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O IBGE e a regionalização
oficial do Brasil

Neste capítulo, conheceremos a história do principal


produtor de conhecimentos estatísticos e conhecimentos relacio-
nados às geociências no Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). Desde sua fundação, a obtenção de dados, a
disseminação e a produção de documentos oficiais – que não se
baseiam apenas na criação de políticas públicas – são fontes de
dados para a academia. Toda a regionalização oficial do Brasil é feita
por estudos do IBGE, além disso, seus dados também são utilizados
por outras propostas de regionalização. Deste capítulo em diante,
iniciaremos uma compreensão das regionalizações oficiais (e outras
propostas), buscando entender como se levantam dados e como
esses são dispostos para o estudo das regiões brasileiras.
Geografia Regional do Brasil

4.1 O IBGE: história e influência na


geografia regional brasileira
O Instituto Nacional de Estatística (INE) foi criado em 1936 devido à
carência de órgãos específicos e articulados para a realização de levantamentos
estatísticos no país. No entanto, as bases de sua fundação datam do ano de
1931, com a proposta de um projeto de lei que alterou a Constituição e ins-
tituiu a Lei da Estatística ou Estatuto Orgânico da Estatística Brasileira, para
normalizar um sistema estatístico em âmbito nacional.
Após a instalação do INE, em 1936 foi realizada a Convenção Nacional
de Estatística, com o objetivo de estabelecer um acordo entre a União, os esta-
dos, territórios, municípios e até mesmo entidades privadas. De acordo com
Gonçalves (1995), a intenção dessa convenção era deixar gradativamente sob
influência do INE, todos os esforços e recursos já disponibilizados ou que
viessem a ser disponibilizados em relação à estatística. Nessa mesma conven-
ção foi regulamentado o Conselho Nacional de Estatística (CNE), que viria a
ser o colegiado responsável pelo INE.
Já o Conselho Brasileiro de Geografia (CBG), criado nos mesmos mol-
des de cooperação interadministrativa do INE, foi também parte estrutu-
rante do Instituto. Criado em 1937 e autorizado a aderir à União Geográfica
Internacional (IGU), o órgão ficou responsável também por centralizar e
coordenar as atividades geográficas nacionais.
Por meio do Decreto-Lei n. 218, em 26 de janeiro de 1938, foi criado o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Instituído no governo
de Getúlio Vargas, o IBGE substituiu dois órgãos governamentais voltados
a análises estatísticas – o INE e o CBG – e se tornou uma autarquia ligada
diretamente à Presidência da República, composta de dois colegiados autô-
nomos: o CNE e o Conselho Nacional de Geografia (CNG). Segundo Penha
(1993), a nova nomenclatura do Conselho Brasileiro de Geografia ocorreu da
necessidade de estabelecer certa harmonia entre os dois órgãos técnicos, bem
como a padronização das nomenclaturas.
O então novo órgão foi dividido em três áreas informacionais: estatís-
tica geográfica/geodésica e cartográfica. Além disso, cada um dos conselhos
passou a ser dirigido por um secretário-geral, que respondia diretamente à

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O IBGE e a regionalização oficial do Brasil

presidência do IBGE. O primeiro grande projeto desenvolvido pelo CNG,


ainda realizado no ano de 1938, ficou conhecido como Lei Geográfica do
Estado Novo. De acordo com Almeida (2000), esse projeto tinha a finalidade
de redefinir os limites municipais e resolver dois problemas:
Organizar espacialmente as malhas distrital e municipal, definindo os
parâmetros mínimos em termo de área e de tamanho populacional,
para dar garantias ao princípio da “autonomia municipalista”. Isto é,
evitar o fracionamento excessivo dos municípios, evitando unidades
sem as mínimas condições de sustentabilidade.
Contar com um mapeamento em escala de detalhe de todos os muni-
cípios brasileiros para estruturar os trabalhos de campo do futuro
censo de 1940 e contar com informações cartográficas que dessem
suporte aos trabalhos de mapeamento da carta do Brasil ao milioné-
simo. Neste contexto, estavam também os estudos sobre determina-
ção de áreas urbanas e rurais.
Os municípios teriam de apresentar seus mapas municipais até o final
do ano de 1939, enviando uma cópia para o IBGE, que o utilizaria
no planejamento de organização dos setores censitários. (ALMEIDA,
2000, p. 67)

Esse projeto resultou na Exposição Nacional dos Mapas Municipais.


Realizada no ano de 1940, a apresentação do evento – na cidade de Curitiba
– contou com a presença do presidente Getúlio Vargas. Esse projeto também
serviu como base para o primeiro período de atividades geodésicas sistemáti-
cas no qual o IBGE realizou e levantou as coordenadas geográficas das cida-
des brasileiras para o mapeamento do país. Além disso, foram frutos desse
período a estruturação das redes de medições altimétricas, planimétricas e
gravimétricas, o surgimento de cartas topográficas em diferentes escalas e a
elaboração do Atlas do IBGE.
Apos a promulgação da Lei Geográfica do Estado Novo, foi realizado o
primeiro recenseamento sobre responsabilidade do IBGE (o quinto do país).
Em 2 de fevereiro de 1938 foi criada a Comissão Censitária Nacional, pelo
Decreto-Lei n. 237, que deu início ao processo regulatório para a realiza-
ção do censo demográfico. Para tanto, foi instituído o Serviço Nacional de
Recenseamento e as normas legais para a realização do recenseamento nacional
a cada dez anos.
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Geografia Regional do Brasil

O IBGE conta com serviço gráfico próprio desde sua fundação. No ano
de 1953 foi criada a Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), a pri-
meira faculdade de Estatística no país. Essa instituição era voltada para a for-
mação de profissionais de nível superior, com o objetivo de suprir as crescen-
tes e complexas pesquisas estatísticas do país e capacitar servidores do IBGE.
A estrutura do Instituto, baseada na intercooperação1 administrativa,
ficou responsável pelos recenseamentos dos anos 1940, 1950 e 1960. Além
disso, também ficou a cargo do IBGE levantamentos realizados nos inter-
valos dos censos e a atualização de dados referentes ao território nacio-
nal. Em 1967, a autarquia foi transforada em fundação subordinada ao
Ministério do Planejamento e Coordenação Nacional, fato que lhe con-
cedeu autonomia administrativa e financeira. Os Conselhos Nacionais de
Estatística e Geografia se tornaram institutos, e o mesmo ocorreu com a
Escola Nacional.
O IBGE continuou como órgão central em relação aos institutos e
coordenou as atividades dos sistemas de geografia e estatística nacional. Em
1970 foi realizado o oitavo censo nacional, que englobou aspectos demográ-
ficos, agropecuários, de serviços, industriais e comerciais. No ano seguinte foi
criado o Instituto Brasileiro de Informática para processamento de dados e
modernização dos métodos computacionais. Em 1973 ocorreu uma grande
mudança em sua estrutura. Foi suprimida a autonomia dos quatro institutos,
que passaram por um processo de integração dos serviços geográficos, estatís-
ticos, geodésicos e cartográficos.
Atualmente, a estrutura do IBGE conta com três colegiados de dire-
ção superior, um órgão de assistência direta à presidência, três órgãos
seccionais, três diretorias técnicas, um Centro de Documentação e
Disseminação de Informações (CDDI) e a Escola Nacional de Ciências
Estatísticas (ENCE). Além disso, o IBGE possui unidades estaduais em
todas as capitais do país.
1 O termo intercooperação é comumente associado ao cooperativismo, isto é, modo de organiza-
ção socioeconômica em que as cooperativas são os principais agentes na produção e distribui-
ção de bens. No entanto, aqui ele assume outro sentido. Quando citamos a intercooperação, na
verdade nos referimos à integração das ações cooperadas entre instituições administrativas de
governo para a criação e disseminação de conhecimentos geográficos e estatísticos.
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4.2 A produção e disseminação de


conhecimentos por meio do IBGE
Desde sua criação, o IBGE atuou ativamente na formulação e dissemi-
nação do conhecimento geográfico. Uma de suas primeiras ações foi relacio-
nada a atividades voltadas para o corpo docente dos três níveis de ensino.
Almeida (2000) ressalta que esse processo foi iniciado em meados dos anos
1930, com a realização de cursos informacionais sobre a importância do
recenseamento. Em 1940, esses cursos foram ministrados ao corpo docente
do Ensino Fundamental do Rio de Janeiro. Além disso, foram também ela-
boradas pelo IBGE diversas resoluções que demonstram esse envolvimento,
como verificamos a seguir:
RESOLUÇÃO AG/CNG N. 112, DE 03 DE JULHO DE 1942 –
Organiza o Curso de Informações, anexo às sessões da Assembleia.
RESOLUÇÃO DC/CNG N. 117, DE 02 DE DEZEMBRO DE
1942 – Determina a realização de reuniões de geógrafos e professores
de geografia.
RESOLUÇÃO AG/CNG N. 183, DE 12 DE JULHO DE 1946 –
Institui um Serviço de Excursões de Estudos, destinado a facilitar o
conhecimento das paisagens brasileiras pelos interessados
RESOLUÇÃO AG/CNG N. 187, DE 12 DE JULHO DE 1946
– Sugere a criação da cadeira de Geografia Regional nas Faculdades
de Filosofia e renova a recomendação quanto à separação nessas
Faculdades dos cursos de Geografia e de História.
RESOLUÇÃO DC/CNG N. 243, DE 03 DE JUNHO DE 1946
– Institui o segundo Curso de Informação Geográfica, destinado aos
professores de geografia do ensino secundário. (IBGE, 2016, p. 17,
68, 84, 85)

Nesse mesmo ano, foram realizadas a 1ª Conferência Nacional de


Educação e a 1ª Conferência Nacional de Saúde. Nesses eventos, o IBGE
produziu uma obra que se tornou um marco no processo de difusão dos
conhecimentos estatísticos, geográficos e cartográficos para o mundo do
ensino (ALMEIDA, 2000, p. 283). Essa obra, composta de dois volumes e
chamada de O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a educação, trazia
em sua primeira parte artigos de importantes intelectuais da época, como Rui
Barbosa (1849-1923), Lourenço Filho (1897-1970), Oziel Bordeaux Rêgo
(1874-1926), entre outros. Já o segundo volume, composto de 24 seções,
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Geografia Regional do Brasil

discutia diversos temas, como grafia da toponímia nos mapas, o ensino da


Geografia, estatísticas educacionais, entre outros.
Os cursos ministrados nos períodos de férias também foram de
grande importância na disseminação dos conhecimentos geográficos. Eles
eram de altíssima qualidade, com grandes professores e excelente organi-
zação didática.
Com o passar do tempo e o avanço tecnológico, a aquisição de programas
de mapeamento, sistemas de informação geográfica, programas estatísticos e
outras tecnologias aumentaram a produção e o conhecimento dos geógrafos e
deram uma nova ótica para a transposição dos conhecimentos geográficos.
O processo de contagem da população é uma ferramenta de grande poten-
cial para estudos com diversas finalidades. Por meio desse processo, é possível
conhecer de maneira mais aprofundada características específicas de determi-
nado grupo embasado em levantamentos da realidade socioeconômica.
O recenseamento permite conhecer a extensão de um recurso – que
implica também em um custo –, no caso, a população. Por meio da imagem
do número o Estado ou qualquer tipo de organização, o recenseamento pro-
cura aumentar sua informação sobre um grupo e, consequentemente, seu
domínio sobre ele (RAFFESTIN, 1993).
Observe a seguir um quadro-resumo dos principais resultados obtidos
nos processos de recenseamentos e como eles podem influenciar diretamente
questões sociais, ambientais, populacionais, econômicas, entre outras.
Quadro 1 – Principais resultados obtidos em recenseamentos.

1. Acompanhamento do crescimento, da distribuição geográfica e da evo-


lução de outras características da população ao longo do tempo.

2. Identificação de áreas de investimentos prioritários em saúde,


educação, habitação, saneamento básico, transporte e energia.
Programas de assistência à infância e à velhice, que possibilitam a
avaliação e revisão da alocação de recursos públicos e privados.

3. Seleção de locais que necessitam de programas de estímulo ao


crescimento econômico e ao desenvolvimento social.

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4. Apresentação de referências para projeções populacionais nas quais o


Tribunal de Contas da União (TCU) define as cotas do Fundo de Participação
dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
5. Fornecimento de referências para as projeções populacionais nas quais
é definida a representação política do país, como o número de depu-
tados federais, estaduais e vereadores de cada estado/município.
6. Fornecimento de parâmetros para conhecer e analisar o perfil da
mão de obra em nível municipal, informação de grande importân-
cia para organizações sindicais, profissionais e de classes, assim
como para decisões de investimentos do setor privado.
7. Determinação de critérios para selecionar locais para a instalação de fábri-
cas, shopping centers, escolas, creches, cinemas, restaurantes etc.
8. Fundamentação de diagnósticos e reivindicações feitas por cida-
dãos, de maior atenção dos governos estadual/municipal para pro-
blemas locais e específicos, como de insuficiência das redes de
água e esgoto, atendimento médico, atendimento escolar etc.

9. Subsídios para comunidades acadêmicas e


­técnico-científicas em seus estudos e projetos.

Fonte: Elaborado com base em IBGE, 2010.


No Brasil, a primeira lei referente ao processo de recenseamento é datada
de 1870. Ela determinava a contagem da população do Império, assim como
a criação de uma Diretoria Geral de Estatística. Além disso, a lei estabelecia
como meta a contagem populacional nacional e estrangeira, livres e escravos,
presentes e ausentes (OLIVEIRA; SIMÕES, 2005).
Os recenseamentos ocorreram nos anos de 1872, 1890, 1900 e 1920 e
voltaram a serem refeitos, como já mencionamos, somente no ano de 1940,
com a instituição do IBGE. Com uma nova metodologia e cuidadoso pla-
nejamento, o Censo forneceu dados demográficos sobre migrações internas,
fecundidade e mortalidade da população brasileira. Aspectos físicos também
foram levados em conta.
Os censos de 1940 e 1950 colaboraram efetivamente para os estudos
demográficos no país. Graças às metodologias inovadoras do demógrafo
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Geografia Regional do Brasil

italiano Giorgio Mortara (1885-1967) – consultor técnico da Comissão


Censitária Nacional –, foram analisadas informações estatísticas até então iné-
ditas no país. A pesquisa englobou dados demográficos, agrícolas, industriais,
comerciais e de serviços, transportes e comunicações. A partir de 1950, para
o conhecimento das condições socioeconômicas e domiciliares, iniciou-se a
coleta de informações em áreas de favela (GONÇALVES, 1995). Também
no recenseamento dessa época foram coletados dados referentes à População
Economicamente Ativa (PEA), e realizadas a divisão da população em grupos
de cores (brancos, pretos, partos e amarelos) e a separação entre atividade não
remunerada e ocupação.
Em 1960, foi reorganizado o questionário de coleta de informações com
a inserção de um questionário básico e outro mais amplo, empregandando-se
pela primeira vez técnicas de amostragem. Nesse mesmo censo, de acordo
com Nascimento (2006), acompanhou-se os deslocamentos das populações
do campo para a cidade e de regiões mais pobres para mais ricas, como os
casos de Rio de Janeiro e São Paulo. Os resultados obtidos demonstraram o
aumento da população em favelas, o desemprego e a incorporação de desem-
pregados e a população economicamente ativa.
O Censo de 1970, como afirma Oliveira e Simões (2005), foi um divi-
sor de águas no que diz respeito a organização, detalhes e confiabilidade dos
números levantados. Os critérios de amostragem foram os mesmos, porém
seus resultados foram amplamente analisados. A distribuição de renda, o
mercado de trabalho e a educação foram estudadas com destaque para as
desigualdades regionais.
Em 1980, o Censo foi marcado pelo avanço tecnológico. A utilização
de um sistema informatizado de acompanhamento da coleta permitiu pela
primeira vez que os resultados preliminares saíssem no mesmo ano em que a
pesquisa foi realizada. Segundo Nascimento (2006), no que se refere a dados
familiares, foram realizadas algumas inovações. Uma delas diz respeito à che-
fia do domicílio, que passou a ser desempenhada por homens e mulheres.
Notou-se também a outra face do chamado milagre econômico brasileiro, que
contava com crescente pobreza e desigualdade na sociedade.
Em 1991, com um ano de atraso devido a questões financeiras, foi
realizado o Censo demográfico somente com algumas inovações. Renda e
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O IBGE e a regionalização oficial do Brasil

escolaridade do chefe do domicílio foram inseridas, além da pesquisa por


deficiência física e mental. Já o Censo de 2000 acompanhou o processo de
avanço tecnológico mundial e permitiu a coleta por meio da internet, com
automação e tabulação dos dados e processos de codificação.
O Censo de 2010 é o maior e mais recente realizado. Devido ao elevado
número de habitantes do nosso país – 190.732.694 pessoas em 2010, hoje
somos estimados em 207,7 milhões –, foi necessário um maior contingente
de funcionários, o que também aumentou os gastos para sua realização. Foram
contratadas aproximadamente 240 mil pessoas paras as atividades de coleta,
supervisão, apoio e funções administrativas, com orçamento para o projeto de
R$ 1,4 bilhão.
Os avanços obtidos nesse processo foram diversos. Podemos destacar a
construção de uma base territorial digital, com a integração de mapas urba-
nos e rurais, a incorporação do Cadastro Nacional de Endereços para Fins
Estatísticos (CNEFE), a utilização de computadores de mão com GPS que
permitem referenciar elementos físicos e o preenchimento de questionários
por meio da internet.
Notadamente, o recenseamento é uma poderosa ferramenta de conheci-
mento da população. Como afirma Raffestin (1993), ele é um saber, portanto
também é um poder. O Estado, por meio do IBGE, detém essas informações
e procura trabalhá-las da melhor maneira possível. Um exemplo disso está
na questão da fome. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e
a Agricultura (FAO) divulga desde 1990 o Mapa da Fome. Esse documento
indica os países em que parte da população ingere uma quantia diária de calo-
rias menor do que a recomendada. Os programas sociais iniciados nos gover-
nos de Fernando Henrique Cardoso, ampliados e melhorados nos governos
Lula, possibilitaram o surgimento de novos programas de combate à fome no
segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (1947-). Pela primeira vez o
Brasil saiu do Mapa da Fome.
No site2 do IBGE é possível encontrar todas as informações estatísticas
referentes ao recenseamento no Brasil. Essa não é apenas uma importante ferra-
menta de estudo governamental, ela é também importante para nós, geógrafos.
2 Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/>. Acesso em: 11 jan. 2018.
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Geografia Regional do Brasil

4.3 A regionalização oficial do Brasil


Em nosso primeiro capítulo, dialogamos sobre o conceito de região e sua
transformação ao longo do tempo e do espaço e como, de maneira unificada,
as regionalizações oficiais criadas pelo IBGE passaram pelas mesmas etapas.
As regionalizações nada mais são do que a materialidade, a expressão final dos
discursos presentes nas definições de região. Milton Santos (1994) ressalta
a urgência de compreender o espaço geográfico pela base temporal. Com o
conceito de região não poderia ser diferente, e, consequentemente, não pode-
ria ser diferente com as propostas oficiais de regionalização.
Com isso, o autor reforçou a mutação pela qual o conceito passou e
passa durante o desenvolvimento do pensamento geográfico. Apesar de ser
“vendido” como um conceito estável, concreto e símbolo da geografia unitá-
ria, isto é, sem a dicotomia de física e humana, analisá-lo é também analisar
sua contínua transformação.
As primeiras tentativas de regionalizar o território brasileiro remetem
ao ano de 1889. André Rebouças (1838-1898), que organizou os estados
federativos na ocasião, também organizou o país em dez regiões sob uma
perspectiva das relações humanas, em especial a agricultura. Em 1893, o fran-
cês Élisée Reclus (1830-1905), com base no conceito de região natural, deu
forte ênfase ao papel das bacias fluviais e regionalizou o Brasil em oito regiões.
Fundamentado em uma regionalização influenciada pelo possibilismo e pela
geografia de Vidal de La Blache, Delgado de Carvalho (1884-1980) reali-
zou em 1913 as primeiras monografias regionais e propôs a adoção de cinco
regiões geográficas.
Nos mapas a seguir, verificamos que outras regionalizações foram pro-
postas, todas com a presença dos limites estaduais bem definidos e fortemente
relacionadas às definições de região natural e do possibilismo. Isso se dá espe-
cialmente pelo papel político-administrativo dado aos estados federativos.
Além disso, notamos um maior enfoque dado aos municípios, especialmente
após a Constituição Federal de 1988. Essa escala administrativa também
modificou as regionalizações.

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O IBGE e a regionalização oficial do Brasil

Figura 1 – Primeiras propostas de regionalização do território brasileiro.


a) André Rebouças (1889)
Zona Agrícolas
I - Amazônia
II - Parnaiba
III - Ceará
IV - Parnaiba do norte
V - São Francisco
VI - Parnaiba do sul
VII - Paraná
VIII - Uruguai
IX - Auro-Ferrifero
X - Central

b) Elisée Réclus (1893)


Região natural
I - Amazônia
II - Vertentes do Tocantins
III - Costa Equatorial
IV - Bacia do São Francisco
V - Bacia do Paraíba
VI - Vertente do Paraná e
Contravertente Oceânica
VII - Vertente do Uruguai e Litoral Adjacente
VIII - Mato Grosso

c) Delgado de Carvalho (1913)


Região Natural
I - Brasil Setentrional ou Amazônico
II - Brasil Norte-Oriental
III - Brasil Orienta
IV - Brasil Meridional
V - Brasil Central

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Geografia Regional do Brasil

d) Betim Paes Leme (1937)


Zonas Estruturais
I - Sedimentar
II - Intermediária
III - Estabilizada por peneplanização
IV - Intermediária
V - Reajustamento Isostático atual
VI - Estabilizada
VII - Erosão

e) Instituto Brasileiro de Geografia


e Estatística (1938)
Proposta com fraca base geográfica
baseada apenas na localização

f ) Moacir Silva (1939)


Região Geográfica
Proposta baseada na obra de
Delgado de Carvalho

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O IBGE e a regionalização oficial do Brasil

e) Conselho Técnico de Economia e


Financeira (1939)
Zonas geo-econômicas
I - Norte
II - Nordeste
III - Sudeste
IV - Sul
V - Centro

Fonte: GUIMARÃES, 1941, p. 343.


Na década de 1940, houve a necessidade de instituir uma regionalização
oficial que dividisse o território nacional, principalmente para o levantamento
de informações estatísticas e para fins educativos da geografia. Assim, em
1942, o Conselho Nacional de Geografia (CNG), por meio do IBGE, criou
cinco grandes regiões, 30 regiões, 79 sub-regiões e 228 zonas fisiográficas.
Essa escolha por zonas fisiográficas se deu pela ideia de que as regiões necessi-
tavam de estabilidade. Para tal, os aspectos naturais seriam os mais adequados;
além disso, cada região deveria corresponder em sua totalidade a parte de um
todo, a parte de um conjunto nacional. Em síntese, com base nesse aspecto
metodológico “tais partes não [eram] escolhidas arbitrariamente, mas sim
[obedeciam] à disposição determinada pela natureza, de modo que cada uma
delas apresenta[va] uma certa unidade de conjunto, resultante da correlação
entre os diversos fatos geográficos que nela se [observavam]” (GUIMARÃES,
1941, p. 318).
Entre as inter-relações dominantes estavam aquelas relacionadas ao clima,
à vegetação e ao relevo. A região era uma representação espacial de uma homo-
geneidade do território e de aspectos relacionados ao meio físico. No mapa a
seguir, verificamos o que pode ser considerada a primeira regionalização oficial
do Brasil.

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Geografia Regional do Brasil

Mapa 1 – Divisão Regional do Brasil em zonas fisiográficas (1942).

Fonte: IBGE, 2018a.


Esse enfoque na região natural e em aspectos do meio físico estavam mais
perceptíveis em escalas menores, ou seja, em grandes regiões, regiões e sub-re-
giões. As zonas fisiográficas se aproximam dessa forma por meio de uma visão
mais possibilista, em que a diferenciação se dá, especialmente, por aspectos
socioeconômicos, o que pode parecer contraditório com a nomenclatura uti-
lizada. As diferenças entre a regionalizações fisiográficas de 1942 e 1960 estão
principalmente nos processos de interiorização e urbanização, vinculados aos
projetos de integração nacional dessas décadas, e no avanço teórico metodo-
lógico em relação à regionalização no Brasil. Desde então, pouco mudou na
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O IBGE e a regionalização oficial do Brasil

organização estabelecida a partir da década de 1970 acerca das grandes regiões


brasileiras. No Mapa 2, notamos que essa atual regionalização tem um enfo-
que muito mais didático e permanece dividida em cinco grandes áreas.
Mapa 2 – Regionalização oficial do IBGE.

Norte
Sul
Sudeste N

Nordeste
Centro-Oeste 0 415 830 1.660 Km

Fonte: Elaborado pela autora com base em IBGE, 2018b.


A falta de consenso sobre o emprego de região homogênea não se limi-
tou ao meio científico e teve reflexos dentro do IBGE, fato que levantou mui-
tas discussões para a adoção de uma nova regionalização, baseada em critérios
das microrregiões homogêneas. Um dos principais entraves foi a compati-
bilidade dos dados estatísticos de séries históricas. A inserção geoeconômica
produziu debates sobre espaços homogêneos e polarizados, fluxos espaciais de
bens e capitais. Além disso, enfatizava-se que uma regionalização baseada no
desenvolvimento econômico seria mais eficiente.
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Geografia Regional do Brasil

O mapa de microrregiões homogêneas de 1968 (Mapa 3) representa um


diagnóstico econômico e urbano nos processos de organização do espaço geo-
gráfico em âmbito nacional. Essa regionalização se deu com base em dados
obtidos no Censo Demográfico de 1960 e nas estatísticas econômicas de 1965,
sobretudo da agricultura e da indústria. Nesse sentido, esse mapa representa
um marco para compreender o cenário brasileiro antes dos efeitos causados
pelos longos anos de intervenção militar instituída após o Golpe de 1964.
Mapa 3 – Microrregiões homogêneas (1968), primeira regionalização
baseada em aspectos econômicos e demográficos.

Fonte: IBGE, 2018a.

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O IBGE e a regionalização oficial do Brasil

No entanto, apenas após o ano de 1971 que a terminologia regiões


homogêneas foi adotada para substituir as antigas zonas fisiográficas. Em
1976, foram definidas as mesorregiões, que formaram 86 agrupamentos de
microrregiões. Essa unidade intermediária de regionalização já estava pre-
vista e foi executada apenas nessa ocasião. Esse mapa foi uma escala da orga-
nização regional intermediária, relevante naquele contexto para planejamen-
tos estratégicos.
Mapa 4 – Mesorregiões homogêneas (1976).

Fonte: IBGE, 2018a.

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Geografia Regional do Brasil

Entre os anos de 1979 e 1988 houve a atualização da regionalização


do país. Nesse período foi desmembrado o estado de Mato Grosso e criado
o estado do Mato Grosso do Sul. Além disso, Tocantins foi desmembrado
de Goiás e os territórios federais de Rondônia, Roraima e Amapá passaram
à categoria de estado. No entanto, essa regionalização, baseada em espaços
homogêneos, não era eficaz, principalmente para análises focadas em desi-
gualdades, uma das lacunas causadas pela organização em mesorregiões e
microrregiões homogêneas. Em 1989 foram criadas as mesorregiões e micror-
regiões geográficas.
As mudanças no processo de desenvolvimento capitalista nas décadas
de 1960 a 1980 modificaram em grande escala – e de maneira diferenciada
– o território nacional. Nos estudos, a desigualdade na organização espacial
foi resultado dos processos de desenvolvimento capitalista causados espe-
cialmente pelo papel do Estado e a subordinação ao capital (IBGE, 2018a).
Nessa nova regionalização os estados federativos foram adotados como uni-
verso de análise:
Entende-se por Mesorregião uma área individualizada, em uma
Unidade da Federação, que apresenta forma de organização do espaço
geográfico definidas pelas seguintes dimensões: o processo social,
como determinante; o quadro natural, como condicionante; e a rede
de comunicação e de lugares, como elemento da articulação espa-
cial. Essas três dimensões possibilitam que o espaço delimitado como
Mesorregião tenha uma identidade regional. Essa identidade é uma
realidade construída ao longo do tempo pela sociedade que aí se for-
mou. (IBGE, 2018a, p. 71)

Enquanto a mesorregião tinha esse caráter totalizante, a microrregião,


em oposição, não buscava uma homogeneidade ou autossuficiência em rela-
ção às demais escalas de regionalização e organização do território nacional.
Sua regionalização foi baseada em suas especificidades – de cunho econômico
e de produção agropecuária –, mas também nos demais setores da economia.
No Mapa 5, verificamos que as microrregiões e mesorregiões geográficas
de 1990 apresentaram um cenário brasileiro bem distinto do demostrado
pela regionalização de 1970. Claramente, as mudanças da organização espa-
cial são um dos motivos, mas as escolhas metodológicas devem ser bem com-
preendidas antes de correlações diretas.
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O IBGE e a regionalização oficial do Brasil

Mapa 5 – Meso e microrregiões geográficas (1990).

Fonte: IBGE, 2010.


Na busca de incorporar as mudanças ocorridas nesses últimos anos,
foi lançado em 2017 a Divisão Regional do Brasil em Regiões Geográficas
Imediatas e Regiões Geográficas Intermediárias.
Com uma nova abordagem teórico metodológica, baseada em autores
como Haesbaert e em processos de fragmentação e articulação do territó-
rio brasileiro, a região passou a ser compreendida como uma construção do
conhecimento geográfico. Os estudos antigos são considerados, especialmente
– 83 –
Geografia Regional do Brasil

elementos concretos da espacialidade nacional. Dentre eles, destacam-se a rede


urbana – principal componente para a regionalização das Regiões Geográficas
Imediatas –, que tem como ponto focal os centros urbanos e suas relações
socioeconômicas com o entorno. Já as Regiões Geográficas Intermediárias
são embasadas na relação com metrópoles ou capitais regionais e estão funda-
mentadas em estudos de redes e hierarquias urbanas.
Observamos nos mapas 6 e 7 que a nova regionalização do território
brasileiro publicada em 2017 servirá de base para a divulgação dos dados da
próxima década.
Mapa 6 – Divisão regional do Brasil em Regiões Geográficas Imediatas (2017).

Fonte: IBGE, 2018a.


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O IBGE e a regionalização oficial do Brasil

Mapa 7 – Divisão regional do Brasil em Regiões Geográficas Intermediárias


(2017).

Fonte: IBGE, 2018a.


Essa nova regionalização tem por objetivo subsidiar as políticas públi-
cas de gestão e planejamento e servir de escala de divulgação de dados esta-
tísticos/geográficos, em especial para o Censo de 2020. Outras formas de
regionalização, criadas por estudos específicos do IBGE, podem ser consi-
deradas oficiais, no entanto, a divisão em Regiões Geográficas Imediatas e
Regiões Geográficas Intermediárias será adotada para divulgação e difusão
de conhecimento.
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Geografia Regional do Brasil

Conclusão
Mais importante que saber qual regionalização é adotada nos dias de
hoje, é imprescindível saber quais suas escolhas teóricas e metodológicas
já aprendemos. Para tanto, é sempre importante termos em mente que o
conceito de região, a regionalização e o espaço geográfico estão em cons-
tante transformação. Além disso, novas regionalizações surgirão. Cabe a nós
geógrafos compreendermos o modo como isso se dá para não cometer erros
interpretativos. Para isso, nos próximos capítulos vamos nos concentrar em
algumas técnicas e análises que podem nos ajudar nesse processo.

Ampliando seus conhecimentos


Em seu artigo “A divisão regional brasileira – uma revisão bibliográfica”,
Angélica Magnago fez uma ampla discussão sobre a apropriação do conceito
de região e como isso refletiu na regionalização do IBGE. Em sua conclusão,
podemos resumir algumas das principais reflexões da autora.

A Divisão regional brasileira – uma


­r evisão bibliográfica
(MAGNAGO, 1995, p. 86)

[...]
Apesar dessa variedade de enfoques, verificou-se um certo
grau de permanência das divisões macrorregionais, que, desde
1913, passaram por poucas alterações em suas concepções.
De fato, os recortes macrorregionais oficialmente adotados
sempre foram em número de cinco grandes áreas, sendo que
apenas algumas Unidades da Federação (MA, PI, BA, SE
e SP) alternaram, ao longo do tempo, sua inclusão nos blo-
cos regionais A preferência por uma nomenclatura baseada
na posição geográfica das áreas é outra característica das divi-
sões regionais adotadas, tendo sido marcante a utilização de
– 86 –
O IBGE e a regionalização oficial do Brasil

elementos do quadro físico na identificação e delimitação das


mesmas, apesar da evolução teórica já referida.
Outra constatação sobre a divisão regional brasileira refere-se
a seu sentido utilitário, já que as regiões vêm sendo oficial-
mente adotadas como base territorial para levantamento e
divulgação de dados estatísticos.
Em função desse fato, a delimitação das regiões segue os limi-
tes político-administrativos de suas unidades componentes,
ou seja, dos estados e dos municípios. Alterações em uma
dessas unidades podem ocasionar, portanto, modificação no
traçado das regiões. No caso dos espaços maiores, as alte-
rações processadas, ao longo do tempo, decorreram, prin-
cipalmente, da criação de novos estados e da passagem de
alguns territórios para a categoria de estados, sem modificação
quanto aos limites regionais. [...]

Atividades
1. Muitas são as possibilidades de uso dos dados e conhecimentos pro-
porcionados pelo IBGE para a formação do geógrafo. Realize uma
pesquisa sobre uma região que lhe interesse – por exemplo, análise das
pirâmides etárias dos estados da Região Nordeste, suas diferenças e
possíveis interpretações (políticas, econômicas sociais) – que você seja
capaz de executar com dados obtidos no site dessa instituição.

2. O que são censos demográficos e como eles auxiliam na formulação


de conhecimentos geográficos?

3. As primeiras regionalizações – ainda antes de sua institucionalização


com a criação do IBGE – possuíam quais características?
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Geografia Regional do Brasil

4. Pesquise sobre a divisão regional do Brasil em Regiões Geográficas Ime-


diatas e Regiões Geográficas Intermediarias de 2017 e faça um esquema
que englobe as principais características dessa nova regionalização. Para
obter essas informações,– acesse o documento do IBGE na íntegra3.

3 Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/apps/regioes_geograficas/>. Acesso em: 12 jan. 2018.


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