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ATIVIDADE DE LÍNGUA PORTUGUESA - Prof. Jéssyca

TEMA: Literatura negra / Afro-brasileira

A seguir você lerá o poema “Meu rosário”, de Conceição Evaristo. Nele, o eu poético
reelabora, com base no acervo da memória coletiva, a visão afirmativa da etnicidade
afro-brasileira. Para isso, em um jogo poético que mistura no mesmo plano imagens do
passado e do presente, o eu poético faz um resgate da ancestralidade negra.

MEU ROSÁRIO

Meu rosário é feito de contas negras e mágicas.


Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe Oxum e falo
padres-nossos, ave-marias.
Do meu rosário eu ouço os longínquos batuques do
meu povo
e encontro na memória mal-adormecida
as rezas dos meses de maio de minha infância.
As coroações da Senhora, onde as meninas negras,
apesar do desejo de coroar a Rainha,
tinham de se contentar em ficar ao pé do altar
lançando flores.
As contas do meu rosário fizeram calos
nas minhas mãos,
pois são contas do trabalho na terra, nas fábricas,
nas casas, nas escolas, nas ruas, no mundo.
As contas do meu rosário são contas vivas.
(Alguém disse que um dia a vida é uma oração,
eu diria porém que há vidas-blasfemas).
Nas contas de meu rosário eu teço entumecidos
sonhos de esperanças.
Nas contas do meu rosário eu vejo rostos escondidos
por visíveis e invisíveis grades
e embalo a dor da luta perdida nas contas
do meu rosário.
Nas contas de meu rosário eu canto, eu grito, eu calo.
Do meu rosário eu sinto o borbulhar da fome
No estômago, no coração e nas cabeças vazias.
Quando debulho as contas de meu rosário,
eu falo de mim mesma em outro nome.
E sonho nas contas de meu rosário lugares, pessoas,
vidas que pouco a pouco descubro reais.
Vou e volto por entre as contas de meu rosário,
que são pedras marcando-me o corpo-caminho.
E neste andar de contas-pedras,
o meu rosário se transmuda em tinta,
me guia o dedo,
me insinua a poesia.
E depois de macerar conta por conto do meu rosário,
me acho aqui eu mesma
e descubro que ainda me chamo Maria.
(Poemas de recordação e outros movimentos, p. 16-17 - Conceição Evaristo).

1. Conceição Evaristo, além de falar da posição afrodescendente, também


representa a voz da mulher negra periférica, o que a coloca em uma condição
multiplamente marginal (a de negra, a de mulher e a de periférica).

a) Identifique no poema um trecho que revela a segregação racial da mulher negra


na sociedade.

2. De acordo com o Dicionário dos Direitos Humanos, pertencimento ou sentimento


de pertencimento é: “[...] crença subjetiva numa origem comum que une distintos
indivíduos. Os indivíduos pensam em si mesmos como membros de uma
coletividade na qual símbolos expressam valores, medos e aspirações. Esse
sentimento pode fazer destacar características culturais e raciais.”

a) No poema há um forte sentimento de pertencimento racial. Cite uma expressão


(palavra) usada pelo eu poético que remete a uma coletividade.

b) Que referências, no poema, reforçam as características culturais desse grupo?


Identifique.

3. Pesquisas recentes apontam que as mulheres negras são as mais desfavorecidas


em relação ao ingresso na universidade e no mercado de trabalho. Desse modo,
seu rendimento salarial médio é o mais baixo do Brasil, chegando a ser até 70%
menor do que o das mulheres brancas. Além disso, elas têm maior carga de
trabalho doméstico e menor acesso a saneamento básico e serviços de saúde**.
O relato a seguir, escrito por Conceição Evaristo, é bem elucidativo nesse
sentido. Leia-o com atenção para responder ao que se pede:

“Mãe lavadeira, tia lavadeira e ainda eficientes em todos os ramos dos


serviços domésticos. Cozinhar, arrumar, passar, cuidar de crianças.
Também eu, desde menina, aprendi a arte de cuidar do corpo do outro. Aos
oito anos surgiu meu primeiro emprego doméstico e ao longo do tempo,
outros foram acontecendo. Minha passagem pelas casas das patroas foi
alternada por outras atividades, como levar crianças vizinhas para escola, já
_____________________________________________________________________________
**Para maior aprofundamento, ver pesquisa realizada pelo IBGE, intitulada “Desigualdades Sociais por
Cor ou Raça no Brasil: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf e
pesquisa realizada pelo IPEA, intitulada “BRASIL - Retrato DAS DESIGUALDADES: GÊNERO E RAÇA:
https://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/primeiraedicao.pdf
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que eu levava os meus irmãos. O mesmo acontecia com os deveres de


casa. Ao assistir os meninos de minha casa, eu estendia essa assistência
às crianças da favela, o que me rendia também uns trocadinhos. Além
disso, participava com minha mãe e tia, da lavagem, do apanhar e do
entregar trouxas de roupas nas casas das patroas. Troquei também horas
de tarefas domésticas nas casas de professores, por aulas particulares, por
maior atenção na escola e principalmente pela possibilidade de ganhar
livros, sempre didáticos, para mim, para minhas irmãs e irmãos.” (Conceição
Evaristo - depoimento concedido durante o I Colóquio de Escritoras Mineiras, realizado em
2009, na faculdade de Letras da UFMG - disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/188-conceicao-evaristo (acesso em 12/07/2021).

a) Cite uma passagem do poema “Meu rosário” que esteja associada às péssimas
condições de trabalho da mulher negra, em geral, e da poeta, em particular.

b) Releia os versos “nas contas do meu rosário eu teço intumescidos sonhos de


esperança” e responda: levando-se em consideração o espaço que Conceição
Evaristo ocupa na literatura afro-brasileira produzida por mulheres, a que estariam
relacionados esses “sonhos”?

c) Em sua opinião, a literatura produzida por Conceição Evaristo e por outras autoras
negras tem importância social? Explique!

4. Ao desfiar seu rosário, o eu poético denuncia alguns problemas enfrentados


pelos negros:
- o trabalho extenuante: “as contas do meu rosário fizeram calos/ em minhas
mãos,/ pois são contas do trabalho na terra, nas fábricas,/ nas casas, nas escolas,
nas ruas, no mundo.”

- a privação: “do meu rosário eu sinto o borbulhar da fome no estômago, no


coração e nas cabeças vazias.”

a) A denúncia feita, no poema, sobre a situação do negro refere-se a uma realidade


situada historicamente tanto no passado quanto no presente. Reflita sobre essa
afirmação e justifique.

b) Em sua opinião, o que essa sincronia entre o passado e o presente sugere sobre a
condição do negro?

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