada demais, porque
esta foi a verdade. Seus adeptos, porém, não se conformam com isso. Falam em compromissos. Em traição. Esbravejam. Se
queixam de falta de dinheiro para a campanha.
O marechal permanece inalterável.
Comunismo & Nacionalismo
Gosta de dizer o que pensa. Faz isso sempre. Mesmo quando sabe que suas palavras talvez não lhe atraiam votos.
Foi assim no Recife, ao afirmar que era contra o comunismo e contra as relações do Brasil com a Rússia. Não é homem de
meios-têrmos. Faz questão de não ser político sob tal aspecto. Raciocina assim:
- Sendo nacionalista, não posso ser internacionalista. E o comunismo, afinal de contas, é uma orientação internacionalista.
Se não quero sujeitar meu país a outro, economicamente, como vou sujeitá-lo
politicamente? Seria falta de coerência.
Coragem êle tem.
Urso e Ministério
Lott tirou o primeiro lugar em todos os cursos que fez. Dizem que jamais alguém o viu dando abraços na rua na base
eufórica do “olá, como tem passado”. Mas o que tem de sóbrio, tem de franco. Querem ver? Pergunto-lhe se, em caso de
vitória, formará um ministério civil ou militar.
Responde:
- Ainda não pensei nisso. Não gosto de contar com a pele do urso antes de ver o urso morto.
É provável que as pastas militares fiquem com militares. Sei que, em relação aos partidos que o apóiam, foi bem claro:
não aceitaria a indicação de ninguém. Êle próprio escolheria seus auxiliares diretos dentro de tais partidos.
P.F. - Marechal, primeiramente, gostaríamos que o senhor nos contasse alguma coisa sobre a sua infância, suas origens
familiares e sua opção pela carreira militar.
H.L. - Nasci em Sítio, Minas Gerais, uma estação próxima de Barbacena, e que hoje tem o nome de Antônio Carlos. Sítio está a
mais de mil metros de altitude e, como todo o estado, não se pode dizer uma região montanhosa, mas coberta de morros, com
pouco mato e de vegetação rasteira. Passei nesta cidade pequena parte da minha vida. Minha mãe era professora, e logo viemos
morar no Rio, onde ela assumiu a função de diretora de escola. Moramos primeiramente na rua do Costa, no próprio edifício
escolar, transferindo-nos depois para a rua Santos Rodrigues, no Estácio, e finalmente para a rua da Matriz, em 1904.
Ingressei no Colégio Militar com dez anos de idade. Fiz aniversário em novembro e em março me matriculei,
inicialmente como interno, passando a semana no colégio e vindo aos sábados para casa. Acho que esta opção pela carreira das
armas está relacionada com o fato de meus antepassados terem sido militares. Uma espécie de hereditariedade. Meu bisavô, que
era filho de um commodore da Marinha britânica, foi coronel do Exército inglês e combateu no Canadá contra a França. Seu
filho, porém, Eduardo Williams Jacobson Lott, não conseguiu matricular-se na Escola Militar, porque não tinha altura
suficiente, tendo por isso interrompido seus estudos e emigrado para o Brasil.
Meu avô materno, João Batista da Costa Teixeira, tinha vontade que eu fosse para a Marinha. Ele tinha um primo
irmão, que era almirante em Portugal e esperava que eu o encontrasse na viagem de circunavegação, que se faz ao fim do curso
da Escola Naval. Eu estava disposto a ingressar na Marinha mas, indo tomar o bonde na Galeria Cruzeiro para ir para minha casa
em Botafogo, me encontrei com colegas que vinham de falar com o presidente da República. O marechal Hermes, segundo eles,
havia prometido reabrir a Escola de Guerra no Rio, que passaria a se chamar Escola Tática de Realengo. Como todos eles - com
exceção de Nílson Portilho - iam para a Escola Militar, acabei me animando a acompanhá-los, pois estava aborrecido com um
episódio ocorrido na Escola Naval.
P.F. - Eu pediria que o senhor nos contasse este episódio.
H.L. - Não pertenço a uma família rica. Meu pai foi industrial, mas de pouca sorte nos negócios; minha mãe era professora, até
hoje as professoras ganham uma miséria. Se não fosse termos morado durante algum tempo nos prédios escolares, não sei como
poderíamos ter sobrevivido. Meu avô, que era português, foi chefe da contabilidade da Companhia das Loterias Nacionais.
Tinha um ordenado relativamente bom, morava conosco e nos ajudava, de modo que assim íamos vivendo. Eu não tinha roupa
civil. Era do Colégio Militar e andava sempre com as minhas fardas, naquele tempo calça vermelha e blusa marrom. Eu era
comandante no Colégio Militar e, quando fui fazer inscrição na Escola Naval, tinha cinco galões, além de um laço que vinha
pelo ombro. O secretário, pela farda, percebeu que eu não devia se rico mas estudioso, porque era comandante-aluno do Colégio
Militar. Quando fui escrever meu nome no livro de inscrição (por coincidência, eu era o primeiro de uma página), voltei a folha
para ver se outros colegas - Edgar Ferreira do Amaral, Nélson Coutinho - de fato tinham se inscrito na Escola Naval. O
secretário, então, que era um capitão-tenente, me passou um pito danado: "Que indiscrição! O senhor está voltando as folhas..."
Eu estava tentando explicar-lhe que minha intenção era apenas ver se de fato meus colegas do Colégio Militar se haviam
inscrito, quando chegou um rapaz, em trajes civis, muito bem vestido, e o secretário voltou-se e perguntou: "O que veio fazer?"
Ele respondeu: "Vim me inscrever. Meu nome é Edgar Ferreira do Amaral." Ao ouvir o nome, o secretário prosseguiu: "E qual
seu parentesco com o general Ferreira do Amaral, médico do presidente da República?" O rapaz disse que era filho e o capitão,
abrindo um sorriso, convidou: "Então, senta aqui, faz favor." Isso me feriu profundamente: a maneira diferente de ele tratar a
mim, que era pobre, e um outro, que era filho do general-médico, médico do presidente de República. Isso havia me aborrecido.
Quando cheguei à Galeria Cruzeiro, encontrei meus colegas e soube que a Escola Militar ia reabrir; em casa, conversei com
meus pais e meu avô, que disseram: "A vida é sua. Você decide como achar conveniente." E me matriculei na Escola Militar em
1911.
P.F. - O fato de o senhor ter cursado o Colégio Militar já não o induzia necessariamente para a Escola Militar?
H.L. - Para minha família foi um sacrifício grande matricular-me no Colégio Militar, porque como interno eu pagava 250 mil-
réis por trimestre. Mamãe ganhava apenas 300 mil-réis como professora, e papai quase não ganhava nada, pois teve pouca sorte
nos negócios. O ambiente do Colégio Militar naturalmente predispôs-me a seguir uma profissão militar qualquer. E tive muita
sorte no Colégio Militar, pois peguei comandante muito bom, Alexandre Barreto, excelentes professores e também um ótimo
oficial responsável pelo serviço de disciplina, o major Espiridião Rosa, que seria mais tarde comandante do Colégio Militar de
Barbacena, um homem correto, excelente disciplinador, mas justo e bondoso. Tivemos um professor de latim, a quem
chamávamos Tenaere, porque ele dizia tenius, tenae, tenaere; o nosso professor de história natural, quando tratava da fisiologia
dos diferentes órgãos do corpo humano, dizia: "O importante é o pâncreas; os senhores têm o pâncreas; falam no estômago,
falam no intestino, mas não falam no pâncreas". Tinha, por isso, o apelido de pâncreas. E havia um outro que tinha sobrancelha
muito grossa e usava bigode, que nós chamávamos de Tetagode.
P.F. - Os alunos pagavam para freqüentar o Colégio?
H.L. - Os órfãos de militares não pagavam, os filhos de militares pagavam menos, mas os filhos de civis pagavam 250 mil-réis
por trimestre no internato, ou 200 mil-réis no externato. Era natural, portanto, que houvesse muitos filhos de militares...
I.F. - O senhor entrou para o Colégio Militar por concurso?
H.L. - Sim, havia uma prova de admissão. Quando me matriculei no Colégio Militar o curso abrangia seis anos, mas depois
houve uma modificação, acrescentando-se mais um ano, de modo que ao terminar a terceira série deveria enfrentar um quarto
ano, com grandes dificuldades, pois o que eu tinha aprendido até então não era suficiente para que pudesse estudar ao mesmo
tempo muitas matérias, algumas difíceis, como química desenvolvida, física, álgebra superior. Tive então alguma dificuldade,
inclusive porque havia uns professores muito exigentes, mas deu-se um fato interessante. Apesar da dificuldade, passei de ano
mas meus pais, vendo que eu tinha passado em condições não muito aceitáveis, resolveram que eu repetiria a terceira série; daí
em diante fui sempre o primeiro aluno da turma.
Vejam, pois, como uma das coisas mais importantes na educação do ser humano é a sua hereditariedade. As condições
físicas e psíquicas do indivíduo contam muito, mas o ambiente em que ele se cria, o lar, os seus pais, seus avós, seus irmãos têm
importância fundamental em toda vida. Hoje tenho a oportunidade de poder ler sobre assuntos relacionados com o ser humano -
psicologia - e os vários livros que possuo a esse respeito acentuam tanto o aspecto hereditário como o aspecto ambiental.
P.F. - Há algum professor ou algum militar que fosse um exemplo, uma figura que o impressionou muito, que teve alguma
especial influência na sua formação?
H.L. - Quase todos os professores eram bons.Arlindo de Sousa, por exemplo, aquele médico que nós chamávamos de Pâncreas,
ensinava muito bem, e com muita clareza. O professor de matemática, cujo nome infelizmente não me lembro agora, teve uma
grande influência na minha vida profissional. O professor de latim nos deu uma base muito boa de lingüística, que me renderia
mais tarde a facilidade de estudar o francês e de ler e compreender o espanhol e o italiano. Tivemos um professor de inglês, que
era bom conhecedor da gramática, mas como tinha uma péssima pronúncia me influenciou negativamente. É interessante, o
alemão é uma língua que possui aspectos que dificultam a aprendizagem, pois tem declinações como o latim e verbos muito
complicados. Há uns verbos separáveis que mudam de sentido quando se põe uma palavra no meio. É uma língua difícil, mas
tem uma compensação: as regras de pronúncia são seguidas sem maiores problemas. Com o inglês, não: a combinação de suas
vogais em uma palavra é diferente da combinação das mesmas vogais em outra palavra. E, como esse nosso professor não tinha
boa pronúncia, acabei tendo um sério problema ao lidar com ingleses e americanos, apesar de meu pai falar muito bem o inglês,
e meu avô ser inglês. Papai me ensinava inglês quando eu era menino, mas ele era muito exigente e me lia trechos de livros em
inglês, acordando-me com um cascudo, pois eu era pequeno e dormia com aquela lengalenga. Agora, com a língua francesa eu
tive muita sorte, porque no Colégio Militar tínhamos um sargento, Miguel Vicente de Paula Oliveira, a quem chamávamos de
Napoleão, que era maníaco pelo imperador francês e tinha muitos livros de Napoleão que nos emprestava. Eu fui aluno e
auxiliar da Missão Francesa, fui instrutor em escolas em que a missão funcionava, mais tarde estudei na Escola Superior de
Guerra em Paris e nunca tive problemas com a língua francesa.
P.F. - O senhor tinha falado que seu pai havia estudado no Caraça...
H.L. - Papai, apesar de ser filho de inglês e ser ele próprio anglicano, foi para o Caraça, que era uma escola de padres católicos
romanos. No Caraça foi colega de turma de João Pinheiro, que seria mais tarde governador de Minas Gerais.
P.F. - João Pinheiro foi uma mentalidade muito modernizante, muito empreendedora e o seu pai, pelo que o senhor disse, foi
uma pessoa que se aventurou na indústria, que também participava dessa mentalidade progressista. O senhor pode nos contar
um pouco sobre ele?
H.L. - Em Sítio, que hoje se chama Antônio Carlos, havia três famílias - Andrade, Sá Fortes e Andrada, do José Bonifácio - que
ocupavam três zonas distintas: os Andradas, na borda do campo; os Andrades, no centro do sítio; e do outro lado Sá Fortes, Bias
Fortes etc. Minha mãe, que é irmã da mãe de minha primeira esposa, se casou com um dos Andrades: Manuel Carlos Pereira de
Andrade. Meu bisavô trabalhou na construção da parte serrana da Estrada de Ferro Central do Brasil em Minas Gerais, como
contratador de engenheiros. Meu avô conheceu minha avó porque foi trabalhar na firma desse meu bisavô e lá se conheceram,
namoraram e se casaram. E mais tardem, também em Sítio, minha tia e meu tio Eudoro de Andrade se conheceram e se casaram.
O velho Manuel Carlos Pereira de Andrade deu as terras de graça para as linhas da estrada de ferro e para as casas do pessoal da
estação.
A família Andrade fez muito por Sítio. Eram industriais, tinham fábrica de manteiga, queijo e cigarros. Quando
começou a ser empregada a energia elétrica no Brasil, eles logo a utilizaram, sendo meu pai o construtor da barragem destinada
a esse fim. Aproveitando um curso d'água, que é uma das cabeceiras dos rios Grande e Bandeirinhas, papai lembrou de fazer
uma barragem, cavou a dinamite a parte rochosa do curso e utilizou grandes troncos de árvores. A água se elevava até certo
nível, correndo depois para um rego, que por sua vez iria tocar uma bobina Pelton, que fazia trabalhar as máquinas da fábrica.
Mais tarde, puseram geradores, dínamos, mas o início da eletricidade local foi resultado desse empreendimento de meu pai.
Quando houve a Exposição Nacional de 22, João Pinheiro empregou papai nas obras da Exposição, e talvez isso tenha
até contribuído para sua morte prematura. Papai estava dirigindo os homens quando um tábua escorregou e arranhou muito sua
perna. Ele não ligou. O ferimento arruinou, e depois de sofrer muito ele morreu com 57 anos. Eu estou com 84 anos; o pai dele,
vovô Lott, que morreu de câncer porque fumava cachimbo, morreu com 98; papai morreu só com 57, de sorte que esse acidente
contribuiu, embora houvesse também outro fato: ele fumava para tomar café e tomava café para fumar. Eu acho um absurdo
permitir-se propaganda do fumo. Na minha infância as mulheres do Brasil não fumavam. Nós tivemos duas empregadas,
Delfina e Maria, de um lugar chamado Cordeiro, no estado do Rio. Delfina, que era uma preta beiçuda, foi a primeira mulher
que vi fumar em minha vida. Passados os anos eu fui trabalhar na Dinamarca, fui fiscalizar uma fabricação de metralhadoras em
Copenhague, e no bonde via aquelas mocinhas loirinhas fumando e desenhava-se na minha mente a imagem da Delfina, da
crioula [risos] .
[INTERRUPÇÃO DE FITA]
2ª Entrevista: 25.10.1978
P.F. - Marechal, hoje gostaríamos de retomar o tema da Escola Militar do Realengo, a qual o senhor cursou entre 1911 e 1914.
Como se fez sentir, na instrução militar e no próprio direcionamento do Exército, o retorno daqueles oficiais que tinham ido à
Alemanha, os chamados jovens turcos, a mando do Hermes da Fonseca, entre os quais nós poderíamos lembrar Leitão de
Carvalho e Klinger?
H.L. - No tempo que eu cursei a Escola Militar, a influência desses oficiais chamados jovens turcos ainda não se tinha feito
sentir.Aescola, quando a cursei, nem era chamada Escola Militar, mas havia dois cursos - o da Escola de Guerra e o da Escola de
Aplicação de Infantaria e Cavalaria -, ambos no Realengo. Minha turma inaugurou a Escola de Aplicação. Viemos 48 que
havíamos concluído o curso no Colégio Militar em fins de 1910 e a nós se somaram mais oito reprovados da Escola de Guerra
do sul. A Escola Militar, então, funcionou no edifício que abrigou a Escola Preparatória e de Tática do Realengo,
caracterizando-se o prédio por ter a forma de um grande quadrilátero: dois lados eram alojamentos; o terceiro, o refeitório; e no
último as salas de aula, ficando na frente o gabinete de comando e também a parte administrativa da direção da escola. O
gabinete do oficial de dia e do sargento eram ao lado do corpo da guarda.A Escola teve bons comandantes, exigentes, mas muito
bons. Disciplinadores, muito sérios, muito honestos e muito justos; também teve um bom corpo de instrutores, dos quais o
melhor foi o então tenente Eurico Gaspar Dutra, que era instrutor da cavalaria. Excelente instrutor não só pela capacidade
profissional, mas por sua exemplar dedicação ao serviço. Ele teve uma grande influência na nossa formação profissional. Havia
outros bons instrutores, como um de infantaria que se destacou porque era grande andarilho, um entusiasmado pela infantaria,
mas profissionalmente não estava à altura do Dutra. A artilharia tinha uns nomes, dos quais também não me recordo agora, que
nos davam instrução e eram bons instrutores. Tínhamos ainda instrutor de ginástica. Os professores, de um modo geral, eram
bons mestres que procuravam por todos os modos, nas matérias pelas quais eram responsáveis, nos dar uma cultura que nos
habilitasse mais tarde a desempenhar bem nossas funções no Exército. Mas isso foi em 1911 e 1912, quando cursei a Escola de
Guerra; depois passei para a Escola de Aplicação de Infantaria e Cavalaria, que também era no Realengo, onde os instrutores
militares continuaram os mesmos, mas passamos a ter mais instrução teórica. Assim que terminamos o curso fui declarado
aspirante a oficial, em 2 de janeiro de 1914. A minha intenção era ir para a cavalaria, não só pelo fato de eu gostar de andar a
cavalo, mas também pelas qualidades excepcionais de meu instrutor, o então tenente Eurico Gaspar Dutra. Mas em conversa
com um ex-aspirante de cavalaria desanimei-me, devido às condições inadequadas em provimento de cavalos das unidades de
cavalaria.
P.F. - Faltavam cavalos?
H.L. - Não, os cavalos tinham mau aspecto; não eram cavalos bons. Mas o fator decisivo foi o fato de esse aspirante, que na
ocasião servia no 56º Batalhão de Caçadores situado na praia Vermelha, ter-me dito que sua unidade tinha um excelente
comandante, o coronel Onofre Luís Ribeiro, um bom fiscal, que era um engenheiro-militar, e um outro oficial, Armínio Borba
de Moura, também muito capaz, que tinha feito um estágio de dois anos na Alemanha. Além disso, o ambiente era muito
agradável pois o batalhão se alojava no prédio da antiga Exposição de 1908, junto ao mar, entre o Pão-de-Açúcar e a Urca. No
56º Batalhão de Caçadores tivemos uma instrução muito ativa. Naquele tempo não tinha havido o sorteio militar, de sorte que os
nossos soldados eram voluntários e ficavam no Exército até enjoar ou envelhecer. Havia um cabo, por exemplo, que me pediu
para dispensá-lo de um exercício que trazia algum risco: "Por favor, não me obrigue porque estou quase na hora de reformar e
não quero sair aleijado". Esses nossos comandados, porém, eram muito dedicados, como se pode ver através de um episódio
ocorrido comigo. Eu morava no quartel e costumava tomar banho de mar. Um dia, meu bagageiro - bagageiros eram os homens
responsáveis pelo cuidado das nossas coisas - perdeu um meu calção e cortou uma calça de seu próprio uniforme, pedindo que
eu aceitasse em substituição ao calção. Era uma gente assim, dedicada, o pessoal com quem lidávamos.
P.F. - Eu gostaria que o senhor esclarecesse uma coisa: esses voluntários de que camadas sociais saíam? Quem era esse
voluntariado?
H.L. - Naturalmente, eram homens pobres, que não tinham meios de vida lá fora. Em grande proporção, quase três-quartos,
eram nordestinos. E eles ficavam no Exército. Alguns chegavam a cabo; outros, pouco melhores, a sargento. Não havia ainda,
nessa ocasião, a escola para formação de cabos e sargentos; os sargentos e cabos eram formados na tropa, mas eram homens
obedientes, muito capazes, valentes em geral. O nordestino em geral é muito valente. De sorte que era uma tropa muito boa de se
comandar, que foi para mim uma excelente escola. Eu era muito moço, tinha apenas 19 anos, quando comecei minhas
atividades. Tinha feito aniversário em novembro e em janeiro fui para o Batalhão.
P.F. - O senhor acha que o fato de não existir serviço militar obrigatório pesava negativamente para o crescimento e mesmo para
o prestígio do Exército?
H.L. - Não se pode dizer que se pesasse o prestígio do Exército. O problema era que não se preparavam reservas para a
eventualidade do Brasil ter que ir para uma guerra. Porque esse homens serviam cinco, seis, sete ou oito anos, ao passo que um
sorteado serviria, quando muito, dois anos e passaria para a reserva. E o fato de servir traz ainda uma outra vantagem, porque o
Exército não ensina apenas um cidadão a se preparar para a guerra, mas dá educação, ensina a obedecer, ensina a cumprir o seu
dever, ensina as primeiras letras, ensina ginástica, tornando os soldados mais fortes, mais capazes; o Exército nivela. No
Exército, a doutrina de Cristo é aplicada: todos somos irmãos, ninguém é melhor do que o outro. Apenas os nossos atos fazem
com que possamos nos destacar em relação ao outro, ou no bom, ou no mau sentido. Enfim, tem uma série de vantagens o
serviço militar, para o país de um modo geral - pois esses homens quando voltam para os lugares de onde provieram, levam essa
educação, essa formação. Não é só a formação profissional para a eventualidade de uma guerra, mas essa formação cívica e
moral que é muito útil para o brasileiro.
P.F. - Então, o senhor acha que o Brasil neste momento não estava preparado para a eventualidade de uma guerra?
H.L. - O Brasil em geral não se preocupa muito com guerras. Por isso no passado tivemos séria dificuldades, inclusive as
guerras contra Oribe e Rosas e a Guerra do Paraguai, justamente por nós não nos preocuparmos muito com a formação de
nossas reservas. O Brasil precisava ter uma tropa para atender a uma eventual necessidades de defesa das nossas longuíssimas
fronteiras e também para manutenção da ordem pública e das autoridades constituídas. Essa era a finalidade precípua do
Exército naquele tempo. Mais tarde se iniciou o sorteio militar, anos depois, quando eu já não estava mais no 56º Batalhão de
Caçadores, pois tivemos que ir para o Contestado.
O Contestado foi resultado de um dissídio entre Paraná e Santa Catarina em certa zona fronteiriça, pois ambos
pretendiam o domínio de uma mesma região, que não sendo judiciada nem governada nem por um nem por outro, ficou sendo
uma espécie de terra de ninguém. E houve um cidadão chamado João Maria que resolveu aproveitar esse estado de coisas para
constituir uma espécie de estado à parte, tendo a religião como base, mas uma religião sui-generis cujos princípios não sei
exatamente quais eram, mas que constituía o móvel de congregação desses homens. Como o governo procurava combatê-los,
eles, para aumentar seu número encontraram uma solução inusitada: dominavam uma certa área, prendiam a população e a
levavam para seus acampamentos, onde prendiam mulheres e crianças, obrigando os homens a participar de suas lutas e suas
incursões. Depois de certo tempo, esse homens já ficavam com a responsabilidade de ter participado da luta e não podendo mais
se afastar se tornavam combatentes como todos os demais. Era uma gente valente, mas também bárbara sob certos pontos de
vista, pois procuravam, inclusive, matar nossos homens a facão.
[FINAL DAFITA2-A]
P.F. - Eu ia lhe perguntando se não tinha havido também lá no Contestado um problema de expulsão de camponeses de umas
terras por uma estrada de ferro, uma coisa qualquer assim.
H.L. - Não, pelo menos, se houve isso eu não tenho conhecimento. O governo, como em Canudos, ao invés de enviar tropas
suficientes para dominar essa insurreição, mandou pequenas colunas. A desordem, a luta de um modo geral, é como incêndio.
Quando começa, apaga-se com um copo d'água, mas depois de se desenvolver nem mesmo os bombeiros às vezes conseguem.
A mesma coisa são as insurreições e todas as outras lutas. Se o governo tivesse logo mandado uma grande tropa... Houve uma
coluna que foi completamente desbaratada, até o comandante, um capitão, foi sacrificado.
P.F. - Era seu colega de turma?
J.L. - Não, era muito mais antigo que eu; não o conheci pessoalmente. Mais tarde, o governo mandou mais tropas, porém ainda
insuficientes. Só em 1914 o governo resolveu esmagar a revolta e constituiu quatro colunas que vinham de várias direções .
Participei da Coluna Norte, comandada pelo nosso comandante de batalhão, Manuel Onofre Munis Ribeiro, a qual, como seu
nome indica, marchava do norte para o sul, rumo ao centro do reduto de Santa Maria. Tivemos lutas cruentas, sendo necessário
manter um alerta dia e noite, porque eles conheciam o terreno, uma mata de pinheiros, araucárias e também de imbuias, que são
árvores frondosas; e além disso, samambaias e em certas zonas uma plantação de erva-mate. Hoje já desbastaram quase toda a
mata, mas naquele tempo a vegetação facilitava a quem tinha o conhecimento do terreno, e que agindo de surpresa, podia
conseguir um êxito inicial. Nossos soldados, por isso, tinham horror, principalmente no escuro, de serem mortos a facão,
travando-se então um tiroteio a noite inteira, amenos que os oficiais estivessem atentos.
Ocorreu, por exemplo, um episódio à meia-noite do dia em que fiz 20 anos, em 16 de novembro de 1914, quando eu
estava justamente comandando uma trincheira. Como havia muita madeira no local - sendo, inclusive, as casas feitas desse
material - nós fazíamos revestimentos de tábua, colocávamos alguns toros de árvore, depois um pouco de terra e cobríamos
também de tábuas para proteger contra as chuvas. Assim, ficávamos alojados e prontos, abrigados, para nos defender dos
ataques dos fanáticos. Essa noite, tínhamos tido atividade o dia todo. Eu estava cansado e queria dormir, mas de vez em quando
o soldado que estava de sentinela perguntava: "Posso atirar?" Não autorizei, sem antes indagar: "Atirar em quê? Você está
vendo alguém?" Ele respondia: "Não..." E eu não deixava atirar, porque senão não havia munição que chegasse. A luta
continuou ainda durante muitos meses, mas não pude chegar até o fim. Tinha ido para o Paraná em setembro e já em dezembro
estava afetado pelo tifo, paratifo e impaludismo combinados, sendo forçado a baixar hospital, carregado em maca de
transportar defunto. Infelizmente, o meu colegaArmínio Borba de Moura, que tinha feito estágio naAlemanha, também chegou
poucos dias depois ao hospital... E nesse hospital os cuidados deixavam muito a desejar, tanto da parte dos médicos como dos
enfermeiros.
P.F. - O hospital era lá perto mesmo?
H.L. - Não, esse hospital era em Curitiba.
P.F. - Então, não era um hospital de campanha?
H.L. - Não. Primeiro fui para a enfermaria e depois para um pequeno hospital, situado no caminho; depois fui para o hospital de
Curitiba, porque minha moléstia era séria. Quando adoeci pesava 67 quilos e assim que pude andar me pesei, e estava com 47
quilos. Não sei por que não morri; talvez porque Deus não quis. E também, porque mamãe e meu irmão foram ao Paraná me
buscar. Armínio Borba de Moura, entretanto, não teve a mesma sorte. Certo dia ele tomou um banho para baixar a febre,
bebendo em seguida um líquido alcoólico para reação. Moura estava na cama quando veio a enfermeira e tentou dar leite a ele.
Mas ele não podia, com aquela xaropada toda, tomar leite por cima. A enfermeira insistiu, insistiu, até que eu disse: "A senhora
não vê, ele não pode beber leite, porque tomou isso". Ela então se convenceu e foi embora. Mas Armínio acabou morrendo
durante o tempo em que eu estava no hospital. Eu já estava um pouco melhor e minha mãe foi para lá, conseguindo licença para
que eu fosse primeiro para um hotel e depois para minha terra em Minas Gerais, onde fui tratado com muito carinho. Sítio
possuía um ótimo clima, ideal para cura de tuberculose e como meus parentes tinham fábrica de manteiga e queijo, muito bom
leite, horta, muitas frutas, eu pude arribar depressa.
P.F. - O comando geral da Campanha do Contestado coube a Setembrino de Carvalho, não é?
H.L. - É, ao general Setembrino de Carvalho, um homem muito capaz, muito dedicado etc. Ele conduzia muito bem as colunas,
mas no combate final em Santa Maria os jagunços lutaram até o fim como se passara em Canudos.
P.F. - Eu gostaria que o senhor falasse para nós alguma coisa acerca do Setembrino de Carvalho...
H.L. - Não lidei muito com o general Setembrino de Carvalho, pois era apenas um aspirante a oficial que servia numa de suas
colunas. O general Setembrino tinha exercido várias outras funções anteriormente, das quais não me recordo agora, mas todas
com grande competência. Na Campanha do Contestado coordenou de tal maneira a ação dessas quatro colunas que
conseguimos em tempo aceitável dominar, se não me engano em março, completamente os rebeldes.
P.F. - Eu lhe pergunto isso porque o Setembrino vai um pouco mais tarde, acho que em 1915, também exercer uma outra missão
de pacificação, desta vez no Ceará, onde se abrira um conflito entre o padre Cícero e o coronel Franco Rabelo, que estava no
poder.
H.L. - É.
P.F. - E depois mais tarde, em mil novecentos e vinte e poucos, ele vai novamente exercer uma missão de pacificação no Rio
Grande do Sul, conciliando as duas facções políticas que estavam desavindas naquele momento. O que eu lhe pergunto é como
o senhor via esse tipo de missão, menos no Setembrino, mais pela imagem que o Exército podia representar através da pessoa
dele.
H.L. - A pessoa dele era de um homem inteligente, muito equilibrado, dedicado a seus deveres e com grande coração. É essa
impressão que se tem do Setembrino.
P.F. - O senhor acha que estaria entre as missões principais do Exército, naquele momento de tantos conflitos, exercer essas
missões de pacificação?
H.L. - O fato de lhe terem confiado várias missões da mesma natureza é uma demonstração de que ele exercera bem as suas
funções e missões anteriores da mesma natureza.
P.F. - O senhor falou ainda há pouco dos problemas que as colunas do Exército enfrentaram ao se defrontarem com os grupos de
jagunços. O senhor acha que isso contribuiu para trazer à consciência do país e do Exército mesmo a necessidade de fazer um
Exército mais preparado para a guerra, mais adestrado, mais forte?
H.L. - Não sei. Nessa ocasião eu era apenas aspirante, mas seria natural que as dificuldades encontradas pelo nosso Exército no
cumprimento de certas missões despertassem nos seus chefes a idéia de que é preciso melhor prepará-lo para no futuro ele
exercer suas funções e cumprir suas missões em melhores condições. É natural isso. Mas o interessante dessa campanha era a
característica da região do Contestado, a mata. As casas eram construídas de madeira, com paredes de tábuas justapostas, de
sorte que às vezes, com a umidade e a secura do ar abria-se uma fresta por onde penetrava um frio que congelava a gente no
inverno; e a coberta também era de pequenas toras cortadas, depois acamadas de uma maneira especial. O assoalho também de
madeira, tendo em alguns pontos uma toras grandes, que suportavam toda a estrutura da casa. Em alguns lugares, os nossos
chefes mandavam queimar as casas, mas de um modo geral, na Campanha do Contestado se bem que houvesse alguma
violência nós respeitávamos muito a população. Aliás, as zonas em que nós agíamos já estavam vazias de seres humanos,
porque esses fugiam quando a luta se aproximava e iam para outra região do estado.
P.F. - Nesse mesmo período também se inicia a Primeira Guerra Mundial, não é?
H.L. - Sim, a Primeira Guerra Mundial vai justamente de 1914 a 1918.
P.F. - E como é que o senhor, como militar, viu e sentiu a eclosão de um conflito daquelas proporções?
H.L. - Naturalmente nós brasileiros estávamos afastados da região em que o conflito era travado, mas também sofríamos, como
todo mundo sofria, de ver tanta gente ser morta sem existir, afinal de contas, uma razão muito forte para que isso se processasse.
E havia uma outra possibilidade também de o Brasil tomar parte dessa guerra. Aliás, no fim da guerra, nós mandamos um
pequeno contigente. Nessa fase da Primeira Guerra Mundial, eu estava fazendo curso: tive que fazer curso de engenharia e
depois o Curso deAperfeiçoamento de Oficiais.
P.F. - O senhor retomou a escola, quer dizer, depois de ter acabado o curso, retomou para o completar como engenheiro no IME?
H.L. - É, para o curso de engenharia militar. E justamente quando estava fazendo esse curso, as aulas foram interrompidas e
fomos mandados nos apresentar à tropa para a eventualidade de sermos mandados para a guerra. Mas a guerra, graças a Deus,
acabou mais cedo.
P.F. -Aí o senhor já era segundo tenente?
H.L. - Já, fui promovido a segundo-tenente com dois anos de aspirante a oficial.
P.F. - E isso era comum?
H.L. - A nossa turma foi das que menos tempo demorou para ser promovida. Anteriormente, como havia excesso de oficiais, as
vagas destinadas aos aspirantes eram muito poucas. Alguns aspirantes a oficial passaram três a quatro anos antes de serem
promovidos a segundo-tenentes.
P.F. - Quer dizer que só na medida em que havia promoção de segundo-tenente se abriam vagas para promoção dos aspirantes?
H.L. - É, quando os segundo-tenentes fossem promovidos a primeiros haveria vagas de segundo-tenente, e os aspirantes então
eram promovidos nas suas vagas.
P.F. - E não havia um tempo fixo, um prazo fixo para isso?
H.L. - Não havia prazo fixo; dependia da maneira pela qual se processavam as vagas.
P.F. - Então, a profissão de militar era uma profissão que exigia uma abnegação muito grande, não é?
H.L. - A profissão militar, de um modo geral, exige abnegação. Os militares são os que se preparam de antemão para uma
eventual guerra e se houver qualquer guerra eles naturalmente terão que se envolver e além disso, para preparar seus
compatriotas. É uma profissão que a gente começa obedecendo e aprendendo, antes de mais nada, a sofrer; é uma profissão dura
de ser desempenhada; a abnegação é um dos elementos capitais para o bom desempenho da profissão.
P.F. - Talvez por isso, nesse tempo pelo menos os oficiais de postos superiores muitas vezes se dedicassem mais a cargos
públicos ligados à administração do que propriamente à corporação, não?
H.L. - Não era tão grande assim esse número. Na antiga Escola Militar da praia Vermelha, os engenheiros militares tinham uma
formação muito boa e eram os melhores engenheiros de que o Brasil dispunha naquele tempo. Por isso, eles foram chamados
para outras funções, na qual a sua qualificação profissional, a sua capacidade técnica era imprescindível. Alguns poucos eram
também arrastados para a política, pois a política sempre é o aspirados de todas as profissões. Nem a profissão militar,
infelizmente, escapa desse aspirador.
P.F. - Como é que o senhor via essa questão da política dentro do Exército?
H.L. - Nessa fase da nossa vida, a intervenção da política dentro do nosso Exército era muito pequena, a não ser nas lutas
intestinas que nós tivemos. Tivemos essa Campanha do Contestado, devido essa questão de limites; depois tivemos a revolução
de 22; depois tivemos São Paulo em 24; depois tivemos 30; depois nós tivemos 32; depois tivemos os comunistas em 35. Em
que será que nós falhamos? Numa fase relativamente curta, quantas lutas intestinas tivemos no Brasil, com brasileiros sendo
inimigos de brasileiros, com brasileiros matando brasileiros e fazendo sofrer brasileiros e brasileiras, homens, mulheres e
crianças!
P.F. - O senhor acha que isso teria levado pelo menos alguns militares a perceberem no Exército não só uma corporação com
finalidade de defesa externa, mas também uma corporação que tivesse também objetivo de garantir a paz interna ou a ordem
interna?
H.L. - Isso nós fazemos desde o dia em que nos obrigamos a manter os poderes constituídos, as leis e a Constituição. Isso é
fundamental para nós.
P.F. - Mas a Constituição de 91, isso é um fato muito curioso, ordenava ao militar que obedecesse à hierarquia e atendesse aos
chamados da disciplina, contanto que essa hierarquia e essa disciplina estivessem ao lado da lei. A própria Constituição de 1891
fazia essa restrição.
H.L. - Sempre a nossa obediência aos regulamentos militares está subordinada à lei suprema e à Constituição. Isso não oferece
dúvida.
P.F. - Mas não ocorreu o problema de ser dada uma determinada ordem e um grupo resolver achar que aquela medida é uma
medida legal, enquanto outro grupo acha que não é, que é ilegal?
H.L. - Esse drama foi vivido por numerosos militares de todos os postos, em várias épocas da história do Brasil. Eu tive a
oportunidade de viver esse drama de uma maneira acentuada por duas vezes. A primeira vez foi em 1930 e a segunda, quando
tive que dar o golpe. Em 1930 eu era instrutor da Escola Militar, quando começou a insurreição no sul e foi se desenvolvendo e
progredindo. A Escola Militar, por causa da vacina obrigatória de 1904, se tornou a vanguarda dos nossos movimentos
insurrecionais. Mas em 30 não participamos da insurreição: a Escola Militar só se passou para a nova situação quando nosso
comandante foi ao quartel-general e voltou ordenando que hasteássemos a bandeira, como sinal de que se tinha aceito a nova
ordem de coisas. Os aviões, de vez em quando, sobrevoavam o local para ver se o pavilhão estava hasteado. Quando o general
voltou da cidade e deu a ordem, imediatamente pedi demissão da Escola Militar.
P.F. - Em 1930?
H.L. - Em 1930, época da revolução.
P.F. - Como é que se passaram os fatos? Não houve ninguém que tentasse sublevar a escola?
H.L. - Sim, houve.
P.F. - E como é que foram as coisas?
H.L. - Um oficial, que mais de uma vez tentou sublevar a escola, tentou entrar na parte do edifício em que estavam as nossas
armas e a nossa munição, foi notado em tempo oportuno e não pôde fazer nada.
P.F. - Quem era ele?
H.L. - Não me lembro o nome dele. Além disso, na parte dos alunos havia alguns que estavam apoiando a sublevação. Tive, por
exemplo, um incidente com um grupo de alunos, porque me mantive até o fim do lado do governo.
P.F. - Por que naquele momento o senhor se mantinha ao lado do governo?
H.L. - Porque durante toda a minha vida eu me mantive ao lado do governo. Não aceito a violência como solução para os
problemas humanos e acho que a ordem deve ser mantida, desde que as Forças Armadas cumpram as suas obrigações perante a
Constituição. Uma das maiores dificuldades que já atravessei foi quando tive que dar o golpe contra o Café Filho, aliás contra
Carlos Luz, porque toda a minha formação religiosa, toda a minha formação moral e profissional funcionavam como
obstáculos. Mas em 30 houve um momento em que um oficial ligado à insurreição estava no primeiro pátio, enquanto eu estava
no segundo pátio, com uma formatura de alunos. Eu era capitão e quando mandei sair de forma, os alunos passaram para o
primeiro pátio, voltando todos para o segundo pátio, em companhia do tal cidadão. Interpelei-os, porque estavam com gritaria e
lhes chamei a atenção. Mas um deles disse: "A alma do cadete está vibrando?" Respondi então que ele não sabia o que estava
dizendo: "Você não tem experiência da vida, não pode compreender o que está se passando no Brasil. Nós não sabemos qual
será o nosso dia de amanhã, de sorte que não há razão para isso". Nosso comandante, que também se manteve ao lado do
governo, não ficou na Escola e foi nomeado comandante da Polícia Militar. Quando o novo comandante chegou, fui-me
apresentar, como comandante do batalhão-escolar, que era a força máxima da unidade. Havia um batalhão de infantaria, um
esquadrão de cavalaria, uma bateria de artilharia e um pelotão de engenharia.Ainfantaria era constituída pelo primeiro e
segundo ano pelo curso preparatório, ao passo que as outras armas eram constituídas apenas pelos elementos do terceiro ano,
porque era só no último ano que se passava para a arma.
P.F. - Então, o senhor era uma peça importante. Se o senhor resolvesse se sublevar teria condições de levar muita gente junto.
H.L. - Justamente, eu comandava um batalhão que era a força mais numerosa da escola e felizmente tinha a meu lado um outro
comandante da engenharia, porque os da cavalaria e da artilharia estavam com os rebeldes. Nós, graças a Deus, não tivemos luta
interna, pois os que apoiavam a conspiração não procuraram luta no interior da escola. Mas mesmo assim, durante a noite
tínhamos que ficar de guarda. Havia na escola umas janelas guarnecidas com grades de ferro grandes - não sei se ainda há - e elas
não são muito altas, mas ficam a dois metros e meio mais ou menos do solo, do lado de fora. Postava-se então um aluno nesta
janela, com uma arma automática, metralhadora, pronto para defender a escola, com ordem de atirar caso houvesse qualquer
aproximação de tropas. E eu ficava dormindo em minha cama de campanha, levantando-me de vez em quando sempre que os
alunos me chamavam. Um dos alunos parece que pretendia dar o golpe, pois eu percebi quando ele tirou a munição da arma
automática, para evitar que seus colegas pudessem se defender. A Escola Militar tem grande número de alunos que são filhos ou
irmãos de militares, sendo natural que eles seguissem a orientação dos seus parentes mais experientes, mas os que poderiam
realmente ser classificados como revoltosos eram poucos e não chegaram a constituir um problema para nós.
P.F. - Nesse período nenhum dos revolucionários tentou se chegar ao senhor para conquistar as suas simpatias para o lado da
revolução?
H.L. - Não, ninguém procurou me arrastar para a revolução. Nós estivemos lá completamente separados. Interessante, eu
morava no Realengo e durante esse tempo não podia sequer ir à minha casa, vivendo minha vida na escola, isolado pelos
edifícios.
P.F. - E naquele período anterior, de 1922, quando havia aquele problema do Clube Militar, do marechal Hermes, do episódio
das cartas falsas, o senhor está lembrado desse período?
H.L. - Lembro.
P.F. - Como é que essa coisa repercutiu no senhor? Porque de um modo geral os militares sentiram o Exército como muito
ofendido com o problema das cartas.
H.L. - Em 1922 eu fazia parte do Serviço Geográfico Militar; a nossa sede era no morro da Conceição um morro no centro da
cidade.
P.F. -Acabou já, não é?
H.L. - Eu não sei, era um antigo forte, era uma fortaleza que foi utilizada para o Serviço Geográfico.
P.F. - Era ali onde é o Castelo agora, não é?
H.L. - Não, o Castelo é outro morro e foi derrubado; o morro da Conceição existe ainda. Mas nós, na Seção de Geodesia,
naturalmente conversávamos a respeito do que se passava no Brasil. A situação estava se agravando a cada momento. Um dia,
depois de acabado o trabalho, descíamos eu, um colega de artilharia - cidadão de uma inteligência muito brilhante e excelente
profissional - e um outro companheiro, trocando idéias. Durante a conversa, chamaram esse meu colega de uma das janelas.
Esse forte tinha uma entrada grande e alta, com um portão de grades de ferro muito largo. Uma rampa leva até uma certa
elevação, ao nível da qual foram construídos os outros edifícios, e nós descíamos essa rampa, quando um colega chegou à janela
e chamou um dos que me acompanhava: "Olha, estão chamando você ao telefone".
[FINAL DAFITA2-B]
H.L - Enquanto ele foi falar ao telefone, nós continuamos, eu para a minha casa, e o outro colega para a dele. No outro dia houve
a revolução no Forte de Copacabana. Qual não foi a nossa surpresa, mais tarde, ao sabermos que esse colega, João Carlos
Barreto, estava lá! Foi chamado porque era da Seção de Geodesia, e o canhões do Forte de Copacabana só podiam atirar contra o
mar.
P.F. - Eles eram calculados para atirar para o mar, não é?
H.L. - É, não podiam atirar para terra, os revoltosos queriam atirar sobre o quartel-general do Exército. Então, esse, que era um
canhão potente para época, precisava ser reorientado, mas como eles não tinham lá ninguém capaz de fazer esse serviço
procuraram José Carlos Barreto, que era da Seção de Geodesia. E assim foi feito. Um oficial da Missão Francesa estava no
Ministério da Guerra quando um dos projéteis caiu no campo de Santana, e se retirou quando o brasileiro que o acompanhava
disse: "Eles vão acabar acertando o Ministério".
Há um outro fato, também ligado à minha pessoa. Meu amigo Vítor César da Cunha Cruz, meu colega do Colégio
Militar e da Escola Militar, foi padrinho do meu primeiro casamento. Eu me casei com 21 anos e minha esposa tinha 16 anos.
Era segundo-tenente. Esse meu colega, Vítor César da Cunha Cruz, foi para a Escola Militar, indicado por mim, quando saí da
escola e entrei para o Serviço Geográfico. Eu era engenheiro militar e não tinha nenhuma especialidade. Como havia uma
Missão Militar Austríaca, de elementos de capacidade profissional fora do comum, fora de série, como dizem hoje, que tinham
vindo organizar o Serviço Geográfico Militar...
P.F. - MissãoAustríaca, é?
H.L. - É, austríaca. Eu, então, sabendo disso, resolvi ir para o Serviço Geográfico mesmo com prejuízo, porque na Escola
Militar eu ganhava 300 mil-réis a mais. Como tenente meus vencimentos somavam 450 mil-réis, de sorte que a diferença era
grande, mas assim mesmo fui para o Serviço Geográfico Militar. Eu morava no Engenho Novo, de um lado do morro do Vintém,
enquanto do outro lado, já no Méier, morava esse meu colega Cunha Cruz. Nós nos visitávamos amiúde. Nossas mães foram
colegas na Escola Normal, de forma que a amizade de família já era antiga. Quando ele foi convidado para a revolta, teve que
tomar o trem no subúrbio lá no Engenho Novo, para depois em Deodoro passar para o outro trem para ir para Resende. Ele
lembrou-se de vir falar comigo, mas depois ele pensou: "Não, o Lott tem um bocado de filhos. Não vou levá-lo para isso não". E
não me falou nada. Só que eu, de manhã cedo, quando ia tomar o trem - eu ia da Central ao morro da Conceição a pé para
economizar cem réis, para ir para o serviço geográfico - vi uma tropa da polícia ocupando a estação e fiquei surpreso. Quando
indaguei o que tinha havido, me disseram que a Escola Militar tinha se revoltado, o forte também, que havia uma revolução. Um
oficial de polícia estava falando disso e assim fiquei sabendo da revolta, seguindo direto para o Serviço Geográfico, mas lá não
tive nenhuma missão.
P.F. - O senhor não participou daquelas assembléias do Clube Militar organizadas para discutir as tais cartas do Bernardes?
H.L. - Não, eu não acreditava que aquelas cartas fossem verdadeiras; achava uma coisa tão tola que um cidadão inteligente
como o Bernardes não ia cometer. As cartas foram forjadas. Havia gente interessada em que o Exército se rebelasse, e alguns
realmente se revoltaram, mas a luta da Escola Militar foi ruim, pois os alunos sofreram muito.
Meu primo e cunhado - porque minha esposa é minha prima irmã - Jorge Duffles Teixeira de Andrade, era aluno da
Escola Militar em 22. Ele é mineiro e sua família, inclusive, simpática ao Bernardes, de sorte que ele não tinha razão política
para entrar na briga. Mas entrou por camaradagem na revolta. Depois, quando foi sufocado o levante, os alunos foram
chamados para dizer se tinham ido por sua vontade ou se tinham sido obrigados, e ele foi dos que disseram que foi porque quis ir.
A partir daí começou o sofrimento dos alunos. Foram excluídos da escola, foram mandados para a tropa, depois foram expulsos
do Exército. Esse meu primo não teve grandes dificuldades, porque seus pais e seu avô tinham indústrias em Sítio. Eram donos
de uma fábrica de manteiga e queijo e de uma fábrica de cigarro, possuindo, além disso, fazendas, de sorte que ele foi trabalhar
na administração, auxiliando seus pais. Um dia, quando ele já estava em Sítio, vieram dizer que tinha um homem muito fraco,
parecendo tuberculoso, procurando-o.
Era um colega, chamado Mário Vitório, que sendo pobre não conseguiu se alimentar o suficiente e acabou
tuberculoso. Esse meu primo era tão bom que conseguiu com os pais uma casa onde o amigo ficou alojado, sendo sustentado
por ele. Vitório melhorou, pois o clima do lugar era muito bom, mas começou a ir a danças e não sei mas o quê, acabando por
recair e morrer. E outro fato que mostra a extensão da perseguição é que esse meu primo, antes de trabalhar com os pais, quis ir
para a Escola de Minas em Ouro Preto, na qual lecionava um tio. Ele chegou a matricular-se, mas foi expulso por ser revoltoso
de 22. Então, foi uma perseguição mesquinha contra os alunos. Eles sofreram muito.
P.F. - Onde o senhor estava servindo em 24?
H.L. - Em 24, não me lembro agora.
P.F. - O senhor foi instrutor da Escola de Sargentos?
H.L. - Sim, mas não me lembro agora onde servia em 1924. Sei, porém, que me mandaram me apresentar ao Departamento da
Guerra para ser designado para ir lutar contra os revoltosos de 24, lá encontrando esse meu primo. "O que é que você está
fazendo aqui?" Ele já era aluno da Escola Militar, porque houve a anistia.
P.F. - Em 24 não houve anistia, o pessoal foi todo condenado.
H.L. - Não, então isso é em 32. Mas então eu perguntei: "O que é que você está fazendo aqui?" Ele disse: "Vim me apresentar
para ir para a luta". Interroguei: "Você foi chamado?" Ele respondeu: "Não, mas esse governo me deu a anistia, de sorte que é
minha obrigação ir defendê-lo". E foi. E ele lutou com tanta bravura que morreu com uma bala no peito, na frente de seu pelotão.
Um homem bom, estimadíssimo, que distribuía com seus soldados os abrigos e guloseimas que a senhora dele, muito carinhosa
e dedicada, lhe mandava. Morreu em combate.
P.F. - Marechal, a Missão Militar Francesa, que veio ao Brasil em torno de 1919, que modificações o senhor acha que trouxe
para o Brasil?
H.L. - A Missão Militar Francesa trouxe grandes modificações. Os franceses mandaram para o Brasil um grupo de oficiais de
primeiro plano, chefiados pelo general Gamelin, que iria mais tarde exercer funções muito elevadas na Segunda Guerra. E
havia outros bons instrutores, inclusive um outro oficial que encontrei depois, quando fui aluno da Escola Superior de Guerra
em Paris. Até então nossa instrução deixava muito a desejar, porque não tínhamos experiência de guerra, a não ser essas lutas
intestinas. Entretanto, com o aparecimento de novas armas, a estratégia e a tática haviam evoluído muito, de sorte que era
preciso que tomássemos contato com essas novas idéias. E justamente para isso é que a Missão Militar Francesa serviu. Ela
atuou em todas as escolas: havia professores na Escola de Estado-Maior, instrutores na Escola deAperfeiçoamento de Oficiais e
alguns auxiliares na tropa, mas principalmente nas duas primeiras. A Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais instruía tenentes e
capitães para que eles se preparassem melhor para o exercício de suas funções. E a Escola de Estado-Maior ensinava os futuros
chefes e futuros oficiais de Estado-Maior. De sorte que a Missão Militar Francesa prestou excelentes serviços ao Brasil.
P.F. - De certo modo, veio completar uma reforma do Exército, porque a primeira reforma seria a Lei do Sorteio, que instituiu o
Serviço Militar obrigatório.
H.L. - A Lei do Sorteio foi bastante antes, em 1917. Tive um primo irmão que estudou medicina. Ele se chamava Mário e era
filho do meu tio Hermano Lott, que morreu com 98 anos. Pois bem; Mário Lott foi convocado para se apresentar numa
companhia que instalaram em Belo Horizonte, no Pavilhão da Imigração, nos arredores da cidade. Como a Escola de Medicina,
ao contrário de outros órgãos, mandou a lista dos alunos que estavam na idade de serem convocados, quando foram fazer a
convocação, chamaram vários de seus alunos. Essa companhia era comandada por um oficial muito traquejado, porém
grosseiro, e tinha um sargento que também maltratava os soldados. Os alunos da escola superior, naturalmente, não aceitavam
bem as grosserias do sargento e um dia combinaram de reclamar junto ao capitão das brutalidades que vinham sofrendo. O
capitão, entretanto, talvez porque tenha sabido antecipadamente da intenção dos alunos, talvez por uma percepção
subconsciente, no dia em que os alunos pretendiam reclamar entrou com o diabo no corpo no quartel e fez tanta grosseria, que
eles disseram: "Não vamos perder tempo de falar com ele; ele é pior que o sargento". Mais tarde comandei essa companhia e
nela se passou aquele episódio que eu falei da vez passada, do soldado cujo pai veio me agradecer com lágrimas nos olhos a
transformação do filho.
I.F. - Marechal, o senhor pegou o Exército sob influência alemã e depois essa transformação da Missão Francesa. O que é que
nos poderia falar sobre essa mudança?
H.L. - A influência alemã foi pequena, porque veio através de alguns oficiais nossos que fizeram estágio na Alemanha, como o
Armínio Borba de Moura, de quem já lhes falei. Eles naturalmente trouxeram alguma melhoria, mas eram oficiais de postos
inferiores, de forma que com influência limitada. Por isso, a influência alemã não se fez sentir, nem profunda, nem
extensamente no Brasil.
P.F. - O senhor acha que esses oficiais que estiveram naAlemanha chegaram a ser hostilizados?
H.L. - Não, nunca foram hostilizados.
P.F. - Mas também não chegaram a ter influência decisiva.
H.L. - Alguns tiveram. Bertoldo Kliger era um oficial ligado à Alemanha e exerceu várias funções sendo, inclusive,
comandante das tropas revoltosas de Mato Grosso. Era um oficial de qualidades excepcionais, excelente oficial.
P.F. - E como é que se situava a questão dos armamentos nesse período?
H.L. - Nossos armamentos eram em geral alemães. Tínhamos fuzil Mauser e canhão Krupp. Eram os armamentos que nosso
Exército tinha nessa fase. Inclusive, há pouco tive notícia da substituição dos canhões Krupp do Forte São João, que já estavam
muito velhos.
P.F. - Mas o material de guerra era todo ele importado daAlemanha, não é?
H.L. - É, nessa ocasião nós fabricávamos munição em Realengo, na fábrica de cartuchos da infantaria. A munição para nossas
armas portáteis - metralhadoras e fuzis - eram fabricadas lá no Realengo, na nossa fábrica.
P.F. - Mas este fato não deixava o país numa situação um pouco delicada em relação à nossa própria soberania?
H.L. - Não; naturalmente, é sempre arriscado estar dependendo de outro país para fornecimento de armamento. Não se sabe se
no caso de o país necessitar entrar numa luta de que lado vão ficar os fornecedores. É, realmente um risco muito grande.
Felizmente, hoje já fabricamos uma boa parte do nosso armamento.
P.F. - Quer dizer que o senhor acha que a industrialização é que veio superar isso?
H.L. - Sim, naturalmente, mas também tive oportunidade de comprar armamento na Dinamarca para o nosso Exército. Mais
tarde, tivemos metralhadoras Madsen, feitas na Dinamarca, que eram boas metralhadoras também.
P.F. - O senhor acha que os oficiais do Exército pensavam nisso, na necessidade de industrializar o país, a fim de acabar com
essa dependência do exterior?
H.L. - Mas não adiantava os oficiais pensarem porque não existiam funções onde esses pensamentos pudessem ser postos em
ação. Era evidente que precisávamos fabricar armamento. Já estávamos fabricando munições, mas os armamentos não
podíamos. Depois, começaram a ser fabricadas armas para civis no Rio Grande do Sul.
P.F. - Nesse sentido, então, os governos da República Velha, que só viviam preocupados com o preço do café e com a
agricultura, não era um governo que pudesse agradar muito ao Exército, não é?
H.L. - Mas para o Exército não se trata disso. Se o governo foi escolhido pelo povo nós, gostemos ou não gostemos, temos que
servi-lo. Alguns deles, naturalmente, não nos eram simpáticos, tanto que houve alguns movimentos. Campos Sales não era
muito simpático; o próprio RodriguesAlves; com Bernardes nós sabemos o que se passou...
[INTERRUPÇÃO DE FITA]
3ª Entrevista: 31.10.1978
P.F. - Marechal, nessa entrevista gostaríamos de cobrir especialmente aqueles assuntos relativos à década transformadora
de 1930. E para começar, nós pediríamos que o senhor nos refrescasse a memória de como a Revolução de 30 o apanhou
como instrutor da Escola Militar do Realengo.
H.L. - Em 1929 fui pela terceira vez nomeado instrutor da Escola Militar. Nessa ocasião, tínhamos um número de alunos
bastante grande, tendo sido, inclusive, necessário um aumento das instalações. Antigamente só havia o primeiro pátio, mas
construíram uma outra área, que constituiu uma nova zona cercada pelos quatro lados, chamada de segundo pátio. Eu
exercia a função de instrutor-chefe de infantaria. Era capitão e, como instrutor-chefe de infantaria, comandava um batalhão
de alunos. A Escola Militar era constituída por dois anos no curso preparatório; depois dois anos de curso geral, em que os
assuntos relacionados às três armas eram ensinados; depois, no terceiro ano, os alunos eram orientados para as respectivas
armas. De modo que só os alunos do terceiro ano é que pertenciam à arma específica de artilharia, cavalaria ou engenharia;
os outros, enquanto estavam no curso geral, eram de infantaria. Daí sermos uma proporção muito grande em relação aos
alunos das outras armas, tendo um batalhão de alunos, ao passo que havia apenas um esquadrão de cavalaria, uma
companhia de engenharia e uma bateria de artilharia. E daí a influência maior que nós, instrutores de infantaria, tínhamos
sobre a orientação da instrução, à manutenção da disciplina e à formação profissional dos futuros oficiais. Os alunos que
entravam para o curso preparatório passavam quatro anos orientados pelos instrutores de infantaria e só um ano pelo
instrutor da arma a que se destinariam mais tarde. De modo que tínhamos uma ascendência bastante grande sobre o
conjunto dos alunos da Escola Militar.
Em 1930 ocorreu uma grande crise, devido às eleições, e que acabou desaguando na chamada Revolução de 30. A
revolta se iniciou no Rio Grande do Sul e a Escola Militar não se envolveu nessa luta. Nós fizemos o possível para que a
escola não se envolvesse, colocando nos pontos-chaves instrutores com um grupo de alunos armados para repelir qualquer
tentativa de invasão.
P.F. - Como era o nome do comandante da Escola?
H.L. - Cavalcanti, Ele não transigiu e se manteve ao lado do governo até o fim. A revolução veio caminhando do sul para o
centro do Brasil, progredindo até chegar ao Rio. Mas nós ainda nos mantivemos ao lado das autoridades constituídas até
que o general Deschamps foi ao Ministério da Guerra e lá verificou que não era plausível continuar a luta e deveríamos
aderir à revolução vencedora.
P.F. - Mas não chegou a haver tentativa de sublevar a escola?
H.L. - Sim, houve um oficial, cujo nome não me recordo, que por duas vezes tentou penetrar na escola. Numa delas
conseguiu, sub-repticiamente, alcançar seu intento. Nós tínhamos lá um grande salão que servia de depósito para o
armamento e a munição da infantaria. Nesse depósito, havia um sargento responsável pelo serviço e certo número de
soldados que eram seus auxiliares, estando sempre, naturalmente, alguém de guarda. Não sei como esse oficial, fardado,
conseguiu iludir a guarda e penetrar. Mas se não me falha a memória o coronel Rondon, que era na ocasião tenente, o
descobriu e conseguiu impedir que ele levasse a fim os seus propósitos.
P.F. - Esse oficial era parente do marechal Rondon?
H.L. Era sobrinho, chamava-se Joaquim Vicente Rondon. Mas houve também um pequeno grupo de alunos que tentou
levantar os colegas. Uma boa parte dos alunos da Escola Militar é parente - filho, primo, irmão, sobrinho - de outros
oficiais do Exército, da Marinha ou Aeronáutica, de sorte que era natural que eles sofressem certa influência, embora,
sendo de uma minoria muito reduzida, nada tenham conseguido. Chegou a haver um incidente, até certo ponto ridículo,
quando eu estava no primeiro pátio e ouvi um vozerio no terceiro. Fui ver o que era, e lá estavam os alunos reunidos em
torno de um oficial, calando-se, porém, quando lhes chamei a atenção: "O que é que está se passando aqui?" Respondeu-
me um dos alunos: "A alma do cadete está vibrando, seu capitão". Apliquei-lhes, então, um sermão: "Vocês não sabem o
que estão dizendo. Como é que pode a alma do cadete estar vibrando, quando nós vivemos uma situação dúbia, difícil de
saber o que vai se passar no Brasil depois disso, e mesmo o que nesse momento se passa. Não sabemos o que o futuro nos
reserva, de modo que o momento agora é de muita meditação, de muito cuidado". E o problema se resolveu imediatamente.
Mas o general Deschamps, indo ao quartel-general do Exército, de lá deu ordem para que a escola não continuasse ao lado
da autoridade até então constituída, determinando que, como sinal de adesão, o pavilhão nacional fosse hasteado. Havia um
avião que sobrevoava os quartéis do Rio para ver quais aqueles que já tinham aderido e, ao passar por lá, verificou que a
Escola Militar já não estava contra a revolução. Imediatamente pedi demissão da Escola Militar e logo no dia seguinte de
manhã cedo fui comprar estampilhas para selar meu requerimento. O general Deschamps foi nomeado comandante da
polícia e, em virtude disso, substituído. Quando veio o novo comandante, fui-me apresentar e disse a ele o meu nome:
"Agora, senhor comandante, tenho que lhe comunicar que pedi demissão da escola. Já entreguei o requerimento". Mas ele,
embora não me conhecesse pessoalmente, objetou: "Não faça isso. O senhor é um dos instrutores que mais conhece a
escola e não deve ir embora. Seria um grande mal. Estou chegando agora e não conheço ninguém. A vinda de um outro
oficial que também não conheça o meio traria novas dificuldades para mim". Eu disse: "Mas há um fato a considerar: é a
minha situação perante os alunos e a minha consciência. Fui vencido e não posso continuar numa posição que é uma
posição de confiança".
[final da fita 3-a]
H.L. - "Eu exerço um cargo de confiança e, tendo sido contra a Revolução vencedora, não estou em condições de continuar
nele. O senhor há de concordar comigo". Ele concordou. Afastei-me da Escola Militar e mandaram-me apresentar ao
general Deschamps.
P.F. - Não haviam sido tomadas medidas na Escola Militar de Realengo após a revolta de 22, para evitar que esses atos de
insubordinação se repetissem?
H.L. - Medidas específicas não. Na Escola Militar ensinávamos os alunos a servir a pátria, a obedecer, a ser leais para seus
companheiros e seus superiores. Isso é que nós ensinávamos. Quando eclodiu a Revolução de 30, nós tivemos que tomar
medidas visando manter a Escola a coberto de qualquer tentativa de envolvê-la na luta.
P.F. - Agora, a quem o senhor atribui esse seu comportamento militar, sua filosofia quase de posicionamento do militar, acima
de tudo de respeito à hierarquia, à disciplina, quer dizer, de não envolvimento nas lutas políticas? Em sua formação a que pessoa
o senhor poderia atribuir esse espírito?
H.L. De um lado à hereditariedade. Na minha família inglesa, meu avô era inglês: Edward Willians Jacobson Lott. A família
dele era de militares: o pai foi coronel e combateu contra os franceses no Canadá; o avô era commodore reformado da marinha
inglesa; e ele mesmo quis entrar na Escola Militar inglesa, não o conseguindo porque não tinha altura suficiente. Então, desse
lado, naturalmente, descendo de gente habituada a obedecer. Também do lado materno , meu avô, que era português, tinha um
parente almirante - Joaquim Ferreira da Silva -, e esse meu avô era um homem de qualidades morais excepcionais, uma
inteligência muito viva e teve grande influência. Meus pais, também. Minha mãe era professora. Mulher calma, nunca alterava
a voz, mas nós a obedecíamos, como todos os seus alunos na escola. Papai era outro temperamento, irritadiço, mas sendo muito
carinhoso compensava este fato. Então, minha formação deriva primeiro da hereditariedade e depois do lar em que fui criado.
Mais tarde, com dez anos, fui para o Colégio Militar, onde tive muitos bons comandantes e bons instrutores. Convivi com
oficiais responsáveis de primeira ordem, como Espiridião Rosa, que era o major principal responsável pela disciplina;
Demócrito Barbosa, que era um de nossos instrutores, e ainda um auxiliar do Esperidião Rosa, responsável pela disciplina. Na
Escola Militar, mais tarde, tivemos bons comandantes: Albuquerque de Sousa, que era um cidadão muito rígido, mas homem
justo e cumpridor de seus deveres, que se fazia respeitado, apesar da dureza com que aplicava o regulamento. Isso também
contribuiu para que eu me orientasse. Depois, quando saí aspirante, fui servir no 56º Batalhão de Caçadores, que tinha um bom
comandante, Manuel Onofre Munis Ribeiro, e um bom subcomandante, o "major-fiscal" Fernando de Medeiros, engenheiro
militar, cidadão de primeira qualidade, inteligente e capaz. Havia oficiais muito bons também, inclusive um que tinha feito um
estágio de dois anos no Exército alemão, Armínio Borba de Moura, e isso tornava o quartel na praia Vermelha uma excelente
unidade. Neste, com 19 anos, aprendi a instruir e educar cidadãos, alguns deles quase da idade da minha mãe. Esse foi então o
ambiente de meus primeiros anos de oficial do Exército; depois disso, tivemos uma luta intestina, a guerra do Contestado, que
me leva a tratar de um aspecto negativo da profissão. O militar tem em sua profissão muita coisa que o conduz a se sentir feliz,
mas há um aspecto triste que é a possibilidade de combater até seus próprios irmãos, nas convulsões intestinas. Não há nada
mais triste do que a gente ter que lutar contra nossos irmãos e até estar sujeito a matá-los, rendendo-se, embora dolorosamente, a
esse aspecto negativo da profissão militar. O mundo todo evolui, o Brasil também evolui, mas de repente surge uma luta popular
qualquer e somos forçados a intervir. Temos que ir contra os que estão do lado de lá, mesmo sem saber qual é a razão. Antes de
intervir, temos que tomar uma decisão delicada, como a que eu tomei em 30. Mas como fazê-lo? Em 30, meu passado de sempre
obedecer às autoridades constituídas fez com que eu tomasse aquela decisão. Não corri o risco de outros virem tentar
influenciar minha pessoa, pois estava praticamente isolado do Rio. Em outras situações, contudo, o oficial está sujeito a várias
pressões e se torna mais difícil ainda tomar uma decisão. Agora, depois de tomar decisão boa ou má, ele tem que combater os
que estão do lado contrário, e isso é uma coisa muito triste para nós militares.
P.F. - Em 30, quando o senhor havia tomado tão decididamente essa decisão de ficar ao lado da ordem vigente, não ficou
chocado com o fato de os oficiais-generais - Mena Barreto, Isaías de Noronha e Tasso Fragoso - terem, eles próprios, assim que
foi deposto o presidente Washington Luís, ocupado o governo?
H.L. - Naturalmente, surpreendeu-me, mas estudando a situação vi que dado o panorama da luta era preciso que a situação se
definisse em benefício do conjunto do Brasil. Era muito importante manter as autoridades constituídas, mas também era muito
importante que uma guerra civil não se eternizasse com brasileiros matando brasileiros, brasileiros destruindo propriedade de
brasileiros. Eles, por sua posição hierárquica, tinham conhecimento da situação e estavam em condições de julgar melhor do
que nós, que estávamos embaixo. Não podíamos fazer senão aceitar a decisão deles e, a partir daí, seguir a nova orientação. Eu
procurei sair da Escola Militar porque nela ocupava um lugar de confiança; outros, naturalmente, em outros setores fizeram a
mesma coisa. Mas daí por diante tínhamos que obedecer ao novo governo que se constituiu. Não podíamos nos manter
eternamente em situação de inimigos do governo constituído.
P.F. - Quer dizer que exista uma diferença grande, em termos da interferência das Forças Armadas na política, quando essa
interferência se dá, porque oficiais superiores, com uma capacidade de reflexão maior sobre a realidade nacional resolvem
interferir na vida política, e quando oficiais de patente inferior, como por exemplo os tenentes de 22 resolvem eles próprios
fazer essa intervenção?
H.L. - Naturalmente, há uma diferença muito grande. A mim mesmo as circunstâncias obrigaram mais tarde a tomar decisão
semelhante, no episódio da eleição do presidente Juscelino Kubitschek. Eu, nessa ocasião, tinha como ministro da Guerra feito
tudo o que estava em meu poder para que a eleição fosse uma eleição completamente límpida, sem nada que pudesse pôr em
dúvida a escolha do futuro presidente. Esforcei-me para que o povo tivesse plena liberdade de votar, sem que nada o compelisse
a votar em um ou outro candidato, e tendo ele decidido votar , não houvesse nada que lhe dificultasse exercer sua decisão.
Exatamente para isso é que se introduziu a cédula única. Embora sendo militar, fui falar até com Carlos Luz , então presidente da
Câmara, para defender essa idéia, a fim de que o eleitor, em vez de receber a cédula de seus candidatos, a obtivesse do próprio
governo no momento da votação, podendo então indicar com um simples traço o nome de seu preferido, a salvo de qualquer
indiscrição. Além disso, tomamos providências para que em todo o Brasil plena segurança para o eleitor ir até os locais de
votação sem que ninguém o ameaçasse, prejudicasse ou dificultasse o exercício do seu direito e dever de voto, colocando em
vários lugares nossa tropa postada de modo a que ninguém pudesse atrapalhar as atividades eleitorais. Um dos ministros, o
ministro da Justiça, disse que aquela tinha sido a eleição mais correta até então havida no Brasil. Então estava tudo às mil
maravilhas. Tinha havido uma eleição, a eleição foi feita dando ao eleitor a possibilidade de votar em quem ele desejasse, e nada
o compeliu a votar em um ou outro candidato. Essa tinha sido uma eleição respeitável. E se tinha sido respeitável deveria ser
respeitada, e assim foi, até que começaram a surgir os resultados. Porém, quando os resultados mostraram a vitória de um dos
candidatos, a situação começou a se complicar. Turvou-se a atmosfera e não presenciei mais aquele clima de limpidez em que
vivíamos. Para mim, era uma situação sui generis, porque eu tinha votado no outro candidato. Votei em Juarez Távora, pois o
conhecia; não conhecia Juscelino Kubitschek, apesar de ser mineiro. Aliás, meus parentes de Minas eram da UDN, inimigos de
Kubitschek, de sorte que as poucas informações que me davam eram contrárias a ele. E o partidarismo desses meus parentes era
de tal ordem que um de meus primos, médico, oficial da polícia mineira, para quem solicitei uma transferência na época em que
ocupei o Ministério da Guerra, quando eu fui candidato à presidência da República, procurou me desmoralizar, dizendo que me
conhecia, porque era meu primo. Vejam até que ponto vai a paixão política! Eu já tinha visto, quando menino, os extremos a que
chega a paixão política, na eleição Hermes-Rui, que desencadeou uma tremenda luta entre civilistas e os hermistas, os
primeiros partidários do "Águia de Haia", os outros do burro, do Marechal Hermes. Nessa época, isso deu lugar a lutas e
discussões na família, pois uns estavam com Hermes e outros com Rui.
P.F. - Seu pai era hermista?
H.L. - Meu pai era. Mas então, como tive oportunidade de observar os extremos a que chega a paixão política, compreendi que
naquele momento era preciso que o povo fosse obedecido na sua escolha. Por que o convocaram? Hoje dão alimentação e
transporte; naquele tempo não. O cidadão ia à sua custa, passando às vezes fome para votar. Como seria possível, depois de ele
ter votado, ter se submetido a sacrifícios, passar-se uma esponja em cima? Era isso que eu sentia em minha consciência; agora,
meu coração naturalmente estava com Juarez Távora, que era meu companheiro de armas. Conhecia Juarez de bastante tempo,
sabia de suas boas qualidades...
P.F. - Mas o senhor separava o cidadão Henrique Lott do militar Henrique Lott?
H.L. - Não, não, o dever do militar Henrique Lott era servir a pátria, não servir a seus sentimentos, paixões ou inclinações. Não
há dúvida de que houve uma luta de algumas horas em minha consciência, até que tomei a decisão de agir no sentido de manter o
resultado das eleições, de fazer respeitar o resultado das eleições. Esse é o drama que muitas vezes vive o militar.
P.F. - O fato de o senhor ter votado no Juarez deve ter lhe dado um respaldo moral muito grande frente à sua própria consciência
para fazer aquela intervenção, porque naquele momento o senhor estava sacrificando a sua inclinação de cidadão em função da
sua inclinação militar.
H.L. - Não, não, não; na ocasião não considerei muito esse aspecto, mas me ative principalmente ao que diz respeito a meu
dever de oficial do Exército, como homem que exercia uma função de grande importância para o futuro do país. Era preciso que
eu tomasse uma decisão em que os interesses do Brasil fossem devidamente respeitados.
P.F. - Agora, de certo modo, nas duas situações, a de 1930 e a de 1955, podemos encontrar uma semelhança, não? A oposição
também reclamou muito em 1930 de que as eleições haviam sido fraudadas, de que não haviam sido honestas, de que
Washington Luís havia tentado impor um candidato à nação e nesse caso a intervenção do Exército teria sido uma intervenção
saneadora, com um espírito saneador, como essa sua intervenção em 55.
H.L. - Mas a situação em 30 era muito diferente. Antigamente os chamados "coronéis", que eram chefes políticos do interior,
tinham certa influência sobre os eleitores da em que viviam e procuravam orientar os seus eleitores. Eram eles que tomavam as
decisões, alguns naturalmente com patriotismo, outros talvez por outras razões não tão respeitáveis, mas o fato é que as eleições
nessa época tinham essa faixa negativa. Não havia uma boa clareza do que realmente se tinha passado.
P.F. - Mas nessa eleição de Getúlio Vargas e João Pessoa contra Júlio Prestes, a oposição, aAliança Liberal...
H.L. - A oposição aí dizia que o outro tinha dinheiro, dinheiro de São Paulo. Era esse o argumento capital. Mas o fato é que
houve luta, felizmente menos cruenta do que era de se temer. O Brasil atravessou anos sob ditadura, mas os brasileiros não
continuaram a se digladiar, a matar uns aos outros e destruir...
P.F. - E os resultados para o Exército? O que a Revolução trouxe de 30 trouxe para o Exército?
H.L. - Como nessa ocasião eu era apenas capitão, não estou em condições de avaliar com segurança o que a Revolução de 30
trouxe para o Exército, mas transformações muito grandes não trouxe. Trouxe foi nas carreiras. Eu, por exemplo, tive minha
carreira muito retardada pelo fato de ter sido contra a revolução. Tomei muitas caronas: de capitão para major e de major para
tenente-coronel, tendo minha carreira prejudicada pelo fato de haver ficado do lado das autoridades constituídas.
Naturalmente, outros colegas que tiveram atitude idêntica à minha também devem ter sofrido, mas houve aqueles que se
beneficiaram. Eu era aspirante a oficial, estava na praia Vermelha, servindo em um batalhão comandado por um coronel, cujo
filho acompanhou de calças curtas uma marcha de treinamento que fizemos da avenida Pedro Ivo até a praia Vermelha. Pois
bem, esse cidadão, que eu conheci de calças curtas, saiu major na minha frente, saiu tenente-coronel, saiu general, mas
deixando fumaça... Essas injustiças são as conseqüências das lutas intestinas. Eu, durante o tempo em que fui ministro da
Guerra, procurei por todos os meios a meu alcance evitar aqueles que tiveram uma posição contrária fossem prejudicados em
suas carreiras. Apenas tomava providências para que não fossem servir em funções que envolvessem comando de tropas, para
que não pudessem tentar outra vez derrubar o governo constituído. Mas se eram oficiais de Estado-Maior, eu os colocava em
funções de Estado-Maior, garantindo-lhes o direito a uma gratificação especial. Esse era meu dever de justiça. Não sabia que
razões os haviam levado a tomarem a atitude que tomaram. Em outros momentos, eu próprio tinha custado muito a me decidir,
de sorte que era natural que eu respeitasse a decisão deles.
P.F. - Estive levantando as suas promoções e observei um fato curioso: primeiro, que entre 30 e 1938 o senhor só teve uma
promoção, a major em 33, indo depois em 38 a tenente-coronel e em 40 vai a coronel. Mas essas três promoções foram dadas por
merecimento!
H.L. - Mas há um fato interessante: na primeira promoção, a major, além daqueles que tinham sido propostos pela Comissão de
Promoção, foram promovidos por merecimento outros oficiais, que não podiam ser promovidos nas vagas de merecimento.
Esses oficiais eram mais antigos do que eu e foram colocados acima de mim no Almanaque, de sorte que eu fui prejudicado, e
eles foram indevidamente promovidos. Cheguei a fazer um requerimento pedindo reconsideração, mas ele foi indeferido.
P.F. - O senhor pode explicar como é essa questão das promoções? Existem vagas por merecimento e vagas por antigüidade?
H.L. - Há vagas por antigüidade e vagas por merecimento, guardando certa proporção, conforme o posto. O oficial que vai ser
promovido por antigüidade tem que ter certos requisitos; em geral, tempo de serviço. Agora, o oficial promovido por
merecimento, tem como requisito o exercício de funções de carreira nas quais tinha prestado serviço relevante, destacando-se
de seus pares. Como o número dos propostos é maior do que o número de vagas, cabe ao governo então escolher aqueles que
serão promovidos. Infelizmente, nem sempre esse critério de escolha dos propostos era feito corretamente, com seriedade, de
sorte que houve oficiais inadequadamente propostos a promoção por merecimento.
P.F. - Nesse período entre 30 e 37.
H.L. - Não, sempre houve. Durante o tempo em que fui ministro lutei muito para modificar essa coisa e, com esse objetivo,
procurar fazer uma espécie de catalogação dos oficiais na qual a vida de cada um deles era expressada em pontos. Computavam-
se os cursos, as notas obtidas nesses cursos, os lugares onde o oficial havia servido, as lutas de que havia participado, os elogios
recebidos por atos de bravura nessas lutas, além de outros pontos.Assim, cada um dos pontos era avaliado, tirando-se depois um
somatório em função do qual era feita a classificação que daria lugar à proposta de promoção por merecimento.
P.F. - Essas injustiças nas promoções podem inclusive dar origem a inimizades.
H.L. - Naturalmente; em geral nós dizíamos, na linguagem da profissão - e ainda hoje parece que se usa a expressão - "tomar
carona". Tomar carona significa ser o militar preterido em sua promoção por outro mais moderno, quando sabemos que às vezes
um oficial mais moderno pode ter mais merecimento do que o mais antigo. As "caronas" então, criam uma situação
desagradável inclusive, a meu ver, para aquele que caroneou, pois ele não pode se sentir bem diante de sua consciência, tendo
passado indevidamente a frente de um companheiro de turma ou um amigo.
P.F. - Também observei - e não sei a que atribuir - que nesses postos que o senhor foi promovido por merecimento (major,
tenente-coronel e coronel) outros militares também tinham sido promovidos por merecimento. Por que acontece isso? É uma
coincidência?
H.L. - Na Revolução de 30, aqueles que participaram ativamente da revolução tiveram a sua carreira acelerada. Alguns, com
dois anos de capitão, foram promovidos a major e daí subiram como foguetes. Algumas vezes, também nas nossas lutas
intestinas, oficiais têm sido promovidos por bravura. A situação os leva a praticar certos atos de bravura que, sendo notados
pelas autoridades, baseiam mais tarde sua proposta de promoção. O general Zenóbio, por exemplo, foi promovido por bravura
umas duas vezes.
P.F. - Mas quem tinha participado da Revolução de 30 eram especialmente os oficiais mais modernos, os tenentes de 22.
Através da aceleração da carreira desses oficiais se tendia a equilibrar a situação da hierarquia no Exército, uma vez que depois
da Revolução de 30 iríamos presenciar toda aquela força e prestígio dos tenentes...
H.L. - Mas a Revolução de 30 não foi feita pelos tenentes de 22. Alguns deles, que ficaram em vários lugares, inclusive no
Norte, com o Juarez Távora, de fato influíram bastante para que a unidade em que eles serviam participasse da revolução, mas
eles eram um número muito reduzido em relação aos que fizeram a Revolução de 30. Compreendeu? Em geral a influência que
os oficiais de postos baixos tiveram na Revolução de 30 foi relativamente pequena. Mas eles se aproveitaram, não só do fato de
terem sido revoltosos de 22, como de terem participado também de 30.
P.F. - Eu estou me referindo ao seguinte: depois da Revolução de 30, nós presenciamos a organização do Clube 3 de Outubro,
onde se reuniram os tenentes com alguns oficiais superiores - Góis, inclusive; Pedro Ernesto, que era prefeito aqui do Distrito
Federal -, e houve as interventorias estaduais colocadas nas mãos dos tenentes. Então, penso que com todo o prestígio político
que Getúlio tinha dado aos tenentes, quer dizer, aos oficiais de patente inferior, não era difícil abrir-se um problema de
hierarquia...
H.L. - Não, você está enganado. Getúlio não deu categoria de oficial, a não ser a alguns que tiveram carreira muito rápida, como
por exemplo ao Cordeiro de Farias, que tinha tomado parte da Coluna Prestes e era um cidadão que tinha mostrado ser valente e
competente. Houve um ou outro tenente nesta situação, mas de modo geral eles não se destacaram. Os da cúpula é que foram
mais beneficiados. Houve prejuízo em relação aos que não tomaram parte na Revolução de 30, mas nem todos que participaram
da Revolução de 30 tiveram a sua carreira tão acelerada assim.
P.F. - Tem outra coisa curiosa que eu reparei: comparando a sua carreira com a do Cordeiro de Farias, que é bem mais moderno,
percebi curiosamente que, entre 30 e 37 o Cordeiro teve três promoções enquanto o senhor teve apenas uma; entretanto, quando
terminou o Estado Novo em 45, o senhor tinha empatado com ele outra vez.
H.L. - Não, não.
P.F. - Eu acho que os dois eram generais-de-brigada quando terminou o Estado Novo; ou seja, o senhor teve mais promoções
que ele nesse período e ficou empatado ou somente um posto atrás, quando antes estava três.
H.L. -Anossa carreira tem um tempo e nós não podemos passar por cima disso...
[FINAL DAFITA3-B]
P.F. - Marechal, ainda sobre as conseqüências da Revolução de 30: muita gente tem acentuado que após a Revolução de 30 o
Exército teve benefícios muito grandes quanto a alocação de verbas, recursos, construção de quartéis, pagamento em dia do
soldo dos oficiais. Houve gente que reclamou pelo fato de, no período anterior à Revolução de 30, o próprio pagamento dos
oficiais atrasar muitas vezes, submetendo-os a uma situação de extrema penúria, mas estes elementos ressaltam que essas
distorções teriam sido minoradas, pelo menos.
H.L. - Antes de 30 não havia atraso no pagamento dos nossos vencimentos; nós sempre fomos pagos em dia. Isso não houve.
Quanto a benefícios de construção de novos quartéis, eu não estou em condições de esclarecer, porque não acompanhei este
aspecto. Mas o Exército aumentou, de sorte que era naturalmente necessário que fossem construídos novos quartéis. Fosse a
revolução ou não fosse, seria imprescindível, porque não poderíamos botar soldados dormindo debaixo de árvores. E o Exército
aumentando de número, era necessário que também aumentasse o número de seu armamento, impondo-nos a necessidade de
comprar novas armas. Isso não foi propriamente uma conseqüência da Revolução de 30, mas resultado da evolução do mundo e
da evolução do Brasil.
P.F.- Em 1934 se reuniu aqui a Assembléia Constituinte para dar uma nova conformação legal ao país. E a Constituição de 34
acaba, perece, trazendo alguns benefícios ao Exército ou pelo menos definindo um capítulo inteiro sobre a segurança do país,
inclusive a questão das regiões militares e parece, inclusive, incorporando muitas coisas das reformas que Góis Monteiro já
havia pleiteado levar a efeito em 1934. O senhor acompanhou de perto? O senhor estava no Estado-Maior nesse período?
H.L. - Não, não acompanhei, pelo menos não me recordo dessas modificações.
P.F. - O Góis, parece, fez uma reforma na organização militar, dando mais força ao Estado-Maior do que ao Ministério da
Guerra. Antes de 30, a força principal, inclusive relativamente à instrução militar, estaria com o Ministério da Guerra, e em 34
Góis Monteiro faz uma reforma que transfere esse poder do Ministério da Guerra para o Estado-Maior do Exército.
H.L. - Não estou em condições de falar sobre isso, mas de um modo geral, a função do Estado-Maior é relativa à preparação do
Exército para a guerra, por meio da educação e da formação profissional-militar. O Ministério da Guerra, por outro lado, tem a
responsabilidade de administrar o Exército no seu conjunto e também comandá-lo em tempo de paz. O ministro da Guerra é um
representante do presidente da República, que é o chefe das Forças Armadas, e tem subordinadas a ele as regiões militares.
Estas, por sua vez, têm seus comandantes e também seus estados-maiores, duplamente subordinados estes últimos ao
comandante da região e à orientação do Estado-Maior do Exército. Há uma subordinação de comando e outra de orientação.
P.F. - Algumas pessoas afirmam, inclusive, que o Góis teria feito essa reforma de dar mais força ao Estado-Maior em termos de
instrução, como o senhor falou, estando esta forma de organização mais ligada à escola alemã que a escola francesa. Mais tarde
porém, Dutra, em 38, já durante o Estado Novo, teria transferido todos os poderes do Estado-Maior para o Ministério da Guerra,
quase esvaziando de sentido aquele órgão.
H.L. - O Exército brasileiro, a sua modificação de constituição, de organização, e de funcionamento devem bastante à Missão
Militar Francesa, que aqui esteve com um chefe de primeira ordem - General Gamelin - trazendo também oficiais muito bons,
como por exemplo o coronel De Rougement, que foi meu chefe na Escola de Estado-Maior. Uma plêiade de oficiais de primeiro
plano veio para o Brasil e, em contato com os chefes das nossas organizações militares, propôs modificações visando à
melhoria do Exército no seu conjunto, em termos de constituição, funcionamento, aparelhamento material, instrução. Todos os
aspectos da vida do Exército foram influenciados pela Missão Militar Francesa. Agora, o general Góis Monteiro - eu o conheci
porque fomos colegas, embora ele tenha pertencido à cavalaria e eu à infantaria, pois estudamos engenharia juntos - era muito
inteligente, muito capaz, muito trabalhador. E um aspecto interessante da Revolução de 30: Góis, embora tenha sido a mola real
da Revolução, não ficou no poder. O governo foi entregue a Getúlio Vargas, justamente o candidato que se queria eleger para a
presidência da República.
P.F. - Por que o senhor acha que Góis Monteiro foi a mola real da Revolução de 30?
H.L. - Góis ocupava uma posição importante no Rio Grande do Sul e, sendo homem muito ativo, se movimentou com rapidez e
inteligência de modo a conseguir que vários setores agissem tanto quanto possível ao mesmo tempo. Assim, mediante tais
esforços conjugados, o Rio Grande do Sul pôde, como uma grande mola, abafar o resto do país à sua frente. Pois bem, Góis
conduziu as operações rapidamente rumo a São Paulo, não ficou perdendo tempo lá do Sul. Ele veio logo. De sorte que a vitória
da Revolução de 30 é devida em grande parte à sua capacidade militar.
P.F. - Por que o senhor acha que ele acabou não subindo ao poder?
H.L. - Eu não sei, mas deve ter sido questão de foro íntimo. Se ele tinha feito uma revolução para que o cidadão que tinha sido
prejudicado nas eleições assumisse as funções presidenciais seria, afinal de contas, uma patifaria.
P.F. - Marechal, outra questão muito debatida na Constituinte é a questão das Polícias Militares, das forças estaduais, que pelo
menos antes de 30 competiam em larga escala com o próprio Exército. A questão é muito discutida e acaba sendo resolvida, de
certo modo, contra o Exército, porque elas continuam a existir e com uma força muito grande, pela Constituição de 34. Como o
senhor via essa questão?
H.L. - As Polícias Militares eram necessárias para que os estados a que elas serviam tivessem sua ordem pública mantida. É esta
a função específica da polícia, pois o policiamento civil, em certos casos, exige o emprego de força, que cabe então à Polícia
Militar. É bem verdade que muitas vezes agitadores políticos procuravam serviços dessas polícias para conseguir alcançar seus
objetivos. Nós tivemos em São Paulo uma revolução em que a Polícia Militar mais uma vez se envolveu, mas o Exército não
podia impedir os estados de ter a seu serviço os elementos de que eles necessitam para garantir a ordem pública, o sossego de sua
população. Era necessário simplesmente que escolhessem devidamente os seus comandantes e, quanto a esse aspecto, houve
alguns militares que comandaram essas polícias. Por outro lado, era necessário também que o chefe do Exército, agindo junto à
presidência da República, influísse sobre os governadores de estado no sentido de lhes pedir que não fizessem da Polícia Militar
uma rival do Exército no campo nacional. Elas deveriam servir a um determinado propósito de manutenção da ordem pública
no estado, e não para dar a esse estado condições de lutar contra a unidade da Federação ou contra a própria União, em prol dos
interesses regionais.
P.F. - Mas algumas polícias possuíam uma força de certo modo exagerada. Dizem por exemplo que o Força Pública de São
Paulo tinha até aviões e que a Missão Francesa começou exatamente em São Paulo. Os estados compravam, antes de 30,
armamentos direto de fora, estabelecendo, de certo modo, uma competição com o poder federal.
H.L. - Não era propriamente competição. Há um fato, que acho que citei anteriormente, ocorrido com a polícia de Minas. A
polícia de Minas foi durante muito tempo indisciplinadíssima. Eu mesmo tive oportunidade de sentir essa indisciplina quando,
sendo aspirante a oficial e mesmo estando de farda, quase fui apunhalado por um soldado da polícia mineira. Mais tarde, servi
em Belo Horizonte e tive a oportunidade de sentir a transformação por que passara a polícia de Minas, graças a um único
homem, que aliás, era suíço. Esse suíço era um homem de qualidades tão acima da média que fez com que a Polícia Militar
mineira se transformasse: de desordeira, indisciplinada e violenta, ela passou a ser ordeira, disciplinada e eficiente. Dava gosto,
por exemplo, ver-se uma parada da polícia de Minas depois que esse suíço esteve lá um certo tempo.
P.F. - Quando o senhor falou na polícia de Minas, eu me lembrei de que, em 1930, quando Washington Luís sente que Minas está
contra ele, procura deslocar oficiais fiéis para as guarnições do Exército sediadas em Minas Gerais, que vai ser realmente um
dos estados que mais resiste à revolução. No entanto, a Polícia Militar de Minas estava completamente infiltrada de elementos
contrários ao governo federal, colocados pelo governador Antônio Carlos. Então, essa autonomia que dá aos governos
estaduais o direito de nomear os comandantes das polícias militares pode trazer problemas para a ordem também?
H.L. - Sim, mas é uma questão de falta de noção de responsabilidade dos governadores em relação a seus deveres para com a
União - não só com o poder federal, mas com a união dos estados - pois estamos todos servindo a uma mesma pátria. É preciso
que nenhuma parte se considere como tendo mais direitos que as outras, por mais desenvolvida que ela seja ou por mais
atrasadas que sejam as outras.
Eu tive, no exercício das funções inerentes à minha profissão, a oportunidade de conhecer muitos lugares do Brasil.
Servi na Amazônia - em Belém do Pará -, no Nordeste - na Paraíba -, em Mato Grosso - em Campo Grande e em Cuiabá -, no Rio
Grande do Sul - em Santa Maria -, em São Paulo - em Lorena e na capital -, em Belo Horizonte e aqui no Rio também,
naturalmente, que é o lugar onde passei mais tempo. Então, tive oportunidade de ver o que é o Brasil - as suas grandezas e suas
dificuldades, seus tropeços, suas misérias - e perceber que não é homogêneo. A heterogeneidade brasileira é uma conseqüência
não só da configuração geográfica, mas também da maneira pela qual o país foi colonizado e da ordem e localização das
riquezas que aqui foram encontradas. O ouro, diamantes e depois o café deram lugar a que certas áreas se desenvolvessem mais
rapidamente que outras. O clima é uma outra condição importante, pois o europeu, achando mais interessante viver em climas
mais favoráveis, estabeleceu um fluxo de migração para certas áreas em que as condições climáticas eram mais próximas
daquelas a que eles estavam acostumados. Então, assim se explica essa desigualdade de desenvolvimento, essa disparidade,
que embora até hoje exista, vai-se adoçando com o passar do tempo, diminuindo naturalmente, mas sem cessar completamente.
Os Estados Unidos, que são um país muito mais adiantado que o nosso, independente há mais tempo do que nós, apresenta essas
mesmas dificuldades, essas mesmas dessemelhanças.
P.F. - Mas o Exército foi um fator de unidade nisso tudo, não é?
H.L. - Sim, mas como já lhes fiz sentir o Brasil é uma exceção no panorama latino-americano, pois se conservou uno com seus
2
8.550 mil km , ao passo que na América espanhola nem mesmo os vice-reinados se mantiveram unidos. Nós mantivemos a
unidade porque desde o começo tivemos um Exército brasileiro, enquanto nesses vice-reinados a tropa era constituída de
espanhóis, não havendo entre o povo nem esse elo de comunhão de raça e de sentimentos, nem mesmo amor à terra. Por isso,
eles se esfacelaram, e nós nos mantivemos unidos. É muito importante então para o Brasil, que haja sempre um perfeito
entendimento entre as Forças Armadas e o povo. Eu peço a Deus que, por mais complicada que esteja a evolução do Brasil,
jamais se modifique esse estado de coisas, tornando irreparáveis os danos causados por algum desentendimento.
P.F. - Quando eclodiu a Revolução Comunista de 35 o senhor estava aqui no Rio, não estava? Como é que foi esse movimento?
H.L. - Não pude acompanhá-lo de perto, porque nessa ocasião servia no Serviço Geográfico Militar, sediado no morro da
Conceição num antigo forte dos tempos coloniais. Estávamos levantando a primeira carta do Distrito Federal e tínhamos
conosco uma missão austríaca. Eu servia na Seção de Geodesia, constituída de elementos de primeiro plano no conhecimento
desse setor, e estávamos atarefados com esta missão, inclusive seguindo algumas vezes para o campo, onde passávamos meses
sem ver nossa família.
I.F. - Em 22 o senhor também estava no Serviço Geográfico Militar?
H.L. - Não, estava na Escola Militar.
P.F. - Em 34, segundo a informação de que disponho, o senhor tinha ido comandar em Mato Grosso um destacamento qualquer,
vindo depois para o Rio.
H.L. - Não, estive em Mato Grosso, mas nessa ocasião já havia retornado. Em 35 não estava em função de tropa.
[INTERRUPÇÃO DE FITA]
4ª Entrevista: 7.11.1978
H.L. - Eu fui promovido a major em 1933. No ano seguinte, nomeado professor da Escola de Estado-Maior, exerci até o final do
ano a função de subdiretor de ensino. Em 35 fui transferido para o comando do 18º Batalhão de Caçadores, em Campo Grande.
Inclusive, enquanto eu estava no comando desse batalhão de caçadores, houve em Cuiabá uma série de incidentes que deram
lugar ao afastamento do governador do estado, sendo nomeado então para governá-lo temporariamente o então coronel Newton
Cavalcanti.
P.F. - O senhor se lembra qual foi esse incidente com o governador do estado?
H.L. - Não me recordo, apesar de haver estado bem envolvido nesse problema. Mas o governador do estado era um homem
muito ativo, porém mito agitado, e isto gerou certas diferenças dele com a Assembléia Legislativa e com o governo central.
Quando nomearam para substituí-lo o então coronel Newton Cavalcanti, este me pediu que o acompanhasse a Cuiabá, a fim de
assumir o comando do 16º Batalhão de Caçadores.
P.F. - O senhor já tinha tido contato com o coronel Newton Cavalcanti antes?
H.L. - Sim, em outras funções anteriores, inclusive na Escola Militar, onde fomos instrutores no mesmo tempo.
P.F. - Em 30 ele estava também na Escola Militar, não?
H.L. - Não, mas nessa ocasião seguimos no mesmo avião para Cuiabá, onde ele assumiria as funções de interventor. A
Assembléia deveria eleger um novo governador, mas como o pessoal de Mato Grosso era muito violento no exercício da
atividade política, o coronel Newton Cavalcanti achou melhor tomar certas providências para que reinasse ordem durante a
reunião.AAssembléia, naquele tempo, estava situada num edifício de um só pavimento, pouco acima do nível da rua. Eu, então,
para garantir a segurança do local, isolei a área e estabeleci vários postos pelos quais ninguém podia passar na direção da
Assembléia sem antes ser revistado para ver se não portava armas. E assim foi feito. Alguns dos deputados reclamaram,
alegando que tinham imunidade parlamentar, mas eu lhes disse: "Há duas coisas a considerar: uma, são suas imunidades; outra,
é questão de segurança e ordem. Eu sou responsável pela ordem, e isso no momento é mais importante do que suas imunidades.
Pelo que já se passou anteriormente na Assembléia, acho necessário, em benefício dos senhores mesmos e de suas vidas, que se
deixem revistar". Eles acabaram concordando...
P.F. - Mato Grosso tinha uma tradição, pelo menos na República Velha, de política muito violenta, entre aquele pessoal do
Generoso Ponce e acho que dos Caiados.
H.L. - Há um cidadão, cujo nome não me lembro agora, que tinha um grupo de bandoleiros, com o qual dominava grande parte
do sul de Mato Grosso, sem que as autoridades pudessem intervir. Mas nessa oportunidade que eu estava descrevendo foi feita
então a reunião e felizmente, graças a Deus, ninguém saiu ferido. Vejam como eu tinha razão em tomar aquelas providências.
Tempos depois, já eleito o novo governador, durante outra reunião daAssembléia, um dos deputados feriu a bala um seu colega.
P.F. - Newton Cavalcanti, então, com seu auxílio, se limitou a presidir as eleições e depois se afastou novamente do governo?
H.L. - Ele foi para lá só com essa finalidade: assegurar a ordem durante o tempo que as eleições fossem realizadas até que um
novo governador assumisse as funções.
P.F. - Quer dizer, mantinha então o Exército no episódio uma função de neutralidade.
H.L. - O Exército era responsável justamente para assegurar a paz em Cuiabá, durante essa fase da evolução política de Mato
Grosso, sendo isto obtido, graças a Deus, sem maiores dificuldades. Depois eu voltei ao comando do 18° Batalhão de
Caçadores, sendo ao fim do ano nomeado subdiretor de ensino da Escola de Infantaria, na Vila Militar.
P.F. - Já aqui no Rio de Janeiro?
H.L. - Sim, mas estive aqui pouco tempo, de setembro até fim de novembro, como subdiretor de ensino da Escola de Infantaria.
P.F. - Então, o senhor estava nessa Escola de Infantaria quando houve a Revolução Comunista de 35?
H.L. - Justamente, e há até um fato: nessa ocasião, tive necessidade de chamar atenção de um sargento, porque ele deixou de me
cumprimentar, embora estivéssemos ambos fardados; chamei a atenção do sargento, ele reconheceu o erro, e eu não o prendi.
P.F. - Como é que foi o episódio, marechal?
H.L. - Eu estava indo para a Escola de Infantaria, que ficava na Vila Militar, quando um sargento que passava por mim na
plataforma deixou de me fazer continência. Observei-o. Ele concordou, disse que estava errado e me pediu desculpas. Não o
prendi. Nessa ocasião havia uma grande agitação no quadro de sargentos. O micróbio do comunismo já estava se espalhando no
meio militar, sendo naturalmente as classes inferiores e os oficiais de menor patente os mais influenciáveis, porque o chefe
comunista, Luís Carlos Prestes, era um tenente.
P.F. - Marechal, como o senhor vê a penetração comunista, na época, especialmente entre o pessoal subalterno, os sargentos?
Que tipos de problemas o senhor, que teve uma vivência tão longa na tropa, acha que poderiam ser aproveitados pelos
comunistas para tentar atrair esses sargentos?
H.L. - Os comunistas para conseguir adeptos acenam com a possibilidade das classes inferiores virem a governar. Então os
trabalhadores, os homens do campo, os soldados, os sargentos, são os que eles dizem que vão governar. Naturalmente, há
sempre em todas as classes, em todos os meios um certo número de pessoas que pretende subir rapidamente, tornando-se estes
presa fácil dessa propaganda malsã.
P.F. - Existem nesse momento, que o senhor se lembre, reivindicações claras e específicas desses sargentos?
H.L. - Na ocasião, não tenho conhecimento de reivindicações de qualquer espécie, porque os sargentos... Não, nessa ocasião
havia uma situação, a meu ver, injusta. Os sargentos serviam ao Exército e depois, quando chegavam a uma determinada idade,
davam baixa sem serem reformados nem nada.
P.F. - Não tinham direito à reforma?
H.L. - Não havia direito à reforma.
I.F. - Nem aposentadoria nem nada?
H.L. - Não, porque em geral eles não serviam tempo suficiente. Era preciso prestar 25 anos de serviço, e eles não chegavam lá.
P.F. - Mas eles não cursavam escola antes?
[FINAL DAFITA4-A]
P.F. - Está muito interessante, marechal, e eu queria que o senhor continuasse a nos falar sobre esse problema dos sargentos.
Eles cursavam a escola, ingressavam como sargentos, no quadro do Exército, mas aí era pequeno o seu período de
permanência?
H.L. - Não recordo agora exatamente qual a duração do período de serviço. Alguns talvez conseguissem servir o tempo
suficiente para a reforma, mas outros não. Esta foi uma das coisas que, quando ministro da Guerra, procurei corrigir,
determinando que o Estado-Maior do Exército estudasse uma solução para a situação dos sargentos. Eu achava que os sargentos
prestavam serviços importantes ao Exército: uns exerciam funções burocráticas; outros, funções de natureza técnica, por
exemplo, em transmissões; outros cuidavam do material, sendo os que lidavam com o material bélico os responsáveis diretos
pela manutenção. Mandei, então, que estudassem a possibilidade de eles, quando terminassem o seu tempo de Exército, tendo
bons serviços prestados , passarem a oficiais, como burocratas ou auxiliares do quadro técnico, especializando-se em
transmissões, comunicações, material bélico, etc. Houve certa reação do Estado-Maior mas insisti, e mina idéia afinal foi
levada a cabo, contribuindo assim para terminar com a maneira injusta como o Exército tratava os sargentos.
P.F. - Isso já ocorreu num período bem recente, quando o senhor era ministro da Guerra.
H.L. - Sim, eu justamente tinha conhecimento de todos os males e todas as injustiças, porque servi em várias funções, não só na
tropa como nas escolas. Fui instrutor da Escola de Sargentos e tive, então, oportunidades de lidar com eles e ver como eram
dedicados, não só ao Exército mas também a suas famílias. Eles se preocupavam muito que os filhos tivessem uma vida melhor.
Esforçavam-se para matriculá-los em escolas, sacrificando-se grandemente para orientá-los de maneira a terem uma vida mais
feliz do que a deles. Era, afinal de contas, uma boa demonstração de amor à família, que é uma virtude de primeira ordem. E
além disso, no serviço militar eram também dedicados, procuravam sempre cumprir os seus deveres. Eu só tive um problema
mais grave com um sargento, quando era professor da Escola do Estado-Maior, mas só um. No mais, sempre foram excelentes
auxiliares em todos os lugares em que servi.
P.F. - Esses sargentos eram ex-soldados que se engajavam no Exército?
H.L. - Justamente, houve duas fases. Numa primeira fase, como não havia Escola de Sargentos, os soldados, conforme a
maneira que servissem, podiam ser promovidos a anspeçada, que havia antigamente, depois a cabo, depois a tercceiro-sargento
e assim iam subindo até, no máximo, primeiro-sargento. Só mais tarde passou a haver o posto de subtenente. Notem que estas
promoções eram feitas sem que eles tivessem um curso, sendo ministrada apenas, na própria tropa, uma instrução aos cabos, de
modo a habilitá-los à funções de sargento. Cada batalhão, cada regimento, cada unidade, era então orientado de acordo com o
ponto de vista de seus comandantes.
P.F. - Essa era a chamada Escola Regimental?
H.L. - Não, a Escola Regimental era outra, que tratava de ensinar os assuntos de caráter geral. Mais tarde foi criada a Escola de
Sargentos de Infantaria, da qual, durante um certo tempo, fui instrutor. Nessa escola, então, se matriculavam militares. Não me
lembro agora a duração dos cursos, mas tenho a idéia de que era cerca de um ano. Eles ficavam submetidos a um regime intenso
de educação, instrução geral, conhecimentos gerais, tática, educação física, instrução militar e exercícios de combate.
Terminado o curso, se submetiam a exames e se aprovados eram promovidos a sargento, seguindo a carreira a partir deste posto.
P.F. - E o acesso ao oficialato?
H.L. - Não havia acesso ao oficialato.
P.F. - Eles não tinham possibilidade de ingressar na Escola Militar?
H.L. - Eles tinham oportunidade, como qualquer militar, tanto que muitos o fizeram. Aqueles que ao vir para o Exército já
tivessem instrução secundária poderiam fazer o exame de admissão à Escola Militar. Agora, este direito estava limitado a certa
faixa de idade, mas os que se matriculassem eram tratados como qualquer outro cidadão, mesmo sendo soldado, cabo ou
sargento. Na Escola Militar, eram igualados, na condição de alunos.
P.F. - Quando não traziam consigo já essa formação de caráter geral, eles podiam adquiri-la, por exemplo, nessa Escola
Regimental, não?
H.L. - Sim, mas era difícil, pois tinham de possuir uma inteligência muito viva e ser muito ativos para conseguir conciliar seus
afazeres no Exército com o estudo. Mas alguns faziam isso; há casos dos que tenham conseguido.
P.F. - Só os elementos mais persistentes mesmo.
H.L. - Sim, só os mais persistentes e mais inteligentes é que poderiam fazê-lo.
P.F. - Mas se não me engano, embora existisse limite de idade para a Escola Militar, não existia esse limite, por exemplo, para a
Escola de Veterinária. Então, por esse caminho, os sargentos sempre tinham a possibilidade de atingir o oficialato...
H.L. - Justamente; como o limite de idade era mais amplo, ao invés de fazer concurso para carreira das armas propriamente dita,
eles podiam ir para a intendência, para a veterinária ou também para a Escola de Saúde. Além disso, era mais fácil. Inicialmente,
muitos oficiais intendentes eram provenientes da classe de sargentos.
P.F. - Mas me parece que esse acabou sendo um problema de certo modo não solucionado, apesar de seus esforços no Ministério
da Guerra. Ou, pelo menos, a revolta de sargentos e de marinheiros, que ocorreu posteriormente no governo do Jango
demonstra que devia existir uma margem razoável de insatisfação desses elementos.
H.L. - Não sei, isso foi em 1963, eu deixei o Ministério da Guerra em começos de 60, de sorte que não sei o que se passou
durante esses anos. Mas o senhor não sabe que no Brasil, como em outros países, os políticos procuram por todos os meios
envolver os militares em benefício de seus ideais ou de seus interesses, e é difícil que todos os militares consigam deixar de
ouvir o canto dessas aves, no caso de rapina, não é? O envolvimento militar na solução de problemas políticos, no meu modo de
ver, está errado. Problema político deve ser resolvido no quadro político. Mas eu não posso falar muito, porque também em
certa ocasião tive de interferir num problema de natureza política, se bem que estivesse numa função que não era tipicamente
militar, que era militar e ao mesmo tempo civil, porque era ministro de Estado. Em toda a minha vida, tive oportunidade de ver
como é que alguns políticos procuram se imiscuir nos meios militares para conseguir atingir os seus objetivos mais facilmente.
P.F. - Mas nesse caso específico que nós estamos trabalhando, dos sargentos me parece, como leigo, como civil, que de fato
existe algum problema nessa área. Eu, por exemplo, que servi o Exército, passei lá alguns meses como civil, nem sequer perdi as
minhas características de paisano, vejo na verdade o sargento como elemento muito mais próximo da tropa e da instrução
militar em si do que o oficial, que é sempre um elemento um pouco mais distante.
H.L. - Não, não, o oficial e o sargento, em matéria de instrução, estão igualmente próximos da tropa, porque quem dirige e
ministra a instrução é o oficial, tendo em geral o sargento como um auxiliar. O oficial ministra direta e especialmente a instrução
de combate, como todos os assuntos mais importantes da instrução militar, estando os sargentos na posição de colaboradores.
P.F. - Mas no dia a dia, eu acho que o soldado passa bem mais tempo junto do sargento do que do oficial. Pelo menos, o civil tem
essa visão de que o oficial é um elemento que no quartel pensa as coisas, mas que quem faz mesmo, quem executa, quem está ali
no dia a dia é o sargento.
H.L. - Não, não, naturalmente o número de sargentos é maior que o número de oficiais. Porém num quartel, por exemplo, há o
comandante do corpo - regimento, batalhão ou grupo - e os comandantes de subunidades - bateria, companhia, esquadrão etc.
Esses oficiais, então, têm um duplo papel - um papel de comando e um papel administrativo - na gerência dos recursos que o
governo põe à disposição para a vida dessa unidade. A função dos tenentes é tipicamente a de ministrar instrução e garantir a
segurança do quartel, havendo para isso um oficial de dia responsável durante 24 horas pela ordem e segurança do quartel. Esse
oficial de dia é, em geral, auxiliado por um ou mais sargentos dessa tarefa. Nas companhias há também um sargento de dia
responsável pela ordem. Não há um afastamento entre o oficial e o soldado. É natural que o sargento, sendo de modo geral
recrutado num quadro social mais próximo daquele de onde sai o soldado, que este se sinta mais próximo dele do que do oficial.
Mas isto não significa que haja uma classe de sargentos, uma classe de soldados, uma classe de oficiais. São apenas quadros
com funções diferentes, responsabilidades diferentes e naturalmente situação hierárquica e autoridade diferentes. Mas todos
colaboram para um fim comum, que é a instrução, preparação da tropa para a guerra e, durante o tempo de paz, para a
manutenção da ordem pública no país.
I.F. - Marechal, pelo que eu estou vendo o sargento tem às vezes quase que uma missão de confiança do oficial...
H.L. - O sargento tem uma missão de confiança. O auxiliar do oficial de dia é um elemento de grande importância. Além disso,
os sargentos que servem nas companhias ou baterias exercem também a função de oficiais de dia. E há o comandante da guarda,
que é um sargento responsável pela segurança da entrada e do perímetro do quartel. Os sargentos, então, são auxiliares
imediatos, fazem todas essas tarefas relacionadas com a segurança e a ordem.
I.F. - O oficial tem liberdade para escolher o sargento com quem deseje trabalhar?
H.L. - Não, não há liberdade, há escalas. O oficial tira serviço como oficial de dia de acordo com certa escala, da mesma forma
em que o sargento também se submete a uma escala em que todos se revezam.
P.F. -Aimpessoalidade é a regra do relacionamento entre os militares, não é?
H.L. - É, entre nós...
I.F. - Então, num momento de crise, como na época do governo Jango, era realmente um grande perigo essa força dos
sargentos?
H.L. - Era perigo e ao mesmo tempo não era. A prova é que nada conseguiram. Tentaram, mas não conseguiram. Não é possível
se levantar a tropa sem um consenso não só dos soldados, mas também de oficiais que lá estão. Por exemplo, em 1922
revoltaram a Escola Militar, a Escola de Aviação Militar e o Forte de Copacabana. Mas no 2º Regimento de Infantaria, na Vila
Militar, um capitão e mais alguns oficiais tentaram levantar a tropa mas não conseguiram, porque imediatamente os oficiais
superiores dominaram a revolta. Na Paraíba, durante uma tentativa de rebelião, mataram um oficial e o quartel foi
temporariamente ocupado , mas houve a reação e o movimento foi imediatamente abafado. Não é muito fácil se estender um
movimento armado a todo Brasil. Nós temos, graças a Deus, um território muito grande - 8.550 mil km2 - e para alcançar todo o
Brasil leva tempo. Os "bombeiros", então, intervindo habilmente com os recursos necessários, podem abafar qualquer incêndio
antes que ele se estenda a todo o país.
P.F. - Mas de qualquer maneira, embora não exista no Exército propriamente uma divisão em classes, o senhor reconhece que
exista uma barreira entre os sargentos e os oficiais. Não são classes, mas existe uma barreira. O sargento pode ter uma aspiração
profissional de subir até um determinado limite, mas a partir dali vai ser quase impossível conseguir uma melhoria.
H.L. - Não, não é barreira. Suponhamos, por exemplo, o setor de construção - construção de esteadas ou de edifícios. Há os
engenheiros, os mestres-de-obra e os operários. Cada um deles tem uma tarefa específica que lhe exige certos conhecimentos -
nos escalões superiores mais técnica e inteligência; nos outros, habilidade manual. Todos colaboram em conjunto para que o
resultado visando seja alcançado: construir a ponte ou o edifício, pavimentar a estrada... Ocorre a mesma coisa conosco. Nós
recebemos os recrutas no Exército e nos cabe transformar esses rapazes. Eles vem do meio civil, alguns de famílias muito
pobres, mal alimentados, às vezes quase que doentes, outros analfabetos, mas procuramos não digo nivelá-los, mas fazer com
que eles se sintam iguais na caserna, colocando todos em condições de prestar os serviços que deles a pátria espera. Essa é uma
tarefa conjugada de oficiais e sargentos, cada um no seu nível, na sua esfera e com os conhecimentos de que dispõe para resolver
os problemas que lhes são propostos. São problemas em níveis diferentes, naturalmente, pois o oficial tem uma cultura muito
superior à do sargento . Isso de modo geral, pois há exceções. No Colégio Militar, por exemplo, houve um sargento - Miguel
Vicente de Paula Oliveira - que nós chamávamos de Napoleão, porque ele era um apaixonado do imperador francês. Esse
sargento era muito estudioso, falava e lia francês e não tendo família para sustentar comprava muitos livros. Nós achávamos
interessante o seu apego ao estudo, e ele algumas vezes nos emprestava livros, como os seguintes, cuja leitura devo a sua
gentileza: A guerra marítima e submarina (20 volumes); A guerra em companhia; A guerra de fortaleza. Pois bem, eu saí do
Colégio Militar, fui comprar outras funções e não tive mais ocasião de saber o que sucedeu com ele. Mas era um exemplo d
sargento instruído e dedicado ao estudo.
P.F. - Mas o senhor reconheceu que existia, senão uma divergência real, pelo menos um terreno fértil para que se semeasse ou
que se tentasse semear a discórdia. Em 35, por exemplo, o senhor diz que os sargentos foram uma área onde os comunistas
conseguiram penetrar mais. E quando de sua passagem pelo Ministério da Guerra, o senhor tentou encontrar fórmulas que
tornassem a situação mais amena.
H.L. - Mas em 35 eles não conseguiram grande coisa com os sargentos. Na Escola Militar não eram os sargentos, mas os alunos;
na Escola de Aviação Militar havia os sargentos, mas havia oficiais que também participaram; no Forte de Copacabana eram
oficiais. De sorte que em 35 não se pode dizer que foram os sargentos a espoleta da rebelião dos comunistas. E eu agi, quando
estive no Ministério da Guerra, não no sentido de evitar problemas de subversão da ordem, mas no sentido da justiça militar e da
justiça social, pois achava iníquo um cidadão prestar vários anos de serviço ao Brasil nas fileiras do Exército e depois ser
mandado para casa sem haver constituído qualquer direito. Era uma injustiça muito grande. E além disso, o Exército carecia de
oficiais que tivessem a formação dos sargentos, isto é, que tivessem não apenas conhecimentos intelectuais, mas também
prática de utilização das mãos, adquirida na utilização e manutenção do material militar. Esses sargentos, então, vieram
preencher uma lacuna nos quadros, contribuindo para que o serviço fosse bem feito. Outra coisa, a burocracia: datilógrafo não é
oficial, datilógrafo é sargento; quem faz a escrituração da companhia não é o capitão, mas o sargento. Assim, na estrutura
burocrática o sargento tem a prática da ação, do dia-a-dia, ao passo que o oficial orienta e comanda. Essa experiência dos
sargentos, então, lhes confere uma grande capacidade de auxiliar, no escalão mais elevado, a administração militar.
P.F. - O senhor conseguiu vencer as resistências a essas suas propostas?
H.L. - Consegui vencer essas resistências.
P.F. -Asua proposta incluía alguma coisa em relação à instrução e especialização dos sargentos?
H.L. - Não, essa instrução eles já tinham recebido nas escolas de formação. Nós aproveitávamos o que eles tinham aprendido
nas escolas que eles cursaram, mas também a experiência adquirida no exercício de suas funções.
P.F. - E essa questão da revolução de 35 e da participação de pelo menos uma parte do Exército nesse movimento, a que o senhor
atribui esse problema?
H.L. - Eu não estou em condições de responder porque, conforme eu disse ao senhor, em 1935 eu servi uma parte do tempo em
Mato Grosso e assumi depois as funções de subdiretor de ensino da Escola de Infantaria, de modo que não lidava diretamente
com a tropa.
P.F. - Mas o senhor disse que 1930 abriu um precedente muito grave ao lançar o Exército na política?
H.L. - Naturalmente, a Revolução de 1930 deu ao Exército a oportunidade de participar de uma modificação do quadro político
do país, que estava inequivocamente em desacordo com o quadro constitucional. Na verdade, desde 1921 lançaram mão os
políticos de uma série de truques para levar o Exército a participar da solução do problema político, sendo as "cartas falsas",
atribuídas a Bernardes, um artifício empregado para tentar incompatibilizar o futuro presidente com a força armada.
P.F. - Eu penso que a Revolução de 30, de certo modo, abriu a porta para essa Revolução de 35, pois Prestes e outros tenentes
que participaram da Revolução Comunista em 35 o fizeram sob alegação de que ideais revolucionários de 1930 tinham sido
traídos ou não tinham sido cumpridos integralmente, propondo-se então a retomar aquela luta gloriosa do passado etc...
H.L. - Naturalmente, uma revolução deixa na terra a semente da próxima revolução, pois ela forma nos corações e nas
imaginações de uma imagem que mais tarde vai frutificar em outro movimento semelhante. Por exemplo, Prestes, quando
houve aquela revolução do Rio, comandava uma companhia de engenharia perto de Deodoro. Era sua missão ocupar Deodoro,
que era um centro ferroviário, para que as tropas de outros estados não pudesse acorrer para o Rio de Janeiro. Mas ele adoeceu,
parece que de tifo, e não pôde participar. Bem, curou-se e mais tarde foi para o Sul e lá desencadeou uma nova revolta.Aunidade
de engenharia em que ele servia foi a primeira a se levantar no Rio Grande do Sul. Marcou, então, presença por sua atuação
nesse quadro. Depois houve aquela revolução em que tomam parte Juarez, Cordeiro de Farias etc. Eles pretendiam derrubar o
presidente da República e, mesmo não o conseguindo, percorreram o Brasil inteiro, semeando naturalmente durante esse tempo
os ideais revolucionários. Não conseguiram adeptos suficientes para derrubar o governo, e nessa ocasião, depois de ver que não
conseguiria a vitória de seus ideais, Prestes emigrou, tendo, infelizmente para nós, contato com o micróbio do comunismo, o
que levou em 35 a novamente tentar uma ação subversiva, visando a implantação do comunismo do Brasil. Graças a Deus, ele
não conseguiu!
P.F - Mas aí também, depois de 35 o governo se acautelou em relação à possibilidade de revoltas militares, não é?
H.L. - Naturalmente, sempre que há uma revolta cabe aos chefes de todos os escalões verificar suas razões, avaliando,
inclusive, como é que as idéias subversivas conseguiram penetrar no meio militar, no caso. Uma revolução, então, é para as
autoridades uma escala onde se deve ver o que evitar para que tais fatos não se repitam.
I.F. - Marechal, apesar de todos esses cuidados, uns anos depois surge um movimento integralista, que realiza uma revolução
com muitos adeptos nos militares e constitui uma linha completamente diferente da linha comunista. Como é que o senhor vê
essa mudança?
H.L. - Sobre o integralismo pouco sei, porque nunca procurei me informar em detalhes de seus objetivos. Houve alguns civis
brasileiros, mas não me recordo agora o nome de seu chefe...
P.F. - Plínio Salgado...
H.L. - Justamente. Eles procuraram difundir no Brasil as idéias integralistas, propagando-as inclusive no meio militar, e
conseguiram resultados relativamente pequenos, tanto que o integralismo entre nós pouco conseguiu.
P.F. - Em 35, depois dessa revolta comunista, logo no mês seguinte, em dezembro, o governo conseguiu aprovar uma Lei de
Segurança Nacional, onde o presidente da República passa a ter autoridade para transferir os militares de um lugar para outro e
inclusive de interferir no processo de promoções.
H.L. - Isso não, pois o presidente da República sempre tem autoridade para transferir, promover ou deixar de promover, porque
as promoções no Exército se fazem por antigüidade ou por merecimento. Nas promoções por antigüidade, o sistema é mais
rígido. A partir do momento em que o cidadão atinge certa posição no Almanaque, se não tiver nada que o impeça de subir ele é
automaticamente promovido. Agora, as promoções por merecimento preenchem parte das vagas, antigamente um terço, e
nessas o presidente interfere diretamente.
[Final da fita 4-b]
H.L. - Para entrar na lista de promoções por merecimento é necessário que no exercício de suas funções tenha feito jus a
conceitos que o coloquem num nível superior a seus camaradas de posto. Então, uma vez relacionados os oficiais na lista de
promoções por merecimento, o presidente escolhe a seu bel-prazer. Mas eu, quando ministro da Guerra, procurei evitar que a
escolha fosse feita ao bel-prazer do presidente. Os oficiais, durante o tempo em que fui ministro, eram promovidos de acordo
com a situação em que estavam na lista de promoções por merecimento. O presidente não saltava um nome para promover o que
estivesse embaixo.
P.F. - Esse seria um dos caminhos para afastar o Exército desse vínculo com os políticos, não é?
H.L. - Justamente, todas as vezes que as promoções são feitas sem a intervenção da política o Exército é beneficiado. Eu, por
exemplo, por ter sido contrário a Revolução de 30, atuando para impedir que a Escola Militar participasse, como não participou,
daquele movimento, tive minha carreira militar grandemente retardada. Colegas meus mais modernos, com piores notas, me
passaram, e eu suportei isso muito tempo. Estou citando o que se passou comigo, porque é uma coisa que vivi e senti, e que
naturalmente se passa com outros. Não me desesperei por uma questão de temperamento, mas outros menos tolerantes têm a
natural propensão de tirar a diferença mais tarde.
P.F. - Agora eu queria que o senhor falasse alguma coisa sobre essa Subcomissão de Compras de Armas Automáticas que
funcionou em Copenhague, a qual o senhor chefiou em 1936.
H.L. - Essa Comissão era um elemento de um órgão maior, a Comissão de Estudos para a Indústria Brasileira, e tinha sede em
Bruxelas, sendo chefiada por um coronel ou um general que orientava atividades de várias subcomissões. Havia alguns oficiais
na Tchecoslováquia, onde estávamos comprando certas armas, outros na França e ainda outros, como meu antecessor e eu, na
Dinamarca para fiscalizar a fabricação de metralhadoras. O chefe orientava as atividades de todas essas subcomissões. Eu
pertenci à Subcomissão deArmasAutomáticas em Copenhague.
P.F. - Agora essa comissão maior, qual era o sentido dela? Por que ela foi criada? Era só para comprar armas ou era para tentar
estudar a viabilidade de deflagrar a industrialização do país?
H.L. - Não sei de detalhes, mas pelo seu nome, uma das missões naturalmente seria estudar essa possibilidade. Mas estando na
Europa para acompanhar a evolução do armamento europeu, a comissão pôde verificar o que seria mais interessante para o
Brasil e fazer uma proposta de aquisição ao nosso governo, que então tomaria a decisão para comprar o quê e onde.
P.F. - Nesse período pelo menos se acentua muito a idéia de que a segurança nacional estaria ligada à industrialização do país,
não é?
H.L. - Isso é óbvio. Se o país está industrializado, tem a possibilidade de fabricar seus armamentos. Nós começamos fabricando
munição. Em Realengo havia duas organizações militares: a Escola Militar e a antiga Escola Preparatória do Realengo, que
preparava alunos para se matricular mais tarde na Escola Militar. Depois, quando houve a revolução de vacina obrigatória,
fecharam a Escola Militar, que foi transferida para o Sul e só mais tarde, no tempo do marechal Hermes, retornou ao Realengo,
com o nome de Escola de Guerra, onde me matriculei em 1911. Pois bem, nessa ocasião já havia a fábrica de cartuchos do
Realengo, que ficava na mesma praça da Escola Militar: a Escola Militar numa face da praça e a fábrica de cartuchos na outra.
Mais tarde criou-se a fábrica de Piquete, que também produzia armas, pólvora e munição.
P.F. - Que armas? Fuzis?
H.L. - Depois na indústria civil, lá no Sul, houve uma fábrica que começou fabricando revólveres...
I.F. -AAbramo Eberle, em Caxias?
H.L.- Sim, Abramo Eberle e uma outra, que fabricava armas para o Exército. E hoje nós temos uma fábrica de armas. Não estou
a par do que está se passando atualmente no Exército, mas sei que há. Estamos inclusive fabricando carros de combate e até
exportando carros anfíbios. A Embraer, da Aeronáutica, fabrica aviões, inclusive aviões de combate, que também estamos
exportando para outros países, acho até que para os Estados Unidos. Quer dizer, evoluímos bastante nesse campo.
P.F. - Essa era uma questão antiga no Exército. Eu vi um relatório, acho que do general Aguiar, que era ministro da Guerra em
1919, e que foi quem convocou a Missão Francesa, e nesse relatório ele falava que a segurança nacional e a independência do
país exigiam que se industrializasse o Brasil.
H.L. - Sim, naturalmente. Se dependemos de outros países, na ocasião que tivemos necessidade de armas eles poderão nos
vender ou não. Não sabemos qual é a situação desses fornecedores em relação a nosso programa. Daí, se fabricarmos nossas
próprias armas não ficaremos nessa dependência. Agora, é necessário, para fabricar armas, não só que estejamos em condições
de montar as fábricas mas também garantir a matéria-prima e ter conhecimento técnico para fazer essas armas evoluírem, de
modo a acompanhar a evolução de outras armas, talvez até algumas vezes avançando um pouco além.
I.F. - Falando sobre isso, li qualquer coisa afirmando que durante a Revolução de 32 os paulistas aprimoraram muito seus
armamentos e munições, pela necessidade que tiveram de combater o Exército.
H.L. - Não estou bem a par do que os paulistas fizeram. Combati em 32, mas ao lado do governo. A Revolução de 32, em São
Paulo, foi feita por toda a Polícia Militar e parte da tropa do Exército. Havia um chefe, que aliás, no começo estava em Mato
Grosso: general Bertoldo Kingler. Cidadão de cultura militar excepcional e inteligência fora do comum, esse oficial
naturalmente deveria procurar prover as tropas revolucionárias do material necessário para poder lutar contra o governo.
P.F. - Mas quanto a essa questão que senhor falou, que é necessário não apenas a fabricação de armas, mas também a garantia de
matérias-primas para o suprimento dessa indústria, é aí que surge a idéia de se implantar a indústria siderúrgica no Brasil na
década de 30.
H.L. - Nossa indústria siderúrgica foi implantada porque o Brasil precisava de aço, inicialmente para os trilhos de suas estradas
de ferro, para suas ferramentas e para suas máquinas. Nós temos matéria-prima de primeira ordem, pois nosso minério de ferro é
dos melhores que há no mundo. Infelizmente, não temos carvão de primeira qualidade, pois o carvão de Santa Catarina deixa a
desejar; mas temos energia elétrica, o que até certo ponto compensa esta deficiência, abrindo a possibilidade de uma indústria
siderúrgica desenvolvida e bastante grande, como aliás, a que já temos. Naturalmente essa indústria, além de servir de
desenvolvimento do Brasil no quadro pacífico, também servirá na eventualidade de uma guerra contra outros países.
P.F. - Essa indústria siderúrgica surge no Brasil por uma intervenção direta do Estado e parece que alguns militares
reivindicavam, naquela época, que o Estado controlasse as atividades econômicas importantes para a segurança nacional.
H.L. - Não sei, não estou em condições de avaliar se houve intervenções dos militares nesse sentido, e até que ponto. Mas o que
se passa no quadro industrial brasileiro é o seguinte: o governo tem órgãos que estudam a evolução do mundo, analisando todos
os assuntos relacionados com o desenvolvimento dos países, entre os quais esse setor siderúrgico.A siderurgia, por outro lado, é
um setor de atividades que demanda grandes capitais, enquanto nossos capitalistas, naturalmente, são atraídos por setores de
atividades que dêem rendimento a mais curto prazo, com menos demanda de capital e com maior rendimento. Como a indústria
siderúrgica não é das mais favoráveis nem do ponto de vista do prazo nem do ponto de vista da grandeza do rendimento, foi
necessária a intervenção do governo para iniciá-la. Construída nossa primeira siderúrgica, entretanto, surgiram organizações
civis também interessadas na produção de aço.
O Brasil também tem necessidade de alumínio. O alumínio, hoje, na evolução da humanidade, substitui o aço em
várias aplicações, por exemplo no automóvel, por ser de menor peso e por ser menos atuado pelo dióxido de carbono, evitando
assim a ferrugem. Nós temos minério de alumínio mas sua industrialização é um pouco complicada, porque exige muito
material químico, como por exemplo a soda cáustica, para dissolver a bauxita. (A bauxita deriva seu nome de uma localidade da
França, Baux, onde foram descobertas as primeiras minas.) Então, primeiro dissolver, depois precipitar, depois fundir em outro
setor e finalmente a eletricidade. Na indústria do alumínio o consumo de eletricidade é muito grande, sendo exatamente esse o
fator que a torna cara. Na atual fase de deficiência energética, principalmente pela crise do petróleo, a eletricidade é um dos
elementos que mais faz falta num país em desenvolvimento como o nosso.
P.F. - O senhor, de 1937 a 39 estava em Paris, cursando a Escola Superior de Guerra. Como foi sua ida para lá? Por que o senhor
foi escolhido?
H.L. - Eu fui o primeiro aluno na Escola Militar, na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e na Escola de Estado Maior e, pelo
regulamento, os oficiais primeiro classificados tinham direito a fazer um curso de aperfeiçoamento no estrangeiro. Como não
me mandaram para a escola quando eu estava na Dinamarca, fiz requerimento pedindo. Castelo Branco, que havia tirado o
curso na Escola de Estado Maior no ano seguinte a mim, já estava lá matriculado, assim como o Penha Brasil, que foi o primeiro
dessa turma. Eles deferiram o requerimento, e eu fui mandado matricular na Escola Superior de Guerra de Paris. Foi isso. Nós
devemos muito à França pela formação profissional de nosso Exército. Tivemos no Brasil chefes militares como o general
Maurice de Rougemont e também o chefe da Missão Militar Francesa...
P.F. - O general Guerrin?
H.L. - O Guerrin foi da missão, mas o chefe era outro, um oficial destacado. Mas na Escola Superior de Guerra de Paris havia
um oficial que tinha sido professor aqui no Brasil, na nossa Escola de Estado-Maior, e fomos nos encontrar na França. A Missão
Militar Francesa, no Brasil, agia junto à Escola de Estado-maior, ao Estado-Maior, à Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e à
Escola Militar. Ela mantinha representantes nesses lugares que nos orientavam quanto à maneira de dar instrução. Eu, por
exemplo, devo muito ao oficial com quem trabalhei na Escola Militar. Aprendi a organizar exercícios de combate, e isso foi
muito útil em todas as funções que eu exerci, tanto como instrutor da Escola Militar, quanto como instrutor e comandante da
tropa.
P.F. - E o senhor ainda estava na França quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial?
H.L. - Quando eclodiu eu já não estava, mas as coisas estavam se azedando. Ao chegar de navio as costas do Brasil, ouvi pelo
rádio que tinha havido a invasão da Áustria. Era o começo da Guerra Mundial.
P.F. - Como o senhor me explica que, apesar de a influência francesa sobre a formação militar brasileira ser tão grande - são 20
anos de influência, desde 1919... Como o senhor me explica que no alto oficialato do Exército ainda existisse nessa época uma
predominância ou pelo menos uma parcela muito grande de oficiais germanófilos?
H.L. - Antes da Missão Militar Francesa vir para o Brasil, nós tivemos oficiais que fizeram estágio o Exército alemão. Já falei
que uma das razões que me levaram a ir para o 56º Batalhão de Caçadores na praia Vermelha foi justamente a presença nesta
unidade do Armínio Borba de Moura, que tinha feito um estágio de dois anos na Alemanha. Além dele, houve outros - Leitão de
Carvalho, Kingler... - que fizeram estágio no Exército alemão. Eram oficiais de escola e, naturalmente, fizeram escola no Brasil.
As suas idéias se difundiram, e ao mesmo tempo a admiração pelo Exército alemão que indubitavelmente era um Exército de
primeiro plano. Isso é que deu lugar que houvesse oficiais, não digo propriamente germanófilos, mas simpáticos à Alemanha.
Isso, porém, até o momento que o Brasil entrou na guerra, pois aí acabou-se esse estado de coisas.
P.F. - Então, coexistindo essas duas influências, o Brasil continua a manter vínculos com aAlemanha nesse período de 19 a 39?
H.L.- Não, aí cessaram. Mesmo nós não tivemos vínculos com a Alemanha. Esses oficiais é que trouxeram a para Brasil o que
eles aprenderam lá, mas não tínhamos ligação nenhuma com o Exército alemão.
P.F. - Mas entre 19 e 39 nossas armas vinham de onde? O armamento não vinha daAlemanha, também?
H.L. - Nós comprávamos fuzil Mauser, justamente.Aliás, não me recordo bem, mas tenho a impressão de que o fuzil Mauser foi
comprado antes mesmo de esses oficiais irem à Alemanha, porque era um dos melhores na ocasião. Era uma questão de escolha.
Havia fábricas de armas noutros países, mas naquele momento a Mauser havia conseguido um grande avanço na produção de
armamento, da mesma maneira que mais tarde a Dinamarca conseguiria com a metralhadora Matsen. O Brasil sempre procura
ir à fonte que lhe traz maiores vantagens, a fim de prover bem seu Exército dos recursos necessários na eventualidade da guerra.
P.F. - Mas é curioso porque, de certo modo, se a teoria militar aproximava um pouco o Brasil da França e dos aliados, na
realidade a dependência de armamento aproximava mais o Brasil do Eixo.
H.L. - Mas nós já tínhamos comprado essas armas. Essas armas já existiam no Brasil, nós não continuamos a comprar.
I.F. - Mas durante a guerra, já a Europa em guerra, vinha armamento alemão para o Brasil, não?
H.L. - Durante a guerra, não.
I.F. - Quando a Europa estava em guerra?
H.L. - Não tenho idéia disso não, porque nós compramos uma grande quantidade de Mauser.
I.F. - Eu li qualquer coisa a esse respeito, inclusive o general Gustavo Cordeiro de Farias esteve na Alemanha comprando
armamento em 39 ou 40.
H.L. - 39 ou 40?
I.F. - É.
H.L. - Justamente essa fase é que eu estava na Dinamarca. Talvez ele tenha comprado sim, porque havia oficiais na
Tchecoslováquia. É possível. Não sei se seria ainda Mauser. Porque comprávamos na Dinamarca metralhadoras, comprávamos
na Tchecoslováquia outras armas - não me recordo agora quais sejam - e comprávamos, naturalmente, na Alemanha também.
Mas não estou a par dos detalhes.
P.F. - Como é que o senhor sentiu, depois de passar tanto tempo na França, a expansão alemã, depois a própria invasão da
França, como o senhor viveu esses conflito da Segunda Guerra Mundial?
H.L. - Nós brasileiros inicialmente estávamos neutros e assim nos mantivemos durante muito tempo. Mas depois, como o
Brasil era um grande fornecedor de matérias-primas, os alemães passaram a dificultar essa venda de nossos produtos,
principalmente quando os Estados Unidos entraram na guerra. Então vinham submarinos alemães nos atacar aqui no Brasil.
Houve navios nossos torpedeados pelos alemães, e isso contribuiu, até certo ponto, para que o Brasil acabasse entrando na
guerra. Eu mesmo, quando estava no 56º Batalhão de Caçadores, lá chegando certo dia fui mandado para a barra de Guaratiba, a
fim de substituir um de nossos oficiais que tinha adoecido. Esse oficial era do meu batalhão e estava num porto em que se
construiu na barra de Guaratiba, porque diziam que lá havia uma espécie de laguna onde os submarinos poderiam se acolher.
Fixou-se, por isso, neste local um pequeno pelotão, exclusivamente para isso, como havia outros em vários pontos da costa do
Brasil. Nós tomamos então desde cedo essas precauções, e mais tarde as coisas se azedaram a ponto de nós entrarmos na guerra.
Ainda nessa fase houve certos problemas. Eu, por exemplo, era comandante da escola de Estado-Maior e fui mandado aos
Estados Unidos para fazer um curso na Escola de Comando (Staff School), no Forte Leavenworth. E comigo foram uns 12
oficiais, entre ao quais Zeno Estillac Leal, Castelo Branco, Penha Brasil, Henrique Eduardo da Silva Morais e Floriano de Lima
Brayner. Além do curso, fizemos estágios em várias unidades americanas das várias armas, para ficar a par da maneira pela qual
os americanos encaravam a guerra e tomar conhecimento do material que eles dispunham para essa guerra. Mas eu, por
exemplo, assim como Castelo Branco, tinha uma instrução militar muito maior que a dos oficiais que me estavam ensinando na
Escola Superior de Guerra, devido à ligação que mantivemos com a Missão Militar Francesa.
P.F. - Mas, então, já era quase uma preparação para o ingresso do Brasil...
H.L. - Sim, aí já era uma preparação. Mas voltando ao Brasil, fui nomeado subchefe de uma comissão encarregada de organizar
o corpo expedicionário brasileiro. O Brasil primeiro pretendia mandar três divisões de infantaria. Essa era a primeira idéia. O
seu chefe seria Anor Teixeira dos Santos, mas justamente esse general - eu era coronel antigo - era um dos que tinha muita
admiração pelos alemães. Não sei o que se passava, mas de fato é que as propostas que nós preparávamos para o ministro da
Guerra, que nesse tempo era general Dutra, levavam vários dias para ir até o gabinete do ministro e voltar com a decisão. Um
belo dia, porém, fui surpreendido por um chamado do gabinete do ministro, onde estava o adido militar americano. Nessa
ocasião, o general Dutra me disse que tinha decidido - para apressar a organização da Força Expedicionária Brasileira e a
partida do primeiro escalão - organizar um Estado-Maior especial, que funcionaria no próprio Ministério da Guerra, num quarto
em cima do seu gabinete. O gabinete do ministro ficava no nono andar e tinha várias salas, sendo duas delas, com instalações
sanitárias, para ele reservadas. Caso tivesse que dormir, de prontidão ou coisa que a valha, era esse o lugar onde poderia
repousar. Coube-me então dirigir a equipe, inclusive com a missão de escolher certo número de oficiais do Exército, Marinha e
Aeronáutica, com quem deveria diligenciar para apressar a partida da Força Expedicionária Brasileira. E de fato trabalhamos
ativamente. O governo decidiu no começo que, em lugar de três, mandaria uma divisão. A primeira unidade a seguir, se não me
falta a memória, foi o 6º Regimento de Infantaria, cuja partida foi deliberadamente apressada com providências relacionadas
com o provimento de material de guerra e com o desenvolvimento da instrução.
P.F. - O senhor aí já estava aplicando os conhecimentos que havia adquirido recentemente nesse estágio.
H.L. - Não, estava aplicando o que aprendi em toda minha vida militar.
P.F. - Mas isso não precisava ser adequado ao sistema americano?
H.L. - Naturalmente eu tinha que levar em consideração o armamento que o americano ia nos dar, mas inicialmente
trabalhamos com os armamentos de que já dispúnhamos. Houve até um fato interessante. Os próprios americanos tinham
embarcado tropas em outros países e, não tendo muita confiança na maneira pela qual nós organizaríamos o embarque,
mandaram para aqui um coronel, que entretanto já encontrou tudo organizado, ficando inclusive admirado com as condições
em que foi feito o embarque: não só não houve um cidadão que procurasse se furtar ao embarque, mas até houve alguns que
procuraram ir sem estar escalados, e o embarque se fez com tanta presteza, com tanta ordem, que o oficial americano julgou
necessário escrever uma carta, agradecendo a maneira pela qual nós organizamos o embarque do primeiro escalão.
P.F. - Aí me ocorre uma pergunta marechal. Havendo o senhor participado com tanto entusiasmo nessa guerra ao lado dos
aliados, que de certo modo, lutando contra os alemães, representavam a democracia nesses momento, como o senhor vivenciou
o próprio regime do Brasil, a instalação do Estado Novo, a ditadura de Vargas, inclusive a participação, que a gente não pode
negar, de alguns elementos destacados do Exército, como o Dutra e o Góis Monteiro, na instalação do regime do Estado Novo
no Brasil? Como o senhor se sentiu diante disso, tendo tido uma experiência de vida democrática, tanto nos Estados Unidos,
nesse estágio, quanto na França e na Europa, anteriormente?
H.L. - Mas já lhe falei que, em virtude de ter sido contra a Revolução de 30, tive prejuízo na minha carreira militar. Eu sempre
separei meus deveres dos assuntos relacionados com os meus interesses ou minhas inclinações. Tratava-se para mim de cumprir
uma missão militar, e eu não tinha nada com qualquer que fosse o governo. Não coube a mim escolher o regime, até fui contra a
sua implantação, mas se o povo quis acabou-se. Eu estava servindo a esses governo na paz ou na guerra, e tinha que servir,
porque não estava servindo ao governo, estava servindo ao Brasil. Eu estava servindo ao Brasil e procurando, com os meios ao
meu alcance, lutar para que o Brasil agisse no bom sentido de nossos interesses e da causa aliada, que era a causa comum.
P.F. - Vamos voltar um pouquinho atrás. Antes disso, em 37, quando se rompeu o regime constitucional, da Constituição de 34,
quando se instalou o Estado Novo, o Góis Monteiro, por exemplo, achava que a democracia era inviável no Brasil, que o Brasil
necessitava passar por um período de ditadura, de governo forte, porque com a democracia o que aconteceria seria um retorno à
anarquia, seria a Revolução de 35, seriam aquelas coisas todas.
H.L. - Naturalmente, eu não estava contente com o regime do Estado Novo; eu, cidadão brasileiro, não estava contente, mas a
mim militar, cabia servir no quadro que estava. Eu não tinha poder de modificar o estado de coisas...
[Final da Fita 5-A]
H.L. - Sempre fui contra a intervenção militar na solução dos problemas políticos. Já tive ocasião de lhe dizer sobre a grande
luta travada em minha consciência para tomar a decisão que tomei de afastar o Carlos Luz do governo, mas nessa ocasião me
cabia cumprir minhas missões dentro do Exército. Governo é outro problema.
P.F. - Então, o senhor acha que o que importavam eram as suas tarefas militares junto da corporação, junto ao Exército, e o
problema da política era outro...
H.L. - É, se cada um de nós militares fosse ter os seus ideais ou, dito de outro modo, se cada um se arroga o direito de agir
contrariamente ao governo do momento, temos a anarquia. Cada cabeça uma sentença. Por isso, não podemos proceder dessa
maneira. Acho que a nós, militares, desde o momento que haja um governo constituído, cumpre servir a esse governo, com
satisfação dentro do coração ou não, mas este é outro problema.
P.F. - Até muito pouco antes da entrada do Brasil na guerra, Getúlio chegou a fazer um discurso, que não era um discurso
exatamente pró-aliado. E se a gente considerar que o alto oficialato da época incluía o Newton Cavalcanti, que era germanófilo,
o Góis e o Dutra, que se não eram, pelo menos eram acusados de germanófilos, e o Álcio Souto, que era germanófilo também...
H.L. - Eu não sei se eles eram exatamente germanófilos. O general Dutra era, antes de mais nada, um servidor do Brasil. Ele foi
dedicado ao Brasil de uma maneira exemplar; foi um cidadão que serviu o Brasil de corpo e alma. A sua própria vida não valia
nada para ele, desde que houvesse um problema para resolver. Dutra provou isso várias vezes. Teve um ajudante de ordens que
morreu ao lado dele em 35, na praia Vermelha. Eu vi, na Revolução de 32, ele na frente: "Avança, avança, avança!" Ele à frente
dos soldados que estavam hesitando, à frente da tropa: "Avança, avança!" A tropa dele - Dutra comandou um dos setores na
Revolução de 32 - foi justamente o grupo que contribuiu para a rápida vitória sobre São Paulo, em virtude de suas qualidades de
comando, coragem e caráter. Dutra punha o Brasil acima de tudo; não podia ter inclinações pelo Eixo, embora falassem isso.
Hoje os meios de comunicação são mais numerosos; antigamente eram só os jornais; mas o que se diz e o que se reproduz pelo
vídeo não são exatamente o que se passa. Por isso, quando se trata de julgar um indivíduo, o que esta dentro de sua consciência,
não se pode achar que ele é o que dele dizem, porque o juízo é feito no interesse daqueles que no momento estão com a máquina
da informação na mão. Eu próprio fui diplomado comunista, quando sou católico apostólico romano. Veja como se assaca
contra o indivíduo uma pecha que ele absolutamente não merece!
P.F. - É marechal, mas um fato eu acho que é inegável: o Brasil para entrar na guerra ao lado dos aliados foi necessário que
existisse uma luta muito grande, da Liga de Defesa Nacional, da Sociedade de Amigos da América, do Osvaldo Aranha, que se
empenhou de corpo e alma para aproximar o Brasil dos Estados Unidos. Não foi fácil não!
H.L. - Mas há uma outra coisa a considerar: para nós brasileiros, em primeiro lugar está o Brasil. Quando há uma luta a entrada
na guerra representa riscos, riscos que não se sabe a quanto montarão, a que arrastarão o Brasil no futuro. Não deve estar no
coração dos brasileiros o desejo de entrar numa guerra, mesmo que eles sejam simpáticos a tal e qual lado dos conflitantes.
Acima de tudo está o interesse do Brasil.
P.F. - Então, podia estar acontecendo isso, no momento em que não se sabia muito bem quem ia ganhar aquela guerra, existia
uma certa hesitação em lançar o país ao lado dos americanos...
H.L. - Não era exatamente quem ia ganhar a luta, mas a entrada do Brasil na guerra quer dizer que brasileiros irão combater fora
do Brasil e ser mortos. Isso, para o governo, é uma responsabilidade muito grande. Um dos aspectos mais dolorosos da função
militar é justamente a possibilidade das lutas, mas especialmente quando a luta é no quadro do Brasil, entre brasileiros. A maior
desgraça que pode acontecer a um país é cidadãos estarem lutando contra irmãos, como dar uma ordem para que atirem em cima
de cidadãos que nasceram no Brasil, são seus concidadãos e, consequentemente, seus irmãos, às vezes até seus irmãos de
sangue. Esse é um aspecto doloroso da nossa profissão, pois às vezes o dever militar nos obriga a tomar atitudes que nos
conduzam a essa situação. Isso para mim é a coisa negativa da nossa profissão.
P.F. - Atitudes até paradoxais. O senhor não acha que era um paradoxo o Brasil ir lutar ao lado da democracia na Europa, porque
os aliados se representavam a democracia, quando aqui dentro mesmo não existia um regime democrático, o regime aqui era
muito mais perto daAlemanha do que dos Estados Unidos?
H.L. - O senhor sabe perfeitamente que a atuação das nações não depende apenas dos ideais políticos, cívicos ou outros, mas
principalmente dos interesses econômicos. Então o Brasil, estando no continente americano, tendo um comércio desenvolvido
com os Estados Unidos, não podia entrar em luta contra os Estados Unidos, ainda que tivesse um governo que não era
democrático, mas ditatorial. Esse governo, mesmo estando em termos ideológicos mais perto de Hitler - não sei em que sentido,
porque Hitler chega a um ponto tal que é difícil se estabelecer paralelo - isso se situava num nível inferior de importância para as
decisões do governo, pois o que importava para nós era o interesse do Brasil no quadro econômico e o interesse do continente,
onde pretendíamos estabelecer lastro. Apesar da América ter sido colonizada e povoada por povos de diferentes procedências,
todos nós estamos no mesmo continente e temos certos laços que nos tornam solidários diante de certos problemas.
P.F. - Agora gostaria que o senhor contasse alguma coisa dessa sua passagem meteórica - eu acho que a gente pode falar assim -
pelo teatro de operações na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial.
H.L. - Eu fui incumbido de apressar a ida das tropas brasileiras para a Europa. Depois que partiu o primeiro escalão fui ao
ministro da guerra, general Dutra, que tinha sido meu instrutor na Escola Militar durante três anos, e lhe disse que estava numa
situação muito desagradável: eu era comandante da Escola do Estado-Maior, tinha ido para os Estados Unidos me preparar para
dirigir um grupo de oficiais para a eventualidade da guerra, depois ele tinha me incumbido de ser subchefe de Estado-Maior do
general Anor para o preparo da tropa que irira para a guerra, mais tarde fui incumbido de apressar a partida do primeiro escalão.
Ora, a guerra é um risco, mas a minha formação de militar exige que seja submetido a risco. Eu estava, então, numa situação
desagradável perante minha consciência. Ele disse: "Você irá com o terceiro escalão". E no terceiro escalão, de fato, embarquei;
embarquei no navio General Meigs.
P.F. - O senhor era coronel.
H.L. - Eu era coronel, coronel antigo.
P.F. - O senhor foi com que função?
H.L. - Quando estava para partir, como falava inglês e francês correntemente, ia ser ligação entre o comando do corpo
expedicionário e o comando americano a que ele estava subordinado. Mas depois, como já havia um capitão desempenhando
essa função, levantou-se que seria mais conveniente eu me preparar para a eventualidade de substituir o oficial que estava na
base de operações, responsável pelo abastecimento da tropa, pois ele não se entendia bem com os americanos. Não sei se era
germanófilo ou coisa que o valha, mas o fato é que havia certas dificuldades, e os americanos estavam aborrecidos com isso. Em
conseqüência disso, falei com o ministro, e foram comigo uns quatro oficiais de diversas patentes e diferentes armas, para
serem meus auxiliares no teatro de operações. Nossa chegada ao primeiro porto foi complicada, porque fomos alcançados por
uma tempestade e tivemos de mudar de barco para o desembarque, que foi realizado sob o castigo de ventos muito fortes. Eu era
responsável pela administração do pessoal que estava no meu navio e só pude desembarcar na última embarcação. Por isso,
quando cheguei a Pisa, onde estava o quartel-general, já todos os outros tinham ido. Nesse navio foram o general Cordeiro de
Farias e o general Falconière.
P.F. - O senhor como coronel de infantaria normalmente não deveria ter o comando de uma tropa?
H.L. - Poderia ter o comando de uma tropa. Certa ocasião, um dos oficiais do Estado-Maior do ministro chegou a me sugerir que
substituísse um coronel que comandava o Regimento de Minas.
P.F. - Era o Caiado? O Segadas?
H.L. - Não, mas nessa oportunidade disse-lhe que não me ficava bem botar um companheiro em semelhante situação: depois de
ter sido escolhido, depois de ter preparado o regimento, depois de o regimento ir para a guerra, eu ir substitui-lo seria uma prova
evidente que o tinham julgado incapaz para a função. Para mim seria muito interessante comandar uma tropa da minha arma na
guerra, mas renunciei a esta responsabilidade por um problema de consciência e de camaradagem.
P.F. - O Castelo era de infantaria também?
H.L. - O Castelo era de infantaria.
P.F. - Quantos coronéis o senhor lembra tinham comando de tropa nesse tempo? O Segadas Viana tinha comando de tropa, não
tinha?
H.L. - Eram três coronéis: Caiado de Castro, Segadas e esse de Minas, cujo nome não me lembro agora.
P.F. - Travassos? Nélson de Melo, também não é?
H.L. - Não, mas não me lembro o nome dele. Chegando no local de desembarque, veio um oficial americano me perguntar o que
nós precisávamos e eu disse: "Nós viemos com o armamento de que necessitamos". Ele esclareceu: "Estou falando sobre a tropa
que está aqui". Expliquei-lhe então que ainda não tinha tido contato com o comandante e que o informaria assim que o fizesse. O
americano insistiu: "Tenho urgência de conhecer esse dado. Precisamos apetrechar a tropa do necessário para a luta, pois o
segundo escalão já vem vindo, e é preciso naturalmente que ele seja melhor provido"...
Quando cheguei a Pisa, o general Mascarenhas estava numa viatura-reboque que lhe servia de dormitório, sentado a
uma mesa comprida, conversando com os dois generais que vieram comigo: Cordeiro de Farias e o Falconière. Aproximei-me
e, quando ele olhou para mim, fiz continência. Ele ficou lá conversando. Percebendo que se tratava de um papo, e como o
americano tinha dito que havia urgência, resolvi interromper, pois tinha de pois tinha de fazer isso antes de tratar das minhas
outras obrigações: "General, dá licença?" Ele negou-me sua atenção: "Não, o senhor espere". Eu fiquei esperando. Afinal,
quando ele saiu afastou-se comigo e começou nosso entendimento da seguinte maneira: "Estou surpreendido porque vieram
aqui oficiais-generais que eu não pedi, além de outros oficiais de Estado-Maior, que eu não tinha pedido que viessem". Eu disse-
lhe: "Eles são generais, eu sou coronel, de sorte que o problema não é meu; o problema é do senhor ministro da Guerra. Pelas
informações que temos, ele deve vir aqui visitar o teatro de operações e na ocasião o senhor poderá falar com ele. Agora, quanto
a oficiais com estado-maior - era o meu caso - disseram que existia uma função em que seriam necessários esses oficiais. Agora
o senhor me diz que não pediu e nem desejava esses oficiais... Meu general, nunca servi com quem não quisesse meu serviço, de
sorte que eu peço permissão para quando o senhor ministro da Guerra chegar, o senhor lhe pedir para eu regressar ao Brasil". E
fui-me embora. Quando o Dutra chegou, falei a ele que queria voltar ao Brasil. Não sei se o general Mascarenhas já tinha falado
alguma coisa, mas o fato é que o Dutra disse: "É, é muito bom, porque os americanos disseram que a guerra vai acabar mais
depressa do que nós esperávamos. E como há material disponível, eles querem ver o que o Brasil precisa, para o aparelhamento
de suas Forças Armadas. Então, o senhor vai chefiar uma comissão de oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica para
trabalhar junto a mim, a fim de fazer uma proposta do que é necessário. O senhor volta comigo para o Brasil, no mesmo avião".
E assim voltei com ele para o Brasil.
[INTERRUPÇÃO DE FITA]
5ª Entrevista: 14.11.1978
P.F. - Primeiramente, gostaríamos que o senhor nos dissesse alguma coisa acerca do movimento que liquidou com o Estado
Novo. O senhor teve alguma participação nele? Como o senhor presenciou o final do Estado Novo? O senhor teve alguma
participação no movimento militar que depôs Vargas em 45?
H.L. - Eu nessa ocasião servia no Rio Grande do Sul, como comandante da Infantaria Divisionária, em Santa Maria.
Consultado por meu chefe imediato sobre se estava de acordo com que se terminasse com a situação irregular em que estava o
Brasil, respondi positivamente: sim, estava de acordo com que se tomassem as providências para pôr fim àquele estado de
coisas, pois o considerava contrário aos interesses do Brasil e achava que a ditadura já havia durado muito tempo. Tive apenas
essa manifestação, porque o desenlace se deu sem necessidade de luta.
P.F. - Quer dizer que os oficiais de uma maneira geral foram consultados?
H.L. - Eu fui consultado, os outros não sei. O meu chefe me consultou. Naturalmente, os chefes foram consultados.
P.F. - Uma vez terminado o Estado Novo, e ascendendo Dutra ao governo, como isso repercutiu na sua carreira? Afinal, o
senhor tinha um passado de ligação com ele, não é?
H.L. - Ligação com quem?
P.F. - Com o marechal Dutra. Ele já tinha sido seu instrutor, e vocês tinham tido um contato importante na época da guerra...
H.L. - O marechal Dutra era um homem justo, que de modo algum procurou me proteger, inclusive porque ele tinha vários ex-
alunos. Eu fiz carreira normal. Se compararem minhas promoções com as de outros colegas, verão que a despeito do que está
escrito em minha fé-de-ofício alguns oficiais mais modernos passaram por cima de mim - mesmo colegas de turma que haviam
sido reprovados e ficado para trás trinta anos depois me passaram carona. Então, não houve favorecimento, apenas houve mais
justiça. Na verdade, essas caronas foram na época justamente em que o general Dutra estava no Ministério da Guerra. Houve
um episódio anterior, ocorrido em 1933. Quando fui promovido a major, havendo certo número de vagas por merecimento, foi
feita a proposta da comissão de promoções, na qual eu fui indicado com outros colegas. Eram numerosas vagas. Mas depois,
não sei por que, criaram-se outras sendo, então, elaborada nova proposta. Pois bem, eu estava na primeira e na segunda
proposta, mas os que eram mais antigos dessa segunda proposta passaram para cima dos que, mesmo sendo mais modernos,
estavam na primeira proposta e, conseqüentemente, deveriam estar à sua frente. Eu fiz uma reclamação mas não fui atendido, e
perdi muitos lugares nessa ocasião. Em matéria de promoção, minha carreira não foi rápida. Escolhi uma arma em que as
promoções eram mais lentas e, além disso, fui contra a Revolução de 30, pagando então o preço de ter sido contra uma
revolução vencedora. Mais tarde, quando me envolvi em outras lutas, recebi elogios - mas jamais promoções - por bravura. No
entanto, outros colegas, envolvidos em lutas menos cruentas, tendo a cidade a seu lado, foram promovidos por bravura. É uma
questão de sorte na nossa profissão, como em toda profissão. Nós subimos pelo que fazemos e pela sorte que temos de em tais ou
quais momentos agimos de tal ou qual maneira.
P.F. - O senhor pouco depois, acho que em 52, no governo Vargas, vai fazer parte justamente de uma comissão de promoções do
Exército, não é isso?
H.L. - Não me lembro.
P.F. - É, acho que entre 52 e 54. O senhor se lembra de medidas, de coisas que tenha por acaso proposto, de alterações no sentido
de regular essa questão?
H.L. - Como membro da comissão de promoção o militar, o general não tinha autoridade para modificar os critérios, a
legislação e a regulamentação. Agora, cada um de nós pode, na escolha daqueles que devem ser promovidos por merecimento,
fazer avaliação do merecimento do oficial de acordo com seu critério pessoal. Eu sempre procurei só avaliar fés-de-ofício dos
oficiais em função do que eles realmente tinham feito para então fazer a proposta.
P.F. - Existia toda uma legislação a regular isso?
H.L. - Havia legislação e regulamentação. E nessa ocasião, eram vários oficiais que constituíam a comissão. Cada um de nós
dava seu voto para determinados oficiais, sendo a proposta elaborada com os nomes daqueles que no conjunto de votos
apresentados tivessem o maior número de vagas do quadro de acesso. Porque há duas coisas: uma é entrar no quadro de acesso,
outra é ser promovido. O quadro de acesso por merecimento tem um número de vagas maior do que as vagas existentes,
deixando dessa forma a possibilidade de escolha ao governo.
P.F. - São duas etapas distintas. A comissão só coloca os elementos num quadro de acesso que lhes dá a possibilidade de serem
escolhidos.
H.L. - No conjunto do quadro de oficiais da arma e do posto, a comissão tem a possibilidade de escolher aqueles que lhe
parecem mais aptos ao acesso. Cada um dos oficiais da comissão de promoções tem essa possibilidade. É então feito o quadro
de acesso, cujo número varia conforme a época, tendo às vezes o dobro e às vezes uma vez e meia mais do que o número de
vagas a serem preenchidas. Então, o governo escolhe os que vão ser promovidos entre esses que estão no quadro de acesso e os
promove. Eu, quando ministro da Guerra, mandei que o Estado-Maior estudasse - e dei uma orientação da maneira pelo qual
isso deveria ser feito - um modo tal que a vida do oficial, ao invés de ser avaliada com base em um critério vago, se enquadrasse
em aspectos objetivos: curso da escola, notas, funções com destaque, participação em combate, elogio por bravura. Tudo isso
valia pontos. Depois, fazia-se a soma desses pontos para cada um dos oficiais e, de acordo com o resultado dessa soma, os
oficiais eram classificados. Durante o tempo em que fui ministro procedi assim e propus ao presidente da República que não
modificasse a ordem em que os oficiais eram apresentados, resultando que durante minha passagem pelo Ministério da Guerra
os oficiais do quadro de acesso de merecimento eram promovidos na ordem da proposta. Normalmente, ou por outro lado,
anteriormente - hoje não sei como se faz - o presidente da República tinha o direito de tirar o último da proposta e deixar o
primeiro sem ser promovido, mas eu achava isso um absurdo. Eu mostrei ao presidente Kubitschek o critério que tinha sido
adotado para fazer a escolha, com base naquilo que realmente o oficial tinha feito. Não devia fazer nenhuma modificação, sob
risco de se praticar uma injustiça.
P.F. - E ele respeitou isso?
H.L. - Respeitou; durante o tempo em que eu fui ministro da Guerra, as promoções sempre foram feitas dessa maneira.
I.F. - O oficial que deixar de ser promovido durante três vezes é obrigado a se reformar?
H.L. - Isso é coisa recente; depois estabeleceram esse critério.
P.F. - E acho que só vale para o caso de oficiais-generais.
H.L. - Não estou a par, pois não tenho meios de acompanhar tudo o que se passa, mas parece que é justamente para os oficiais-
generais.
P.F. - Nesse período do governo Dutra é que foi criado o posto de general-de-Exército?
H.L. - Não me lembro.
P.F. - Parece que não existia antes. O Mascarenhas, inclusive, vem da guerra e se reforma como general-de-divisão. Eu gostaria
de saber como o senhor viveu o seguinte momento da transição: em 45, o senhor já nos disse que concordou com a deposição de
Getúlio, porque não podia pactuar com aquele estado de coisas durante mais tempo; mas em 50, outra vez, houve uma forte
corrente militar que se colocou numa atitude de veto a uma nova ascensão de Getúlio. Como o senhor viu essa disputa em 50?
H.L. - Em 50 eu não me recordo. Houve outro fato, ocorrido posteriormente, quando Getúlio se suicidou em meio a uma grande
crise, com acusações feitas a seus auxiliares, ameaça de afastamento etc.
P.F. - Sim, mas isto foi uma reedição do que havia ocorrido em 50.
H.L. -Aprimeira vez, em 45, fui consultado e concordei, mas em 50 não me lembro de terem me consultado sobre coisa alguma.
P.F. - Porque em 50 levantou-se a mesma tese que ressurgiria depois, em 55, em relação ao Juscelino, da maioria absoluta.
Tentou-se levantá-la em 50 para impedir a posse de Getúlio.
H.L. - Mas não me lembro de o Exército ter participado. Esse problema foi resolvido no quadro político, tanto que quem decidiu
foi o Supremo Tribunal Federal, se não me falha a memória. Militares, podia ser que alguns tivessem participado disso, mas
deviam ser em número muito pequeno. Eu não participei, nem fui consultado.
P.F. - Mas já existia nesse tempo um fracionamento do Exército em dois pólos politicamente bastante antagônicos. Em 1950,
quando houve a eleição do Clube Militar, disputaram a presidência de um lado Osvaldo Cordeiro de Farias e de outro lado,
Newton Estillac Leal. O senhor está lembrado?
H.L. - Eu, se bem que há muitos anos seja sócio do Clube Militar, nunca votei em sua diretoria, nem participei dos problemas. O
Clube Militar, como qualquer outra associação, tem os seu problemas de política interna, que não são do Exército, são do clube,
e são decididos por voto, de acordo com a vontade da maioria. Naturalmente, nem todos pensam da mesma maneira, é
impossível que numerosas pessoas, mesmo de uma classe, mas de postos diferentes e origens diferentes, trabalhando em
situações diferentes, tenham sobre um problema político a mesma idéia, sintam que a solução adequada é a mesma para todos.
[FINAL DAFITA5-B]
P.F. - O senhor vinha nos falando que sempre foi a favor do monopólio estatal do petróleo.
H.L. - Sim, porque o petróleo é um bem da coletividade e um bem perecível, que deve ser explorado levando em conta os
interesses do país. Quando eu fui candidato, "O petróleo é nosso" foi um slogan por mim apresentado: "A Petrobrás é
intocável".
P.F. - Essa frase que o senhor usou nesse tempo estava também na chapa do Newton Estillac Leal e o Horta Barbosa para o Clube
Militar. O senhor tinha chegado a ter algum contato com eles?
H.L. - Não. Nunca tive contato com eles. Estillac. aliás, é meu contemporâneo de escola, porém de uma turma posterior à
minha. O outro não.
P.F. - Há uma coisa que me deixou muito intrigado. A gente encontra nos livros referências acerca dessa sua posição
nacionalista em relação ao petróleo, mas os setores do Clube Militar que defenderam o monopólio estatal do petróleo lutaram
contra o envio de tropas brasileiras à Coréia enquanto, segundo uma fonte que consultei, o senhor teria sido a favor do envio
dessas tropas.
H.L. - Não me lembro de modo algum. Não me lembro de ter sido a favor da remessa de tropa brasileira para lutar na Coréia. Era
uma guerra com a qual o Brasil nada tinha a ver. Não seria sensato sacrificar brasileiros numa luta que envolvia problemas de
um outro povo.
Olhe, o monopólio estatal do petróleo não tem nada a ver com comunismo, nem socialismo, nem centrismo, nem
direitismo; é um problema de caráter e de interesse nacional. Mas algumas pessoas acusavam o general Estillac de ser inclinado
para a esquerda ou para o comunismo. Eu não sei e não estou em condições de julgá-lo, porque não tinha estreito contato com
ele. Nós servimos em setores diferentes. Mas essa acusação era feita a ele, como aliás a lançaram contra outros militares, até eu
mesmo, quando candidato a presidente da República, embora seja católico apostólico romano praticante. Sempre fui contra
toda ação que pretendesse modificar o regime de escolha dos dirigentes e dos legisladores pelo povo. Ora, o comunismo é uma
ditadura que nasceu com a finalidade de fazer o bem da classe proletária. Marx defendeu a idéia de que como eram os
proletários que trabalhavam mais em benefício do desenvolvimento do país, e naturalmente do bem-estar da população,
deveriam eles ter uma parte nas decisões relacionadas com esse país. É isso, então, que chama de ditadura do proletariado. Mas
ditadura do proletariado é conversa fiada, porque se se passar a Rússia em revista...
P.F. - Agora, de qualquer maneira, como é que o senhor enxerga a participação do Exército, por exemplo, através do Clube
Militar, nessas questões vitais de importância nacional como a questão do monopólio do petróleo, que foi efetivamente uma
campanha levada a cabo pelo Exército brasileiro? Não foi uma campanha levada só pelo Exército, mas garantida de certo modo
pelo Exército e pelo desempenho dos militares.
H.L. - Não sei se o Exército garantiu, mas seria natural que o fizesse. Nós militares, somos militares e somos cidadãos, de sorte
que no quadro dos interesses gerais do país, desde que não empreguemos nossa força, que existe para a defesa dos interesses de
todo o país e para a manutenção da ordem pública, desde que essa força não intervenha, cada um de nós, como cidadãos, tem o
direito de manifestar seu ponto de vista em assuntos que não digam respeito à classe militar. Nós temos o direito de manifestar o
nosso ponto de vista e temos obrigação de votar como qualquer outro cidadão.
P.F. - É; no caso, porém, tenho a impressão de que, na medida em que quem fala é o presidente do Clube Militar, já não se trata
mais do indivíduo como cidadão, mas das próprias classes armadas.
H.L. - Não, é preciso não confundir o Clube Militar com as Forças Armadas. Há o Clube Militar, o Clube Naval e o Clube da
Aeronáutica, que foram criados por militares, assim como o Clube de Sargentos do Exército. Pois bem, desses clubes fazem
parte militares como de outros clubes fazem parte pessoas diversas. O Sírio Libanês ou o Fluminense são clubes onde as pessoas
se reúnem com uma certa finalidade. Convivência, diversão etc. O Clube Militar tem uma sede na Lagoa com uma porção de
diversões, outra sede no centro da cidade, tudo isso em benefício dos militares e suas famílias. Agora, o militar que participa
desse clube tem o direito de manifestar sua opinião sobre problemas em cuja discussão às vezes se chega e às vezes não se chega
a um consenso. Mas é um problema do clube, e não do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica. É preciso que se evite confundir
alhos com bugalhos.
P.F. - Marechal, o segundo governo Vargas se inicia em crise, porque existe um veto à posse do presidente. Depois o ambiente
de crise não se desfaz mas persiste, alimentado pelo descontentamento com a presença de João Goulart no Ministério do
Trabalho. Lança-se, então, um manifesto assinado por coronéis logo após Jango propor um aumento de 100% no salário
mínimo, exigindo-se nesse documento a demissão do ministro do Trabalho...
H.L. - Não me lembro em detalhes do que se passou. Naturalmente, não participei disso, porque senão me recordaria. De
qualquer modo, não concordo em que os militares queiram impor ao presidente da República a escolha de seus auxiliares
imediatos.
P.F. - Mas há uma versão acerca dos episódios de novembro de 55 em que se afirma que, quando Café Filho, depois do
impeachment de Carlos Luz, tentou reassumir o governo, o senhor teria condicionado o fato de ele reassumir o governo à
manutenção da sua pessoa no Ministério da Guerra.
H.L. - Isso é uma mentira deslavada! Mentira completa! Eu estivo com o presidente Café Filho e o que me levou a discordar
dele foi a sua declaração de que estava de acordo com Carlos Luz. Ora, Carlos Luz pretendia exatamente desrespeitar uma
eleição que o próprio governo em exercício, tendo Luz como presidente da Câmara e o Café Filho como presidente da
República, através de seu ministro da Justiça, classificara de a eleição mais correta que até então tinha havido em nossa pátria.
Ele deixou claro que iria fazer o que achasse conveniente e necessário. Não era possível, depois de ter começado um movimento
para garantir a livre manifestação da vontade popular, permitir que se desrespeitasse o resultado das urnas. Custei muito a
decidir-me porque sou contra a intervenção das Forças Armadas na solução de problemas tipicamente políticos. Os problemas
políticos pertencem ao conjunto do povo brasileiro e não às Forças Armadas. Mas, quando o povo decidiu e procuraram
desrespeitar a sua vontade, estabelecida de uma maneira clara, não me restou outra alternativa. Eu havia, inclusive, ido falar
com o presidente Carlos Luz na Câmara, para fazer sugestões no sentido de dar ao eleitor a segurança de votar como bem lhe
aprouvesse através da tal cédula única.
A cédula única foi oriunda justamente dessa minha intervenção junto aos poderes constituídos. Conversei com o
presidente do Tribunal Eleitoral, que aliás também me havia procurado anteriormente, e confirmei que realmente o eleitor tinha
podido votar com inteira liberdade, livre da menor pressão, resguardado pelo voto secreto. Então, tinha sido uma eleição
respeitável, e assim sendo, devia ser respeitada. É esse o meu ponto de vista.
P. F. - E Café Filho não conseguiu naquele momento lhe apresentar garantias de que a legalidade seria respeitada?
H.L. - Eu não pedia garantias! Compreendeu? Ele veio falar comigo a respeito de reassumir, desde que os médicos lhe
dissessem que já estava bom. Eu não tinha nada a dizer. Ele, então, juntou a isso uma declaração de que, quanto ao problema das
eleições, iria agir de acordo com o que julgasse mais conveniente, isto é, desrespeitando as eleições.
P.F. - Mas marechal, essa crise era um desdobramento de uma outra do ano anterior, que foi a deposição e suicídio de Vargas.
Como é que o senhor presenciou aquela questão do 5 de agosto, do atentado a Lacerda e da própria deposição e suicídio de
Vargas?
H.L. - Naquela ocasião criou-se para o governo uma situação muito delicada, porque eram feitas acusações a auxiliares
imediatos do presidente da República e diziam que ele os estava protegendo. O assassinato de um oficial daAeronáutica foi uma
covardia gritante, que provocou um natural aborrecimento nos oficiais da Aeronáutica, como em todos os militares. O
assassinato de um companheiro, qualquer que seja a arma a que ele pertença, é sempre desagradável para nós. Bem,
estendendo-se aquele problema criou-se uma situação insustentável, que colocava sob ameaça a autoridade do presidente da
República, sob a alegação de que este estava deixando de cumprir o seu dever e protegendo criminosos. Para que os criminosos
fossem julgados, sem que se pudesse acusar o presidente de estar tentando protegê-los, era necessário que Vargas fosse
temporariamente afastado de suas funções, cedendo seu lugar a um outro que não estivesse envolvido naquele problema.
Terminada a investigação, o presidente da República reassumiria as suas funções. É interessante que, naquele momento, me
repugnava um pouco qualquer manifestação dos militares contra a manutenção do presidente no exercício das suas funções. Ter
que agir contra Carlos Luz e Café Filho foi uma das coisas mais desagradáveis de minha vida. Vieram-me falar a primeira vez, e
não concordei; depois, vieram-me convocar para essa reunião e, após raciocinar durante algum tempo, eu concordei e assinei o
papel que me trouxeram.
P.F. - Nesse período da deposição de Getúlio?
H.L. - Não, antes!
P.F. - Naquele manifesto dos brigadeiros? Os brigadeiros tinham se reunido acho que dia 21.
H.L. - Não sei, não acompanhei em detalhes, porque tinha outras coisas a fazer. Nesta ocasião, eu era diretor de Engenharia e
Comunicações e trabalhava nos últimos andares do Ministério da Guerra. Como estava muito atarefado e tendo horror a tudo
que diz respeito a política partidária não acompanhei em detalhes o episódio, embora lesse nos jornais o que se passava. Diziam
que o presidente da República estava acobertando criminosos que tinham praticado um crime covarde porque o rapaz não
estava armado e não se defendeu. Então, após raciocinar, achei que seria conveniente que, enquanto o processo estivesse em
curso, o presidente não estivesse no exercício de suas funções para não praticar uma eventual intervenção em benefício dos
criminosos. Mas terminado o processo o presidente voltaria ao exercício das suas funções. Agora, a coisa era tão desagradável
para mim que assinei o manifesto sem ler a totalidade da exposição que era feita, embora jamais eu o faça.
P.F. - O senhor lembra quem lhe levou o manifesto?
H.L. - Tenho a impressão que foi Ademar de Queirós, mas não tenho certeza. Ou ele ou o general Fiúsa de Castro. Não me
recordo não.
P.F. - Passada a tragédia de 24 de agosto e instituído o novo governo, o senhor foi escolhido ministro da Guerra. Por que seu
nome apareceu no cenário político, já que nunca, até então, tinha sido ventilado para ocupar uma posição semelhante?
H.L. - Não sei. Creio já ter contado como se passaram os fatos. Nessa ocasião, eu era diretor de Engenharia e Comunicações e
morava no Leblon. Quando ocorreu o suicídio do Getúlio, eu estava tomando banho de mar. Minha senhora me fez um sinal, eu
vim, ela disse que o Getúlio tinha se suicidado. Para mim, foi um golpe muito desagradável, pois não lhe tinha raiva, apesar de
ele ter me prejudicado. Vargas possuía uma série de qualidades de ser humano que eu apreciava. Ele era simpático e, além disso,
houve todas as conseqüências do fato. À noite, eu estava recolhido - deito muito cedo, desde menino -, quando minha senhora
me avisou que me chamavam ao telefone. Era o Juarez Távora. Após me cumprimentar, ele disse que tinham pensado no meu
nome para assumir as funções de ministro da Guerra. Recusei e, quando Juarez disse que neste caso consultaria outro nome,
aprovei a idéia: "É muito bom que seja outro, porque eu não desejo ser ministro". E fui-me deitar outra vez. Pouco depois fui
chamado novamente ao telefone: "Não, o presidente Café Filho escolheu o seu nome. O lugar é um lugar de sacrifício. Nós
estamos numa situação difícil e é dever nosso colaborar com o governo. O presidente o espera. Vão buscá-lo aí daqui a pouco".
E foram lá me buscar para levar à presença de Café Filho, que pessoalmente me fez o convite, insistindo para que assumisse
imediatamente o Ministério da Guerra. Daí fomos para o quartel-general do Exército - eu, Juarez Távora e um auxiliar do Juarez
-, onde nos aguardavam alguns oficiais. Enquanto eu conversava no gabinete houve uma discussão entre auxiliares do ministro
anterior e o Juarez. Ao ouvir aquela gritaria, fui lá e chamei a atenção dos oficiais, que estavam querendo insultar o Juarez
porque o Zenóbio tinha sido afastado do Ministério da Guerra.
P.F. - Agora, como é que o senhor viu o desempenho dessa função de ministro, num momento de tanta gravidade para as Forças
Armadas? Como o senhor procedeu no ministério?
H.L. - O Ministério da Guerra não me era agradável, porque eu entrei para o Exército para servir como militar em funções
tipicamente militares, e a função do ministro da Guerra é a um só tempo militar e política. Como essa parcela política talvez
fosse até mais importante, para mim era muito desagradável exercer funções dessa natureza. Mas dada a situação que o país
atravessava, e pelas funções que eu tinha exercido anteriormente, resolvi aceitar. Eu havia sido instrutor da Escola de Sargentos,
instrutor da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, três vezes instrutor da Escola Militar, instrutor da Escola do Estado-Maior,
fui subdiretor de Ensino da Escola de Estado-Maior, comandante da Escola do Estado-Maior. Então, no exercício dessas
funções, tive oportunidade de lidar com uma boa parte da oficialidade do Exército, principalmente com aqueles que nessa
ocasião estavam em postos mais elevados. Portanto, conhecia-os, sabia o que eles eram, o que podiam fazer e como poderiam
agir, dados seus temperamentos e suas inclinações. Por isso, aceitei.
P.F. - Uma vez no ministério, o senhor tomou atitude para prevenir a ação desses mesmos oficiais que, tendo atuado pela
deposição de Vargas, não estavam satisfeitos com o revertério que se deu após a tragédia de agosto?
H.L. - Naturalmente, tomei as medidas necessárias para que o Exército não exorbitasse e se mantivesse dentro de seu quadro
constitucional. Isso foi feito. Não tivemos problemas no Exército.
P.F. - Nós gostaríamos de saber um pouco mais sobre isso...
H.L. - Mas dos detalhes eu não me recordo. Eu esqueço todas as coisas que me são desagradáveis. É uma dádiva divina!
Daquelas que me são satisfatórias, de modo geral, mesmo sendo fatos passados, eu me recordo. Por isso, não tenho raiva dessas
pessoas, porque eu esqueço o que elas fizeram. Nem me lembro, às vezes, o nome delas.
P.F. - O senhor foi escolhido nesse momento exatamente por essa sua imagem de elemento essencialmente disciplinador. Que
formas tem um ministro para atuar sobre uma tropa que tende à indisciplina num determinado momento? Como é que ele faz?
Transfere? Tira comando? Que tipo de ação é uma ação eficaz para manter a legalidade numa hora dessas?
H.L. - Nesse momento, com o conhecimento que se tem dos oficiais, deve-se colocar nos postos chaves para a manutenção do
Exército no quadro constitucional aqueles que são mais capazes. Foi isso que eu fiz.
P.F. -Agora, o senhor apesar disso foi alvo de muitos ataques, especialmente do Carlos Lacerda.
H.L. - Não sei o que o Carlos Lacerda achou na minha pessoa, porque durante toda a sua vida ele me atacou. O mais interessante
é o seguinte: um dia, depois da Revolução de 64, ele apareceu aqui em casa. Queria falar comigo. Uma surpresa, mas eu o
recebi, pois não guardo raiva de ninguém.Agora [rindo], a minha senhora colocou a cadeira do visitante de modo que ele ficasse
sentado olhando para um retrato do Getúlio que eu tenho aí em meu gabinete. Mas ele veio falar a respeito do problema político,
e eu disse que não estava contente com o que se passava, mas que estava reformado e não tinha nada a fazer. Estava descontente,
mas era só. E quando ele morreu, fui ao seu enterro.
P.F. - Mas de qualquer maneira ele o amolou bastante.
H.L. - Ele me atacou de todas as maneiras. Há um livro aí, não sei se conhece esse livro...
P.F. - O senhor sofreu todos esses ataques e isso naturalmente o sensibilizou muito.
H.L. - Não, não, o problema não era a minha pessoa; era a função que eu exercia. Ele fazia ataques ao ministro da Guerra,
acusações destituídas de fundamento. E eu o processei, recorri à justiça. Mas é muito difícil - pelo menos era naquela ocasião -
conseguir-se, através da legislação vigente que o cidadão que insulta outro pelas colunas dos jornais seja punido.
P.F. - Era uma situação um tanto esdrúxula. O senhor, afinal de contas, em agosto de 54 tinha tomado uma atitude contra Vargas,
quando assinou o Manifesto dos Generais. E Lacerda foi justamente o elemento que mais combateu e exigiu a saída de Vargas.
Mas depois da queda de Vargas ele parte para atacar o senhor, que de certo modo estaria lutando do mesmo lado.
H.L. - Carlos Lacerda era um homem de uma inteligência excepcional. Escrevia muito bem, mas parece que tinha dentro de si
um pêndulo que de vez em quando mudava de direção, levando-o a também alterar o seu rumo. Num pêndulo as oscilações são
isócronas, mas se a gente torce o pêndulo numa direção... E Lacerda mudava... Foi comunista durante certo tempo de sua vida;
depois passou ao extremo oposto. Ele combatia pessoas que depois passava a defender. Há um livro do Caó que documenta a
*
mudança de opinião de Carlos Lacerda a respeito de certos cidadãos. Acusa desbragadamente elementos que em outras
ocasiões defende. Que cidadão imprevisível, o Lacerda! Não sei o que se passava com ele para que mudasse tanto de opinião
sobre os problemas, sobre as pessoas e sobre a orientação a ser dada ao nosso país. Nunca entendi o Carlos Lacerda.
P.F. - O senhor lembra da Carta Brandi por ele divulgada? Era falsa. Versava sobre um plano de espionagem Brasil-Argentina.
H.L. - Sei, esse era justamente um dos problemas que esteve em pauta para ser solucionado por mim. Na época, fui muito
atacado porque mandei um oficial verificar se a carta era verdadeira, e ele chegou à conclusão de que parecia forjada. Como nós
já tínhamos tido um problema anterior, se não me engano foi com Bernardes, desconfiei que pudesse ser uma repetição. O
cidadão nem ao menos iniciativa possuía, apenas repetia um crime. E por causa disso me atacaram violentamente, não é? Houve
um assunto pelo qual também fui muito atacado, relacionado com certa compra de máquinas de escrever para o Ministério da
Guerra. Havia uma firma, cujo nome não me recordo, que tradicionalmente vendia máquinas ao Ministério da Guerra.
Entretanto, o general que chefiava um de nossos grandes departamentos - esse problema não era tratado por mim diretamente -
achou que havia outra proposta mais proveitosa, sendo então feita uma concorrência, o que levou os tais cidadãos a me
atacarem.
[FINAL DAFITA6-A]
H.L. - Como o material destinado ao governo não pagava direitos alfandegários, as máquinas de escrever importadas para
atender nossos pedidos teriam direito a esta isenção. Acontece, porém, que a tal firma fornecedora havia importado máquinas
por nós encomendadas e outras máquinas. Como as máquinas de escrever se destinavam ao Ministério da Guerra, eles, os
fornecedores, pensaram que poderiam apanhar os caixotes e abri-los sem serem molestados. Entretanto, quando os caixotes
chegaram ao Ministério da Guerra e foi feita a abertura, verificou-se que havia máquinas que não eram encomendadas por nós.
Tinha havido uma fraude e, em virtude disso, determinamos a rescisão do contrato de compra. Inconformado, o cidadão foi para
a imprensa e abriu uma enorme celeuma, nos atacando como se tivéssemos querido favorecer outra firma. Ele, de fato, tinha
ganhado a concorrência, mas quis praticar uma desonestidade contra os cofres públicos, importando máquinas sem pagar o
imposto devido.
P.F. - Agora, no decorrer destes fatos, se dão as novas eleições a que o senhor se referiu, e nelas se levanta mais uma vez a tese da
maioria absoluta. Qual foi a posição dos outros ministros militares em relação à maioria absoluta?
H.L. - Quando isso?
P.F. - No tempo já do Café Filho, quando o senhor era ministro da Guerra.
H.L. - Nessa ocasião, se não me falha a memória, Luís Galoti, presidente do Superior Tribunal Eleitoral, em conversa comigo
no Ministério da Guerra, disse que esse problema já tinha sido julgado, e não era exigida a maioria absoluta pela Constituição:
bastava que o cidadão eleito presidente obtivesse um número de votos maior que o segundo colocado dos outros concorrentes, e
não do que soma de votos dos seus opositores. Eu, depois de ele me ter exposto isso, fui falar com o ministro da Marinha,
almirante Amorim do Vale, e o ministro da Aeronáutica, Eduardo Gomes, fazendo-os ver que a tese da maioria absoluta não
tinha base legal. Não podíamos impedir a posse de Juscelino. Para mim o assunto estava terminado. O ministro entendia do
riscado e havia dito que o Supremo Tribunal Federal decidira que nossas leis não tinham mudado e não havia nada que
impedisse o eleito que não fizesse maioria absoluta de ser empossado.
P.F. - Qual foi a receptividade deles a essa sua conduta?
H.L. - Eles continuaram a dizer que Juscelino não devia assumir as funções. Só que daí por diante não acertamos mais o passo.
P.F. -AMarinha e aAeronáutica estavam de um lado...
H.L. - Não eram a Marinha e a Aeronáutica, pois tanto numa quanto noutra havia elementos contrários: os ministros e a maior
parte da Marinha e Aeronáutica, pelo menos uma boa proporção. Como também no Exército havia naturalmente aqueles que
pensavam assim. Não existia unanimidade. Mas o que nós militares pensamos não importa; o que importa é o que a lei
estabelece. Eu agi no sentido de fazer com que a lei fosse obedecida.
P.F. - O senhor acha que existia um ressentimento muito grande contra essa chapa por causa do João Goulart?
H.L. - Não sei, não sei, não estou em condições de avaliar. Quando fui candidato, tendo João Goulart como meu companheiro
de chapa, perdi as eleições, e ele vence, mas ninguém reclamou. Só mais tarde, quando ele tinha de ser empossado, é que
reagiram. Na verdade, sempre houve nas ForçasArmadas certo grupo que era contrário a João Goulart.
P.F. - Mas desde 54, quando se divulgou o Manifesto dos Coronéis, depois da proposição do aumento de salário mínimo, que
Jango é visto como inimigo número um das ForçasArmadas...
H.L. - Não, não é propriamente isso. Ele é um político...
P.F. - Ele saiu do ministério por imposição...
H.L. - Ele era um político e um cidadão com alguma boas qualidades humanas, mas muito despreparado sob o ponto de vista de
cultura geral. Não estava em condições de considerar, nos assuntos que devia decidir, o que era mais importante. As decisões
que ele tomava eram destituídas de base, aéreas, e portanto, más decisões, que geravam mais tarde problemas para ele e para
outras pessoas.
P.F. - Então, prosseguindo, a situação evolui numa escalada, nessa questão da contestação à posse do Juscelino, até o episódio
do Jurandir Mamede. Eu gostaria que o senhor falasse um pouquinho para nós sobre a questão aberta com o discurso do Jurandir
Mamede no enterro do Canrobert.
H.L. - O general Canrobert tinha sido meu companheiro no Colégio Militar. Ele era cinco anos atrasado em relação a mim. Eu
era mais velho e também estava mais adiantado, mas nós tivemos oportunidades diferentes. Algumas vezes, não agiu muito
corretamente; mas em outras oportunidades, no exercício das funções que lhe foram atribuídas, ele me tratou com muita lisura,
dispensando-me sempre uma grande gentileza. Nós nos visitávamos. Eu lhe devotava certa amizade e fui visitá-lo quando ele
esteve doente. Depois, fui a seu enterro, embora tenha horror a cerimônias fúnebres. Era uma tarde chuvosa. Fizeram uma
espécie de coberta sob a qual nós ficamos amontoados. Havia sido estabelecido que falariam militares em nome das Forças
Armadas. Vieram me pedir que falasse. Não gosto de falar em público, e principalmente naquelas circunstâncias, no enterro de
um amigo, com a família presente. Era muito desagradável, mas como havia uma agitação muito grande naquela ocasião,
resolvi falar para evitar problemas. Lá pelas tantas, apareceu o Mamede, que tomou a palavra. Surpreendi-me, porque ele não
estava na relação dos oradores, mas não poderia intervir como ministro da Guerra, apesar de ser militar. Eu estava ali prestando
uma homenagem, a última homenagem a um camarada, com a família presente, de sorte que devia evitar situações
desagradáveis. Ele começou a falar. Lá pelas tantas, em sua oração na beira do túmulo, em lugar de tratar das qualidades do
morto, da saudade que sua ida nos despertava, ele passou a tratar de problemas políticos, tipicamente políticos, político-
partidários, inclusive acusando o governo. Minha primeira reação de chefe foi cassar-lhe a palavras e prendê-lo. Mas olhando o
quadro em que nos cercava, me contive. Que surpresa não me aguardava! Quando ele acabou de falar, Carlos Luz, que estava
presente, achegou-se e cumprimentou-o efusivamente. Não compreendi como um homem que ocupava cargo importante - era
presidente da Câmara dos Deputados - tomava semelhante atitude. Não sei se sabem que durante muito tempo até se cogitou o
nome de Canrobert para presidente da República. Mas o fato é que Carlos Luz cumprimentou efusivamente o Mamede.
Afastamo-nos. À noite, fui tomar providências para punir o Mamede. Infelizmente, não sabia que ele, apesar de estar numa
função sujeita à presidência da República, pelo Regulamento Disciplinar, poderia ser punido pelo próprio ministro da Guerra.
P.F. - Na época, o senhor pensou que fosse necessário transferi-lo do Estado-Maior para a sua jurisdição?
H.L. - Não; não que fosse necessário transferi-lo, mas que eu precisasse pedir autorização à autoridade a quem ele estava
subordinado - no caso, o presidente da República - para enquadrá-lo no Regulamento Disciplinar do Exército. Pelo
regulamento, isso não era necessário. Entretanto, desconhecendo esse detalhe, tentei falar com o presidente à noite e não
consegui. Falei com um de seus auxiliares. Mais tarde, Eduardo Gomes telefonou para mim, dizendo que iria mandar seu chefe
de gabinete à minha residência. O oficial deveria levar-me um documento a respeito da repressão ao comunismo, redigido pelo
Brigadeiro e já aprovado pelo Amorim. Ele pretendia apresentá-lo ao presidente da República e queria saber se eu estava de
acordo. Disse-lhe que o mandasse, pois eu iria lê-lo e se estivesse de acordo assinaria. Então, aproveitei a oportunidade para
sondá-lo: "Você viu como o Mamede procedeu incorretamente? Numa situação daquelas, levantar problemas políticos à beira
do túmulo. Ele militar, no meio de militares e autoridades superiores"...
Ele se fez de desinformado: "Ah, não. Não sei do que se trata". Percebi, então, que ele estava de acordo com a cena do
cemitério. Disse-lhe obrigado e desliguei.
P.F. - Um parêntese, o tal documento que ele ia lhe mandar, chegou?
H.L. - Chegou.
P.F. - O que era?
H.L. - Era a respeito de um projeto a ser apresentado ao governo, não sei bem se para interromper a publicação de certos jornais.
Não me recordo, mas era qualquer coisa ligada à repressão aos comunistas.
P.F. - E o senhor ficou de acordo?
H.L. - Sim, era uma coisa com a qual eu estava de acordo.
P.F. - E o projeto foi executado, não?
H.L. - Não sei, não me lembro, porque depois a situação modificou-se e surgiram problemas de muito maior relevo.
P.F. - E quando os senhor viu que não tinha o apoio dos outros ministros militares? Houve manifestação de apoio à sua pessoa
dentro do próprio Exército? O senhor não recebeu manifestação de apoio dentro de outras armas? E dentro do Exército, como é
que transcorreu a coisa?
H.L. - Já lhe falei que depois, quando a situação se agravou, o general Denis, comandante do I Exército foi falar comigo. Ele foi
me dizer que havia uma agitação muito grande e se eu não queria que o Exército fosse posto em prontidão. Não o atendi: "A
Marinha e Aeronáutica têm um número de militares relativamente pequenos aqui no Rio; mas o Exército é muito grande, possui
muitos quartéis, e a população vai ficar assustada com uma prontidão. Não devemos, sem motivo plausível, estar deixando a
população atemorizada". Ele foi embora, mas deixando transparecer que não estava muito satisfeito. Depois, refletindo sobre
informação que o general Denis me dera, de que a Marinha e aAeronáutica estavam de prontidão, percebi que estavam
preparando um golpe qualquer. Eu, por princípio, era contra a ação de um ministro ou dos militares contra a autoridade civil
constituída. Naquele momento, entretanto, tratava-se do seguinte: um presidente, um segundo em exercício, estava pactuando
com uma atuação contrária à escolha do povo e à decisão dos tribunais. Era uma situação contrária aos interesses do povo
brasileiro, absolutamente insustentável para quem prezasse o bem-comum. Eu estava ocupando uma função que era militar e
política. Para mim, seria muito simples me afastar do Ministério da Guerra e deixar o Brasil pegar fogo, porque naturalmente
haveria reação do outro lado. Entretanto, com minha autoridade, com o conhecimento que eu tinha da situação poderia, se
agisse prontamente, impedir que se chegasse à guerra civil. Refleti e lá pela madrugada tomei a decisão de agir. A casa em que
residia o general Denis ficava junto à casa em que eu residia, ali no Maracanã. Cheguei à janela e vi que as luzes estavam acesas.
O general Denis, então, estava acordado. Por medida de segurança, anteriormente havia mandado instalar telefone de
campanha, para que não ficássemos sujeitos às ligações pelo telefone comum, que poderiam ser violadas ou cortadas. Chamei o
general Denis ao telefone e disse-lhe que tinha decidido agir e que tínhamos que agir com prontidão. Era preciso sairmos
imediatamente para o Ministério da Guerra. Com o automóvel que eu utilizava estava no Leme, pedi-lhe que me apanhasse,
para que fôssemos juntos ao Ministério da Guerra. Assim foi feito. O general Denis veio com um de seus oficiais e o general
Falconière, comandante de São Paulo, que imaginava ter regressado a seu estado após o encontro que tivéramos pouco antes.
Quando chegamos ao Ministério da Guerra, meu gabinete ainda estava fechado. Inicialmente, fui ao gabinete do comandante
do I Exército, que estava de prontidão, e de lá dei ordens aos comandantes dos outros Exércitos para que mantivessem a ordem
pública e cuidassem para que a vontade do povo fosse respeitada. Graças a Deus, não houve nem mesmo um acidente de
automóvel, ninguém se machucou. Foi um movimento sem vítimas. Graças a Deus!
Como naquela ocasião o governo estava sediado no Rio de Janeiro, e a situação do I Exército era da maior importância
para a manutenção da ordem constituída, dei ordem ao general Denis para que preparasse para eventualidade de um movimento
armado da Marinha e Aeronáutica. O I Exército deveria agir prontamente, ocupando os postos onde se esperava viriam reunir-
se os possíveis adversários de modo que pudéssemos abafar o seu movimento antes que ele se estendesse. Determinei, além
disso, que expedisse ordens de constituição de certo número de destacamentos, entregando a cada um desses destacamentos
uma missão e trouxesse as ordens para eu ver. Ele assim procedeu com seus auxiliares. Li o conjunto das ordens e fiz algumas
modificações, porque ao constituir os destacamentos Denis misturara elementos da infantaria, artilharia e cavalaria, sem levar
convenientemente os escalões hierárquicos. Quando se constitui um destacamento, aproveita-se o seu comando para agregar a
ele outros elementos de fora. O comandante, por exemplo, da Artilharia Divisionária, deveria comandar uma tropa de artilharia
e elementos de infantaria que iriam reforçá-la. Deveria ser feita uma combinação das tropas em que o cidadão trabalhava com
elementos que ele já conhecesse. Feita essa modificação, as ordens foram datilografadas, seladas e guardadas como secreto.
Ordens prontas para serem expedidas em caso de necessidade. Quando tomei a decisão, logo que cheguei ao quartel-general, o
general Denis expediu todas essas ordens. A tropa daqui do Rio, imediatamente foi posta em movimento, ocupando o Arsenal
da Marinha, o Campo dos Afonsos e os vários lugares onde poderia haver reuniões de militares de outras armas contrários à
decisão que havíamos tomado. Eles nada puderam fazer contra nós porque nós tínhamos superioridade de meios; não podiam
lutar e acharam mais prudente conformar-se com a situação criada por nós.
P.F. - E vocês tinham preparado uma reação também em outros estados?
H.L. - Não, nos outros estados haveria tempo. Em primeiro lugar, no Rio, a proporção de elementos da Marinha e da
Aeronáutica, em relação ao do Exército é menor, mas é relativamente grande, ao passo que nos outros é pequena. Nós tínhamos
a possibilidade de dar ordens com antecedência a alguns estados, caso fosse necessário, mas eu não quis fazer isso porque iria se
espalhar a notícia de que nós estávamos tomando providências contra o possível golpe.As medidas de caráter secreto devem ser
do conhecimento do menor número de pessoas possível. Somente eu, o Denis e auxiliares imediatos sabíamos o que estávamos
preparando. Nem mesmo a meus auxiliares contei o que estava sendo feito, de sorte que agimos de surpresa. Quando eles viram,
estava a tropa na rua e em condições de abafar qualquer tentativa de ação contrária.
P.F. - Então, mesmo em um estado de tropa numerosa como o Rio Grande do Sul, continuou tudo normal?
H.L. - Não; eu dei várias ordens. Em São Paulo, por exemplo, o governador era Jânio Quadros e o comandante da Região
Militar era primo do brigadeiro Eduardo Gomes. Então, tendo que tomar providências, determinei a um dos oficiais baseados
em São Paulo - um elemento muito inteligente e ativo, que mais tarde iria servir em meu gabinete - que tomasse certas medidas.
Na capital ele deveria diligenciar para que a polícia não pudesse opor qualquer resistência e em Santos, para impedir uma
eventual ajuda à esquadra que lá chegasse para tomar nossas fortalezas. Era preciso que nossas fortalezas estivessem em
condições de se defender contra uma intervenção da esquadra e, para tanto, não poderiam correr o risco de um ataque da Força
Pública de São Paulo ou de quaisquer outros elementos. Esse oficial prontamente tomou todas as providências, chegando-se em
São Paulo até a erguer trincheiras lá numa das praças.
P.F. - O Falconière também foi para São Paulo, não é?
H.L. - Sim, mas o telefone era mais rápido. Inclusive, durante a viagem, tentaram impedir a sua chegada a São Paulo. Ele tinha
que passar por São José dos Campos...
P.F. - Ele foi antes do dia 11?
H.L. - Não, ele foi nessa ocasião...
P.F. - No dia?
H.L. - No dia. Pois eu não falei que, quando o general Denis foi me apanhar, ele estava no automóvel? Nessa hora, dei ordem
para que seguisse imediatamente para São Paulo, a fim de tomar as providências. Mas no meio do caminho, em São José dos
Campos, havia uma tropa da Aeronáutica na estrada. Apreenderam o automóvel e o levaram ao comando local para que ele
falasse com Eduardo Gomes. Falconière era o cidadão mais inteligente que eu tive contato em minha vida. Catarinense esperto!
Eduardo Gomes perguntou-lhe de que lado ele estava, e ele disse: "Naturalmente, estou do lado da lei"... Eduardo, então, deu
ordem para que o liberassem, e ele seguiu para São Paulo, onde tomou providências que acabaram de assegurar a atuação de
toda a tropa do Exército ao nosso lado.
P.F. - Quer dizer que o dispositivo militar abrangeu somente o Rio e São Paulo?
H.L. - Não; São Paulo, nesse momento, mas houve também ordens para o Rio Grande do Sul, para o Norte e todo o Brasil. Eu
telefonei aos comandantes de Exército e de Regiões para que eles tomassem as providências visando agir contra o que se
passava.
P.F. - E no momento desse contato, o senhor explica a esses comandantes a situação, o que está ocorrendo ou simplesmente dá
ordens?
H.L. - Não, em poucas palavras, tenho que lhes expor de que se trata. A gente, para dar uma ordem, tem que colocar qual é o
quadro que existe e, em função desse quadro, determinar o que deve ser feito. Então lhes dizia o que se tinha passado, o que eu
tinha decidido e o que eles deveriam fazer. E isso foi feito.
P.F. - E não houve nenhum foco de resistência?
H.L. - Não, não houve não. Na área do III Exército, o general Edgar Ferreira do Amaral ficou numa certa dúvida, mas depois,
durante a conversa...
P.F. - O foco de oposição residia realmente na Marinha e naAeronáutica, não é?
H.L. - Sim, tanto que fatos posteriores demonstraram isso; as reações que foram tentadas enquanto eu fui temporariamente
ministro daAeronáutica.
P.F. -Aí então eles embarcam no Tamandaré. O Carlos Luz, o Pena Botto e mais o Lacerda, de lambuja.
H.L. - Aí houve necessidade de nova intervenção de minha parte. Nós tínhamos dado ordem para que a barra fosse fechada a
movimentos de navios de guerra. Entrada ou saída. As fortalezas tinham recebido essa ordem, mas o comandante da Artilharia
de Costa me telefonou, dizendo que um navio, o Tamandaré, estava se dirigindo para a barra. "O que é que eu devo fazer?" -
perguntou-me ele. Eu disse que já havia determinado que não deixasse sair. A ordem era essa e deveria ser executada: "Dê uns
tiros de pólvora seca; depois mais tiros de intimidação; se ele continuar, então tem que atirar na frente do navio; finalmente
atirar em cima. É imprescindível que o navio não saia, porque se sair vai para Santos, e teremos uma guerra civil. É melhor
perdermos o navio com quem está a bordo do que ter guerra civil no Brasil". Entretanto, eles tiveram sorte, porque estava saindo
um navio mercante.
P.F. - Tiveram cobertura.
H.L. - Sim, mas não sei se o pessoal atiraria para acertar. Não tenho condições se isso aconteceu de propósito ou não. Mas o fato
é que o navio não foi atingido, graças a Deus, não foi atingido. Seguiu viagem, mas como uma andorinha não faz verão, chegou
a Santos e nada pôde fazer porque o resto da esquadra ficou. A recepção que tiveram por parte das fortalezas os deixou com
receio de sair. E o Tamandaré era o mais poderoso navio da esquadra. Se ele não pôde, os outros também não poderiam. Diante
disso, tiveram que regressar.
P.F. - O senhor tinha tomado conhecimento, durante esse tempo, da existência do MMC - Movimento Militar
Contitucionalista?
H.L. - Sim, e tomei providências contra eles. Alguns oficiais, se não me falha a memória, foram até punidos. Havia um foco lá
no Recife e em outros lugares.
P.F. - Mas era um movimento que visava justamente o mesmo objetivo que o senhor, isto é, a garantia da posse do Juscelino!
H.L. - Sim, mas não é possível que militares de baixo queiram trabalhar, a não ser mediante ordens de cima.
P.F. - Quer dizer que então a sua decisão de interferência na política foi tomada realmente quase no dia 11?
H.L. - Anteriormente eu tinha tomado as medidas visando à realização de uma eleição em que o povo tivesse pleno direito de
votar. Votei no Juarez Távora. Conhecia Juarez Távora. Ele era meu companheiro, embora bem mais moderno, e não me
passava despercebida sua vida de sacrifícios. Juscelino Kubitschek eu não conhecia, apesar de eu ser mineiro, como ele. Os
meus parentes lá de Minas não gostavam dele porque eram da UDN.
[FINAL DAFITA6-B]
H.L. - Cumprindo meu dever de cidadão, eu votei em quem achava que estava em melhores condições de ser presidente da
República. Na eleição, empregamos força em vários lugares, a fim de que o eleitor não fosse perturbado no seu dever de votar. A
eleição transcorreu normalmente, sem desordem, inclusive na fase de apuração. Enfim, tudo às mil maravilhas. Logo após o
pleito, quando chegaram as comunicações acerca do andamento dos trabalhos, o ministro da Justiça - já lhes repeti isso mais de
uma vez - declarou que fora uma eleição muito correta, a mais correta que tinha havido no Brasil até então. Tudo bem, até que
começaram a chegar os resultados; a partir do momento em que estes mostraram a vitória de Juscelino, as coisas se
complicaram, e passaram a surgir as razões pelas quais Juscelino não deveria ser empossado, sobretudo a maioria absoluta. E
quando essas razões, plausíveis se pelo menos a Constituição as exigisse, se mostraram sem base legal, os opositores de
Juscelino passaram a agir sem medir limites.
P.F. - Agora, nessa crise, entre o episódio do Mamede e a deposição de Carlos Luz, o senhor tentou em algum momento falar
com o presidente Café Filho?
H.L. - Sim estive com o Café Filho; fui visitá-lo num hospital.
P.F. - Em Botafogo, não é?
H.L. - É; lá estivemos com ele, várias pessoas, mas depois fui lhe falar isoladamente, encontrando-o apenas com seu chefe da
Casa Civil, cujo nome não me lembro agora.
P.F. - Oséias?
H.L. - Não, não é Oséias. Mas nessa conversa disse-lhe que tinha ido saber quando ele estaria em condições de retomar suas
funções, e dele ouvi que não sabia ainda, que iria ser submetido a uma junta médica, mas que se esta o julgasse capaz assumiria
para fazer o que achasse conveniente.
P.F. - Essa conversa é antes do 11 de novembro?
H.L. - É muito antes do 11 de novembro. No 11 de novembro eu já sabia que Café Filho estava a favor do golpe e mais tarde,
quando ele tentou reassumir as funções, tomei as providências para impedi-lo. Para mim, desta vez foi mais desagradável.
Carlos Luz estava no governo acidentalmente, mas Café Filho é que tinha me escolhido para auxiliar. Além disso, mantivemos
muito boas relações, até ele adoecer. Entretanto, como homem humilde que chegou à presidência da República carregado pelo
voto popular, Café Filho deveria, antes de mais nada, respeitar esse voto. E eu estava convicto que ele ia respeitar. Eu caí das
nuvens depois do 11 de novembro, quando o procurei e saí desorientado: "O que vou fazer agora? Não posso recuar. O Exército
já se movimentou e tomou uma decisão. Se a gente voltar atrás haverá uma guerra civil, certamente, porque muitos dos que me
seguiram naturalmente vão reagir à minha decisão de aceitar a posse de Café Filho. Será a guerra civil."
P.F. - Tinha que ir até o fim. Começado o processo, era impossível interrompê-lo.
H.L. - Não podia recuar, não era meu direito recuar.
P.F. -Agora, antes, no dia 10, o senhor chegou a se dispor a passar o ministério para o Fiúsa de Castro?
H.L. - Cheguei, no dia 10 cheguei.
P.F. - E se o senhor tivesse passado o ministério, ia tudo por água abaixo?
H.L. - Ia tudo, mas a responsabilidade não era minha, era do Fiúsa.
P.F. - Mas então, foi realmente decisivo o fato de não ter passado a pasta, porque o Fiúsa estava comprometido.
H.L. - Estava; e mais tarde vim a saber que ele tinha sido convidado por uma organização industrial para assumir uma função
elevada e disse que não poderia aceitar, que havia razões que o impediam de aceitar.
P.F. - Marechal, nesse período entre 11 e 23 de novembro, entre o impeachment do Carlos Luz e do Café Filho, como o senhor
conseguiu manter a unidade do Exército?Através de um contato mais amplo com os generais e os coronéis?
H.L. - Não, eu não lidava com os coronéis, só dava ordens aos generais-de-Exército. Reunia-me diretamente com eles e não
intervinha embaixo. Nunca.
P.F. - E esse generais desciam para discutir com os seus subordinados?
H.L. - Não, eles davam ordens. Quer dizer, não sei o que fizeram, mas eu no lugar deles teria dado ordens. Recebida uma ordem
legal, regulamentar, só tem uma coisa a fazer: cumpri-la.
P.F. - Quer dizer então que existe certo fluxo de informação política entre o presidente e o ministro da Guerra e depois entre o
ministro e os generais, mas daí para baixo é a hierarquia que funciona.
H.L. - Não, não há fluxo político. O ministro do Guerra exerce uma função política, os generais exercem uma função
exclusivamente militar. O ministro da Guerra lhes expõe o quadro em que se está vivendo, pois os generais devem, primeiro,
saber do que se trata e, depois, das possibilidades de ação inimiga contra nós. E de posse desses dados é que vamos ver como
impedir que o inimigo possa atingir seus objetivos. É assim que se encaminha um problema estratégico; dada a ordem, não há
mais sobre o que raciocinar; é transmiti-la e verificar seu cumprimento.
Houve no vale do Paraíba um episódio interessante, porque um dos oficiais, comandante de um regimento, pôs sua
tropa em movimento, desagradando o comandante da brigada. A ordem era ir para São Paulo, mas quando esta foi transmitida o
comandante da brigada estava afastado, dormindo ou coisa que o valha, e ligaram diretamente com o comandante do regimento,
que era o enteado do general Dutra.
P.F. - O general Cintra?
H.L. - Sim, o general Cintra pôs a tropa na estrada. O general Costa e Silva, então, que era comandante da brigada, quis mais
tarde prender o Cintra sob alegação de que ele tinha agido sem ordens. Eu disse: "Não, ele agiu sob ordens dadas pelo
comandante da região e nesse caso, você é que está errado, porque devia ter agido e não agiu. Você é que deve explicar por que
não agiu". E não deixei que o Cintra fosse preso. Este foi o único incidente de maior monta ocorrido naquele episódio.
[INTERRUPÇÃO DE FITA]
6ª Entrevista: 21.11.1978
P.F. - Marechal, hoje gostaríamos que o senhor nos dissesse alguma coisa sobre sua participação no governo Juscelino
Kubitschek como ministro da Guerra, destacando primeiramente a fórmula que o senhor utilizou para conseguir o verdadeiro
milagre que foi a estabilidade interna do Brasil durante o período do Juscelino Kubitschek.
H.L. - Como ministro da Guerra, minha idéia diretriz foi auxiliar o presidente Juscelino de maneira a deixá-lo a salvo de
preocupações quanto à manutenção da ordem pública. Para tanto, classifiquei nos comandos os oficiais que estavam em
melhores condições de exercê-los, sob o ponto de vista da cultura profissional, dedicação ao serviço e noção de
responsabilidade. Não tivemos dificuldades no que tange à vida do Exército; houve, entretanto, os dois levantes da
Aeronáutica: Jacareacanga e Aragarças. Foram levantes de pequena monta, organizados por um grupo reduzido de oficiais,
abafados ambos sem dificuldades e sem conseqüências. Esmagados os movimentos, tanto o presidente Juscelino quanto eu, ao
invés de punir os que nele tinham se envolvido, achamos mais vantajoso que lhes fosse dada anistia, a fim de que eles se
reintegrassem na força a que pertenciam e lá continuassem a prestar serviço ao Brasil. Assim fizemos, e os fatos subsequentes
mostram que nós estávamos com a razão.
P.F. - Marechal, o pessoal da Força Aérea envolvido nesses dois levantes do governo Juscelino Kubitschek eram elementos
oriundos daquelas agitações que empolgaram aAeronáutica no 24 de agosto de 54, quando da morte do Getúlio?
H.L. - Não sei, não tenho elementos que me dêem informações a respeito da atividade desses oficiais naqueles acontecimentos.
Não sei.
P.F. - Mas de qualquer maneira, a partir do 5 de agosto, da morte do major Rubens Vaz, a Aeronáutica se transformou num
centro de debate político realmente bastante exacerbado, não é isso?
H.L. - Sim, o assassínio de um oficial da Aeronáutica naturalmente deve ter ferido muito fundo, não só os sentimentos como o
brio da Força Aérea Brasileira. O traumatismo causado por esse choque durante certo tempo se fez sentir, dando lugar a que
certo número de oficiais intranqüilos procurassem intervir em problemas que não lhes diziam respeito, inclusive na área
política. Agora, eu não sei qual foi a duração que teve esse estado de espírito de uma parte de oficiais da Aeronáutica após o
assassinato do coronel Rubens Vaz.
P.F. - Mas esses mesmos oficiais mantiveram contato também, durante essas revoltas do governo Juscelino, com o Carlos
Lacerda, ou não? O Carlos Lacerda teve alguma coisa a ver com essas revoltas?
H.L. - Não sei. Carlos Lacerda, por meio de seu jornal e outros meios de comunicação, procurava agitar as Forças Armadas e
mesmo o povo brasileiro. Era do seu temperamento. Ele deve ter influenciado até certo ponto esses oficiais. Desconheço as
razões que conduziram esses oficiais a tomar aquelas atitudes. Quando em 11 de novembro tivemos que agir no sentido de fazer
respeitada a vontade do povo expressa nas urnas, o Exército na sua quase totalidade pensou da mesma maneira que eu: uma
eleição havia sido feita, o povo manifestara seu ponto de vista e esse ponto de vista deveria ser respeitado. Uma boa proporção
da Aeronáutica e da Marinha pensou também dessa maneira. Entretanto, uma outra parte, somada a alguns elementos do
Exército, não se conformou com a solução dada ao problema político, e continuou como irredenta a tentar criar dificuldades
para o governo. Felizmente, como eram um pequeno grupo, pouca coisa puderam fazer.
Quando, a mando do presidente da República estive no estrangeiro, o tenente-brigadeiro Francisco Correia de Melo
me substituiu no Ministério da Guerra. Mais tarde, quando o brigadeiro Melo teve também uma missão no estrangeiro, o
presidente Juscelino perguntou-me se aceitaria exercer temporariamente a função de ministro da Aeronáutica. Para mim era
desagradável, porque iria acumular mais um trabalho indo, ademais, para um meio que pouco conhecia. Mas como acho que um
militar não pode recusar missão, aceitei essa determinação do presidente. Na partida do brigadeiro, alguns oficiais da
Aeronáutica praticaram uma descortesia comigo, deixando de cumprimentar militarmente - fazer continência - e eu
naturalmente os observei, o que provocou certa onda na Aeronáutica. Esse fato mostra como na Aeronáutica havia um certo
número de oficiais que estava sempre pronto para aproveitar qualquer oportunidade para criar dificuldades ao governo. Mas
não tiveram muito sucesso, pois o presidente Juscelino governou durante todo o tempo sem maiores percalços, no que diz
respeito à ordem pública e à paz no Brasil.
P.F. - Esses oficiais da Aeronáutica que participaram de Aragarças primeiro demonstram um inconformismo com a situação de
24 de agosto ter se revertido: eles jamais conseguiram admitir o 11 de novembro, ou seja, jamais aceitaram a volta daquelas
correntes que consideravam mais populares ao poder. Por outro lado, além disso, eles se queixam daquilo que o senhor próprio
se queixou nesta mesma entrevista: consideram-se perseguidos a partir do 11 de novembro, alegando que existiu uma política
de discriminação em relação a eles, à possibilidade de promoções e inclusive à distribuição no território nacional.
H.L. - Desconheço; como não me imiscuía nas atividades do ministro da Aeronáutica, não estou apto a dizer se houve
discriminação ou não. No Exército, por exemplo, não coloquei fora de funções os oficiais que eu sabia serem contrários ao
governo; se eram oficiais de estado-maior dava-lhes missões em que recebessem a gratificação de estado-maior, impedindo
apenas que tivessem sob suas ordens elementos que facilitassem uma atitude de perturbação da ordem pública. Eles não
recebiam missão de comando, mas os que tinha estado-maior iam servir como chefes nas funções de recrutamento, tendo todas
as regalias de um oficial de estado-maior, inclusive as gratificações. Os outros exerciam outras funções, também de caráter
administrativo, mas não foram afastados do serviço e não tiveram prejuízo em sua carreira, porque no Exército todo serviço é
anotado para contar mais tarde a favor de uma possível promoção.
P.F. - E a presença do general Odílio Denis no I Exército seria também uma peça fundamental desse seu esquema militar?
H.L. - O general Odílio Denis, que conhecia bem a situação do I Exército, era um dos auxiliares de maior importância no que
tange à manutenção da ordem pública. Ele e seus auxiliares diretos conheciam perfeitamente as condições, inclusive as
políticas, da região.
P.F. - Marechal, examinando os relatos acerca dos dois movimentos de Jacareanga e Aragarças, percebemos muito claramente
que a base de sustentação militar do governo Juscelino Kubitschek se colocou no Exército, enquanto seriam a Aeronáutica e a
Marinha os lugares onde se concentrava o inconformismo. A que se devia isso? O senhor acha que existiu uma política
preferencial do presidente Juscelino em relação ao Exército?
H.L. - Absolutamente, não houve nada disso. O que se passa no Brasil é o seguinte: o Exército, em primeiro lugar, possui um
número de componentes muito maior do que os da Marinha e Aeronáutica somados. Além disso, o Exército está distribuído em
todo território nacional, desde a faixa litorânea até a das fronteiras, do norte ao sul, do leste a oeste. A Marinha, entretanto, está
em um pequeno número de portos onde operam as unidades navais. Como a Aeronáutica também só dispõe de alguns
aeroportos que lhes servem de base, o Exército sempre teve um papel preponderante no que diz respeito à manutenção da
estabilidade das instituições e da paz pública.
P.F. - Aquela origem que o senhor nos falou, do oficial do Exército como um elemento de uma maneira geral menos nobre,
menos aristocrata, mais do povo ou da classe média, seria isso um fator importante?
H.L. - Não, a oficialidade do Exército, como a da Marinha e a da Aeronáutica, provém de todas as classes do Brasil. Eu, por
exemplo, que era filho de uma professora e um pequeno industrial, pretendi inicialmente ir para a Marinha, mas acabei indo
para o Exército. Meu filho é oficial da reserva da Aeronáutica e tenho outros parentes, genros, que foram oficiais do Exército.
Não há, então, uma diferenciação quanto ao recrutamento da oficialidade do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica; eles são
recrutados no conjunto da população brasileira. Depende das inclinações dos rapazes o fato de irem eles para tal ou qual
organização militar. Não há nenhuma seleção.
P.F. - Afonso Arinos comenta que o grande segredo da supremacia civil no governo Juscelino Kubitschek teria sido a divisão
das Forças Armadas. Na medida em que o Exército se colocava numa posição e a Marinha e a Aeronáutica se colocavam numa
posição contrária, quer dizer, isso teria gerado um clima para supremacia civil então.
H.L. - Não, há aí um erro de julgamento doAfonsoArinos, porque não havia por parte de toda aAeronáutica e de toda a Marinha
um estado de espírito contrário ao governo do presidente Juscelino; eram alguns elementos, numerosos talvez, que se
colocavam contra o governo, mas a maior parte da Marinha e a maior parte da Aeronáutica cumpriam seu dever sem
tergiversações, sem dificuldades, sem criar obstáculos. O presidente Juscelino era antes de mais nada um ser humano, um
Homo Sapiens, um cidadão que atuava levado por seu coração. Viajei bastante acompanhando o presidente Juscelino e vi a
receptividade com que o recebiam em todos lugares em que chegava. Como o povo ficava contente de olhar para ele! A sua
reação, o rosto, a fisionomia como que espelhavam e refletiam esse estado de espírito do povo em relação a sua pessoa. O
presidente Juscelino era um homem cuja receptividade popular era excepcional, maior até do que a do presidente Getúlio
Vargas, porque Kubitschek era um homem do povo, filho de uma professorinha de Minas Gerais, pobre, que lutou muito para
subir na escala social, granjeando sucesso à custa de suas qualidades de caráter, inteligência, bondade, simplicidade e
compreensão. Esse é o fato.
P.F. - Mas quanto às resistências da Marinha e da Aeronáutica em aceitar pacificamente a hierarquia no governo Juscelino
Kubitschek, nós temos pelo menos dois exemplos, dois exemplos graves: um deles, quando o comandante das operações da
Aeronáutica ameaça bombardear Jacareanga e um brigadeiro lança um manifesto muito violento, responsabilizando-o pela
possível chacina da população civil e dos revoltosos. E um segundo momento, dessa vez já na revolta de Aragarças, quando o
comandante do navio Presidente Vargas se recusou a transportar as tropas que iriam esmagar a rebelião em Santarém. Eu acho
que esses fatos são significativos de que existia uma resistência à hierarquia nessas duas corporações.
H.L. - O interessante é que não me recordo da ocorrência desses fatos: não sei quem é esse brigadeiro, não sei da existência
desses manifestos nem da negativa do comandante desse navio para levar tropas para o Norte. Aliás, havia outros meios de que
o governo podia dispor para agir contra os rebelados sem a necessidade desse navio.
P.F. - O senhor podia dar uma descrição sucinta do que foi a política do presidente Juscelino Kubitschek em relação ao
Exército? Em que a gente poderia dizer que o presidente tenha ajudado a corporação?
H.L. - O presidente Juscelino, no que diz respeito às Forças Armadas, pelo menos no que diz respeito ao Exército, confiava em
mim e me deixava a iniciativa e a orientação das atividades do Ministério da Guerra, sem qualquer interferência de sua parte.
Para ele, a administração e a orientação do Exército eram assuntos que eu conhecia melhor, devendo portanto ficar a meu
encargo. E durante o tempo em que fui ministro da Guerra, uma das coisas a que sempre dei muita importância foi a justiça, pois
considero-a um dos elementos capitais para assegurar um equilíbrio estável no seio da sociedade. Quando há justiça ninguém
tem o direito a reclamar e, não havendo quem se sinta com direito a reclamar, naturalmente não há possibilidade de surgir
reações contra a autoridade.
[FINAL DAFITA7-A]
H.L. - Nas Forças Armadas, as promoções se fazem baseadas em dois princípios, antigüidade e merecimento. A promoção por
antigüidade é mais simples de ser dividida. Basta que o oficial esteja num determinado número de ordem, em boas condições de
saúde - ele é submetido a inspeção de saúde - e haja vagas que atinjam esse número para que seja proposto para promoção. O
critério de merecimento é mais complexo, porque neste caso alguns oficiais vão ser promovidos mais cedo do que seus
camaradas mais antigos, tornando-se então muito mais delicada a escolha. Eu, com a experiência que tinha de meu serviço no
Exército, procurei estabelecer normas que assegurassem a plena justiça na classificação dos oficiais no quadro de merecimento,
considerando sempre cada uma das funções por eles exercidas. O Comando tinha um certo índice; função de Estado-Maior
tinha outro índice; professor de escola do Estado-Maior, determinado índice; instrutor da Escola Militar, outro indíce; serviço
em funções administrativas, outro índice. Esse índice era multiplicado pelos elogios, pela maneira pela qual o oficial exerceu a
função estabelecendo-se, pelo resultado dessa multiplicação, um dos elementos que iriam servir de base para classificar o
oficial em relação a seus companheiros. Assim procedemos e, graças a Deus, não carrego em minha consciência o peso de haver
cometido a menor injustiça, pois tanto os que tinham estado do nosso lado como os do outro lado foram promovidos, quando
chegou a sua vez, levando em conta esses critérios preestabelecidos.
Eu conheci um Exército antigo, de quando não havia ainda serviço militar obrigatório, e nossos soldados eram
recrutados através do voluntariado que se abria em todo o Brasil, especialmente nas zonas da gente que gosta de barulho, como
o Rio Grande do Sul. Em geral eram rapazes com pouca cultura. O recrutamento dos cabos e sargentos era feito na tropa,
levando-se em conta a maneira pela qual os soldados cumpriam seus deveres militares. Conforme seu procedimento, iam
recebendo elogios ou punições e, chegada a ocasião, eram promovidos a cabo, depois a sargento. Mais tarde esta situação se
modificou porque passou a haver serviço militar obrigatório e se criou a Escola de Sargentos. Eu fui instrutor da Escola de
Aperfeiçoamento da Infantaria, que mais tarde se transformou em Escola de Sargentos. Nessa época, se tiravam os sargentos da
tropa para instruí-los, tornando-os mais aptos ao exercício de suas funções. Posteriormente se passou a recrutar também cabos e
soldados, que eram matriculados na Escola de Sargentos, e concluído o curso, conforme as notas obtidas, eram promovidos a
sargentos.
Esse nosso concidadão servia ao Exército durante muitos anos, às vezes mais de uma ou duas décadas, sem alcançar o
tempo suficiente para ter direito à reforma. Ao contrário, quando atingia certa idade, se tinha ingressado um pouco mais tarde
nas fileiras do Exército, era licenciado e ia para a vida civil sem qualquer garantia, sem o menor pagamento pelo serviço que
havia prestado à nação em nossas fileiras. Sempre achei isso uma injustiça. Nas funções que exerci, principalmente nas funções
técnicas ou de comando de grandes unidades, tinha verificado que existe uma série de tarefas em que é inexcedível o
desempenho dos sargentos. As comunicações, a manutenção do material automóvel e a construção de pontes, por exemplo, são
atividades executadas pelos sargentos. Os oficiais têm conhecimento teórico mas a prática, a execução, é dos sargentos. Era
então natural que o Exército, não só por uma questão de justiça, aproveitasse essa capacidade profissional. A administração
também acaba sendo uma importante função desempenhada pelos sargentos. Eu, por exemplo, tenho-lhe horror. Não gosto do
papel, e o papel não gosta de mim. Quando estou procurando um documento no meio de uma porção de papéis, geralmente não
acho. A administração, entretanto, tem que ser feita, porque sem ela não há vida na nossa organização, e são justamente esses
sargentos que delas se encarregam. Uma parte da iniciativa, inclusive, cabe aos sargentos, ao invés de ser exercida pelos
oficiais, que tiram um curso de vários anos na Escola Militar. O sargento tirava um curso de menor duração mais barato para o
governo, e estava mais apto àquela prática pela própria experiência adquirida no exercício de tais funções. Baseado nesse
raciocínio propus ao presidente Juscelino, e ele concordou, que o Estado-Maior estudasse a solução desse problema. Houve
certa dificuldade - não digo reação, mas retardamento -, tendo eu insistido até que se chegou a uma solução: os sargentos
passaram a ser promovidos a segundo-tenentes, quando completavam determinado tempo de serviço, conseguindo chegar a
capitão e alguns até a major, quando transferidos para a reserva, pois havia mais uma promoção por tempo de serviço. Esta foi
uma iniciativa minha, visando fazer justiça e assegurar os serviços indispensáveis ao Exército.
P.F. - Mas a reforma remunerada os sargentos só conseguiram durante o governo Juscelino, ou já existia antes?
H.L. - Antigamente eles eram reformados como sargentos, mas em geral completavam idade em que eram compulsoriamente
excluídos do Exército antes de terem o tempo que lhes desse direito à reforma.
P.F. - Marechal, chegou a haver durante o governo Juscelino, uma homenagem dos sargentos à sua pessoa, não?
H.L. - Houve, mas é posterior ao governo Juscelino. Eu já não estava mais no Ministério da Guerra. Há inclusive uma escola
nos subúrbios que se chama Escola Marechal Lott. Foi iniciativa dos sargentos.
P.F. - Porque eu tinha ouvido falar numa outra homenagem, mas durante esse tempo...
H.L. - Há também aquele episódio da espada de ouro, que é tão debatido e pelo qual fui tão atacado. Os sargentos vieram
participar da reunião pública que se passou na avenida Presidente Vargas.
P.F. - Como é que foi esse episódio, marechal? Foi iniciativa de quem? É um episódio tão discutido, mas muito pouco explicado
em seus detalhes.
H.L. - Eu só soube dos fatos quando vieram me perguntar se aceitava. A princípio relutei, porque previ a reação, mas afinal,
como não havia qualquer impedimento legal, aceitei essa homenagem. Não gosto de homenagens. Hoje minha vida se passa
inteiramente aqui nesse meu apartamento em Copacabana ou na minha casa em Teresópolis. Saio aos domingos para ir à missa;
nem à praia - apesar de que como mineiro, gosto muito de praia -, nem à praia eu vou. Sou raça de gato, gosto de ficar dentro de
casa. Desde menino, sempre gostei. A vida social para mim é desagradável. Sofri muito quando fui adido militar nos Estados
Unidos, porque era obrigado a manter uma atividade social. Para mim era muito desagradável, muito cacete comparecer
àquelas recepções. Certa vez, um almirante americano implicou porque eu não tomava bebida alcoólica. Ele, numa daquelas
recepções, já um pouco entrado na bebida, trouxe-me um copo e queria a todo pano que eu bebesse. Quase tive que empregar a
força para impedi-lo de me obrigar a beber. A atividade social, então, é para mim um sacrifício. Em geral, na vida social a
sinceridade tem uma parcela muito pequena no que se passa.
P.F. - Marechal, nesse episódio da espada de ouro, tenho a impressão de que esses elementos que contestaram o recebimento da
espada, na verdade contestavam uma identificação do Exército com o povo. Na verdade, essa identificação havia se
estabelecido através da garantia que o Exército deu à execução da vontade popular nas urnas. Eu tenha a impressão de que foi
isso.
H.L. - Não estou em condições de julgar. Há um ditado, uma ordem de Cristo que diz: "Não julgueis para não seres julgado". De
sorte que eu, quando desconheço os fatos, não julgo. Nunca participei de Conselho de Guerra na profissão militar. Uma ocasião
só, em que participei de um Conselho de Justificação, felizmente o cidadão foi absolvido. É para mim muito desagradável e
muito difícil julgar os atos de outras pessoas, podendo condená-las a maior ou menor punição.
P.F. - Marechal, o senhor é, eu não diria acusado, mas é comentado por alguns oficiais do Exército como uma pessoa que tratava
melhor os sargentos do que o general.
H.L. - Absolutamente, isso é mentira. Nunca estabeleci diferenciação. Eu tratava todos os militares da maneira que trataria um
irmão. Naturalmente, há manifestações de respeito militar como a continência, e essas eu sempre exigi porque era meu dever,
mas no trato, quando me expunham os seus interesses ou seus problemas, eu ouvia a todos da mesma maneira, sem estabelecer
distinção entre general, coronel, capitão, sargento e soldado.
P.F. - É, no fundo, a crítica deve vir por conta de a maior parte dos oficiais estabelecerem uma distinção no tratamento de
generais e sargentos, coisa que o senhor, talvez por ser um elemento que sempre viveu muito próximo da vida de caserna, não
estabelecia...
H.L. - A minha vida foi toda passada no seio do Exército. Exerci funções de instrutor da Escola de Sargentos, do Curso de
Aperfeiçoamento da Infantaria , da Escola Militar (várias vezes), da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e da Escola de
Estado-Maior. Fui comandante do Estado-Maior, comandei pelotão, comandei companhia, comandei batalhão, comandei
regimento, comandei infantaria divisionária, comandei divisão, comandei região militar e exerci a função de ministro da
Guerra, que afinal de Contas, até certo ponto, é o comando do Exército. Todas essas funções de comando nas quais a gente tem
de agir no sentido de cumprir o que está escrito nas leis e regulamentos. É essa a minha norma de proceder. Meu antecessor, o
general Zenóbio, estabeleceu uma norma de que os militares - inclusive sargentos - podiam falar diretamente com ele quando
tivessem problemas pessoais que não pudessem ser tratados pelos canais competentes. Eu achei uma boa idéia e, como
ministro, a mantive e a ampliei, determinando que um oficial e alguns sargentos que trabalhavam num cômodo em cima do meu
gabinete recebessem as cartas que me eram dirigidas por oficiais, sargentos e praças. Desse modo, eu tomava conhecimento de
seus problemas e lhes respondia, sempre que possível, atendendo a seus pedidos. Não é incomum, hoje em dia, ser
cumprimentado por alguém que se refere a um problema que eu resolvi. Eu nem me lembro mais, mas naturalmente aqueles que
tiveram seus direitos respeitados ou sua vontade atendida ficaram gratos à minha pessoa. Durante essas entrevistas, verifiquei
como os sargentos eram dedicados à família. Eles tinham muitas dificuldades, pois ganhavam pouco para manutenção da
família e se esforçavam para que seus filhos tivessem uma instrução mais completa, que lhes possibilitasse subir mais depressa
na escala social e ter uma vida mais agradável. Nessas entrevistas eu notava que os sargentos tinham muito mais interesse
nesses problemas familiares que os próprios oficiais, e isso me tocava o coração, pois considero a dedicação do chefe de família
à sua família um dos maiores deveres do ser humano.
P.F. - Marechal, provavelmente e infelizmente, o senhor não encontrou continuadores de sua política em relação aos sargentos,
visto que em 64 estourariam revoltas de sargentos demonstrando um descontentamento muito grande dessa parte das Forças
Armadas em relação à instituição.
H.L. - Não sei; como lhe disse, passei a maior parte de minha vida a serviço do Exército, durante muito tempo morando no
próprio quartel. Por isso, meu contato com a tropa é muito íntimo. Mas depois que saí do Exército achei que, ao terminar meu
tempo de serviço, não deveria mais estar intervindo nos assuntos militares para não atrapalhar. Às vezes, ao praticar uma
intervenção o indivíduo tenciona fazer o bem mas na verdade atrapalha, porque não sabe quais são as idéias que orientam o
responsável pela administração. As idéias são externas, então, intervindo com desconhecimento da situação, só vão servir para
perturbar, isto é, vão desservir ao Exército e aos que dele fazem parte. Por isso, mesmo gostando muito da caserna, nunca mais
fui a quartéis. Tenho saudades de alguns dos quartéis, mas nunca mais procurei saber o que neles se passava.
Não gosto muito de política e de outros fatos e, por isso agora só leio jornal uma vez por semana, aos domingos.
Acompanho o que se passa pelo rádio e pela televisão. O rádio e a televisão mudaram as possibilidades de compreensão do povo
brasileiro. Quando me candidatei à presidência da República, fui muito atacado por manifestar a minha idéia de que os
analfabetos também deveriam cumprir o dever de votar. Meus adversários achavam que isso era demagogia, pois não
acreditavam que o povo estivesse em condições de fazê-lo bem. Estavam errados, já naquele tempo em que os fatos eram
transmitidos apenas pela palavra escrita, ainda vá lá, porque o povo é analfabeto. Mas hoje, com o rádio e a televisão esta
restrição é injustificável. Se eu acompanho o que se passa pelo rádio e a televisão, então o analfabeto pode acompanhar. Por
outro lado, um chefe de família dedicado, honesto, que cumpre todos os seus deveres para com sua família e sua profissão, tem
muito mais condições de escolher do que, por exemplo, um advogado sem-vergonha ou um patife que vive fazendo trampas
para prejudicar outras pessoas, servindo-se de seus conhecimentos profissionais, não em benefício da coletividade, mas em
benefício de si próprio e dos que a ele estão ligados. Então, há um outro aspecto a considerar: quando há um mau governo quem
mais sofre é aquele que tem os menores meios de defesa, ou seja, o analfabeto. Então é natural que, bem ou mal, ele participe da
escolha daqueles que vão dirigir o país.
P.F. - E a que o senhor atribui essas resistências ao voto do analfabeto?
H.L. - Não sei, não sei porque as restrições podem ser tão numerosas...
P.F. - O senhor acha que os políticos têm um mundo à parte, quer dizer que a moral política seja uma moral específica?
H.L. - No Brasil, antes da Revolução de 30, falavam no coronelismo, porque eram fazendeiros e os donos de lojas, botecos e
armazéns do interior que orientavam os eleitores. O pessoal era, como diziam, conduzido a cabresto. Acho esta uma figura
muito forte, mas o fato é que eles eram orientados, Eu tinha um primo irmão 30 anos mais velho que eu. A mãe dele era a mais
velha das irmãs e se casou cedo, enquanto meu pai, que era o mais moço, casou-se tarde, de modo que quando eu não passava de
um menino ele já era homem feito. Juca - assim se chamava se chamava esse primo - era fazendeiro em Guanhães, no Interior de
Minas, e possuía lojas comerciais. Era um homem rico e gostava de intervir na política. Não ambicionava ser eleito, mas
gostava de eleger um cidadão chamado Sabino Barroso, se não me falha memória. Esse foi meu primeiro contato com a política;
depois, quando mamãe era professora e diretora da escola Basílio da Gama, as eleições se realizavam, como até hoje, nas
escolas ou outros lugares semelhantes. Eu assistia ao funcionamento das eleições e tive muito contato com os eleitores, mas
apenas por curiosidade, porque muita gente ia lá. O eleitor, para manifestar a sua opinião, deveria ter em mão uma cédula de
voto, que não se comprava, mas se recebia ou do candidato ou pelos que manuseavam os eleitores a serviço dos candidatos.
Então, o eleitor não tinha direito de votar em quem desejasse, mas só podia votar naquele que lhe entregara a cédula. Agora o
cidadão tem o direito de votar em branco, mas naquele tempo não, ele tinha que botar qualquer coisa lá dentro.
Há um outro episódio interessante. Certa vez, um camarada meu, um oficial muito capaz e sério, exerceu funções num
desses territórios lá do Norte, onde se tornou muito estimado. Ele se candidatou a deputado. Nessa ocasião, porém, estava
servindo no Rio, e o opositor lhe pregou uma grande peça: quando soube que havia um avião destacado para levar as cédulas, ele
deu um jeito de prender o avião. Esse meu colega, apesar de muito trabalhador, deixava tudo para a última hora, e o outro
venceu.
P.F. - E a eleição de Juscelino e João Goulart?
H.L. - Juscelino e Juarez foram candidatos numa época em que toda essa agitação mostrava a necessidade de que a eleição fosse
feita de maneira a que os eleitores pudessem votar em quem quisessem, sem sofrer constrangimentos. Era uma questão de
segurança da área em que ia se proceder a eleição, de segurança dos transportes e das urnas, para que elas não fossem violadas.
Mas, por outro lado, era preciso que os eleitores tivessem a possibilidade votar em quem lhes aprouvesse, e a esse respeito
conversei com o presidente do Superior Tribunal Eleitoral, que me apresentou como solução, a cédula única. Não sei se a cédula
naquele tempo era igual à de hoje, mas de qualquer maneira cabia ao governo distribuí-la a todos os eleitores. De sorte que o
eleitor passou então a votar em quem lhe desse na veneta. Tudo era mais fácil, estando lá os nomes dos candidatos para ele
escolher. Então, foi esta uma das participações que eu tive no processo eleitoral, precedendo - parece que eu estava adivinhando
- a tentativa de desrespeito à vontade popular.
P.F. - A cédula única provocou resistência muito grande, inclusive do PSD, não é? O senhor teve problemas com o próprio José
MariaAlkmim, que era contra a introdução da cédula única, não é?
H.L. - Aliás, não teve comigo. Se teve, deve ter tido com o presidente Juscelino, porque não me lembro de ter tratado desse
problema comigo.
[FINAL DAFITA7-B]
H.L. - O presidente do Superior Tribunal Eleitoral me disse que esse caso já tinha estado em pauta, quando da eleição do
presidente Getúlio Vargas, e tinha sido decidido, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, que não era exigida a maioria
absoluta de votos, e sim a maioria simples.
P.F. - Essa tese da maioria absoluta era uma tese ilógica, pois a Constituição não previa o que se deveria fazer no caso de um
candidato não atingir a maioria absoluta. Se houvesse a necessidade de o vencedor obter maioria absoluta, o próprio texto
constitucional deveria prever o desdobramento do processo eleitoral, não é isso?
H.L. - É; por tudo isso, então, eu tinha razões de sobra para achar que a eleição não podia ser desrespeitada. Esses episódios me
são muito desagradáveis, porque para mim desrespeitar a lei, mesmo respeitando um princípio superior, é muito desagradável.
Considero-me um homem da ordem e da lei. Em situações como a do 11 de novembro, trata-se de uma luta na minha
consciência: ponho os dois pratos na balança - de um lado a lei, do outro a justiça - até que a balança pende para um lado.
P.F. - Trata-se de evitar um mal maior, não é?
H.L. - É, mas há outro fato a considerar. Episódios recentes, que acompanhei pela televisão, mostram a necessidade de que se
modifique o sistema de escolha dos candidatos. Acho que o povo deve ter plena liberdade de escolha, escolha de um
determinado número de cidadãos que, pelo seu caráter, pelo seu conhecimento para o exercício da função e pelo seu
procedimento anterior, esteja em condições de exercer a função para a qual se candidata. Então, a escolha deve partir das bases
populares. Primeiro no município, escolhem certo número de cidadãos, mandando-se alguns deles para o estado. Estes,
juntamente com outros da capital, vão escolher dentre aqueles que eram candidatos ao estado quais os que estão aptos a
candidatar-se no âmbito da República. É a mesma coisa que botar uma fita vermelha na embalagem de um remédio que possa
fazer mal à saúde. O cidadão, tendo que optar numa plêiade de candidatos, só pode escolher quem está em condições de exercer
a função em benefício da coletividade. Esse é o modo de ver. Acredito que assim não teremos mais patifes, gatunos e sem-
vergonhas eleitos, como já foram mais de uma vez, criando problemas muito sérios para o Brasil. É desagradável citar cidadãos
que morreram ou que ainda estão vivos, mas nós sabemos exatamente o que eles fizeram. Um desses cidadãos está aparecendo
na televisão, de barba branca, bigode branco, cabelo branco, novamente postulando cargos eletivos...
P.F. - Jânio Quadros...
H.L. - É interessante, o senhor sabe perfeitamente que não é qualquer um que pode ser camelô. É preciso ter habilidade para
vender aquela mercadoria.
P.F. - É uma arte.
H.L. - É; postular cargos eletivos, falar ao povo, também é uma arte; não é cultura, nem conhecimento, mas a maneira de se
dirigir ao povo. Naturalmente, esta arte exige certa cultura para que se possa empregar convenientemente nosso idioma, mas
também exige outras coisas: a simpatia, o carisma etc. Por exemplo, Juscelino Kubitschek possuía, no bom sentido, todas essas
qualidades. Ele era um polarizador de votos. Aonde quer que fosse, todo mundo olhava e ficava contente. Esse outro cidadão
também tem a mesma coisa. Agora, Juscelino Kubitschek partiu de baixo. Era filho de uma professorinha do interior de Minas -
Diamantina - e chegou à presidência da República, mas sempre decente, cumprindo seu dever. Esse cidadão também subiu
vários degraus - saiu de Mato Grosso e veio para São Paulo - mas inteligentemente não procedeu da mesma maneira que
Juscelino em todos os lugares.
P.F. - Marechal, o senhor não acha que essas diferenças decorrem do fato de o senhor, como militar, ter uma lógica voltada para
o bem comum, enquanto o político tem uma lógica muito mais voltada para o seu próprio bem particular?
H.L. - Não, há políticos e políticos. Há o político que tem a sua vida orientada para o bem comum. Nós tivemos, graças a Deus,
no Brasil, muitos políticos nessas condições. Há profissões como, por exemplo, a de professor e a de médico, que predispõem o
indivíduo para uma certa compreensão do bem-estar de seus subordinados; mas há outras profissões em que se trata de vencer
por bem ou por mal. Então, aqueles que sobem no quadro dessas últimas possuem uma formação, não digo política mas
especialmente moral, que deixa muito a desejar. Não são úteis à nossa pátria, mas nocivos. É preciso evitar que esses cidadãos
possam postular cargos eletivos para que nosso país não venha a sofrer.
P.F. - Marechal, voltando à polícia militar do governo Juscelino Kubitschek, há um fato interessante que eu não sei se o senhor
poderia explicar, que é a destinação de grandes verbas no governo Juscelino Kubitschek para as Forças Armadas. Se a gente
observar a porcentagem do orçamento nacional que foi destinada nos últimos anos, desde 1945 até atualmente, às Forças
Armadas, nós notamos que o governo Juscelino foi o governo que mais deu dinheiro a elas.
H.L. - Não sei se o senhor tem razão, talvez até esteja enganado. Não tenho elementos estatísticos para discutir o seu ponto de
vista. Entretanto, posso dizer que durante o tempo do presidente Juscelino Kubitschek encontrei vários problemas no Exército.
Algumas unidades não tinham quartel que assegurasse residência aos que lá serviam. Nós militares somos transferidos não por
nossa vontade, mas pelas circunstâncias. O quadro de serviços é que nos destina tal ou qual lugar. Estamos muito bem
instalados, passavelmente instalados ou mal instalados num determinado lugar, vamos para outro e lá às vezes não encontramos
sequer onde morar. Nossa família, pela qual somos responsáveis, conforme o nosso posto e a nossa idade, tem filhos crescidos,
filhos pequenos ou netos, às vezes. Nós militares, apesar de se dizer o contrário, em geral ganhamos pouco em relação às nossas
necessidades. Por isso, procurei também proporcionar aos militares, oficiais e sargentos, residências nas proximidades dos
quartéis, especialmente nas localidades em que elas eram mais difíceis de ser conseguidas. Comprou-se material, mas não
compramos muito material bélico durante o tempo em que estivemos no Exército.
As unidades de fronteira estavam largadas; nossa fronteira estava abandonada. Tivemos problemas no Acre, por
exemplo. Gente dos países vizinhos entrava para tirar os nossos recursos na hiléia amazonense, sem que tivéssemos meio de
defendê-los. Era preciso que tivéssemos lá uma guarda, uma sentinela ou um corpo de tropa, tendo-se para tanto necessidade de
construir esses quartéis. Por outro lado, penso que no Brasil solucionou-se erroneamente o problema dos transportes. O
automóvel é um veículo moderno e como o avião tem a vantagem de ir de porta a porta. O trem vai de estação a estação; o navio,
de porto a porto, de sorte que um e outro exigem que o automóvel intervenha depois para transportar o passageiro ou a
mercadoria até seu destino final. Mas ao mesmo tempo, cada automóvel ocupa um motorista. Por maior que seja o caminhão, o
número de toneladas que ele carrega é muito pequeno. Um maquinista, um foguista e alguns guarda-freios conduzem uma
tonelagem enorme. A estrada de ferro é eletrificada. A ferrovia consome energia elétrica, assegurada por nosso poder
hidrelétrico, sem dispêndios. Com o automóvel temos que empregar divisas para comprar o petróleo e depois refiná-lo. Nos
Estados Unidos vemos, por exemplo, a navegação desenvolvida ao longo da Costa. Eu vi na França navegação naqueles cursos
d'água, até navios puxados a parelhas de cavalos.
P.F. - Navio puxado a cavalo?!
H.L. - É, navio puxado a cavalo.
P.F. - Como é que pode?
H.L. - Na França há, sim senhor.
P.F. - Mas como é que pode?
H.L. - Chemin d'hallage é o nome. Tem, ao longo do curso d'água, um pista. O cidadão, a mulher e os filhos moram a bordo. Eles
vão dirigindo essa parelha; no fim do dia, param no porto, os animais vêm para bordo comer e descansar.
P.F. - Os animais vão pelo lado, puxando, pela margem?
H.L. - É; chama-se chemin d'hallage.
P.F. - Que engraçado isso, não é?
H.L. - É; na minha vida, tive a sorte de ter vivido em muitos lugares - na França, nos Estados Unidos, na Dinamarca - e visitado
vários países da Europa e da América do Sul. Esta experiência me dera oportunidade de verificar o que se pode fazer para a
solução de determinados problemas da maneira melhor para atender ao interesse da população.
P.F. - Marechal, a gente está vendo que boa parte da despesa com as Forças Armadas foi resultante de uma política que o senhor
implantou de proteção ao homem, quer dizer, ao próprio militar, ao indivíduo. E sem dúvida acho que a gente pode concluir que
esse foi um dos fatores de tranqüilidade do governo Juscelino Kubitschek.
H.L - Sim; naturalmente, proteger o militar e sua família significava proporcionar-lhe melhores condições de vida; e tendo
melhores condições de vida esse militar gozaria de boa saúde e equilíbrio emocional, o que me permitiria melhor servir à pátria,
num setor difícil como é o das Forças Armadas. Então, de fato, dessa maneira eu estava prestando um grande benefício ao
Brasil.
P.F. - Marechal, de certo modo, se o senhor deu condições com uma mão, com a outra foi inflexível na punição daqueles que
haviam de alguma maneira transgredido as normas e os regulamentos. Como foi sua atitude em relação à política desenvolvida
no Clube Militar por ocasião das eleições de 56 e 58?
H.L. - Em primeiro lugar, na aplicação dos regulamentos não fui intransigente nem brutal. Aragarças e Jacareacanga tiveram
anistia, outros militares que cometeram crimes políticos tiveram anistia, e nas eleições do Clube Militar eu não intervim. Sou
sócio do Clube Militar, e dos mais antigos hoje, mas nunca fui a uma de suas eleições. Para mim, o Clube Militar tem como
aspecto positivo a congregação não só dos militares como dos seus familiares, abrindo-lhes a possibilidade de conviver e trocar
idéias, divertir-se, etc. Hoje o Clube Militar tem uma sede na Lagoa, mas antigamente era só a daAvenida Rio Branco.
O Clube era um local em que o militar se encontrava com outros militares fora do quadro da caserna, tendo então maior
liberdade de manifestar seu pensamento e maior liberdade de atuação. Entretanto, às vezes ele é conduzido a discutir problemas
políticos, o que é muito nocivo ao país e à política militante. O quadro político geral do país não deve intervir na caserna, porque
a política divide, e nós da caserna não podemos ser divisores. Existem vários fatos em nossa história provando os
inconvenientes da interveniência da política no quadro militar, de sorte que o Clube Militar tem esse aspecto negativo. Mas eu
não intervim nessas eleições, não tive candidato nem manifestei uma posição; nada fiz que pudesse atrapalhar o que eles
pretendiam fazer.
P.F. - Então, o senhor assumiu uma posição de neutralidade mas por outro lado, de certo modo, procurou resguardar as Forças
Armadas dessa influência política. Eu, pelo menos, interpreto assim, na medida que o senhor proibiu a propaganda dentro dos
quartéis, não foi?
H.L. - É, naturalmente a propaganda política no quartel é proibida, sempre foi. Não se pode fazer política dentro do quartel.
Política e quartel são coisas que não podem estar juntas.
P.F. - Marechal, tem um outro episódio ocorrido na mesma época daquele da espada de ouro, que é a prisão do general Juarez
Távora. Os senhor poderia contá-lo para a gente?
H.L. - Foi um episódio desagradável para mim, porque Juarez Távora participou da revolta do Getúlio, e eu não. Em geral,
estivemos em campos opostos na política. Entretanto, votei nele, quando ele foi candidato. Na Revolução de 32, trabalhamos
juntos na mesma unidade, participando do mesmo Estado-Maior de uma divisão que combatia os paulistas, e eu sabia o
prestígio que ele tinha no Exército. Quando me disseram que ele estava procurando aliciar elementos para uma sublevação,
entendi que se o deixasse com liberdade de ação ele seria nocivo à ordem pública e mandei que fossem trazê-lo à minha
presença. O oficial que o trouxe disse que o encontrou em casa dormindo e, quando soube disso, imediatamente mandei que ele
fosse embora para casa. Ele não foi preso.
P.F. - Mas não houve problema de ele ter prestado declarações políticas à imprensa, quando o senhor havia proibido? O senhor
proibiu que os militares se manifestassem politicamente pela imprensa, não proibiu isso?
H.L. - Sim, proibi, mas não me recordo dos detalhes. Em geral, graças a Deus, os fatos desagradáveis à minha memória os meus
dentrites atrofiados e os meus neurônios não transmitem.
P.F. - É uma grande sabedoria. [risos]
H.L. - Não é sabedoria, não; isso é sorte.
P.F. - É sorte! [risos]
H.L. - Sim; sorte. E, graças a Deus, não tenho raiva de ninguém com a vida que tive desde a minha infância até hoje. Se
guardasse raiva daqueles que estiveram em campo oposto, teria sofrido muito. Isso é um fato interessante, que muita gente
desconhece: a raiva não faz mal a quem é dirigida, mas sim a quem a tem. Nós possuímos, no nosso sistema nervoso, o elemento
que forma adrenalina, noradrenalina, epinefrina e noraepinefrina. Além disso, temos o sistema nervoso simpático , que é aquele
que comanda o funcionamento de nossos órgãos de um modo geral, além do vago ou parassimpático e do ortossimpático. O
vago ou parassimpático é chamado vago porque é um pneumogástrico, que é um nervo muito ramificado.
P.F. - Como é que chama ele?
H.L. - Pneumogástrico; mas, então, o vagossimpático contém acetilcolina, que é um elemento calmante, enquanto os outros
dois são excitantes. De sorte que eles atuam, no equilíbrio dos nossos órgãos - salivação, suco gástrico, etc. - pela segregação da
acetilcolina ou da adrenalina. Quando ficamos irritados, quem trabalha predominantemente é o ortossimpático, que sapeca
adrenalina em quantidade no organismo, podendo resultar uma úlcera no estômago. É interessante que temos no estômago um
elemento que é atuado por um outro para poder digerir as carnes. Ele em si não atua, mas é um ácido que, intervindo, transforma
outro elemento, que é atuante, e digere as proteínas. Ora, nosso estômago é proteína. Agora, o nosso intestino é uma membrana
revestida por um muco, que é atacado e eliminado quando a adrenalina se concentra em grandes doses e paralisa numa certa
zona. Fica, então, exposta uma área da nossa proteína e cria-se aí uma úlcera gástrica. De sorte que as pessoas que se enraivecem
tendem a criar úlceras gástricas. E as pessoas a quem é dirigida a raiva não sabem às vezes disso.
P.F. - Formidável, marechal, onde o senhor aprendeu essa coisa toda?
H.L. - Eu sempre gostei de ciências físicas e naturais, principalmente naquilo que diz respeito ao ser humano. Durante o tempo
em que era militar, minha obrigação era estudar assuntos relacionados com a minha profissão, mas depois que fui reformado
passei a ler sobre ciências. Conheço o idioma inglês e o francês, leio um pouco de alemão, entendo espanhol e italiano, de sorte
que tenho possibilidade de estudar em várias fontes. Algumas livrarias tinham uma série de livros muito baratos, traduzidos de
livros franceses, sobre assuntos relativos ao ser humano. Comprei muitos desses livros e além disso, minha filha, que mora nos
Estados Unidos, sempre que vê um livro interessante me manda. Eu também sempre percorro as livrarias e compro outros
livros.Assim, estudo esses assuntos ainda hoje, com menos tempo, pois agora emprego mais tempo em rezar do que em estudar.
P.F. - E a Frente de Novembro, marechal? Ela foi fechada em novembro de 56. Por que o senhor fechou Frente de Novembro?
H.L. - Antes de 11 de novembro de 55, certo número de militares já estava trabalhando para que a eleição do Juscelino fosse
respeitada. Eles atuavam em vários lugares, no Norte e no Sul, e me obrigaram a intervir para interromper seu trabalho porque
eles estavam agitando as casernas. Depois veio o 11 de novembro, e esses fatos passaram, mas da mesma maneira alguns
militares contrários ao 11 de novembro passaram a agir no sentido de nos criar dificuldades. É possível, então, que certos
elementos se julgando na obrigação de nos apoiar tenham criado a Frente de Novembro. Achei, entretanto, que essa coisa não
estava certa, porque criava possibilidade de agitação nas Forças Armadas. Como poderia eu agir conta os opositores de governo
se estava permitindo que os outros agissem? Então, por medida de justiça, tive que fazer cessar essas atividades.
P.F. - É, mas junto com essa o senhor fechou também o Clube da Lanterna, não é? Do Lacerda?
H.L. - Não fechei porque não tinha autoridade. Quanto ao Lacerda, eu sempre recorri à justiça civil, mas como a nossa
legislação não dá ao cidadão a possibilidade de se defender contra o que lhe é assacado pelos jornais, rádio e televisão, nunca
obtive resultados. É muito difícil, quase impossível, processar. Só que se alguém fechou, eu não fechei.
P.F. - É interessante que a estabilidade que o senhor conseguiu nesse período realmente resultou de um política imparcial, uma
política profissionalizante no Exército.
H.L. - Da mesma maneira que, para que numa balança os dois pratos se mantenham equilibrados, é preciso colocar o mesmo
peso num e noutro prato, também na direção ou no governo é preciso que se ponha o mesmo peso de um e de outro lado.
P.F. - E foi a favor dessa política de neutralidade que o senhor, depois, em 58 , teve aquele problema com o Diário de Notícias,
quando este jornal publicou uma carta de brigadeiros contra a sua pessoa e, parece, houve um problema de censura ao jornal.
H.L. - Olha, eu atuava porque era ministro da Guerra. Era meu dever defender o ministro da Guerra contra ofensas
publicamente assacadas. Não importava que o cidadão fosse processado ou punido, era preciso que se provasse que as ofensas
eram mentirosas para que a autoridade do ministro não fosse posta em causa. Depois que deixei o ministério me xingaram de
muita coisa, mas eu não me incomodava. Nunca mais tentei processar ninguém, nem agir contra quem quer que seja, porque
passei a ser o cidadão Henrique Lott. De sorte que para o Brasil pouco importava que o Henrique Lott fosse chutado ou não, que
lhe fizessem injustiça ou não. Lott era um entre muitos milhões de brasileiros. Naturalmente eu sofria com isso, mas não me
achava na obrigação de defender-me e principalmente não achava conveniente criar novas agitações. Durante certo tempo, eu
recebia cartas anônimas me xingando. O cidadão tinha primeiro o trabalho de escrever a carta, ter a raiva e soltar adrenalina,
conforme descrevemos, depois dobrava a carta, selava, botava no correio e ficava esperando reação. Mas não vinha nenhuma
reação, o que para ele era uma tristeza.
P.F. - Mas quando mandou para o jornal e o jornal publicou aí o senhor puniu, não foi?
H.L. - Não, isso aconteceu quando eu era ministro. Estas cartas anônimas foram depois de eu estar na vida civil, já reformado. E
mais tarde, depois de todos esses fatos, já naquela fase de agitação que precedeu à derrubada de João Goulart, eu recebia umas
cartas datilografadas, assinadas por um soldado desconhecido.
[FINAL DAFITA8-A]
H.L. - Havia uma série de idéias, argumentos e razões, procurando induzir-me a agir contra o governo de João Goulart. Cesteiro
que faz um cesto faz um cento. Eu já tinha feito o 11 e 21 de novembro, e por isso achavam que eu poderia chefiar o movimento
armado contra Goulart. Mas eu havia feito o 11 e o 21 de novembro em cumprimento de meu dever e na ocasião não considerava
meu dever agir contra João Goulart, especialmente com uma rebelião militar. João Goulart estava errado; ele não estava em
condições de exercer a função de presidente da República, mas o meio mais adequado para afastá-lo era o impedimento.
Através do impeachment, constitucionalmente, ele seria afastado, fazendo-se a substituição dentro do quadro legal.
P.F. - Foi só por carta que tentaram contactá-lo ou chegou a haver assim algum contato pessoal?
H.L. - Lacerda esteve aqui [risos]. Ele foi a meu a meu gabinete, onde há um alto-relevo de Getúlio Vargas. Minha esposa,
então, colocou a cadeira do Lacerda de maneira que ele ficasse olhando bem de frente para o Getúlio. Ele falou, falou, com
aquele seu jeitão, mas não conseguiu nada. Eu não queria.
P.F. - Quer dizer, apesar de o senhor ser conhecido como ferrenho anticomunista...
H.L. - Eu não sou ferrenho anticomunista, eu sou católico, apostólico, romano. O católico apostólico romano não é ferrenho
anticomunista; ele acha que o comunismo não serve porque é anticristão, e tudo aquilo que é contra Cristo não pode ser apoiado
por um católico apostólico romano. Este é o problema. Só que não sou ferrenho anticomunista; acho que o comunismo é nocivo,
porque partindo de uma idéia de Marx originada na Inglaterra no início da idade industrial, quando a situação da sociedade era
completamente outra, ele fala na tirania do proletariado. Essa idéia foi explorada e deturpada, pois em vez de ser o proletariado
quem manda, é um cidadão qualquer, um Hitler, um Stálin ou coisa que o valha. Esse indivíduo domina um determinado país e
se o país é poderoso e rico, tenta dominar a humanidade através da escravidão do seu povo. O seu povo não tem idéia, não tem
liberdade, não tem nada. Ora, uma das idéias básicas do cristianismo é que nós todos somos irmãos e devemos, primeiro, amar a
Deus acima de todas as coisas e depois amar ao próximo como a nós mesmos. Então, somos todos iguais e se somos todos iguais
não pode haver ditadura nem do proletariado nem dos militares nem de quem quer que seja. Por isso, o comunismo é coisa
errada.
P.F. - Mas o Lacerda, nessa ocasião, chegou a lhe propor algum plano? Ele já tinha alguma coisa em mente?
H.L. - Ele não falou. Lacerda era muito inteligente e não semeava sem ter preparado previamente a terra. Quando ele começou a
preparar a terra e viu que a terra não prestava para nenhuma semeadura não lançou nenhuma semente.
P.F. - Foi muito antes da Revolução de 64?
H.L. - Não me lembro quando foi.
P.F. - Marechal, falta falar alguma coisa sobre uma etapa muito importante da sua vida, que foram o surgimento do seu nome
para Presidência da República e a própria campanha eleitoral. Como é que surgiu o seu nome? Como é que o senhor, um militar,
elemento disciplinador, um educador da caserna saltou para o meio da política?
H.L. - Eu não queria postular um cargo político, ainda mais de presidente da República, mas fui posto diante do dilema; ou
aceitava ou dava indicação de medo ou comodismo, por não querer correr os riscos da campanha. Assim é que foi colocado o
problema diante de mim. Quando se apresentou aquele cidadão como candidato por um partido que esposava idéias
diametralmente opostas às que ele até então pregara, isto queria dizer que ele iria ser ferramenta desse partido. Eles iriam
explorá-lo devido à sua demagogia, à sua penetração na massa popular, à sua capacidade de arrastar o povo, mesmo tendo dados
do seu despreparo, dada a maneira pela qual ele tinha agido nas funções anteriores. Isso era conhecido de muita gente, inclusive
do pessoal da UDN que o tinha escolhido. Os elementos do outro lado, do PSD etc. que não o queriam por isso, vieram a mim e
insistiram.
P.F. - Quem o convidou, o próprio Juscelino?
H.L. - Não, de modo nenhum, Juscelino nunca interveio nesse problema.
P.F. - Mas o senhor, de certo modo, garantiu o governo do Juscelino, não é?
H.L. - Mas Juscelino nunca interveio, nunca trabalhou em favor da minha candidatura. Nunca moveu uma pedra.
P.F. -Antes do lançamento, não é?
H.L. - Não; quem esteve lá foram oAlkmin e outros elementos do Partido Social Democrático, cujo nome não me lembro agora.
P.F. - Cid Carvalho?
H.L. - Não me lembro.
P.F. - José Joffily?
H.L. - Não me lembro não, mas estiveram lá alguns elementos me induzindo, e eles me puseram diante desse dilema.
P.F. - Primeiro foi o PSD?
H.L. - Eu me lembro bem do Alkmin ter estado lá em casa. Eu conheci Jânio Quadros por ter sido comandante da Região de São
Paulo durante o tempo em que ele exercia funções políticas naquele estado, e sabia inclusive de suas ligações com os
comunistas. Naquela época, um documento secreto fora publicado por um jornal comunista, mas ele defendeu os comunistas da
tribuna da Assembléia Legislativa, dando clara demonstração de que era ligado a eles. Além disso, meu serviço secreto da
região tinha provas de que ele dava dinheiro para organizações comunistas em São Paulo. Então eu sabia também que ele era
comunista e, em conseqüência, na presidência da República, seria muito perigoso para o Brasil. Era, portanto, o meu dever
contribuir para que um cidadão com essas qualidades, ou falta de qualidades, não fosse exercer as funções de presidente da
República. Agora, do outro lado estava todo o meu ser humano, de cidadão criado num lar modesto, que viveu no meio militar,
tendo horror à política partidária, tendo horror a agitações de rua, tendo horror aos palanques, placar e discursos, não gostando
de falar e tendo mais raiva ainda de escrever. Tudo isso estava pesando no outro prato da balança, mas o dever sempre tem que
preponderar em relação aos nossos interesses pessoais, quando o cidadão tem noção de que é um ser humano temente a Deus.
Então aceitei, e depois que aceitei tive que seguir uma orientação, embora sem ter prática e sem gostar de falar em público. Eu
poderia, durante a campanha, comparar minha vida com a vida dele. Eu era um homem já idoso, com uma grande experiência no
Brasil e no estrangeiro, tinha exercido várias funções públicas de responsabilidade, tinha lutado na paz e na guerra, possuía uma
série de cursos dos mais elevados, inclusive de engenharia militar. Ele era advogado, um homem bem falante, tinha experiência
e havia também exercido funções públicas no quadro legislativo e executivo do município e do estado de São Paulo. Isso era o
que ele tinha, mas muito menos experiência da vida do que eu. Ele nunca tinha ido sequer passear no estrangeiro; eu já tinha
vivido, tinha mais de sete anos da minha vida no estrangeiro. Eu podia, então, durante a campanha, estabelecer esse paralelo,
mas não o fiz; determinei que meus auxiliares estudassem os problemas das várias regiões que nós íamos visitar e anotassem
quais eram os problemas que mereciam solução mais pronta e que eram mais prementes para a população.
P.F. - Quem lhe forneceu esses auxiliares da campanha, marechal? Como é que se estruturou a sua campanha?
H.L. - Alguns camaradas me auxiliavam; meu antigo ajudante de ordens e elementos civis, que se apresentaram para trabalhar
ao meu lado.
P.F. - Por que o Juscelino não colocou à sua disposição o conhecimento, a grande experiência política que ele possuía?
H.L. - Pode ser que eu esteja sendo injusto com ele, mas tenho impressão de que o dr. Juscelino não tinha muita vontade que eu
fosse presidente da República. Tendo eu trabalhado para ida de Kubitschek para a Presidência da República e tendo depois sido
seu auxiliar, caso o sucedesse, ele não se sentiria à vontade para se candidatar novamente. Tenho a impressão de que, para ele,
seria melhor que fosse um outro cidadão qualquer, mas não posso afirmar isso, inclusive porque nunca conversamos a esse
respeito.
P.F. - Ele estava pensando na volta, não é?
H.L. - É, ele sempre pensou. Quando fui a Belo Horizonte - veja que fato interessante - havia placas com o nome do Juscelino,
mas não havia placas com meu nome. E há outro fato que também atesta que eu não tinha vontade de ser o presidente da
República. Conheci Ademar de Barros quando fui comandante da Região Militar de São Paulo. Ele era governador e
enfrentava, naquele momento, uma série de agitações, inclusive greves, e eu intervim no sentido de garantir a manutenção da
ordem pública. Ademar me era grato por isso e sempre me tratou muito bem. Pois bem, quando eu era candidato, ele convidou-
me para passar uns dias numa fazenda de sua propriedade, num lugar bonito na serra de São Paulo. Estávamos num almoço em
Botafogo, na casa de um político cujo nome não me recordo. Nessa oportunidade, ele me propôs que juntássemos nossas
legendas. Havia no Congresso, segundo ele, elementos que apoiariam uma reforma que viesse a permitir essa união. Se eu
aceitasse a idéia, ele proporia a reforma imediatamente ao Congresso. Agradeci-lhe muito a idéia. Sentia-me lisonjeado diante
de tamanha demonstração de amizade e confiança, mas não podia aceitar porque achava que às dificuldades inerentes ao
exercício da Presidência da República exigiam que o cidadão que a ocupasse se sentisse com coragem para governar o Brasil e
enfrentar os seus problemas. Tal coragem, entretanto, só poderia advir da certeza consciente e subconsciente de que o povo o
queria lá. Por isso não poderia aceitar essa junção de legendas.
Se tivesse aceito eu teria sido eleito. Dizem que fui esmagado mas esse esmagamento foi relativo. Jânio, pelo que se
verifica nas tabelas, teve cinco milhões trezentos e tantos mil votos, eu tive três milhões seiscentos e tantos mil votos. Então, era
de um milhão e oitocentos mil, parece, a diferença. Dr. Ademar de Barros teve dois milhões e duzentos mil, de sorte que nossas
duas legendas o sobrepujariam nas urnas. Mas nesse caso, iria para a presidência da República um mau presidente, porque teria
entrado pela janela.
P.F. -Agora o senhor procurou de qualquer maneira estabelecer acordos com os candidatos a governo estadual ou não?
H.L. - Não.
P.F. - O senhor não fez acordos políticos na sua campanha de forma que pudesse criar uma base que lhe permitisse uma votação
maior?
H.L. - Não, naturalmente os governos estaduais que eram ligados aos partidos que me apoiavam, o PSD e o PTB, naturalmente
eles deveriam ter me apoiado.
P.F. - Mas algumas vezes isso não ocorreu.
H.L. - É; no rio Grande do Sul, não. Não ocorreu por causa do Jan-Jan.
P.F. - E o senhor não procurou também fazer acordo com outros partidos?
H.L. - Não, nunca procurei estabelecer ligações, justamente porque - como eu estou lhe mostrando - só aceitava a presidência
da República caso eu fosse eleito de uma maneira limpa. Não queria deixar dúvida de que o povo me queria. Achava que só
assim poderia vencer tudo que eu tinha contra o exercício da função, no meu interior, no meu consciente e subconsciente. Eu
tinha inquestionavelmente medo de errar na presidência. Graças a Deus, não fui eleito. Nada do que está por aí me pode ser
lançado ao rosto. Fiz o que estava a meu alcance. Fui candidato à Presidência da República e procurei, na medida das minhas
possibilidades e dentro da minha orientação moral e cívica, agir para consegui-la.
P.F. - Quem coordenou a sua campanha, quem bolou assim a plataforma, a estratégia?
H.L. - Não me lembro, porque não concordei muito com isso e fiquei mais numa posição de quem está cumprindo uma missão.
P.F. - Está bem, acho que não temos muita coisa mais, porém, gostaria de saber se o senhor quer dizer mais alguma coisa para
fechar a nossa entrevista.
H.L. - Há um problema muito delicado, a respeito do qual já me manifestei: é o da anistia. Eu tive oportunidade de ver como é
útil ao Brasil a anistia. Bernardes não deu anistia e passou todo o seu governo em estado de sítio. Vi como sofreram alguns dos
alunos da Escola Militar que não foram anistiados. Eu tinha um primo, Jorge Duffles Teixeira de Andrade, aluno da Escola
Militar, que participou da revolta. Quando acabou a revolta, foram reunidos os alunos e perguntado quais os que eram
conscientes e quais os que não eram, e ele deu um passo na linha dos conscientes. Os pais dele tinham recursos. Era filho de um
negociante, um industrial de Minas Gerais, residente em Antônio Carlos, que naquele tempo chamava Sítio. Ele tinha um tio
que era professor da Escola de Minas de Ouro Preto. Tentou estudar engenharia na Escola de Minas, mas não conseguiu
matrícula, porque não permitiram. Passou então a trabalhar com seus pais, como auxiliar de escrituração da indústria e do
comércio de seus pais. Um dia, quando ele estava no escritório, vieram dizer que havia um rapaz procurando-o. O rapaz estava
tuberculoso. Antônio Carlos era um lugar de sanatórios para tuberculosos. O clima é muito seco e o lugar está a mil e oitenta e
tantos metros de altitude. O rapaz chamava-se Mário Vitório e estava pedindo o auxílio porque não tinha recursos para ir para
um hotel. O meu primo Jorge, que tinha sido seu colega cedeu-lhe umas casas da família e lá o sustentou. O rapaz melhorou com
o clima mas depois, quando se sentiu recuperado, começou a se divertir e acabou recaindo e morreu. Presenciei, então, esse tipo
de sofrimento.
Mais tarde, no governo Juscelino, vi como a anistia impediu mesmo a esses elementos intransigentes que se levasse
avante os propósitos de perturbação da ordem pública. Quando tomamos uma atitude política, somos sérios se estamos levando
em cota os interesses do Brasil. Essa decisão pode ser num sentido ou noutro, pode fazer com que fiquemos do lado dos que
vencem ou do lado dos que são vencidos. Os que vencem naturalmente - eu penso assim - não ficam com direito privilegiado. Eu
não quis ser ministro da Guerra, eu relutei muito para aceitar a função, justamente por ter agido no sentido de garantir a posse do
presidente Juscelino. Mas se somos vencidos também não devemos ser postos à margem. Tomamos uma atitude que as
circunstâncias ou o povo não quiseram tornar a vencedora e só. Devemos voltar ao seio da família brasileira, para que não
perdure esse estado de isenção, de falta de amizade, de divisão. Este é meu ponto de vista. Por isso, sou partidário da anistia e
quanto mais cedo melhor.
[INTERRUPÇÃO DE FITA]
P.F. - Muito obrigado, marechal, gostaria então que o senhor que o senhor nos falasse alguma coisa sobre esse episódio, de que
teria havido um atrito entre o senhor e um oficial da polícia do Exército.
H.L. - É absolutamente inverídico esse fato. Nunca fui visitar meu neto na Polícia do Exército e, não tendo visitado o meu neto,
naturalmente, não poderia ter tido atrito com quem quer que fosse. Jamais dei tiro em ninguém, nem durante as nossas lutas
intestinas eu atirei; eu comandava a tropa, mas não atirava. Isso é mentira de gente que está procurando criar problemas e
agitação. É mentira!
Há um outro fato que também quero descrever. Uma ocasião, eu estava em minha residência em Teresópolis, quando
apareceu a Polícia Civil da Delegacia de Teresópolis, perguntaram se eu desejava que guarnecessem a casa. Indaguei por quê, e
eles explicaram: "porque soubemos que ela vai ser assaltada". Eu disse: "Não, não precisa. Obrigado. Eu tenho armas para a
minha defesa e sei atirar. Agradeço muito"... Depois eu soube que ele deixou lá os tais cidadãos e não houve nenhum assalto,
mas correu esse boato em Teresópolis. Logo depois desses acontecimentos, houve uma porção de mentiras procurando me
envolver. São pessoas que, devido minha atuação no quadro da vida pública brasileira, querem envolver-me em fatos dos quais
não participei.
P.F. - O senhor conhece a versão da história que circulou?
H.L. - Li um artigo, não me lembro os detalhes, publicado num jornal lá na Europa.
P.F. - A versão diz que o senhor teria sido desrespeitado por um oficial da Polícia do Exército e que então teria vindo em casa, se
fardado, voltado, atirado nesse oficial que o desrespeitou e, após isso, teria pedido um julgamento público, o que não lhe foi
concedido [risos].
H.L. - Eu fico admirado com a imaginação dos mentirosos. A imaginação dos mentirosos excede qualquer novela. Em primeiro
lugar, um militar reformado não deve, a não ser depois de morto, usar uniforme militar. Para exigir que me respeitem, eu não
preciso estar fardado; sou um ser humano e com idade bastante para exigir respeito pelo menos às minhas cãs. É mentira, mas
uma mentira que denota, da parte dos cidadãos que imaginaram, uma imaginação pútrida.
P.F. - E não só isso, marechal, mas também, de certo modo, mostra os prejuízos que pode causar para o país a inexistência de
uma imprensa livre, porque tudo isso só circulou dessa forma porque inexistia no país uma imprensa que pudesse publicar no
dia-a-dia as coisas.
H.L. - Mas se fosse publicado na imprensa, ao invés de circular de boca em boca, circularia muito mais rapidamente e muito
maior número de pessoas teria conhecimento desse fato. Então, como em geral se pensa que é verdade, achariam que era
verdade; ao passos que, como só foi publicado no estrangeiro, aqui não houve mais do que um disse-que-disse entre comadres
que andaram conversando.
P.F. - Está bom, muito obrigado marechal.
[FINAL DO DEPOIMENTO]
C Casarão de Sítio
Prefacio
Esta é uma história apaixonante, que entusiasmou o autor a cada nova pesquisa,
descobrindo detalhes de uso do Caminho Velho, da abertura do Caminho Novo, das
personalidades e dos negócios de um notável empreendedor e de sua esposa,
companheira de realizações, que souberam como poucos conduzir e inovar nas
atividades da fazenda além de criar indústrias, não só para o benefício próprio ou da
família, mas também para o desenvolvimento da comunidade em que viveram,
fazendo doações de terras e recursos que se prestaram a instalações destinadas ao
uso público, como ferrovia, estação, escola, igreja, hotel, teatro, além de treinar a
mão de obra que contrataram para suas indústrias, ao longo de suas honrosas e
profícuas existências.
Por outro lado, é singular o fato de que, havendo evidências claras sobre o papel que
SÍTIO teve na gênese do abastecimento das vilas do ouro e na construção do
Caminho Novo, na criação do arraial que viria a ser a cidade de Barbacena, na
criação do que viria a se tornar mais tarde a cidade de Juiz de Fora, fruto da visão e
da labuta empreendida pelos descendentes de Fernão Dias Paes Leme, e, anos
mais tarde, de ser um pólo pioneiro de desenvolvimento agro-pecuário-industrial,
progressista e porque não dizer - invejável para a época - tenha esse papel do Sítio
da Borda do Campo, sido tão inexplicavelmente ignorado por grande parte daqueles
que até agora registraram a história de Minas Gerais e do Brasil.
Aquilo que a cidade de SÍTIO chegou a ter como sua característica, na transição do
século 19 para o século 20 e que era a sua marca, o que de melhor tinha para se
orgulhar e que, sem sombra de dúvida, a poderia projetar, era o exemplo de
empreender com os olhos no futuro e os pés no presente, com simplicidade e muito
trabalho, com altruísmo e boas idéias, fornecendo ao país os melhores produtos,
consagrados por prêmios nacionais e internacionais : esta é apenas uma síntese da
obra realizada pelo ilustre filho - Major Manoel Carlos Pereira de Andrade - tudo isso,
acabou escondido e sendo esquecido com o passar do tempo.
1
O mérito e as realizações do Major Manoel Carlos Pereira de Andrade e de d. Anna
Dulcelina Machado de Andrade, sua esposa e companheira, foram sendo apagados
da memória dos seus concidadãos a tal ponto, que a cidade da qual eles verdadeira
e indubitavelmente foram os pioneiros fundadores, deles acabou por se esquecer e,
em os tendo esquecido, esqueceu do seu próprio e verdadeiro nome : SÍTIO.
Chega a ser grave o erro dos que contribuíram para usurpar seu verdadeiro nome,
para na verdade, se auto promoverem sem que nada tenham efetivamente
construído para a comunidade local, a não ser imagens de si mesmos, artificialmente
elaboradas, “histórias para museu” que nunca resultaram em benefício real à cidade .
2
Agradecimentos do autor
Organizar este registro dos fatos, lendas e casos que fazem parte da “História da
Fazenda Cymodocea” não é obra , por menor e mais simples que possa resultar, da
qual eu poderia dar conta sozinho : várias pessoas, entre elas descendentes dessas
famílias, outras moradoras da região, outras autoras de livros que falam da história
de Minas Gerais e da história do Brasil : todas fontes inestimáveis de informações,
sem as quais, eu não poderia organizá-lo e entregá-lo ao cuidado das próximas
gerações, que hoje vejo representadas pelos meus filhos e noras : Rodrigo
Magalhães Gonçalves / Adriana Camargos Lopes Batista, Christian Magalhães
Gonçalves / Patrícia Crozara Brasil de Lima, Francis Magalhães Gonçalves / Adriana
Sales Cardoso, Isabella Magalhães Gonçalves e, muito em especial pelo meu neto
Lucca Brasil .
Foi dela que tive o privilégio de ouvir os primeiros e deliciosos relatos sobre
reminiscências de sua infância, ricos em imagens e referências detalhadas sobre os
diversos personagens, sempre como se estivéssemos assistindo a um filme, colorido
e incluindo as tonalidades do profundo respeito e da delicadeza no trato dos
personagens, atitude característica do seu estilo pessoal, sem com isso fugir à
essência dos fatos .
A Prof. Jupyra, é neta do patriarca Major Manoel Carlos Pereira de Andrade, foi
casada com o Dr. Amaro Barreto (cirurgião dentista), já falecido, e é irmã de Jurema
Duffles de Freitas , por sua vez casada com Moacir Freitas, ambos falecidos, pais da
prima Dra. Bartyra Maria Duffles de Freitas , Advogada residente no Rio de Janeiro e
que também contribuiu com muitas informações preciosas para a elaboração deste
livro .
Alfredo Malta
P.S. – Contribuições e correções a eventuais erros são, desde já, bem vindas e devem ser
encaminhadas ao autor através do endereço eletrônico alfredomalta@terra.com.br .
3
Homenageio através deste livro :
Ao Dr. Paulo Andrade de Magalhães Gomes, que movido pelo amor filial, dedicação
familiar, persistência e abnegação, mostrou como a preservação do CASARÃO é
possível, ainda que às vezes nos pareça inviavel ;
À Prof. Jupyra Duffles Barreto, cujas reminiscências de seu tempo de menina e cuja
paixão pela história da família e do Brasil, me encorajaram a escrever este livro ;
4
Introdução
"Nasci em SÍTIO, Minas Gerais, uma estação próxima de Barbacena, e que hoje tem
o nome de Antônio Carlos. SÍTIO está a mais de mil metros de altitude e, como todo
o estado, não se pode dizer que é uma região montanhosa mas coberta de morros,
com pouco mato e de vegetação rasteira. Passei nesta cidade pequena parte da
minha vida, onde min ha mãe era professora e meu pai construtor. Em SÍTIO, que
hoje se chama Antônio Carlos, havia três famílias de destaque - Andrade (do Major
Neca Andrade – Manoel Carlos Pereira de Andrade), Sá Fortes (do bacharel Manoel
de Sá Fortes Bustamante Nogueira) e Andrada (do bacharel Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada ) .O cupavam três zonas distintas: os Andrade, no centro da cidade de
SÍTIO, os Andrada, na borda do campo e os Sá Fortes, no outro lado , Bias Fortes
etc.
Minha mãe é irmã da mãe de minha segunda esposa, a qual se casou em SÍTIO com
um dos Andrade, Eudoro Lasthenes, irmão de D. Cymodocea e filho do
Major Man oel Carlos Pereira de Andrade . Meu bisavô Duffles trabalhou na
construção da parte serrana da Estrada de Ferro Pedro II ( depois Central do Brasil )
em Minas Gerais e meu avô, João Baptista da Costa Teixeira, conheceu minha avó
porque foi trabalhar na firma desse meu bisavô e lá se conheceram, namoraram e se
casaram. O velho Manoel Carlos Pereira de Andrade deu as terras de graça para as
linhas da estrada de ferro e para as casas do pessoal da construtora e da estrada de
ferro, além de patrocinar a construção de uma escola e da estação ; depois fez o
mesmo para a construção da Estrada de Ferro Oeste de Minas ( que ficou conhecida
por "bitolinha") : um grande empreendedor, c uja importância para a cidade é pouco
reconhecida.
A família Andrade fez muito por SÍTIO. Eram industriais, tinham fábrica de leit e
condensado, manteiga e que ijo, fábrica de cigarro s, açougue, fábrica de tijolos,
fábrica de doces e de vinho, além de hotel, criação de cavalos, de gado e plantações
de algodão, milho, feijão e de frutas diversas. Quando começou a ser empregada a
energia elétrica no Brasil, eles logo a utilizaram, sendo meu pai o construtor da
barragem destinada a esse fim, aproveitando um curso d'água, que é uma das
cabeceiras dos rios Grande e Bandeirinhas, papai cavou a dinamite a parte rochosa
do curso e utilizou grandes troncos de árvores. A água se elevava até certo nível,
correndo depois para um rego, que por sua vez iria tocar uma tu rbina Pelton, que
fazia trabalhar os geradores...”
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Fazenda Cymodocea
A transmissão oral tem o poder de manter viva a história da vida do homem, e, ainda
que não possa fazer a vida ser eterna, é capaz de tornar eterna a memória da vida.
Uma das tradições, mantida e cultivada pelos membros das famílias Andrade,
Duffles e Magalhães Gomes desde os tempos mais remotos, é a da transmissão
oral da história do CASARÃO da Fazenda de Sítio da Borda do Campo, renomeada
Fazenda Sant’Anna, depois conhecida por Fazenda Andrade e, atualmente, por
Fazenda Cymodocea.
O Major Neca Andrade e D. Anninha construíram ali ao longo dos anos, além do
berço da cidade de SÍTIO (atual Antonio Carlos), algo muito maior do que a obra
material de um empreendimento agro-industrial excepcional para a época :
estabeleceram uma vivenda que exerce um magnetismo inexplicável em quem nela
se hospeda, a ponto de se ter transformado num ícone de satisfação, de bem estar
6
e, assim, num templo onde comungaram e continuam a comungar gerações das
famílias Andrade , Duffles e Magalhães Gomes, que aprenderam a fazer do encontro
entre pessoas o grande motivo para ali se reunirem : essa foi a verdadeira e maior
obra de D. Anninha e do Major Neca Andrade .
Nesse episódio, os filhos de D. Cymodócea, que sempre lhe devotaram muito amor e
respeito, foram liderados pelo Prof. Dr. Paulo Andrade de Magalhães Gomes, o
primogênito e de seu irmão Dr. Cícero Andrade de Magalhães Gomes, cujas
participações fundamentais no processo mostraram a dimensão das suas pessoas e
serão sempre lembradas como exemplo de dedicação às causas da família,
altruísmo, amor filial e fraternal. Ao homenagear D. Cymodócea, os netos certamente
também homenagearam os nossos queridos Tio Paulo e Tio Cícero.
-de Tiradentes, 57 km ;
-de Congonhas, 103 km ;
-de São João d’El Rei, 105 km ;
7
-de Belo Horizonte, 190 km ;
-de Ouro Preto, 217 km ;
-de Mariana, 226 km ;
-do Rio de Janeiro, 300 km ;
-de São Paulo, 584 km ;
-de Brasília, 972 km ;
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SÍTIO e a Serra da Mantiqueira
Da sua estrutura mais elevada com 500 km de extensão, ao longo das divisas dos
três estados de que é parte, forma uma série de montanhas e planaltos elevados no
sul de Minas Gerais .
9
As cachoeiras adicionam mais um atrativo `a paisagem da região e uma delas dista
poucos metros do centro da cidade de SÍTIO (atual Antonio Carlos) : é conhecida
hoje como Cachoeira da Copasa, nome da companhia que capta, trata e distribui
água no estado de Minas Gerais, e foi nas proximidades dela que, em 1915, foi
instalada a primeira turbina geradora de energia elétrica, mais uma das contribuições
do Major Manoel Carlos Pereira de Andrade à comunidade da região . Um pouco
mais afastadas do centro estão : Cachoeira D. Mariana Afonso, Cachoeira da
Fazenda das Gerais, Cachoeira da Fazenda Ponte Funda e Cachoeira do Buraco
dos Bichos .
É nesse habitat, apesar de tantas agressões ao meio ambiente, onde ainda hoje é
possível encontrar o veado campeiro, o lobo guará, a onça parda, o cachorro
vinagre, a jaguatirica, a paca, o bugio, o macaco sauá, o mono, o esquilo, o ouriço
caixeiro, além de aves como a gralha azul, o tucano, a maritaca, o inhambu, o
jaçanã, a seriema, o jacu e o gavião carcará .
Para criar a adequada ambientação para esta narrativa e para relacionar a história
do CASARÃO com o contexto da realidade de formação do Brasil, recorro a trechos
das histórias do país e de Minas Gerais :
Antes de se chamar Minas Gerais, a região do estado teve outros nomes como
“Campo dos Cataguás” (época das primeiras Entradas e Bandeiras), depois “Sertão
das Gerais”, a seguir “Capitania de São Paulo e Minas de Ouro” ( até a chegada da
família real portuguesa, em 1808), “Província de Minas Gerais” ( até ser instalada a
república, em 1889) e, a partir de então, “Estado de Minas Gerais” .
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Quando as “entradas” passaram a ser de iniciativa privada, autorizadas previamente
pelo rei de Portugal, passaram a ser denominadas “bandeiras” e os seus
empreendedores, de “Bandeirantes” .
Em 1618, uma nova era se inicia na conquista dos sertões : Antônio Castanho da
Silva, forma a primeira “bandeira” , uma iniciativa privada que lidera, saindo de
Taubaté onde nasceu, à procura de jazidas de ouro, passando pelo Rio de Janeiro e
seguindo até o atual Espírito Santo, de onde sobe o Rio Doce, enveredando pelos
sertões das futuras “minas gerais”, se embrenhando na direção de Cuiabá e
chegando até o Peru, onde morreu em 1622.
Até o ano de 1700, as regiões hoje conhecidas como estado de Minas Gerais e
estado do Rio de Janeiro, faziam parte da capitania de São Vicente (1532) a qual
era então pertencente ao Marques de Cascais, nobre da corte de Portugal ; tinha
como sede administrativa São Paulo de Piratininga (1554) e, como as minas de ouro
haviam sido descobertas pelos bandeirantes que saiam de São Paulo, era normal
que os caminhos de transito pela colônia seguissem sobre suas trilhas de
penetração.
A região do Rio das Mortes, pela sua localização, tornou-se passagem natural e
obrigatória para aqueles que, transpondo o Rio Grande e a Serra da Mantiqueira
vinham de São Paulo ou do Rio de Janeiro, para as minas de Ribeirão do Carmo e
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Sabará, que na época, era habitada pelos índios da tribo Cataguá – os mais temidos
– pois, tinham fama de cruéis e até mesmo de antropófagos. Entretanto, a força
armada do homem branco se impôs e os indígenas foram forçados a fugir ou se
adaptar, tornando o acesso aos campos gerais mais fácil com o passar do tempo.
Assim, o ouro extraído no entorno da Vila do Ribeirão do Carmo (1696 - atual cidade
de Mariana) e de Sabará, era levado pelos antigos caminhos dos paulistas,
atravessava a Serra da Mantiqueira e seguia pela Serra do Mar abaixo, atravessando
o Vale do Rio Paraíba do Sul, no atual estado de São Paulo, com destino a Paratí
(1646) – no atual estado do Rio de Janeiro - onde a carga era embarcada em
galeões, com destino a Portugal.
Os que vinham de São Paulo podiam seguir mais de um caminho (o que dificultava o
controle pela coroa portuguesa), mas o mais direto, saindo do local hoje conhecido
como “Pátio do Colégio” (antigo colégio jesuíta considerado o nascedouro da cidade
de São Paulo) era descerem o Rio Anhangabaú, passarem pela várzea do Rio Tietê
e seguirem em direção ao vale do Rio Paraíba, até Taubaté, de onde igualmente
subiam pela Serra da Mantiqueira, rumo aos “sertões das gerais”.
O Caminho Velho
A rota do ouro seguia o sentido inverso : tinha início em Vila do Ribeirão do Carmo
(Mariana) onde se estabeleceram as autoridades fiscalizadoras da coroa portuguesa,
passava por Ouro Preto, Ouro Branco, Queluz (hoje Lafaiete), Casa Grande, Lagoa
Dourada, Sítio da Borda do Campo (região onde hoje se localizam Barbacena ,
Antonio Carlos, Fazenda Cymodocea, Fazenda da Borda, Bias Fortes e Registro
Velho), Rio das Mortes (Tiradentes, São João d’El Rei), Carrancas, São Sebastião da
Encruzilhada (Cruzília), Mapendí (Baependí), Arraial de Barra do Rio Verde
(Itanhandu), Passa Quatro, atravessava a Serra da Mantiqueira pela Garganta do
Embaú (atual Cruzeiro), passava por onde hoje estão Cachoeira Paulista, depois
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Lorena e chegava a Guaratinguetá ; daí a Taubaté, seguindo para o sul pelo vale do
Rio Paraíba, caso o destino final fosse São Paulo, ou então, a partir de
Guaratinguetá, descia a Serra do Mar, passando por onde hoje fica a cidade de
Cunha e chegava a Paratí .
Para ir de Vila do Ribeirão do Carmo (hoje Mariana e Ouro Preto) para Rio das
Mortes (São João d’El Rei) duas eram as rotas mais utilizadas : a primeira como foi
acima descrita e a segunda, passava pela região onde hoje ficam as cidades de
Resende Costa, Coronel Xavier Chaves e Prados .
Percebe-se que cada viagem era uma aventura que se iniciava em lombo de burros
e, como a rota seguia as veredas das serras originalmente utilizadas pelos índios,
em muitos trechos a carga tinha que ser retirada dos burros e ser transportada por
escravos, de forma a superar os trechos escorregadios, sinuosos, estreitos,
escurecidos pelo emaranhado de cipós, plantas e arvores – era o que, por volta de
1710, passou a ser chamado de “Caminho Velho” .
Além disso, a coroa portuguesa queria tornar eficaz o controle sobre o pagamento
dos tributos que incidiam sobre a extração do ouro, pois era tido e havido que uma
parte do ouro era escondida dos fiscais das minas e era contrabandeada e
transportada por diversos caminhos, sem o pagamento dos altos tributos, que
incidiam sobre toda extração; portanto, era necessário instituir um caminho que, além
dos benefícios acima mencionados, permitisse fiscalização também na fase de
transporte .
O primeiro nome lembrado para executar essa tarefa foi o do Coronel Manoel de
Borba Gato, bandeirante e genro de outro famoso bandeirante : Fernão Dias Paes
Leme (então já falecido) pois, além de conhecer muito bem os caminhos que se
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iniciavam no planalto paulista e de ter descoberto diversas jazidas de ouro e de
pedras preciosas na região de Cataguases e Sabará, conhecia a região do Rio das
Mortes e sabia, como poucos, vencer a então inóspita Serra da Mantiqueira .
Como Borba Gato já detinha titulo igual sobre as minas que descobrira no “sertão
das gerais”, percebeu que D. Rodrigo de Castel Blanco, por ser fidalgo, poderia após
conhecer a região, requerer direito sobre minas ainda não exploradas, mas que
Borba Gato considerava serem de seu titulo, por estarem dentro do seu território de
exploração.
Após uma forte discussão, D. Rodrigo quis se impor pela força das armas e em meio
ao clima tenso, um dos agregados de Borba Gato se descontrola e avança sobre D.
Rodrigo e, da briga, resultou a morte do fidalgo .
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O Caminho Novo
Tendo sido nomeado pelo rei como “Intendente do Caminho Novo”, responsável pela
abertura, limpeza e manutenção de um novo caminho entre as minas de ouro e o
litoral do Rio de Janeiro, Garcia Paes, ajudado por seu primo e cunhado, o Coronel
Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, inicia a abertura do caminho a partir da
região do Sítio da Borda do Campo, onde mantinha um rancho de subsistência, pois,
seria necessário levar gêneros até próximo de onde os matos fechados começavam,
no caminho entre “as minas” e o Rio de Janeiro, para então poder estabelecer ali um
novo rancho, onde poderia iniciar o plantio de novas roças para a subsistência dos
trabalhadores durante o trabalho de “abertura” dos “matos fechados” antes de
ultrapassarem as serras.
Há quem diga que a abertura do Caminho Novo teria começado a partir do Rio de
Janeiro, em direção ao Sítio da Borda do Campo, entretanto não seria lógico, é mais
plausível ter acontecido no sentido contrário, iniciando no Sítio da Borda do Campo
(Barbacena, Antonio Carlos, Ibertioga, Bias Fortes) onde moravam Garcia Rodrigues
Paes e Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, com suas famílias e agregados.
Entre Ribeirão do Carmo e o Sítio da Borda do Campo, não havia o “mato fechado”,
a região era montanhosa mas sem graves obstáculos e o transito de pessoas e
cargas não eram penosos, além disso, ultrapassar a Mantiqueira e depois a Serra
dos Órgãos levando suas tralhas descendo, seria mais fácil do que subindo, bastava
escolher um curso de água adequado e seguir-lhe o caminho, próximo da sua
margem .
Portanto, não é difícil concluir que os trabalhos se iniciaram a partir do Sítio da Borda
do Campo, de onde Garcia Rodrigues Paes podia contar com o suporte do seu primo
e cunhado Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, dos seus agregados e onde já
cultivava roças que lhe forneceriam os cereais necessários à sobrevivência no trajeto
e, dali seguiu para um local às margens do “rio das águas pretas” (Paraibuna, em
tupi-guarani), na confluência com o rio Paraíba do Sul, local que julgou ser o mais
adequado para iniciar o desmatamento do “mato fechado” e, como era costume dos
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bandeirantes, logo iniciou plantios de milho, feijão e mandioca para subsistência da
família, agregados, escravos e animais .
No local às margens do Paraibuna, escolhido por Garcia Rodrigues Paes para base
de apoio às operações necessárias para a abertura e limpeza do que viria a ser parte
do “Caminho Novo”, se formou a Rocinha, que algum tempo depois se tornou a
Fazenda do Alcaide-mor Thomé Corrêa Vasques (genro de Garcia Paes). Anos mais
tarde, depois de abandonada essa fazenda, o lugar passou a ser conhecido entre os
índios Coroados da região, como Tapera Baixa (tapera quer dizer lugar abandonado,
em tupi-guarani) .
Para essa empreitada, Garcia Rodrigues Paes arregimentou mais de uma centena
de trabalhadores, entre seus familiares, agregados, escravos e contratados e lhes
proveu todas as tralhas e materiais necessários à abertura, limpeza da mata e
arrumação do leito do caminho, além de alimentação e abrigo : tudo com dinheiro
seu, na esperança de um dia ser recompensado pelo rei, como era praxe na época .
No ano de 1702 já passava gente a pé pelo Caminho Novo e Garcia Paes continuou
os trabalhos para melhorar o caminho, a ponto de finalmente permitir a passagem de
tropas de burros, sem o que os tropeiros continuariam a ser obrigados a usar o
“Caminho Velho” .
Em 1706, Garcia Paes havia perdido boa parte dos escravos índios (que se evadiram
pelas matas da Serra a qual conheciam melhor que ninguém) e havia gasto todo o
dinheiro ganho como bandeirante e, então, seu cunhado Domingos Rodrigues da
Fonseca Leme assume os encargos para terminar a empreitada, conseguindo
terminá-la com mais 6 meses de trabalhos .
A tensa convivência com os índios da região não era o único complicador a dificultar
a obra de Garcia Paes e, com a abertura do Caminho Novo vieram forasteiros do
nordeste e portugueses para os locais onde antes, só se arriscavam os paulistas e
começam a ocorrer sérios atritos entre estes, os portugueses e os forasteiros, aos
quais os paulistas chamavam, de forma pejorativa, de “emboabas” (nome que se
dava àqueles que vinham de Portugal e das Ilhas Atlânticas Portuguesas, à procura
de enriquecimento fácil e rápido).
Em 1708, um episódio horrendo, ocorrido às margens do Rio das Mortes e que ficou
conhecido por Capão da Traição, marca a vitória final dos portugueses sobre os
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paulistas, que então se deslocam para locais mais interiores, onde os outros não se
aventuravam ainda a se arriscar .
Nesse mesmo ano foi criada a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, sendo
escolhido para governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho.
Em 1714, as jurisdições das comarcas mineiras são definidas pelo então governador
da capitania, Dom Braz Baltazar da Silveira. Nesta época, a Vila de São João del-Rei
é eleita a principal vila da Comarca do Rio das Mortes e diversas localidades
consolidam-se, como foi o caso das vilas de São José del-Rei, de Nossa Senhora da
Conceição de Prados, de Santa Rita do Rio Abaixo (atual Ritápolis) e do povoado de
Mosquito (atual Coronel Xavier Chaves).
Em 1718, em torno da roça e do rancho de Garcia Paes em Simão Pereira, foi criada
a freguesia de Nossa Senhora da Glória, que após um período de decadência e
abandono, em Maio de 1850 teria sua sede transferida para a capela de Juiz de Fora
e, em 1858, essa mesma sede seria transferida para um povoado à época conhecido
como Rancharia que então, passou a chamar-se distrito de São Pedro de Alcântara .
O distrito de São Pedro de Alcântara por sua vez, em 7 de Setembro de 1923,
passaria a fazer parte do conhecido município de Matias Barbosa e, finalmente em
31 de Dezembro de 1943, se emanciparia de Matias Barbosa e voltaria a adotar o
antigo nome de Simão Pereira.
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Os membros da classe dominante e da pequena burguesia, que se sentiram
prejudicados pelo monopólio imposto pela metrópole e pela alta carga de impostos,
passa a ser fortemente influenciada pelos ideais liberais preconizados por Rousseau,
Montesquieu e Voltaire e é despertada uma consciência libertária .
Graças ao Caminho Novo, o Rio de Janeiro, antes isolado, passa a ser o grande
centro de atração das atenções na colônia e assim a cidade se desenvolveu e
enriqueceu, pois para ali eram enviados o ouro, diamantes e víveres e, como o ouro
não passava mais pelos antigos caminhos dos paulistas, o Rio passa a atrair a
cobiça dos piratas , sendo necessário incluir uma escolta de soldados, tanto para
acompanhar a carga desde as minas, quanto para proteger a cidade do Rio por
ocasião da chegada das riquezas, onde eram acumuladas esperando navios que as
levavam, em princípio, para Portugal .
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Juiz de Fora ou de Fórum ?
O Caminho Novo foi a única estrada utilizada pelos tropeiros entre a capitania das
minas e o Rio de Janeiro, até 1836, ano em que o governo imperial, diante do
crescente tráfego de carroças e como não houvesse ainda uma ferrovia na região,
decide abrir uma variante do Caminho Novo, que melhor atendesse ao tráfego de
cargas para facilitar o transporte não só dos metais da região das “minas gerais”,
mas também dos produtos agrícolas entre as regiões da atual cidade de Barbacena
e das fazendas da Zona da Mata (que , então, já produziam café).
Conta a tradição oral, que os moradores dos povoados próximos ao Caminho Novo
iam ali fazer compras e diziam ir “ao Juiz de Fora”.
Para o Professor Wilson de Lima Bastos, todavia, a designação "de fora" viria de
"fórum" e não de "fora", como a maioria acredita .
A casa do “Juiz de Fora” foi demolida nos anos quarenta do século 20, entretanto
ainda há evidências da Tapera Baixa (rua Alencar Tristão – Juiz de Fora - MG).
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SÍTIO : de cujo solo se extrai outra riqueza
Na verdade, apesar de que até o final do século 18, os sertões da Mantiqueira eram
considerados como área proibida ao povoamento e à livre exploração econômica,
com a notícia da descoberta de jazidas de ouro na região, a Coroa portuguesa
passou a fazer vista grossa a essas ações de “bandeirismo” e assim, essa região foi
paulatina e fortuitamente sendo ocupada à revelia da lei.
Com o início da mineração desenfreada de ouro na região entre o Arraial do Rio das
Mortes (região onde hoje se situam Tiradentes e São João d’El Rei) e Ribeirão do
Carmo (onde hoje se situam Ouro Preto e Mariana), como nesses locais o solo não
se prestava ao plantio de cereais, e, como todos não pensavam em outra coisa a não
ser em procurar ouro, estabeleceu-se um verdadeiro caos na região, e as pessoas
chegavam a passar fome pois, não tinham de quem comprar comida .
Nessa época (1698), Garcia Paes que conhecia muito bem a região, originalmente
ocupada pelos índios Purís e que ficou conhecida durante muitos anos como Sítio da
Borda do Campo, onde o pouco ouro já se esgotara, estabeleceu o que hoje seria
uma “fazenda” para servir como fornecedora de bens de subsistência, não só às
suas expedições, mas também às “vilas do ouro”, que já vinham sendo formadas
desde 1693 .
Tanto pela proximidade do local com as tais vilas (atuais São João d’El Rei,
Tiradentes, Ouro Preto, Mariana, Catas Altas, Santa Bárbara, Barão de Cocais,
Caeté e Sabará), quanto pelo tipo de solo que, ao contrário da região das minas,
aqui era apropriado às atividades agro-pastoris, o empreendimento se revelou útil,
lucrativo e ao redor do rancho de Garcia Rodrigues Paes começou a se formar uma
comunidade agro-pecuária.
A partir desse local, por volta de 1728, algumas famílias foram se deslocando para o
norte, subindo o Rio das Mortes até um vale chamado Ribeirão de Alberto Dias onde,
em 1747, contando com a permissão do rei e sob a orientação do Engenheiro-
Arquiteto José Fernandes Pinto Alpoim (engenheiro militar português), demarcaram
uma área para formar um novo arraial, no centro da qual, no alto de uma colina
inteiramente isolada, construíram uma nova capela de taipa, que após consagrada
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como igreja se tornou freguesia e levou o local a ser referido por “Arraial da Igreja
Nova da Borda do Campo” . Em 27 de Novembro de 1748, a atual “matriz de Nossa
Senhora da Piedade” já era freqüentada pelas famílias que a construíram.
21
O Registro Velho
O Tio Padre, como é conhecido no seio da família, portanto, conviveu com Joaquim
José da Silva Xavier, o Tiradentes, com Dom Pedro I, com Dom Pedro II e com o
Duque de Caxias. Morreu em 1844, aos 90 anos. Tinha parentesco com o fundador
de Barbacena, com o Barão de Pouso Alegre e com a família Sá Fortes e
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Bustamonte, e foi o mentor da vida empresarial de Manoel Carlos Pereira de
Andrade, o Major Neca Andrade .
Corsários franceses
Em 1710, aos dez dias do mês de Agosto, surgem na barra do porto do Rio de
Janeiro, na capitania de mesmo nome (que no ano anterior havia sido desmembrada
da capitania de São Paulo e Minas de Ouro), uma esquadra com cinco navios de
guerra franceses comandados por Jean François Declerc os quais, ao se
posicionarem e ao esboçarem um ataque inicial à cidade foram, ao final de uma
semana de escaramuças, momentaneamente rechaçados pelas forças de defesa da
fortaleza de Santa Cruz .
Mas os franceses não desistem, se afastam em direção ao sul até a Ilha Grande,
atual estado de São Paulo e retornam à região de Guaratiba, atual estado do Rio de
Janeiro, onde no mês seguinte, 1.050 homens desembarcam, seguindo por terra
firme e a pé durante uma semana, em direção à cidade do Rio de Janeiro,
atravessando montanhas e florestas na região que hoje conhecemos como Barra da
Tijuca e Jacarepaguá e invadindo a cidade pelo atual bairro de Santa Tereza,
seguem para a Praça do Carmo ( atual Praça XV ) no centro da cidade, atacando a
sede do governo, em cuja defesa se entrincheiravam 48 estudantes liderados pelo
emboaba Bento do Amaral Coutinho e ajudados por uma população local entre
aturdida e inflamada na defesa de seus bens e moradias.
A reação popular surpreende os franceses, dos quais 280 são mortos, 350 se
rendem e alguns fogem, desaparecendo da cidade e se embrenhando nas matas.
Duclerc que fora aprisionado (porém, com as honras que o seu posto militar exigia)
e fora acomodado em uma confortável moradia na atual rua da Quitanda, ordena a
rendição dos seus navios, que permanecem na barra do porto do Rio.
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um grupo de mascarados, que alegaram ter Declerc “seduzido mulheres honradas”.
O assassinato do prisioneiro de guerra chega ao conhecimento da coroa francesa
que, então, reúne 17 naus com 5.300 homens, sob o comando de René Duguay -
Trouin e sob o pretexto de indignação, envia a esquadra para atacar o Rio de Janeiro
.
O governador responde que as acusações dos franceses não são verídicas e simula
uma reação, entretanto, diante de novos e violentos ataques dos franceses, é
obrigado a se refugiar fora da cidade e a população também foge assustada, se
embrenhando nas matas. Os franceses se aproveitam da situação, tomam a
Fortaleza de Santa Cruz e saqueiam a cidade, além de exigirem um resgate em
moedas de ouro (equivalente a 610 mil cruzados da época) para devolvê-la ao
Governador, o qual recorre à população para reunir todo dinheiro disponível, que
entretanto, não é suficiente .
24
Alguns franceses ficaram
Viajantes estrangeiros que estiveram no Brasil antes e depois dessa invasão, até o
final do século 19, relatam ocorrências de marujos franceses, tempos antes da
invasão, que aqui desembarcaram, sedentos de água limpa, famintos de frutas
frescas e conquistados pela nudez das mulheres índias, como da mesma forma há
outros que relatam após a invasão, que alguns corsários franceses entusiasmados
pelas belezas e riquezas da terra, de que tomaram conhecimento durante a invasão,
jamais voltaram aos seus navios, se deixando ficar na terra.
Fazendo amizade com os locais, alguns se embrenhando pela Mata Atlântica e até
se enveredando pelas encostas da Serra do Mar (e daí à Serra da Mantiqueira e
depois ao sertão), não só para escapar das autoridades então concentradas na
cidade do Rio de Janeiro e que fiscalizavam a colônia em nome do rei de Portugal,
mas também para trabalhar nas regiões próximas às minas, em troca de ouro, o qual
utilizavam como moeda para desenvolver negócios, já que registros da época dão
conta de que alguns desses franceses tinham conhecimentos de técnicas de
agricultura e de técnicas de construção de minas e engenhos e, portanto, seus
conhecimentos e habilidades eram úteis e bem vindos àquelas paragens, onde
alguns chegaram a arrendar ranchos e roças nas sesmarias do interior, acabando
por se estabelecer pelos sertões das minas gerais.
Além disso, o uso da terra não era gratuito : o sesmeiro obrigava-se a “pagar tributos
à coroa portuguesa (dízimos e reais quintos), a dispor de escravos suficientes para
prover alimentos aos seus e aos viajantes que faziam pouso em suas terras e a
manter limpos os caminhos de sua testada, pondo pontes onde necessário fosse,
atalhando morros onde houvesse meios para se desviarem “ e isso exigia recursos
financeiros, de que nem sempre os sesmeiros titulares dispunham e, assim, era
comum arrendarem sesmarias inteiras, ou partes delas, a quem lhes provesse os
recursos necessários para que mantivesse a posse da propriedade e, se possível,
com algum lucro adicional.
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Um Pirata francês construiu o CASARÃO ?
Conta nossa querida prima, a Profª. Jupyra, que desde pequenina ouvia dos seus
mais velhos, a história sobre a origem da propriedade e construção do CASARÃO, o
qual na sua forma primitiva e rústica , “teria sido obra de iniciativa de um pirata
francês, vindo do Rio de Janeiro“.
Quando pela primeira vez ouvi essa informação, fiz a mim mesmo a pergunta : por
que um francês viria a dar com os costados no litoral do Rio de Janeiro, numa época
em que não eram permitidas outras expedições ao Brasil que não fossem de
bandeira portuguesa ? E, além disso, porque iria se estabelecer terra adentro, na
borda dos campos altos da Serra da Mantiqueira ?
Entretanto, após ler vários documentos e livros de viajantes sobre a época do Brasil
colônia, sobre navios franceses que freqüentavam a costa brasileira e sobre a
invasão francesa de 1711, percebo que a própria história documentada do Brasil
confirma essa possibilidade, como é o caso de um relato de uma viagem que o
ouvidor Caetano da Costa Matoso fez, do Rio de Janeiro a Ouro Preto, entre 27 de
Janeiro a 7 de Fevereiro de 1749 :
Aqui voltamos à história contada pela prima Jupyra : a de que um “pirata francês” (
provavelmente um “corsário francês”), emergindo das matas da Serra da
Mantiqueira, seguindo as trilhas que já serviam de caminho a outros, veio a atingir o
Sítio da Borda do Campo e, encontrando ali algumas roças e clima de natureza
semelhante ao da sua terra, ali decidiu se arranchar ; tal versão não é só plausível,
como bastante provável pois, na verdade, há indícios de que antes do CASARÃO de
dois andares ser construído, a sesmaria onde se situava a propriedade hoje
conhecida como Fazenda Cymodocea, teria sido arrendada por um francês cujo
nome seria Nile Armond (sic) , e cujo sobrenome emerge anos depois, através de
descendentes nascidos e criados em meio à sociedade mineira.
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Esse francês teria então, iniciado a construção de um CASARÃO de dois andares
(um sobrado), utilizando seus conhecimentos de engenho de madeira e de
preparação de argamassa, então feita a partir de estrume de vaca, sangue e óleo de
gordura de origem animal, que eram misturados à terra e usada para construir os
“muros de alicerce” sobre o qual se apoiavam as vigas de piso e se erguia, afinal, a
residência .
A técnica construtiva utilizada para erigir o CASARÃO, cuja base até a altura do teto
do porão é feita em cantaria composta de pedras mantidas justapostas umas sobre
as outras, regularmente assentadas, entremeadas e revestidas nas superfícies
exteriores com argamassa preparada a partir de uma mistura de óleo de origem
animal (no litoral era comum o uso do óleo de baleia), terra e excremento de gado ou
“bosta de vaca”, como queiram, contendo fibras vegetais que resistiram ao rúmen,
formando paredes para as bases de quase 1 metro de espessura, além de outros
detalhes da construção, sugerem que o construtor tinha noções de boas e
atualizadas tecnologias apropriadas para o rigor do frio europeu, o que
absolutamente não era comum naquelas paragens, na verdade, rota de
bandeirantes.
Através de marcas no piso original e nas soleiras de pedra das antigas portas, que
apareciam em meio aos pranchões de madeira que faziam o piso do andar superior,
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era possível perceber onde ficavam originalmente as portas e paredes internas e que
em nada se parecia com as casas usuais construídas no Brasil à época, pelos
bandeirantes ao longo de suas rotas.
Embora o lay-out original da casa tenha sido alterado mesmo antes da “grande
reforma de 1991” ainda hoje, é possível perceber em algumas paredes, as
passagens que foram fechadas, além de algumas paredes que foram acrescentadas,
ao longo dos anos para ajustar a casa às necessidades da família, entretanto,
embora ensejando ser muito antiga, provavelmente tem mais de 250 anos, não foi a
primeira casa a ser construída na região dos campos da Mantiqueira .
Documentos e livros que contam a história do Brasil da época mencionam que nesta
região, onde viria a florescer a cidade de SÍTIO (hoje Antonio Carlos), haviam já
algumas roças entre elas certamente aquela onde se localiza a casa da Fazenda da
Borda, que originalmente pertenceu a Domingos Rodrigues da Fonseca Leme .
Não é difícil constatar que essa casa de Domingos Rodrigues da Fonseca Leme e a
roça que Garcia Rodrigues Paes tinha na região, serviram de base de apoio para o
inicio da abertura do que se convencionou chamar de “Caminho Novo”, deixando
claro que SÍTIO (hoje Antonio Carlos) é deste caminho um marco fundamental,
senão o mais importante.
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Quando da sua viagem a Minas, o Príncipe Regente D. Pedro I foi recebido com
festa em Barbacena, pernoitou na fazenda da Borda do Campo, e esteve com o
Padre Manoel Rodrigues da Costa (1754-1844), então já o político mais importante da
região, discutindo a situação política mineira e nacional.
Vamos imaginar o caminho por onde então trilhavam esses pioneiros : partindo da
cidade do Rio de Janeiro, iam de barco até o fundo da baía da Guanabara onde
aportavam e seguiam por rio ou por terra, por mais de uma rota para subir a serra ;
por exemplo, o porto fluvial do rio Estrela, de onde partia uma trilha menos sinuosa
conhecida como o “Caminho das Tropas”, passando por Inhomirim, Serra da Estrela,
“Fazenda do Córrego Seco” (atual Petrópolis), Correias, curso do rio Piabanha até
Pedro do Rio e daí a Secretário, Fagundes, “Sebollas” (atual Inconfidência, no distrito
de Paraíba do Sul), Simão Pereira e atingindo a propriedade de Garcia Paes ,
considerada “meio do Caminho Novo”, na época o Sítio da Borda do Campo (onde
hoje é o distrito de Campolide, municipio de Antonio Carlos e arredores de
Barbacena).
Hoje, quem chega em SÍTIO (atual Antonio Carlos) e quer localizar o CASARÃO da
Fazenda Cymodocea, basta olhar para o alto e procurar com os olhos a copa
majestosa, em forma de taça, de um exemplar centenário de pinheiro Araucária, que
resistiu ao abate indiscriminado e se mantém incólume ao lado do CASARÃO , como
sentinela altaneira e graciosa, testemunha silenciosa da saga vivida pelos moradores
deste sítio e que foi escolhido pela geração de quem escreve este livro, como figura
símbolo da cidade e fundamental na composição da identidade visual do CASARÃO .
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O Comendador Mariano Procópio
Há dúvida quanto ao papel que o tal francês teve em relação a esta propriedade , se
a teria arrendado e depois até se tornado seu proprietário, ou, se foi contratado pelos
antecessores do Comendador Mariano Procópio Ferreira Lage, sobre o qual
documentos existentes nos velhos arquivos de registros da corte do Rio de Janeiro,
em Barbacena e em Juiz de Fora, dão conta de que foi proprietário da Fazenda de
Sant’Anna (hoje Fazenda Cymodocea), local onde apenas criava magníficos cavalos
de raça, até falecer em 1872.
Fato é que Mariano Procópio faleceu em 1872 deixando aos dois filhos menores
Alfredo e Frederico, entre outros bens, a então chamada Fazenda de Sant’Anna de
Sítio - a mais extensa da região, incluindo terras que ultrapassavam os morros
circundantes ao CASARÃO da sede e à atual cidade, num total de 200 alqueires
“mineiros” (algo como 1.000 km²).
Na época em que foi arrematada pelo Major Neca Andrade, as únicas construções
na propriedade, além do CASARÃO (sede da Fazenda de Sítio, ou Casa Grande,
como queiram) eram os estábulos ou cavalariças e, num pequeno sítio vizinho de um
alqueire, uma casa onde morava a família de Sebastião de Almeida e, mesmo em
30
toda a região, consta a existência apenas de outras três Casas Grandes : a do
Registro Velho, a sede de Sá Fortes e a sede da atual Fazenda da Borda .
31
melhor e de modo mais simples e seguro, vendendo-as e applicando o producto em
apólices. Para tanto, Pede da Vossa Senhoria se digne de mandar ouvir o Doutor
Curador Geral; e não havendo duvida, que se ponhão em praça deste Juízo,
Escrivão Meneses, taes bens dispensados os pregões que serão substituídos por
annuncios nos Jornaes e designado o dia da praça. Pelo que Espera Receber
Mercês. Rio, treze de Abril de mil oito centos setenta e quatro.
O advogado, A.M. Perdigão Malheiro. Estava uma estampilha do valor de duzentos
reis devidamente innutilizada “Em cuja petição proferi o despacho do teor seguinte”
Diga o Doutor Curador Geral. Rio, treze de Abril de mil oito centos setenta e quatro
“Faria Lemos”
E por bem d’este meu despacho deu o Doutor Curador Geral sua resposta, aqual é
do theor seguinte : Não me opponho guardadas as formalidades legaes. Rio, dezoito
de Abril de mil oito centos setenta e quatro. O Curador Geral Jose Antonio
Fernandes Lima . Depois doque proferi o despacho do theor seguinte: Como
requer.Rio, vinte dois de Abril de mil oito centos setenta e quatro“Faria Lemos.
Segundo se continha em o dito despacho depois do qual se via a avaliação por
certidão, nella se visa a Fazenda de Sitio avaliada pela maneira seguinte:
Moveis –
-Hum cordão de ouro com cincoenta e duas oitavas por cento e oitenta e dois mil reis 182$000
-Vinte e uma e meia oitavas de ouro velho, setenta e cinco mil duzentos cincoenta reis 75$250
-Quinhentas e quarenta oitavas de prata velha, por cento trinta mil quinhentos e sessenta reis 130$560
-Hum faqueiro de prata, usado, por cento e sessenta mil reis 160$000
-Cinco tachos de cobre, velhos, com cento e seis libras por cincoenta e três mil reis 53$000
-Huma bacia de arame, velha, por cinco mil e seis centos reis 5$600
-Hum carro forrado com arreios para bois, por cento e sessenta mil reis 160$000
-Hum carro para bois, usado, com arreios por cento e dez mil reis 110$000
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-Huma mesa com duas gavetas por quatro mil reis 4$000
-Huma dúzia de cadeiras americanas, de palhinha por cincoenta mil reis 50$000
-Duas toalhas de algodão para mesa por vinte quatro mil reis 24$000
-Treis dúzias de taboas de pinho para forro por trinta e dois mil reis 32$000
-Dois arados com grades de ferro, digo, com grade por cento e vinte mil reis 120$000
-Hum cilindro para trabalho de arado por cem mil reis 100$000
Semoventes –
-Duas vacas tourinas com bezerros novos por quatro centos mil reis 400$000
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-Huma vaca tourina grande com bezerro por cento e vinte mil reis 120$000
-Huma novilha tourina de treis annos por cem mil reis 100$000
-Duas novilhas tourinas de dois annos por cem mil reis 100$000
-Trinta e oito novilhos, por hum conto e nove centos mil reis 1: 900$000
-Huma bezerra de annoe meio por vinte e cinco mil reis 25$000
-Trinta e um bois de carro por um conto quinhentos cincoenta mil reis 1: 550$000
-Hum poldro azalão, digo, alazão, manço por cento cincoenta mil reis 150$000
-Hum cavallo suíço com olho furado por cem mil reis 100$000
-Dois cavallos capões, novilhos e queimados por cento e vinte mil reis 120$000
-Hum poldro suíço de anno e meio por cincoenta mil reis 50$000
34
-Hum macho preto , manço por cento e vinte mil reis 120$000
-Oitenta e seis égoas de criar por dois contos quinhentos e oitenta mil reis 2:580$000
-As terras da chácara da Fazenda de Sítio constando de campos e cultura calculadas em cento e oitenta
alqueires e cuja divisa vai até a primeira porteira dos pastos dos quartéis por nove contos de reis 9:000$000
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que metesse a publico pregão de venda e arrematação a Fazenda (terras
bemfeitorias moveis e animaes) casas na cidade de Barbacena imóveis na mesma
cidade pertencentes aos menores Frederico e Alfredo, filhos do finado commendador
Mariano Procopio Ferreira Lage, constante do traslado retro. O que cumprido pelo
Porteiro e prehenchidas pelo mesmo as formalidades legaes passou a proceder as
respectivas arrematações como se vê dos termos que adiante se seguem ; doque
para constar mandou mandou (sic) o Juiz lavrar este Termo que assigna como
Porteiro. E eu Archias do Espírito Santo de Meneses, Escrivão escrevi e assignei.
Francisco de Faria Lemos, Archias do Espírito Santo de Meneses,, Francisco Pereira
Monteiro ,, Arrematação da Fazenda de Sítio, terras, bemfeitorias, moveis e
animaes,, Avaliação vinte oito mil digo vinte oito contos cento quarenta e três mil
quatro centos e dez reis . Lanço vinte contos er quinhentos mil reis
Trinta e seis contos seis centos quarenta e três mil quatro centos e dez reis. Mandou
o juiz que fosse arrematado a Manoel Carlos Pereira de Andrade, a Fazenda de Sitio
comprehendendo as terras bemfeitorias moveis e animaes, pertencentes aos
menores Frederico e Alfredo, filhos do finado Commendador Mariano Procópio
Ferreira Lage, no valor total de vinte oito contos cento e quarenta e três mil e
quinhentos reis, conforme o traslado do edital entra com oito contos e quinhentos mil
reis sobre a avaliação que foi o maior lance, do que deu fé o Porteiro; pelo que
prehenchidas as formalidades legaes houve o Juiz a arrematação por boa e assignou
com o arrematante no Porteiro. E eu Archias do Espírito Santo de Meneses o
escrevi, Francisco de Faria Lemos, Manoel Carlos Pereira de Andrade, Francisco
Pereira Monteiro,, Segundo se continha em o dito auto de arrematação depois doque
se via a guia do theor seguinte : Numero trinte e seis . Cofre dos Órfãos da segunda
vara. A folha vinte e quatro do Livro primeiro de entrada do dito Cofre fica debitado
ao actual Thesoureiro Luiz Jose da Costa a quantia de trinta e seis contos seis
centos quarenta e três mil quatro centos e dez reis. Deduzida a porcentagem cento
quarenta e seis mil e seis centos reis
Liquido trinta e seis contos quatro centos noventa e seis mil oito centos e dez reis,
Consta, Que entrega Manoel Carlos Pereira de Andrade preço por que arrematou em
praça d’este Juízo a Fazenda de Sitio, terras, bemfeitorias e animaes pertencentes
aos menores Frederico e Alfredo, aos quais coube de legitima no Inventario de seu
finado pai o Commendador Mariano Procópio Ferreira Lage, cujos bens são situados
em Barbacena Província de Minas Geraes. Rio de Janeiro, dezeseis de Julho de mil
oito centos setenta e quatro, A. E. S. de Menezes,, Estava uma estampilha do valor
de dusentos reis devidamente inutilizada. Segundo se continha em a dita guia depois
doque se via o conhecimento do imposto de transmissão que adiante se segue :
Numero quarenta Província de Minas Geraes Receita Geral . Exercicio de mil oito
centos e setenta e quatro a mil oito centos setenta e cinco. Transmissão de
propriedade. Lei numero mi (sic) quinhentos e sete de vinte seis de Setembro de mil
oito centos sessenta e sete artigo dezenove em Regulamento numero quatro mil
tresentos sessenta e cinco de dezesete de Abril de mil oito centos sessenta e nove A
folhas do caderno de Receita fica debitado o Collector no valor de dois contos cento
noventa e oito mil seis centos e quatro Recebida do senhor Manoel Carlos Pereira de
Andrade proveniente da arrematação que fez da Fazenda de Sitio situada neste
município inclusive os moveis e semoventes que foi dos menores Alfredo e
36
Frederico, filhos do commendador Mariano Procopio Ferreira Lage por trinta e seis
contos seis centos quarenta e oito mil quatro centos e dez reis .
Para clareza se lhe dá o presente conhecimento. Collectoria Municipal de Barbacena
em oito de Agosto de mil oitocentos setenta e quatro. O Collector Camarão,, O
Escrivão Mathias Jorge Rodrigues,Estava uma estampilha do valor de duzentos reis
devidamente inutilizada,, Segundo se continha em o dito conhecimento depois doque
me foi por parte do Arrematante Manoel Carlos Pereira de Andrade, pedido e
requerido que dos ditos autos de arrematação lhe Veja e passasse sua carta de
arrematação para seu Titulo. E sendo justo o pedido mandei dar e passar a presente
pela qual xxx á Vossas Senhorias ao principio declarados, que sendo-lhes esta
appresentada indo por mim assignada e subscripta por um dos escrivães deste
Juízoa queirão fazer cumprir como nella se contem e declara. E em seu cumprimento
sua devida execução e observância haverão o dito arrematante Manoel Carlos
Pereira de Andrade por impossado da Fazenda de Sitio, terras bemfeitorias, moveis
e animaes constantes das avaliações nesta transcripta para della gozar e dispor
como sua que fica sendo, servindo-lhe a presente para seu titulo e conservação seu
Direito.
E mais como deixo ficar por mim assignada e subscripta por Archias do Espírito
Santo de Menezes serventuário vitalício do Segundo officio de Escrivão deste meu
Juízo. Dada e passada nesta Corte do Rio de Janeiro aos quatorze de Agosto de mil
oito centos setenta e quatro E eu Archias do Espírito Santo de Menezes Escrivão
subscrevi
37
A Revolução Liberal de 1842
Manoel Francisco de Andrade, pai do Major Manoel Carlos Pereira de Andrade, foi
um dos principais articuladores regionais da revolução liberal de 1842 a qual, sob a
liderança de Diogo Antônio Feijó e Rafael Tobias de Aguiar, defendia a substituição
da mão-de-obra escrava pelo trabalho assalariado visando, além de fortalecer o
mercado interno, também favorecer o surgimento de uma estrutura industrial sendo,
portanto, um marco divisor na vida do Brasil no século 19.
A Revolução Liberal foi uma das insurreições mais curtas do período monárquico : o
primeiro incidente militar da revolução se deu no dia 28 de maio de 1842, no bairro
do Jaguaré, na capital paulista, quando a vanguarda da tropa de Caxias, em marcha
para Sorocaba, “foi tiroteada por elementos avançados dos liberais”, e, o último se
verificou em Porecatu, Minas Gerais, no dia 21 de agosto.
38
O nome Andrade
Houve mais de um Gomes Freire de Andrade, mas para o Brasil veio o capitão-
general que governou a capitania do Rio de Janeiro entre 1733 e 1752, que em 1735
passou a governar também a capitania de Minas e que recebeu do monarca D. José
I o título de 1º Conde de Bobadela (houve outros Senhores de Bobadela e outros
homônimos na mesma linhagem da nobiliarquia portuguesa, desde 1360). Ficou
gravado na história como o melhor administrador da era colonial brasileira .
Seu irmão, José Antonio Gomes Freire de Andrade teve um filho natural, Francisco
de Paula Freire de Andrade, que se casou com d. Izabel Carolina de Oliveira Maciel ;
desse casal , nasceu em 1790, entre outros filhos, mais um Gomes Freire de
Andrade, este já natural de Vila Rica, e que viria a se tornar o Barão de Itabira, de
cuja família descende também o poeta Carlos Drummond de Andrade : evidência
notável da origem comum é a grande semelhança física entre o poeta e o general
Clóvis Andrade Magalhães Gomes, filho de D. Cymodocea e do Dr. José Coelho
Magalhães Gomes .
O Major Manoel Carlos Pereira de Andrade, que ficou conhecido na região como
“Major Neca Andrade” e como “Vovô Neca” na família, era filho de Carlos Francisco
Pereira de Andrade (de quem herdou o nome Carlos), sobrinho por parte de mãe e
afilhado de um dos inconfidentes, o Padre Manoel Rodrigues da Costa (de quem
herdou o nome Manoel), este descendente de Domingos Rodrigues da Fonseca
Paes Leme e herdeiro da Fazenda do Registro Velho, um dos poucos personagens
históricos que viveu três momentos importantes da história brasileira : foi inconfidente
em 1789, participou da independência do Brasil como vereador em Barbacena e foi
um dos ideólogos da Revolução Liberal em 1842, contra as Regências. Portanto
conviveu com Tiradentes, Dom Pedro I, Dom Pedro II e Duque de Caxias, iria morrer
com 90 anos.
39
Após um período em Lisboa, a título de exílio, o Padre Manoel Rodrigues da Costa (o
“Tio Padre”) foi anistiado e voltou ao Brasil empolgado com a indústria têxtil de que
tomara conhecimento na Europa e que foi uma das primeiras a se beneficiar do uso
de máquinas, então ainda rudimentares . Foi na casa do seu tio e padrinho, que o
Major Neca Andrade nasceu, em 29 de Outubro de 1831 .
Essa casa, onde nasceu o Major Neca Andrade (na qual foi sediado o Registro Velho
da Borda do Campo), ainda sobrevive até os dias em que escrevo esta história e,
como já mencionei antes, pode ser encontrada por quem chega a SÍTIO, pelo distrito
de Sá Fortes (também no atual município de Antonio Carlos), vindo de Barbacena.
Guarda ainda algumas das características descritas pelo viajante francês Auguste de
Saint-Hilaire no seu livro “Viagem às Províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais”
(1ª viagem), que lá esteve hospedado nos idos de 1817, a convite do “Tio Padre”,
então o político mais importante da região.
Veremos a seguir, que o “Tio Padre”, como é referido até hoje pelos descendentes,
influiu decisivamente na formação do sobrinho, sendo responsável pela mentalidade
industrial que se manifestou anos depois, quando o Major Neca Andrade adquiriu a
Fazenda de Sant’Anna de Sítio (hoje Fazenda Cymodocea) e ali desenvolveu vários
negócios.
No mesmo ano de 1831, em que nasceu o Major Neca Andrade e após a abdicação
de Pedro I, foi criada a Guarda Nacional, que tinha como finalidade defender a
constituição, a independência e a liberdade m as, acima de tudo, assegurar a
integridade do Império . Sua criação (entre os limites da tirania e da anarquia, como
se comentava à época), demonstrava de certa forma, a falta de confiança da
Regência na fidelidade do exército brasileiro.
A Guarda Nacional era formada através da escolha de cidadão s com renda anual
superior a 200 mil réis, nas grandes cidades, e 100 mil réis nas demais, que se
tornavam responsáveis por recrutar, formar e dirigir o Corpo de Guardas nas
respectivas regiões, mantendo a obediência às leis, conservando a ordem e a
tranqüilidade pública.
Anos mais tarde, o Estado Maior do 31º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional,
sediado em Barbacena, foi confiado ao fazendeiro e industrial Manoel Carlos Pereira
de Andrade, que recebeu a patente de Major, o q ual por sua vez recrut ou a par
de out ros locais, seu primogênito Eudoro Lasthenes de Andrade, que recebeu a
patente de Tenente.
40
D. Anna Dulcelina Machado de Andrade (D. Anninha ou Vovó Ninha)
Voltando à Vassouras de 1865, a jovem Anna Dulcelina, que tocava piano e possuía
bela voz, era também filha da irmã do Major Neca (D. Anna Joaquina de Andrade
Machado) e portanto, sobrinha deste.
41
Como senhor de escravos, mesmo antes da Lei Áurea, procurava tratar o trabalhador
negro com bondade e justiça, dividindo as tarefas em períodos com horas
determinadas, de forma a dar-lhes o merecido descanso diário e nunca instalou
“troncos”, à guisa de pelourinho, já que não usava o castigo pela chibata.
Após a Lei Áurea, além de muitos dos antigos escravos agora forros e seus
descendentes, que se deixaram ficar trabalhando e morando na fazenda, a partir de
então como empregados, a “mão-de-obra” da Fazenda de Sant’Anna (que começa a
ser referida na região por “Fazenda Andrade”) se compunha de outros trabalhadores
do lugarejo próximo, denominado “São Sebastião dos Torres”, que foram
pacientemente treinados pelos proprietários para a tarefa de “enrolar cigarros”,
atividade que o Major Neca Andrade conheceu nas roças de propriedade de seu pai,
Carlos Francisco Pereira de Andrade, que produzia cigarros de palha nos arredores
de Barbacena, desde 1840 .
Ao contrário de hoje, naquela época o hábito de fumar não era tido como prejudicial
à saúde e sim, tido como hábito refinado, sinal de contemporaneidade e elegância ;
fabricar bons cigarros então, era motivo de orgulho para os donos da Fazenda
Andrade .
A par da indústria de cigarros, que passou a ser denominada Andrade & Andrade –
Fábrica de Cigarros de Barbacena (pai e filho haviam se associado nessa atividade,
na qual o pai, Carlos Francisco Pereira de Andrade, iniciara essa indústria desde
1840), e que se desenvolveu a ponto de conquistar diversos prêmios de excelência,
a Fazenda Andrade passou a produzir a partir das frutas ali cultivadas, vinho,
vinagre, geléias, cristalizados, compotas e doces em massa que eram preparados
em grandes tachos, e em fogão de lenha, e dos quais ainda sobrevivem alguns
frascos, mecanismos para engarrafamento, notas de pedidos e muitos rótulos
contendo, nas estampas, uma fruteira com abacaxi, pêssego, uvas, maçã,
jabuticabas, etc. além de reproduções de medalhas pelos diversos prêmios
conquistados pela “Fábrica de Doces Anna Andrade” em feiras e exposições
nacionais e internacionais, a testemunhar a época gloriosa da Fazenda Andrade, ex-
Fazenda de Sant’Anna do Sítio da Borda do Campo , atual Fazenda Cymodocea.
42
E.F. Pedro II e A Estação de Sítio
43
E surge o primeiro Duffles em SÍTIO
João Baptista ao chegar ao Brasil, montou uma alfaiataria que criou fama junto à
Corte do Rio de Janeiro e da qual João Baptista herdou o apelido “Pão de Açúcar”
(este era o nome do estabelecimento) ; é quando conhece D. Sebastiana de
Camargo Duffles, que se tornaria sua esposa, filha do Eng.º Thomaz Duffles,
empreiteiro de origem holandesa, por parte de pai .
É também nessa época que os irmãos Henrique Mathew Caldeira Lott e Hermano
Felisberto Caldeira Lott se empregam na empresa do Eng.º Thomaz Duffles,
inicialmente como “Auxiliares de Administração”. Henrique Mathew e o irmão
estudaram no Colégio do Caraça e, apesar de terem estudado mineralogia e
princípios de construção, não chegaram a cursar faculdade de engenharia mas,
tendo trabalhado em fazenda e em mina do pai, revelaram-se construtores práticos
de mérito ; Henrique Mathew seria o futuro pai do Marechal Henrique Baptista Duffles
44
Teixeira Lott, personagem de destaque da história do Brasil, nos anos 50 e 60 do
século XX .
A empresa Thomaz Duffles & Cia. fez obras no interior mineiro, por 10 anos, entre
1875 e 1885, com um efetivo médio de 900 empregados, sempre empreitando
serviços ferroviários, principalmente para aquela que viria a ser conhecida como
“E.F. Central do Brasil” mas, também para a “E.F. Leopoldina”, além de construir
casas, prédios operacionais e outras edificações de apoio.
A empresa moveu ação judicial contra o Governo para receber seus haveres, porém
não conseguiu seu intento e é dissolvida por ocasião do término das obras em São
Miguel (atual Eugenópolis) . Os herdeiros tentam re-haver o dinheiro gasto pela
empresa e devido pelo Governo , porém com a proclamação da república, não
encontram sustentação jurídica e/ou política para fazer o novo governo honrar a
dívida do anterior : os herdeiros desistem .
Maria Baptistina e Aurelina vão com freqüência à cidade e à Fazenda Andrade, ora
com o pai, ora com o avô, que então torna-se amigo do Major Manoel Carlos Pereira
de Andrade e tornam-se amigas das filhas do Major Neca Andrade, pois são de
mesma faixa de idades ; essa amizade vai durar para sempre .
45
Com o avanço dos trilhos em direção a Sítio, João Baptista e a família se mudam
para lá para dar início a várias construções na região : casas para o chefe-residente
da empreiteira, para outros empregados, para os futuros funcionários da ferrovia,
instalações operacionais da E.F. Pedro II e a tão esperada Estação de SÍTIO.
A criação das indústrias pela família Andrade, a chegada dos trilhos da Estrada de
Ferro Pedro II e o conseqüente desenvolvimento de novos negócios, atraiu mais
visitantes ao arraial, os quais ao se darem conta do excelente clima e da
potencialidade dos negócios, passaram a procurar por locais onde pudessem se
hospedar por temporadas e, assim, o arraial em torno do CASARÃO foi se
transformando na futura cidade de SÍTIO (a efetiva elevação só se deu em 1938).
Após a morte do Sr. Thiago e já nos anos 90 do século 20, seus herdeiros venderam
partes do prédio a diversos pequenos comerciantes locais, antigos locatários do
andar inferior, os quais, sem orientação técnica, sem o necessário suporte cultural
dos órgãos municipais e sem a existência de normas e limites de uma política de
preservação do patrimônio histórico municipal, lamentavelmente o desfiguraram de
forma irremediável .
46
Fato análogo está ocorrendo enquanto escrevo este livro : o prédio original do
armazém local onde nasceu a antiga E.F. Oeste de Minas (a”Bitolinha”) foi
depredado e está sendo paulatinamente destruído, sem que as autoridades
municipais constituídas impeçam o desaparecimento de um dos símbolos da obra do
que se pode considerar o mais importante cidadão sitiense : aquele que construiu
com investimento próprio, quase tudo que esta cidade teve de bom e glorioso .
Voltamos ao início da década dos anos 1890 : os filhos de João Baptista convivem
com os filhos do Major Neca Andrade, fazem passeios juntos, os namoricos são
inevitáveis e o primeiro elo de união entre as famílias se fecha - Eudoro Lasthenes
se apaixona por Aurelina Duffles da Costa Teixeira, namoram , noivam, se casam,
moram em Sítio e teriam 3 filhos .
Alguns anos depois, um destes 3 filhos do casal, Antonieta, seu pai Eudoro, a mãe
deste D. Anna Dulcelina (a Vovó Ninha), a mãe desta D. Anna Machado (a Vovó
Cota), e o tataraneto desta, Antonio José, protagonizaram um episódio que ficou
famoso nas famílias que freqüentaram o CASARÃO e que ficou imortalizado por uma
frase proferida por D. Anna Machado (a Vovó Cota), orientando seu neto Eudoro
Lasthenes para uma foto : “Meu neto dê cá seu neto” ; sim, porque pousando para a
foto, estavam presentes 5 gerações da família Andrade !
À época da construção da E.F. Pedro II, Henrique Mathew Caldeira Lott, que fora
designado pela empresa Thomaz Duffles & Cia. para atuar junto às obras de Sítio,
conhecera o Major Manoel Carlos Pereira de Andrade e ficara impressionado com a
capacidade empreendedora do Major. Em 1891, lá se iam 13 anos após a
inauguração da Estação de Sítio, com a ajuda de seu amigo o Thomazinho, então
assíduo freqüentador do CASARÃO, Henrique Mathew propõe ao Major Neca
Andrade constituírem uma sociedade com o objetivo de organizarem uma Olaria,
destinada à fabricação de tijolos .
Nessa época, inicia o namoro entre Henrique Mathew e Maria Baptistina e, após
breve noivado, casam-se em 11 de Dezembro de 1893, sendo a cerimônia realizada
na Capela da Fazenda Andrade e a recepção na residência do Major Neca Andrade,
ou seja, no CASARÃO . O casal, após a “lua de mel”, passa a residir em terras da
Fazenda Andrade e, em 16 de Novembro de 1894, nasce o primeiro filho do casal :
Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott , futuro Marechal Lott , que seria Ministro da
Guerra, defensor da legalidade constitucional e candidato à Presidência da
República dos Estados Unidos do Brasil (nome do nosso país até 1964).
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A Igreja de Sant’Anna de Sítio
Posteriormente, veio a ser construída uma segunda igreja, que se tornou a matriz da
cidade e que adotou o mesmo nome da primeira capela construída pelo Major Neca
Andrade e D. Anna Dulcelina : Igreja de Santana e que se tornou motivo para o
descontentamento dos familiares de D. Anna Dulcelina, pois entenderam como uma
desatenção, um desrespeito mesmo, à memória de tão digna senhora .
A “primeira imagem de Sant’Anna” de que foi dotada a primeira capela, foi adquirida
e oferecida pela piedosa Senhora D. Anna Dulcelina Machado de Andrade, devota
de Sant’Anna, e, quando a segunda igreja, que se tornou a matriz da cidade, foi
inaugurada, a imagem da devoção de D. Anninha foi removida da “primeira igreja”,
com ela o nome da Capela de Sant’Anna de SÍTIO, e foi colocada na nova igreja o
que, ao invés de honrar a memória da doadora, certamente mostrou certa
insensibilidade face à pouca atenção dispensada à história e à memória daquela que
muito contribuiu com seu trabalho, e até com porções consideráveis de seu
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patrimônio familiar, para a criação da cidade de SÍTIO (hoje Antonio Carlos), que
certamente ficaria desapontada e triste, pois na histórica Capela de Sant’Anna ,
Sant’Anna e história é o que não há mais; só um prédio vazio .
A “Bitolinha”
Mesmo com a chegada da E.F. Pedro II a SÍ TIO, era preciso escoar a produção da
macro-região, tanto para trazer e reunir alí o que poderia ser despachado pela E.F.
Pedro II, com destino ao Rio e a São Paulo, quanto para levar os produtos dos
arredores de SÍTIO a outros locais de Minas, não servidos pela E.F. Pedro II e,
assim, o Major Neca Andrade se une a outros proprietários da região para dar curso
a outra iniciativa importante : doa terrenos e participa com capital para instalar uma
estação, um virador de locomotivas, uma caixa d’água e demais construções
necessárias à operação da E.F. Oeste de Minas, conhecida popularmente como
“Bitolinha” (a bitola entre os trilhos era de 0,76 m, enquanto que as ferrovias
convencionais tinham bitolas de 1,0 m ou 1,44m) .
Em 1878, com subscrição particular de 4 mil contos de reis levantados pelo Major
Neca entre empresários da região, começam as obras da Companhia Estrada de
Ferro Oeste de Minas, cuja linha teria 100 quilômetros de extensão, ligando SÍTIO
(atual Antonio Carlos) a São João d’El Rei, passando por São José del Rei (atual
Tiradentes) .
A “Bitolinha”, na qual cheguei a viajar com minha esposa e com meus filhos e que foi
criminosamente desmantelada no final dos anos 80 do século 20, entre outros
desmandos ocorridos durante os governos da ditadura militar (a pretexto de “medida
de racionalização e economia de petróleo combustível” mas, na verdade, por decisão
de cabeças menores e ação de mãos desonestas), tinha em SÍTIO seu marco zero,
seus trilhos passavam por Tiradentes e chegavam a São João d’El Rei, através
cortes estreitos, ultrapassavam os riachos sobre minúsculas pontes, cortavam
capoeiras e atravessavam paisagens belíssimas e que teriam estimulado o turismo
em SÍTIO (atual Antonio Carlos).
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Apenas o trecho, que liga Tiradentes a São João d’El Rei conseguiu se salvar da
insensibilidade tacanha e sobrevive, para o benefício destas duas cidades, onde o
turismo tem feito a renovação das economias locais, gerando empregos e afluxo de
dinheiro externo.
Da “Bitolinha”, em SÍTIO (atual Antonio Carlos), resta hoje inerte, inútil, à margem da
praça central, de onde saiu e voltou inúmeras vezes bufando altaneira, nos bons
tempos que esta cidade já conheceu, puxando muitos “che-ché’s” (como
balbuciavam meus filhos, quando eram pequenos), se anunciando com o apito do
próprio vapor, imaculadamente branco, puro, e lá está ela agora : esquecida num
canto, sem o trato diário do maquinista cuidadoso , empoeirada e suja pelo
desrespeito inocente das aves que alí fazem pouso e sujeira, a pequena locomotiva
Baldwin, ou, como todos dizem, a “Mariazinha Fumaça” , como que esperando pelo
despertar da consciência dos moradores e dirigentes desta cidade que, um dia,
puxando pelos vagões da memória e inspirados pela lembrança do seu apito,
venham a se convencer do seu indiscutível potencial turístico e lutarão para fazê-la
reinar novamente, resfolegante, de volta aos trilhos da história da região.
Em meados da década dos anos 1890, durante uma de suas voltas a SÍTIO,
Thomazinho Duffles ouviu do Major Manoel Carlos Pereira de Andrade, cujos
empreendimentos estavam no auge de resultados, que pretendia no futuro, delegar a
administração dos negócios aos filhos, embora nem todos se interessassem e, em
1893, como já relatamos, propõe se associar a Henrique Mathew e ao Major Neca
Andrade, na Olaria em que estes últimos já eram sócios e este seria apenas mais um
motivo para continuar a freqüentar a Fazenda Andrade.
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Muita gente nessa época desejou associar-se ao Major Manoel Carlos Pereira de
Andrade, não só pelo espírito empreendedor mas, porque tudo que resolvia
empreender dava bom retorno financeiro . Alguns anos depois, Thomazinho propõe
se associar à família Andrade para explorar os negócios mais lucrativos como o
hotel, um bar e um açougue, a fábrica de cigarros, a fábrica de doces, todos
construídos e administrados pelo Major Neca Andrade .
51
2- Cymodocea Andrade Magalhães Gomes e José Coelho Magalhães Gomes (Bacharel
em Direito), tiveram os seguintes filhos, noras e genros :
3-Mário Andrade (Empresário), com Elvira Duval de Andrade , sua prima, tiveram os
seguintes filhos :
6-Pompéia Noêmia Andrade Leite Magalhães Gomes , casada com Geraldo Leite
Magalhães Gomes (Bacharel em Direito), tiveram os seguintes filhos, noras e genros :
7-Edméia Iracema Andrade Duffles Teixeira da Costa , casada com Thomaz Duffles da
Costa Teixeira ( Empresário), o Thomazinho, tiveram os seguintes filhos, noras e
genros :
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8-Dr. Pompeu de Andrade ( Médico), casado com Mariana Duffles de Andrade, tiveram
os seguintes filhos :
10-Octávio Andrade, casado com Anita Dutra de Andrade, tiveram os seguintes filhos:
12-Dagmar Andrade Duffles, casada com Pio de Camargo Duffles (Médico), tiveram os
seguintes filhos, noras e genros :
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Thomazinho e Edméia Iracema permaneceram morando em SÍTIO por 13 anos mais,
até que em 1912 se transferiram para Belo Horizonte, onde Thomazinho iria assumir
a função de Perito do Serviço Seccional da Justiça de Minas Gerais, para a qual
havia sido indicado por um amigo, aproveitando para cuidar da administração de um
depósito de materiais da Olaria da Companhia Andrade, em Belo Horizonte, que
tinha em sociedade com o Major Neca Andrade .
Mas os tempos ainda eram de alegria e esplendor para a família do Major Neca
Andrade : no dia 24 de Abril de 1915, a primeira página do jornal “O Arauto”, Nº 22 ,
de Barbacena, estampava a seguinte notícia em destaque, que aqui reproduzo :
54
55
56
Também havia programação de espetáculos no Cinema Theatro Sitiense em
homenagem às bodas do Major Neca Andrade e de D. Anna Dulcelina, oferecida
pelo dono da empresa AGOSTINHO ALBANO, que explorava as funções de cinema
e teatro em prédio construído pelo Major Neca, e que ainda nos dias de hoje
sobrevive, embora muito desfigurado, na Praça Major Neca Andrade, em SÍTIO. Eis
o programa impresso que na época foi distribuído :
-1865 – 1915 –
__________________________________________________
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HOJE II 25 de Abril II HOJE
____________________________________________________________________
5ª PARTE .---Côro “Mamãe não deixa”, pelas meninas Georgina, Clarisse, Maria
Carmelita, Juracy e Jacyra e pelos meninos Carlito, Clovis e Maurillo.
____________________________________________________________________________
6ª PARTE .---Monologo “ O segredo de Luiza”, pela menina Luiza.
____________________________________________________________________________
9ªPARTE .---Côro “Avósinhos”, pelas meninas Lu iza, Clarisse, Juracy, Jacyra, Maria
Carmelita e Georgina.
____________________________________________________________________
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____________________________________________________________________
As fitas são offerecidas aos festejados pela Empreza ALBANO & CIA.
____________________________________________________________________
O espectaculo começará ás 7 ½ horas da noite.
---
Amores Proibidos
Antonieta fora a primeira namorada de Henrique Lott (que era seu primo e viria a ser
o Marechal Lott) , mas o prosseguimento do namoro fora proibido pela Vovó Ninha
(D. Anna Dulcelina), que então, tinha pavor das conseqüências que poderiam
resultar da cosanguinidade mas, o destino iria mudar esta história : ambos iriam ficar
viúvos e acabariam por se reaproximar anos depois, casando-se em 31 de Julho de
1951, em Teresópolis.
Proibição idêntica enfrentaram inicialmente Cícero (nosso doce Tio Cícero, filho de
Cymodocea e Carlos Thomaz) e sua prima Iracema (filha de Edméia e Thomazinho)
mas, o amor entre eles foi mais forte e, anos mais tarde, também se casaram e
foram muito felizes.
Os novos dirigentes dos negócios da família Andrade, que por muitos anos apenas
usufruiam dos resultados dos negócios, antes administrados com sucesso pelo Major
Neca Andrade, encontram muitas dificuldades pois, não tinham o mesmo senso
empreendedor e administrativo que eram natos no pai, e, quando os prejuízos
começam a aparecer, em 1919, Thomazinho e Aniceto se retiram da sociedade com
enormes prejuízos pessoais .
Saía de cena o ilustre antepassado que sabia reconhecer as boas idéias, acreditava
que era possível colocá-las em prática, persistia no trabalho incansável de evoluir
sempre, que nunca deixou de ter fé em si mesmo e na comunidade em que vivia, e
cujo maior legado permanecerá para sempre imune às incertezas administrativas : o
exemplo de persistência na busca de seus objetivos, de excepcional capacidade em
empreender novos negócios, de administração eficaz, de como transformar um
arraial numa cidade, de cidadão mineiro e brasileiro exemplar, legado esse que deve
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ser motivo de orgulho para seus descendentes, aos quais cabe retribuir através do
interesse em conhecer a sua vida, os seus sonhos, em render respeito à sua obra
fantástica e em preservar a sua memória ao longo da história.
Eudoro Lasthenes, Edmundo e Mario Andrade, tentam prosseguir nos negócios mas
não tinham a suficiente experiência nem o mesmo tino comercial, que era inato no
pai e isso os leva a fracassar como administradores e, com a deficiência nas
receitas, começam a vender glebas da Fazenda Andrade para fazer frente às
despesas que se avolumavam ; os herdeiros passam a desmembrar a Fazenda
Andrade, alguns passam a vender lotes para sobreviverem e para saldar as dívidas,
outros vendem participações nos diversos negócios, é o fim da “Anonyma”, além de
grande parte das glebas, da outrora enorme, Fazenda Andrade.
Com as tentativas frustradas dos filhos do Major Neca nos negócios do pai, os
irmãos se dispersam : alguns vão para São Paulo e praticamente perdem o contato
com o núcleo familiar, outros vão para o Rio de Janeiro, os que viviam da terra e da
criação permaneceram em SÍTIO, o patrimônio cada vez menor.
Mario Baptista Andrade assume a Fábrica de Cigarros Andrade & Andrade e uma
gleba de terra, Eudoro e Edmundo continuam a vender lotes das terras da Fazenda
Andrade para sobreviverem, saldar dívidas e para sustentarem a mãe e a avó que,
então, moravam no Rio de Janeiro (D. Anna Machado viveu 104 anos).
Além de grande parte das terras da Fazenda Andrade, acabam por perder
praticamente todos os negócios : com o tempo, a “Fazenda Sant’Anna de Sítio”, que
sob a administração do Major Neca Andrade, havia chegado aos 500 alqueires, 21
prédios, criação de gado, cavalos, cigarros, frutas, laticínios, vinho, doces,
reconhecida e premiada pela excelência de seus produtos, se consome em dívidas .
Em 1928, quando já seis anos haviam se passado da morte do seu pai e, diante da
iminência da propriedade passar a mãos estranhas e de sua mãe e avó passarem
pelo desgosto de assistirem à perda da chácara que era a sede e das terras
restantes da Fazenda Andrade, que D. Cymodocea Andrade Magalhães Gomes, filha
do Major Neca Andrade, já viúva, convoca seus filhos a uma reunião em SÍTIO,
oportunidade em que manifesta sua intenção de que se cotizassem nos esforços
para tentar salvar a Casa Grande ( o CASARÃO) a chácara em torno dela e o pouco
de terras que restara da Fazenda Sant’Anna de Sítio.
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pela quitação da hipoteca, que então já onerava a propriedade, evitando que a
mesma corresse o risco de cair em mãos de estranhos .
Nessa época, dois dos filhos de D. Cymodocea, o Dr. Paulo Andrade de Magalhães
Gomes, Engenheiro e Professor da Escola de Minas da Universidade Federal de
Ouro Preto, e o dr. Cícero Andrade de Magalhães Gomes, igualmente Engenheiro,
se vêm colocados à frente das ações para recuperação do que restara do patrimônio
do avô e, como seus irmãos ainda estudassem, fez enormes sacrifícios para atender
ao pedido de sua mãe, sem comprometer o estudo dos irmãos, inclusive adiando seu
casamento com D. Francisca de Oliveira.
Assim, quis a história, que o Dr. Paulo Andrade Magalhães Gomes, além de neto se
transformasse num dos fundamentais elos que nos ligam ao Major Manoel Carlos
Pereira de Andrade e a D. Anna Dulcelina.
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Antonio Carlos presidiu a província entre 1926 e 1930, criou a Universidade de Minas
Gerais, a primeira do Estado, instalou a Universidade Rural de Viçosa, reformulou o
sistema rodoviário estadual, reorganizou a saúde pública, impulsionou a
administração pública de Belo Horizonte e, fato inédito no país, instituiu o voto
secreto através da legislação mineira, com o primeiro pleito ocorrendo em
1929. Justificava suas preocupações reformistas, sintetizando-as na frase "Façamos
a revolução antes que o povo a faça".
O carisma de que se revestiu o nome SÍTIO, não surgiu por um simples decreto
legislativo, pelo contrário, foi obra de homens criativos e laboriosos, de mulheres
companheiras e até da mãe natureza, que todos juntos, ali construíram não só as
primeiras indústrias mas um núcleo sagrado de hospitalidade, distante na medida
certa dos grandes centros, solo fértil em clima saudável e delicioso, onde em dias de
sol aberto e sob céu azul admirável, homens, mulheres e natureza se
confraternizavam enquanto as frutas serranas cresciam e amadureciam
espetacularmente, e se transformavam em maravilhosos doces e compotas, em leite
puro e gostoso, em queijo simples e delicado .
Enquanto era SÍTIO, a vida era festejada até no inverno, pelas salvas do pinheiro
araucária, forrando os campos com seus pinhões, comidos quentinhos ao pé do
fogão a lenha, em meio a tragos de vinho da terra, enquanto se jogava conversa fora
: coisas de SÍTIO, nome simples que significava povo bom, povo que vivia bem,
essa era a chama que alimentava o potencial de possibilidades daquela cidade, que
foi deixando de existir.
O sonho do “Pom-pom”
Em 1953 uma nova fase da história do CASARÃO se iniciaria : Lucy Maria e Carlos
Maurício de Paula Maciel se casam em Belo Horizonte, após um namoro e noivado
dignos de um romance ”hollywoodiano”. Lucy é filha de D. Rachel Noce Magalhães
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Gomes e do Dr. Fernando Andrade de Magalhães Gomes, este filho de D.
Cymodocea e, portanto, Lucy é bisneta do Major Neca Andrade e de D. Anna
Dulcelina.
“Pom-pom” era o nome com que a Cleusa, então uma menina pequena, passou a
balbuciar para chamar o moço que chegava ao seio da sua família para, literalmente,
seduzir a todos com sua inteligência, senso de humor, entusiasmo e um carisma que
se revelaria pela vida inteira. Era também assim que Cleusa voltou a carinhosamente
chamá-lo até 1988, época em que tivemos o privilegio de conviver com ele e com
Lucy, cada vez que iam a BH e ficavam em nossa casa, época em que fizeram,
como ninguém poderia fazer melhor, o papel de verdadeiros avós para os nossos
filhos (que não puderam usufruir do convívio com os meus pais nem com os pais da
Cleusa, já falecidos) .
Pom-pom me contava que Lucy sempre foi linda, de olhos verdes sedutores e
sempre foi muito inteligente ; era a segunda entre os filhos de D. Rachel Noce e do
Dr. Fernando Andrade de Magalhães Gomes, e passou a ser a estrela na vida do
jovem publicitário, que viria se tornar Bacharel em Direito, mas continuaria uma
carreira vitoriosa como homem de comunicação, que viria a ser diretor comercial do
jornal carioca “O Dia” e que , de quebra, nunca deixaria de ser empresário do ramo
publicitário, no qual criou e projetou a “ALFA Publicidade” que foi uma importante
pioneira em Minas Gerais, através da qual nasceu o conceito “Drogatel Araujo” e que
foi a incubadora de importantes campanhas e de profissionais que se tornaram
célebres, homenageando todos, cito um deles : o cartunista Henriquinho .
Tais realizações, acredito, podem bem dar ao menos, uma noção sobre quem foi
este homem, grande na inteligência, enorme na generosidade, incansável na sua
veneração pela Lucy, imensurável no amor pelos filhos e pela vida, e que nunca
deixou de ser uma criança sonhadora, a acreditar que a vida seria eterna e nunca
deixaria de estar realizando uma nova idéia, entre elas, a de que todos os
descendentes do Major Neca, da “nossa geração”, deveríamos conhecer, preservar e
divulgar a história daqueles que deram dimensão ao CASARÃO , bem como receber
o bastão das mãos do Tio Paulo e assumir, em conjunto, a administração da
propriedade, restaurando-a e adaptando-a internamente aos confortos adequados ao
modo de vida atual .
Na verdade, o CASARÃO era uma entre suas muitas paixões, era como se fosse o
útero materno, onde o guerreiro se recolhia depois das batalhas do dia-a-dia pelo
mundo comercial, era para onde ia se sentir de novo menino : onde desmontava
seus brinquedos de infância para consertá-los com as mais inovadoras e
mirabolantes ferramentas, onde montava os famosos trenzinhos elétricos, desde os
minúsculos “Minitrix” até os imponentes “Lionel”, onde construía aeromodelos,
montava barcos e carrinhos motorizados, onde aprontava traquinagens com os
recém chegados e de onde nunca saia sem avançar alguns passos nos seus
“quebra-cabeças de mil peças”, que para nós, pareciam infindáveis.
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E essa paixão se revelou desde que pisou pela primeira vez no CASARÃO, pelos
idos de 1956, onde ouviu tantas histórias, de ninguém menos que a própria Vovó
Cymodocea, como o ouvi tantas vezes a ela se referir ; acho até que foi de tanto
acompanhá-lo nos feriados e fins-de-semana, desde a minha “primeira vezes de
CASARÃO”, em 1966, que acabei também por ficar “contaminado”.
No início, “Carl’s Paulo” (D. Rachel, sua sogra, D. Nina, sua mãe, Lucy e muitos de
nós, o chamávamos assim) ia para SÍTIO na mesma época em que a Vovó
Cymodocea e alguns dos irmãos e parentes dela também iam, sempre
acompanhado dos pais dele : “Seu” Maciel ( Sr. Joaquim Maciel, Jornalista nascido
em Conceição do Mato Dentro) e D. Nina (Sra. Antonina Marchetti Maciel) .
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E a obra continua ...
Ao chamar os filhos para a árdua tarefa de gerar os recursos necessários para pagar
a hipoteca que recaiu sobre a propriedade onde viveram os seus pais e sua avó, D.
Cymodócea, em verdade, passava a eles o bastão , eu diria mágico, que impediria
que os sonhos semeados pelos pioneiros da família não ruíssem como as finanças,
que eles mostrassem de geração em geração, que mais importante do que o poder e
econômico são os sonhos que o antecederam : porque com eles, com boa vontade,
com perseverança e trabalho , é possível tudo .
Essa mulher forte e objetiva, que viveu lúcida todos os seus 104 anos e que assim,
atingiu a única meta que seu amado pai não alcançara , a de viver 100
anos , certamente não esperou como retribuição ao seu gesto, os dividendos da
“Anonyma”, que então já ia se desmantelando financeiramente, nem tampouco se
limitou a querer salvar a materialidade da obra dos seus pais, quis sim, impedir que
as idéias ali concebidas, cultivadas e acalentadas pelos sonhos do Major Neca
Andrade, da sua esposa D. Anna Dulcelina e da mãe desta, D. Anna Joaquina, se
estendessem , como bênçãos , aos seus filhos e aos filhos dos seus filhos e aos
filhos dos seus netos e aos filhos de todas as próximas gerações.
Ela soube ava liar a dimensão da obra dos seus pais e teve a visão da importância
que essa obra t eria para as gerações que a sucederiam e foi generosa, ainda que
austera, pois planejou repartir com seus irmãos, filhos e de scendentes, o p rivilégio
de t ambém desfrutarem, não só do prazer renovado de viver no CASARÃO, ainda
que por alguns dias, m as da p rópria obra do Major Neca Andrade e de D. Anna
Dulcelina, através da preservação da sede da empresa mais importante criada por
eles : a fábrica de sonhos .
E, para participar dessa obra, a cada nova geração , basta ali conviver com outras
pessoas - parentes, amigos e amigos dos amigos, porque é disso que se alimenta o
sonho , que só desaparecerá pa ra aqueles que se omitirem ou se mostrarem
indiferentes a e sse apêlo à continuação da obra do Major Neca Andrade e de D.
Anna Dulcelina .
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Alfredo Malta Gonçalves é casado com Cleusa Magalhães Gonçalves, filha de
Fernando e Rachel, neta de Cymodocea Andrade e José Coelho Magalhães, portanto,
prima de D. Célia.
C Civilização Celta
A
Civilização Celta
Ancestrais Celtas
Os celtas foram o primeiro povo civilizado da Europa. Chegaram neste continente, junto
com a primeira onda de colonização, ainda em 4.000 a.C.. Destacaram-se dos outros povos que
chegaram na mesma época porque acreditavam em uma terra prometida, e foram em busca
dela. Em 1800 a.C., já tinham a sua cultura e o território totalmente estabelecidos, isso
enquanto os gregos e os romanos nem sonhavam em nascer.
A arte, tinha duas funções principais: Religiosa e Bélica. Os restos arqueológicos celtas,
indicam que este povo viveu na zona ocupada atualmente pela França e o oeste daAlemanha, no
final da Idade do Bronze, por volta de 1200 a.C.. Este capacete de bronze (abaixo, ao centro),
provavelmente pertenceu a um guerreiro celta de alta graduação. Os chifres ocos, eram feitos
com lâminas de bronze reforçadas; o capacete, era utilizado em desfiles e não nas batalhas. A
bainha (o terceiro objeto à esquerda), feita também
com lâminas de bronze reforçadas, era revestida de
casca de bétula.
A maior parte da arte celta, é decorada com projetos abstratos. A forma ondulada gravada
neste pote, encontrado no “Castelo Maiden”, um grande forte celta em Dorset, é um claro
exemplo desta prática.
Arte celta foi influenciada pelos povos circunvizinhos, como os gregos, etruscos, persas
e até romanos. Nem por isso, a arte celta deixou de ter um espaço especial na história da arte, já
que é considerada, atualmente, a primeira contribuição não-mediterrânea à arte Européia. Até
mesmo os temas emprestados da arte greco-gomana, sofriam “releituras”. A arte céltica foi
importante, na medida em que desenvolveu um estilo todo próprio, que muitas vezes, opunha-
se ao classicismo de Roma e da Grécia. Em outras palavras, os celtas, anteciparam em vários
séculos as correntes artísticas que propunham inovar a arte tida como oficial.
Aarte celta é dividida em dois períodos (assim como a história da própria civilização): Hallstat e
La Tène. O desabrocho artístico ocorreu no período lateniano,
onde o estilo celta se espalhou e se integrou com as expressões
artísticas da época.
A música ou, mais precisamente, o tocar dos instrumentos, era considerado uma
manifestação do mundo dos espíritos. Sendo assim, o músico era um ser privilegiado, pois suas
faculdades, lhe permitiam captar pequenas manifestações do “Outro Mundo”, e desta forma, ele
traduzia aquilo que absorveu para a música.
Exatamente por este motivo, é comum a temática musical celta estar ligada ao que eles
mais respeitavam: a Natureza. Um bosque, a brisa, a alvorada, o outono – ou qualquer outra
estação – enfim, cada pequeno movimento da Natureza, carrega um som, e era função do músico
traduzir este movimento em música.
Com o advento da cristandade no mundo céltico, toda esta conotação entre religião e
música, de certa forma, se perdeu. No entanto, os “motivos ligados a Natureza” mantiveram-se
vivos, e até hoje estão presentes, no trabalho de cantores e instrumentistas contemporâneos.
Linguagem dos Celtas
Além de nomes próprios e algumas inscrições curtas grafadas em etrusco, grego ou latim,
pouco restou para documentar o idioma céltico. Exemplos importantes do residual linguístico
celta — provas da grande expansão geográfica destes povos — são nomes de cidades européias:
Londres (Londiniom), Viena (Vindobona), Milão (Mediolanum), Lyon (Lugdunum), Verdun
(Virodunum), Kempeten (Cambodunum) e Dublin (Dublin). No século I d.C., o celta
continental, falado na Gália, desapareceu, sobrepujado pelo latim dos invasores romanos.
Restaram, apenas, alguns dialetos do celta insular, divido em dois grupos:
Britônico, que compreende o bretão, o córnico e o galês.
Gaélico, que compreende o irlandês, o escocês "erse" e o manês.
Todas as línguas celtas, empregam o alfabeto romano. O bretão é falado, hoje, na
Bretanha Francesa. O período de maior esplendor da língua bretã, corresponde à metade do
século XVII. Neste período, gramáticas foram escritas e um grande conjunto de obras de teatro,
literatura e baladas surgiram.
O córnico, língua da Cornualha, desapareceu no século XVIII, embora tenham sido feitos
esforços recentes para reavivá-lo. De documentos escritos na língua córnica, restam algumas
glosas do século IX, um vocabulário do século XII e dramas religiosos dos séculos XVI e XVII.
O galês — também chamado câmbrico e címbrico por seus próprios falantes — é o dialeto
da região de Gales, e uma das mais conhecidas variantes da língua Celta. Divide-se em velho,
médio e moderno galês.
O irlandês, também chamado gaélico irlandês, é o idioma mais antigo do grupo gaélico.
Na República da Irlanda, é língua co-oficial.
No século V d.C., os irlandeses invadiram a Escócia, e levaram uma variedade do gaélico,
que substituiu a antiga língua britônica. Durante o século XV, o escocês se constituiu em uma
língua diferente do irlandês e ganhou a condição de idioma.
Por último, o manês, um dialeto gaélico-escocês, bastante influenciado pelos idiomas
escandinavos, falado na ilha de Man, localizada entre a Inglaterra e a Irlanda.
Religião
Antes de qualquer explicação ou exposição da religião dos celtas, é necessário rever
certos conceitos. Não podemos encará-la como uma instituição ou mesmo como algo que
coexistia com outros campos da vida das pessoas. Não existia um momento para a pessoa
trabalhar, outro para se divertir e outro para se dedicar à religião. A religião estava em tudo isso,
era ela que norteava o comportamento e a conduta dos celtas. O trabalho, os tempos de
entretenimento, a arte, enfim, tudo estava ligado à religião.
Druidismo
Alguns estudiosos, preocupam-se em discernir duas correntes religiosas: a céltica e a
druídica. Embora muito semelhantes (levando-se em conta que a céltica é derivada da druídica),
existe uma tendência a fazer certas considerações. Acredita-se, que o celtismo era mais
rudimentar e mais ligado ao culto da “Mãe Natureza”, enquanto o druídismo apegava-se a
diversas divindades ligadas à natureza.
Pode-se afirmar que, o druidismo se baseava em dois grandes princípios: o Respeito à
Natureza e na crença da Imortalidade. Os druidas sacerdotes que presidiam as cerimônias
religiosas, e exerciam também outras funções, que serão discutidas mais à frente.
Acreditavam na figura suprema da Deusa-Mãe, e em divindades “elementais” (do ar, da
água, do fogo e da terra). Alguns estudiosos, atestam o politeísmo do povo celta, outros já o
consideram monoteísta, e todas as divindades nada mais eram que, extensão de uma Deusa-Mãe.
Outros os descrevem como monoteístas, que cultuavam o “deus-fogo” Beal, ligado ao Sol (a
exemplo de Rá para os egípcios).
Algumas árvores tinham importante significância na religião celta, como era o caso do
carvalho (ligada à sabedoria dos druidas), o freixo (ligado à proteção), o salgueiro (ligado às
divindades da água), etc. Alguns animais também tinham sua simbologia - o touro, por exemplo,
representava a fertilidade e a serpente estava ligada à sabedoria.
A crença na alma e na vida após a morte, está presente no druidismo. Os celtas
acreditavam na existência do “Outro Mundo”, aonde residem os antepassados e demais espíritos.
Acreditavam também, que determinadas pessoas, eram dotadas do poder de comunicação com
este mundo. Acredita-se que o fato de os guerreiros celtas serem bravos e destemidos, vinha da
certeza que eles tinham; de que a morte nada mais é, que uma passagem.
Como eram os rituais celtas para honrar seus deuses, é difícil precisar. Sabe-se, que as
cerimônias eram realizadas em lugares abertos, em campos e florestas. As florestas de carvalho
eram de predileção dos druidas, pelo fato do carvalho ser considerado uma árvore sagrada.
Nestes locais, construíam-se círculos de pedras, onde eram realizadas as cerimônias religiosas - o
mais famoso deles é Stonehenge.
No entanto, estudos recentes defendem que estes círculos de pedra, na verdade, eram
usados como observatórios astronômicos e não como construções religiosas. Com isto, abre-se
espaço para discussão dos elementos de culto dos celtas e dos druidas, o que faria do druidismo,
uma religião fortemente influenciada pelas estrelas e pela observação dos astros (como a
religião egípcia).
Vestígios arqueológicos confirmam que, os druidas conduziam sacrifícios humanos,
porém, as razões e a maneira como este tipo de cerimônia era realizado,
ainda é obscura.
Druidas
No druidismo – como o próprio nome sugere – os líderes religiosos eram os druidas, que
constituíam uma classe privilegiada dentro da sociedade celta. Eram
eles que presidiam as cerimônias religiosas, realizavam os sacrifícios
humanos e conduziam oráculos. Além das funções religiosas,
desempenhavam as funções de educadores, juízes e eram os
responsáveis pela conservação da história e da tradição celta. Eram
sábios e tinham conhecimentos de medicina, agricultura e astronomia. É
importante lembrar, que os druidas, temerosos aos registros escritos,
passaram todo seu conhecimento oralmente de geração para geração. As
mulheres também integravam a classe druídica. Eram, em sua maioria,
profetizas.
Os druidas eram a única classe que transcendia as divisões tribais.
Foram os grandes responsáveis pela unidade do mundo celta. Onde hoje
está localizada Orleánais (França), estes sacerdotes organizaram uma
grande assembléia geral, cuja sede situava-se nas proximidades de onde hoje é a cidade
francesa de Sully-sur-Loire.
Os Druida-Brithem - Estes eram os juízes. Os celtas nunca chegaram a ter suas leis
escritas, apenas os brithem as conheciam, assim a função deles, era percorrer as casas e as
cidades e resolver impasses que surgissem.
Pouco sabemos sobre os druidas, exatamente pelo fato de não terem feito uso da escrita
(embora, crê-se que eles tiveram conhecimento de um sistema de escrita rúnico). Contudo,
pode-se afirmar, que eles existiram, exerciam grande influência na vida céltica, e eram
extremamente privilegiados nos conhecimentos. Relatos registram a coragem dos druidas na
defesa de sua crença, sendo que muitos morreram durante a repressão romana.
Sabemos que realmente eles existiram entre o povo Celta, porém, não eram propriamente
originários dessa civilização. Na verdade, sua origem, é um mistério.
O Conselho de Druidas Britânicos, foi formado em 1989, apesar de haver um
renascimento e interesse no tema por cerca de trezentos anos. Atualmente há doze ordens
importantes no Reino Unido.
Com o avanço da dominação romana, a cultura druídica foi alvo de intensa repressão e os
Druidas desapareceram da história, à medida que cresceu o domínio da Igreja Católica
Romana. Mas eles eram possuidores de grande sabedoria, tanto que marcaram profundamente
a literatura da época, que criou em torno deles, uma espécie de aura de mistério e misticismo (e
de fato eles eram místicos). Seu fascínio, se perpetuou através das cantigas dos menestréis e
trovadores medievais, e sua influência, se fez sentir em vários movimentos místicos e
contestatórios da Idade Média, especialmente entre os Cátaros e na Ordem dos Templários.
Das poucas coisas que sabemos sobre os druidas, temos a certeza de que acreditavam na
Imortalidade daAlma e na Reencarnação.
Esses fatos, porém, não aconteceram sem a resistência de uma velha inimiga dos druidas. A
Igreja Católica tentou denegrir o Espiritualismo de várias maneiras.
Cristianismo
Entretanto, com o passar do tempo, os padres (exceto José de Arimatéia, que “diziam”,
ter uma concepção contrária de outros padres) começaram a ver os cultos pagãos como
profanos, dizendo que, em seus rituais, o demônio era adorado, condenando-os. Muitas
comunidades pagãs foram destruídas, e a partir de 391, com a consolidação do cristianismo
como religião oficial do Império Romano, as perseguições tornaram-se maiores, e os cultos
pagãos foram totalmente proibidos.
Avalon, é uma ilha sagrada. Há muitas eras, pertencia ao mundo, mas hoje, está entre a Terra e o
Reino Encantado, no “imaginário”, cercado pelas brumas, que encobrem a ilha e a separa do
mundo dos homens.
Inúmeros sítios místicos da Bretanha, envolvem uma história particularmente rica e variada,
figurando cultura druida, cristãos, cultos celtas, no ciclo arturiano e na espiritualidade da Nova
Era (Era Cristã, também início da Era de Peixes). No entanto, mesmo as associações mais antigas,
são relativamente novas, se comparadas com os primórdios dos marcos sagrados. Há 6 mil anos
ou mais, alguns desses sítios, constituíam o solo sagrado de um povo mais remoto – os adoradores
neolíticos da “Deusa Mãe” (com energia intimamente ligada à Terra e a Lua).
A Deusa, uma divindade da “Mãe Terra”, reverenciada pelas sociedades primitivas em
muitas partes do mundo, aparentemente, teve seus seguidores na Inglaterra. Em Silbury Hill, há
uma enorme colina perto de Stonehenge, que teria representado o ventre da “Mãe Terra” grávida.
Para erguê-la, seus construtores teriam feito um esforço prodigioso, arrastando cerca de 36
milhões de cestas cheias de terra, durante 15 anos.
O monumento, é considerado símbolo da poderosa mãe, possui uma energia própria:
Dowsers afirma que; “ela emite fortes vibrações”. Com quase 40 metros de altura, uma estrutura
artificial pré-histórica, que alguns historiadores acreditam representar um olho, um símbolo
usual da deusa-mãe. O morro em si, seria a íris e o círculo em seu topo, a pupila.
A 1,5 quilômetros a leste de Glastonbury, ergue-se com mais de 150 metros de altitude
outra colossal “gravidez” da terra, o Tor (Tor = portal, passagem, no idioma celta), um cone
extraordinário, visível de todas as direções, por um raio de mais de 30 Km.
Ao redor de suas encostas, os terraços construídos pelos homens, formam um imenso
labirinto, que se enrosca até o corpo. Alguns pesquisadores acreditam que esses caminhos
tortuosos, foram projetados para a prática de rituais pagãos na pré-história.
O Tor de Glastonbury, é coroado pela torre em ruínas de uma igreja, dedicada a São
Miguel, célebre caçador de dragões e inimigo dos espíritos do mal. Os monges medievais
erigiram a igreja com o intuito de cristianizar o local, e erradicar seus vínculos com reis e deuses
pagãos. A estratégia nunca funcionou como o planejado, uma vez que, a fé está dentro de nossos
corações, em nossos pensamentos, sendo a Natureza, nossa razão principal, e não seriam templos
erguidos pelas mãos de “mortais” que iriam fazer de nós pessoas boas ou ruins.
“A verdade tem muitas faces, e assemelha-se à velha estrada que conduz a Avalon: o lugar para
onde o caminho nos levará depende da nossa própria vontade e de nossos pensamentos, e talvez,
no fim, chegaremos ou à sagrada ilha da eternidade, ou aos padres, com seus sinos, sua morte,
seu Satã, Inferno e Perdição...” – citação de Morgana (meia-irmã de Rei Arthur) no livro As
Brumas deAvalon.
Segundo a Lenda Celta, a entrada para Annwn, a morada subterrânea das fadas, pode ser
encontrada através de túneis e câmaras naturais localizadas debaixo do Tor. Seria através desse
portal, que Gwynn ap Nudd, (Rei das fadas), teria partido em caçadas selvagens para encontrar e
capturar os espíritos dos mortos. O Tor de Glastonbury, é inconfundível em uma vista aérea.
Sobressai de tal maneira na paisagem, que induziu à hipótese de ter servido como referência para
a aterrissagem de discos voadores. Estaria ali o umbral que permitia a passagem do nosso mundo
para a Ilha Sagrada deAvalon.
Uma tradição milenar relata também que está em Glastonbury, o “Poço do Cálice
Sagrado” (Chalice Well), onde José de Arimatéia, amigo e protetor de Cristo, no ano 37 d.C., teria
escondido o Santo Graal, o cálice da Santa Ceia, contendo o sangue de Jesus. O poço fica nas
proximidades da colina de Tor.
É um lugar muito apreciado para meditação. De uma fonte, jorra uma água com
propriedades medicinais. O sangue do cálice, teria sacralizado e tingido a água pura do poço.
Esta é realmente vermelha, segundo cientistas, devido ao alto teor de ferro no solo. Para os
turistas e locais, beber as águas do Chalice Well, é beber da própria fonte da juventude.
Enfim, Glastonbury é um berço sagrado que abriga muitos mistérios.
O O Mito de Merlin
A
O Mito de Merlin
Merlin era o filho bastardo da Princesa Real de Dyfed. Porém, o Rei, pai da princesa,
Meurig ap Maredydd ap Rhain, não é encontrado nas genealogias tradicionais deste reino, e
provavelmente, era um sub-rei da região que limita Ceredigion. O pai de Merlin, é dito, era um
anjo que tinha visitado a Princesa Real e a deixado com a criança. Os inimigos de Merlin diziam
que o pai dele era um Incubus (espírito mau que tem relacionamento com mulheres enquanto
dormem). As pessoas suspeitavam que a criança "diabólica" (Merlin) veio para ser um “contra
peso” à boa influência que Jesus Cristo teve na terra. Merlin, felizmente, foi batizado cedo em
vida, o que teria contido o o mal de sua natureza, mas os poderes do lado oculto ficaram intactos
nele. A história original, foi inventada para salvar a mãe dele de um escândalo, onde teria
acontecido presumivelmente a ligação dela com Morfyn Frych (o Sardento), Príncipe secundário
da Casa de Coel, ato de conhecimento público.
Alenda nos conta, que a retirada romana da Inglaterra e a usurpação do trono dos herdeiros
legítimos, fez com que Vortigern fugisse da Saxônia e fosse para Snowdonia, (em Gales), na
esperanças de construir uma fortaleza, em uma montanha em Dinas Emrys, onde ele poderia ficar
em segurança. Infelizmente, a construção vivia desmoronando e os feiticeiros da casa de
Vortigern lhe falaram que um sacrifício de uma criança órfã, resolveria o problema. Foi uma
pequena dificuldade, pois aquelas tais crianças eram bastante difíceis de serem encontradas.
Merlin era conhecido por não ter nenhum pai humano, e o disponibilizaram.
Antes que o sacrifício pudesse acontecer, Merlin usou seus grandes poderes visionários, e
atribuiu o problema estrutural a uma piscina subterrânea, no qual viveu um dragão vermelho e
outro branco. O significado disto, de acordo com Merlin, era que o dragão vermelho representou
os Bretões, e o dragão branco, os Saxões. Os dragões lutaram, dragão branco levou a melhor, no
princípio, entretanto o dragão vermelho, empurrou o branco para trás. O significado estava claro.
Merlin profetizou que Vortigern seria morto e o trono seria tomado por Ambrosius Aurelianus,
depois Uther, e por fim, o grande líder,Arthur. Caberia a ele empurrar os Saxões para trás.
De acordo com a profecia, Vortigern foi morto e Ambrosius tomou o trono. Depois, Merlin
parece ter herdado o pequeno reino do seu avô, mas abandonou as terras em favor da vida
misteriosa de druida. Depois que 460 nobres britânicos foram massacrados na conferência de
paz, como resultado do artifício saxônio, Ambrosius consultou Merlin, sobre erguer um marco
comemorativo a eles. Merlin, junto com Uther, levou uma expedição para a Irlanda para obter as
pedras do Chorea Gigantum, o Anel do Gigante. Merlin, pelo uso dos poderes extraordinários
dele, devolveu as pedras para um local, um pouco a ocidente de Amesbury, e os reergueu ao redor
da sepultura da massa dos nobres britânicos; O Stonehenge.
Após sua morte, Ambrosius teve como sucessor, o seu irmão, Uther, que durante a
perseguição dele a Gorlois, conheceu a esposa irresistível de Gorlois, Igraine (Ygerna), voltou
para as terras em Cornwall, onde foi pedir para Merlin ajudá-lo a possuir Igraine, e para Merlin
ajuda-lo, Uther teve que fazer um trato com Merlin, em que, a criança que nascesse da união de
Uther com Igraine, fosse dada a Merlin para que se tornasse tutor da criança. Uther aceitou e foi
ajudado por Merlin, que o transformou na imagem de Gorlois. Uther entrou no castelo de Gorlois
e conseguiu enganar Igraine a pensar que ele era seu marido, e engravidou-a, concebendo Arthur.
Gorlois, no entanto, não sabendo do que iria acontecer, saiu para encontrar-se com Uther no
combate, mas ao invés disso, foi morto pelas tropas de Uther, enquanto este, se passava por
Gorlois.
Depois do nascimento de Arthur, Merlin se tornou o tutor do jovem menino, enquanto ele
crescia com o seu pai adotivo, Senhor Ector (pseudônimo Cynyr Ceinfarfog). Em determinado
momento da carreira de Arthur, Merlin organizou a “Competição da Espadana Pedra” (a espada
era “Caliburnius”, e não “Excalibur”, que surgiu após Arthur quebrar Caliburnius), pela qual o
rapaz se tornou o rei. Depois, o mago conheceu a mística Dama do Lago na Fonte de Barenton (na
Bretanha), e a persuadiu a presentear o Rei com a espada mágica, Excalibur.
Nos romances, Merlin foi o criador da Távola Redonda, e esteve sempre ajudando e
dirigindo os eventos do rei e do reino de Camelot. Ele é pintado por Geoffrey de Monmouth, ao
término da vida de Arthur, acompanhando Arthur ferido para a Ilha de Avalon, para a cura das
feridas. Outros contam, como tendo se apaixonado profundamente por Morgana, a meia irmã de
Arthur, concordando em lhe ensinar todos seus poderes místicos; Ela ficou tão poderosa, que as
habilidades mágicas dela "excederam" às de Merlin, então determinou, que não seria escravizada
por ele, e prendeu-o em um calabouço, numa caverna semelhantemente a uma prisão. Assim a
ausência dele na Batalha de Camlann, era no final das contas, responsável pelo “falecimento” de
Arthur.
É dito que a prisão e o local onde ele está enterrado, fica em baixo do Montículo de Merlin,
na Faculdade de Marlborough em Marlborough (Wiltshire), a Bryn Myrddin (a Colina de Merlin)
perto de Carmarthen (Gales), Le de Tombeau Merlin (a Tumba de Merlin) perto de Paimpont
(Brittany) e Ynys Enlli (Ilha de Bardsey) fora a Península de Lleyn (Gales).
Esta é a Lenda de Merlin mais conhecida, tendo outras que diziam que ele era um louco
que tinha o dom de prever as coisas que iriam acontecer, e que vivia nas florestas como um
selvagem. Sendo assim, Merlin, é um dos seres mais enigmáticos que existiu, onde até hoje,
ninguém sabe se ele existiu mesmo ou se é apenas uma lenda, o que se sabe, são apenas
fragmentos sobre ele, e estórias confusas, na qual não se consegue definir a sua identidade. Tendo
momentos de total lucidez, como um sábio (como o de aconselhar Arthur a reinar em perfeita
harmonia e falar com os “elementos”) e outras como a de uma pessoa que deixou-se enganar
pelos sentimentos, perdendo a razão (como o de ter se apaixonado por Morgana e ensinado a ela a
sua arte). Isto faz com que ele seja tão enigmático e carismático, e até hoje, quando se fala em
mago, logo vem na cabeça a imagem de Merlin.
A A Lenda de Papai Noel
A
A Lenda do Papai Noel
A Lenda do Papai Noel, deriva diretamente das antigas lendas em volta da figura de São
Nicolau de Bari, bispo de Myra, e santo, que segundo a tradição, entregou todos seus bens aos
pobres para tornar-se monge e bispo, distinguindo-se sempre por sua generosidade com as
crianças.
Poucos anos depois da publicação do livro de Irving, a figura de Papai Noel havia
adquirido tal popularidade na costa leste dos Estados Unidos, que em 1823, um poema
anônimo, chamado A Visit of St. Nicholas (“Uma visita de São Nicolau”), publicado no Jornal
Sentinel ('A Sentinela'), de Nova York, encontrou uma sensacional acolhida, e contribuiu
enormemente para a evolução dos traços típicos do personagem. Embora publicado sem nome
de autor, o poema tinha sido escrito por um obscuro professor de teologia, Clement Moore, que
o dedicou a seus numerosos filhos, mas não previu que algum familiar o enviaria a um jornal.
Até os anos de 1862, já octogenário, Moore ainda não tinha reconhecido a autoria. No poema,
São Nicolau aparecia sobre um trenó, puxado por renas e enfeitado com sonoros sininhos. Sua
estatura, tornou-se mais baixa e roliça, e adquiriu algumas feições próximas da representação
tradicional dos gnomos (que precisamente, também algumas velhas lendas germânicas,
consideravam recompensadores ou castigadores tradicionais das crianças). Os tamancos
holandeses, nos quais as crianças esperavam que fossem depositados seus presentes,
transformaram-se em grandes meias. Finalmente, Moore transferiu a chegada do simpático
personagem, do dia 6 de dezembro (típico da tradição holandesa), para o dia 25 desse mês, o que
influenciou grandemente na progressiva mudança da festa dos presentes para o dia de Natal.
O personagem, estreou sua nova imagem com grande sucesso na campanha da Coca-
Cola, em 1931, e o pintor continuou fazendo retoques nos anos seguintes. Logo o artista
incorporou a si mesmo, como modelo do personagem, e seus filhos e netos, como modelos de
crianças, que apareciam nos quadros e postais. Os desenhos e quadros que Sundblom pintou
entre 1931 e 1966, foram reproduzidos em todas as campanhas natalinas da Coca-Cola no
mundo, e após a morte do pintor em, 1976, sua obra continuou sendo constantemente
difundida.