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DANIELA GIARETA DURANTE

APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL NA PERSPECTIVA


DO DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ESTUDO EM
EMPRESA VAREJISTA DE BASE FAMILIAR

Ijuí
2008
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2

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO


DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO

Daniela Giareta Durante

APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL NA PERSPECTIVA


DO DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ESTUDO EM
EMPRESA VAREJISTA DE BASE FAMILIAR

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em


Desenvolvimento, como requisito para obtenção
do título de mestre na área de concentração Gestão
de Organizações e do Desenvolvimento da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.

Professora Orientadora: Doutora Enise Barth Teixeira

Ijuí (RS)
2008
3

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul


Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

“APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL NA PERSPECTIVA DO


DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ESTUDO EM EMPRESA VAREJISTA
D E BA S E F A M I LI A R ”

elaborada por

DANIELA GIARETA DURANTE

como requisito parcial para a obtenção do grau de


Mestre em Desenvolvimento

Banca Examinadora:

Profª. Drª. Enise Barth Teixeira (UNIJUÍ): ________________________________

Prof. Dr. Altair Borgert (UFSC): __________________________________________

Prof. Dr. Telmo Rudi Frantz (UNIJUÍ): _________________________________________

Ijuí (RS), 26 de fevereiro de 2008.


4

À reflexão que vislumbrou essa possibilidade e


À ação perseverante que a tornou concreta,
Dedico!
5

AGRADECIMENTOS

À Unijuí, ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento e aos professores da linha


de pesquisa “Gestão de Organizações e do Desenvolvimento”, especialmente aos que tive o
privilégio de ser aluna, agradeço pelo ambiente de estudo e aprendizado que promovem, por
terem me desafiado a romper alguns preconceitos e contribuído intensamente em meu
desenvolvimento pessoal, profissional e social. Vivenciei acontecimentos marcantes e
experiências significativas nesses dois anos de formação. Sou grata!
À Capes, pelo auxílio financeiro que me concedeu e, por isso, permitiu que eu
experienciasse o processo de Mestrado mais tranqüila e voltando meu pensamento
principalmente ao aspecto intelectual. Agradeço!
À empresa investigada e sujeitos da pesquisa pela acolhida, presteza, carisma, e,
principalmente, pelas contribuições que concederam ao meu estudo, as quais permitiram que
eu entendesse melhor o caos e a complexidade das organizações, seus limites e possibilidades
na promoção do desenvolvimento humano. Meu reconhecimento!
Aos colegas de curso, essencialmente os da linha de pesquisa “Gestão de
Organizações e do Desenvolvimento” com quem tive a oportunidade de conviver por mais
tempo e compartilhar angústias, anseios e desejos pelo conhecimento. Vocês auxiliaram-me a
dissolver postulados e perceber alguns paradoxos. Obrigada!
Aos companheiros de viagem de Passo Fundo por tornarem o trajeto menos
desgastante e mais alegre. Agradeço pela força, amizade e gargalhadas que me
proporcionaram em momentos difíceis do processo e pelas caronas, é claro. Minha amizade!
6

À professora doutora Enise Barth Teixeira, minha sempre orientadora, um


agradecimento especial pela luz e olhar crítico durante o processo. Por ter me estimulado e
indicado as nuances da pesquisa; por ter acreditado na minha proposta de estudo e
compartilhado experiências, conhecimentos e angústias. Agradeço, principalmente, pela
compreensão, paciência e amizade. Meu respeito e admiração!
À professora doutora Maria Ester de Freitas (FGV) pela obra Viva a tese! Um guia de
sobrevivência, com a qual me confortei durante o processo e foi excepcional interlocutora.
Parabéns pela originalidade, inclusive da capa e do título. Agradeço!
À coordenação e colegas do curso de Secretariado Executivo Bilíngüe (UPF) meus
agradecimentos pelos incentivos e amizades. Aos alunos do curso pelo desafio e inspiração na
busca do conhecimento, sobretudo pela compreensão e paciência. Muito obrigada!
Aos meus pais Albino (in memorian) e Dalva, por terem me proporcionado acesso à
educação nas primeiras fases de formação, despertando-me o desejo pelo conhecimento. Ao
meu pai, pelo exemplo de luta pela família e pela saúde que, apesar das derrotas, sempre
demonstrou muita coragem e vontade de viver. Sou eternamente grata!
Aos meus irmãos Claudia, Andréia e Marcos Paulo, que apesar de não entenderem
meus sonhos e lutas, aceitam minhas escolhas e me oportunizam a experiência da doação, da
cumplicidade. Agradeço também aos meus sobrinhos e sobrinhas por terem aliviado meu
estresse nesse processo. Meu carinho!
Aos amigos e amigas, em especial aos vicentinos que apostaram nos meus valores e na
minha capacidade de me tornar gente. Ensinaram-me a sonhar e lutar pelos mesmos. Foram
alicerces e companheiros em momentos bastante difíceis e dolorosos. Obrigada pela amizade
e pelo aconchego. Vocês estão guardados “debaixo de sete chaves, dentro do coração”.
Ao meu esposo Claudimar Durante, por ter sonhado comigo, me apoiando em todos os
momentos, por ter superado a minha ausência; pelo carinho, aconchego e felicidade que me
proporciona. Minha gratidão!
A todas as pessoas e práticas produtivas e pedagógicas que inspiraram meu
pensamento e minha busca, sou eternamente agradecida.
7

RESUMO

A aprendizagem do trabalhador e a criação do conhecimento individual no universo


organizacional, constituem-se no foco de análise da presente investigação. O estudo se
identifica com a abordagem analítica e pretende instigar a reflexão e questionamentos em
torno de práticas de gestão, no que concernem às pessoas e à aprendizagem. Compreender o
processo de aprendizagem individual no espaço de trabalho, na perspectiva do
desenvolvimento humano, verificando políticas e práticas de gestão de pessoas que
contribuem para esse desenvolvimento, é o objetivo principal dessa pesquisa. A investigação
insere-se na abordagem interpretativista e foi orientada pelo método fenomenológico. O
problema foi desenvolvido na dimensão qualitativa, pois o objeto das Ciências Sociais é
essencialmente qualitativo, e é considerada de natureza aplicada. Em relação aos objetivos,
enquadra-se como exploratória e descritiva. O estudo de caso único foi realizado numa
empresa familiar, atuante no ramo varejista na Região Sul do país. Os sujeitos da pesquisa
correspondem a gestores e geridos da empresa. Os dados foram coletados principalmente por
meio de observações não-participantes e entrevistas semi-estruturadas por serem os
procedimentos usualmente utilizados nas pesquisas qualitativas. A análise de conteúdo foi a
técnica empregada para o tratamento dos mesmos. A investigação evidenciou que as práticas
de gestão de pessoas adotadas pela empresa, pelos processos de movimentação,
desenvolvimento e valorização que oportunizam aos trabalhadores, sobretudo os de educação
permanente, elucidam a presença do paradigma centrado na aprendizagem, da educação
corporativa e da dimensão social. Dessa forma, apesar dos limites e paradoxos inerentes a
todas as organizações, a empresa promove práticas adequadas ao desenvolvimento de seus
trabalhadores. No que diz respeito ao processo de aprendizagem (o que, como, quando e para
que aprendem), os momentos formais e informais de interação, discussão, leituras,
compartilhamento de experiências, satisfazem adequadamente o “quando”. A forma de
aprender, no entanto, encontra-se limitada por não provocar suficientemente a reflexão do
sujeito e, em última instância, a transformação da experiência. O conteúdo da aprendizagem
ao restringir-se, na maioria das vezes, a conhecimentos técnicos e operacionais com a
finalidade (para que) de realizar o trabalho com eficiência e eficácia, inibe a criação de
conhecimentos e sua disseminação; assim sendo, o desenvolvimento no plano profissional é
mais visível ao pessoal e social. Deste modo, nas organizações, bem como na analisada,
embora apreensão maior em torno do desenvolvimento do trabalhador seja demonstrada, na
prática, prevalece a gestão sistêmica-controladora em detrimento da processual-relacional.
Este estilo gerencial é característico da lógica taylorista-fordista, a qual dificulta a
aprendizagem de ciclo duplo e triplo, a gestão do conhecimento, o desenvolvimento humano
e, por conseguinte, a aprendizagem organizacional. Um ambiente, portanto, apropriado para o
desenvolvimento humano extrapola o contexto da racionalidade instrumental e do paradigma
de treinamento convencional, indicando a necessidade de práticas de gestão fundamentadas
no estilo processual-relacional e a emergência do paradigma centrado na aprendizagem, no
agir comunicativo e na razão substantiva.

Palavras-chave: Aprendizagem individual e organizacional. Desenvolvimento humano.


Gestão de pessoas. Empresa familiar.
8

ABSTRACT

The focuses of analysis in this investigation are the worker’s learning and the creation
of individual knowledge in the organizational universe. The study has features of the
analytical approach and intends to provoke thinking and questionings around the managing
practices, on what regards people and learning. To understand the individual learning process
in the working space, in the perspective of human development, verifying people who
contribute to this development managing policies and practices is the main objective of this
research. The investigation is inserted in the interpretativist approach and has been oriented
by the phenomenological method. The problem has been developed in the qualitative
dimension once the Social Sciences’ object is essentially qualitative, and is considered of
having applied nature. On what regards the objectives, it fits as being of exploratory and
descriptive. The only case study has been performed in a familiar company running the
business in the retail market in the southern region of Brazil. The research subjects correspond
to managers and managed ones in the company. The data has been collected mainly through
non-participating observations and semi-structured interviews for those are the most
frequently used procedures in the qualitative researches. The content analysis was the
technique used for the treatment of those. The investigation proved that the people managing
practices adopted by the company, by the processes of movement and valorisation that
promote workers, above all the ones of permanent education, to explain the presence of the
paradigm focused on learning, of corporate education and of social dimension. Thus, in spite
of the limits and paradoxes inherent to all organizations, the company promotes adequate
practices to its workers’ development. On what regards the learning process (what, how, when
and what they learn for) the formal and informal moments of interaction, discussion, reading
and experience sharing, appropriately satisfy the “when”. The way of learning, however, is
limited due to not provoking the subject’s thinking and, ultimately, the experience
transformation. The content of learning when restricted, most of times, to technical and
operational knowledge with the aim of (what for) performing a task with efficiency and
efficacy, inhibits the knowledge creation and its dissemination; thereby, the development in
the professional area is more visible to personal and social. Thus, in organizations, as well as
in the analysed one, even though the greater apprehension around the worker’s development
is shown, practically speaking the systems-control managing system prevails in detriment to
the process-relational. This managing style is characteristic of taylorist-fordist logic, which
hinders the double and triple loop learning, the knowledge managing, the human development
and, consequently, organizational learning. Therefore, an appropriate environment to human
development extrapolates the context of instrumental rationality and the conventional training
paradigm, indicating the need of practices of managing based upon the process-relational style
and the emergency of the paradigm focused on learning, on the communicative action and in
substantive reason.

Key words: Individual and organizational learning. Human development. People managing.
Familiar company.
9

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Abordagens das teorias de aprendizagem ..................................................... 35

Quadro 2 – Concepção de aprendizagem conforme corrente teórica .............................. 36

Quadro 3 – Processos de aprendizagem dos adultos na perspectiva de desenvolvimento 39

Quadro 4 – Sentidos do trabalho ...................................................................................... 45

Quadro 5 – Trabalho com e sem sentido .......................................................................... 47

Quadro 6 – Comportamentos essenciais para o autodesenvolvimento............................. 52

Quadro 7 – Configurações das organizações ................................................................... 61

Quadro 8 – Características dos quatro modelos gerenciais do século 20 ........................ 67

Quadro 9 – Comprometimento organizacional................................................................. 73

Quadro 10 – Mudanças no trabalho que afetam a gestão de pessoas ............................... 76

Quadro 11 – Mudanças e tendências relacionadas à gestão de pessoas ........................... 77

Quadro 12 – Gestão com pessoas orientada pela subjetividade ....................................... 78

Quadro 13 – Do paradigma de treinamento ao paradigma de aprendizagem .................. 79

Quadro 14 – Mudança de paradigma do treinamento para a aprendizagem .................... 80

Quadro 15 – Tendências de aplicação do autodesenvolvimento nas organizações.......... 82

Quadro 16 – Estrutura unificante para aprendizado organizacional ................................ 91

Quadro 17 – Constituição de uma “boa” teoria ............................................................... 92


10

Quadro 18 – Comparação entre as perspectivas normativa, desenvolvimental e

capacitacional ........................................................................................ 92

Quadro 19 – Dois tipos de conhecimento ........................................................................ 96

Quadro 20 – Cultura que estimula e inibe o aprendizado ................................................ 99

Quadro 21 – Principais fundamentos teóricos da pesquisa .............................................. 101

Quadro 22 – Grade para análise dos dados da pesquisa ................................................... 111

Quadro 23 – Perfil dos funcionários da empresa.............................................................. 115

Quadro 24 – Redes que compõem a empresa................................................................... 118

Quadro 25 – Fatos e mudanças marcantes no percurso da empresa ................................ 120

Quadro 26 – Evolução do negócio.................................................................................... 121

Quadro 27 – Cargos existentes na empresa...................................................................... 129

Quadro 28 – Processos de treinamento e desenvolvimento ............................................. 132

Quadro 29 – Programação do encontro de gerentes ........................................................ 134

Quadro 30 – Programação do encontro de colaboradores ............................................... 134

Quadro 31 – Desenvolvimento pessoal, profissional e social dos funcionários............... 175

Quadro 32 – Principais dados da pesquisa........................................................................ 182


11

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Papéis gerenciais ............................................................................................. 74

Figura 2 – Os sete princípios de sucesso da educação corporativa .................................. 81

Figura 3 – Diagrama de autodesenvolvimento e aprendizagem nas organizações........... 83

Figura 4 – A roda do aprendizado .................................................................................... 87

Figura 5 – Modelo integrado de aprendizagem organizacional........................................ 93

Figura 6 – Conversão do conhecimento ........................................................................... 97

Figura 7 – Paradigmas sociológicos ................................................................................. 104

Figura 8 – Características metodológicas da pesquisa ..................................................... 112

Figura 9 – Divisão de RH na década de 1970 .................................................................. 123

Figura 10 – Diretoria de RH na década de 1980 .............................................................. 124

Figura 11 – Diretoria de RH na década de 1990 .............................................................. 125

Figura 12 – Estrutura atual da gestão de pessoas ............................................................. 125

Figura 13 – Síntese da gestão de pessoas da empresa....................................................... 139

Figura 14 – Protótipo do desenvolvimento humano no âmbito organizacional ............ 186


12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO .......................................................................... 16


1.1 Tema de Pesquisa ........................................................................................................... 16
1.2 Problematização do Tema .............................................................................................. 18
1.3 Objetivos......................................................................................................................... 21
1.3.1 Geral ........................................................................................................................ 21
1.3.2 Específicos............................................................................................................... 21
1.4 Justificativa..................................................................................................................... 22
1.5 Definição dos Principais Termos.................................................................................... 25

2 APRENDIZAGEM NO UNIVERSO ORGANIZACIONAL: QUADRO TEÓRICO DE


REFERÊNCIA........................................................................................................................ 27
2.1 Ser Humano, Educação e Trabalho ................................................................................ 27
2.1.1 O ser humano........................................................................................................... 27
2.1.2 A educação .............................................................................................................. 30
2.1.3 Educação de adultos ................................................................................................ 33
2.1.4 Prática produtiva e princípio educativo ................................................................... 40
2.1.5 O trabalho e seus sentidos ....................................................................................... 42
2.1.6 Desenvolvimento humano e autodesenvolvimento ................................................. 47
2.2 Organização e Gestão ..................................................................................................... 52
2.2.1 Surgimento e evolução do pensamento administrativo ........................................... 52
2.2.2 Organizações: conceitos, objetivos e tipologia........................................................ 58
2.2.3 As organizações e a gestão contemporânea............................................................. 61
2.2.4 Gestão de empresas familiares ................................................................................ 69
2.2.5 O gestor em empresas voltadas à aprendizagem ..................................................... 73
2.2.6 Gestão de pessoas .................................................................................................... 74
2.3 Aprendizagem e Conhecimento no Contexto Organizacional ....................................... 81
2.3.1 Aprendizagem individual ........................................................................................ 84
2.3.2 Aprendizagem organizacional ................................................................................. 89
2.3.3 Gestão do conhecimento.......................................................................................... 94
2.3.4 Estratégia e cultura organizacional voltadas ao aprendizado .................................. 97
13

3 METODOLOGIA.............................................................................................................. 102
3.1 Pressupostos Filosóficos............................................................................................... 102
3.2 Classificação da Pesquisa ............................................................................................. 104
3.3 Definição da Organização Objeto de Estudo................................................................ 105
3.4 Sujeitos da Pesquisa ..................................................................................................... 106
3.5 Coleta de Dados............................................................................................................ 106
3.6 Análise e Interpretação dos Dados ............................................................................... 109

4 A REALIDADE ORGANIZACIONAL: UMA EMPRESA DO VAREJO E DE BASE


FAMILIAR ........................................................................................................................... 112
4.1 Caracterização da Empresa........................................................................................... 112
4.2 Histórico, Evolução e Adaptação Estratégica da Empresa........................................... 114
4.3 Gestão de Pessoas......................................................................................................... 121
4.3.1 Configurações da gestão de pessoas na trajetória da empresa............................... 121
4.3.2 Processos de gestão de pessoas ............................................................................. 125
4.3.2.1 Recrutamento e seleção .................................................................................. 127
4.3.2.2 Cargos e salários............................................................................................ 128
4.3.2.3 Benefícios ....................................................................................................... 130
4.3.3 Estratégias de treinamento, desenvolvimento e educação..................................... 131

5 APRENDIZAGEM INDIVIDUAL NA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO


HUMANO ............................................................................................................................. 139
5.1 Sentidos do Trabalho .................................................................................................... 140
5.2 Ambiente de Trabalho .................................................................................................. 143
5.3 Conhecimentos: Conteúdo da Aprendizagem .............................................................. 148
5.4 Aprendizagens Vivenciadas ......................................................................................... 153
5.5 Gestão: Políticas e Práticas que Facilitam e Inibem a Aprendizagem ......................... 159
5.6 Gestão de Pessoas: Processos e Práticas Ligados à Aprendizagem ............................. 165
5.7 Desenvolvimento Humano ........................................................................................... 172
5.8 Competitividade Empresarial e Desenvolvimento Humano ........................................ 176

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 183

SUGESTÕES ........................................................................................................................ 190

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 193

ANEXOS ............................................................................................................................... 205


14

INTRODUÇÃO

Na sociedade do conhecimento, o capital humano e o conhecimento são as fontes de


vantagem competitiva das organizações (CRAWFORD, 1994; STEWART, 1998). O
conhecimento é criado pelos indivíduos (NONAKA; TAKEUCHI, 1997), o que leva as
organizações contemporâneas a gerenciarem esse conhecimento para que se torne
organizacional.
O conhecimento é gerado mediante aprendizagens do sujeito. Essas aprendizagens
normalmente ocorrem nos adultos por meio de suas experiências – experimentar, refletir,
formar conceitos, testar conceitos – (KOLB, 1984, 1997; BOYETT; BOYETT, 1999), e a
organização poderá aprender a partir da aprendizagem individual de seus membros (KIM,
1998). Assim, a organização, ao promover a aprendizagem do trabalhador, está promovendo a
sua aprendizagem e a sua competitividade.
A aprendizagem do trabalhador é fundamental para o seu desenvolvimento pessoal
(DANIS; SOLAR, 1998) e para dar sentido ao trabalho que ele desenvolve (MORIN, 2002),
sobretudo para a constituição de autonomia, cidadania, consciência crítica e emancipação do
ser humano (FREIRE, 1975, 1983, 1996). Espera-se que a gestão do conhecimento
organizacional, embora esteja fortemente ligada à sustentabilidade da organização, seja
adotada também como uma prática de promover o desenvolvimento humano dos
trabalhadores.
A pesquisa se identifica com os fundamentos dos Estudos Críticos em Administração
(ECA) e pretende instigar a reflexão e questionamentos em torno de práticas de gestão, de
gestão de pessoas, especialmente, dos processos de treinamento, desenvolvimento e educação,
em que preponderam a visão funcionalista e positivista, a qual prioriza a dimensão econômica
15

a social, dificultando a aprendizagem do sujeito, a sua cidadania e o seu desenvolvimento


pessoal.
Nesse sentido, a presente investigação dedica-se a compreender o processo de
aprendizagem individual no espaço de trabalho, na perspectiva do desenvolvimento humano,
verificando políticas e práticas de gestão de pessoas que contribuem para tal. A mesma foi
realizada no âmbito do curso de Mestrado em Desenvolvimento, na Linha de Pesquisa de
“Gestão de Organizações e do Desenvolvimento”.
A dissertação está organizada em cinco capítulos, além desta introdução, das
referências e dos anexos.
No primeiro capítulo contextualiza-se o estudo, apresentando o tema, a problemática,
os objetivos, sua justificativa e os principais termos da pesquisa.
O quadro teórico de referência corresponde ao segundo capítulo, em que a literatura
disponível em torno da aprendizagem individual na perspectiva do desenvolvimento humano
é revisada visando o entendimento da temática e a responder a problemática da pesquisa. Os
conceitos e teorias foram subdivididos em três tópicos respectivamente: o ser humano, a
educação e o trabalho; a organização e a gestão; e a aprendizagem e o conhecimento no
contexto organizacional.
A descrição da metodologia, em termos de orientação filosófica, classificação da
pesquisa, definição da organização e dos sujeitos investigados, procedimentos de coleta e de
análise dos dados empíricos, é realizada no terceiro capítulo.
O quarto capítulo contextualiza a empresa objeto do estudo, no que se refere as suas
características, evolução e mudanças, especialmente a gestão de pessoas, por meio da análise
das políticas e práticas adotadas nessa área.
No quinto capítulo o foco volta-se ao tratamento e interpretação dos dados empíricos.
São definidos, para tanto, oito temas como unidades de análise que correspondem às
subdivisões do capítulo. Os dados levantados permitem compreender o processo de
aprendizagem dos funcionários na empresa e as possibilidades de desenvolvimento humano.
Por último, conclusões do estudo são apresentadas, abrangendo os objetivos e a
problemática da investigação, assim como sugestões em âmbito gerencial e acadêmico são
delineadas.
16

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

Este capítulo expressa a delimitação da temática e sua problematização, bem como os


objetivos delineados e as razões teóricas e práticas que justificam a realização da
investigação. São também definidos os principais termos utilizados no estudo.

1.1 Tema de Pesquisa

A presente pesquisa tem como tema a aprendizagem do trabalhador e a criação do


conhecimento individual no âmbito das organizações. Os indivíduos desenvolvem esses
processos (aprendizagem e conhecimento) inclusive mediante práticas produtivas e estes
podem ser considerados fundamentais para o desenvolvimento do ser humano como ser
social, cidadão crítico e reflexivo, agente de mudanças (FREIRE, 1975, 1983, 1996).
Pesquisadores, entre eles Freire (1975, 1983, 1996), Brandão (1986), Saviani (1994),
Frigotto (1998), Libâneo (2002) e Pinto (2003), discutem a extrapolação da educação do
ambiente formal. Educa-se por meio de múltiplas organizações, não apenas pela escola.
Educa-se, por exemplo, pelos sindicatos, associações, partidos, clubes recreativos, grupos
voluntários. “Educa-se através do trabalho, através da conviviabilidade do relacionamento
informal das pessoas entre si” (SAVIANI, 1994, p. 158).
Somado a isso, os processos de aprendizagens e de criação de conhecimentos,
atualmente, são considerados essenciais para que as organizações inovem e sejam
competitivas. Estudiosos do tema como Nonaka e Takeuchi (1997), Davenport e Prusak
(1998), Stewart (1998), Crossan, Lane e White (1999), dentre outros, argumentam que o
conhecimento gerado no contexto organizacional extrapola o nível individual, refletindo-se
também em outras instâncias, contribuindo para o desenvolvimento da organização e da
17

sociedade. A Administração Estratégica, a partir da Escola de Aprendizado, defende que as


estratégias da organização emergem quando as pessoas, individual ou coletivamente,
“aprendem a respeito de uma situação tanto quanto a capacidade da sua organização de lidar
com ela” (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000, p. 134). Os estrategistas também
são considerados gestores aprendizes ao longo do tempo.
Assim, acredita-se que a ocorrência constante de processos de aprendizagem e da
criação de conhecimentos contribui, sobremaneira, para o desenvolvimento humano,
organizacional e social. Normalmente, no entanto, o que move as organizações para estimular
a aprendizagem no seu interior é a preocupação com os seus objetivos, metas, permanência no
mercado, enfim, o aspecto econômico. A preocupação com o desenvolvimento do ser humano
na abordagem multidimensional ainda é muito incipiente e, quando existe, não está em
primeiro plano.
Além disso, ao que parece, as organizações são competentes na superação dos desafios
mercadológicos, privilegiando o controle, a competição, a dominação, mas essa postura tem
se mostrado insuficiente ante a discussão da necessidade de pensar e agir em prol de um
desenvolvimento efetivamente sustentável e duradouro, em todas as instâncias e esferas.
Integrando educação, modernidade e competitividade, Meister (1999) e Eboli (2004) trazem a
concepção de Educação Corporativa, que está ancorada em sete princípios de sucesso
delineados por Eboli (2004), a saber: competitividade, perpetuidade, conectividade,
disponibilidade, cidadania, parceria e sustentabilidade.
Nessa direção, Vergara e Branco (2001) abordam a urgência de questionar e redefinir
o papel das organizações e, conseqüentemente, das práticas de gestão na sociedade, na
tentativa de buscar a integração para além do reducionismo, da fragmentação, da
instrumentalidade; integração essa do desenvolvimento econômico e humano por meio da
reflexão, do diálogo, da intersubjetividade, sobretudo da racionalidade comunicativa que
Habermas (1987, 1989) advoga. Acredita-se que é em função da necessidade de conciliar
competitividade e humanização que Chanlat (2000, p. 17) afirma que, “o gestor transformou-
se em uma das figuras centrais da sociedade contemporânea”.
As questões relativas à gestão, aprendizagem, desenvolvimento humano e
desenvolvimento social instigam a presente pesquisa, sendo relevante esclarecer os limites e a
abrangência da mesma:

a) Contexto de análise: Aprendizagem individual no ambiente organizacional;


18

b) Campo de saber: Administração, de modo geral, processos gerenciais, gestão de


pessoas e aprendizagem, de forma particular;
c) Universo de estudo: Empresa varejista de base familiar;
d) Área de abrangência: cidade de Passo Fundo do Rio Grande do Sul.

1.2 Problematização do Tema

Vivencia-se um processo de globalização da economia mundial. A acumulação,


valorização e reprodução do capital parecem ser o padrão predominante na sociedade. Com
isso, a busca pela eficiência, eficácia e efetividade é o que tem “norteado” a atuação e as
políticas organizacionais nas mais diversas instâncias e esferas. Nesse contexto, a exclusão e
as desigualdades sociais são altamente presentes, estabelecendo uma divisão na sociedade.
Uns se sobrepõe aos outros e, automaticamente, quem tem mais poder é quem tem mais
capital. Parece não ser possível retroceder nesse processo. Por outro lado, se assim
continuarmos, para onde vamos? Será possível, já que é tão necessário, pensar, buscar,
construir o desenvolvimento sustentável em todas as áreas?
O processo de expansão do capitalismo mundial, no que diz respeito à constituição das
economias capitalistas em termos produtivos e nas relações de trabalho que lhes dão
sustentação, intensificou-se a partir da Segunda Revolução Industrial. Daí passou a acontecer
uma série de inovações tecnológicas, levando a uma forte transformação no mundo do
trabalho (VARGAS, 2002).
Os avanços técnico-científicos ocorridos em favor da modernização e da
racionalização, ao que parece, também tiveram um lado perverso, trazendo muitas
conseqüências negativas. No âmbito social, a redução e a precarização dos postos de trabalho
são um exemplo; no âmbito organizacional os exemplos são a busca pela produtividade e pelo
lucro a qualquer preço, maior competitividade, práticas gerenciais alienantes, desumanizadas,
autocráticas, opressoras. Do trabalhador é exigido mais produção, agilidade, conhecimento,
habilidade, versatilidade, polivalência e, sobretudo, pensamento ativo e multifuncionalidade.
A educação é um processo contínuo que acontece durante toda a vida do ser humano
(BRANDÃO, 1986; DELORS, 1999; FREIRE, 1975, 1983, 1996), e grande parte do período
de vida do indivíduo se passa no espaço do trabalho, por isso deduz-se que esse ambiente é
um lugar de aprendizagem e as atividades produtivas se configuram como práticas
pedagógicas, então, que ações devem ser essas para levar o trabalhador a sua emancipação e
ao seu desenvolvimento como ser social?
19

As atividades produtivas educam o trabalhador. Dessa forma, resultam num conceito


ampliado de educação. Salientando os processos pedagógicos vividos a partir das relações
sociais que ocorrem também no ambiente de trabalho, Brandão (1986, p. 9) enfatiza: “Não há
uma forma única, nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela
acontece e talvez nem seja o melhor. O ensino escolar não é a sua única prática e o professor
profissional não é o seu único praticante”.
Num sentido mais amplo, a educação “abrange o conjunto das influências do meio
natural e social que afetam o desenvolvimento do homem na sua relação ativa com o meio
social” (LIBÂNEO, 2002, p. 87). Nas relações sociais de trabalho, isto é, no
compartilhamento de experiências, reflexão na e sobre a prática, busca dos objetivos comuns,
trabalho em equipe, ajuda mútua, compartilhamento de informações e conhecimentos,
observação, processos de formação continuada, entre outras, as pessoas se educam e se
desenvolvem. Por outro lado, se as políticas organizacionais instrumentalizam, excluem,
geram desigualdades sociais, questiona-se que educação é essa. Essa educação contribui para
a emancipação ou para a alienação do ser humano?
Normalmente o trabalhador é visto como um dos recursos necessários a organização,
necessitando, então, ser gerenciado, dirigido, liderado. Que políticas de gerenciamento são
essas? Que processos de gestão contribuem para o desenvolvimento do trabalhador? Que
estilo de liderança educa (positivamente) o funcionário?
As ações gerenciais estão enraizadas predominantemente na racionalidade
instrumental e buscam a performance organizacional a partir de melhores desempenhos
econômicos, subordinando a dignidade, a autonomia e a integridade do ser à efetividade
(CHANLAT, 1996, 2000; TENÓRIO, 2004). Na direção dos Estudos Críticos em
Administração (ECA), o que se propõe é uma visão crítica dessas práticas, na tentativa “de
emancipar as pessoas dos mecanismos de opressão, tendo, de fato, o humano como ponto
fundamental” (DAVEL; ALCADIPANI, 2003, p. 75).
A organização com visão humanística (VERGARA; BRANCO, 2001), comprometida
com o desenvolvimento includente, sustentável e sustentado (SACHS, 2004) tem se
preocupado com a conciliação entre o econômico e o social (CHANLAT, 2000) e com o
desenvolvimento e autodesenvolvimento do trabalhador (RAMOS, 1984; EBOLI, 2004;
ANTONELLO, 2004) mediante a oferta de processos de educação continuada e a constituição
de um ambiente adequado para a manifestação de experiências e aprendizagens significativas
e para a criação de conhecimentos.
20

Nonaka e Takeuchi (1997) afirmam que o conhecimento somente é criado pelos


indivíduos, tendo a organização a função de proporcionar contextos propícios para tal. Por
extensão, entende-se que a aprendizagem ocorre nos indivíduos e que a organização não
aprende se os trabalhadores não aprenderem (KIM, 1998).
Em se tratando de um ambiente propício ao processo de aprendizagem, no
entendimento de Fleury (1997), três aspectos devem ser considerados: tempo, espaço e
pessoas. Ao trabalhador deve ser disponibilizado tempo para observar, refletir, criar e
desenvolver novos conhecimentos e habilidades, em que o espaço organizacional deve ser
flexível e propiciar integração e interação entre as pessoas que são os atores principais do
processo e não recursos gerenciáveis.
Na mesma linha de pensamento, DiBella e Nevis (1999) destacam dez práticas ou
condições que catalisam a ocorrência de aprendizagem em qualquer tipo de organização. Os
fatores facilitadores são: investigação imperativa, defasagem de desempenho, preocupação
com medição, curiosidade organizacional, clima de abertura, educação continuada, variedade
operacional, defensores múltiplos, envolvimento das lideranças e perspectiva sistêmica.
Se o conhecimento só é criado pelo indivíduo (NONAKA; TAKEUCHI, 1997; KIM,
1980) é ao ser humano – ser que aprende – que a organização deve destinar a maior atenção,
pelo simples fato de ser o único sujeito de interlocução entre os diferentes ambientes – interno
e externo – e o agente de qualquer processo de mudança. O fato de o indivíduo aprender
conhecimentos construtivos de forma contínua, desenvolve-o, torna-o um ser flexível,
reflexivo, crítico e autônomo. Para isso acontecer, porém, não basta boa vontade do
trabalhador; a organização precisa ter sua cultura voltada à aprendizagem, sendo os gestores,
principalmente os de níveis mais elevados, os que têm oportunidade para promovê-la. Um
questionamento, então, se faz necessário: qual é o papel da gestão nas organizações voltadas à
aprendizagem dos trabalhadores? Qual a influência da gestão nos processos de aprendizagem
dos geridos?
O pressuposto é de que as organizações para serem longevas necessitam gerenciar o
conhecimento dos indivíduos e a competitividade será uma conseqüência, caso ela se
comprometer com o processo de aprendizagem dos trabalhadores, na perspectiva do
desenvolvimento humano. O autodesenvolvimento e o desenvolvimento pessoal, profissional
e social agregado a partir das novas aprendizagens, conhecimentos, experiências e interações
promovidos pela empresa não ficarão restritos ao sujeito, mas serão favoráveis também para a
organização, principalmente a sua competitividade. O trabalhador, com a contribuição da
organização desenvolve-se, por conseguinte, desenvolve a empresa. Geus (2006) aborda essa
21

problemática comparando empresas que fracassam jovens das longevas. Na opinião do autor,
empresas falecem jovens porque suas políticas e práticas baseiam-se exclusivamente no
pensamento e linguagem da economia, enquanto as longevas ou vivas têm uma personalidade
harmoniosa que as permitem conciliar o econômico e o social.
A educação no espaço organizacional, no posicionamento de Moscovici (1999),
fornece condições de aperfeiçoamento no trabalho e permite a atualização de potencialidades
não exploradas por tarefas rotineiras, levando ao desenvolvimento integral do indivíduo.
Garcia (1999, p. 235) corrobora indicando que o desenvolvimento da capacidade infinita do
homem, assim como a integração das necessidade individuais e organizações “é o caminho
que, cada vez mais, as empresas estão percorrendo para a conquista sustentada da excelência”.
Por acreditar, entretanto, no desenvolvimento do indivíduo a partir das relações,
práticas e experiências que ocorrem no ambiente de trabalho humanizado e, com isso,
contribuir para o desenvolvimento da organização e da sociedade, formula-se a seguinte
questão de estudo: como ocorrem os processos de aprendizagem dos trabalhadores no
universo organizacional e que políticas e práticas de gestão contribuem para o
desenvolvimento humano?

1.3 Objetivos

1.3.1 Geral

Compreender como ocorre o processo de aprendizagem individual, na perspectiva do


desenvolvimento humano, numa empresa varejista de base familiar, verificando suas políticas
e práticas de gestão de pessoas que contribuem para esse desenvolvimento.

1.3.2 Específicos

- Elaborar o quadro teórico de referência sobre aprendizagem individual e organizacional,


desenvolvimento humano e gestão organizacional e de pessoas, cruciais para apreender e
abranger o problema da investigação.
- Investigar as políticas e estratégias de gestão de pessoas, descrevendo as práticas e processos
voltados à aprendizagem do trabalhador.
- Analisar as contribuições das aprendizagens vivenciadas pelo trabalhador, no âmbito da
empresa, para o seu desenvolvimento pessoal.
22

1.4 Justificativa

A sociedade em que vivemos é formada de organizações (ETZIONI, 1984) e, dentre


elas, destacam-se as empresas familiares. Gersick et al (1997) constataram em seus estudos
que 80% das empresas do mundo são familiares, por isso desempenham um importante papel
no cenário econômico e social, tanto em nível mundial quanto nacional, principalmente pela
geração de emprego e renda. A mortalidade dessas empresas, no entanto, também é alta;
muitas não chegam à segunda geração e poucas atingem a terceira geração (CAMPOS;
MAZZILLI, 1998; GRZYBOVSKI, 2007). São, portanto, organizações representativas na
economia nacional e regional e merecem ser investigadas.
A gestão organizacional está enraizada na objetividade e na racionalidade instrumental
(TENÓRIO, 2004), subordinando o humano ao econômico e ressaltando desigualdades,
dominação e opressão dos trabalhadores (DAVEL; ALCAPIDANI, 2003), o que motiva e
justifica estudos que se aproximam da abordagem crítica.
Os Estudos Críticos em Administração (ECA), na medida em que se aproximam da
práxis administrativa, podem viabilizar o “exercício da cidadania corporativa e de ações que
promovam a melhoria da qualidade de vida e de trabalho, que visem à construção de relações
mais democráticas e justas” (VERGARA; BRANCO, 2001, p. 22). Por essa razão, Davel e
Alcapidani (2003), ao examinarem a produção científica crítica brasileira em Administração
dos anos 1990, convidam ao desenvolvimento de pesquisas e análises organizacionais mais
conscientes, refletidas e próximas da realidade nacional e local e que questionem a
racionalidade das teorias tradicionais.
Na sociedade contemporânea, diferente da sociedade agrícola e industrial, o
conhecimento é a base da economia e o capital humano o recurso fundamental
(CRAWFORD, 1994), atribuindo papel especial aos gestores na sociedade (CHANLAT,
2000) e decisivo nas políticas de gestão de pessoas e na gestão do conhecimento
organizacional. Deste modo, os temas gestão organizacional, gestão de pessoas, aprendizagem
e gestão do conhecimento, apresentam-se como problemáticas atuais e instigam reflexões,
questionamentos e, sobretudo, pesquisas empíricas que busquem na realidade organizacional
a compreensão dos fenômenos.
O interesse em estudar aprendizagem no ambiente de trabalho e a influência da gestão,
emerge de experiências nas condições de trabalhadora, gestora e gerida. Como docente do
curso de Secretariado Executivo Bilíngüe na Universidade de Passo Fundo (UPF), também,
acompanha-se as angústias constantemente presentes nos acadêmicos que, na maioria das
23

vezes, vivenciam práticas de gestão organizacional que priorizam o controle e o capital em


detrimento da humanização, dificultando processos de aprendizagens e o desenvolvimento
pessoal. Ao mesmo tempo, o secretário executivo está diretamente ligado aos processos de
gestão da empresa, ora como assessor do gerente, ora como gestor, por isso a preocupação
igualmente se volta às práticas de gestão que esse profissional irá desenvolver.
Adota-se como foco deste estudo a aprendizagem individual do trabalhador, uma vez
que o processo inicia nesse âmbito (FLEURY, 2004; KIM, 1998) e que a organização aprende
por meio de seus membros individuais (KIM, 1998; NONAKA; TAKEUCHI, 1997). Adota-
se esse foco, especialmente, porque “a educação de um povo moderno se desenvolve dentro
das empresas e delas se propaga para toda a nação” (FULLMANN apud DIBELLA; NEVIS,
1999, p. IX) e, então, visualiza-se a possibilidade de promover o desenvolvimento pessoal,
organizacional e social a partir da aprendizagem e da educação do sujeito no contexto
organizacional.
O desenvolvimento integral do ser humano, como ser social, cidadão crítico, reflexivo
e emancipado, deveria ser preocupação de todas as pessoas, especialmente dos agentes de
mudança e de decisão. Se o trabalho é atividade central para a emancipação do indivíduo
(ANTUNES, 2004; FRIGOTTO, 1998), acredita-se que estudos desta natureza contribuem no
âmbito gerencial e acadêmico ao fomentarem reflexões a respeito das políticas e estratégias de
gestão, essencialmente das práticas de gestão de pessoas, na perspectiva do desenvolvimento
pessoal.
As organizações, ao gerenciarem efetivamente o conhecimento dos trabalhadores para
se tornarem e/ou se manterem competitivas e longevas, poderão promover o desenvolvimento
humano. Com a pesquisa tem-se a pretensão de contribuir para uma melhor interpretação do
papel da gestão e verificar de que forma influencia nos processos de aprendizagem de seus
geridos, visando gerenciar o conhecimento com práticas mais humanizadas e que despertem a
reflexão, a autonomia e a emancipação dos atores (gestores e geridos) organizacionais.
A empresa, objeto da presente investigação, tem prosperado no mercado varejista e
possui representatividade na economia local e regional do Norte do Estado do Rio Grande do
Sul (RS). Desde sua fundação, em 1950, tem expandido extraordinariamente. A empresa atua
nos três Estados da Região Sul do país, com cinco redes de produtos, totalizando 221 pontos
de venda e 1.772 funcionários diretos (dezembro/2006). Outro fator que chama a atenção é
que nos últimos cinco anos a empresa tem sido premiada como melhor em gestão de pessoas
no ramo em que atua e o setor de treinamento e desenvolvimento tem papel bastante ativo,
ressaltando o primeiro e principal princípio da empresa: “O homem é o valor maior da
24

empresa” (MANUAL, s.d., p. 33). Considerou-se, então, esse ambiente propício para a
realização desse estudo.
O banco de trabalhos de conclusão do curso de Administração da Universidade de
Passo Fundo aponta que a referida empresa tem sido objeto de análise, principalmente nos
últimos dez anos, em estudos relacionados aos temas de clima organizacional,
desenvolvimento gerencial, estratégia, marketing e finanças. A temática da aprendizagem
organizacional e da gestão do conhecimento, sobretudo da aprendizagem individual do
trabalhador, vem preencher uma lacuna teórico-empírica. O presente estudo, então,
proporciona à empresa uma nova e importante reflexão em torno de suas práticas de gestão de
pessoas e poderá promover uma conscientização maior da importância da aprendizagem para
o desenvolvimento pessoal, organizacional e social.
Em contrapartida, em âmbito nacional e internacional, existem alguns estudos
científicos focados na aprendizagem e educação no universo organizacional, identificando
oportunidades e limites na promoção do desenvolvimento dos trabalhadores no espaço de
trabalho, tais como: Lifelines: Patterns of Work, Love, and Learning in Adulthood
(MERRIAM; CLARK, 1991), Empresa humanizada: a organização necessária e possível
(VERGARA; BRANCO, 2001), As práticas de gestão de pessoas e o processo de
aprendizagem nas organizações (ESTIVALETE, 2002), Aprendizado e formação continuada
em organizações familiares e intensivas em conhecimento: a força das relações de parentesco
por consideração (DAVEL; SOUZA, 2004), O autodesenvolvimento e a perspectiva da
aprendizagem organizacional (ANTONELLO, 2004), Educação continuada corporativa:
aprendizagem e desenvolvimento humano no setor metal-mecânico (TEIXEIRA, 2005),
Educação no trabalho: uma proposição teórica (DANELI, 2005), entre outros.
A aprendizagem organizacional tem sido estudada com dois enfoques principais, na
concepção de Antonello (2005): como um processo técnico (prescritivo ou incremental) ou
como um processo social (descritivo ou analítico). O primeiro interessa-se pela maneira que
as organizações deveriam aprender e o segundo em entender como elas aprendem. Este estudo
preocupa-se em entender a aprendizagem individual no contexto de uma empresa, a partir da
descrição e análise do seu cotidiano.
Cabe destacar, ainda, que o fenômeno da aprendizagem no âmbito das organizações é
tema de estudos e investigações do Grupo de Estudos e Pesquisas em Organizações, Gestão e
Aprendizagem (GEPOG), o qual está vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Desenvolvimento da Unijuí, especialmente na Linha de Pesquisa “Gestão de Organizações
e do Desenvolvimento”. O estudo realizado traz sua contribuição específica ao investigar,
25

com enfoque analítico, o processo de aprendizagem individual do trabalhador, por meio de


um caso singular e localizado na Região Norte do Estado do RS.

1.5 Definição dos Principais Termos

Os principais termos são apresentados e definidos com o intuito de esclarecer com que
significados serão empregados no presente estudo. Essas definições são aprofundadas no
decorrer da revisão teórica.

Aprendizagem: processo de construção de significados, experiências e conhecimentos pelo


próprio sujeito, que requer atenção e reflexão da experiência e que promove uma
transformação do indivíduo, seja em seu comportamento, em seus conhecimentos ou em suas
convicções (KOLB, 1984; SCHÖN, 2000; MEZIROW; 1990, 1994; MERRIAM; CLARK,
1991).

Autodesenvolvimento: processo auto-iniciado de aprendizagem, cujos elementos-chaves são


autoconsciência, reflexão e experimentação e cujas dimensões são o desenvolvimento, a
pessoa vista no seu todo e a responsabilidade pessoal (ANTONELLO, 2004).

Desenvolvimento Humano: ampliação de oportunidades e liberdades (CORRAGIO, 2000;


SEN, 2000), sendo a aprendizagem, principalmente a vivenciada no ambiente de trabalho,
primordial para a promoção desse processo nos adultos (DANIS; SOLAR, 1998).

Educação: consiste na formação do homem de caráter. Visa levar o ser humano a realizar as
suas potencialidades físicas, morais, espirituais e intelectuais. Abrange o homem integral, em
todos os aspectos de seu corpo e de sua alma, e está presente ao longo de toda a vida
(FREIRE, 1983; BRANDÃO, 1986; DELORS, 1999).

Educação informal: sinônimo de educação não-intencional ou de paralela. Corresponde às


ações e influências exercidas pelo ambiente sociocultural em interação com o indivíduo,
resultando em conhecimentos, experiências e práticas, as quais não estão ligadas a uma
instituição, nem são intencionais e organizadas (LIBÂNEO, 2002). Deste modo, as relações e
práticas vivenciadas por meio do trabalho podem ser consideradas educação informal.
26

Educação formal: compreende instâncias de formação, escolares ou não, em que há


objetivos educativos explícitos e uma ação intencional institucionalizada, estruturada,
sistemática, organizada (LIBÂNEO, 2002). A educação formal é mais comum nos ambientes
escolares, entretanto tem sido promovida por empresas, por intermédio da educação
corporativa.

Gestão: concebida como uma arte e uma prática social visando a geração de condições de
trabalho aos atores organizacionais. Compreende um conjunto de processos dentre eles,
planejamento, organização, liderança, motivação, controle, comunicação, decisão e
negociação. A gestão e seus sinônimos Administração e management, então, significam
práticas e processos de gerenciamento (CHANLAT, 2000; MOTTA, 2004).

Gestor: trabalhador que desenvolve a gestão na organização, é um desbravador de caminhos


(MOTTA, 2004). Nas organizações voltadas à aprendizagem e ao conhecimento, o gestor
assume papel de projetista, regente, servidor, sobretudo, de professor (SENGE, 1990, 2001).
Dirigente, líder e gerente são usados como sinônimos de gestor.

Organização: esse termo é utilizado com dois sentidos. Ora representando um sistema aberto
e adaptativo, em que um conjunto de relações sociais ocorrem a fim de atingir objetivos que
justificam a sua existência e, portanto, sinônimo de instituição e empresa (SCOTT, 1964;
ETZIONI, 1984; HALL, 2004), ora referindo-se ao ato de sistematizar ações, atividades e
informações (FAYOL, 1981).

Processo de aprendizagem: a expressão é utilizada englobando o que, como, quando e para


que o indivíduo aprende.

Trabalhador: indivíduo complexo, racional e irracional (MORIN, 2001), inacabado,


inconcluso, imperfeito e em construção (FREIRE, 1983). Um ser genérico e singular, ativo e
reflexivo, de palavras, de desejos e de pulsões (CHANLAT, 1996). Os termos funcionário,
colaborador, empregado e gerido são empregados como sinônimos de trabalhador.

Neste capítulo foi contextualizado o estudo, no que concerne a delimitação do tema,


problematização, objetivos, justificativa e principais termos da pesquisa, a fim de
proporcionar uma visão geral e específica da investigação.
27

2 APRENDIZAGEM NO UNIVERSO ORGANIZACIONAL:


QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA

Nesse capítulo revisa-se a literatura disponível, essencialmente das áreas de


Administração e Educação, a fim de construir o quadro teórico que embasa a presente
investigação. Está dividido em três subcapítulos. O primeiro discute, em linhas gerais,
concepções de ser humano, educação de adultos e trabalho significativo. O segundo, aborda a
organização e a gestão, bem como a gestão de pessoas e a gestão de empresas familiares
(objeto desse estudo). O terceiro apresenta as principais idéias e teorias em torno da
aprendizagem no contexto organizacional.

2.1 Ser Humano, Educação e Trabalho

Três conceitos centrais – indivíduo, educação e trabalho – são apresentados neste


tópico. O indivíduo na dimensão de um ser complexo, consciente e inconsciente, que está em
constante busca de ser mais. A educação como construção do caráter, presente em todas as
dimensões do ser e durante toda a vida. O trabalho no sentido de condição fundamental da
vida humana, implicando na emancipação, dignidade, desenvolvimento e felicidade do
sujeito.

2.1.1 O ser humano

Os estudos sobre o indivíduo no espaço de trabalho têm priorizado a racionalidade


instrumental presente na sociedade e na ciência administrativa (TENÓRIO, 2000),
caracterizada pela objetividade em detrimento da subjetividade e, com isso, facilitando a
fragmentação e a ocultação de dimensões humanas (CHANLAT, 1996).
28

Em razão disso, sente-se a necessidade de discutir a respeito do ser humano nas


organizações numa abordagem inter e multidisciplinar e em direção a uma racionalidade
comunicativa, defendida por Tenório (2000), com o objetivo de obter um entendimento mais
claro, mais abrangente e que melhor traduza a complexidade do indivíduo e, por extensão, das
relações que se estabelecem nas organizações (MORGAN, 1996).
Nessa direção, Chanlat (1996, p. 28) entende que “numerosos são os que, ainda hoje,
fecham o ser humano em esquemas redutores e que freqüentemente tem a impressão simplória
de ter captado a essência do ser humano. A realidade humana que encontramos na
organização não poderá jamais ser reduzida a tais esquemas”. Compreender o ser humano em
sua totalidade, contudo, pode ser considerado um desafio, posto que essa busca jamais se
esgotará completamente, pois esse ser é inacabado, inconcluso e imperfeito, estando em
constante construção (FREIRE, 1983).
Morin (2001) indica que o século 21 deverá abandonar a orientação unilateral que
concebe o ser humano pela racionalidade técnica, atividades utilitárias e necessidades
obrigatórias, posto que ele é complexo e antagônico. O ser humano é sábio e louco,
trabalhador e lúdico, empírico e imaginário, econômico e consumista, prosaico e poético.
Os indivíduos interagem com as organizações por laços materiais e também por laços
afetivos, imaginários e psicológicos. A abordagem econômica é mais comum. A abordagem
psicanalítica, no entanto, também é “de grande valia para decifrar [...] aspectos da vida nas
organizações, pelo simples fato de a descoberta do inconsciente marcar um momento
verdadeiramente revolucionário no domínio do conhecimento” (FREITAS, 2000, p. 43).
Freitas (2000) traz a concepção da Psicanálise para auxiliar no entendimento dos fenômenos
organizacionais que, embora seja relativamente recente, permite a compreensão de aspectos
imaginários e simbólicos até então negligenciados.
Complementando a idéia de Freitas (2000), Chanlat (1996) discute dimensões
humanas esquecidas no contexto organizacional. Para o autor, o ser humano é, ao mesmo
tempo, um ser genérico e singular, ativo e reflexivo, de palavras, de desejos e de pulsões,
simbólico, espaço-temporal, o que leva a entender que ele possui autonomia, porém relativa.
“Marcado pelos seus desejos, suas aspirações e suas possibilidades, ele dispõe de um grau de
liberdade, sabe o que pode atingir e que preço estará disposto a pagar para conseguí-lo no
plano social” (CHANLAT, 1996, p. 29).
Se o indivíduo possui apenas um grau de liberdade, isso indica que ele está preso aos
seus próprios desejos, suas pulsões de vida e de morte. O ser humano está preso em si, pelo
seu inconsciente, que o determina e que foge do seu controle. “Os seres humanos vivem as
29

suas vidas como prisioneiros das suas próprias histórias pessoais” (MORGAN, 1996, p. 210),
o que leva alguns psicanalistas a afirmar que a liberdade individual depende da
conscientização de como o presente é influenciado pelo passado por meio do seu
inconsciente.
A liberdade do sujeito é relativa e o irracional é tão presente a ponto de

os sonhos, a imaginação, a vida sexual e afetiva, as decisões, as opiniões, as idéias


sobre o mundo, as escolhas profissionais e políticas são subentendidos por um
psiquismo inconsciente, por fantasmas e símbolos, onde a latência confere outro
significado à vida consciente. Esta não é determinada apenas por um livre arbítrio
racional, é também guiada por forças estranhas, correntes secretas, ambivalentes
escorregadias, atemporais e contraditórias, que escapam à percepção do sujeito por
morarem e por expressarem o próprio inconsciente. O homem não tem domínio
total de si, nem de suas decisões, nem de seus motivos, nem de seus desejos e nem
de seus discursos. Insistir no contrário é negar deliberadamente a natureza do
homem (FREITAS, 2000, p. 43).

Com a Psicanálise, Freud apresenta a idéia de que não somos “senhores em nossa
própria casa”, e acrescenta mais uma “ferida narcísica”: “a consciência não é o centro de
nosso psiquismo, não reina soberana sobre a nossa vontade” (KUPFER, 1995, p. 52).
Morin (2001, p. 59) descreve a complexidade do ser humano como sujeito racional e
irracional,

capaz de medida e desmedida; sujeito de afetividade intensa e instável. Sorri, chora,


mas sabe também conhecer com objetividade; é sério e calculista, mas também
ansioso, angustiado, gozador, ébrio, extático; é um ser de violência e de ternura, de
amor e de ódio; é um ser invadido pelo imaginário e pode reconhecer o real, que é
consciente da morte, mas que pode crer nela; que secreta o mito e a magia, mas
também a ciência e a filosofia.

O indivíduo também é um ser de relação. “O homem está no mundo e com o mundo”


(FREIRE, 1983, p. 30), sendo suas relações com o mundo, pelo mundo e no mundo. O ser
humano se constitui enquanto sujeito pela relação com o outro, “se reconhece, sente prazer e
sofrimentos, satisfaz ou não seus desejos e suas pulsões” (CHANLAT, 1996, p. 30). O outro
não necessariamente é uma pessoa, poderá ser um modelo, um objeto, uma crença, um
símbolo. “A realidade social transforma-se em suporte da realidade psíquica”, complementa
Chanlat (1996, p. 30) que, por excelência, é o lugar do imaginário, do inconsciente, de
defesas, de processo de identificação. Em outras palavras, a vida psíquica exerce um papel
crucial no comportamento humano, de ordem individual ou coletiva. Assim, quando se
pretende olhar o ser humano em sua totalidade, não se pode ignorar essa realidade.
30

Da mesma forma, é a partir das relações estabelecidas pelo indivíduo que seu ego e
sua identidade se constroem, se atualizam; e essas interações mobilizam os processos
psíquicos. “Estes processos que se situam na origem do desenvolvimento cognitivo e afetivo
do ser humano representam a parte imersa da interação [...], processos que subentendem e
acompanham toda palavra, todo discurso e toda ação” (CHANLAT, 1996, p. 39).
Para Chanlat (1996, p. 35), o indivíduo é por definição um ser biopsicossocial -
biológico, psicológico e social -, o que lhe confere uma complexidade singular. Um aspecto
influencia o outro, de modo que nenhum pode ser ignorado. “O eu é indissociável da própria
história, da própria experiência e das vivências”.
As organizações, os ambientes de trabalho são, por excelência, locais de interações
humanas, e para lá os sujeitos tendem a transferir muitos de seus desejos, angústias, afetos
inconscientes, transformando o ambiente de trabalho em lugar de conflitos (positivos e
negativos), de construção de identidade, de constituição do sujeito, de aprendizagens.
O ser humano, contudo, é uno e múltiplo. “É a unidade humana que traz em si os
princípios de suas múltiplas diversidades. Compreender o humano é compreender sua unidade
na diversidade, sua diversidade na unidade”, explica Morin (2001, p. 55). No âmbito
individual, há unidade/diversidade cerebral, mental, intelectual, afetiva, e assim por diante; no
âmbito social, há unidade/diversidade de línguas, culturas e organizações sociais (MORIN,
2001).

2.1.2 A educação

A palavra educação vem do latim educere e significa

[..] extrair, tirar, desenvolver. Consiste, essencialmente, na formação do homem de


caráter. A educação é um processo vital, para o qual concorrem forças naturais e
espirituais, conjugadas pela ação consciente do educador e pela vontade livre do
educando. (...) É atividade criadora, que visa a levar o ser humano a realizar as suas
potencialidades físicas, morais, espirituais e intelectuais (...), abrange o homem
integral, em todos os aspectos de seu corpo e de sua alma (...). É processo contínuo,
que começa nas origens do ser humano e se estende até a morte (BRANDÃO, 1986,
p. 65).

Brandão (1986) compactua com Freire (1983, p. 27) no entendimento de que a educação está
presente ao longo de toda a vida (DELORS, 1999) e se constitui numa realidade, ao
considerar que o ser humano “é um ser na busca constante de ser mais e, com o fazer esta
auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca”.
31

Na mesma linha de pensamento, Libâneo (2002, p. 30) compreende a educação como


um conjunto de “ações, processos, influências, estruturas, que intervêm no desenvolvimento
humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num
determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais”. O autor deixa clara a idéia
da educação como prática social, a qual atua na configuração da existência humana, para
realizar nos indivíduos as características de “ser humano”.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº. 9.394/1996) postula que “a
educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na
convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (LDB, 1996).
Sendo o campo da educação bastante amplo, o que pode diferenciá-la é a forma como
ela ocorre e/ou os atores envolvidos. Libâneo (2002) a diferencia ao adotar a classificação de
educação intencional, que se desdobra em formal e não-formal, e educação não-intencional,
que pode ser sinônimo de informal ou de paralela.
A educação informal corresponde às ações e influências exercidas pelo ambiente
sociocultural em interação com o indivíduo, resultando em conhecimentos, experiências e
práticas, as quais não estão ligadas a uma instituição, nem são intencionais e organizadas. Já a
educação não-formal é a realizada em organizações educativas, fora dos marcos institucionais,
com caráter de intencionalidade, mas com baixo grau de sistematização e estruturação,
implicando relações pedagógicas, mas não formalizadas. Na escola podem ser consideradas
práticas não-formais as visitas técnicas, feiras, atividades complementares, no geral.
Em contrapartida, a educação formal “compreenderia instâncias de formação,
escolares ou não, onde há objetivos educativos explícitos e uma ação intencional
institucionalizada, estruturada, sistemática, organizada como, por exemplo, a educação
escolar convencional” (LIBÂNEO, 2002, p. 31).
Freire (1983) enfatiza o caráter permanente da educação, concebendo todos os
indivíduos como seres educando-se e incompletos, uma vez que nenhum deles sabe de
maneira absoluta. Ela está presente “em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou
de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para
aprender e ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos
a vida com a educação” (BRANDÃO, 1986, p. 7).
A educação existe, portanto, sob várias formas e é vivenciada em diferentes situações.
Por outro lado, não deve ser confundida com a mera adequação do indivíduo ao meio e nem
reduzida à preparação para fins exclusivamente utilitários. A Lei de Diretrizes e Bases da
32

Educação Nacional inclusive apresenta finalidades amplas da educação: “o pleno


desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho” (LDB, 1996).
A Comissão Internacional sobre a Educação para o século 21, no relatório para a
UNESCO, coordenado por Delors (1999), também apontou novos objetivos a educação que
vão além do âmbito instrumental. Numa visão ampliada, a educação tem o propósito de
descobrir, reanimar e fortalecer o potencial criativo do indivíduo, levando-o a sua realização
integral. Deve organizar-se, para tanto, em torno de quatro aprendizagens que serão os pilares
do conhecimento da pessoa ao longo de sua vida, a saber:
Aprender a conhecer: adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a aprender,
exercitando a atenção, a memória e o pensamento.
Aprender a fazer: adquirir qualificação profissional e social em termos de
competências que tornem o indivíduo apto a enfrentar as diversas situações, a trabalhar em
equipe e a agir sobre o meio em que está inserido.
Aprender a viver juntos: desenvolver a capacidade de participação e cooperação da
pessoa; aumentar a compreensão do outro e o respeito pelos valores pluralistas; tomar
consciência das semelhanças e interdependências dos seres humanos.
Aprender a ser: desenvolver a pessoa em suas diversas dimensões, para que tenha
pensamentos autônomos e críticos, assim como liberdade de discernimento, sentimento e
imaginação, necessários para ampliar os seus talentos e ser dono de seu destino.
Com base nesse relatório, Vargas e Abbad (2006, p. 148) estabelecem diferenciação
entre educação continuada e educação ao longo da vida. A primeira está mais atrelada à
certificação e atualização de saberes para manter a competitividade na atividade profissional e
no mercado. A educação ao logo da vida “possui um foco mais amplo que envolve toda a
aprendizagem que acontece durante a vida do indivíduo” e não somente em razão de
melhorias no seu desempenho profissional ou adaptação às necessidades do mundo do
trabalho.
Se a educação é um processo contínuo, que acontece durante toda a vida do ser
humano, como Freire (1975), Brandão (1986) e Delors (1999) referem, e é sabido que grande
parte do período de vida do indivíduo passa-se em atividades produtivas, pode-se deduzir que
o ambiente de trabalho, por excelência e, sobretudo, quando se refere a adultos, é um lugar de
aprendizagem. A partir da classificação de Libâneo (2002), também considera-se que o
ambiente de trabalho é um lugar em que a educação informal ocorre, configurando as práticas
produtivas como práticas pedagógicas. Algumas organizações, entretanto, têm promovido a
33

educação formal, continuada e ao longo da vida em seu interior, por meio das Universidades
Corporativas (MEISTER, 1999; EBOLI, 2004).

2.1.3 Educação de adultos

Dentre os intelectuais que se dedicam ao estudo dos processos de aprendizagem,


encontra-se Mizukami, que descreve o fenômeno educativo como um “fenômeno humano,
histórico e multidimensional. Nele estão presentes tanto a dimensão humana quanto a técnica,
a cognitiva, a emocional, a sociopolítica e cultural” (MIZUKAMI, 1986, p. 1). A referida
autora classifica as teorias de aprendizagem em cinco abordagens: Tradicional,
Comportamental, Humanista, Cognitivista e Sociocultural. O Quadro 1 sintetiza algumas
concepções de cada abordagem.
A Andragogia é o campo de investigação que se interessa pela aprendizagem e pela
educação geral ou particular dos adultos. Para Danis e Solar (1998) nos últimos 20 anos
parece emergir um paradigma andragógico renovado, considerando novas abordagens teóricas
e práticas evolutivas, desmistificando o pensamento que, uma vez adulto, é demasiadamente
tarde para aprender.
Em se tratando de correntes epistemológicas próprias da aprendizagem de adultos,
destacam-se os estudos de Merriam e Cafarella (1999) e de Danis (1998), as quais são
detalhadas na seqüência.
Nos adultos a aprendizagem freqüentemente é oriunda das experiências vividas e da
reflexão dessas experiências. O indivíduo que aprende conhecimentos emancipadores se
desenvolve como pessoa, torna-se senhor do seu destino (MERRIAM; CLARK, 1991). Em
contrapartida, a aprendizagem destrutiva, relacionada a conhecimentos e saberes alienantes,
criam uma identidade de dominado (DANIS, 1998). O adulto, por sua vez, tem maiores
condições de direcionar sua aprendizagem (construtivas ou destrutivas), portanto é capaz do
seu próprio desenvolvimento.
34

Concepções Tradicional Comportamental Humanista Cognitivista Sociocultural


Homem É considerado um receptor É considerado conseqüência das É considerado um ser único e Nesta abordagem homem e mundo Como se trata de uma abordagem
passivo e, quando repleto de influências ou forças existentes situado no mundo. O homem é são analisados conjuntamente pois interacionista, homem e mundo
informações, as repete. no meio ambiente. As ações do arquiteto de si mesmo sendo um considera-se o fato numa são considerados conjuntamente,
homem são o resultado de ser em transformação e um agente perspectiva interacionista, já que o já que o sujeito é o elaborador e
condições que podem ser transformador da realidade. conhecimento é o produto da criador do conhecimento. Para
especificadas, determinadas e interação entre homem e mundo. O Freire, o homem é sujeito da
até antecipadas. indivíduo é considerado um sistema educação e a interação sujeito-
Mundo O mundo é externo ao indivíduo, A realidade é considerada um O homem torna-se agente aberto e de busca sucessiva de objeto é imprescindível para que o
sendo que este vai fenômeno objetivo e o mundo configurador do mundo, ou seja, o reestruturação em que o estágio ser humano se desenvolva e se
compreendendo-o pelos algo construído, pronto. O meio mundo é construído pelo homem final nunca será alcançado por torne sujeito de sua práxis. Sendo
processos de educação formal pode ser manipulado e o diante de si mesmo, a partir de sua completo. Assim, o ser humano que o homem só chegará a ser
como família, igreja, etc. comportamento, por sua vez, percepção, estímulos, experiências aumenta seu controle sobre o meio, sujeito por meio da reflexão sobre
pode ter suas funções alteradas. e significados. colocando-o a seu serviço e, ao seu ambiente concreto.
fazê-lo, modifica o meio e se
modifica.
Conhecimento É transmitido ao aluno, ficando É baseado pela experiência Ele é construído no decorrer do Caracteriza-se como uma O homem se constrói e chega a ser
este responsável por memorizar planejada e é o resultado direto processo de ser da pessoa humana. construção contínua. A passagem sujeito na medida em que,
definições, enunciados de leis, da experiência, portanto, é O ser humano tem curiosidade de um estado de desenvolvimento integrado em seu contexto, reflete
sínteses e resumos que lhe são estruturado indutivamente. natural para o conhecimento, não e/ou compreensão para o outro é sobre ele e com ele se
oferecidos no processo de sendo necessário motivá-lo. caracterizada pela formação de compromete, tomando consciência
educação formal. novas estruturas que não existiam de sua historicidade.
anteriormente no indivíduo.
Educação É considerada um produto cuja É responsável pela transmissão Assume amplo significado, O objetivo da educação, passa a ser Como o homem é sujeito da
transmissão de idéias dá-se de do conhecimento, tratando da educação do homem e que o aluno aprenda por si próprio educação, deve haver uma
forma selecionada e organizada comportamentos éticos, práticas não apenas do aluno. Seu objetivo a conquistar as verdades. A reflexão e uma análise do meio de
logicamente. sociais, habilidades. é uma aprendizagem que abrange educação assume um processo de vida desse, para que o processo de
conceitos e experiências. socialização, no qual a criança não educação aconteça.
fica exposta à coação do
comportamento dos adultos.
Ensino- Os alunos são instruídos e O ensino é considerado um O ensino é centrado na pessoa, O ensino considerado numa O ensino tem a pretensão de
aprendizagem ensinados pelo professor. A arranjo e planejamento nos quais dirigindo esta a sua própria situação social deve desenvolver a problematizar. Essa
educação está subordinada à os estudantes aprendem, sendo experiência para que ela possa se inteligência, deve ser baseado no problematização auxilia no
instrução, ou seja, os modelos responsabilidade do professor estruturar e agir. Este método é ensaio e no erro, na pesquisa, na desenvolvimento da consciência
precisam ser apreendidos e assegurar a aquisição do considerado o não-diretivo, que investigação, na solução de crítica e a liberdade como meios
imitados. comportamento. O método consiste num conjunto de técnicas problemas por parte do aluno. A de superar as contradições da
científico é aplicado para a que implementa a atitude básica aprendizagem verdadeira dá-se no educação bancária.
elaboração e definição de de confiança e respeito pelo aluno. exercício operacional da
técnicas e intervenções. inteligência.
Quadro 1 – Abordagens das teorias de aprendizagem
Fonte: adaptado de Mizukami (1986)
Estudo de Merriam e Cafarella

Merriam e Cafarella (1999), assim como Mizukami (1986), dividem a aprendizagem


em cinco grandes abordagens, com algumas especificidades, conforme o Quadro 2.

Corrente Concepção de aprendizagem Principais expoentes


Behaviorismo Processo de aprendizagem ocorre quando há mudança no Pavlov, Thorndike,
comportamento do indivíduo, sendo o ambiente responsável por Skinner.
moldar os seus comportamentos.
Cognitivismo A aprendizagem é um processo mental interno; o indivíduo organiza Lewin, Piaget
os eventos e procura lhes dar significado, mantendo o controle da
aprendizagem.
Humanismo O processo de aprendizagem é entendido como um ato pessoal para Maslow, Rogers
realizar potencial, sendo suas características a ênfase no indivíduo,
promovendo a autonomia individual e o progresso social.
Aprendizagem A aprendizagem ocorre por meio da interação do indivíduo com o Bandura, Rotler
Social ambiente; a observação e a socialização entre as pessoas são aspectos
importantes para que ocorra a aprendizagem
Construtivismo A aprendizagem é fruto da construção de significados e de Dewey, Vigotski
experiências. O conhecimento não pode ser ensinado, mas construído
pelo aprendiz.
Quadro 2 – Concepção de aprendizagem conforme corrente teórica
Fonte: adaptado de Merriam e Cafarella (1999)

Merriam e Cafarella (1999) defendem ainda que o construtivismo manifesta-se na


aprendizagem de adultos por meio de três principais correntes: aprendizagem pela
experiência, aprendizagem autodirecionada e aprendizagem transformadora. Em virtude da
importante e estreita relação entre a teoria construtivista e os processos de aprendizagem que
ocorrem no ambiente de trabalho (foco deste estudo), analisam-se melhor essas correntes.
A aprendizagem pela experiência é representada por Kolb (1984, 1997), Schön (2000)
e Mezirow (1990). Kolb (1984, 1997) defende que a aprendizagem ocorre mediante a criação
do conhecimento pela transformação das experiências, o que ele também denomina de Ciclo
de Aprendizagem: experiência – observação – reflexão – ação, tendo como foco central a
reflexão do sujeito. Semelhante às idéias de Kolb (1984, 1997), Mezirow (1990) defende que
o processo de aprendizagem de adultos acontece mediante a reflexão do indivíduo sobre as
experiências vividas e interpretando e generalizando essas experiências para a formação de
estruturas mentais, que, por sua vez, são conhecimentos armazenados na memória e que
poderão ser representados, ou transferidos, para novas situações.
Nesta mesma linha, Schön (2000) acrescenta que o conhecimento é construído
mediante a reflexão durante e após a experimentação prática, o que ele nomeia de reflexão
36

sobre a ação e reflexão na ação. O sujeito aprende a partir da descoberta e busca de solução
para problemas e com o questionamento e experimentação dessas soluções.
Kolb (1984, 1997), Schön (2000) e Mezirow (1990) entendem que o processo de
aprendizagem nos adultos inicia a partir da reflexão das experiências. No ambiente de
trabalho, as pessoas acumulam experiências da função, das rotinas, das atividades, das
diversas situações que ocorrem no dia-a-dia; no entanto algumas têm condições e/ou
oportunidades de refletir sobre o seu fazer, outras não. Acredita-se que isso depende da
formação e perfil de cada sujeito, bem como da natureza da sua atividade e da cultura
organizacional.
Na aprendizagem autodirecionada, “os aprendizes têm a primeira responsabilidade por
planejar, desenvolver e avaliar suas próprias experiências de aprendizado” (MERRIAM;
CAFFARELLA, 1999, p. 41). A idéia é que o sujeito assuma o controle do seu aprendizado,
decidindo os objetivos, recursos, métodos, etc., o que parece ser comum nas organizações
contemporâneas, uma vez que elas preferem trabalhadores “prontos”, tendo o sujeito que
assumir o seu desenvolvimento.
Knowles (1975, p. 18) explica que a aprendizagem autodirecionada “é o processo no
qual indivíduos tomam a iniciativa, com ou sem a ajuda de outros, em diagnosticar suas
necessidades de aprendizagem”, formulando metas, identificando recursos humanos e
materiais, escolhendo e implementando estratégias apropriadas e avaliando os resultados de
sua aprendizagem.
Por fim, a aprendizagem transformadora, é concebida como um “processo social de
construção e apropriação de novas ou revisadas interpretações de sentidos da experiência de
alguém como um guia de ação” (MEZIROW, 1994, p. 234). A reflexão aqui é na linha crítica,
comparando as interpretações – anteriores e atuais –, no sentido de uma compreensão mais
aprimorada da experiência, transformando a realidade e o próprio sujeito. Essa corrente foi
influenciada por Freire (1983) e Habermas (1989), principalmente nas idéias de
transformação e humanização da realidade, na construção de um processo emancipatório e na
concepção de reflexão crítica.
Freire (1983, p. 33) argumenta que

o desenvolvimento de uma consciência crítica que permite ao homem transformar a


realidade se faz cada vez mais urgente. Na medida em que os homens, dentro de
sua sociedade, vão respondendo aos desafios do mundo, vão temporalizando os
espaços geográficos e vão fazendo história pela sua própria atividade criadora.
37

A corrente construtivista de aprendizagem, que se refere à construção de significados,


experiências e conhecimentos pelo próprio sujeito, mediante a reflexão, tem contribuído
significativamente para melhor compreender a aprendizagem de adultos, inclusive no
ambiente de trabalho, objeto desse estudo. Essa literatura tem se esforçado “à construção de
teorias nas quais a complexidade da aprendizagem autodirecionada é reconhecida, a reflexão
crítica é enfatizada, e a aprendizagem transformativa é vista como um objetivo” (CRANTON,
1996, p. XI).

Estudo de Claudia Danis (1998)

Danis (1998) analisou obras teóricas e pesquisas empíricas do campo de estudo da


Andragogia, que tratam de forma particular e direta da ligação dinâmica entre processos de
aprendizagem e desenvolvimento pessoal do adulto. Encontrou estudos que estabelecem uma
relação intrínseca entre aprendizagem e desenvolvimento e outros que estabelecem uma
relação extrínseca. Os que estabelecem uma relação extrínseca são as pesquisas descritivas de
Billington (1990), Pronovost (1993) e Adair (1990).
Dentre os estudos que propõem uma relação intrínseca, Danis (1998) destaca as
pesquisas de Merriam e Clark (1991) e de Canan (1991) como sendo particularmente úteis
para compreender a natureza, o papel e a importância dos principais conceitos que interferem
na interação entre aprendizagem e desenvolvimento pessoal dos adultos, bem como as
relações sinérgicas que unem os dois complexos processos. Um panorama da análise dos
diferentes autores realizada por Danis (1998) é apresentado no Quadro 3.
A investigação realizada, em torno do desenvolvimento humano mediante
aprendizagens vivenciadas no ambiente de trabalho, baliza-se nos pressupostos teóricos de
Merriam e Clark (1991), motivo pelo qual serão detalhados.
Merriam e Clark (1991), na obra intitulada Lifelines: Patterns of Work, Love, and
Learning in Adulthood, propõem um modelo operacional centrado na identificação, análise e
comparação das aprendizagens significativas, que estariam diretamente relacionadas com a
dinâmica de maturação psicossocial de indivíduos evoluindo em contextos de vida
particulares. As autoras defendem a transformação do adulto em função dos acontecimentos
marcantes produzidos ao longo da sua vida.
O processo contínuo de maturação, que subentende e caracteriza a experiência de vida
do adulto, articula-se, principalmente, em torno de acontecimentos relacionados com o
trabalho e/ou afetividade de cada indivíduo. Merriam e Clark (1991) operacionalizaram a
38

dimensão relativa ao trabalho, partindo do postulado que há uma ligação intrínseca entre os
acontecimentos marcantes associados à dimensão do trabalho ou a da afetividade e
determinados tipos de aprendizagem característicos do adulto.

Categoria Análise
Escolha das Domínio da Psicologia do desenvolvimento (Merriam; Clark; Adair; Billington; Pronovost)
disciplinas e dos Domínio da Filosofia da educação (Canan)
domínios de
pesquisa
Perspectivas do Desenvolvimento pessoal como a atualização do potencial do adulto (Merriam; Clark;
desenvolvimento Canan; Pronovost; Billington; Adair)
pessoal
Tipos de Desenvolvimento profissional, afetivo, moral e cognitivo (Merriam; Clark)
desenvolvimento Desenvolvimento cognitivo, profissional e moral (Canan)
pessoal Desenvolvimento cognitivo, moral e afetivo (Billington)
Desenvolvimento afetivo e moral (Pronovost; Adair)
Tipos de Aprendizagem fundada na noção de significação (Merriam; Clark)
aprendizagem Aprendizagem fundada na noção de intencionalidade (Canan)
Papel da O papel da experiência no processo de aprendizagem dos adultos é interpretado de
experiência diferentes formas.
Experiência como um produto, englobando o conjunto de percepções, emoções e
conhecimentos acumulados no decurso da vida do aprendiz. Assim, a experiência de vida
constituiria o conteúdo de toda a aprendizagem, podendo favorecer o desenvolvimento do
adulto (Merriam; Clark; Adair; Billington).
Experiência como um processo pelo qual o adulto submete ao exame da realidade o
conteúdo de aprendizagem particular, que ele deseja integrar (Canan).
Operações que Merriam; Clark – cinco operações – atenção, reflexão, ligação dos acontecimentos ao
caracterizam os sistema de significação, assimilação ou rejeição, ação no sistema de significação.
processos de Canan – três operações – aquisição de um novo conteúdo de aprendizagem, compreensão
aprendizagem desse, tomada de consciência.
Produtos dos Produção de conhecimentos particulares tanto para Merriam e Clark como para Canan.
processos de Principais tipos de conhecimentos ligados a competências e aptidões relacionadas com a
aprendizagem especialização, uma integração de diversas dimensões psicológicas ligadas à própria
identidade da pessoa, bem como um aprofundamento de natureza religiosa, filosófica ou
científica ligado a uma compreensão pessoal do sentido da vida humana.
Papel da reflexão É analisado por Merriam e Clark e por Canan, os quais a interpretam de forma diferente.
Para Merriam e Clark a reflexão permite o aprendiz filtrar as informações correspondendo
a acontecimentos vividos à luz do seu próprio sistema de significação e, em alguns casos,
modificar o sistema após uma tomada de consciência, rejeitando certas crenças, valores,
normas ou expectativas pessoais. Assim, a reflexão permite questionar de forma crítica o
seu próprio quadro de referências, o que seria o diferencial da aprendizagem de adultos das
demais.
Para Canan a reflexão permite ao aprendiz perceber o sentido de conteúdos precisos de
forma a poder aplicar esses conteúdos. A reflexão é situada no centro dos processos
cognitivos e metacognitivos.
Papel da Para Merriam e Clark a autonomia assume característica fundamental na constituição da
autonomia identidade do adulto. Essa autonomia está relacionada ao crescimento e transformação dos
conhecimentos que resultam das aprendizagens significantes realizadas.
Para Canan a autonomia representa condição essencial, que no plano cognitivo, subentende
todo o ato de aprendizagem intencional.
Abordagem Todos os autores analisados utilizaram a abordagem qualitativa de pesquisa.
metodológica Abordagem descritiva foi utilizada por Merriam e Clark, Billington e Pronovost.
Abordagem hermenêutica foi utilizada por Adair e a fenomenológica por Canan.
Quadro 3 – Processos de aprendizagem dos adultos na perspectiva do desenvolvimento
Fonte: adaptado de Danis (1998, p. 21-93)
39

Os escritos de Merriam e Clark (1991) articulam-se em torno de dois conceitos


centrais: experiência de vida do adulto e significado atribuído a essa experiência.
Aprendizagem e experiência de vida do adulto: a experiência de vida, a qual está
associada aos acontecimentos marcantes relacionados com as dimensões do trabalho ou da
afetividade, pode implicar novas aprendizagens ou tornar-se ela própria fonte de
aprendizagem. A aprendizagem do adulto está centrada numa transformação da experiência
vivida e não numa acumulação de conhecimentos. Nessa abordagem, as autoras embasaram-
se em Dewey (1979) que acentua a noção de aprendizagem experiencial, Kolb (1997), que,
fundamentado em Dewey, propõe um modelo cíclico de aprendizagem experiencial e Jarvis
(1987), que, na mesma linha de Kolb (1997), concebe a aprendizagem como a transformação
da experiência em conhecimento.
Em relação aos processos dinâmicos pelos quais a aprendizagem realizada a partir da
experiência de vida conduz a um desenvolvimento pessoal, as pesquisadoras buscaram
referência em Rogers (1951) e Mezirow (1981, 1990), sendo este último o autor que propõe a
teoria mais completa para explicar como produz-se a aprendizagem a partir da experiência de
vida e, sobretudo, para explicar como uma tal aprendizagem pode implicar um tipo particular
de desenvolvimento do adulto.
Aprendizagem e significado atribuído à experiência vivida pelo adulto: nesse caso as
autoras interessaram-se mais por Mezirow (1981, 1990), que propõe uma teoria explicando os
processos de transformação que se podem produzir nos sistemas de significação pessoal de
cada aprendiz adulto, mediante três operações. A primeira refere-se a uma tomada de
consciência, permitindo ao adulto compreender de uma forma crítica os postulados de base,
que determinam a sua própria forma de perceber e compreender a realidade. A segunda
corresponde à seqüência de uma modificação de tais postulados, a elaboração de um novo
quadro de referência pessoal que permitiria ao adulto abrir-se mais as outras formas de
interpretar a sua realidade e integrar melhor o conjunto das suas próprias experiências. A
terceira corresponde às novas ações que o adulto seria chamado a realizar, em razão do seu
novo quadro de referências.
A relação intrínseca entre experiência, aprendizagem e desenvolvimento determina a
concepção de Merriam e Clark (1991) sobre aprendizagem como

um processo que quer atenção e reflexão por parte do adulto relativamente a uma
experiência determinada e que conduz a uma transformação, nesse adulto, em
relação aos seus comportamentos, atitudes, aptidões ou ainda em relação aos seus
conhecimentos ou as suas próprias convicções (apud DANIS, 1998, p. 35).
40

A reflexão torna-se ação essencial para que o sujeito estabeleça significação à


experiência vivida e aprenda com ela. Para ser significante, a aprendizagem deve ser
percebida subjetivamente pelo adulto como sendo pertinente. Também a aprendizagem só é
significante se exercer sobre o aprendiz um impacto real, seja relativa a um crescimento de
certas dimensões da sua pessoa, seja de uma transformação da sua pessoa na totalidade.

Nessa óptica, todo adulto filtraria e interpretaria cada experiência correspondente às


dimensões do trabalho ou da afectividade, a partir das suas próprias estruturas de
significação. A experiência nova seria assimilada quando em acordo com o sistema
de significação do aprendiz. Quando, pelo contrário, a experiência nova estivesse
em desacordo com esse sistema de significação, ela seria rejeitada ou poderia
traduzir um questionamento, que desencadearia uma modificação profunda desse
sistema de significação (DANIS, 1998, p. 36).

Os resultados da pesquisa de Merriam e Clark (1991) indicam que as aprendizagens


significantes que teriam exercido um impacto importante relativamente a um crescimento
produzido numa das dimensões da pessoa, estão ligadas à aquisição de competências precisas,
ao desenvolvimento de uma identidade pessoal mais autônoma e interdependente ou, ainda, a
um alargamento da filosofia de vida pessoal dos sujeitos investigados. As aprendizagens que
teriam exercido impacto real na transformação da pessoa em sua totalidade, estão ligadas a
uma modificação, gradual ou súbita, dos sistemas de significação dos adultos estudados.
As aprendizagens oriundas de acontecimentos construtivos e marcantes promovidos
por práticas produtivas, desenvolvem e educam o trabalhador, seja no crescimento de uma das
dimensões humanas, seja na transformação da pessoa.

2.1.4 Prática produtiva e princípio educativo

Se, por um lado, a escola ainda é a forma soberana de educação na sociedade, por
outro surge nos dias atuais um discurso que tende a afirmar que a educação escolar já não é
mais a única forma de educação e, sequer, a principal. Educa-se por meio de múltiplas
organizações, não apenas pela escola. Educa-se, por exemplo, pelos sindicatos, associações,
partidos, clubes recreativos, grupos voluntários. “Educa-se através do trabalho, através da
convivialidade do relacionamento informal das pessoas entre si” (SAVIANI, 1994, p. 158).
Salientando os processos pedagógicos vividos a partir das relações sociais que
ocorrem inclusive no ambiente de trabalho, Brandão (1986, p. 9) enfatiza que não existe um
modelo único de educação, tampouco um único lugar onde ela acontece (referindo-se a
41

escola). Também para Frigotto (1998, p. 147) a escola não é o único espaço de formação e de
aprendizado, enfatizando que “o fenômeno educativo acontece em outros espaços e tempos
sociais, em outras instituições, nas fábricas, nas igrejas e terreiros, nas famílias e empresas, na
rua e nos tempos de lazer, de celebração e comemoração, no trabalho”.
Num sentido amplo, a educação “abrange o conjunto das influências do meio natural e
social que afetam o desenvolvimento do homem na sua relação ativa com o meio social”
(LIBÂNEO, 2002, p. 87). Nas relações sociais de trabalho, isto é, na troca de experiências,
reflexão na e sobre a prática, busca dos objetivos comuns, trabalho em equipe, ajuda mútua,
compartilhamento de informações e conhecimentos, observação, entre outras, as pessoas se
educam e se desenvolvem. Transformando a realidade que o circunda, transforma-se por meio
dela. A transformação e o desenvolvimento do ser humano que ocorrem mediante práticas
produtivas, então, podem ser entendidas, num conceito ampliado de educação, como práticas
pedagógicas.
Somado a isso, o fato do homem “agir sobre a natureza, adaptando-a às necessidades
humanas, é o que conhecemos pelo nome de trabalho. Por isso podemos dizer que o trabalho
define a essência humana” (SAVIANI, 1994, p. 152).
Na busca de transformar a natureza, o homem utilizou e utiliza vários instrumentos.
Antes a força física, depois a máquina e, mais recentemente, o cérebro; em cada momento
necessitando de uma forma específica de formação, de educação. Em função disso, Saviani
(1994, p. 165) afirma que o trabalho “foi, é e continuará sendo o princípio educativo do
sistema de ensino em seu conjunto. Determinou o seu surgimento sobre a base da escola
primária, o seu desenvolvimento e diversificação e tende a determinar, no contexto das
tecnologias avançadas, a sua unificação”.
O trabalho como princípio educativo e sua centralidade na constituição humana
também são assumidos por Arroyo (1998, p. 152). Para o autor,

o trabalho como princípio educativo situa-se em um campo de preocupações com


os vínculos entre vida produtiva e cultura, com o humanismo, com a constituição
histórica do ser humano, de sua formação intelectual e moral, sua autonomia e
liberdade individual e coletiva, sua emancipação. Situa-se no campo de
preocupações com a universalidade dos sujeitos humanos, com a base material (a
técnica, a produção, o trabalho), de toda atividade intelectual e moral, de todo o
processo humanizador.

As experiências e práticas pedagógicas vivenciadas por meio de atividades produtivas,


possibilitam a atribuição de vários sentidos ao trabalho, da promoção da emancipação à
elevação da alienação do sujeito.
42

2.1.5 O trabalho e seus sentidos

O trabalho pode ter, para algumas pessoas, a condição de neutralidade e, para outras,
de centralidade na identidade pessoal e social (MORIN; TONELLI; PLIOPAS, 2003). Para a
maioria, o trabalho é a atividade principal, superior a atividades religiosas, familiares, de
lazer. O homem chegou a ser considerado produto do seu trabalho (PINTO, 2003, p. 79). “O
trabalho é uma atividade central na história humana, em seu processo de sociabilidade e
mesmo para a sua emancipação” (ANTUNES, 2004, p. 10). O trabalho “é a condição básica e
fundamental de toda a vida humana. É em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que
o trabalho criou o próprio homem” (ENGELS, 2004, p. 13). Na opinião de Kosik citado por
Frigotto (1998, p. 29), o trabalho “é um processo que permeia todo o ser do homem e
constitui a sua especificidade”.
O trabalhador faz-se e se transforma em sua atividade produtiva.

Modificando a realidade que o circunda, modifica-se a si mesmo. Produz objetos e,


paralelamente, altera sua própria maneira de estar na realidade objetiva e de
percebê-la. E – o que é fundamental – faz a sua própria história. Toda a chamada
história mundial – assegura Marx - não é senão a produção do homem pelo trabalho
humano (FRIGOTTO, 1998, p. 29).

Essa centralidade do trabalho, de construção e emancipação do sujeito, de razão de ser


das pessoas, no entanto, parece ter se esfacelado no decorrer da história, por conta da
intensificação do sistema capitalista de produção, dos efeitos perversos no âmbito social
ocasionados pelo crescimento econômico e a modernização, das altas taxas de desemprego e
de subempregos, que reduzem a oferta de trabalhos minimamente decentes (SACHS, 2004).
O trabalhador, nesse contexto, não vê mais na atividade produtiva inspiração para sua
felicidade, sua satisfação afetiva, psicológica e social. Dejours (1996) explica que isso ocorre
também em razão do desequilíbrio psíquico que as pressões do trabalho geram no indivíduo.
Essas pressões derivam da própria organização do trabalho. Por organização do trabalho
entendem-se a divisão das tarefas e a divisão dos homens: a primeira atinge a questão do
interesse e do tédio no trabalho; a segunda, atinge as relações que os trabalhadores
estabelecem entre si no próprio local de trabalho.
Para melhor compreender a relação psíquica entre o trabalhador e a situação de
trabalho, Dejours (1996) sugere que sejam considerados dois enfrentamentos: 1) o encontro
entre registro imaginário (produzido pelo sujeito) e registro da realidade (produzido pela
situação de trabalho); 2) o encontro entre registro diacrônico (história singular do sujeito, seu
43

passado, sua memória) e registro sincrônico (contexto material, social e histórico das relações
de trabalho). Dessa análise se concebe o homem concreto, vivo, reativo e sofredor, animado
por uma subjetividade. Essa concepção é diferente da do homem abstrato, ideal, normalmente
caracterizado pelas Ciências Administrativas (TENÓRIO, 2000).
O trabalho é a ocasião de transportar o cenário original do sofrimento para a realidade
social. A diferença é que, nesse caso, os parceiros do cenário são outros trabalhadores que
possuem os mesmos objetivos: os do campo da produção. “Pela intermediação do trabalho, o
sujeito engaja-se nas relações sociais, para onde ele transfere as questões herdadas de seu
passado e de sua história afetiva” (DEJOURS, 1996, p. 157).
Na verdade, na relação com o trabalho o ser humano busca mais que sua sobrevivência
e o status que este pode lhe proporcionar. “O trabalho é uma grande fonte de referência para a
construção social dos homens e de sua autoestima, o que significa dizer que essa relação passa
pelo afetivo e pelo psicológico” (FREITAS, 2000, p. 42).
Dejours (1996, p. 160) chega a afirmar que “o prazer no trabalho é um produto
derivado do sofrimento”, motivo por que não é interessante eliminar o sofrimento do trabalho.
Nesta concepção, “o prazer no trabalho, fundamental para manutenção da saúde e da
normalidade, decorre da transformação do sofrimento em criações reconhecidas no espaço
público, seja ele na própria organização ou na sociedade” (MORIN; TONELLI; PLIOPAS,
2003, p. 4). Nesse caso, o problema a ser enfrentado pelas Ciências Administrativas é dar
condições para o próprio trabalhador gerir seus sofrimentos, em proveito da sua saúde e da
produtividade.
Somado a isso, sabe-se que o positivismo nasce no intuito de validar o objeto
positivado, que passa a estar no lugar da verdade. Por isso, atualmente o sujeito está
dependente do valor simbólico atribuído ao objeto. “O objeto se torna persecutório quando,
em lugar de se manter na posição de causador do desejo se constitui em máquina de sua
satisfação” (JERUSALINSKY, 2000, p. 39). Essa satisfação se dá, seja por possuir o objeto,
“seja por fabricá-lo, seja por dominá-lo ou por usufruí-lo, eis como o sujeito encontra seu
valor” (p. 37).
Jerusalinsky (2000, p. 40) chama a atenção para o fato que, “na nossa sociedade, a
ciência propõe-nos a promessa de que, mais cedo ou mais tarde, ela será capaz de produzir o
objeto completamente adequado a nossa satisfação”. Isso quer dizer que nessa sociedade não
há lugar para o sujeito do desejo, apenas para o objeto da realização. Nessa mesma direção,
entende que o discurso social atual pode ser analisado segundo três eixos:
44

uma prevalência do lugar, da posição do objeto como fonte de saber sobre o sujeito;
uma ruptura de transmissão entre as gerações com a conseqüente ruptura dos
mecanismos de amortecimento dos processos de transformação econômico-sociais;
e uma quebra dos sistemas de valor nas equivalências do trabalho
(JERUSALINSKY, 2000, p. 46).

No que concerne aos valores do trabalho, objetivo deste item, Jerusalinsky (2000)
corrobora com os autores anteriormente citados a respeito da divergência e fragilidade dos
valores atribuídos ao trabalho. Nesse sentido, aponta-se para a necessidade da sociedade pós-
industrial repensar o papel do trabalho na vida das pessoas.
Entre outros pesquisadores, esta discussão tem sido feita por Morin, Tonelli e Pliopas
(2003) que apresentam uma síntese das idéias dos principais pesquisadores que estudam os
sentidos do trabalho (Quadro 4).

Principais autores Principais conceitos


MOW (1987) O trabalho acrescenta valor a alguma coisa – Padrão A
O trabalho é central na vida das pessoas – Padrão B
O trabalho é uma atividade que beneficia os outros – Padrão C
O trabalho não é agradável – Padrão D
O trabalho é exigente física e mentalmente – Padrão E
O trabalho é uma atividade regular remunerada – Padrão F
Emery (1964, 1976) O trabalho apresenta variedades e é desafiador
Trist (1978) O trabalho traz aprendizagem contínua
Jacques (1978) O trabalho permite autonomia e decisão
O trabalho é reconhecido
O trabalho traz contribuição social
O trabalho pode ser usado como uma defesa contra a angústia
Morin (1996, 1997, 2002) O trabalho é eficiente e produz um resultado útil
Há prazer na realização da tarefa
O trabalho permite autonomia
O trabalho é fonte de relações humanas satisfatórias
O trabalho mantém as pessoas ocupadas
O trabalho é moralmente aceitável
Quadro 4 – Sentidos do trabalho
Fonte: Morin, Tonelli e Pliopas (2003, p. 3)

Nota-se que os pesquisadores do grupo Meaning of Work (MOW) apresentam seis


conceitos sobre trabalho, os quais são divididos por padrões, sendo que destes, apenas um se
relaciona ao sofrimento (não agradável). Os demais conceitos e autores entendem o trabalho
como fonte de satisfação, prazer, autonomia, reconhecimento, sobrevivência e aprendizagem.
Morin, Tonelli e Pliopas (2003, p. 4), entretanto, com base em resultados de pesquisas,
afirmam que o “sofrimento existe, exatamente pela centralidade que o trabalho ocupa na
organização da identidade e na construção dos sujeitos contemporâneos”.
Para Vergara (2000a) existem elementos que estão presentes num trabalho
significativo e satisfatório, como a promoção da aprendizagem e do desenvolvimento da
pessoa, a oportunidade de proporcionar às pessoas um papel social nas atividades da
45

sociedade, a oportunidade de produzir bens e serviços desejados pela sociedade e que as


organizações, a título de também desempenharem o seu papel, devem oferecer.
Complementando a idéia de Vergara (2000a), Hackman e Oldham (1976) defendem
que um trabalho com sentido é fruto da variedade de tarefas, da forte relação entre as
características do trabalho e a identidade do trabalhador e a oportunidade de realizar
atividades que gerem resultados satisfatórios para as pessoas, a organização ou a sociedade.
Os representantes da Escola Sociotécnica (apud MORIN; TONELLI; PLIOPAS,
2003) acrescentam que o trabalho precisa ter seis características para ter sentido: ter variedade
e ser desafiador; possibilitar aprendizagem contínua; permitir autonomia e decisão;
possibilitar reconhecimento e apoio; trazer uma contribuição social e permitir um futuro
desejável.
Na opinião de Morin (2002), cinco são os motivos que podem levar o trabalhador a
perceber o trabalho com sentido: quando o trabalho permite a realização e atualização do seu
potencial; a segurança e a autonomia; a relação com os outros e a participação em grupos; a
contribuição com a sociedade e o fato de dar sentido à vida.
A pesquisa desenvolvida por Morin, Tonelli e Pliopas (2003) permite visualizar
quando o trabalho tem ou não sentido, por meio dos principais significados atribuídos ao
trabalho e a partir de três dimensões: individual, organizacional e social (Quadro 5). Destaca-
se que as informações do quadro resultam de pesquisas empíricas desenvolvidas pelas autoras.
O trabalho também precisa ser fonte de experiências de relações humanas satisfatórias,
o que inclui encontrar pessoas honestas, de caráter, com quem se possa desenvolver laços
afetivos. O trabalho que tem sentido possibilita autonomia e representa certa segurança de
sobrevivência econômica, além de ocupar o tempo da vida das pessoas, evitando o vazio, a
ansiedade, as angústias (MORIN; TONELLI; PLIOPAS, 2003).
Com o mesmo enfoque, Oliveira et al (2004), após realizarem investigação com
profissionais/estudantes participantes de um curso de Pós-Graduação, concluíram que um
trabalho com sentido pode ser influenciado por quatro variáveis subjetivas: “a) o significado
do trabalho, entendido como a concepção do que é trabalho para o indivíduo; b) o valor (grau
de importância, centralidade) que o sujeito atribui ao trabalho; c) os valores éticos individuais;
e d) o motivo (a razão) pela qual trabalha” (p. 15). Além disso, para as autoras, o contexto
social e cultural em que o indivíduo está inserido influencia na sua opinião sobre o trabalho.
46

Dimensão Significados Um trabalho tem sentido se... Um trabalho não tem


sentido se...
Quem exerce o trabalho sente É enfadonho
prazer, gosta do que faz
É um desafio a ser superado Quem exerce não tem
Satisfação pessoal responsabilidade sobre seu
próprio trabalho
A pessoa percebe sua Quem o exerce não contribui
contribuição como única e na sua criação e concepção
criativa
Remunera financeiramente quem
trabalha
Dimensão Independência e Permite que algum dia o
individual sobrevivência indivíduo alcance qualidade de
vida melhor
Dá a sensação de independência
financeira e psicológica
Não explora o potencial de
Crescimento e Crescimento profissional/ quem o exerce
aprendizagem aprendizagem Não há crescimento de quem
o exerce
Fornece identidade a quem exerce
A empresa na qual a pessoa Há o ócio, se não há trabalho
Identidade trabalha é reconhecida
É símbolo de status
Quem exerce percebe o processo
Utilidade do início ao fim Ninguém dá importância
Dimensão Tem utilidade para a organização Inútil para a organização
organizacional A pessoa tem oportunidade de
Relacionamento relacionar-se com outros
Alguém da organização dá o
reconhecimento
Inserção social Permite inserção social
Dimensão social Contribui para a sociedade
Contribuição social É considerado ético e moralmente
aceitável
Quadro 5 – Trabalho com e sem sentido
Fonte: adaptado de Morin, Tonelli e Pliopas (2003, p. 6)

A variedade na natureza das tarefas, aprendizagem, autonomia, reconhecimento,


interação, segurança, contribuição social, bem como a função de garantir a sobrevivência e o
sentido à vida, são cruciais para que o trabalho tenha sentido. Para o trabalho atingir essas
características (sentidos), as organizações, representando os empregadores, têm grandes
responsabilidades. Por outro lado, os trabalhadores não podem ser eximidos de sua parcela de
responsabilidades. A conciliação dos objetivos pessoais e organizacionais deve ser uma busca
conjunta, tanto da organização como do trabalhador.
47

2.1.6 Desenvolvimento humano e autodesenvolvimento

O desenvolvimento representa a obtenção de um contexto, meio ou situação “que


possibilite a potencialização do ser humano para que ele se transforme em pessoa humana, na
sua dupla dimensão biológica e espiritual, capaz nesta última condição de conhecer e amar”
(BOISIER, 2006).
Deste modo, o desenvolvimento humano (DH), de forma ampla, tem a ver com as
pessoas, com o alargamento de suas escolhas para viverem de acordo com seus interesses,
com liberdade e dignidade. O progresso tecnológico, o avanço da ciência, o crescimento
econômico, bem como a economia globalizada, contribuem para o desenvolvimento humano
na medida em que resulta na expansão das escolhas dos indivíduos e auxilia na “criação de
um ambiente no qual as pessoas possam desenvolver seu pleno potencial e levar vidas
produtivas e criativas” (PNUD, 2002, p. 13).
Coraggio (2000, p. 40) compactua com a idéia de desenvolvimento humano como
aumento de oportunidades e liberdade. O autor define o DH

como o processo de ampliação do campo de escolhas das pessoas, aumentando suas


oportunidades de educação, assistência médica, renda e emprego, cobrindo o
espectro completo das escolhas humanas, desde um meio ambiente físico saudável
até as liberdades econômicas e humanas.

Na mesma direção, Amartya Sen (2000), prêmio Nobel de Economia em 1998,


defende o desenvolvimento como liberdade. Sen (2000, p. 10) explica que o desenvolvimento
consiste na “eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades
das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente”.
O relatório de desenvolvimento humano (PNUD, 2002, p. 13) destaca que as
capacidades básicas para o desenvolvimento humano são “levar uma vida longa e saudável,
ser educado, ter acesso aos recursos necessários para um padrão de vida digno e poder
participar da vida da comunidade”.
O desenvolvimento humano, então, não pode ser utilizado como sinônimo de melhores
condições financeiras para adquirir bens, produtos e serviços, apenas. Ele é calculado pelo
índice de desenvolvimento humano (IDH), criado em 1990, que mede três dimensões do
conceito de desenvolvimento humano: viver uma vida longa e saudável, ser instruído e ter um
padrão de vida digno. “Assim combina indicadores da esperança de vida, escolarização,
alfabetização e rendimento, para permitir uma visão mais alargada do desenvolvimento dum
48

país do que usando apenas o rendimento – que, freqüentemente, é equiparado ao bem-estar”


(PNUD, 2002, p. 34).
Sendo a atividade produtiva a ocupação principal dos adultos e a razão de ser de boa
parte dos indivíduos, entende-se que ela desempenha papel primordial na qualidade de vida e
no desenvolvimento das pessoas. O trabalho que atinge esse sentido é propulsor de
aprendizagens, o que pode inclusive permitir um alargamento das escolhas e um grau de
liberdade maior. Em outras palavras, tanto o trabalho como a educação tem relação estreita
com o desenvolvimento humano dos sujeitos.
Em contrapartida, não se pode ignorar que parcela significativa da população
encontra-se excluída de qualquer atividade produtiva e outra em trabalho sem as mínimas
condições e remuneração digna, o qual Sachs intitula de trabalho não-decente. Diante disso, é
extremamente intrigante e desafiador pensar o desenvolvimento humano e o desenvolvimento
includente, sustentável e sustentado defendido por Sachs (2004). O próprio autor acredita,
porém, que o Brasil tem potencialidades capazes de transformar o país em uma “fábrica de
empregos decentes”.
Em se tratando do desenvolvimento de adultos, é concebido por Adair (1990),
Billington (1990), Merriam e Clark (1991), Canan (1991) e Pronovost (1993) como a
atualização do potencial do ser humano e pode estar ligado ao desenvolvimento afetivo,
cognitivo, moral e profissional.
Danis e Solar (1998) estabelecem uma relação bidirecional entre aprendizagem e
desenvolvimento, em que um alimenta o outro ao mesmo tempo em que um favorece o outro.
Por essa razão, o conteúdo apreendido constitui o conceito central. Para que ocorra o
desenvolvimento, os conteúdos devem ser significantes para o adulto da mesma forma que o
sentido atribuído à experiência e à aprendizagem é primordial e permite a integração dos
conhecimentos. Os conteúdos correspondem essencialmente aos saberes que alimentam as
identidades pessoal, profissional e social (coletiva).
Um segundo conceito central para Danis e Solar (1998) nessa perspectiva de
desenvolvimento, é o processo pelo qual ocorre a aprendizagem dos adultos. Nesse caso, as
autoras destacam a experiência e a reflexão. Entendem que um conteúdo desajustado com a
experiência inibirá a aprendizagem e bloqueará o desenvolvimento. A experiência valida o
sentido dos conteúdos. A reflexão, por sua vez, contribui no aprofundamento das
aprendizagens e na produção de conhecimentos, além de promover o desenvolvimento do
pensamento, o qual é responsável por uma experiência ser fonte de aprendizagem e de
desenvolvimento para um adulto e não para outro.
49

A relação entre aprendizagem e desenvolvimento elucida a necessidade do papel ativo


do indivíduo. O adulto, portanto, é capaz do seu próprio desenvolvimento. O
autodesenvolvimento, assim, “é um processo auto-iniciado de aprendizagem, cujos
elementos-chaves no processo são autoconsciência, reflexão e experimentação e cujas
dimensões são o desenvolvimento, a pessoa vista no seu todo e a responsabilidade pessoal”
(ANTONELLO, 2004, p. 54).
O autodesenvolvimento está associado ao autoconhecimento para Dutra (2006), pois
para o indivíduo direcionar o seu desenvolvimento deve conhecer-se, saber-se, identificar suas
necessidades, potencialidades, comportamentos e valores. Esse processo de reconhecimento
repercute em seu potencial de aprendizagem. Três níveis de autoconhecimento são apontados
por Antonello (2004): conhecimento do que posso fazer; conhecimento do que sei; e
conhecimento de quem sou e quem desejo ser. A autoconsciência, por conseguinte, abrange as
forças e fraquezas da pessoa.
No tocante à reflexão e à experimentação, elementos do autodesenvolvimento, os
conceitos e teorias discutidas na educação de adultos (tópico 2.1.3), já apontaram esses
processos como cruciais à aprendizagem do sujeito e ao seu desenvolvimento. O ciclo de
aprendizagem – experiência, observação, reflexão, ação – (KOLB, 1984, 1997), a
aprendizagem pela experiência (MEZIROW, 1990), a experimentação na prática mediante a
reflexão sobre a ação e na ação (SCHÖN, 2000) são exemplos. Esses processos, por
enfatizarem a reflexão e a experimentação, incentivam o autodesenvolvimento.
No que diz respeito ao desenvolvimento, primeira dimensão que constitui o conceito
de autodesenvolvimento, está ligada a concepção abrangente de ampliação de oportunidades,
dissolução das fronteiras da vida do indivíduo e extensão da sua liberdade. A segunda
dimensão – a pessoa no seu todo – sugere que os significados das aprendizagens e do
desenvolvimento são ou deveriam ser percebidos nas diferentes dimensões humanas,
englobando conhecimentos nos planos pessoal, profissional e social. A responsabilidade
pessoal (terceira dimensão) representa a escolha do sujeito das metas, metodologias, avaliação
dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento. As concepções de desenvolvimento e
de autodesenvolvimento, assim, são muito similares. A principal diferença está na dimensão
“responsabilidade pessoal” implicada no autodesenvolvimento.
O autodesenvolvimento, desse modo, enfatiza a escolha, a responsabilidade e a
autodireção do sujeito (VIANA, 1999). Ele não pode ser forçado a aprender ou desenvolver-
se, exige seu consentimento, sua vontade e sua determinação (ANTONELLO, 2004). Essa
concepção é semelhante a da aprendizagem autodirecionada postulada por Merriam e
50

Caffarella (1999) que ocorre especialmente no adulto, mediante sua reflexão, iniciativa,
diagnóstico, intenção e controle.
Ao ter consciência de suas fragilidades e possibilidades, o sujeito delineará objetivos
de desenvolvimento e direcionará energias em prol do ideal desejado. O hiato entre a
percepção da realidade e a visão de onde poderá chegar, no ponto de vista de Senge (1990), é
uma fonte de energia, intitulada de tensão criativa, que levará o sujeito a agir ativamente
diante dos desafios que se apresentarem, ao invés de apenas reagir. A tensão criativa é
definida por Antonello (2004, p. 61) como “uma força resultante da tendência natural do
indivíduo de buscar uma solução para as tensões encontradas, que surgem em função da
discrepância entre a realidade percebida e a realidade desejada”. A reflexão é primordial
também nesse processo, capacidade que permitirá ao sujeito perceber seus pressupostos,
traçar propósitos e ampliar seus modelos mentais.
Senge (1990) também explica que a tensão criativa pode provocar sentimentos ou
emoções ligadas a ansiedade, tristeza, desestímulo e preocupações, os quais o autor intitula de
tensão emocional. A tendência é aliviar a tensão emocional ajustando a tensão criativa – a
visão – tornando as metas mais próximas da realidade, mas essa atitude poderá ser uma
solução sintomática e temporária. O desafio é o indivíduo aprender a cultivar e a equilibrar a
tensão entre realidade e visão, deste modo, ampliará sua capacidade de escolha e alcançará
resultados mais próximos aos escolhidos. O autodesenvolvimento, assim, “é uma atitude
adquirida, de interesse e esforço com relação a dificuldades, desafios e oportunidades”
(ANTONELLO, 2004, p. 64).
O processo de autodesenvolvimento gera uma mentalidade de transformação por
incentivar o ser humano a buscar e nutrir mudanças em si próprio, por isso estimula a criação
e a construção, afastando-se da adaptação e reação ao meio em que está inserido. Antonello
argumenta que o autodesenvolvimento, especialmente nas organizações de aprendizagem,

possibilita ao funcionário da empresa, independentemente de sua posição


hierárquica, a conquista de sua autonomia como ser, permitindo-lhe o pleno uso de
sua liberdade de escolher alternativas, de fazer opções durante a aprendizagem, a
qual, na verdade, é constante. Se incentivada a autonomia do funcionário na
organização, necessariamente o seu pensamento crítico é estimulado, o que é base
da expressão humana (2004, p. 54).

Antonello (2004) descreve, ainda, cinco comportamentos essenciais ao


autodesenvolvimento (Quadro 6).
51

Comportamento Capacidade de ...


Abertura reexaminar constantemente suas premissas e crenças.
Pensamento ver conexões entre eventos, assuntos e detalhes de dados e de pensar no todo e não em
sistêmico partes isoladas.
Criatividade transpor o medo do fracasso e das conseqüências organizacionais, assim como flexibilidade
para abandonar rotinas e hábitos enraizados, manifestando um comportamento criativo.
Eficácia pessoal ver a si próprio com precisão.
Empatia estabelecer relacionamentos na organização e, com isso, levar em consideração dimensões
diferentes para a mesma questão.
Quadro 6 – Comportamentos essenciais para o autodesenvolvimento
Fonte: adaptado de Antonello (2004, p. 63)

Os elementos, atitudes e características do desenvolvimento e do autodesenvolvimento


canalizam constructos que consistem em dar condições e permitir ao ser humano a criação de
novos pensamentos, proporcionando-lhe oportunidades de construir sua própria forma de
pensar e agir, de aprender a aprender, e, sobretudo, transformar-se.
Essa transformação requer o controle da atividade produtiva, autonomia e liberdade
para decidir (TENÓRIO, 2004) o que fazer, como fazer, o que aprender, como aprender,
assim como a qualidade de vida está intimamente ligada ao tipo de trabalho realizado, um
trabalho com ou sem sentido, um trabalho que humaniza ou que explora a pessoa, um trabalho
emancipatório ou alienante. As organizações formais, contudo, têm seus limites de ordem
econômica, estrutural e social que as dificultam de promover o desenvolvimento humano em
seu sentido pleno. Por outro lado, iniciativas nessa direção são possíveis desde que a empresa
se proponha a esse fim e tenha consciência da dimensão social além da econômica. Nesse
contexto, o desenvolvimento humano no ambiente de trabalho é um desafio ou uma utopia?
Até que ponto a organização permite que o trabalhador seja um agente e não um simples
expectador, executador ou peça na engrenagem? Em que medida o trabalhador tem liberdade
para pensar, agir, refletir, dialogar, aprender, no âmbito organizacional?
Etzioni (1984) reconhece o dilema vivido no interior das organizações em relação ao
conflito entre a necessidade de ela produzir cada vez mais, melhor e em menor tempo – ser
competitiva – e as necessidades dos seres humanos que dela fazem parte, de serem
reconhecidos, autônomos, agentes de mudança, etc. Como resolver ou, ao menos, minimizar
esse conflito? Este deve ser o principal desafio das pessoas que convivem com isso na prática
e também das que adotaram a área organizacional como objeto de estudo.
Apesar desse conflito, os Estudos Críticos da Administração (ECA) defendem a
autonomia e a responsabilidade do sujeito no ambiente de trabalho, e, em última instância, a
emancipação do ser humano, inerentes ao desenvolvimento pessoal e ao
autodesenvolvimento. A autonomia é entendida como a capacidade dos seres humanos
52

construírem julgamentos independentes, sem que sejam atrelados à subordinação e às


desigualdades de riqueza, de poder e de conhecimento. A responsabilidade corresponde ao
desenvolvimento de uma consciência em torno da interdependência social, bem como a
compreensão da responsabilidade coletiva que cada indivíduo exerce. Assim, a transformação
emancipatória ocorre “à medida que as pessoas procuram mudar – pessoal, coletiva e
progressivamente – seus hábitos e as instituições que impedem o desenvolvimento de sua
autonomia e de sua responsabilidade” (ALVESSON; WILLMOTT apud DAVEL;
ALCADIPANI, 2003, p. 74).
A explicitação desses conceitos pelos ECAs leva a crer que os teóricos
organizacionais dessa linha estão preocupados com a emancipação do ser humano no âmbito
das atividades produtivas, reconhecem a importância do trabalho na vida das pessoas e a
necessidade das organizações de promoverem a atualização do potencial humano em seu
interior, apesar de suas fronteiras, intrínsecas a todas elas.
No próximo tópico a abordagem volta-se às definições e políticas das organizações e
às práticas e estratégias de gestão, objetivando compreender seus limites e possibilidades de
oportunizar o desenvolvimento humano.

2.2 Organização e Gestão

O surgimento do pensamento administrativo, das organizações e da gestão e como eles


se apresentam na contemporaneidade, são aqui discutidos. Aborda-se, em especial, a gestão
em empresas familiares, objeto desse estudo, bem como a gestão de pessoas na perspectiva do
desenvolvimento do trabalhador.

2.2.1 Surgimento e evolução do pensamento administrativo

O surgimento do pensamento administrativo remete à consolidação do capitalismo, o


qual teve início com a acumulação primitiva do capital.
A acumulação primitiva do capital, assim denominada pelos economistas, referindo-se
a fonte inicial de lucros, a qual levou a acumulação de capital, possibilitando a emergência da
economia capitalista industrial, ocorreu por diversas razões, entre elas o declínio das bases do
sistema feudal, a produção de manufaturas e as corporações de ofício, a emergência da
burguesia mercantil como classe hegemônica, a consolidação do estado absolutista, a
53

substituição progressiva das corporações de ofício pelo trabalho assalariado, a inflação de


preços dos séculos 18 e 19, e o cercamento dos campos (MOTTA; VASCONCELOS, 2005).
Esses acontecimentos permitiram que a Inglaterra, na metade do século 19,
consolidasse a maior potência econômica da época: a indústria e o capitalismo de livre
concorrência. Já no final do século 19, os Estados Unidos tornou-se a principal potência
industrial do mundo. A Revolução Industrial foi responsável por um crescimento econômico
impressionante e fabuloso e por transformações de ordem econômica, social, política e
cultural (MOTTA; VASCONCELOS, 2005). Em torno dessas transformações, “toda a
racionalidade foi submetida aos ditames da racionalidade instrumental, cuja expressão teórica
suprema é a própria ciência moderna, o que, entendida positivamente, troca toda a aspiração
do conhecimento do mundo por sua utilização técnica”, escreve Mühl (2003, p. 136).
Diante desse contexto, Max Weber (1969), economista, sociólogo e filósofo, estudou
as relações entre a economia e a sociedade, mais especificamente, as formas de autoridade
existentes na sociedade e como elas legitimavam-se. Weber identificou três tipos de
autoridade: tradicional, carismática e racional-legal.
A autoridade racional-legal, baseada em regras e normas estabelecidas por
regulamentos reconhecidos e aceitos por uma determinada população, fundamentou o Estado
Moderno. Da mesma forma, pelas suas características, foi a autoridade considerada mais
adaptada às mudanças sociais da época e ao surgimento da sociedade industrial e que originou
e embasou a burocracia enquanto forma organizacional (WEBER, 1969).
Sob a orientação da racionalidade instrumental, o pensamento administrativo surgiu da
consolidação da lógica de mercado e das estruturas burocráticas, como “a forma de
organização do trabalho humano com o objetivo inicial de aumentar a produtividade e gerar
lucro” (MOTTA; VASCONCELOS, 2005, p. 11).
No entendimento de Wood Jr. (1992, p. 8), a organização burocrática foi definida por
Weber (1969) “pela ênfase na precisão, velocidade, clareza, regularidade, confiabilidade e
eficiência atingidas através da criação de uma divisão rígida de tarefas, supervisão hierárquica
e regras e regulamentos detalhados”. Essas características deveriam ser absorvidas pelas
organizações em função do novo contexto que se configurava.
A burocracia foi concebida como uma solução organizacional por evitar confrontos
entre indivíduos e grupos e abusos de poder. O pressuposto é que a definição de regras e
procedimentos a serem seguidos e executados rotinizam a administração como as máquinas
rotinizam a produção e por isso diminuem as incertezas e riscos.
54

Weber (1969, p. 179) defendeu a burocracia como a única forma de administrar as


organizações no contexto capitalista.

La necesidad de una administración más permanente, rigurosa, intensiva y


calculable, tal como la creó – no solamente él, pero ciertamente y de modo
innegable, él ante todo – el capitalismo (sin la que no puede subsistir y que todo
socialismo racional tendrá que aceptar e incrementar), determina el carácter fatal de
la burocracia como medula de toda administración de masas.

As empresas que buscavam tornarem-se competitivas dentro da nova lógica que se


estabeleceu de mercado, adotaram a burocracia enquanto forma organizacional. Assim e,
sobretudo, o pensamento administrativo “surge como conseqüência do processo de
modernização da sociedade e é a expressão da lógica burocrática” (MOTTA;
VASCONCELOS, 2005, p. 20). Nesse sentido,

a razão instrumental é reducionista, unidimensional, levando o sujeito a


desenvolver um tipo de procedimento em que o mundo exterior é reduzido a um
objeto que pode ser manipulado de acordo com seu interesse. Isso determina um
nível de ação teleológica exclusivamente técnica, interesseira, em que predomina a
dominação do sujeito sobre o real; ao sujeito cabe estabelecer os fins e eleger os
meios de toda a ação (MÜHL, 2003, p. 140).

Chanlat (2000, p. 48) explica que quanto à razão instrumental “o ser humano aparece
na maior parte do tempo como um ser abstrato, um objeto econômico e um indivíduo sem
afeto, sem história e sem cultura. Ele inscreve-se em um projeto instrumental que confere
todas as virtudes a [...] lógica técnica”.
A racionalização do trabalho foi o momento em que a produção manual deu lugar à
produção em massa, mas também que o humanismo cedeu ao racionalismo (WOOD JR.,
1992), consolidando a organização mecanizada (MORGAN, 1996). “Essa visão ordenada de
meios e fins não passa de um enfoque ideal-funcionalista que fere mortalmente a realidade
social de determinada sociedade” (TENÓRIO, 2004, p. 25). Mühl (2003, p. 136) corrobora
com Tenório, afirmando que a “razão – que havia surgido como o recurso capaz de solucionar
os problemas humanos – transformou-se num mecanismo de destruição da humanidade”.
Tenório (2004) argumenta ainda que a ação racional administrativa tende a evitar a
reflexão do sujeito e a sua compreensão dos meios utilizados na prática gerencial, tornando a
razão instrumental auto-suficiente e inclusive distorcida da realidade.
A “evolução” do sistema administrativo ocorreu com Taylor (1911), mediante o
aperfeiçoamento das regras e estruturas internas da organização e com Fayol (1925), o qual
definiu a clássica divisão das funções do administrador em planejar, organizar, coordenar,
55

comandar e controlar. O foco principal continuou sendo as organizações como sistemas


racionais que devem operar de forma mais eficiente possível, semelhante a uma máquina.
A tentativa de Taylor e seus discípulos foi de resolver o problema da produção,
oferecendo melhores salários aos trabalhadores e melhores benefícios às empresas e, com
isso, abrir caminhos para o progresso econômico e social. O taylorismo foi a primeira
experiência de racionalização do trabalho nas organizações (CHANLAT, 2000), por meio da
fixação de metas e o estabelecimento de formas para atingi-las, a organização de tudo e de
maneira racional, clara e eficientes, o detalhamento de todas as tarefas e, principalmente o
controle, controle, controle... (WOOD JR., 1992).
Mesmo nos dias de hoje, indústrias ou departamentos empresariais procuram na
administração científica resposta para seus problemas. Contudo, “isto pressupõe condições
ambientais estáveis, produtos com poucas mudanças ao longo do tempo e previsibilidade do
fator humano” (WOOD JR., 1992, p. 8). É visível que as mudanças aceleradas têm
desaparecido com esse tipo de ambiente e que prever o comportamento humano corresponde a
uma visão extremamente restrita do indivíduo. Em outras palavras, a gestão taylorista-fordista
não responde à demanda organizacional e social, embora tenha sido a responsável pelo
sucesso de muitas organizações.
A partir do taylorismo-fordismo, o que se pode verificar “é a promoção constante do
ajustamento do empregado ao processo de produção, independentemente do potencial
racional-substantivo que o homem traz consigo para dentro das organizações” (TENÓRIO,
2004, p. 34), o que o torna vítima do sistema e impede sua emancipação. Diante disso, não há
como negar limitações do conjunto das teorias organizacionais.
Outro “avanço” do pensamento administrativo foi por meio dos estudos da Escola de
Relações Humanas, representada por teóricos como Mayo, Maslow, Herzberg, McGregor,
entre outros. Os estudos indicaram que o ser humano, agora concebido como homo social, tem
necessidades complexas e específicas e, se satisfeitas, produzem mais.
Aos pressupostos da Escola de Relações Humanas, somados à visão contingencialista,
que se caracteriza pela presença de um ambiente altamente dinâmico e a necessidade da
organização perceber as oportunidades do mercado para competir, Wood Jr. intitulou de
gestão toyotista. Para Wood Jr. (1992), o pensamento administrativo adquire um novo
patamar mediante a possibilidade e condições de flexibilizar a produção. Essa organização
assume características de organismo (MORGAN, 1996).
56

A imagem de sistema vivo remete ao entendimento da organização como sistema


aberto, que precisa integrar as suas necessidades e a dos indivíduos; buscando harmonia entre
estratégia, estrutura, tecnologia, inovação e as dimensões humanas (MORGAN, 1996).
Numa visão mais ampla, no entanto,

o toyotismo, em essência, não seria mais que uma evolução do fordismo. Este ponto
de vista encontra respaldo na análise do seu surgimento e equivale a dizer que o
sistema estaria exposto as mesmas contradições básicas do seu antecessor. Sua
vantagem competitiva, na comparação com o fordismo, seria uma maior
adaptabilidade às condições ambientais. Mas mesmo esta adaptabilidade talvez
esteja se aproximando de um limite de ruptura (WOOD JR., 1992, p. 15).

O pensamento administrativo está enraizado na burocracia e na racionalidade


funcional, e esse fato parece ser o responsável pelas iniciativas de avanço serem mais numa
linha de aperfeiçoamento do entendimento original. Embora categorias novas tenham sido
introduzidas como, o ser humano e o ambiente, os pressupostos foram mantidos.

O que observamos é que o processo de trabalho, apesar das “modernidades”


promovidas pelas teorias racionais funcionais, não diminuiu o espaço entre
administradores e administrados, continuando a força de trabalho como uma
mercadoria “comprada” para atuar no interior das organizações. [...] O
conhecimento racional-funcional, mesmo quando produz metodologias que
estimulam a “participação”, na realidade promove o distanciamento entre
superiores e subordinados. Por mais “sistêmica” que seja a divisão de trabalho [...]
não descaracteriza a hierarquização burocrática que rege as organizações
(TENÓRIO, 2004, p. 33-34).

Na tentativa de superar contradições básicas do pensamento administrativo e lançar


desafios rumo a uma racionalidade substantiva, Wood Jr. (1992) propõe o tipo de gestão
volvista, caracterizando a organização como cérebro (MORGAN, 1996).
O volvismo pressupõe uma flexibilidade criativa e a auto-organização até então não
discutida. O cérebro torna-se a imagem da ação inteligente da organização, que é dividida em
outras duas imagens: a organização como sistema de informações e como sistema holográfico.
A questão que se coloca é como um sistema pode ser projetado para aprender e ser flexível
como um cérebro? Morgan (1996) explica que a cibernética enfoca esta questão pelo estudo
da informação, comunicação e controle. O ponto central é a capacidade de auto-regulação.
No entendimento de Wood Jr (1992), um projeto de organização com características
holográficas deve adotar quatro princípios: fazer o todo em cada parte, criar conectividade e
redundância, criar simultaneamente especialização e generalização e criar capacidade de auto-
organização.
57

Apesar de ser um desafio, mesmo para a sociedade e as organizações contemporâneas,


“visualizar a organização como cérebro ou holograma, permite estabelecer uma nova fronteira
além da racionalidade instrumental que permeia as análises mais comuns hoje praticadas e
redirecionar a ação gerencial” (WOOD JR., 1992, p. 16) para que os atores sociais possam
manifestar dialogicamente sua razão (TENÓRIO, 2004). Tenório (2004), no entanto, alerta
para o fato de o homem persistir como objeto e não como sujeito, inclusive na
contemporaneidade, mediante a flexibilidade organizacional, que constitui o volvismo.
Por meio dos diversos estudos e pesquisas empíricas, as teorias administrativas foram
avançando e as novidades foram introduzidas, na tentativa de produzir novas respostas aos
problemas. Com isso, as concepções de homem, organização e meio ambiente foram
evoluindo e se tornando mais complexas. Por outro lado, a ingenuidade foi sendo mantida, por
conservar na base a racionalidade instrumental (RAMOS, 1981). Na atualidade, o desafio
maior parece ser o estabelecimento efetivo de uma fronteira, avançando na incorporação da
racionalidade substantiva na sociedade, inclusive na prática organizacional e gerencial.
Habermas e Siebeneichler, citados por Tenório (2004, p. 36), explicam que a diferença
entre o agir racional com relação aos fins – Weberiano - e o agir comunicativo proposto por
Habermas, é que, enquanto o primeiro “desenvolve uma mediação entre a teoria e a prática a
partir de postulados técnico-formais, a racionalidade comunicativa promove essa mesma
mediação por meio do diálogo entre os agentes sociais do processo”. Habermas (1989, p. 165)
explica que “os processos de entendimento mútuo visam um acordo que depende do
assentimento racionalmente motivado ao conteúdo de um proferimento”. O acordo não pode
ser imposto, nem manipulado, mas é construído em torno de convicções comuns, por meio da
livre interação entre os indivíduos. Deste modo, o agir comunicativo contém em si uma
função emancipadora.
Com base no agir comunicativo, Tenório (2004, p. 22) convida para se estabelecer
uma ruptura do pensamento administrativo “linear, historiográfico, acrítico, voltado para o
pragmatismo de efeitos autoritários, substituindo-o por uma atitude mais criativa e
transformadora das relações intra-organizacionais”. No seu ponto de vista, a alternativa é
“resgatar ou pesquisar conhecimentos que não circulam na “normalidade” dos estudos
administrativos, mas que podem auxiliá-los em sua emancipação” (p. 25). É com esse enfoque
dos ECAs que se desenvolve o presente estudo.
58

2.2.2 Organizações: conceitos, objetivos e tipologia

O termo organização tem origem na palavra grega organon e significa uma ferramenta
ou instrumento. Para Etzioni (1984, p. 3), “as organizações são unidades sociais (ou
agrupamentos humanos) intencionalmente construídas, a fim de atingir objetivos específicos”.
O autor caracteriza as organizações por: (1) divisões de trabalho, poder e responsabilidade de
comunicação; (2) a presença de um ou mais centros de poder que controlam os esforços
combinados da organização e os dirigem para seus objetivos; (3) substituição do pessoal.
Scott (1964) conceitua organização como coletividade, estabelecida para a
concretização de objetivos relativamente específicos e de forma mais ou menos contínua. Hall
(2004, p. 27) faz referência a Max Weber, conhecido por suas análises da burocracia e da
autoridade, o qual conceitua organização como “padrões de interação legítimos entre os
membros organizacionais, a medida que procuram atingir as metas e se dedicam às
atividades”.
Adotando um foco diferente, apesar de concordar em alguns aspectos com Weber,
Barnard (apud HALL, 2004, p. 27-28), também autor tradicional da área organizacional,
conceitua organização como “um sistema de atividade ou forças coordenadas
conscientemente, envolvendo duas ou mais pessoas”. Nota-se que enquanto Weber enfatiza o
sistema, Barnard se preocupa com os membros que compõem o sistema (HALL, 2004).
A partir da análise de vários conceitos, entre eles o de Weber e o de Barnard, Hall
(2004, p. 30) elaborou o seu conceito de organização:

Uma organização é uma coletividade com uma fronteira relativamente


identificável, uma ordem normativa (regras), níveis de autoridade (hierarquia),
sistemas de comunicação e sistemas de coordenação dos membros (procedimentos);
essa coletividade existe em uma base relativamente contínua, está inserida em um
ambiente e toma parte de atividades que normalmente se encontram relacionadas a
um conjunto de metas; as atividades acarretam conseqüências para os membros da
organização, para a própria organização e para a sociedade.

O que é padrão em todos os conceitos descritos é o fato da organização constituir-se


por relações sociais a fim de atingir os objetivos da mesma. A partir disso, entende-se que
toda a organização tem objetivos. Etzioni (1984) argumenta que esses objetivos podem se
constituir como linhas mestras nas suas práticas, para justificar suas atividades e sua
existência e como padrões para avaliar o seu êxito.
Considera-se, também, que os objetivos de uma organização podem estar relacionados
com o bem ou com o mal da sociedade; isso porque as organizações “podem disseminar o
59

ódio, mas também salvar vidas e, talvez, almas. Elas podem provocar a guerra, mas também
trazer a paz. Esses impactos podem ser intencionais ou não-intencionais, reconhecidos ou
não” (MERTON apud HALL, 2004, p. 3). Elas podem ser surpreendentes (HALL, 2004). Ao
mesmo tempo em que não se pode ignorar a postura de algumas de promover guerras e
desigualdades, não se pode ser pessimista, mas acreditar que as organizações são o único
meio de atingir a paz, a prosperidade, a justiça social (ETZIONI, 1984), embora essa
concepção pareça estar cada vez mais distante.
O que é certo é que todas as organizações geram impactos em seu contexto. Elas
exercem impactos significativos e diretos nos indivíduos, na comunidade local em que atuam,
e na sociedade, em sentido mais amplo, ou no ambiente do qual faz parte. Por outro lado, elas
também são influenciadas pelos indivíduos e pela sociedade. Assim caracterizam-se como
participantes ativas no processo de mudança social (HALL, 2004).
A postura epistemológica positivada, a qual critica a constituição da realidade
organizacional mediante a interação dos seus membros, tende a explicar que as organizações
possuem uma existência própria, que independe do comportamento dos indivíduos. Elas
permanecem ao longo do tempo e seus membros são substituídos sem causar grandes
impactos ou a morte da organização. Os trabalhadores ingressam numa empresa e se deparam
com uma estrutura social e padrões de interação próprios, os quais deverão ser seguidos e
respeitados. Hall (2004, p. 33) entende que “não importa quem são os indivíduos; a
organização estabeleceu um sistema de normas e expectativas a ser seguidas
independentemente de quem compõe o seu quadro pessoal e continua a existir apesar da
rotatividade da mão-de-obra”.
Ao contrário dessa postura epistemológica, compactua-se com Davel e Alcadipani
(2003) quando argumentam que as organizações são construções histórico-sociais complexas,
sendo importante compreendê-las a partir de suas formações, consolidações e transformações.
Por essas razões, ao tipificá-las pode-se incorrer em erros e numa análise incompleta.
Algumas semelhanças ou diferenças como, por exemplo, orientadas ao lucro ou sem
fins lucrativos, em determinadas ocasiões são úteis para tipificar as organizações, mas em
outras não. Assim como a classificação da população por sexo feminino e masculino, em
certos momentos é suficiente. Uma tipologia utilizada é de acordo com o setor da economia
em que pertence a organização, mas, embora seja comum, não esclarece suficientemente. Por
essa razão, a abordagem multifacetada de Mintzberg representa a tipologia mais adequada
(HALL, 2004).
60

Mintzberg (1995) propõe a classificação das organizações de acordo com o modo pelo
qual são estruturadas para enfrentar as contingências que se apresentam, resultando em cinco
configurações. Trata-se de um esquema complexo, cujo agrupamento deve ocorrer a partir de
observações das características e comportamentos da própria organização. O Quadro 7
apresenta um resumo das características de cada configuração.

Configurações
Características Estrutura Burocracia Burocracia Forma Adhocracia
simples mecanizada profissional divisionalizada
Principal Supervisão Padronização Padronização de Padronização de Ajustamento
mecanismo de direta dos processos habilidades resultados mútuo
coordenação de trabalho
Parte chave da Cúpula Tecnoestrutura Núcleo Linha Assessoria de
organização estratégica operacional intermediária apoio
Principais Centralização Formalização Treinamento, Agrupamento Instrumentos de
parâmetros para estrutura do especialização por mercado, interligação,
delinear orgânica comportamento, do trabalho sistema de estrutura
especialização horizontal, controle do orgânica,
do trabalho descentralização desempenho, descentralização
vertical e vertical e descentralização seletiva
horizontal, horizontal vertical limitada horizontal,
agrupamento treinamento,
por função agrupamento
por produto
Fatores Pequena e Madura e Ambiente Mercados Ambiente
situacionais jovem, sistema grande, sistema estável e diversificados, complexo e
técnico sem técnico complexo, com idade e dinâmico,
sofisticação, regulado e não- sistema técnico grande porte, jovem, sistema
ambiente automatizado, não-regulado e gerentes da técnico
dinâmico, ambiente não-sofisticado, linha sofisticado e
grande simples e acompanha a intermediária automatizado,
necessidade de estável, moda necessitam segue a moda
poder do controle poder,
gerente do externo, não acompanha a
topo; não seguidora de moda
acompanha a modas
moda
Sugestão de Revendedora Um serviço Universidades, Setor privado da Órgão espacial,
organizações de automóveis, nacional de hospitais de economia empresa de
loja varejista correio, uma clínicas, industrial, filme avant
de médio agência de sistemas de instituições com garde, fábrica
porte, seguros, uma escolas, firmas vários campus; manufaturando
corporação siderúrgica, de auditorias, sistemas protótipos
dirigida poruma prisão de órgãos sociais hospitalares complexos,
um custódia, uma do trabalho e companhia
empreendedor empresa de empresas de integrada de
agressivo, um aviação, uma produção produtos
sistema escolar gigantesca artesanal petroquímicos.
em crise. montadora de
automóveis.
Quadro 7 – Configurações das organizações
Fonte: adaptado de Mintzberg (1995, p. 158 - 278)
61

Mintzberg (1995) reconhece que as cinco configurações organizacionais não existem


em absoluto. “As organizações verdadeiras são enormemente complexas, muito longe de
qualquer dessas cinco configurações no papel” (p. 278). As configurações, no entanto, não
devem ser rejeitadas e representam uma alternativa em tipificar as organizações.

2.2.3 As organizações e a gestão contemporânea

A sociedade contemporânea é constituída predominantemente por organizações


(HALL, 2004), a ponto de Etzioni (1984, p. 1) afirmar que é uma sociedade de organizações.
Elas são inevitáveis, pois “nascemos em organizações, somos educados por organizações, e
quase todos nós passamos a vida a trabalhar para organizações. Passamos muitas de nossas
horas de lazer a pagar, jogar e a rezar em organizações”. Explica ainda que, embora elas não
sejam uma invenção moderna, na atualidade existe uma proporção maior de cidadãos e
conseqüentemente de empreendimentos, a fim de satisfazer uma diversidade maior de
necessidades sociais e pessoais. Com efeito, tornamo-nos uma sociedade de organizações
(PERROW, 1991, apud HALL, 2004, p. 1)
As organizações são consideradas atualmente “o produto acabado humano que ganha
maior relevo, maior evidência. É nelas que a maioria dos indivíduos vive a maior parte de
suas vidas” (FREITAS, 2000, p. 43).
Além disso, cada vez mais as organizações assumem importância na vida dos
indivíduos, desenvolvendo vínculos mais estreitos entre trabalhador e empregador, os quais
ultrapassam a relação com o próprio trabalho. As organizações são, por excelência, lugar de
subjetividades, de afetividades, de angústias. Por isso, “a direção pelo afetivo, a gestão da
paixão estão na ordem do dia das organizações, que não querem mais ser percebidas
unicamente como sistemas de produção ou sistemas sociais” (ENRIQUEZ, 2000, p. 11).
Acredita-se que as organizações que possuem essas preocupações têm mais condições de
oferecer um trabalho decente e com sentido (SACHS, 2004).
Por outro lado, “jamais o indivíduo esteve tão encerrado nas malhas das organizações
(em particular, das empresas) e tão pouco livre em relação ao seu corpo, ao seu modo de
pensar, a sua psique” (ENRIQUEZ, 2000, p. 23), o que não quer dizer que o ser humano não é
responsável por parte de sua história, mas que as ações, principalmente das empresas, são
realizadas para que o indivíduo acredite na sua liberdade e no seu poder de criação, ou seja,
para manipulá-lo. Nesses casos, o trabalho adquire uma conotação negativa e um sentido
perverso, de sofrimento, de alienação.
62

Freitas (2000) descreve a presença de subjetividades, afetividades e angústias,


inerentes a racionalidade substantiva, as quais extrapolam a racionalidade funcional tão
presente no mundo organizacional:

As organizações não são apenas lugares onde o trabalho é executado. São também
lugares onde sonhos coexistem com pesadelos, onde o desejo e as aspirações
podem encontrar espaço de realização, onde a excitação e o prazer da conquista
convivem com a angústia do fracasso. As organizações, em particular as empresas,
não são o império da racionalidade por natureza. Elas são alimentadas pela emoção,
pela fantasia, pelos fantasmas que cada ser humano abriga em si (p. 42).

Nessa linha de pensamento, Chanlat (1996) argumenta sobre a presença de


subjetividades no ambiente organizacional, inclusive na sua constituição. Para o autor a
organização é composta de dois subsistemas: o estrutural e material e o simbólico. O
simbólico “remete ao universo das representações individuais e coletivas que dão sentido às
ações, interpretam, organizam e legitimam as atividades e as relações que homens e mulheres
mantêm entre si” (p. 40), muito embora a interação entre os dois sistemas contribui para o
equilíbrio organizacional.
Na tentativa de compreender a complexidade das organizações, a partir da sua leitura
interna e da descrição de como elas são ou poderão se tornar, Morgan (1996) utilizou imagens
ou metáforas. As metáforas utilizadas foram: máquina, organismo, cérebro, cultura, sistema
político, prisões psíquicas, transformação e instrumento de dominação. O autor descreve a
natureza da organização e as relações que se estabelecem dentro dela, a partir de cada uma das
metáforas, mas com a premissa de que o entendimento de cada uma possa auxiliar em
situações específicas da vida organizacional; isso porque “as organizações são complexas,
ambíguas e paradoxais” (MORGAN, 1996, p. 328), possibilitando várias interpretações.
Uma organização pode assumir as características de muitas ao mesmo tempo.

Uma organização tipo máquina, concebida para atingir objetivos específicos, pode
ser simultaneamente o seguinte: uma espécie de organismo que é capaz de
sobreviver em determinados ambientes, mas não em outros; um sistema de
processamento de informações que se revela especializado para certos tipos de
aprendizagens, mas não para outros; um meio cultural caracterizado por valores,
crenças e práticas sociais distintos; um sistema político no qual as pessoas colidem
para garantir seus próprios fins; uma arena onde várias lutas subconscientes ou
ideológicas tem lugar; um símbolo ou manifestação de um processo mais profundo
de mudança social; um instrumento usado por um grupo de pessoas para explorar
ou dominar outros, e assim por diante (MORGAN, 1996, p. 327).

O indeterminismo, as contradições e as subjetividades inerentes às organizações são


discutidas por Bauer (1999, p. 238) a partir das teorias do caos e da complexidade. Para o
63

autor, em ambientes instáveis e turbulentos da contemporaneidade, apenas sobrevivem


instituições altamente dinâmicas e auto-organizantes, que reconhecem a inevitabilidade de
ambigüidades, conflitos e desordem e que procuram utilizá-los a seu favor, como fonte de
aprendizado, criatividade e inovação. A auto-organização é definida como “propriedade
emergente, fruto da sinergia a que o sistema é capaz de chegar por meio das interações entre
seus componentes”. O que confere significado a qualquer organização, assim, é o que os seus
membros são capazes de criar e produzir pelo fato de estarem unidos.
Administradores e teóricos ao tentarem minimizar essa complexidade das
organizações, normalmente assumem que elas são fenômenos racionais que precisam ser
compreendidas em função dos seus objetivos e metas, o que resulta numa análise simplista e
restrita das mesmas.
Por outro lado, Motta e Vasconcelos (2005) reconhecem certa evolução no
entendimento das organizações, principalmente oriunda dos teóricos pertencentes a uma
corrente alternativa. Para esses, a organização ultrapassa a concepção de sistema fechado
(metáfora da máquina), passa pelo de sistema aberto e adaptativo e atinge o de ator social que
constrói o ambiente em que atua.
Nessa pesquisa, compactua-se com Morgan (1996) e Bauer (1999) ao referirem que as
organizações contemporâneas são complexas, ambíguas e paradoxais, necessitando de
análises que reconheçam essas características.
A mesma ambigüidade e imprecisão ocorre com a definição de gestão (MOTTA,
2004). Sobre isso, Fayol (1981, p. 68), na Teoria Clássica da Administração, definiu as
funções básicas do gerente: prever, organizar, comandar, coordenar e controlar. O autor
entendia a organização a partir do âmbito gerencial. Para o autor, prever significa “calcular o
futuro e prepará-lo; é, desde logo, agir”. “Organizar uma empresa é dotá-la de tudo que é útil
a seu funcionamento: matérias-primas, utensílios, capitais e pessoal” (p. 82). Já o comando “é
tirar o melhor proveito possível dos agentes que compõem sua unidade” (p. 128). “Coordenar
é estabelecer a harmonia entre todos os atos de uma empresa, de maneira a facilitar o seu
funcionamento e o seu sucesso” (p. 135). “O controle consiste em verificar se tudo ocorre de
acordo com o programa adotado, as ordens dadas e os princípios admitidos” (p. 139).
Nos conceitos de Fayol (1981) prevalece a racionalidade funcional. Apesar disso,
atualmente, as suas definições, com certo aperfeiçoamento, ainda encontra-se em
organizações. Há organizações que tratam a gestão como o exercício de quatro funções:
planejamento, organização, liderança e controle. O planejamento refere-se à atividade de
formular objetivos, planos, metas e os meios para alcançá-los. A organização é o
64

desenvolvimento de um conjunto de ações, visando atingir o que foi planejado. Para isso, é
necessário distribuir tarefas, delegar funções, autoridades e responsabilidades e gerenciar os
recursos internos (materiais, financeiros, humanos). A liderança é o processo de designar
pessoas, dirigir seus esforços, motivá-las, influenciá-las no comprometimento dos objetivos
comuns. O controle diz respeito ao processo de acompanhar e avaliar o progresso rumo às
metas definidas no planejamento, identificando possíveis desvios a tempo de rever as ações.
Chanlat (2000, p. 33) explica que “como a natureza do management é, antes de tudo,
uma prática social que visa ao bom funcionamento de uma organização, suas exigências são
marcadas com o selo da eficácia”. A eficácia da empresa é comprovada por indicadores, a
maioria deles quantitativos e financeiros, o que também representa que o social está
subordinado à eficácia.
A visão tradicional de gestão fazia e faz crer que o gestor atua como um decisor
racional, planejador sistemático e coordenador eficiente das atividades organizacionais. Numa
dimensão menos ordenada, entretanto, esse profissional é concebido como um “desbravador
de caminhos, encontrando soluções e tomando decisões com base em informações
incompletas, coletadas esparsamente em meio a um processo gerencial fragmentado e
descontínuo” (MOTTA, 2004, p. 42).
Na prática gerencial, os imprevistos, interrupções, trabalhos administrativos intensos,
descontínuos e de natureza variada, são mais comuns a procedimentos e atividades
padronizadas e predefinidas. As decisões são tomadas mediante “interações diversas, ações
isoladas e opiniões manifestadas esparsamente [...]. Aproximam-se dos problemas à medida
que estes vão surgindo, na busca de soluções baseadas em informações parciais, imperfeitas e
de primeira mão, quase sempre envoltas por grandes incertezas” (MOTTA, 2004, p. 20). Isso
reflete a fragmentação, a dualidade e a imprecisão das atividades de gestão.
A gestão refere-se ao processo ativo de determinação e orientação do caminho a ser
seguido por uma organização de trabalho para a realização de seus objetivos, compreendendo
um conjunto de análises, decisões, comunicação, liderança, motivação, avaliação, controle,
entre outras atividades próprias da administração; ou seja, é o processo de gerenciar as
demandas do ambiente ante os recursos disponíveis na organização (ROMANIO; DAZZI,
2002).
No posicionamento de Motta (2004, p. 26), a gestão é uma arte. Uma “arte de pensar,
de decidir e de agir; é a arte de fazer acontecer, de obter resultados, resultados que podem ser
definidos, previstos, analisados e avaliados, mas que têm de ser alcançados através das
pessoas e numa interação humana constante”.
65

Por estilo gerencial “entende-se os tipos de comportamento adotados pelo líder em


relação aos seus subordinados, isto é, a maneira como o líder orienta sua conduta”
(ROMANIO; DAZZI, 2002, p. 58). Para Matos (1996), os estilos gerenciais podem ser
definidos como perceptivo, flexível, participativo e inovador. O estilo perceptivo refere-se à
habilidade do gestor de perceber as peculiaridades de cada situação e de ser um
diagnosticador constante. O estilo flexível diz respeito à disposição para adaptar sua visão e
sua ação diante de mudanças, bem como a abertura para aprender a lidar com novos fatores,
interpretando-os coerentemente. O estilo participativo, como o próprio nome diz, refere-se à
busca da cooperação e da integração de todos os membros da equipe. As decisões são
tomadas em conjunto porque todos estão comprometidos com o processo e todos são
responsáveis por elas. O estilo inovador refere-se ao gestor com visão de expansão e
desenvolvimento. É um agente de mudanças capaz de promover o diagnóstico de situações
que orientem as intervenções adequadas à atualização e à renovação. Na atualidade,
dificilmente o gestor responderá por toda a demanda a sua volta (sociedade, geridos,
empresários, governo, etc.) adotando um estilo específico de atuação. Ao que parece, ele
precisa contemplar características dos diferentes estilos.
Pitcher (2001), em sua tese de doutorado, identificou três estilos de gerência nas
organizações: artistas (visionários criativos), artesãos (líderes empáticos) e tecnocratas
(analistas sistemáticos). O artista é ousado, intuitivo, empreendedor, inspirador, entre outras
características. O artesão é sensato, realista, amigável. O tecnocrata é conservador, metódico,
controlador. Para a autora, na atualidade, os cargos de gestão deveriam ser mais assumidos
pelos artistas e artesãos e menos pelos tecnocratas.
Watson (2005) destaca duas formas básicas de caracterizar as realidades gerenciais e
organizacionais: a forma sistêmico-controladora e a forma processual-relacional. A primeira
incentiva a mecanização do trabalho gerencial, “como uma atividade essencialmente
preocupada com o desenho e o controle organizacionais, como um grande sistema
mecanizado, programado para alcançar, racionalmente, ‘metas organizacionais’ objetivas” (p.
15). A forma processual-relacional de gestão corresponde a uma referência alternativa. “Esse
modelo é mais justo com as sutilezas e as complexidades das atividades sociais e humanas, ao
reconhecer que os gestores, assim como os demais na organização, esforçam-se
continuamente para dar sentido ao que fazem” (p. 15), portanto esse estilo incentiva a olhar os
membros da organização e as próprias organizações como facetas mutantes de relações
sociais, econômicas, políticas e culturais das quais fazem parte desde sempre, em vez de tratá-
los como previamente “existentes” e depois inseridas em relações. A existência é uma questão
66

relacional em si, continuamente emergente e jamais estável. “A empresa é um conjunto de


acordos e de entendimentos; é uma busca contínua de interações humanas e de processos
criadores de significados” (WATSON, 2005, p. 19).
A forma sistêmico-controladora tem alicerces na gestão taylorista-fordista e,
conseqüentemente, na racionalidade instrumental, enquanto a processual-relacional indica
uma possibilidade de inserção da racionalidade comunicativa no mundo organizacional.
Quinn (2004), diferente de Watson (2005), agrupou os estilos gerenciais mais
praticados no século 20 em quatro grandes modelos. Esses modelos continuam presentes,
implícita ou explicitamente, na atuação dos gestores/líderes na atualidade, fato pelo qual
torna-se importante retomá-los. Os modelos, bem como suas principais características e a
atuação do gestor em cada um deles, podem ser visualizados no Quadro 8.

Modelo Características Função do gerente


Metas - os critérios de eficácia organizacional são a produtividade e o lucro; diretor decisivo e
racionais - crença que uma direção clara acarreta resultados produtivos; produtor pragmático
- clima organizacional econômico-racional;
- objetivo principal é a maximização dos lucros.
Processos - conhecido como “burocracia profissional”; monitor e
internos - os critérios de eficácia são a estabilidade e a continuidade; coordenador
- convicção de que a rotinização promove estabilidade,
- a ênfase em processos;
- clima organizacional hierárquico.
- decisões são tomadas com base nas regras, estruturas e tradições;
Relações - os critérios de eficácia são o compromisso, a coesão e a moral; mentor empático e
humanas - premissa de que o envolvimento resulta em compromisso; facilitador
- valores centrais giram em torno da participação, resolução de conflitos e
- construção de consenso;
- processo decisório através do envolvimento;
- organização centrada em equipes.
Sistemas - a eficácia organizacional é a adaptabilidade e o apoio externo; inovador criativo e
abertos - premissa de que adaptação e inovação contínuas promovem a aquisição e negociador/
manutenção de recursos externos; mediador
- os processos fundamentais são adaptação política, resolução criativa de
problemas, inovação, agilidade e gerenciamento da mudança.
Quadro 8 – Características dos quatro modelos gerenciais do século 20
Fonte: adaptado de Quinn (2004, p. 11)

Os modelos metas racionais e processos internos são o oposto do de relações humanas


e, de certa forma, o segundo modelo complementa o primeiro. No modelo metas racionais a
ênfase está na tarefa, em realizar determinada tarefa em menor tempo possível, ou seja, o
entendimento de que a eficácia e o lucro são conseqüências da quantidade produzida. No
modelo processos internos a ênfase está na criação de regras e normas, bem como na
definição de responsabilidades para cada função. Pressupõe-se que, se o trabalhador é
especialista em determinada tarefa e a empresa possui procedimentos claros e detalhados, ele
67

irá desenvolver a atividade com maior precisão, agilidade e eficiência. Em outras palavras,
nos dois primeiros modelos as preocupações da gestão giram em torno da produtividade e da
maximização dos lucros, desconsiderando totalmente a dimensão humana e, para isso, os
gestores atuam de forma centralizada e unicamente racional. Esse modelo é próprio do
taylorismo-fordismo.
A abordagem do modelo de relações humanas parece voltar-se ao ser humano, aos
trabalhadores, suas necessidades, desejos e expectativas. Pesquisas realizadas por Elton Mayo
e seus colegas na década de 1920 e 1930 comprovaram que fatores de caráter interno ao ser
humano, como suas relações com os colegas, seus problemas pessoais, etc., estavam ligados à
produção do trabalhador. Com essa visão, algumas organizações, pelo menos no discurso,
passaram a se preocupar mais com a motivação, satisfação, sonhos, qualidade de vida,
interação, autonomia, etc. dos funcionários, levando a um modelo de gestão. Sob esse enfoque
também se constituíram as teorias motivacionais de Maslow, Herzberg, McGregor, Likert. Na
visão humanista, o principal papel do gestor é facilitar os processos de trabalho. Tenório
(2004, p. 23) alerta, entretanto, para o fato dessa abordagem ser apenas uma “visão
paradisíaca das possibilidades de melhorar o processo produtivo”.
No modelo de sistemas abertos a ênfase está na busca da flexibilidade e de apoios
externos, porém o ser humano não é desconsiderado, e, sim, visto como parte do sistema.
Presume-se que a origem desse modelo de gestão está na Teoria Geral dos Sistemas (TGS),
desenvolvida por Boulding e Bertalanffy por volta da década de 60, buscando responder às
novas demandas da sociedade. Os pesquisadores agruparam e hierarquizaram os sistemas de
acordo com suas complexidades, obtendo o total de oito. O ser humano faz parte do sétimo
sistema e as organizações sociais, do oitavo, o que justifica a grandeza da complexidade
encontrada em ambos. Assim, o que encontramos nas organizações são dois sistemas, o ser
humano e a organização social, que interagem entre si e que dependem um do outro, com um
influenciando o outro. Nesta abordagem o gestor assume o papel de inovar, negociar e mediar.
Em outro direcionamento, a atividade de gestão lida com o imprevisto, a
imparcialidade, a dualidade e, nesse contexto, definir a atuação do gestor para um
determinado período, assim como Quinn (2004) o fez, torna-se impróprio e ressalta a visão
tradicional da gestão.
No final do século 20, a maior preocupação dos executivos girava em torno da
necessidade de atingir a flexibilidade e a eficácia organizacional num ambiente
profundamente dinâmico, global e competitivo, fato que se estende até os dias de hoje. De
acordo com Quinn (2004) nenhum dos modelos conhecidos até o momento respondia a essa
68

necessidade de maneira satisfatória. Foi necessário, assim, visualizar os quatro modelos juntos
(metas racionais, processos internos, relações humanas, sistemas abertos) com a convicção de
que, em determinados momentos, seria necessária a utilização de um modelo específico e, em
outro momento, a utilização de dois ou três modelos ao mesmo tempo, de forma que um
complementasse o outro. Em outras palavras, em certas circunstâncias o gestor necessita
centralizar a decisão e, noutras, decidir juntamente com a equipe. Essa visão de integração ou
complementaridade está mais alinhada com a natureza da gestão, e seria uma forma de lidar
com sua fragmentação e imprecisão.
Apesar do mundo da gestão priorizar a ação, a racionalidade instrumental, a
tecnocracia, o mecanicismo, o distanciamento das pessoas, esse mundo é repleto de
sentimentos, desejos, emoções, angústias, incertezas, fragilidades e espontaneidade. “Ao
mundo sério e racional das obras e dos discursos do management opõe-se o mundo real e
concreto do vivido” (CHANLAT, 2000, p. 67). Isso indica a necessidade e urgência do
pensamento administrativo avançar efetivamente, tanto na prática quanto na teoria, inclusive
buscando subsídios em outras áreas do conhecimento, o que não significa aumentar a
fragmentação.
Sob esse enfoque, Chanlat (2000) desafia as organizações e, por sua vez, quem ocupa
cargos de gestão e liderança, a ampliar os horizontes na tentativa de resolver o problema da
fragmentação social, da alienação, da exclusão, da dicotomia e, por conseqüência, da eficácia,
no século 21. Essa ampliação, na opinião do autor, é possível com a inserção das
contribuições das Ciências Humanas à gestão, a partir da afirmação e do retorno de dimensões
esquecidas no ambiente organizacional, como a valorização da afetividade, experiência,
simbolismo, história, ética, sobretudo, com a incorporação da lógica emancipatória.

A lógica emancipatória visa colocar um fim aos sofrimentos inúteis provocados por
determinadas práticas sociais. Em vez de considerar os fenômenos observados
como dados próprios sem levar em conta seus aspectos políticos, essa lógica
procura revelar como os modelos de conduta e significações que lhes podem ser
atribuídas estão enraizados nas estruturas de dominação. [...]. Sua presença é
indispensável para evitar que, principalmente, a lógica técnica se imponha sem
nenhuma reflexão crítica e desemboque em novas formas de dominação ou em uma
civilização inconsciente (CHANLAT, 2000, p. 49).

Na mesma linha de pensamento de Chanlat (2000), Tenório (2004, p. 25) defende a


alternativa de resgatar conhecimentos paralelos aos estudos administrativos. A idéia é que,
69

pela via habitual da razão funcional, não conseguiremos compreender as relações


sociais no interior das organizações à medida que a razão técnica fragmentou em
especificidades independentes o conhecimento gerencial e abandonou-as à
competência estreita de especialistas.

A proposta de Chanlat (2000) e Tenório (2004) não é desconsiderar a racionalidade


técnica, mas desmistificá-la, incorporando outros conhecimentos por meio de um processo
reflexivo, dialógico e compreensivo, que permitam uma visão mais abrangente e mais
associada à realidade organizacional.

2.2.4 Gestão de empresas familiares

Diante da instrumentalização do trabalho e das empresas familiares constituírem-se de


dois sistemas – a família e o negócio –, os quais interagem e interferem mutuamente, acredita-
se que a gestão dessas empresas, ao longo do tempo, manteve e desenvolveu algumas
especificidades.
A racionalização da indústria incluiu também a separação entre vida familiar e vida
produtiva. O trabalhador, ao chegar à empresa, deveria doar-se completamente ao seu
trabalho. À empresa não interessava conhecer a família do empregado, tampouco manter
qualquer tipo de relação. Falava-se em deixar do lado de fora do portão da empresa qualquer
problema ou pensamento que desviasse a atenção do funcionário do seu trabalho. Os laços
familiares e as questões emocionais eram vistos como incompatíveis com as exigências
organizacionais e representavam obstáculos à eficiência do trabalhador e, por extensão, à
eficácia organizacional (DAVEL; COLBARI, 2003).
Para Davel e Colbari (2003, p. 3), esse “contexto histórico fornece alguma explicação
às referências negativas que os estudos pioneiros sobre organizações familiares destacaram na
abordagem da família e de seu papel nos negócios”. A abordagem dominante dos estudos,
tratava a família e o negócio como dois sistemas em competição pelo poder e pelo controle da
organização.
Uma visão mais sistêmica e desenvolvimentalista das organizações familiares,
entretanto, emergiu na década de 1980, entendendo que as influências familiares são internas
ao sistema dessas organizações e que, ao contrário do que se concebia, contribuem na sua
eficiência. Posterior a essa, outras correntes foram surgindo e alterando o quadro (DAVEL;
COLBARI, 2003).
70

Estudos indicam que as “empresas controladas e administradas por famílias são


responsáveis por mais da metade da oferta de empregos no mundo e, dependendo do país,
geram de metade a dois terços do Produto Interno Bruto (PIB)” (GRZYBOVSKI, 2002, p.
24). Sem dúvida são organizações prósperas e representativas na econômica mundial.
O conceito de empresa familiar não é unânime entre os pesquisadores que a estudam.
Lodi (1998, p. 6), expoente brasileiro nesse assunto, conceitua empresa familiar como sendo
“aquela em que a consideração da sucessão da diretoria está ligada ao fator hereditário e onde
os valores institucionais da firma identificam-se com um sobrenome de família ou com a
figura do fundador”. Explica, ainda, que empresa de fundador, porém sem herdeiro, não deve
ser considerada familiar, bem como a situação da família participar, apenas como investidora,
numa determinada empresa.
No entendimento de Donnelley, citado por Campos e Mazzilli (1998, p. 2), a empresa
familiar “é aquela que está identificada com os valores de uma família há, pelo menos, duas
gerações, resultando daí uma influência recíproca, tanto na política geral da firma, como nos
interesses e objetivos da família”.
Neste tocante, Grzybovski (2002) descreve três pressupostos para que empresa e
família possam interagir: a) história de duas ou mais gerações e a interação entre os interesses
da família e da empresa; b) relações afetivas, emocionais e vínculos de parentesco; c)
interação entre família e empresa baseados em confiança mútua, fidelidade, austeridade, entre
outros valores.
As empresas familiares, portanto, convivem com uma forte interação entre os valores
familiares e os valores empresariais, sendo que um interfere no outro. Em outras palavras, a
relação entre o grupo familiar afeta a gestão da empresa e as relações no âmbito da empresa
afetam as relações familiares.
As relações afetivas, emocionais estão presentes em todas as organizações. Nas
empresas familiares, entretanto, elas parecem ser mais constantes e enraizadas nos valores
constituídos da família. Fletcher (1997, p. 320) considera que nas empresas em que os
relacionamentos familiares permeiam o negócio, “esses relacionamentos têm uma história
mais longa de experiências compartilhadas que foram desenvolvidas através da infância e
adolescência”. Assim, “como as empresas familiares são organizações que se estruturam no
longo prazo, integrando membros que conhecem desde o nascimento, podemos inferir que as
relações de confiança e de lealdade, o conhecimento e os laços afetivos entre as pessoas são
mais intensos” (DAVEL; SOUZA, 2004, p. 6).
71

A orientação de Fletcher (1997) e de Davel e Souza (2004), entre outros, é que a


cultura preponderante em uma empresa familiar se constitui das crenças, valores e
expressividades enraizados na família, na sua história e nos seus relacionamentos.
Outra singularidade das empresas familiares é que os conflitos freqüentemente são
maximizados, principalmente durante o processo sucessório, que é considerado o ápice dos
conflitos nas empresas familiares (CAMPOS; MAZZILLI, 1998), momento em que o
fundador transfere para o herdeiro total autonomia e poder da empresa, e também o momento
em que jogos de poder e sobreposição de valores podem ocorrem.
O processo sucessório é encarado, por unanimidade, como um fator crítico nas
empresas familiares, responsável pelo desaparecimento de muitas empresas. A entrada do
filho (sucessor) na empresa do pai (fundador),

ainda que esperada e exprimida, é sempre um ato de violência para ambos. Nesse
momento, o filho reafirma ao pai seu nascimento e a possibilidade de superá-lo,
assinalando seu envelhecimento e a proximidade da morte. Simultaneamente, o
filho vive a angústia das situações de imposição e submissão ao pai, confrontadas
com os atrativos conscientes e inconscientes da sua opção pela empresa do pai
(CAMPOS; MAZZILLI, 1998, p. 8).

O posicionamento de Campos e Mazzilli (1998) é que o processo sucessório em


empresas familiares se configura como um jogo de exigências e cobranças de um em relação
ao outro, administrando seus sentimentos de amor e ódio, de submissão e imposição, que
permeia o complexo movimento de preservar e transgredir, construindo e transformando as
relações e as instituições.
Um dos fatores que chama atenção na gestão de empresas familiares, no ponto de vista
de Hets de Vries, citado por Davel e Colbari (2003), é que suas práticas de gestão de pessoas
normalmente são mais humanizadas, o índice de confiança, comprometimento, aprendizagem
e socialização é maior e mais intensivo e a tomada de decisão é mais rápida.
Em se tratando do comprometimento, o pressuposto presente na maioria dos estudos é
que altos níveis de comprometimento do funcionário para com a organização é amplamente
favorável para ambos (BASTOS, 1993). As organizações necessitam de funcionários
dispostos a oferecer comportamentos e ações além dos previstos nas descrições de seus cargos
e os comprometidos com o trabalho apresentam essa característica, além de suportarem
condições de trabalho mais exigentes e serem considerados modelos de atuação aos demais
membros (GOLEMAN, 1998).
72

Para Meyer e Allen (1991), o comprometimento organizacional é gerado por processos


psicossociais, diferenciando a relação que o funcionário estabelece com sua empregadora a
partir da natureza do estado psicológico. Essa natureza é de ordem afetiva, instrumental e
normativa (Quadro 9), apesar de estudos sugerirem a ampliação dessas três dimensões como,
por exemplo, o de Rego (2003).

Categoria Caracterização A pessoa permanece Estado


na empresa porque ... psicológico
Afetiva Grau em que o funcionário se sente ...sente que quer Desejo
emocionalmente ligado, identificado e permanecer
envolvido na organização
Normativa Grau em que o funcionário possui um sentido ...sente que deve Obrigação
da obrigação (ou do dever moral) de permanecer
permanecer na organização
Instrumental Grau em que o funcionário se mantém ligado a ...sente que tem Necessidade
organização devido ao reconhecimento dos necessidade de
custos associados com sua saída da mesma permanecer
Quadro 9 – Comprometimento organizacional
Fonte: adaptado de Meyer e Allen (1991)

As empresas familiares, por cultivarem valores inerentes à família, despertam o


sentimento de proteção nos funcionários e, por isso, mais facilmente e intensamente
constroem vínculos psicológicos com os mesmos, seja por desejo, obrigação ou necessidade
do trabalhador. Pressupõe-se, entretanto, que o vínculo afetivo seja mais adequado a
manifestação de aprendizagens ao normativo e ao instrumental. No posicionamento de Rego
(2003), quanto maior o comprometimento dos funcionários, mais fiéis eles são com a
organização em termos de permanência e empenho no trabalho e alcance dos objetivos
institucionais.
Fatores detectados pelos pesquisadores mencionados que caracterizam a gestão de
empresas familiares como fortes relações afetivas e emocionais, relações de confiança,
comprometimento e lealdade mais intensas, conhecimento mais profundo das pessoas,
conflitos principalmente no decorrer de processos sucessórios e práticas de gestão de pessoas
mais humanizadas, são pertinentes à presente investigação, pois acredita-se que esses fatores
influenciam a aprendizagem e o desenvolvimento do trabalhador.
73

2.2.5 O gestor em empresas voltadas à aprendizagem

A literatura administrativa aponta influências da gestão na aprendizagem dos


trabalhadores. A Figura 1 delineia papéis desempenhados por gestores que podem facilitar ou
dificultar a manifestação de aprendizagens.

Gestor
Projetista, regente, professor e servidor

Projetista, professor e guia


Papéis
Intérprete, cooperador, representante, educador
e empresário

Diretor, produtor, monitor, coordenador,


mentor, facilitador, negociador e inovador

Figura 1 – Papéis gerenciais


Fonte: Elaborado a partir de Senge (1990, 2001), Drucker (1996), Matos (1996) e Quinn (2004)

Alguns papéis parecem ser sinônimos, porém a cultura de estímulo ao aprendizado e a


atuação acessível do gestor em detrimento do controle, fica clara. Da mesma forma, alguns
papéis possuem alicerces extremamente instrumentais, enquanto outros representam uma
visão menos tradicional e, quem sabe, contribuam para que avanços mais efetivos ocorram
nesse campo.
Nas organizações voltadas à aprendizagem e ao conhecimento, Senge (1990, 2001) e
Drucker (1996) argumentam que os gestores assumem papéis de projetista, regente, professor,
servidor e guia. “Eles são responsáveis por construir organizações onde as pessoas expandem
continuamente suas capacidades de entender complexidades, esclarecer visões, e aperfeiçoar
modelos mentais compartilhados” (SENGE, 1990, p. 368). Para os autores, esses papéis não
se restringem a formular estratégias competitivas e difíceis de serem imitadas pelos
concorrentes ou ensinar os geridos a atingirem os objetivos, serem eficientes e eficazes; ao
contrário, são gestores que estimulam o desejo das pessoas de aprenderem para perceberem os
seus problemas (pessoais e profissionais) e lidar com eles de forma natural, equilibrada, sem
muito sacrifício ou desgaste físico, psicológico, afetivo, intelectual, ou seja, são gestores
preocupados em desenvolver nos geridos a autonomia de pensar, agir, ser....
74

O papel de servidor é o mais sutil da liderança, escreve Senge (2001). Refere-se ao


sentimento do gestor de se colocar a serviço da organização e, principalmente, dos geridos, no
sentido de fornecer-lhes as condições necessárias para que possam desenvolver os seus
trabalhos. Essas condições vão desde estrutura física a apoio emocional. Significa uma
inversão da pirâmide, em que os níveis hierárquicos do topo passam a agir de acordo com as
necessidades da base operacional.
Fernandes e Angeloni (2000, p. 4) corroboram com Senge e Drucker na idéia de que
“o gestor deve facilitar, alimentar e alavancar o conhecimento das pessoas, maximizando a
aprendizagem e incentivando as mesmas a se tornarem pensadores independentes, capazes de
julgar a qualidade de suas próprias idéias”.
Vergara (2000a), abordando a complexidade e as características do mundo
contemporâneo e os impactos disso nas organizações, entende ser importante reconhecer a
necessidade de novas qualificações profissionais para responder às novas demandas. A autora
cita Rhinesnith (1993), que propõe um ciclo de aprendizado de competência global para o
desenvolvimento de gerentes por meio de três etapas: mentalidade, característica pessoal e
competência. Relacionadas à mentalidade, o autor cita seis características pessoais:
conhecimento, conceituação, flexibilidade, sensibilidade, julgamento e reflexão. A relação
entre mentalidade e características pessoais representam o lado ser da gestão, enquanto as
competências referem-se ao lado fazer. As competências citadas são: gestão da
competitividade, gestão da complexidade, gestão da adaptabilidade, gestão de equipes, gestão
da incerteza e gestão do aprendizado.
Discutindo o aprendizado gerencial, Motta (2004) explica que, embora cada
organização tenha sua especificidade, alguns comportamentos gerenciais são comuns entre os
gestores de sucesso, por isso sugere o desenvolvimento de quatro habilidades gerenciais:
cognitiva (conhecimentos específicos de Administração), analítica (análise e solução de
problemas, conflitos, interesses), comportamental (conhecer o outro) e de ação (conhecer-se,
suas fraquezas e potencialidades). As quatro habilidades englobam a maioria das atitudes e
conhecimentos necessários à gestão, no sentido de contemplar questões técnicas e
sociais/humanas, ambas fundamentais, sobretudo nas organizações de aprendizagem.

2.2.6 Gestão de pessoas

As mudanças no contexto socioeconômico implicam adaptações e inovações das


organizações, inclusive relacionadas à gestão de pessoas. Thévenet citado por Davel e
75

Vergara (2001) identifica algumas mudanças na natureza do trabalho que afetam a gestão de
pessoas (Quadro 10).

Interações entre trabalho e tecnologia


Mudanças na definição de cargos
Integração de novas categorias de trabalhadores
Importância crescente da aprendizagem contínua
Controle do trabalho pelos consumidores
Transformação nas funções de liderança e supervisão
Passagem de uma abordagem individual para o trabalho em equipe
Quadro 10 – Mudanças no trabalho que afetam a gestão de pessoas
Fonte: adaptado de Thévenet (apud DAVEL; VERGARA, 2001, p. 40)

Dentre as transformações ocorridas na Administração de Recursos Humanos, nas


últimas décadas, destacam-se três abordagens dominantes: funcionalista, estratégica e política.
A abordagem funcionalista construiu-se em torno de técnicas, procedimentos e
ferramentas a serviço da direção da empresa, para que promovessem funcionários estáveis,
satisfeitos, motivados e produtivos, a fim de aumentar a produtividade e favorecer a busca
pela vantagem competitiva da empresa (DAVEL; VERGARA, 2001).
A Administração Estratégica de Recursos Humanos (AERH) propõe a integração de
estratégia e pessoal, a partir de quatro traços: (a) a integração das políticas de pessoal com o
planejamento estratégico da empresa; (b) o locus de responsabilidade passa a ser situado no
âmbito dos gerentes de linha; (c) o foco de atuação muda das relações ARH-sindicato para
ARH-empregados; (d) o comprometimento e o exercício da iniciativa são exaltados em um
contexto em que chefes e superiores desempenham papéis de facilitadores. Para Davel e
Vergara (2001, p. 37), os fatores que mais chamam a atenção dos gestores de pessoas nesse
tipo de abordagem são “as forças da competitividade mundial, das mudanças no mercado de
trabalho, da ética empresarial e das mudanças ambientais”.
A abordagem política “considera as zonas de convergência entre indivíduo e
organização e suas dimensões políticas, como também as divergências entre os interesses
pessoais” (DAVEL; VERGARA, 2001, p. 38). Os fatores sociais, organizacionais e
individuais, são concebidos como potencialmente conflituosos, sendo a Administração de
Recursos Humanos responsável por gerenciá-los.
Em resumo, a Administração de Recursos Humanos, em seu conjunto de abordagens,
“tem sido constituída como campo teórico e prática social, pela utilização de modelos
normativos e funcionais que pressupõem a busca das “melhores” ferramentas e técnicas”
76

(DAVEL; VERGARA, 2001, p. 39), assim reproduzindo a epistemologia do modernismo e


refletindo a racionalidade, a instrumentalidade e a objetividade.
Na mesma linha de pensamento, Motta (1998) apresenta, de forma sintética, as
principais mudanças e tendências relacionadas à gestão de pessoas, conforme o Quadro 11.

Fatores Passado Presente Presente Futuro


Concepção do Recurso humano Pessoa talentosa
funcionário
Carreira e progresso Crescimento no emprego: perseguir Aumento da empregabilidade: criar o
alternativas conhecidas próprio futuro
Avaliação Chefias Aberta e coletiva
Formação e Aprender o necessário: a empresa indica Autodesenvolvimento (habilidades
conhecimento múltiplas): o funcionário escolhe
Remuneração Variável: critérios individuais e grupais; Variável: incentivos e benefícios
incentivos financeiros e materiais adaptados às expectativas individuais
Gestão de recursos Centralizada: órgão especializado Descentralizada: repartida pelos setores
humanos empresariais
Cultura da gestão Impessoalidade, exploração, estima e Pessoalidade, desenvolvimento e
das pessoas benevolência retribuição
Premissa da lealdade À empresa A si próprio
Quadro 11 – Mudanças e tendências relacionadas à gestão de pessoas
Fonte: Motta (1998, p. 101)

Um momento de transição entre as concepções já enraizadas do taylorismo-fordismo e


a necessidade de abrir os horizontes em direção ao futuro é identificado. Apesar dessa
transição, ao mesmo tempo em que algumas organizações se esforçam para incorporar
práticas mais humanizadas, outras reforçam suas concepções mecanizadas e de trabalhador
como um recurso a ser gerenciado, igualmente aos demais.
Da mesma forma, não se ignora o contexto de contradições sugerido por Lima, citado
por Davel e Vergara (2001, p. 40), em que a gestão de pessoas “pode estar veiculando um
discurso de facilitar ou de acompanhar a integração dos empregados, a democratização e a
humanização das empresas, mas na prática opera pelo desenvolvimento de processos de
exclusão e de autoexclusão”.
Contudo, quanto mais os resultados organizacionais dependem do conjunto de seus
membros, maior deveria ser o interesse e a responsabilidade da mesma em compreender a
natureza humana, em toda a sua complexidade, reconhecendo o que é uno e múltiplo no ser
humano (MORIN, 2001). Essa compreensão extrapola a visão de homo economicus e racional
(MOTTA; VASCONCELOS, 2005) e se aproxima da de homo interior, homo subjetivus,
homo colectivus (DAVEL; VERGARA, 2001) e homo parentético (RAMOS, 1984).
Sob essa dimensão, Davel e Vergara (2001, p. 50) propõem a gestão com pessoas
orientada pela subjetividade, justificando que, ao considerar a subjetividade nas organizações,
77

“significa que as pessoas estão em ação e em permanente interação, dotadas de vida interior e
que expressam sua subjetividade por meio de palavras e de comportamentos não-verbais”. A
proposta dos autores é sintetizada no Quadro 12.

Dimensões Competências e sensibilidades para:


Transgressão e Criar e sustentar uma estrutura institucionalizada de trabalho que articule e possibilite o
risco desenvolvimento pessoal, profissional e coletivo ao mesmo tempo.
Ser permeável a comportamentos desejosos de correr riscos para inovar, transformar e
renovar a ordem dessa mesma estrutura.
Administrar o estado permanente de tensões entre a instabilidade e a transgressão, utilizando-
se de estratégias às vezes de intervenção e às vezes de abstenção.
Conhecimento, Valorizar as formas de expressão de pensamentos das pessoas, seja no plano individual,
comunicação e coletivo ou organizacional.
poder Identificar as estruturas, processos e estilos cognitivos de comunicação entre as pessoas
quando lideram, provocam a motivação, avaliam, negociam, decidem.
Observar como tais estruturas, processos e estilos de conhecimento refletem e constituem
relações de poder com base em atividades e regras de classificação, de ordenação,
distribuição e procedimentos.
Estimular uma comunicação entre as pessoas baseadas no desenvolvimento da autenticidade
e da compreensão recíproca de situações profissionais complexas.
Interioridade, Observar como as pessoas se identificam, idealizam e projetam desejos e sentimentos na
prazer, emoção concepção e desempenho de atividades.
e gênero Expressar e respeitar que os outros expressem emoções, atitudes de prazer e divertimento no
dia-a-dia de trabalho.
Identificar, respeitar e aprimorar as referências masculinas e femininas veiculadas pelas
pessoas.
Relações Avaliar a atuação profissional de pessoas, considerando os aspectos da vida amorosa e da
amorosas e vida familiar.
familiares Conscientizar-se e questionar práticas e discursos que superficializam, amedrontam e
excluem processos, atividades e pessoas, desnecessariamente.
Cultura Identificar e questionar condutas estrangeiras e segregadoras com relação a processos,
brasileira e atividade e pessoas.
estrangeira Identificar e incentivar comportamentos culturais brasileiros e estrangeiros que possibilitem a
criatividade, a inovação e a cooperação entre as pessoas.
Quadro 12 – Gestão com pessoas orientada pela subjetividade
Fonte: Davel e Vergara (2001, p. 311)

Em se tratando de Treinamento e Desenvolvimento de Pessoal, apesar de Motta (1998)


indicar o perfil dos trabalhadores em direção ao autodesenvolvimento, Eboli (2004) alerta
para a situação de as pessoas primeiramente concluírem sua formação escolar e depois
ingressarem no mundo do trabalho já não fazer tanto sentido como no passado. Com isso, os
centros de capacitação nas organizações e o “processo de aprendizagem em situação de
trabalho precisam lidar com o fato de que os adultos chegam ao mercado sem qualificações
adequadas para atuar num meio em que a comunicação escrita e a capacidade de abstração são
pré-requisitos” (EBOLI, 2004, p. 20).
Diante das necessidades das organizações relacionadas ao autodesenvolvimento e
aprendizagem contínua dos trabalhadores, somadas ao perfil dessas pessoas ao ingressarem no
mercado, no entendimento de Eboli (2004, p. 37) “as empresas precisarão implantar sistemas
78

educacionais que privilegiem o desenvolvimento de atitudes, posturas e habilidades, e não


apenas a aquisição de conhecimentos técnicos e instrumentais”.
O treinamento tradicional, por meio do ensino de tarefas específicas e aumento da
capacidade do trabalhador de aprender sobre objetos e ações, torna-se insuficiente. Para
Schunck (1997, p. 245) com esse tipo de treinamento “os operários aprendem apenas o
bastante para serem capazes de apertar botões, mas não o suficiente para tocar o negócio”.
As opiniões de Eboli (2004) e Schunck (1997) convergem e ressaltam as limitações do
treinamento convencional utilizado nas empresas no sentido de promover o desenvolvimento
de competências, principalmente intelectuais. Nessa direção também segue a opinião de
Jordan et al (1997), que afirma que o paradigma de treinamento tradicional deixou de ser
eficaz em nível ideológico, teórico e prático e, por isso, deve ser substituído pelo paradigma
de aprendizagem, como descrito no Quadro 13.

Do Paradigma de Treinamento ¾ Ao Paradigma de Aprendizagem


De aprendiz individual ¾ A aprendizes em estruturas sociais
De habilidades individuais ¾ Às práticas de uma equipe
De orientação por processos ¾ À orientação pela prática
Do raciocínio linear ¾ Ao raciocínio sistêmico
Do ensinamento didático ¾ Ao aprendizado baseado em atividades
Do aprendizado baseado na escola ¾ Ao aprendizado como atividade de vida
Do aprendizado em dose única ¾ À adaptação contínua
Do currículo ¾ Ao ambiente de total aprendizagem
Da divulgação de informações de cima para baixo ¾ À comunicação lateral de redes + colegas
Do enfoque no produto ¾ Ao enfoque no cliente
Do projeto a partir da fantasia ¾ Ao projeto a partir da prática de trabalho
Da análise de requisitos ¾ À análise das práticas de trabalho
Da implementação como prestação de serviços ¾ À implementação como um aumento da prática
Do fornecimento de treinamento ¾ Ao fornecimento de recursos para a aprendizagem
Daquilo que os empregados querem ¾ À para aquilo que empregados da linha de frente
necessitam
Quadro 13 – Do paradigma de treinamento ao paradigma de aprendizagem
Fonte: Jordan et al (1997, p. 258-259)

Para Jordan et al (1997), a mudança de paradigma de treinamento para aprendizagem


depende de uma transformação de atitudes e de visão, que podem ser resumidas por quatro
princípios: (1) a aprendizagem é inerente à natureza humana; (2) a aprendizagem é
fundamentalmente social; (3) a aprendizagem modela a identidade por meio da participação;
(4) a aprendizagem informal é crucial no trabalho.
As mudanças inerentes à transformação do paradigma centrado no treinamento para a
aprendizagem, especialmente no século 21, também são apontadas por Meister (1999),
descritas no Quadro 14.
79

Antigo Paradigma de Treinamento Paradigma de Aprendizagem no Século 21


Prédio Local Aprendizagem Disponível que Solicitada –
Em Qualquer Lugar, a Qualquer Hora
Atualizar Qualificações Técnicas Conteúdo Desenvolver Competências Básicas do
Ambiente de Negócios
Aprender Ouvindo Metodologia Aprender Agindo
Funcionários Internos Público-Alvo Equipes de Funcionários, Clientes e
Fornecedores de Produtos
Professore/Consultores de Corpo Docente Gerentes Seniores Internos e um Consórcio
Universidades Externas de Professores Universitários e Consultores
Evento Único Freqüência Processo Contínuo de Aprendizagem
Desenvolver o Estoque de Meta Solucionar Problemas Empresariais Reais e
Qualificações do Indivíduo Melhorar o Desempenho no Trabalho
Quadro 14 – Mudança de paradigma do treinamento para a aprendizagem
Fonte: Meister (1999, p. 22)

Nesse contexto, Meister (1999) e Eboli (2004) sugerem a Educação Corporativa e a


Universidade Corporativa como a criação de uma vantagem competitiva sustentável, mediante
o comprometimento da empresa com a educação e o desenvolvimento de seus trabalhadores.
Eboli (2004) define sete princípios de sucesso de um sistema de Educação Corporativa
(Figura 2), integrando a competitividade inclusive com a sustentabilidade e com a cidadania.
Sob esse enfoque, Schunck (1997) propõe uma Filosofia de ensino que promova um
ambiente contributivo ao desenvolvimento da habilidade intelectual dos trabalhadores. A
autora intitulou de Pedagogia para o Significado. Essa Pedagogia

não se atém rigidamente a roteiros de cursos ou a um plano de ensino. O foco se


volta mais para o processo de pensamento e menos para o conteúdo do currículo.
Aquilo que vale a pena saber torna-se evidente de uma forma bastante natural. [...].
Uma pedagogia para extrair significado concentra-se na pergunta do aprendiz e está
mais direcionada para o aprendizado contínuo no ambiente natural – nesse caso, o
local de trabalho (SCHUNCK, 1997, p. 247).

A Pedagogia voltada para significado concentra-se em fazer com que os trabalhadores


aprendam a aprender, que também constitui uma importante vantagem competitiva
organizacional, entretanto, para isso, Schunck (1997) destaca quatro implicações: (1) repensar
os programas tradicionais de treinamento dos funcionários; (2) transformar o local de trabalho
num ambiente de aprendizado; (3) os operários e gerentes devem tornar-se parceiros na
criação de significados; (4) as pessoas envolvidas no processo devem ser recompensadas.
80

PRINCÍPIO Nº 2:
PERPETUIDADE
“Entender a educação não apenas
como um processo de
desenvolvimento e realização do
potencial existente em cada
colaborador, mas também como
PRINCÍPIO Nº 7: um processo de transmissão da PRINCÍPIO Nº 3:
SUSTENTABILIDADE herança cultural, a fim de CONECTIVIDADE
“Ser um centro gerador de perpetuar a existência da “Privilegiar a construção
resultados para a empresa, empresa”. social do conhecimento
procurando sempre agregar valor estabelecendo conexões e
ao negócio. Pode significar PRINCÍPIO Nº 1: intensificando a
também buscar fontes alternativas COMPETITIVIDADE comunicação e interação.
de recursos que permitam um “Valorizar a educação como Objetiva ampliar a
orçamento próprio e auto- forma de desenvolver o capital quantidade e a qualidade da
sustentável”. intelectual dos colaboradores, rede de relacionamentos
transformando-os efetivamente com o público interno e
em fator de diferenciação da externo”.
empresa diante dos concorrentes,
ampliando assim sua capacidade
de competir. Significa buscar
PRINCÍPIO Nº 6: continuamente elevar o patamar PRINCÍPIO Nº 4:
PARCERIA de competitividade empresarial DISPONIBILIDADE
“Entender que desenvolver por meio da implantação, “Oferecer e disponibilizar
continuamente as competências desenvolvimento e consolidação atividades e recursos
dos colaboradores é uma tarefa das competências críticas educacionais de fácil uso e
complexa, exigindo que se empresariais e humanas”. acesso, propiciando
estabeleçam parcerias internas condições favoráveis para
(com líderes e gestores) e que os colaboradores
externas (instituições de nível PRINCÍPIO Nº 5: realizem a aprendizagem a
superior)”. CIDADANIA qualquer hora e em
“Estimular o exercício da cidadania qualquer lugar”.
individual e corporativa, formando
atores sociais, ou seja, sujeitos
capazes de refletir criticamente
sobre a realidade organizacional, de
construí-la e modificá-la e de atuar
pautados por postura ética e
socialmente responsável”.

Figura 2 – Os sete princípios de sucesso da educação corporativa


Fonte: Eboli (2004, p. 59)

A idéia de vantagem competitiva sustentável a partir da aprendizagem também é


defendida por Fullmann, prefaciando a edição brasileira da obra de DiBella e Nevis (1999).
Para o autor “somente uma organização que aprende e ensina constantemente tem seu sucesso
garantido no futuro, além de contribuir com o crescimento da nação de que faz parte”.
No posicionamento de Dutra (2006, p. 153), “as ações de desenvolvimento devem ser
definidas com base nas necessidades de cada pessoa em particular e na premissa de ajudar a
pessoa a mobilizar seus pontos fortes para desenvolver-se”. O autor destaca a dimensão do
autodesenvolvimento por meio da administração da carreira pelo próprio trabalhador com a
responsabilidade de auto-avaliação, estabelecimento de objetivos profissionais e
implementação do seu plano de carreira.
81

Essas políticas de aprendizagem e desenvolvimento estão centradas no trabalhador,


com ênfase na responsabilidade pessoal dos mesmos. No que concerne ao
autodesenvolvimento, Antonello (2004, p. 66) alerta que

a prioridade ao utilizar o autodesenvolvimento poderá estar na redução de custos


com treinamentos e desenvolvimento, ou a prioridade estará em querer tornar-se
uma organização de aprendizagem. Ou, ainda, a ênfase será fornecer maior
flexibilidade no processo de desenvolvimento, revelando, assim, algumas das
características de sua cultura ética em relação ao desenvolvimento de pessoal.

Pedler (apud ANTONELLO, 2004) indica quatro tendências para a aplicação do


autodesenvolvimento nas organizações (Quadro 15).

Tendência Descrição
Gerenciar a própria Uso de programas como ensino a distância, aprendendo a aprender, comunidades
aprendizagem de aprendizagem e auto-gerenciamento da aprendizagem
Igualdade e oportunidade Grupos com mulheres, negros e minoria étnicas
no trabalho
Desenvolvimento de Sessões de auto-avaliação, planejamento de carreira, atividades com biografia,
carreira etc.
Companhia de Uso de programas como avaliação dos efeitos organizacionais dos grupos de
aprendizagem autodesenvolvimento, qualidade na organização e desenvolvimento de pequenos
negócios
Quadro 15 – Tendências de aplicação do autodesenvolvimento nas organizações
Fonte: Antonello (2004, p. 70)

A postura voltada à aprendizagem contínua e ao autodesenvolvimento é um estado de


espírito, um processo de constante crescimento e fortalecimento de indivíduos talentosos e
competentes. Às organizações cabe, portanto, criar um ambiente favorável para sua
manifestação (EBOLI, 2004). A aprendizagem do sujeito no universo organizacional é ponto
de discussão do próximo tópico.

2.3 Aprendizagem e Conhecimento no Contexto Organizacional

As organizações contemporâneas, no esforço de viabilizar sua sobrevivência,


competitividade e longevidade, bem como minimizar as dicotomias existentes no atual mundo
dos negócios, vêm definindo estratégias voltadas à educação corporativa, capazes de
promover aprendizagem organizacional, cujo foco inicial é a aprendizagem individual. Desta
forma, os postulados sobre a aprendizagem de adultos da área de Educação vêm sendo
82

transportados para o campo da Administração, haja vista a forte ligação entre aprendizagem e
prática de trabalho.
Fleury (1997) explica que duas vertentes teóricas sustentam os principais modelos de
aprendizagem: behaviorista e cognitiva. O primeiro enfatiza o comportamento, que é de fácil
observação e mensuração e pressupõe uma relação entre evento, resposta, conseqüências. O
segundo, pretende explicar melhor fenômenos mais complexos, como a aprendizagem de
conceitos e solução de problemas. Trabalha com representações e com o processo de
informações pelo indivíduo. A autora afirma que as discussões em torno da aprendizagem
organizacional enraizaram-se mais na abordagem cognitiva, porém enfatizando as mudanças
comportamentais observáveis.
No âmbito organizacional, o processo de aprendizagem pode ocorrer em três níveis:
individual, grupal e organizacional, em que o autodesenvolvimento é um dos sustentáculos do
processo (ANTONELLO, 2004), como ilustra a Figura 3.

3 Aprendizagem Organizacional

2 Aprendizagem Grupal

1 Aprendizagem Individual

Autodesenvolvimento

Figura 3 – Diagrama de autodesenvolvimento e aprendizagem nas organizações


Fonte: Antonello (2004, p. 72)

Primeiramente, o processo ocorre em nível individual, a partir das experiências,


reflexões e emoções da pessoa, que também são os pré-requisitos para o
autodesenvolvimento; após, essa aprendizagem pode ser compartilhada e/ou interpretada com
as pessoas do grupo (mesmo setor, mesma função); por último, a aprendizagem, já socializada
pelo pequeno grupo, institucionaliza-se pela disseminação por toda a organização, ocorrendo
a armazenagem, que pode expressar-se em diversos âmbitos organizacionais (FLEURY;
83

FLEURY, 2004). Na prática, entretanto, essa separação é mais complexa. Huysman (2001)
alerta que a principal controvérsia no campo de Aprendizagem Organizacional é a diferença
entre aprendizagem individual e organizacional. O foco desse estudo é a aprendizagem
individual do sujeito no contexto organizacional.
Assim como Fleury e Fleury (2004), Kim (1998) entende que a aprendizagem inicia
no nível individual e, portanto, se os trabalhadores não aprenderem a organização não
aprenderá. “Na realidade, em última instância, as organizações aprendem através de seus
membros individuais” (KIM, 1998, p. 61).
Nonaka e Takeuchi (1997) corroboram ao afirmarem que o conhecimento somente é
criado pelos indivíduos, tendo a organização a função de proporcionar contextos propícios
para tal. Por extensão, deduz-se que a aprendizagem ocorre nos indivíduos, ou seja, a
organização não aprende se os trabalhadores não aprenderem primeiro. A aprendizagem
organizacional, no entanto, não é totalmente dependente da individual e é algo mais do que a
soma do que os membros organizacionais sabem (BOYETT; BOYETT, 1999).

A importância da aprendizagem individual para a aprendizagem organizacional é ao


mesmo tempo óbvia e sutil – óbvia porque todas as organizações são compostas de
indivíduos; sutil porque as organizações podem aprender independentemente de
qualquer indivíduo específico, mas não independentemente de todos os indivíduos
(KIM, 1998, p. 62).

Se o conhecimento só é criado pelo indivíduo, é ao ser humano – ser que aprende –


que a organização deve destinar a maior atenção, pelo simples fato de ser o único sujeito de
interlocução entre os diferentes ambientes – interno e externo – e o agente de qualquer
processo de mudança. O fato de o indivíduo aprender de forma contínua desenvolve-o, torna-
o um ser flexível, diferente, reflexivo, emancipado. Para isso acontecer, porém, não basta boa
vontade do trabalhador; a organização precisa ter sua cultura voltada à aprendizagem,
explicita Schein (apud BOYETT; BOYETT, 1999).
Para que ocorram processos de aprendizagem e geração de conhecimentos, a
organização, seus dirigentes e gestores, precisam promover o autodesenvolvimento e um
ambiente de trabalho em que o funcionário se sinta motivado a aprender, bem como
necessitam gerenciar esse conhecimento criado de forma eficaz e contínua. Nesse sentido, a
preocupação de Jordan et al (1997) é como construir e organizar ambientes de trabalho que
dêem suporte aos tipos de aprendizagem que são úteis e produtivos para os trabalhadores e
para as organizações.
84

Em se tratando de um ambiente propício ao processo de aprendizagem, Fleury (1997)


argumenta que três aspectos devem ser considerados: tempo, espaço e pessoas. O trabalhador
precisa ter tempo disponível para observar, analisar, refletir, pensar criativamente e absorver
novos conhecimentos e habilidades. Da mesma forma, a estrutura (espaço) organizacional
deve ser flexível, propiciando integração e interação entre os trabalhadores. Em relação às
pessoas, essas devem ser vistas como “sujeitos principais do processo de aprendizagem e
inovação organizacional” (FLEURY, 1997, p. 164) e não como meros recursos gerenciáveis.
Problematizada a relação entre aprendizagem individual e organizacional, a título de
estruturação do texto e clareza ao leitor, elas serão aprofundadas separadamente.

2.3.1 Aprendizagem individual

Numa dimensão interdisciplinar, os pressupostos e teorias andragógicos são


transportados para o campo da Administração, principalmente para melhor entender e explicar
a aprendizagem individual que ocorre mediante práticas produtivas.
Levando em conta que a experiência e a reflexão são os fatores principais na
promoção de aprendizagens dos adultos (MERRIAM; CLARK, 1991; CANAN, 1991;
KOLB, 1997; SCHÖN, 2000; MEZIROW, 1990; MERRIAM; CAFARELLA, 1999), pelo
simples fato do adulto passar boa parte de sua vida em atividades produtivas, deduz-se que as
experiências vivenciadas no trabalho e as reflexões oportunizadas por esse ambiente são
decisivas em sua aprendizagem e no seu desenvolvimento pessoal, além do seu
autodesenvolvimento.
Aprendizagem pode ser pensada como “um processo de mudança provocado por
estímulos diversos, mediados por emoções, que pode vir ou não se manifestar em mudança no
comportamento da pessoa” (FLEURY; FLEURY, 2004, p. 95). Em outro direcionamento
Mezirow (1990, p. 1) afirma que “aprendizagem é o processo de criação de uma interpretação
nova ou revisada do significado de uma experiência, a qual orienta a compreensão, apreciação
e ação subseqüentes”. Nota-se que, para Fleury e Fleury (2004), a mudança de
comportamento não é totalmente necessária para demonstrar que ocorreu aprendizagem, ao
passo que, para Mezirow (1990), é uma questão essencial.
Nesse sentido, percebe-se a relação intrínseca entre experiência, aprendizagem,
autodesenvolvimento e desenvolvimento, e, portanto, compactua-se com Merriam e Clark,
citadas por Danis (1998, p. 35), que concebem a aprendizagem como “um processo que quer
atenção e reflexão por parte do adulto relativamente a uma experiência determinada e que
85

conduz a uma transformação, nesse adulto, em relação aos seus comportamentos, atitudes,
aptidões ou ainda em relação aos seus conhecimentos ou as suas próprias convicções”.
Danis e Solar (1998, p. 294) argumentam que a aprendizagem desempenha um papel
fundamental na construção da pessoa, da sua identidade e no seu desenvolvimento. “Se a
aprendizagem alimenta o desenvolvimento, essencialmente pessoal, cognitivo e
metacognitivo, o desenvolvimento, por sua vez, fomenta a aprendizagem”.
Os dois conceitos abordados por Merriam e Clark (1991) - Aprendizagem e
experiência de vida do adulto e Aprendizagem e significado atribuído à experiência vivida
pelo adulto – (discutidos no item 2.1.3) englobam os demais autores (CANAN, 1991; KOLB,
1997; SCHÖN, 2000; MEZIROW, 1990; MERRIAM, CAFARELLA, 1999) que acreditam
na ocorrência de aprendizagens por meio da experiência e da reflexão desta, além de
colaborarem no entendimento desses fenômenos nas organizações.
Da mesma forma, o Ciclo de Aprendizagem – experiência, observação, reflexão, ação
– promovendo a transformação da experiência (KOLB, 1997), a interpretação e generalização
das experiências vividas para a formação de estruturas mentais (MEZIROW, 1990), a reflexão
sobre a ação e a reflexão na ação (SCHÖN, 2000), discutidos anteriormente na abordagem da
educação de adultos (tópico 2.1.3), são essenciais para compreender a aprendizagem
individual que ocorre no ambiente de trabalho.
Os acontecimentos marcantes vivenciados no trabalho e os significados atribuídos a
esses acontecimentos, mediante a reflexão, contudo, são fontes de aprendizagem do
trabalhador. Essas aprendizagens conduzem ao desenvolvimento pessoal do mesmo, que
normalmente demanda uma nova aprendizagem, fazendo com que a relação aprendizagem e
desenvolvimento dos adultos seja dinâmica (DANIS; SOLAR, 1998).
Schuck (1997), discutindo a aprendizagem do operário em um ambiente de trabalho
informatizado, ressalta a importância de uma Pedagogia que contribua com o
desenvolvimento da habilidade intelectual. Baseada em Vygotsky, psicólogo educacional,
Schuck propõe uma Pedagogia voltada para significado, a qual envolve “a reconceituação do
local de trabalho como um ambiente de aprendizado e a redefinição do papel do gerente no
processo de aprendizado” (p. 246). Para a autora, o treinamento dos funcionários precisa
ultrapassar da visão de aprendizagem sobre objetos e ações para o desenvolvimento
intelectual. Justifica que “somente através da aplicação da habilidade intelectual é que as
pessoas percebem o significado dos dados e fazem escolhas conscientes e inteligentes para
resolver problemas ou identificar caminhos mais eficientes ou eficazes a tomar no trabalho”
(p. 241). Explica, ainda, que o aprendizado passa a ser uma mediação social.
86

Aprender é uma experiência social; o aprendizado ocorre através de interações com


outras pessoas e de seu auxílio. Para passar dos objetos e ações para o campo do
significado, o aprendiz conversa com outras pessoas para expandir seu campo de
entendimento. Durante o diálogo, idéias e experiências são compartilhadas e o
aprendiz expõe seus problemas, gera hipóteses, conduz experimentos e reflete sobre
os resultados. A conversa oferece aos operários a oportunidade de indagar os
“porquês” e especular hipóteses do tipo “e se” (SCHUCK, 1997, p. 243).

Sob esse enfoque, as teorias de Mezirow (1981, 1990) e de Kolb (1984, 1997) são
pertinentes para o campo organizacional. Baseados nesses autores, Boyett e Boyett (1999),
estudiosos dos gurus da Administração, acreditam que o aprendizado mais eficaz para adultos
resulta de um ciclo de experiência no próprio local de trabalho, combinando vivência de
experiências concretas, reflexão sobre essas experiências, formação de conceitos abstratos e
generalizações, testagem desses conceitos e generalizações por meio de novas experiências.
Esse ciclo (experimentar – refletir – formar conceitos – testar conceitos) é contínuo e foi
intitulado pelos autores como “a roda do aprendizado” (Figura 4).

Figura 4 – A roda do aprendizado


Fonte: Boyett e Boyett (1999, p. 100)

A “roda do aprendizado” também tem possibilidades de estimular o


autodesenvolvimento dos trabalhadores, por estar baseado na experienciação, na reflexão e na
criação. Ao ampliar o nível de abstração da realidade em que está inserido, o sujeito capacita-
se para lidar com maior complexidade, ao mesmo tempo em que identifica suas limitações e
novos patamares de crescimento, gerando a tensão criativa (SENGE, 1990) que direciona os
esforços ao incremento do potencial humano e leva ao desenvolvimento. Por essa razão, Dutra
87

(2006, p. 101) define desenvolvimento da pessoa como a “capacidade para assumir


atribuições e responsabilidades em níveis crescentes de complexidade”.
A aprendizagem no ambiente de trabalho é discutida por Argyris (1992, 1999), para
quem o processo pode ocorrer de três formas intituladas “circuito simples”; “circuito duplo” e
“circuito triplo” de aprendizagem. Circuito simples (single loop learning) de aprendizagem
diz respeito a situações nas quais os empregados reagem a mudanças quando detectam erros e,
a seguir, os corrigem, visando manter a situação inicial; apenas modificam estratégias e
suposições dentro de um conjunto de normas razoavelmente constantes. Existem, porém,
problemas/conflitos que põem em dúvida as normas e cultura organizacional, sendo
necessário alterar os valores que governam as ações, provocando reformulação de normas da
organização relativas a estratégias e suposições correlatas ao negócio, implicando um
aprendizado em circuito duplo (double loop learning), de caráter cognitivo. Os “circuitos
simples de aprendizagem resolvem os problemas visíveis. Porém, não resolvem o problema
mais básico do porquê desses problemas existirem em primeiro lugar” (ARGYRIS, 1992, p.
112). Deste modo, o aprendizado em circuito duplo depende da reflexão do sujeito até mesmo
sobre os seus modelos mentais, a fim de que novos conceitos sejam construídos e
implementados. O circuito triplo envolve aprender a como aprender a partir de investigação
da natureza do seu próprio sistema de aprendizagem – aprender a aprender -. Neste caso, a
aprendizagem é o próprio objeto de aprendizagem e contribui aos dois ciclos anteriores
(ARGYRIS, 1999).
Argyris (2000), entretanto, alerta ao fato que normalmente a aprendizagem em circuito
duplo é evitado pelos sujeitos, pois eles costumam raciocinar de forma defensiva. Quando os
trabalhadores são convidados a refletir e analisar suas atitudes e comportamentos diante de
um problema organizacional, os mesmos imediatamente atribuem a culpa a outrem,
prejudicando e até impedindo a sua auto-reflexão e sua aprendizagem.
Ainda, no espaço empresarial, a aprendizagem individual está sendo discutida no
âmbito de incorporação de conhecimentos por meio da inteligência dos indivíduos, membros
da organização. Assim, a aprendizagem significa aquisição de conhecimentos e inclui a
aquisição de habilidades ou know-how (o que as pessoas aprendem), que implica capacidade
física de produzir uma ação, e, também, de aquisição de know-why (como as pessoas
compreendem e aplicam este conhecimento), que gera capacidade de articular uma
compreensão conceitual de uma experiência (KIM, 1998).
O know-how apresentado por Kim (1998) refere-se à aprendizagem operacional que
constitui um processo cumulativo e envolve a elaboração de rotinas (conhecimento tácito). “A
88

aprendizagem operacional não apenas se acumula e muda as rotinas, mas as rotinas


igualmente afetam o processo de aprendizagem operacional” (p. 69). O know-why está
relacionado à aprendizagem conceitual e implica em perguntar o porquê da natureza ou
existência de determinadas condições, procedimentos ou concepções, conduzindo à
elaboração de novos quadros de referência (conhecimento explícito), os quais podem
promover outras aprendizagens. O modelo de aprendizagem individual de Kim (1998),
contudo, corresponde a um ciclo de aprendizagem conceitual e operacional que informa e
recebe informações de modelos mentais.
Ainda que o conhecimento operacional seja fundamental para o funcionamento de
qualquer organização, cada vez mais ele tem que estar associado ao conhecimento conceitual
a fim de consolidar o conhecimento organizacional. É uma tentativa de superar a concepção
taylorista/fordista e burocrática de separação entre aqueles que pensam e aqueles que
executam.
A ocorrência de aprendizagem individual, no âmbito das organizações, está imbricada
no estilo de gestão, na cultura organizacional, na postura dos gestores, entre outros fatores. As
práticas de gestão, principalmente as de gestão de pessoas, podem inibir ou estimular a
aprendizagem dos trabalhadores. Apesar das organizações demonstrarem uma preocupação
maior em torno do desenvolvimento do trabalhador, muitas vezes, na prática, o que prevalece
é a visão taylorista-fordista.
Por essa razão e diante da afirmação “A educação de um povo moderno se desenvolve
dentro das empresas e delas se propaga para toda a nação” (FULLMANN apud DIBELLA;
NEVIS, 1999, p. IX), questionamentos e preocupações são constantes como: que educação
tem sido promovida no âmbito organizacional? Que nação se está construindo? Tem o sujeito
oportunidade de se desenvolver em suas múltiplas dimensões? De que sujeito está falando-se?
Quando se pretende a emancipação do sujeito, práticas de gestão que levem à
experiências positivas e significativas ao trabalhador e aprendizagens construtivas, a
abordagem de Tenório (2004), baseado em Habermas, torna-se pertinente. Acredita-se no
desenvolvimento pessoal por meio de interações sociais dialógicas e reflexivas, mediadas pela
linguagem e pela razão substantiva que a teoria de Habermas (1987, 1989) postula.
89

2.3.2 Aprendizagem organizacional

Apesar do foco dessa investigação ser a aprendizagem individual, em razão da relação


com a aprendizagem organizacional, esse assunto é ponto de discussão. Além disso, entende-
se que tanto a organização aprendiz como as práticas de aprendizagem organizacional,
interferem na aprendizagem individual dos trabalhadores.
A aprendizagem individual é a condição necessária, mas não suficiente para a
aprendizagem organizacional. O fato crucial não é somente o que e quantos indivíduos na
organização aprendem, mas a transferência do que sabem para a organização (BOYETT,
BOYETT, 1999; KIM, 1998). Outra problemática, na concepção de Mohrman e Mohrman Jr.
(1995), é compreender como a organização, entidade não-humana, aprende. Em contrapartida,
DiBella e Nevis (1999, p. 14) apontam a importância de compreender “o que representam
esses processos de aprendizagem – como, quando e o que se aprende, [justificando que] o
essencial não é se a sua empresa é uma organização aprendiz ou não, mas o que seus
empregados são capazes de aprender e como aprendem”.
A aprendizagem organizacional é mais complexa e dinâmica do que a ampliação da
aprendizagem individual, isso porque, ao passar de um indivíduo para um grupo de
indivíduos, o nível de complexidade aumenta. O cerne da questão é “o processo pelo qual a
aprendizagem individual se torna inserida na memória e na estrutura da organização” (KIM,
1998, p. 62).
DiBella e Nevis (1999) diferenciam a aprendizagem organizacional da individual a
partir de três critérios: (1) novas habilidades, atitudes, valores e comportamentos são criados
ou adquiridos no decorrer do tempo; (2) o que é aprendido torna-se propriedade de alguma
unidade coletiva; (3) aquilo que foi aprendido deve permanecer com a organização, mesmo
após a saída de alguns indivíduos. Os três critérios indicam por que a aprendizagem é
importante. “Aprender significa ganhar experiência, construir competência e evitar a repetição
de enganos, problemas e erros que desperdiçam os recursos da empresa” (1999, p. 30).
Para Crossan, Lane e White (1999), a aprendizagem organizacional é multinível –
individual, grupal e organizacional - e que são ligados por quatro processos básicos de
aprendizado: intuição, interpretação, integração e institucionalização (Quadro 16).
Na concepção de Crossan, Lane e White (1999) um nível de conhecimento alimenta o
outro e o conhecimento institucionalizado na organização volta a influenciar o conhecimento
individual, demandando novas aprendizagens. Esta abordagem é corroborada por Fleury e
Fleury (2004).
90

Nível Processo Insumos/Resultados


Experiências
Intuição Imagens
Individual Metáforas
Linguagem
Interpretação Mapa cognitivo
Grupo Conversação/diálogo
Compreensões compartilhadas
Integração Ajuste mútuo
Organização Sistemas interativos
Planos, rotinas, normas
Institucionalização Sistemas de diagnósticos
Regras e procedimento
Quadro 16 – Estrutura unificante para aprendizado organizacional
Fonte: Crossan, Lane e White (1999, p. 526)

Mohrman e Mohrman Jr. (1995) trazem a concepção de que a aprendizagem


organizacional ocorre sob três enfoques: o primeiro é o aprendizado vinculado ao processo de
inovação, a “invenção” e a adoção de novos processos, produtos ou sistemas; o segundo
ocorre nos processos de melhoria organizacional e o terceiro é o aprendizado que orienta o
redesenho de organizações e de subsistemas organizacionais para desempenhar novas
estratégias. Assim, a aprendizagem organizacional representa a capacidade de alteração do
desempenho para se antecipar e/ou reagir às mudanças ambientais. Já DiBella e Nevis (1999)
a definem como a capacidade da organização ou o processo que ela utiliza para manter ou
melhorar seu desempenho com base na experiência adquirida. Cook e Yanow (1993, p. 384) a
conceituam como a “aquisição, sustentação e mudança, mediante ações coletivas, dos
significados inseridos nos artefatos culturais da organização”.
Em se tratando de organização aprendiz, Senge (1990) postula o desenvolvimento de
cinco “disciplinas” fundamentais para a transformação de uma organização tradicional em
uma organização que aprende: domínio pessoal, modelos mentais, visão compartilhada,
aprendizagem em equipe e pensamento sistêmico. Na visão do autor, essas são capazes de
promover e impulsionar o processo de inovação, aprendizagem e competitividade
organizacional.
Em outro direcionamento, Garvin, além de criticar os conceitos de Senge indicando
como abstrações sem algum referencial para a ação, define organização que aprende aquela
“que dispõe de habilidades para criar, adquirir e transferir conhecimentos, e é capaz de
modificar seu comportamento, de modo a refletir os novos conhecimentos e idéias (2000, p.
54).
91

Face a multiplicidade de definições e omissões em torno de aprendizagem


organizacional e organização de aprendizagem, torna-se pertinente o estudo de Prange (2001)
sobre o que constitui uma “boa” teoria nesse campo. Para a autora, as questões que seguem
são as mais razoáveis a serem concebidas em uma teoria de aprendizagem organizacional:

Definição O que significa aprendizagem organizacional?


Sujeito da aprendizagem Quem está aprendendo?
Conteúdo da aprendizagem O que está sendo apreendido?
Incentivos e motivos para aprender Quando ocorre a aprendizagem?
Eficiência e efetividade da aprendizagem Que resultados a aprendizagem provoca?
Processos de aprendizagem Como ocorre a aprendizagem?
Quadro 17 – Constituição de uma “boa” teoria
Fonte: adaptado de Prange (2001, p. 45)

Após realizar um intenso estudo na literatura disponível sobre o tema, Prange (2001)
aponta três direcionamentos da teoria de aprendizagem organizacional: (1) carece de
integração teórica e a pesquisa não é cumulativa; (2) não proporciona conhecimento “útil”
para os profissionais; (3) é usada principalmente com um sentido analógico e/ou metafórico.
Nesse contexto, a orientação de DiBella e Nevis (1999) de que a aprendizagem
organizacional pode ser estudada sob três perspectivas: normativa, desenvolvimental e
capacitacional, torna-se útil (Quadro 18).

Características Perspectiva
Normativa Desenvolvimental Capacitacional
Aprendizagem A AO apenas acontece dentro A organização aprendiz A aprendizagem é um dom
Organizacional de condições absolutamente representa o último estágio do inato em qualquer organização,
(AO) exclusivas. Ela não acontece desenvolvimento como sistema social. É sua
por acaso, mas resulta do organizacional, que é atingido própria identidade e há muitas
desenvolvimento e do por meio da experiência maneiras de ela aprender.
emprego de habilidades adquirida em seus ciclos de
específicas. Há uma vida.
intervenção disciplinada.
Principais Garratt (1990), Garvin Argyris e Schön (1978), Jelinek (1979), Mckee (1992),
expoentes (1993), Lessem (1991), Mayo Dechant e Marsick (1991), Nevis, DiBella e Gould (1993),
e Rick (1993), McGill, Kimberly (1979), Kimberly e Srivastra (1983), Stata (1989),
Slocum e Lei (1992), Senge Miles (1980), Meyers (1990), Tomassini (1991), Wenger
(1990) e outros Torbert (1994, 1987). (1996).
Orientação Futura Longitudinal Presente
temporal
Fonte Ação estratégica Evolução, adaptação Existência
Estilo de Único, rígido Adaptado ao estágio de Múltiplo, relativo
aprendizagem desenvolvimento
organizacional
Relação entre Dependência Evoluções paralelas Intrínseca
aprendizagem e
cultura
Foco gerencial Aprendizagem Histórico organizacional Capacidades atuais
Quadro 18 – Comparação entre as perspectivas normativa, desenvolvimental e capacitacional
Fonte: adaptado de DiBella e Nevis (1999)
92

Sob a perspectiva capacitacional, Kim (1998, p. 61) afirma que “todas as organizações
aprendem, tenham elas escolhido isso conscientemente ou não - é um requisito fundamental
para sua existência sustentada”. Assim, o que diferencia as organizações é o fato de algumas
promoverem a aprendizagem organizacional e outras não focalizam esforço algum nesse
aspecto.
Levando em consideração que a organização aprende por meio de seus membros
individuais e, em função disso, o fator crucial da aprendizagem organizacional é o processo
de transferência da aprendizagem individual para a memória e estrutura da organização, Kim
(1998) propõe um modelo integrado para a aprendizagem organizacional – OADI-SMM -,
que corresponde a observar, avaliar, projetar e implementar modelos mentais compartilhados
(Figura 5).

Figura 5 – Modelo integrado de aprendizagem organizacional


Fonte: Kim (1998, p. 77)

Os ciclos de aprendizagem individual afetam a aprendizagem organizacional mediante


a influência nos modelos mentais compartilhados da organização. Conforme a Figura 5, a
organização pode aprender somente por meio dos seus membros, entretanto isso não
representa qualquer dependência de algum membro específico. Os membros, por sua vez,
poderão aprender independentemente da organização e nem sempre suas aprendizagens
influenciarão a organização.
93

Os modelos mentais compartilhados e individuais constituem a memória ativa da


organização, a qual é primordial para a aprendizagem organizacional. Esses modelos mentais
podem ser “explícitos ou implícitos, tácitos ou generalizadamente reconhecidos, mas têm a
capacidade de afetar a forma pela qual um indivíduo ou uma organização vê o mundo e toma
ações” (KIM, 1998, p. 79).
Complementando a idéia de Kim (1998), Garvin (2000) aponta que a organização que
aprende é habilidosa em cinco atividades principais: solução de problemas de maneira
sistemática, experimentação de novas abordagens, aprendizado com as próprias experiências e
melhores práticas alheias e transferência de conhecimentos rápida e eficiente em toda a
organização.
A aprendizagem organizacional, entretanto, pode ser dificultada e até inibida. Neste
tocante, Boyett e Boyett (1999) agrupam as deficiências de aprendizado em três grandes
abordagens. A primeira abordagem focaliza os modelos mentais e como os aprendizados
individual e organizacional tornam-se estagnados quando os modelos mentais não são
explícitos e, conseqüentemente não são desafiados. A segunda abordagem refere-se ao fato
dos modelos mentais do tipo se-então (iflthen) estarem incorretos por atribuírem um
relacionamento causal a alguns eventos, e esse relacionamento não existir, ou por não
reconhecerem esse relacionamento quando o mesmo existe. A terceira abordagem concentra-
se na cultura organizacional e nas condições necessárias para manter e estimular a roda do
aprendizado.
Outro dificultador da aprendizagem organizacional é apontado por Weick e Westley
(2004, p. 366), partindo da idéia de que organização pressupõe organizar, reduzir variedades e
aprender pressupõe desorganizar e aumentar a variedade. Os autores argumentam que a
expressão aprendizagem organizacional é composta por processos antagônicos e por isso
significa um oximoro. “Essa dicotomia sugere que as organizações que se autodesenvolvem
aprendem, enquanto as burocráticas se organizam”, gerando uma relação desconfortável entre
aprendizagem e organização.
O que parece consenso entre os autores é que a aprendizagem organizacional promove
a criação de novos conhecimentos e por isso auxilia na superação dos limites e no
desenvolvimento de estratégias competitivas da organização. A aprendizagem no contexto
organizacional, contudo, está intimamente ligada à gestão do conhecimento (FLEURY;
FLEURY, 2004).
94

2.3.3 Gestão do conhecimento

Na sociedade do conhecimento, o capital humano passa a ser o principal “recurso”


(CRAWFORD, 1994) e o conhecimento o único recurso significativo (DRUCKER, 1993) e a
principal arma competitiva de nossa era (STEWART, 1998). Nas organizações, criar
conhecimento constantemente representa inovação, a qual gera vantagem competitiva
(NONAKA; TAKEUCHI, 1997).
A abordagem baseada em recurso pressupõe que o conhecimento pode ser gerenciado
para melhorar a performance da empresa, sendo a fonte de novos conhecimentos o processo
de aprendizagem organizacional, o qual também pode ser influenciado pela empresa
(OLIVEIRA JR., 2001).
Nessa direção, Lampel (2000, p. 161) afirma que as capacidades das organizações que
aprendem vão além de melhores produtos e maiores lucros. O aprendizado aumenta “a
capacidade da organização para tirar proveito de condições externas em rápidas mudanças.
Suas estratégias são suficientemente abertas para aceitar o inesperado”. Esse entendimento é
compactuado por DiBella e Nevis (1999), para quem uma empresa aprendiz consegue ficar a
maior parte de sua vida na fase de crescimento, adiando as fases de estabilidade e declínio. Os
autores alertam, porém, que a habilidade de uma organização competir resulta do que, como e
quão bem ela aprende, não simplesmente do fato de aprender.
O conhecimento organizacional é compreendido neste estudo como o conjunto
compartilhado de crenças originado das relações mantidas pelos indivíduos na empresa
(OLIVEIRA JR., 2001). Dessa forma, as empresas assumem características de comunidades,
nas quais a combinação de conhecimento é facilitada e a imitação, por parte dos concorrentes,
é evitada. Oliveira Jr. (2001), citando Grant (1996), indica que o conhecimento que cria valor
à empresa (difícil de ser imitado), caracteriza-se pela transferibilidade, capacidade de
agregação, apropriabilidade, especialização e importância para a produção.
O conhecimento só é criado por indivíduos (NONAKA; TAKEUCHI, 1997), o que
leva as organizações contemporâneas a gerenciarem esse conhecimento individual para que se
torne organizacional e resulte em inovação competitiva. O conhecimento é gerado por meio
de aprendizagens, por isso deduz-se que a organização, ao estimular a criação de
conhecimentos, ao mesmo tempo promove a aprendizagem do sujeito.
Para Davenport e Prusak (1998), a gestão do conhecimento visa proporcionar um
ambiente no qual se possa identificar, compartilhar e criar conhecimento que agregará valor à
organização e contribuirá para o alcance de suas metas. Embora a gestão do conhecimento
95

esteja intimamente ligada à sustentabilidade organizacional, espera-se que, ao mesmo tempo,


ela seja adotada como uma prática de desenvolvimento humano.
Nesse contexto, pressupõe-se que um dos desafios da organização em busca da
sustentabilidade e, quem sabe o maior, seja transformar o conhecimento individual em
organizacional. Dentre a literatura disponível nessa área, destaca-se a obra de Nonaka e
Takeuchi (1997), que trata de uma teoria de criação de conhecimento organizacional. Os
autores, auxiliando-se em Polanyi (1996), primeiramente apresentam a distinção entre
conhecimento tácito e explícito (Quadro 19).

Conhecimento tácito Conhecimento explícito


(Subjetivo) (Objetivo)
Conhecimento da experiência Conhecimento da racionalidade
(corpo) (mente)
Conhecimento simultâneo Conhecimento seqüencial
(aqui e agora) (lá e então)
Conhecimento análogo Conhecimento digital
(prática) (teoria)
Quadro 19 – Dois tipos de conhecimento
Fonte: Nonaka e Takeuchi (1997, p. 66)

Nonaka e Takeuchi (1997, p. 67) argumentam que “o conhecimento humano é criado e


expandido através da interação social entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito”
(Figura 6), por meio de quatro modos de conversão do conhecimento e que resultam na
espiral “do aprendizado”. Os quatro modos de conversão são: socialização (do tácito em
tácito), exteriorização (do tácito em explícito), combinação (do explícito em explícito) e
interiorização (do explícito em tácito).
O conhecimento individual é transformado em organizacional na explicação de
Nonaka e Takeuchi (1997): (1) a socialização promove a integração dos atores
organizacionais mediante o compartilhamento de suas experiências e de seus modelos
mentais; (2) o diálogo e a reflexão coletiva provocam a externalização e a utilização de
metáforas ou analogias auxilia a articulação do conhecimento tácito, o qual é difícil de ser
comunicado; (3) o conhecimento recém-criado é articulado ao já existente (combinação),
cristalizando-os em um novo produto, serviço, sistema gerencial; (4) por meio do “aprender
fazendo” o novo conhecimento é internalizado. Na mesma direção, Fleury e Fleury (2004)
argumentam que a gestão do conhecimento organizacional constitui-se de três momentos:
aquisição e desenvolvimento de conhecimento, disseminação e construção da memória. Os
autores explicam que a aquisição e o desenvolvimento de conhecimentos podem ocorrer por
meio de experimentação, inovação, resolução sistemática de problemas, entre outros
96

processos. A disseminação acontece mediante a comunicação e circulação de conhecimento,


treinamentos, rotação das pessoas e trabalho em equipes diversas. Já a memória corresponde
ao armazenamento de informações, as quais poderão ser recuperadas para auxiliar no processo
decisório.

Figura 6 – Conversão do Conhecimento


Fonte: Nonaka e Konno (1998, p. 43)

Nonaka e Takeuchi (1997), por considerarem os modelos gerenciais prevalecentes


ineficazes à criação de conhecimento organizacional, propõem o modelo middle-up-down (do
meio para cima e para baixo) de gerenciamento, colocando o gerente de nível intermediário
(engenheiros do conhecimento) no centro da gestão do conhecimento e redefinindo o papel
dos gerentes superiores (gerentes do conhecimento) e dos funcionários do nível operacional
(profissionais do conhecimento). Em síntese, o papel dos gerentes de nível médio é resolver
as contradições entre o que os altos gerentes desejam criar e o que realmente é possível para o
mundo real.
A partir dessa base, Nonaka e Konno (1998) introduziram o conceito japonês de ba,
que pode ser traduzido aproximadamente na palavra inglesa place (lugar). Os autores
consideram ba um espaço compartilhado que serve como uma plataforma para criação do
conhecimento; uma plataforma para a concentração orgânica dos ativos de conhecimento da
97

organização e as capacidades intelectuais dentro dos processos de conhecimento. O


conhecimento emergente administrado em ba, entretanto, requer uma liderança diferenciada,
que compreenda que o conhecimento precisa ser criado, apoiado, aumentado e cuidado. Em
outras palavras, o conhecimento exige um gerenciamento diferenciado dos demais recursos
organizacionais.
A gestão do conhecimento integrada à aprendizagem organizacional pode fomentar a
identificação, desenvolvimento e atualização das competências essenciais da empresa, que
constitui a base de estratégia competitiva (OLIVEIRA JR., 2001). Boyett e Boyett (1999),
porém, alertam que o principal dificultador da aprendizagem organizacional está relacionado
com a cultura da empresa.

2.3.4 Estratégia e cultura organizacional voltadas ao aprendizado

As organizações contemporâneas, para enfrentarem os desafios do ambiente,


sobretudo externo, e garantirem sua sobrevivência, adotam estratégias administrativas para se
adaptarem às mudanças contínuas e rápidas.
Estratégia é um conjunto de decisões do processo organizacional. Ela pode ser um
plano, pretexto, padrão, posição ou perspectiva, assim como pode ser deliberada ou emergente
(MINTZBERG; QUINN, 2001). Tanto pode ser um guia de ações definidas no princípio,
quanto o conjunto de resultados definidos posteriormente (MOTTA, 2004). Porter (1996, p.
68) acrescenta que “estratégia é a criação de uma posição única e valiosa, envolvendo um
conjunto diferente de atividades”.
Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) na obra “Safári de Estratégia: um roteiro pela
selva do planejamento estratégico”, propõem dez escolas de pensamento sobre formulação de
estratégia, sendo uma delas a de aprendizado. Nessa escola a estratégia é concebida como um
processo emergente, de natureza descritiva; emergente porque focaliza o aprendizado,
permitindo que os atores reflitam sobre suas próprias ações e aprendam com seus acertos e
erros; descritiva, ao contrário de prescritiva (controle), significa ter a preocupação de entender
como as estratégias de fato se constroem nas organizações. Os autores deixam clara a idéia de
que “O verdadeiro aprendizado tem lugar na interface de pensamento e ação, quando os
agentes refletem sobre o que fizeram..., o aprendizado estratégico deve combinar reflexão
com resultado” (p. 147).
Para a escola de aprendizado, o mundo é demasiado complexo para que as estratégias
sejam desenvolvidas de uma só vez com planos ou visões claros. A estratégia, portanto, deve
98

emergir em passos curtos, à medida que a organização se adapta, ou “aprende”. “As


estratégias emergem quando as pessoas, algumas vezes atuando individualmente mas na
maioria dos casos coletivamente, aprendem a respeito de uma situação” (MINTZBERG;
AHLSTRAND; LAMPEL, 2000, p. 134).
Da mesma forma, Motta (2004, p. 103) salienta a presença contínua da aprendizagem
no processo estratégico. “Gerenciar estrategicamente é estar propenso ao aprendizado
contínuo. É saber ver suas crenças questionadas e aceitar a introdução de novos elementos de
análise para compreender melhor fenômenos, correntes e redirecionar ações futuras”.
Para Senge (1990, 1993) a organização que aprende apresenta características de estar
continuamente expandindo sua capacidade de desenvolver estratégias de longo prazo e de
criar o seu futuro, o que pode representar uma vantagem competitiva realmente sustentável.
“À medida que o mundo se torna cada vez mais interligado e as empresas mais complexas e
dinâmicas, o trabalho deve se tornar mais ‘fácil de aprender’”, escreve Senge (1990, p. 37).
Diz ainda que, “não basta mais ter uma única pessoa aprendendo pela empresa”, portanto, “as
organizações que realmente terão sucesso no futuro serão aquelas que descobrirem como
cultivar nas pessoas o comprometimento e a capacidade de aprender em todos os níveis da
organização”. Deste modo, a aprendizagem visando à sobrevivência – adaptativa – é
necessária, mas é à generativa, que amplia a capacidade de criação, que a empresa deve
destinar maior atenção.
Boyett e Boyett (1999), discutindo os fatores que inviabilizam a aprendizagem no
âmbito das organizações, indicam que um deles e o mais amplo focaliza a cultura. Os
referidos autores citam Schein (1999, p. 131), que define a cultura organizacional como “o
acúmulo de aprendizado anterior baseado no sucesso anterior”. Para Schein (apud BOYETT;
BOYETT, 1999), a organização pode desenvolver uma cultura que amplie ou que iniba o
aprendizado (Quadro 20).

Cultura que estimula o aprendizado Cultura que inibe o aprendizado


Equilibra os interesses de todos os envolvidos Estabelece uma distinção entre questões relacionadas a
tarefas e relacionamentos
Concentra-se nas pessoas, não nos sistemas Concentra-se nos sistemas, não nas pessoas
Faz as pessoas acreditarem na possibilidade de mudar Só permite que as pessoas mudem quando é necessário
seu ambiente
Disponibiliza tempo para o aprendizado É enxuta, evitando tempo de folga
Adota uma abordagem holística aos problemas Compartimentaliza a resolução de problemas
Estimula a comunicação aberta Restringe o fluxo de informações
Acredita no trabalho em equipe Acredita na competição individualizada
Tem líderes acessíveis Tem líderes controladores
Quadro 20 – Cultura que estimula e inibe o aprendizado
Fonte: adaptado de Boyett e Boyett (1999, p. 134-135)
99

Em relação ao autodesenvolvimento, a cultura organizacional poderá dificultá-lo ao


não permitir enganos, não aceitar a necessidade de crescimento e ascensão profissional,
limitar as oportunidades de promoção e não criar espaço para iniciativa. Numa dimensão
estratégica, portanto, o autodesenvolvimento é adotado como alavanca ao processo de
mudança e melhorias institucionais, para simplificar e ter maior eficiência em alguns
processos de gestão de pessoas e promover a aprendizagem (ANTONELLO, 2004).
As organizações desenvolvem cultura e estratégias voltadas ao aprendizado porque
visualizam a oportunidade de se tornarem aprendentes. Os motivos que impulsionam uma
empresa a se transformar em uma organização que aprende, portanto, correspondem tanto a
aspectos relacionados ao desenvolvimento humano como a aspectos ligados à sustentabilidade
organizacional. Essa idéia está alinhada com a necessidade de superar as dicotomias tão
presentes no âmbito organizacional e com a forma de gestão processual-relacional, para as
quais a postura dos gestores mostra-se, de certa forma, decisiva.

Este capítulo foi dedicado a explicitar conceitos e teorias em torno da temática da


aprendizagem individual no universo organizacional. Foi dividido, para tanto, em três
subcapítulos, contemplando pressupostos principalmente das áreas de Administração e
Educação. As concepções do campo da Educação, essencialmente as que explicam o processo
da aprendizagem dos indivíduos adultos são transportados para o ambiente administrativo, a
fim de compreender como este indivíduo aprende na organização. Indicações de práticas de
gestão, na perspectiva do desenvolvimento pessoal, organizacional e social, foram
apresentadas.
Com o propósito de sintetizar, contudo, os principais construtos teóricos que
fundamentam a aprendizagem na perspectiva do desenvolvimento humano no espaço de
trabalho são listados no Quadro 21, sob os quais foi realizado esse estudo.
100

Categoria Construto teórico


Ser humano Inacabado, inconcluso e imperfeito (FREIRE, 1983)
Genérico e singular; ativo e reflexivo (CHANLAT, 1996)
Consciente e inconsciente (FREITAS, 2000)
Complexo e antagônico (MORIN, 2001)
Educação De caráter permanente e presente também no ambiente de trabalho (FREIRE, 1983;
BRANDÃO, 1986; DELORS, 1999)
Quatro pilares: aprender a conhecer, a fazer, a viver juntos e a ser (DELORS, 1999)
Aprendizagem de Aprendizagem e experiência de vida do adulto e aprendizagem e significado atribuído à
adultos experiência vivida pelo adulto (MERRIAM; CLARK, 1991)
Relação dinâmica entre processos de aprendizagem e desenvolvimento pessoal do adulto
(DANIS, 1998)
Corrente construtivista: aprendizagem pela experiência, auto direcionada e transformadora
(MERRIAM; CAFARELLA, 1999)
Processo de Ciclo de aprendizagem: experiência – observação – reflexão – ação (KOLB, 1994, 1997)
aprendizagem Experiência e reflexão (DANIS; SOLAR, 1998)
Associação entre conhecimento operacional e conceitual (KIM, 1998)
Roda do aprendizado: experimentar – refletir – formar conceitos – testar conceitos
(BOYETT; BOYETT, 1999)
Circuito duplo e triplo de aprendizagem (ARGYRIS, 1999)
Gestão do conhecimento e conversão entre conhecimentos tácitos e explícitos (NONAKA;
TAKEUCHI, 1997)
Sentidos do Gerador de satisfação, felicidade e realização. Um trabalho significativo promove a
trabalho autonomia, a aprendizagem e o desenvolvimento humano, dentre outros fatores
(VERGARA, 2000a; MORIN, 2002; MORIN; TONELLI; PLIOPAS, 2003)
Decente (SACHS, 2004)
Organizações Complexas, ambíguas e paradoxais (MORGAN, 1996; BAUER, 1999)
Lugar de subjetividades, afetividades e angústias (CHANLAT, 1996; ENRIQUEZ, 2000;
FREITAS, 2000)
Construções histórico-sociais complexas (DAVEL; ALCADIPANI, 2003)
Promoção de um ambiente (FLEURY, 1997), cultura (BOYETT; BOYETT, 1999) e
estratégias (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000) contributivos ao
aprendizado contínuo
Políticas e práticas de conciliação entre o econômico e o social (CHANLAT, 2000)
Gestão Processo fragmentado, impreciso e descontínuo, comparado a uma arte (MOTTA, 2004)
Presença da lógica emancipatória e da racionalidade comunicativa (RAMOS, 1981;
CHANLAT, 2000; TENÓRIO, 2004)
Estilo processual-relacional de gerir (WATSON, 2005)
O gestor assume o papel de projetista, regente, professor, servidor e guia (SENGE, 1990,
2001; DRUCKER, 1996)
Gestão de pessoas Práticas humanizadoras (VERGARA; BRANCO, 2001)
Concepção do trabalhador como um sujeito do processo, agente de mudança, homo
interior, homo subjetivus e homo colectivus (DAVEL; VERGARA, 2001)
Integração dos interesses organizacionais e individuais (DAVEL; VERGARA, 2001)
Treinamento, Paradigma de aprendizagem (JORDAN et al, 1997; MEISTER, 1999)
desenvolvimento e Educação corporativa (MEISTER, 1999; DIBELLA; NEVIS, 1999; EBOLI, 2004)
educação Aprendizagem contínua; desenvolvimento de atitudes, posturas, habilidades e
competências amplas (EBOLI, 2004)
Desenvolvimento Ampliação das escolhas para viver conforme seu interesse, com liberdade e dignidade
humano (SEN, 2000; PNUD, 2002)
Atualização do potencial do indivíduo e pode estar ligado ao desenvolvimento afetivo,
cognitivo, moral e profissional (ADAIR, 1990; BILLINGTON, 1990; MERRIAM;
CLARK, 1991; CANAN, 1991; PRONOVOST, 1993).
Contempla os planos pessoal, profissional e social (DANIS;SOLAR, 1998)
Quadro 21 – Principais fundamentos teóricos da pesquisa
101

Esses fundamentos teóricos e seus respectivos pesquisadores argumentam que a


manifestação de desenvolvimento humano no espaço de trabalho está atrelada a concepção de
ser humano como um sujeito único, multidimensional e inacabado, por isso aprende ao longo
da vida, tendo a educação caráter permanente, por extensão, o universo organizacional é
complexo, ambíguo e subjetivo; e o processo gerencial impreciso, fragmentado e relacional.
A organização, ao ter clareza da sua natureza e interessar-se na conciliação entre o
econômico e o social, poderá promover políticas e práticas humanizadoras que integrem os
objetivos institucionais e individuais, oferecendo um ambiente, cultura e estratégias
adequados para a ocorrência de aprendizagens e um trabalho decente e significativo,
contributivo a emancipação do funcionário. Neste espaço de trabalho, a reflexão, a autonomia
e o diálogo são fortalecidos, assim como o ciclo de aprendizagem, a aprendizagem conceitual,
de laço duplo e triplo, logo, a aprendizagem individual, grupal e organizacional são
estimuladas e, igualmente, a longevidade e a competitividade empresarial são reforçadas.
Como a aprendizagem está dinamicamente relacionada ao desenvolvimento pessoal do
sujeito, faz com que o ciclo seja constante e virtuoso. O processo poderá, ainda, ser
intensificado com a institucionalização do paradigma de aprendizagem e da educação
corporativa. Essa foi a lógica estabelecida nesta pesquisa, a partir da qual os dados empíricos
foram interpretados, a fim de compreender o processo de aprendizagem individual no
contexto de uma empresa varejista e de base familiar.
102

3 METODOLOGIA

A metodologia é definida como o estudo e avaliação dos métodos de pesquisa,


buscando identificar suas possibilidades e limites de aplicação em determinada investigação
(MINAYO, 1994). A pesquisa é a atividade básica da Ciência, por isso se constitui numa das
formas de se ter acesso ao conhecimento (VERGARA, 2000b). Para que o conhecimento seja
validado, a avaliação e a escolha dos métodos de pesquisa devem ser criteriosas, uma vez que
estas escolhas podem representar caminhos diferentes, podendo conduzir a resultados
diferentes, inclusive distintos (GODOY, 1995).
Neste capítulo tem-se por objetivo descrever os aspectos metodológicos que
orientaram a presente investigação, como forma de garantir a confiabilidade e o rigor
científico da mesma. O capítulo está dividido em seis partes, abordando respectivamente,
pressupostos filosóficos, classificação da pesquisa, organização estudada, sujeitos da
pesquisa, coleta de dados e análise e interpretação dos dados.

3.1 Pressupostos Filosóficos

As pesquisas são orientadas por paradigmas (KUHN, 1998), os quais definem a


“forma de ver o mundo e como este deveria ser estudado” (BURREL, 1999, p. 447).
Em se tratando de paradigmas das Ciências Sociais, destaca-se o estudo de Burrel e
Morgan (1979) que defendem que a teoria social e a teoria das organizações podem ser
discutidas e analisadas a partir de quatro amplas visões de mundo. A dimensão Objetividade
X Subjetividade, que aborda a natureza das Ciências Sociais e a dimensão Regulação X
Mudança Radical, que aborda a natureza da sociedade.
103

A partir dessas duas dimensões – Objetividade X Subjetividade, Regulação X


Mudança Radical –, Burrel e Morgan (1979) identificaram a existência de quatro paradigmas:
Humanismo Radical, Estruturalismo Radical, Sociologia Funcionalista e Sociologia
Interpretativa (Figura 7).

SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL


Paradigma humanista Paradigma estruturalista
radical radical

Teoria antiorganização Teoria organizacional radical

SUBJETIVO OBJETIVO
Nominalista Paradigma interpretativista Paradigma funcionalista Realista
Construtivista Behaviorismo, Positivista
Voluntarista Pluralismo determinismo e Determinista
Ideográfica empiricismo abstrato Nomotética
Hermenêutica
Estrutura
Etnometodologia e interacionismo Teoria dos
de referência
Simbólico fenomenológico sistemas sociais
da ação

SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO
Figura 7 – Paradigmas sociológicos
Fonte: adaptado de Morgan (2005, p. 61)

Com base na classificação de Burrel e Morgan (1979), esta pesquisa posiciona-se


predominantemente na dimensão subjetiva das Ciências Sociais. No que concerne aos
alicerces ontológicos, insere-se na visão nominalista e, aos alicerces epistemológicos, na
vertente construtivista. Em termos da natureza humana, relaciona-se com a abordagem
voluntarista e, quanto à metodologia, enquadra-se na perspectiva ideográfica, a qual está
preocupada com a maneira com que o indivíduo cria, modifica e interpreta a realidade. O
geral é subordinado ao particular e a existência de uma realidade objetiva passa a ser
questionada (BURREL; MORGAN apud MEIRELLES; GONÇALVES, 2005).
Nesta linha de pensamento, o estudo aproxima-se do paradigma interpretativista, por
entender que a realidade social é muito mais um produto da experiência subjetiva e
intersubjetiva dos indivíduos (MORGAN, 2005). Também foi orientado pelo método de
pesquisa fenomenológico, o qual está alinhado com essa visão paradigmática.
O método fenomenológico “consiste em mostrar o que é dado e em esclarecer este
dado. Não explica mediante leis nem deduz a partir de princípios, mas considera
imediatamente o que está presente à consciência, o objeto” (GIL, 1994, p. 33). “A
fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, tornam a definir
essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo” (TRIVIÑOS,
1987, p. 43). Esse método preocupa-se em descrever, compreender e interpretar os fenômenos
104

que se apresentam à percepção. Ao contrário do pensamento positivista, o método


fenomenológico propõe a extinção da separação entre “sujeito” e “objeto” (HUGHES, 1980),
sabendo que “algo só pode ser entendido a partir do ponto de vista das pessoas que o estão
vivendo e experimentando” (VERGARA, 2000b, p. 13).
Acredita-se que esse método seja o mais adequado para o estudo em questão e está
mais próximo da visão de mundo da pesquisadora e dos Estudos Críticos em Administração
(ECAs), em função de que a fenomenologia tem “questionado os conhecimentos do
positivismo, elevando a importância do sujeito no processo da construção do conhecimento”
(TRIVIÑOS, 1987, p. 48). Da mesma forma compartilha-se com Minayo (1994, p. 14), ao
considerar que “nas ciências sociais existe uma identidade entre sujeito e objeto”.

3.2 Classificação da Pesquisa

A classificação do estudo deve contemplar aspectos referentes à natureza da pesquisa,


à abordagem do problema, aos objetivos e aos procedimentos técnicos. Do ponto de vista de
sua natureza, a presente pesquisa é aplicada no sentido de gerar conhecimentos que possam
ser empregados na prática para a solução de problemas de uma realidade específica (GIL,
1994).
Quanto à abordagem do problema, a pesquisa foi desenvolvida numa perspectiva
qualitativa, por ser mais adequada para realidades sociais e organizacionais, pois “o objeto das
Ciências Sociais é essencialmente qualitativo. A realidade social é o próprio dinamismo da
vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados dela transbordante” (MINAYO,
1994, p. 15). Além disso, o método fenomenológico privilegia o enfoque qualitativo em
função de que os significados atribuídos pelos sujeitos aos fenômenos, dependem dos
pressupostos culturais próprios da sua realidade (TRIVIÑOS, 1987).
Easterby-Smith, Thorde e Lowe (1999) esclarecem que o método qualitativo é um
conjunto de técnicas interpretativas que visam a descrever, decodificar, traduzir e, de alguma
forma, chegar a um acordo com o significado, não à freqüência, de certos fenômenos que
ocorrem de forma mais ou menos natural no mundo social.
Em se tratando dos objetivos da pesquisa, enquadra-se como exploratória e descritiva.
A exploratória foi utilizada para adquirir mais conhecimento e experiência do problema,
aprofundando os estudos nos limites de uma realidade específica (TRIVIÑOS, 1987).
Posteriormente utilizou-se a descritiva, uma vez que buscou-se compreender o processo de
aprendizagem individual no espaço de trabalho, na perspectiva do desenvolvimento humano,
105

verificando políticas e práticas de gestão de pessoas que contribuem para esse


desenvolvimento. O principal objetivo delas, no posicionamento de Gil (1994, p. 45) é a
“descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento
de relações entre variáveis”.
No que concerne ao delineamento da pesquisa, que “ocupa-se precisamente do
contraste entre a teoria e os fatos e sua forma é a de uma estratégia ou plano geral que
determine as operações necessárias para fazê-lo” (GIL, 1994, p. 70), realizou-se, num
primeiro momento, uma pesquisa bibliográfica e, num segundo, um estudo de caso único. A
pesquisa bibliográfica foi realizada em livros, artigos científicos publicados em periódicos e
anais de eventos classificados pela Qualis/Capes.
O estudo de caso foi utilizado por se entender que “contribui, de forma inigualável,
para a compreensão que temos dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais e
políticos” (YIN, 2001, p. 21) e foi realizado em uma empresa familiar, atuante no ramo de
varejo, com sede na cidade de Passo Fundo/RS.

3.3 Definição da Organização Objeto de Estudo

O estudo de caso único foi desenvolvido numa empresa de capital aberto, do ramo
varejista, fundada em 1950 na cidade de Passo Fundo/RS. A mesma é de base familiar e
encontra-se em processo de sucessão da segunda para a terceira geração. Sua razão social foi
mantida no anonimato por solicitação dos dirigentes.
A empresa é composta por cinco redes de produtos, denominadas nesse estudo Rede
A, B, C, D e E, e 221 pontos de venda distribuídos em 118 cidades da Região Sul do país,
bem como 1.772 funcionários efetivos (dez. 2006). A pesquisa, entretanto, restringiu-se à
cidade de Passo Fundo/RS, por ser o local de fundação e atual sede, bem como por
proximidade e acessibilidade da pesquisadora.
A opção por estudar essa empresa é justificada pela influência que a mesma exerce na
economia da região em que atua, principalmente em termos de geração de emprego e renda e
pela sua longevidade (56 anos em 2006). A importância do ramo de varejo e das empresas
familiares na região e no país também foram critérios utilizados.
A escolha desse caso investigado justifica-se, sobretudo, pelo fato de a empresa ter
recebido prêmios de melhor Empresa Varejista do Brasil (em 2000 e 2001) pelo Jornal Valor
Econômico e pela Revista Forbes, e de melhor na gestão de pessoas (nos anos 2003, 2004,
2005, 2006 e 2007) pelo Jornal Valor Econômico, entre outros prêmios. A gestão de pessoas e
106

a atuação do Departamento de Treinamento e Desenvolvimento da empresa, instigam estudos


que visam a compreender o processo de aprendizagem dos trabalhadores na perspectiva do
desenvolvimento humano.

3.4 Sujeitos da Pesquisa

A definição dos atores sociais do estudo seguiu os pressupostos da pesquisa


qualitativa, em que o número adequado é aquele que possibilita abranger a totalidade do
problema investigado (MINAYO, 1994). Como o campo de pesquisa foi delimitado à cidade
de Passo Fundo, a investigação contemplou sujeitos das cinco Redes de produtos e do Setor
Administrativo, localizados nesta cidade. Dos 391 funcionários que trabalham nos níveis
operacional, tático e estratégico, 28 foram selecionados para participar da pesquisa por meio
de amostragem intencional, contemplando sujeitos com diferentes perfis: gênero, função,
escolaridade, tempo de empresa e idade (Anexo A).
Dos 28 sujeitos, 11 são gestores, distribuídos nos níveis tático e estratégico e 17 atuam
no operacional; nove são do sexo masculino e 19 do feminino. A faixa etária varia de 20 a 78
anos, com média de 32 anos. O tempo de empresa também é variado, de um a 57 anos; 14
sujeitos têm até cinco anos de empresa; sete têm de cinco a dez anos; e outros sete, mais de
dez anos. A média de tempo na atual função é em torno de quatro anos. Em relação à
formação, 16 possuem Ensino Médio, cinco estão cursando o Ensino Superior e sete são
graduados, dentre os quais quatro possuem pós-graduação.
Os participantes da pesquisa são denominados nesse estudo como gestores, aos que
exercem funções em nível estratégico ou tático; e geridos, aos funcionários do operacional,
acrescido de uma letra para diferenciá-los e, ao mesmo tempo, manter o anonimato.

3.5 Coleta de Dados

Com o intuito de verificar como ocorre o processo de aprendizagem dos trabalhadores,


isto é, o que, para que, como e quando eles aprendem, bem como identificar as práticas e
políticas de gestão que contribuem para o desenvolvimento pessoal dos mesmos, foram
utilizadas técnicas usualmente empregadas em pesquisas qualitativas, como observação,
entrevista e análise documental.
Dessa forma, a coleta de dados constituiu-se de fontes primárias e secundárias
(COOPER; SCHINDLER, 2003). Os dados primários foram colhidos mediante entrevistas e
107

observações. Os dados secundários foram coletados a partir de pesquisa documental. Tanto os


dados primários quanto os secundários foram levantados pela própria mestranda.
Os procedimentos técnicos de observação livre e entrevista semi-estruturada foram
utilizados por serem considerados os “instrumentos mais decisivos para estudar os processos e
produtos nos quais está interessado o investigador qualitativo” (TRIVIÑOS, 1987, p. 138).
Easterby-Smith, Thorde e Lowe (1999) também argumentam que as técnicas de entrevista e
de observação são as mais importantes para pesquisas sociais qualitativas; na entrevista o
pesquisador tem a oportunidade de sondar profundamente relatos vividos, precisos e
abrangentes, a fim de perceber novos indícios e identificar outras dimensões de um problema.
Minayo (1994), Roesch e Fernandes (2007) corroboram no entendimento de que, por
meio da entrevista, busca-se obter informações contidas na fala de atores sociais que
vivenciam determinada realidade que está sendo focalizada e entender como e por que eles
construíram tais significados e significâncias das situações e experiências.

3.5.1 Observações

A entrada no campo ocorreu de forma gradual e a partir da aproximação com o diretor


de Recursos Humanos da empresa, em razão da temática da aprendizagem individual estar
relacionada a essa área. O primeiro encontro ocorreu em outubro de 2006 para apresentação
da proposta de estudo, a qual foi aceita para ser desenvolvida na empresa e, então, iniciaram-
se as análises.
Observações não-participantes foram realizadas durante as visitas às dependências da
empresa, no período de outubro de 2006 a dezembro de 2007, com o intuito de perceber a
cultura, valores e princípios predominantes, políticas e estratégias de gestão, sobretudo, de
gestão de pessoas e o ambiente de trabalho promovido pela empresa. As visitas sempre
precediam de agendamento, normalmente por telefone, com o diretor de Recursos Humanos
ou com o gerente de Treinamento e Desenvolvimento. Em algumas dessas visitas também
foram realizadas entrevistas e observados processos de treinamento e desenvolvimento
oferecidos pela empresa.
As observações de processos de treinamento e desenvolvimento ocorreram nos dias 23
e 24 de julho de 2007, em encontro de gerentes de loja de uma das Redes; e no dia 6 de agosto
de 2007, durante integração de funcionários do nível operacional de diferentes Redes e
cidades. Alguns momentos dos encontros foram registrados pela pesquisadora por meio de
gravações e fotografias. Ambas as observações foram excelentes oportunidades para perceber
108

práticas de gestão, processos de gestão de pessoas e, especialmente, possibilidades e limites


de aprendizagens e desenvolvimento do trabalhador na empresa.
Ao término do estudo e após a defesa da dissertação, outra visita será realizada à
empresa para entregar cópia do texto e agradecer a disponibilidade desta e dos funcionários
em participar da investigação.

3.5.2 Entrevistas

A técnica de entrevista foi utilizada com todos os sujeitos da pesquisa (ANEXO A), de
forma individual ou grupal, esta última com funcionários do nível operacional do Setor
Administrativo. Elaborou-se, para tanto, dois roteiros semi-estruturados para orientar o
pesquisador nas entrevistas com os gestores – nível tático e estratégico – (ANEXO B) e com
os geridos – nível operacional – (ANEXO C). Ambos os roteiros foram testados e
aperfeiçoados a partir das constatações.
As entrevistas individuais (total de 17) primeiramente foram agendadas com o auxílio
do setor de Treinamento e Desenvolvimento da Empresa, e nas datas marcadas a pesquisadora
se deslocou até o local de trabalho do sujeito, com o roteiro de entrevista semi-estruturada,
para realizá-la. Cada entrevista teve a duração, em média, de cinqüenta minutos e foi gravada
com o objetivo de garantir a qualidade dos dados e auxiliar na interpretação dos mesmos.
Essas entrevistas foram realizadas durante os meses de julho e agosto de 2007, conforme a
disponibilidade dos sujeitos.
Uma entrevista grupal foi realizada (grupo de foco) com 11 participantes do Setor
Administrativo e com duração de duas horas, conforme recomendam Roesch (1996) e
Vergara (2005). Essa técnica foi utilizada por permitir e incentivar o debate no grupo. Os
participantes foram selecionados aleatoriamente pela pesquisadora juntamente com o setor de
Treinamento e Desenvolvimento da empresa, buscando contemplar os diferentes setores
administrativos. A entrevista foi agendada pelo referido setor no dia de maior disponibilidade
dos sujeitos (dia 15/8/2007) e em local de fácil acesso a todos (sala de treinamento da
empresa). As cadeiras foram organizadas em círculo e foi distribuído papel e caneta para
anotações. Inicialmente o moderador (pesquisadora) deu boas-vindas ao grupo, deixando
claro o objetivo do encontro e agradecendo as contribuições de cada um. Na seqüência foram
apresentados os temas, assegurando que todos os tópicos do roteiro (ANEXO C) fossem
debatidos e que todos os sujeitos participassem da discussão, além de controlar o tempo. O
grupo foi tecendo comentários e relatando experiências em torno dos temas. As opiniões, na
109

maioria das vezes, foram convergentes no grupo. Ao final, os participantes entregaram


escritas suas opiniões em torno de duas questões principais do roteiro, despedindo-se do
moderador.
Tanto nas entrevistas individuais quanto na grupal, buscou-se um lugar reservado,
confortável e tranqüilo para realizá-las. Em ambos os casos, esclarecia-se que o anonimato
dos sujeitos, do setor e da empresa seria mantido e se solicitava permissão para a conversa ser
gravada, justificando a importância desse procedimento metodológico. Todos os sujeitos e a
direção da empresa permitiram que as entrevistas fossem gravadas. Os sujeitos da pesquisa
também mostraram-se receptivos à pesquisadora e dispostos a contribuir com o estudo.

3.5.3 Documental

A pesquisa documental foi desenvolvida com base em um roteiro previamente


elaborado (ANEXO D) e por meio da análise de relatórios, regulamentos, manuais,
balancetes, fotografias, diários, entre outros, descrevendo e interpretando acontecimentos e
atividades humanas no sentido de desvendar e entender as mudanças, as contradições, as
tendências da realidade social (VERGARA, 2005). No entendimento de Salama (1994)
compreender a biografia ou a história da empresa, seu passado e sua cultura é fundamental
para revelar o processo de desenvolvimento das organizações.
Alguns documentos analisados são públicos e foram encontrados no site e em manuais
da empresa, e outros foram solicitados e disponibilizados pela mesma para consultas in loco.

3.6 Análise e Interpretação dos Dados

A análise dos dados, entendida como fase de descrição e interpretação dos mesmos,
para Gomes (1994, p. 69), possui três finalidades: “estabelecer uma compreensão dos dados
coletados, confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões
formuladas, e ampliar o conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando ao contexto
cultural da qual faz parte”.
A análise de conteúdo foi a técnica utilizada para a compreensão dos dados
levantados, a qual, para Bardin (1977), tem três etapas: pré-análise, exploração e análise do
material e interpretação. Na pré-análise, as transcrições literais das entrevistas e as notas de
campo foram lidas e organizadas a partir de similaridades que foram aparecendo. Trechos
dessas entrevistas são utilizados na apresentação e interpretação dos resultados para ilustrar a
110

opinião dos atores sociais, os quais foram mantidos no anonimato. Em seguida, os dados
foram codificados, que é a primeira fase da exploração e análise do material, por meio de
unidades de registro, em que se adotou o tema como unidade, por ser o mais utilizado nos
estudos organizacionais e pelo interesse em identificar o sentido que o sujeito desejava dar à
mensagem (DELLAGNELLO; SILVA, 2005). Partiu-se dos temas definidos no projeto de
pesquisa, entretanto outros surgiram dos dados empíricos, exigindo a redefinição dos mesmos,
o que é próprio de pesquisas qualitativas com grade mista de análise (VERGARA, 2005).
Ao utilizar grade mista para análise de dados,

definem-se preliminarmente as categorias pertinentes ao objetivo da pesquisa,


porém admite-se a inclusão de categorias surgidas durante o processo de análise.
Verifica-se a necessidade de subdivisão, inclusão ou exclusão de categorias.
Estabelece-se o conjunto final de categorias, considerando o possível rearranjo
(VERGARA, 2005, p. 17).

A categorização dos dados foi a fase seguinte. As categorias são classes ou séries que
reúnem um conjunto de elementos com características comuns ou que se relacionam entre si,
por isso trabalhar com categorias representa unir elementos, idéias ou expressões em torno de
um conceito que os abrange (BARDIN, 1977; GOMES, 1994). Assim como os temas, as
categorias foram pré-definidas no projeto de pesquisa, mas a partir dos dados levantados
foram redefinidas.
Dessa forma, a matriz de análise constituiu-se de oito unidades principais,
representadas por temas, os quais se desdobram em categorias de análise (Quadro 22).

Unidades - Temas Categorias


Trabalho Sentidos do trabalho nas dimensões individual, organizacional e social
Ambiente de trabalho Tempo, espaço e pessoas
Existência de reflexão, diálogo e interação
Conhecimento Conhecimento operacional e/ou conceitual
Conhecimento tácito e/ou explícito
Conhecimento individual, grupal e/ou organizacional
Conteúdo da aprendizagem (o que aprende)
Aprendizagem Aprendizagem laço simples, laço duplo e laço triplo
Como, quando e para que aprendem
Gestão Políticas de gestão
Cultura estimula ou inibe a aprendizagem
Estilo processual-relacional ou sistêmico-controlador
Gestão de Pessoas Estratégias de gestão de pessoas
Paradigma de treinamento ou aprendizagem
Concepção de funcionário/trabalhador
Desenvolvimento Humano Significado das aprendizagens
Ações de formação e capacitação dos funcionários
Desenvolvimento pessoal, profissional e social
Competitividade Empresarial e Conciliação entre o aspecto econômico e o social
Desenvolvimento Humano
Quadro 22 – Grade para análise dos dados da pesquisa
111

A interpretação dos dados, última etapa da análise de conteúdo, foi desenvolvida a


partir da reflexão e intuição com base nos materiais empíricos e à luz do quadro teórico de
referência. Realizou-se a triangulação dos dados levantados pelas diferentes fontes de
informações para abranger os objetivos delineados e ampliar a descrição e compreensão dos
fenômenos enfocados na investigação. Vergara (2005) define triangulação nas Ciências
Sociais como uma estratégia de pesquisa a partir do uso de diversos métodos para estudar um
mesmo fenômeno.
O cruzamento dos dados, o estabelecimento de relações entre eles e com o contexto da
organização e os diversos atores sociais, bem como a verificação de contradições, foram
fundamentais nessa fase, sobretudo para a real compreensão dos fenômenos e a precisão das
conclusões do estudo. Por meio dessas três etapas – pré-análise, exploração e análise do
material e interpretação –, Minayo (1994) entende ser possível promover relações entre o
concreto e o abstrato, o geral e o particular e a teoria e a prática.
Com o objetivo de sintetizar, as principais características metodológicas da presente
investigação são ilustradas na Figura 8.

Bibliográfica
Estudo de
Caso Único

Aplicada Observação
Exploratória METODOLOGIA Entrevista
Descritiva Perspectiva Ideográfica Documental
Qualitativa

Análise de
Conteúdo

Figura 8 – Características metodológicas da pesquisa

Os procedimentos metodológicos utilizados na investigação foram descritos no


capítulo três, abordando os fundamentos filosóficos e o delineamento da pesquisa. A
organização e os sujeitos foram apresentados e os procedimentos de coleta e interpretação dos
dados definidos.
112

4 A REALIDADE ORGANIZACIONAL:
UMA EMPRESA DO VAREJO E DE BASE FAMILIAR

O propósito desse capítulo é apresentar a empresa, objeto do estudo, em termos de


caracterização, história e evolução, bem como o Departamento de Recursos Humanos.
Atenção maior é dada à gestão de pessoas em razão da temática da aprendizagem individual
no âmbito organizacional estar diretamente vinculada a essa área.

4.1 Caracterização da Empresa

A empresa é do ramo de varejo, comercializa moda, calçados, perfumaria, cama, mesa


e banho, bazar, conforto do lar, moda íntima e cuidados pessoais, por meio de cinco redes.
Atua em 118 cidades da Região Sul do país, com 221 pontos de venda (dezembro de 2006). O
ramo varejista se caracteriza pela intermediação entre o fornecedor e o consumidor, com o
comércio de produtos ou serviços normalmente em pequena quantidade, para uso pessoal do
consumidor (KOTLER, 1998). Essas empresas têm uma relação bastante próxima com os
fornecedores e, principalmente, com os clientes.
De base familiar, a sucessão da presidência da empresa está ligada ao fator hereditário
e os valores institucionais identificam-se com os da família há pelo menos duas gerações
(LODI, 1998; CAMPOS; MAZZILLI, 1998). A empresa encontra-se em processo de sucessão
da segunda (filho do fundador) para a terceira geração (neta do fundador).
Predomina na empresa a estrutura divisionalizada, concebida por Mintzberg (1995), a
qual se configura por mercados diversificados, acompanhando a moda, com idade e de grande
porte, em que os gestores da linha intermediária exercem certa autoridade.
113

Quanto à estrutura administrativa, o nível estratégico da empresa compreende a


presidência, vice-presidência e diretorias (Recursos Humanos, Administrativo/Financeiro e
das Redes). O nível tático é composto pelas gerências e o operacional pelas equipes de
trabalho de cada gerência. Nesse estudo, os níveis de diretoria e de gerência são considerados
de gestão, por isso os sujeitos são chamados de gestores, e o nível operacional, de geridos.
A missão da empresa é “oferecer cada vez mais produtos de qualidade e com
variedade de acordo com a necessidade dos clientes, de forma a conquistar cada vez mais
mercados, remunerando o acionista e o colaborador para sua satisfação” (MANUAL, s.d., p.
5). A respeito dos princípios, são sete que orientam o negócio: (1) homem como valor maior;
(2) inovação e atualização; (3) confiança recíproca; (4) trabalho constante; (5) ética e
disciplina; (6) o cliente; e (7) disposição para ação. Esses princípios estão fixados em quadros
e murais em todos os setores e lojas da empresa.
As políticas da empresa, na concepção do diretor de Recursos Humanos, são claras e
explícitas, o que facilita o trabalho de todos. Para o diretor as políticas são: (1) crescimento,
(2) estabilidade financeira, (3) ética, disciplina e honestidade e (4) valorização das pessoas, e
objetivam o desenvolvimento das pessoas e a competitividade da organização. A empresa
dispõe de um “Manual de Conduta Ética”, que todos os membros devem observar, visando a
atitudes pautadas pela ética e disciplina. Em relação a isso, o fundador, ainda presente na
organização, lembra as orientações recebidas do seu pai: “Trabalhem honestamente, sejam
amigos de todos”.
Os funcionários são concebidos como principal valor, expresso nas políticas e
princípios de gestão, pois “a empresa descobriu a bastante tempo que para crescer ela precisa
ter mais do que um Departamento Pessoal. Precisa cuidar e desenvolver as pessoas” (Gestor
C).
A razão de os funcionários constituírem o valor principal da empresa também é
justificada pelo capital intelectual que representam e a competitividade que podem promover
à empresa, expresso nas falas que seguem:

A gente sabe que o sucesso da empresa está dentro da empresa. O segredo está
aqui, não lá fora. As vezes algumas coisas lá fora podem nos ajudar, mas as
pessoas, o conhecimento dos funcionários é uma alavanca competitiva fundamental
para nós (Gestor D).

A empresa acredita e valoriza as pessoas porque é somente por meio delas que a
empresa vai ter melhores resultados. Ter as melhores pessoas significa ter os
melhores desempenhos (Gestor C).
114

Em relação ao quadro de pessoal, na última década, apesar de a empresa ter dobrado a


quantidade de pontos de venda, o número de funcionários se mantém em volta de 1.800, em
razão da adoção do auto-atendimento e da (re)estruturação dos cargos e funções. Em
dezembro de 2006 o quadro estava constituído por 1.772 funcionários efetivos, sendo 69% do
sexo feminino e 31% do masculino, 65% solteiros e 35% casados. No Quadro 23 pode ser
observado o perfil dos funcionários em termos de escolaridade, idade e tempo de empresa.

Escolaridade % Idade % Tempo de empresa %


(anos) (anos)
Superior completo 4 Acima de 40 15 Acima de 20 1
Superior incompleto 10 De 30 a 40 20 De 10 a 20 8
Médio completo 65 De 25 a 30 25 De 6 a 10 23
Médio incompleto 12 De 21 a 25 26 De 2 a 6 17
Fundamental completo 3 De 18 a 21 13 De 1 a 2 13
Fundamental incompleto 6 Até 18 1 Até 1 ano 38
Quadro 23 – Perfil dos funcionários da empresa
Fonte: Balanço Social 2006

A formação dos funcionários, conforme o Quadro 23, varia de Ensino Fundamental


incompleto a Ensino Superior completo, mas a maioria possui Ensino Médio completo. O
tempo de empresa também é diversificado, porém a maioria tem menos de um ano de vínculo,
ficando o índice de turnover em média 2% ao ano. Essa taxa de turnover é considerada
adequada aos propósitos da empresa, pois permite a retenção dos talentos e as substituições
facilitam a disseminação do conhecimento e da cultura da mesma (BALANÇO SOCIAL,
2006).
Caracterizada a empresa, o próximo tópico apresenta a sua evolução, destacando
estratégias utilizadas no decorrer da sua trajetória.

4.2 Histórico, Evolução e Adaptação Estratégica da Empresa

A constituição de um empreendimento comercial deu seguimento à tradição da família


nesse ramo. Vindo da Itália, em 1922, o pai dos fundadores instalou-se na cidade de Caxias do
Sul, no Rio Grande do Sul, onde casou e teve 12 filhos. A família vivia na roça, cultivando
produtos, cujos excedentes eram comercializados. Incentivados e orientados pelos pais, quatro
dos doze filhos, em 1949, com um capital de 300 mil cruzeiros (moeda da época), saíram para
montar um negócio em uma cidade da região. “Meu pai sempre dizia vão buscar um lugar
porque aqui a cidade é muito pequena, não é cidade para nós negociar”, relata um dos
fundadores da empresa e Gestor B.
115

Na ótica dos comerciantes, deveriam estabelecer o negócio em uma cidade localizada


em região rica, que possibilitasse a compra de produtos agrícolas e a venda nos grandes
centros. Da mesma forma, a população da cidade deveria ter condições de comprar produtos
manufaturados, que seriam trazidos pelos comerciantes dos grandes centros. Somado a isso,
deveria ser uma cidade bem servida por rodovias e ferrovias e ser de fácil acesso, pois isto
significava que seria um bom centro comercial.
Após várias visitas às cidades da Região Sul, em 1950, os irmãos fundaram o atacado
e varejo de secos e molhados na cidade de Passo Fundo/RS, que atendia aos requisitos
inicialmente estabelecidos e contava com uma fábrica de cerveja, a qual gerava grande tráfego
de caminhões e movimentava o comércio local.
A iniciativa dos irmãos, a forma visionária com que definiram o negócio e o local a ser
instalado, além das estratégias utilizadas, configuram a postura empreendedora dos
comerciantes. O empreendedorismo é caracterizado pela forte intuição, capacidade de
julgamento, sabedoria, experiência e critério de análise (MINTZBERG; AHLSTRAND;
LAMPEL, 2000; SCHUMPETER, 1982).
Com quatro anos de atividades a empresa expandiu seus negócios entrando no ramo de
importação (armas, munições) e exportação (cereais, lã de ovelha), tornando-se forte
fornecedor de grãos para os centros do Brasil. Na seqüência, agregou os ramos de drogaria
com a incorporação de uma farmácia, e eletrodomésticos.
A década de 1960 foi uma fase de estabilidade da inflação no Brasil, momento em que
a empresa teve um crescimento acentuado, vendendo no crediário em até 36 vezes. Pelo
grande volume de vendas, criou uma imagem positiva com fornecedores e entidades de classe,
inclusive com recebimento de prêmios.
Os anos 50 e 60 do século 20, portanto, foram marcadas pela diversificação de
produtos e pelo crescimento, a partir da incorporação de outros negócios e da ampliação do
seu patrimônio, o que permitiu que no período posterior ela aumentasse sua área de
abrangência com a abertura de filiais. As ações, oriundas da visão empreendedora e da
percepção das oportunidades, impôs novas regras de competição no mercado, bem como o
direcionamento dos seus esforços para atingir e superar os padrões impostos pelos
concorrentes resultou numa vantagem competitiva, determinando, inclusive, a liderança do
mercado nesse ramo de atividade.
Com a visão empreendedora dos dirigentes e a identificação e exploração das inter-
relações entre negócios distintos, mas relacionados, o que é considerado fundamental em
116

termos de uma estratégia competitiva convergente (PORTER, 1989), a empresa deu


continuidade ao processo de crescimento e diversificação.
Ainda no início da década de 1970, a empresa expandiu com a abertura de três filiais
em diferentes cidades do Estado do RS e buscou o primeiro aporte de capital, passando a se
constituir em sociedade anônima, comercializando suas ações na bolsa de valores. A maioria
das ações com direito a voto, entretanto, foi mantida com membros da família.
O final dos anos 70 e início dos anos 80, do século 20, foi caracterizado pelo
crescimento do comércio do varejo e pela decadência do comércio por atacado, em âmbito
nacional. A empresa passou a ter fortes concorrentes, principalmente no ramo de
eletrodomésticos. Por essa razão, e como já atuava em várias cidades da Região Sul, passou
por um período difícil e de adaptação às oportunidades do mercado, momento em que mudou
o foco dos produtos, passando a ser a moda e o bazar. A força de novos entrantes no mercado
determinou a adoção de uma estratégia diferenciada, que significou a regeneração destas, na
concepção de Hamel e Prahalad (1995). Para estes autores a regeneração da estratégia é
fundamental para manter a liderança, pois a liderança de hoje não significa a de amanhã; ela
precisa ser constantemente conquistada e reinventada. A manutenção dela representa a
regeneração das estratégias e a busca de novos padrões no mercado, o que aconteceu com a
empresa nesta fase.
A mudança de foco configurou-se numa estratégia desafiante. Hamel e Prahalad
(1995) alertam que a competição pelo futuro é a da criação e a do domínio das oportunidades
emergentes. A empresa aproveitou as oportunidades emergentes e não se restringiu às
experiências positivas do passado. A opção por moda e bazar surgiu da percepção das
oportunidades do mercado, uma vez que existiam poucos empreendimentos dessa natureza na
região. Nesse sentido, tal mudança originou-se de uma estratégia emergente, que considerou o
aprendizado da organização e de seus membros, em detrimento de uma postura defensiva. A
Escola de Aprendizagem de Formação de Estratégias tem indicado que as estratégias
emergem quando as pessoas individual ou coletivamente “aprendem a respeito de uma
situação tanto quanto a capacidade da sua organização de lidar com ela” (MINTZBERG;
AHLSTRAND; LAMPEL, 2000, p. 134). A empresa aprendeu com o tempo, e as estratégias
foram sendo concebidas em processos, com base na experiência e na capacidade de
observação das tendências de mercado.
Tão logo começou a trabalhar com moda e bazar, surgiu uma nova barreira: a de
comercializar diferentes tipos/linhas de produtos em um mesmo ambiente. Neste momento, a
empresa decidiu pela constituição de redes específicas para cada linha de produtos na
117

tentativa de direcionar o público-alvo. Deste modo, a estratégia ocorreu de forma incremental


e oportuna o que, para Mintzberg e Quinn (2001), são características de estratégias ditas
eficientes.
Numa fase inicial (1984) a empresa separou o comércio de material de construção
(Rede B) do restante da loja (Rede A). Em 1986, criou uma terceira Rede (C) de moda e
bazar, porém numa linha popular, com vendas à vista e a prazo, com sistema de auto-serviço e
com margem de lucro menor, o que possibilitou oferecer produtos mais baratos e atingir outra
parcela da população. Mais tarde, em 1989, inaugurou a Rede D para comercializar confecção
masculina de marca própria e, em 2006, a Rede E, na linha de cama, mesa, banho e moda
íntima. Além dessas cinco Redes constituídas que continuam em funcionamento, outras foram
instituídas no período que compreende 1984 e 2006, porém tiveram suas atividades
encerradas ou adequadas às demandas e oportunidades do mercado. A esse respeito, as
palavras do Gestor B refletem o pensamento que circula na empresa: “não temos medo de
tentar um novo negócio, tampouco de recuar, caso o negócio não seja vantajoso para a
empresa”.
Cada rede de produtos possui dinâmica própria, com foco, objetivos e características
específicos, conforme o Quadro 24.

Rede Fundação Nº de Características


lojas
A 1984 26 Loja de departamentos, especializada na comercialização de moda, calçados,
perfumaria, cama, mesa e banho, direcionada para o público das classes B e C.
B 1984 49 Esta rede está direcionada especialmente para comércio de cama, mesa e
banho, bazar e conforto do lar para o público B e C.
C 1986 101 Caracterizada pelo auto-serviço, comercializa moda, direcionada aos públicos
C e D.
D 1989 35 Comercializa moda masculina, com marca própria e padrões internacionais,
tem como público-alvo homens de bom gosto pertencentes às classes B e C.
E 2006 10 Comercializa artigos de cama, mesa e banho, moda íntima e cuidados pessoais,
voltados para o público B, C e D.
Quadro 24 – Redes que compõem a empresa (dez. 2006)

O ramo do comércio, assim como os demais ramos, foi prejudicado no início dos anos
1990 em razão da instabilidade da moeda na economia e da oscilação da inflação. Mesmo
assim, a empresa continuou seu processo de expansão e de crescimento e fez investimentos
em outros ramos, como no agropecuário. A esse respeito o fundador contou com um
ensinamento popular recebido da família: “nunca se deve colocar todos os ovos na mesma
cesta” (Gestor B). Essa decisão indica, igualmente, o perfil da empresa de focalizar novas
118

oportunidades e de comportamento pró-ativo da liderança, característicos do pensamento


empreendedor.
O negócio que iniciou com quatro irmãos teve continuidade por dois deles. Um
desligou-se para trabalhar somente com o ramo agropecuário e o outro veio a falecer. Dos
dois irmãos que permaneceram, um deteve parcela significativa das ações, por isso foi o
responsável pela presidência.
A sucessão da primeira para a segunda geração transcorreu durante os anos 1990. O
sucessor, no entanto, atua na administração da empresa desde 1970, implementando
mudanças significativas explicitadas no Quadro 24. A sucessão, então, foi sendo preparada e
se concretizando no decorrer de mais de 30 anos e foi na última década que o presidente-
fundador delegou total responsabilidade da empresa ao filho e, também, desligou-se da
mesma, o que efetivamente ocorreu com o seu falecimento, em 2006.
O processo sucessório, considerado um ponto crítico nas empresas familiares, foi
lento, harmonioso e equilibrado, na concepção do fundador que ainda está presente na
empresa. O mesmo relatou que

com o falecimento do presidente-fundador, o Conselho se reuniu, o filho assumiu a


presidência e a neta foi eleita vice-presidente. O filho assumiu normalmente, ele já
era vice-presidente e já fazia todos os negócios da empresa (Gestor B).

Ao mesmo tempo em que a segunda geração assumiu a presidência da empresa, a


terceira geração responsabilizou-se pela vice-presidência e o processo sucessório da terceira
geração foi iniciado. Essa sucessão está prevista para ocorrer em cinco anos, pois vem sendo
preparada a mais de uma década em razão de a empresa considerar importante ser um
processo lento e tranqüilo para todos, explicitou o Gestor C.
Ao analisar o percurso da empresa, observa-se que estratégias de diversificação de
produtos, de posicionamento estratégico, de foco, de diferenciação e de abrangência estiveram
sempre presentes na gestão organizacional. Ao mesmo tempo, a presença e influência de uma
cultura forte, oriunda da origem italiana, é percebida mediante valores enraizados e cultivados
por várias gerações da família. Pandolfi e Vasconcellos (2005) destacam, ao discutirem a
influência da cultura italiana nas organizações familiares e no desenvolvimento local, que os
imigrantes italianos influenciaram os alicerces culturais e sociais da sociedade, especialmente
a brasileira, organizando-se, na maioria das vezes, de forma familiar em pequenos
empreendimentos comerciais ou de terra, gerando uma capacidade empreendedora particular,
e foram responsáveis pela mudança da lógica de trabalho escravo e cativo no Brasil.
119

Para Pandolfi e Vasconcellos (2005) a cultura do trabalho do imigrante italiano,


simbolizado pela própria família, sustenta a organização familiar, garantindo uma cultura
organizacional pautada em valores positivos e modernos de compreensão do trabalho, dentre
eles o comprometimento e o engajamento. Dessa forma, a visão empreendedora dos pais e
avôs dos fundadores, cultivada pelas gerações, além da vontade de aprender, da motivação em
correr riscos e crescer, contribuíram para a longevidade da empresa em estudo.
A respeito da evolução da empresa, o fundador que ainda permanece nela destacou: “a
empresa cresceu porque somos persistentes no trabalho. Nunca pensamos em ter uma empresa
grande assim. Pensamos sim em melhorar o nosso negócio, nós tínhamos uma loja. Nós
queríamos colocar a família” (Gestor B). O fundador ressalta em sua fala a cultura pelo
trabalho e o valor da família, próprios da origem italiana.
Os principais fatos e mudanças estratégicas vivenciados pela empresa que
contribuíram para a sua evolução e competitividade no mercado, são sintetizados no Quadro
25.

Período Fatos/Mudanças
1950 – 1969 Fundação, crescimento e diversificação de produtos
1970 – 1979 Consolidação da imagem e abertura de filiais
1980 – 1988 Mudança de foco e constituição de redes
1989 – 1995 Investimento em outras áreas
1996 – 2006 Sucessão e expansão acelerada
Quadro 25 – Fatos e mudanças marcantes no percurso da empresa

Nos primeiros 20 anos de atividade, a empresa utilizou especialmente a estratégia de


diversificação de produtos a fim de abranger parcela significativa do mercado. A abertura de
filiais, no período seguinte, deu seguimento à estratégia de abrangência da empresa. Na
década de 1980, com a mudança de foco baseada nas oportunidades sinalizadas pelo mercado
e a estratégia de direcionamento do público-alvo por meio da constituição de redes específicas
de produtos, foi um período significativo na evolução do negócio, o que atingiu o ápice no
último período.
A evolução e crescimento da empresa são mais bem visualizados no Quadro 26, que
apresenta a quantidade de pontos de venda abertos, por período e por rede. O período de
1950-1970 não foi relacionado, pois a empresa restringia-se à loja matriz.
120

Período Quantidade de lojas abertas por rede Total de lojas


Rede A Rede B Rede C Rede D Rede E abertas
1970-1979 14 5 - - - 19
1980-1988 3 30 15 - - 48
1989-1995 1 12 13 12 3 41
1996-2006 8 2 73 23 7 113
Total de lojas por rede 26 49 101 35 10 221
Quadro 26 – Evolução do negócio (dez. 2006)

Na década de 1980, período em que a empresa mudou seu foco e constituiu redes
específicas de produtos, o aumento de pontos de venda atingiu 150%. No período 1989-1995
girou em torno de 60% e, no último período (1996-2006), incorporou mais pontos de venda
do que a quantidade acumulada em todos os períodos anteriores. Nesse último período,
somente a Rede C inaugurou 73 novas lojas e, para 2007, a previsão é abrir outras 30. Esta
rede está direcionada às classes sociais mais baixas, atingindo parcela considerável da
população da região, por isso tem melhor desempenho quando comparada às demais redes do
grupo, razão que levou a empresa a inaugurar maior número de lojas. Esses números indicam
também a consolidação da empresa no mercado e o aumento de sua abrangência na Região
Sul.
A tentativa de novas experiências de negócios e redirecionamento de outros, o
crescimento e a continuidade do estilo de gestão, não obstante a morte do fundador, apontam
a existência de uma cultura construída ao longo da história da empresa e da família de solidez
e comprometimento com o empreendimento, um comportamento que é fruto da aculturação e
socialização de valores que vêm sendo construído e disseminado há várias gerações,
essencialmente a partir da década de 1950.
A existência desse tipo de cultura também indica a presença dos pressupostos da
Escola Cultural e, nesse caso, a formação de estratégia é explicada mais por “um processo de
interação social, baseado nas crenças e nas interpretações comuns dos membros [...], em
conseqüência disso, a estratégia assume a forma de uma perspectiva, acima de tudo, enraizada
em intenções coletivas” (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000, p. 196). A cultura
interna reforça valores, impõe uma identidade de conduta aos funcionários e cria uma imagem
positiva no mercado.
A abordagem da trajetória da organização colabora na compreensão de que as
empresas familiares originam-se do espírito empreendedor da família, sobretudo dos seus
fundadores, e continuam a se desenvolver a partir de um processo de aculturação de certos
valores e princípios trabalhados no ambiente organizacional, que encontram sustentação nos
preceitos das escolas empreendedora e aprendizado (MINTZBERG; AHLSTRAND;
121

LAMPEL, 2000), em termos dos processos de formulação de suas estratégias e de mudança e


adaptação estratégica.
O histórico, evolução, mudanças e adaptações estratégicas do empreendimento
constituíram-se o foco de análise nesse tópico e, no próximo, a abordagem volta-se à gestão
de pessoas da empresa.

4.3 Gestão de Pessoas

A temática da aprendizagem dos trabalhadores na perspectiva do desenvolvimento


humano está diretamente ligada à gestão de pessoas, motivo pelo qual é pertinente analisar e
compreender: (a) como essa área foi estruturada no percurso da empresa; (b) os processos de
gestão de pessoas; e (c) as estratégias de treinamento, desenvolvimento e educação.

4.3.1 Configurações da gestão de pessoas na trajetória da empresa

Transformações no contexto socioeconômico e na natureza do trabalho implicaram


mudanças também no campo da gestão de pessoas, em que a aprendizagem contínua passa a
ganhar importância no âmbito das organizações, desencadeando um novo paradigma nessa
área centrado na aprendizagem.
A gestão de pessoas diz respeito à maneira utilizada pela empresa para gerenciar e
orientar o comportamento humano no trabalho e é composta por princípios, políticas e
processos que interferem nas relações humanas no seu interior e está condicionada, no
pensamento de Fischer (2002), a alguns fatores como tecnologia utilizada, estratégia de
organização do trabalho, cultura organizacional e estrutura organizacional.
Historicamente, a gestão de pessoas construiu vários modelos, diferenciando-os a
partir dos elementos que os compõem e da interferência que exercem na vida organizacional
como, por exemplo, na departamentalização, no comportamento humano, nas estratégias, em
competências (FISCHER, 2002). Esses modelos estão relacionados a três abordagens
dominantes da administração de recursos humanos: funcionalista, estratégica e política.
No decorrer dos 57 anos de atividade da empresa investigada, a gestão de pessoas
obteve diferentes configurações e enfoques. As principais mudanças e adaptações dessa área
no percurso da empresa são apresentadas na seqüência, a partir de décadas.
122

Década de 1950 a 1970


Até 1970 o setor de Recursos Humanos esteve vinculado ao setor Financeiro, o qual
fazia o pagamento da folha e dos encargos. Nesses 20 anos, então, a empresa não continha um
departamento específico nessa área e a administração dos funcionários restringia-se ao
pagamento dos salários.

Década de 1970
Com o início da expansão da empresa, nos anos 1970, foi criado um setor específico
de RH – Divisão de RH –, com departamentos de pessoal, responsável pelo pagamento dos
funcionários e dos encargos sociais, e de seleção, uma vez surgida a necessidade de selecionar
funcionários para as novas lojas. A abordagem departamental dos Recursos Humanos passa a
se fazer presente na empresa nesse período.
Em torno de 1975 foi criado o departamento de treinamento, com gerente e instrutores.
Os instrutores eram vendedores das lojas, com boas experiências em vendas. Os mesmos
treinavam os funcionários no centro administrativo e nas lojas. Instituiu-se o treinamento
programado a distância (TPD), normalmente sobre produtos que a empresa vendia. O setor de
treinamento organizava material informativo sobre o produto, o qual deveria ser estudado pelo
funcionário que, posteriormente, respondia perguntas, semelhante a uma prova, para que o
setor pudesse avaliar se houve ou não aprendizado. Desde então os TPDs foram muito
comentados e dinâmicos. Em 1978 o setor funcionava com oito instrutores e o gerente.

Divisão
de RH

Departamento Departamento Departamento


Pessoal Seleção Treinamento

Figura 9 – Divisão de RH na década de 1970

Década de 1980
A departamentalização da área de Recursos Humanos teve continuidade no percurso
dos anos 80. A estrutura de cargos e salários foi instituída no início da década, a partir da
contratação dos serviços de um consultor externo, a qual passou a fazer parte do departamento
de recrutamento e seleção. A descrição e avaliação dos cargos foram feitas e a tabela salarial
foi criada.
123

Em relação ao Departamento de Treinamento, foi instituído o G-10 (Grupo de dez


pessoas) nos setores administrativos e nas lojas, indicando a preocupação com o
comportamento dos funcionários. Inicialmente o grupo se reunia por dez minutos diários para
discutir melhorias no trabalho com o propósito de aumentar a produtividade. Atualmente o
grupo se reúne quinzenalmente durante 30 minutos. A criação desse espaço de discussão e
diálogo foi um marco na área de gestão de pessoas da empresa e levou o departamento a ser
denominado “Treinamento e Desenvolvimento”.
Em torno de 1985 foi constituído um departamento específico de cargos e salários,
separando-o do recrutamento e seleção. As divisões foram substituídas por diretorias em toda
a empresa, inclusive a de Recursos Humanos, no final dos anos 80. A área, então, passou a ser
intitulada de “Diretoria de Recursos Humanos” e essa nomenclatura vigora até os dias de
hoje, embora a mais aceita e utilizada na atualidade seja a gestão de pessoas e, mais
recentemente, Gestão com Pessoas (DAVEL; VERGARA, 2001; FISCHER, 2002). Por essa
razão, neste estudo adota-se o termo “gestão de pessoas”.

Diretoria
de RH

Departamento Departamento Departamento Departamento


Pessoal Recrutamento Cargos e Treinamento e
e Seleção Salários Desenvolvimento

Figura 10 – Diretoria de RH na década de 1980

Década de 1990
Assim como nas duas décadas anteriores, nos anos 90, adaptações e mudanças foram
feitas na estrutura da área de gestão de pessoas. Os cargos e salários deixaram de ser um
departamento e passaram a ser um setor vinculado ao Departamento de Pessoal. Esse
departamento, nesse momento, era gerenciado por um membro da terceira geração da família,
o qual, posteriormente, assumiu a Diretoria de RH e, atualmente, é vice-presidente. Nessa
década também o recrutamento e seleção passou a ser desenvolvido pelo Departamento de
Treinamento.
O enfoque comportamental e estratégico de gestão de pessoas é ressaltado nesse
período. Os processos de treinamento contam com uma inserção mais efetiva dos
departamentos e diretorias da empresa, em que cada um deles passou a ter um determinado
tempo para conversar e/ou informar sobre sua área aos participantes dos treinamentos, com o
124

intuito de disseminar os diferentes processos e mais bem informar os funcionários. Pensando


no desenvolvimento dos trabalhadores e na importância da leitura nesse processo, foi fundado
o grupo de leitura. Os participantes recebem um livro por mês, fazem a leitura e,
posteriormente, reúnem-se para discutir ou elaboram uma resenha crítica, a qual é socializada
entre os membros do grupo.

Diretoria
de RH

Departamento Departamento
Pessoal Treinamento e
Desenvolvimento

Cargos e Salários Recrutamento


e Seleção

Figura 11 – Diretoria de RH na década de 1990

De 2000 aos dias atuais


O Departamento de Recrutamento e Seleção foi recriado em 2002, assim como foi
constituído o setor de Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT),
em 2003, vinculado ao Departamento de Pessoal.
Os processos de treinamento e desenvolvimento existentes foram mantidos e
agregados outros como Integração dos Colaboradores, com o propósito inicial de levar os
funcionários das lojas mais distantes até a sede da empresa para conhecerem a sua estrutura e
os dirigentes. Diversas práticas de gestão, visando a integrar entre a administração de recursos
humanos e as estratégias organizacionais, bem como divulgar a empresa, foram
desenvolvidas, dentre elas a elaboração e publicação do Balanço Social do Grupo com as
principais ações da gestão de pessoas.
Atualmente, a gestão de pessoas está diretamente vinculada à Presidência e possui a
seguinte estrutura:

Diretoria
de RH

Departamento Departamento Departamento


Pessoal Treinamento e Recrutamento
Desenvolvimento e Seleção

Cargos e Salários SESMT

Figura 12 – Estrutura atual da gestão de pessoas


125

No decorrer da história e evolução da empresa, a área de gestão de pessoas


desempenhou importante papel. O modelo departamental de administração de recursos
humanos prevaleceu até o final dos anos 80, o qual foi dando espaço ao comportamento
humano. Ao final dos anos 90 o enfoque recaiu para a integração de estratégias e pessoal,
própria do Modelo Estratégico de gestão de pessoas (FISCHER, 2002). Ao mesmo tempo, a
área elaborou técnicas, procedimentos e ferramentas que proporcionassem satisfação e bom
desempenho dos funcionários, características da abordagem funcionalista de gestão. Esta
abordagem, na medida em que direciona o comportamento dos trabalhadores e visa a
estabilidade e produtividade dos mesmos, destaca a instrumentalidade e a objetividade
enraizada no pensamento administrativo (DAVEL; VERGARA, 2001). Com esses
embasamentos, os processos de gestão da área foram construídos, os quais são discutidos na
seqüência.

4.3.2 Processos de gestão de pessoas

Os processos de gestão de pessoas caracterizam-se por procedimentos de ação pré-


determinados, orientados pelas políticas e princípios de gestão, que visam a alcançar os
objetivos delineados. Compreendem os procedimentos de recrutamento e seleção, os planos
de cargos e salários, a administração de carreiras, as avaliações de desempenho e os planos de
capacitação (FISCHER, 2002).
Os processos de gestão de pessoas são agrupados por Dutra (2006) em razão da
natureza dos mesmos em movimentação, desenvolvimento e valorização, os quais
influenciam-se mutuamente. O primeiro diz respeito aos processos que têm por objetivo
fornecer suporte às ações de movimento das pessoas que se relacionam com a empresa
independentemente do vínculo empregatício como, por exemplo, captações, transferências,
promoções e recolocações. Os de natureza desenvolvimentista compreendem os processos que
visam a estimular e criar condições para o desenvolvimento dos trabalhadores e da
organização (capacitação, administração da carreira, avaliação de desempenho). A
valorização corresponde aos procedimentos para distinção das pessoas e se refere a
recompensas (remuneração, premiação, crescimento pessoal e profissional, segurança,
reconhecimento, entre outros) como contrapartida de seu trabalho para a empresa.
A gestão de pessoas é uma das estratégias macro do empreendimento em estudo,
evidenciada pela sua missão e princípios. Neste sentido, “as políticas da empresa giram em
torno de respeito e valorização do ser humano, além de disciplina e ética” (Gestor D), o que
126

contribui para a organização estar entre as melhores na gestão de pessoas. A empresa recebeu
premiação do Jornal Valor Econômico como uma das melhores em gestão de pessoas, nos
últimos cinco anos, e nos anos 2004, 2005, 2006 e 2007 foi considerada a melhor nesse
quesito, o que também indica que os funcionários estão satisfeitos com as políticas e
estratégias de gestão adotadas pela mesma, uma vez que são eles que as avaliam em pesquisas
dessa natureza.
O papel da área de gestão de pessoas na empresa é enfatizado sempre que possível
como, por exemplo, nos processos de treinamento e desenvolvimento oferecidos aos
funcionários. Para o diretor de Recursos Humanos o trabalho dessa área é descobrir novos
talentos e cuidar das pessoas, melhorar os seus benefícios, desenvolvê-las, insistindo que os
líderes de fato exerçam a liderança e instigando a leitura, entre outros.

10% do nosso trabalho é para corrigir as distorções e 90% para que vocês tenham
um ambiente agradável de trabalho por que a empresa descobriu a bastante tempo
que para crescer ela precisa ter mais do que um departamento pessoal. O
departamento pessoal admite, demite e faz documentos, nós temos um setor que faz
isso, mas nossa área e a empresa faz muito mais do que isso (Gestor C).

A preocupação com o funcionário por meio de práticas humanizadoras, visando a


satisfação do mesmo, e um ambiente aprazível de trabalho, que permita o desenvolvimento
das pessoas, são destacados como prioridade na gestão de pessoas pelo diretor, quando apenas
pequena parcela do tempo e dos esforços são destinados a correções de erros e problemas
operacionais, que corresponde ao circuito simples de aprendizagem de Argyris (1992). Esta
forma de administrar o quadro funcional está relacionada com o primeiro princípio de sucesso
da Educação Corporativa, que trata da competitividade: “Significa buscar continuamente
elevar o patamar de competitividade empresarial por meio da implantação, desenvolvimento e
consolidação das competências críticas empresariais e humanas” (EBOLI, 2004, p. 59).
A atenção e o cuidado dispensados aos trabalhadores também são observados nas
políticas de demissão dos funcionários. O campo da gestão de pessoas realiza um trabalho
direcionado com funcionários que apresentam problemas ou dificuldades independentemente
da função que exercem. Ao identificar a dificuldade, o setor ou a chefia imediata conversa
com a pessoa, avalia o seu histórico e direciona o trabalho de acordo com a dificuldade
apresentada. Em alguns casos, o funcionário é encaminhado para acompanhamento
especializado externo, em outros, é orientado a fazer parte de um dos grupos oferecidos pela
empresa, como grupo de leitura, de desenvolvimento gerencial, entre outros. A demissão pode
127

ocorrer somente depois de ter sido realizado esse acompanhamento. A esse respeito, o diretor
de Recursos Humanos destacou:

o gerente não pode simplesmente demitir. Ele tem que nos dizer por que ele prefere
a tua demissão, o que ele fez para isso não acontecer. A empresa faz isso para que
todos tenham a mesma oportunidade, para proteger, para que vocês tenham um bom
ambiente de trabalho.

A gestão de pessoas ainda é realizada por meio dos processos de recrutamento e


seleção, cargos e salários e benefícios, os quais são “bastante interligados, pois não adianta
treinar se falhar na seleção” (Gestor D). Estes processos são detalhados a seguir.

4.3.2.1 Recrutamento e seleção

Os processos de recrutamento e seleção da empresa, os quais têm características de


movimentação das pessoas (DUTRA, 2006), ocorrem quando há abertura de novas lojas ou
para substituir funcionários. Somente para os cargos iniciais os candidatos são buscados
externamente; para outros cargos os processos são feitos com o pessoal interno.
Ao inaugurar uma nova loja normalmente surgem vagas externas. Neste caso, não é
exigida experiência, mas idade acima de vinte anos, Ensino Médio completo, conhecimentos
básicos de informática e disponibilidade para treinamentos na sede da empresa. A empresa
procura contratar os funcionários na mesma cidade em que a loja será inaugurada. Dessa
forma, o setor de Recrutamento e Seleção desloca-se até a cidade para fazer os processos, que
iniciam com a divulgação das vagas e da empresa.
Os candidatos, no dia marcado, preenchem uma ficha e elaboram uma redação
(autobiografia), por meio dos quais é feita uma pré-triagem. Os selecionados fazem outros
testes (prova de conhecimentos gerais, Matemática, Língua Portuguesa, raciocínio lógico e
sobre vendas) e os contratados deslocam-se para o Centro Administrativo da empresa, por um
período de 30 dias, para os treinamentos iniciais.
Com um ano de vínculo com a empresa o funcionário pode participar de seleções
internas, as quais são divulgadas por circulares, cartazes e e-mails. Os candidatos fazem testes
psicológicos e entrevista com a psicóloga e com o gerente da área da vaga. Para os cargos
gerenciais, o candidato, indicado pelo superior imediato, realiza um laudo psicológico, o qual
é feito em fluxo contínuo, independente de ter vagas ou não. O funcionário aprovado nesse
laudo passa a fazer parte do Grupo de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento (GDA). Ao surgir
128

vagas para esses cargos, a empresa as preenche com integrantes desse grupo. Atualmente, em
torno de seis vagas por mês são disponibilizadas para esses cargos e, no ano de 2006, 200
promoções foram efetivadas, reforçando, para o presidente, a política de valorização do
pessoal interno. Esses procedimentos englobam a classificação feita por Dutra (2006) de
movimentação, desenvolvimento e valorização das pessoas,

4.3.2.2 Cargos e salários

Os planos de cargos e salários estão organizados por Rede que compõem a empresa.
Assim, cada Rede possui sua hierarquia em termos de funções, embora alguns cargos sejam
os mesmos nas diversas Redes, assim como a remuneração. As funções existentes nas lojas
são as descritas no Quadro 27.

Rede A Rede B Rede C Rede D Rede E


Gerente de loja Gerente de loja Gerente de loja Gerente de loja Gerente de loja
Subgerente Orientador de venda Auxiliar de loja Vendedor Auxiliar de loja
Chefe de escritório Servente Servente Servente Servente
Chefe de caixa
Orientador de venda
Servente
Quadro 27 – Cargos existentes na empresa

Com exceção da Rede A, que possui seis funções, as demais restringem-se a três, o
que pode ser considerada uma estrutura concisa. Os pontos de venda que compõem a Rede
são classificados em quatro níveis: A, B, C e D. Essa classificação é realizada a partir do
faturamento a ser efetuado pela loja com base nos critérios estabelecidos pelo grupo, como
número de habitantes na região ou cidade, entre outros. Dessa forma, os cargos de gerência
são acrescidos da classificação da loja como, por exemplo, gerente de loja A da Rede C. A
remuneração dos cargos de gerência, então, varia de acordo com a classificação da loja,
independentemente da Rede pertencente, indicando a valorização e reconhecimento do
trabalho em termos de remuneração diferenciada (DUTRA, 2006).
Na ocorrência de promoções a hierarquia das funções nas lojas (Quadro 27) e no setor
administrativo deve ser observada. O funcionário pode candidatar-se a uma vaga desde que o
salário oferecido seja igual ou superior ao seu atual. A preferência da empresa é mantê-los na
mesma Rede de vínculo, mas o remanejo entre elas também ocorre em alguns casos, bem
como com o setor administrativo.
129

No centro administrativo a estrutura de cargos e salários é mais ampla. Algumas áreas


como de gestão de pessoas, financeira, contabilidade, atendem a todo o grupo. Já a área
comercial é subdividida por Redes, em que cada uma delas possui: diretor, gerente de
propaganda, compradores, auxiliares de depósito, entre outras funções. Os níveis hierárquicos
no setor administrativo são:
- Presidência
- Diretorias
- Gerências
- Encarregados de setor e Chefes de seção (operacionais nível 5)
- Operacionais (níveis 1, 2, 3 e 4)
Em cada nível hierárquico há uma série de cargos, os quais são descritos em termos de
atividades e responsabilidades, variando a remuneração com base nas competências
requeridas, o que indica a valorização dos trabalhadores (DUTRA, 2006). Os cargos são
redefinidos, ampliados e extintos sempre que necessário, a fim de atender as especificidades
dos setores e do mercado. Os contratos de trabalho também são estabelecidos de acordo com a
necessidade de cada loja ou setor: quatro, seis ou oito horas diárias.
O piso salarial inicial é determinado com base no salário comercial, acrescido em
torno de 30% para os que trabalham nas lojas. Como o grupo está presente em 118 cidades da
Região Sul e cada cidade possui o seu salário comercial, a diferença entre a remuneração
oferecida pela empresa e a do comércio das cidades é variada. O piso salarial é reajustado
anualmente; em 2007 o reajuste foi em 10%, apesar do sindicato da categoria ter indicado a
correção em 4%.
Além do reajuste anual do salário, o aumento da remuneração ocorre por meio de
promoções na carreira profissional da empresa, entretanto se o trabalhador permanecer por,
por exemplo, cinco anos na mesma função e nível, seu salário permanecerá o mesmo, apenas
sofrerá o reajuste anual. Essa situação gera certo descontentamento entre os funcionários,
principalmente aos de níveis iniciais pois, quando são abertas vagas externas, os novos
contratados adquirem a mesma remuneração dos com vínculo há algum tempo. Outro gerador
de insatisfação nos funcionários é o fato daqueles que possuem formação de grau superior não
terem remuneração diferenciada dos demais.
A remuneração é ampliada por meio dos benefícios concedidos pela empresa,
conforme descritos a seguir.
130

4.3.2.3 Benefícios

A empresa oferece aos seus funcionários um conjunto de benefícios, direcionados à


saúde, alimentação e lazer, os quais contribuem na qualidade de vida e satisfação dos
mesmos. Os trabalhadores também são premiados pela participação nos lucros que “tem o
sabor da vitória e de dever cumprido por todos” (Gestor A). Dentre os benefícios oferecidos,
lista-se:
 Administração por resultados, com distribuição dos lucros, os quais são
acompanhados pelos próprios funcionários diariamente.
 Reconhecimento e valorização do quadro funcional a partir de homenagens em datas
especiais, escolha trimestral de colaborador padrão, oportunidades de crescimento
mediante promoção interna, premiações, inclusive de viagens.
 Treinamento e desenvolvimento, oportunizando àqueles que dedicam-se, a conquista
de novas etapas em suas carreiras profissionais.
 Disponibilidade de academia de ginástica, com acompanhamento profissional.
 Assistência médica e odontológica gratuita.
 Empréstimo financeiro, com juros acessíveis.
 Manutenção de associação dos colaboradores, com estrutura para casamentos,
aniversários, etc.
 Projeto coral da empresa.
 Manutenção de um moderno restaurante, administrado por profissionais da área, na
sede da empresa.
 Ticket alimentação no valor de R$100,00 por pessoa.
 Desconto de 30% nas lojas da empresa.
Os benefícios, bem como os processos de recrutamento e seleção e cargos e salários,
demonstram a valorização dispensada pela empresa aos colaboradores (DUTRA, 2006). A
preocupação com a dimensão humana contribui significativamente para que o funcionário
perceba em seu trabalho a oportunidade de realização, crescimento e satisfação, distanciando-
o dos sentidos de desagradável, enfadonho e inseguro, apontados em pesquisa realizada por
Morin, Tonelli e Pliopas (2003) entre outras.
A valorização da dimensão humana também é ressaltada nos processos de treinamento
e desenvolvimento proporcionados pela empresa. O próximo tópico refere-se à apresentação e
análise desses processos.
131

4.3.3 Estratégias de treinamento, desenvolvimento e educação

A educação permanente dos funcionários é promovida pela empresa por meio de


treinamentos (denominação utilizada pela empresa) de fluxo contínuo, ou seja, são realizados
durante todo o ano, e treinamentos específicos, conforme surge necessidade. Um centro de
treinamento e desenvolvimento com aproximadamente 1000m², treze salas de reuniões e um
auditório é mantido pela empresa, além do Departamento de Treinamento e Desenvolvimento,
composto por um gerente e sete instrutores, que se dedicam a treinar o quadro de pessoal.
No ano de 2006 foi realizada uma carga horária em torno de 82 mil horas de
treinamento, correspondendo, em média, a 51 horas por funcionário em 286 eventos de
treinamento. Essa carga horária representou um investimento de R$ 705.866,00, que equivale
a 0,5% da renda líquida da empresa, valor destinado pela mesma para esse fim nos anos de
2005 e 2006. Em 2005 a média atingida foi de 49 horas de treinamento por funcionário. Em
2007 o investimento nesse campo passou para 0,6% da renda líquida.
Os treinamentos de fluxo contínuo oferecidos pela empresa, visando o
desenvolvimento do trabalhador (DUTRA, 2006), são os descritos no Quadro 28:

Título Objetivo Características/Metodologia


Lojas Novas Conhecer a empresa, seus processos Os funcionários selecionados para trabalhar em
de trabalho e suas políticas. uma loja a ser inaugurada são deslocados à sede
da empresa para conhecer, assistir e praticar os
processos de trabalho da mesma, como abertura
de loja, abertura e fechamento de caixa, rotinas
de estoque, etc. Esse treinamento tem duração
de 30 dias, sendo quinze dias para
conhecimentos teóricos e os outros quinze para
praticar em uma das lojas da rede em que irá
atuar.
Integração de Integrar o novo colaborador na Dentre os conteúdos trabalhados cita-se a
Novos empresa, para que desde o primeiro história, cultura e princípios da empresa;
Colaboradores instante sinta-se parte atuante. normas, procedimentos e disciplina;
atendimento ao cliente interno e externo;
oportunidade de desenvolvimento.
Treinamento Proporcionar ao colaborador o Os diretores e gerentes fazem o levantamento
Programado a desenvolvimento em seu próprio de necessidades de cunho administrativo,
Distância (TPD) local de trabalho. comercial ou comportamental. Os conteúdos
são selecionados anualmente pelo setor,
juntamente com os diretores. O próprio gerente
desenvolve o treinamento com sua equipe a
partir de orientações e materiais enviados pelo
setor de treinamento e desenvolvimento. Este
projeto atendeu mais de 1.400 funcionários em
2006.
132

(continuação)
Grupo de Desenvolver aspectos O grupo é composto por funcionários indicados
Desenvolvimento e comportamentais e profissionais nos pela chefia imediata e passam por um processo
Aperfeiçoamento colaboradores potenciais para se de seleção (laudo psicológico). Se aprovados
(GDA) tornarem gerentes. nessa fase, passam três meses em formação de
gerente. Nessa formação estão incluídos parte
teórica (300h) e estágio prático (360h) na área
em que atuará, com acompanhamento e
desenvolvimento dos princípios básicos da
gerência. Em 2006, 44 gerentes foram
formados.
G-10 Procura desenvolver os funcionários, São pequenos grupos que se encontram
fazendo com que eles se tornem quinzenalmente, sob a liderança de um dos
atuantes na busca de melhorias para membros. Durante os encontros são analisadas
seu trabalho e para a empresa em dificuldades presentes no trabalho e estudadas
geral, e responsáveis na identificação melhorias, as quais são encaminhadas à
de problemas, apontando as possíveis gerência. Também são estudados e discutidos
soluções e criando estratégias com materiais encaminhados pelo setor de
vistas a otimizar os resultados. treinamento e desenvolvimento.
Grupo de Leitura Visa a proporcionar o crescimento e O grupo é formado por funcionários indicados
o desenvolvimento dos colaboradores pela sua chefia imediata. Cada funcionário
por meio de leituras. recebe livros com temas diversificados para
fazer a leitura, sistematizá-la e discuti-la com os
colegas.
Encontro de Desenvolver aspectos que ampliem o São realizados encontros bimestrais com os
Gerentes de Loja conhecimento do ser humano, para gerentes das lojas (por rede), em que são
que tenha maior visão de si. discutidos temas diversificados. Ao término do
encontro cada gerente tem a responsabilidade
de repassar o treinamento a sua equipe de
trabalho, para que todos tenham os mesmos
conhecimentos e informações.
Encontro de Proporcionar uma integração entre os São convidados colaboradores de diferentes
Colaboradores colaboradores das lojas com a funções, cidades e redes para que se conheçam
administração central, enfatizando a e compartilhem experiências. Dentre a
importância das ações individuais de programação do encontro está prevista a fala de
cada colaborador dentro da empresa. dirigentes e a visita aos setores do centro
administrativo.
Grupo de Minimizar dificuldades específicas O gestor, ao apresentar dificuldades no ato de
Desenvolvimento de gestores. gerir, inscreve-se ou é convidado pela sua
Gerencial chefia a participar desse grupo, quando tem
oportunidade de compartilhar suas experiências
e dificuldades. De acordo com a natureza da(s)
dificuldade(s), é oferecido treinamento,
desenvolvimento, atividades, acompanhamentos
especializados visando a eliminar ou minimizar
as dificuldades apresentadas.
Quadro 28 – Processos de Treinamento e Desenvolvimento

Um encontro de gerentes da rede D ocorreu durante a fase de coleta de dados, o qual


reuniu em torno de 35 gestores. Os mesmos viajaram de suas cidades para Passo Fundo no dia
anterior (domingo) pois, o encontro iniciou às 8 horas de segunda-feira, estendendo-se até às
18 horas, com intervalo de uma hora para o almoço na própria empresa, o que também
ocorreu no segundo dia do encontro. As atividades de treinamento foram diversificadas,
conforme consta no Quadro 29.
133

Turno Programação/Atividades
23/7/2007 - Recepção dos participantes por diretores e presidência.
Manhã - Verificação das metas e discussão de estratégias de divulgação.
- Lançamento da coleção verão.
- Participação de colegas de outras redes, apresentando como utilizam o rádio para divulgar os
produtos e a empresa.
23/7/2007 - Avaliação do primeiro semestre e planejamento do seguinte.
Tarde - Análise dos indicadores de desempenho por regional, apontando índices abaixo e acima da
média.
- Levantamento de sugestões para melhorar os desempenhos.
24/7/2007 - Discussão de um texto da área comportamental, que foi lido pelos participantes com
Manhã antecedência.
- Gestão do conhecimento, em que as experiências relatadas pelos colegas no dia anterior sobre
a utilização do rádio na divulgação da empresa, foram lembradas como exemplos da
disseminação do conhecimento desta.
- Competências necessárias para a gestão do conhecimento foram apresentadas, trabalhadas e
discutidas por meio de textos, dinâmicas e vídeos.
24/7/2007 - Assuntos diversos: pagamento do PIS 2006, normas do FGTS, assédio moral, vale transporte,
Tarde leis do fundo de investimento do FGTS.
- Procedimentos referentes a crédito e cobrança do cliente foram lembrados e atualizados.
- Avaliação do encontro, por meio do preenchimento de um questionário, com perguntas
abertas.
Quadro 29 – Programação do encontro de gerentes

Além do encontro de gerentes ocorreu outro de colaboradores, com 24 participantes, o


qual também acontece sistematicamente e tem por objetivo integrar os funcionários das lojas
com a administração central. Neste caso, o grupo é diversificado, especialmente em termos de
função, rede e cidade. Os objetivos da integração foram esclarecidos pelo diretor de Recursos
Humanos da seguinte forma:

a gente convidou pessoas de diferentes níveis, das diferentes redes. Existe uma
mistura de funções aqui. O que a empresa quer dizer com isso? Que embora a
empresa tenha uma descrição de cargos diferenciados, mas o resultado só é atingido
quando todos trabalham bem, independente da função, por isso que aqui vem a
diretoria, a presidência, todos vem aqui conversar com vocês, todos se juntam. A
descrição serve para dizer essa é minha responsabilidade e essa é tua, mas em nível
de importância a gente é igual, se eu não fizer bem o meu trabalho eu comprometo
o de vocês, e vice-versa. Na verdade nós temos equipe. [...]. Espero que vocês
tenham tido essa percepção também.

A programação deste encontro está relacionada no Quadro 30:


Turno Programação/Atividade
6/8/2007 - Apresentação dos participantes.
Manhã - História da empresa a partir de um vídeo ilustrativo.
- Divulgação dos processos de treinamento e desenvolvimento oferecidos pela empresa.
- Perfil e comportamento de profissionais competentes, por meio de vídeo, textos e conversas.
- Participação da vice-presidente da empresa, diretores de Redes e diretor de Recursos Humanos,
os quais tiveram uma conversa informal com o grupo, solicitando feedback dos mesmos em
relação à postura, políticas e estratégias da empresa.
6/8/2007 - Participação do Presidente da empresa, que falou da importância de cada colaborador para a
Tarde empresa.
- Visita aos setores do centro administrativo.
- Avaliação do encontro e entrega de certificados.
Quadro 30 – Programação do encontro de colaboradores
134

Tanto no encontro de gerentes como de colaboradores houve a participação da


presidência e dos diretores. Essa participação tem por objetivo de os funcionários,
especialmente os de cidades distantes da sede, conhecerem pessoalmente os dirigentes da
empresa e também para os dirigentes terem feedback dos mesmos e saberem das expectativas
deles em relação à empresa, o que é explicitado pelos dirigentes, ao apresentarem-se ao
grupo:

Venho para ouvir sugestões e responder aos questionamentos. É importante saber o


que vocês pensam (Gestor A).

Venho mais para ouvir do que para falar. Gostaria que vocês me falassem sobre o
que pensam da empresa. Eu preciso entender as expectativas de vocês, sobre o que
a empresa está proporcionando para vocês, principalmente àqueles que estão vindo
pela primeira vez (Gestor C).

O desenvolvimento humano por meio da leitura, enfocando o grupo promovido pela


empresa e incentivando os funcionários a tal, foi tema da participação do diretor de Recursos
Humanos no encontro. O mesmo alertou que a empresa, assim como as demais, ao ter
oportunidade de promoção, prioriza os profissionais que demonstram algo a mais dos demais
e, nesse caso, as pessoas envolvidas com a leitura podem ter mais chances, entretanto, é
necessário criar o hábito e ter nela uma fonte de desenvolvimento pessoal, destacou o diretor.
A leitura também foi o foco da abordagem do vice-presidente da empresa.

Muito daquilo que eu sei, eu aprendi por meio da leitura. Eu sei que é difícil, [...]
mas tem que tentar. Tem livros mais leves, mais pesados, é importante fazer essa
alternância porque a gente não vive só de auto-ajuda. Um livro bem lido serve para
o resto de nossa vida. E façam comentários sobre as leituras, comentem com os
colegas, discutam, até no G10, é importante.

A empresa e seus dirigentes acreditam no desenvolvimento das pessoas por meio da


leitura e por isso realizam trabalhos de conscientização no sentido de os funcionários
desenvolverem esse hábito. Trata-se de um valor presente na cultura da família e que foi
transferido ao negócio, pois nas empresas familiares a interação entre os valores familiares e
empresariais são muito fortes, um interfere no outro constantemente (GRZYBOVSKI, 2002;
DAVEL; SOUZA, 2004). Com o objetivo de motivar os funcionários a ler, o vice-presidente
relatou aos mesmos a influência que a leitura exerceu em sua vida e no seu aprendizado,
assim como o diretor de Recursos Humanos destacou a importância da mesma no crescimento
profissional e pessoal.
135

A empresa também dispõe de uma biblioteca à disposição dos funcionários, além do


grupo de leitura. A biblioteca está localizada na sede administrativa da empresa, dispõe de
1.700 volumes sobre temas que vão desde vendas, marketing, moda, comportamento,
atendimento, à saúde, romance, policial, relações familiares. Os funcionários, independente de
fazerem parte ou não do grupo de leitura, possuem a lista dos livros, os quais podem ser
solicitados ao setor de treinamento e desenvolvimento. A quantidade de solicitação de livros
entre novembro/2006 e setembro/2007 variou de 43 a 396, sendo a média nesse período de
152 livros mensais.
Essas iniciativas da empresa em torno da leitura apontam a presença da abordagem
cognitiva de aprendizagem. Para Mizukami (1986) o objetivo da educação com essa
abordagem é que o sujeito aprenda por si próprio a conquistar as verdades e construir
continuamente novas estruturas de pensamento e desenvolver a sua inteligência. A
aprendizagem é fruto de um processo mental interno a partir da organização e significação
dos eventos por parte do sujeito (MERRIAM; CAFARELLA, 1999). Este processo de
educação continuada também contribui no desenvolvimento das cinco disciplinas apontadas
por Senge (1990) capazes de impulsionar a aprendizagem: domínio pessoal, modelos mentais,
visão compartilhada, aprendizagem em equipe e pensamento sistêmico.
Da mesma forma, há uma preocupação constante por parte da empresa com a
formação e aperfeiçoamento de lideranças, principalmente dos gerentes antes de assumirem a
função e durante o exercício da mesma. Por essa razão, a empresa mantém os processos de
educação permanente, como o “Grupo de Desenvolvimento Gerencial”, o “Grupo de
Desenvolvimento e Aperfeiçoamento” e os “Encontros de Gerentes”, para auxiliar os gerentes
no exercício da função. Os objetivos e metodologias desses processos, entretanto, indicam a
predominância da abordagem comportamental de aprendizagem. A corrente Behaviorista, no
entendimento de Merriam e Cafarella (1999) e Mizukami (1986), advoga que a aprendizagem
ocorre quando há mudanças no comportamento do indivíduo e o ambiente é responsável por
moldar tais comportamentos. A realidade é considerada um fenômeno objetivo, por isso as
ações do indivíduo podem ser especificadas e determinadas. O que se pretende, então, com
esses processos de formação continuada, é que os gestores desenvolvam comportamentos
comuns, preestabelecidos pela empresa, pois esses são gerenciados com mais facilidade e
mais bem controlados pela mesma. Neste caso, o que prepondera é o paradigma de
treinamento em detrimento do de aprendizagem, amplamente discutido como inviável e
insuficiente no atual contexto das organizações, especialmente as que desejam conciliar os
objetivos pessoais e organizacionais e voltadas à aprendizagem.
136

A abordagem comportamental, direcionada ao aprender fazer, também predomina em


outros processos de treinamento e desenvolvimento, como Integração de Colaboradores,
Treinamento Programado a Distância e Encontro de Colaboradores. Esses processos são mais
destinados aos geridos a gestores e enfatizam os procedimentos, normas, cultura e princípios
da empresa. Um dos princípios ressaltados é a disciplina dos funcionários, por ser um valor
enraizado na família, herdada da cultura italiana e trazida pelas gerações anteriores. O
trabalhador disciplinado irá desempenhar sua função respeitando totalmente os procedimentos
e solicitações da empresa, reproduzindo os comportamentos desejados pela mesma.
Sob a mesma orientação, nos processos de treinamento e desenvolvimento oferecidos
aos novos contratados, sobretudo ao inaugurar uma loja, a empresa dedica-se, durante quinze
dias, a repassar os processos e procedimentos específicos do trabalho, além dos princípios,
valores, história e normas da empresa. Outros quinze dias de treinamento são destinados aos
iniciantes para que pratiquem os processos numa das lojas do grupo, o que é uma tendência do
paradigma centrado na aprendizagem (MEISTER, 1999; JORDAN et al, 1997). Esse ensino-
aprendizagem, contudo, é característico da concepção tradicional de educação, em que a
mesma é subordinada à instrução – saber fazer – e os modelos precisam ser apreendidos e
imitados pelo aprendiz (MIZUKAMI, 1986). Os processos de trabalho são repassados aos
funcionários já nos primeiros dias de atividade, o que demonstra a preocupação da empresa
em que eles sejam conhecidos, compreendidos e praticados desde o início, característica da
corrente behaviorista de educação e da perspectiva normativa de aprendizagem organizacional
(DIBELLA; NEVIS, 1999). Também, desde o ingresso na empresa, o funcionário tem clareza
das oportunidades de crescimento que poderá ter, o que o motiva a buscar aprendizagens e
conhecimentos visando a construir uma carreira profissional na empresa.
Em outro direcionamento, o G-10, ao promover o compartilhamento de angústias,
dificuldades e experiências, bem como estimular a discussão e interação dos participantes em
torno de melhorias contínuas, apresenta características da corrente construtivista de
aprendizagem. Para Merriam e Cafarella (1999) esta corrente propõe que o conhecimento seja
construído pelos sujeitos a partir da reflexão, elaboração e socialização de significados e
experiências. Dessa forma, as aprendizagens vivenciadas e os conhecimentos adquiridos por
meio desse processo contribuem para o desenvolvimento dos trabalhadores. No
posicionamento de Mohrman e Mohrman Jr. (1995) a melhoria organizacional corresponde ao
segundo estágio da aprendizagem organizacional, estando entre a inovação e o redesenho de
processos e subsistemas.
137

Diante do exposto, nos processos de educação permanente oferecidos pela empresa,


estão presentes as abordagens tradicional, comportamental, cognitiva e construtiva de
aprendizagem, entretanto a comportamental prepondera. As abordagens cognitiva e
construtivista, contudo, por estimularem a reflexão, a interação e a autonomia, podem
contribuir no aprender a conhecer, a viver juntos e a ser (DELORS, 1999), em última
instância, no desenvolvimento humano dos sujeitos. O treinamento convencional sobre
objetos e ações é insuficiente para promover o desenvolvimento do ser humano em sua
totalidade.
Sob essa concepção Jordan et al (1997) e Meister (1999) entre outros apontam a
emergência de um novo paradigma, centrado na aprendizagem em detrimento do treinamento.
A esse respeito, a empresa demonstra indícios de estar avançando na perspectiva da
aprendizagem, essencialmente por oferecer um processo contínuo de educação e formação,
em que a metodologia adotada contempla o aspecto prático além do teórico, e esses processos
terem como meta a melhora no desempenho profissional do aprendiz. Há indicativos também
da presença e desenvolvimento das cinco disciplinas de Senge (1990) capazes de transformar
uma organização tradicional em aprendente.
Um fator a ser destacado é que a empresa assumiu a formação continuada de seus
funcionários. Apenas 14% deles estão no Ensino Superior ou já concluíram, apesar de 60%
dos mesmos terem acima de 25 anos, ou seja, para a maioria a educação promovida pela
empresa é o meio de continuar a sua capacitação e ampliar o seu conhecimento, o que
expressa a responsabilidade social realizada pela empresa. Neste tocante Fullmann (apud
DIBELLA; NEVIS, 1999) alertou que a educação de um povo moderno ocorre no ambiente
organizacional e depois dissemina-se pela sociedade.
A síntese da área de gestão de pessoas da empresa é ilustrada pela Figura 13.
138

Movimentação
Modelo Estratégico Recrutamento e Seleção
Abordagem Funcionalista Promoção Interna

Gestão de pessoas

Valorização Desenvolvimento
Cargos e salários Treinamentos,
Benefícios, SESMT desenvolvimento e educação

Paradigma de treinamento Enfoque tradicional, Lojas novas, Integração,


comportamental, TPD, GDA, GDG, Encontro
Indícios do paradigma de construtiva e cognitiva de de gerentes e colaboradores,
aprendizagem educação G-10 e Grupo de leitura

Figura 13 – Síntese da gestão de pessoas da empresa

O cotidiano da empresa em estudo, suas características, história, especialmente o


campo da gestão de pessoas, em que a temática da aprendizagem individual está ligada, foi
apresentado e analisado. Destacaram-se os processos de recrutamento e seleção, cargos e
salários e benefícios, adotados pela empresa, bem como as estratégias de treinamento,
desenvolvimento e educação. Esses processos contemplam a movimentação, o
desenvolvimento e a valorização das pessoas descritos por Dutra (2006). A percepção dos
funcionários em relação às práticas de gestão de pessoas da empresa e a oportunidade de
desenvolvimento humano por meio delas, é discutida no capítulo cinco.
139

5 APRENDIZAGEM INDIVIDUAL NA PERSPECTIVA


DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Compreender a aprendizagem individual no espaço de trabalho, na perspectiva do


desenvolvimento humano, verificando práticas e políticas de gestão de pessoas que
contribuem para esse desenvolvimento, é o objetivo principal desse estudo e desse capítulo.
Discorre-se, para tanto, aos conteúdos das entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa,
das observações não-participantes e da análise documental, interpretando-os à luz do quadro
teórico de referência.
Os dados levantados foram organizados, agrupados e analisados em torno de oito
temas centrais que correspondem às unidades de análise e às subdivisões desse capítulo, a
saber:

a) Sentidos do trabalho: identificar os sentidos atribuídos pelos sujeitos ao trabalho e


os motivos que os levaram a buscá-lo na empresa e nela permanecer.

b) Ambiente de trabalho: perceber as características do ambiente de trabalho


promovido pela empresa e sua influência na satisfação e nos processos de
aprendizagem dos trabalhadores.

c) Conhecimentos: levantar os conhecimentos necessários para a realização do


trabalho e os adquiridos no exercício da função para compreender o conteúdo das
aprendizagens dos funcionários.

d) Aprendizagens vivenciadas: o foco é analisar os significados das aprendizagens


vivenciadas pelos sujeitos visando a perceber para que e como aprendem.
140

e) Gestão: investigar os princípios, políticas e práticas de gestão utilizadas pela


empresa na ótica dos entrevistados com o intuito de apreender as influências deles
no processo de aprendizagem dos trabalhadores.

f) Gestão de pessoas: os processos e estratégias de gestão de pessoas são discutidos,


na ótica dos entrevistados, com a intenção de entender as contribuições dos mesmos
para o desenvolvimento dos funcionários.

g) Desenvolvimento humano: a abordagem volta-se à concepção dos sujeitos a


respeito do desenvolvimento humano e às possibilidades e limites de
desenvolvimento humano no interior da empresa.

h) Competitividade empresarial e desenvolvimento humano: analisar se os interesses


empresariais restringem-se à competitividade ou se há conciliação entre o aspecto
econômico e o social.

Cada uma das unidades de análise é discutida na seqüência, por meio de inferências
dos atores sociais, as quais são interpretadas pela literatura revisada, com o intuito de
abranger os objetivos delineados nessa pesquisa.

5.1 Sentidos do Trabalho

O trabalho é o principal constructo da identidade pessoal e social do ser humano para a


maioria das pessoas, responsável pelo seu processo de transformação e emancipação
(FRIGOTTO, 1998; ANTUNES, 2004) e fonte de referência de sua auto-estima (FREITAS,
2000). O trabalho, no entanto, nem sempre é significativo e gerador de satisfação e felicidade
às pessoas; dependendo das experiências vivenciadas adquire sentidos perversos (DEJOURS,
1996).
Os sentidos do trabalho atribuídos pelos sujeitos da pesquisa estão relacionados à
sobrevivência e ao sustento financeiro próprio e de suas famílias, num primeiro momento.
Tendo essa necessidade suprida, o trabalho passa a ser uma oportunidade de se relacionar com
pessoas, de crescer, aprender e se desenvolver. Assim, a atividade produtiva dignifica a
pessoa e dá sentido à vida.

Sobrevivência: para pagar os estudos, ajudar em casa, a família, dar uma vida
melhor aos filhos. [...] Realização: nos permite a realização pessoal, profissional, o
desenvolvimento e aprendizagens. É uma escola. Nos relacionamos com pessoas
diferentes, fizemos amigos (Gerido F).
141

Os significados do trabalho são de ordem individual, organizacional e social, no


entendimento de Morin, Tonelli e Pliopas (2003). Na dimensão individual, foi atribuído ao
trabalho sentido de sobrevivência, crescimento e aprendizagem. Na dimensão organizacional,
o fato de oportunizar a interação e relacionamentos com outras pessoas, e a inserção social
corresponde à dimensão social.
Esses sentidos, presentes no trabalho que realizam, representam os motivos da busca
de emprego na empresa e da permanência nela. A maioria já conhecia a organização por meio
de familiares ou amigos antes de estabelecer vínculo empregatício com a mesma, então
tinham uma idéia do trabalho que estavam se candidatando a realizar. Dentre os motivos que
os levaram a se candidatar a vagas estão, principalmente, a imagem e o porte no mercado e na
região e a oportunidade de crescimento profissional, o que é explicitado na seqüência de falas.

Eu já conhecia a empresa, a minha mãe já trabalhou aqui e por isso eu conhecia


várias pessoas. Eu sempre soube, a empresa tem as portas abertas, você entra como
colaborador, mas se você se esforçar como auxiliar de loja pode sair daqui bem
maior, só depende de você, de você buscar porque tem bastante oportunidade de
crescimento (Gerido Q).

Ao trabalho aqui dou a palavra crescimento, desenvolvimento, do profissionalismo,


da própria família, que eles nos aconchegam bastante, eles nos dão bastante [...]
oportunidade, [...] fora dela, com certeza deve ter, mas não é a mesma coisa. Eu
adoro trabalhar nessa empresa, tenho prazer em acordar de manhã e vim (Gerido
H).

Tu pode começar hoje como colaborador, como auxiliar de loja, mas amanhã você
pode tá na gerência de uma das lojas, na gerência de uma equipe, e eu vejo assim,
que é uma empresa que valoriza bastante o seu colaborador, e uma das causas que
me motivou a procurar até a empresa, porque eu não vou procurar uma empresa
onde eu não possa crescer, onde eu não possa me desenvolver, onde eu seja
simplesmente só o colaborador e pronto (Gerido O).

Quem conhece a empresa sabe que é uma boa opção de trabalho [...]. Em Passo
Fundo sinceramente é uma das melhores empresas (Gerido A).

A satisfação e felicidade pelo trabalho são demonstradas, sobretudo, por ele


proporcionar crescimento e desenvolvimento profissional, o que é corroborado por Vergara
(2000a) e Morin (2002) a despeito de elementos presentes num trabalho significativo. Esses
sentimentos também são decorrentes da centralidade que o trabalho ocupa na vida dos atores
sociais, consistindo na razão de existência, o que é defendido por Pinto (2003), Antunes
(2004) e Frigotto (1998), entre outros.
A realização profissional e pessoal oriunda do trabalho motiva os entrevistados a
permanecer na empresa, ilustrada pelas narrativas que seguem: “me sinto realizada
profissionalmente, eu gosto desse ambiente de trabalho” (Gestor E); “me sinto muito, muito
142

feliz em trabalhar na [...]” (Gerido B); “eu me sinto realizada, aqui é a minha família” (Gerido
G); “eu me emociono quando falo da empresa, meu sentimento é de um grande carinho”
(Gerido J). A motivação em permanecer na empresa é proveniente, especialmente, das
oportunidades de crescimento. O desejo de permanecer na empresa e crescer
profissionalmente é unânime, da mesma forma em que acreditam que terão oportunidades
para tal.
Constatações semelhantes foram obtidas em estudo realizado por Teixeira (2005) no
espaço de uma empresa industrial do setor metal-mecânico e por Oliveira et al (2004) em
investigação com estudantes de Pós-Graduação, em termos da conotação positiva do trabalho,
da centralidade do mesmo na vida das pessoas e da aprendizagem, crescimento profissional,
valorização e reconhecimento serem elementos que tornam a atividade produtiva significativa.
Um dos gestores contou que ao passar em frente a uma das lojas da empresa sonhava
em um dia trabalhar nela. “Será que um dia eu vou ter cacife, uma palavra usada na época, pra
ser gerente de uma loja como essa, ficava imaginando” (Gestor L). Declarou que fez uma
ficha de emprego numa agência e recebeu um telefonema do gerente da loja, oferecendo
trabalho. “Eu não acreditei, era o meu sonho se realizando, eu olhei assim, só agradeci a Deus.
E continuo aqui” (Gestor L). Outros atores demonstram satisfação semelhante pela empresa.

O trabalho na [...] é a alma da minha vida, é desde que eu estava na barriga da


minha mãe. Meu pai trabalha com gráfica e fazia os panfletos para a empresa e
minha mãe participava de cursos de culinária da empresa. Desde pequena participei
da empresa. Meu sonho era trabalhar aqui (Gerido M).

Sou grata pela empresa. Ela mudou a minha vida. Sou a filha mais bem-sucedida.
Trabalhar aqui é uma paixão. Tudo é transparente, eles são humildes. Quando canto
o hino da empresa, me emociono e agradeço a Deus por esse trabalho. Meu filho
tem 14 anos e me pergunta quando que ele vai poder trabalhar aqui (Gestor G).

O trabalho corresponde à realização de um sonho para alguns sujeitos, ao mesmo


tempo representa a continuidade de um vínculo já existente por outros membros da família.
Percebe-se também um carinho bastante grande dos funcionários, independentemente da
função que exercem, pela empresa, tida como um complemento de suas vidas ou como a
segunda família. A esse respeito Freitas (2000) chama a atenção ao fato de as pessoas
interagirem com a organização por meio de laços materiais e também afetivos, imaginários e
psicológicos, e por isso transferem muitos de seus desejos, angústias e afetos inconscientes
para o trabalho. “Pela intermediação do trabalho, o sujeito engaja-se nas relações sociais, para
onde ele transfere as questões herdadas de seu passado e de sua história afetiva” (DEJOURS,
1996, p. 157).
143

No ambiente organizacional, o trabalhador revive angústias originais, muitas vezes


produzidas nos primeiros momentos da vida. Morgan (1996) trata as organizações como
prisões psíquicas referindo-se ao autoconfinamento a que as mesmas estão sujeitas, sobretudo
os trabalhadores. As organizações e seus membros tornam-se alvos de armadilhas geradas
pelo inconsciente, assim, por extensão dos pais, as mesmas tendem a oferecer segurança,
proteção, preencher as faltas do sujeito, criando um imaginário em que ela se apresenta

como grande, nobre, perfeita, buscando captar os anseios narcísicos de seus


membros e prometendo-lhes ser a fonte de reconhecimento, de amor, de identidade,
que pode preenchê-los e curá-los de suas imperfeições e fragilidades (FREITAS,
2000, p. 54).

Sob outro ponto de vista, um entrevistado revela que a sua permanência na empresa se
dá pela razão exclusivamente financeira, o que também é gerador de satisfação para Morin,
Tonelli e Pliopas (2003). “Não tem salário melhor para trabalho de seis horas. Hoje me sinto
bem, sou útil. Não sei se gosto do trabalho ou me acostumei. Acho que aqui não conseguirei
crescer” (Gerido L). A possibilidade de crescimento profissional na loja em que se encontra
trabalhando é duvidosa, bem como ser um trabalho satisfatório ou alienante. O fato de suprir a
necessidade financeira não constitui um trabalho significativo, mas pode contribuir na
satisfação e atender as necessidades básicas.
Dessa forma, os funcionários buscam nessa relação profissional suas necessidades,
sejam fisiológicas, de segurança, sociais, de auto-estima e/ou de auto-realização (MASLOW,
2000) e acreditam que a empresa atende suas faltas e possibilita um ambiente adequado para
tal, o que os leva a perceber o trabalho como significativo e fonte de realização pessoal e
profissional. O ambiente de trabalho é ponto de discussão na seqüência.

5.2 Ambiente de Trabalho

O trabalho significativo e a felicidade dos funcionários estão relacionados também


com o ambiente de trabalho promovido pela empresa. Os funcionários objetivam crescer
profissionalmente e esse ambiente é propício para tal, no ponto de vista deles, o que gera
satisfação. Além disso, os colegas e chefias se envolvem nos objetivos individuais e auxiliam
no alcance dos mesmos, o que é elucidado nas formações discursivas que seguem.
144

Eu estou tentando crescer profissionalmente [...]. As pessoas têm que ter vontade de
crescer, eu tenho e aqui eu estou conseguindo. As meninas todas estão me ajudando
e eu tento [...]. Com a gerente eu sugo tudo, tudo o que ela puder me ensinar, que
ela aprendeu e eu não sei, a gente aprende. É legal, esse ambiente a gente tem, eu
tenho a liberdade de dizer que não sei, e ela me ensina (Gerido Q).

O ambiente me permite crescer na empresa. Se a gente faz o trabalho perfeito, uma


pessoa correta, o pessoal da administração vê isso e dão oportunidade. Então quero
assumir outros cargos. É um ambiente harmonioso, todos se ajudam (Gerido L).

Me possibilita assim um crescimento afetivo, primeiramente, porque a gente


consegue entre os colaboradores conversar, colocar assim os dizeres que a gente
tem, o crescimento profissional, a gente consegue dialogar, se precisar de uma
ajuda a gente dialoga e entra num consenso pra fazer alguma coisa. [...] a gente
sempre tem o que ensinar e o que aprender dentro da própria equipe (Gerido C).

A relação estabelecida entre os colegas e com os gestores é “aberta” e perpassa laços


afetivos de amizade e companheirismo, os quais não se restringem ao trabalho, mas
extrapolam esse ambiente. Além disso, a interação durante o trabalho é freqüente e estimulada
pelos gestores, justamente para que haja uma relação efetiva e afetiva e o compartilhamento
de idéias. Esse ambiente de trabalho é comum nas empresas familiares, no posicionamento de
Davel e Colbari (2003).
Com o enfoque subjetivo, Chanlat (1996) argumenta que o indivíduo é um ser de
relação e por meio delas ele se constitui e se reconhece, por isso Morin (2001), Chanlat
(1996) e Davel e Vergara (2001) alertam que o ser humano não pode ser concebido
unicamente pela racionalidade técnica ou reduzido a esquemas simplórios, uma vez que é um
sujeito biopsicossocial – biológico, psicológico e social –, e multidimensional, de afetividades
intensas e instáveis na mesma proporção objetivo e calculista.
Os gerentes sentem-se com livre acesso aos diretores e presidência; são recebidos a
qualquer momento e têm oportunidade de questionar, sugerir e solicitar. Essa mesma abertura
é o que os gerentes buscam estabelecer com suas equipes, tanto nas lojas quanto nos setores
administrativos, o que intitulam de um ambiente familiar e de amizade, como explicitado a
seguir:

Ela passa assim como uma empresa familiar, [...] a gente tem livre acesso ao
presidente da empresa. A gente chega lá sem nenhuma restrição. Tem empresas que
você não consegue chegar. Então a gente tem, é muito aberto e eu procuro transferir
isso pra dentro da minha loja também, fazendo com que fique um ambiente
familiar, um ambiente de amizade (Gestor H).

Da mesma forma em que os gestores prezam por uma relação aberta, em que todos
possam ouvir e falar e de parceria, para que uns ajudem aos outros, sobretudo para que todos
145

participem, salientam que existe também uma hierarquia a ser respeitada para que cada um
tenha clareza de seus direitos, deveres e suas responsabilidades. No ponto de vista deles é uma
forma de organizar a equipe, sem autoritarismo, uma vez que a participação do funcionário é
importante, e uma forma de cada um se sentir envolvido e necessário para a empresa. Na
medida do possível, cada funcionário tem uma responsabilidade específica perante a equipe,
como abrir o caixa, fechar a loja com o gerente, liderar o grupo G-10, participar do grupo de
leitura, fazer os pedidos, fazer as cobranças e assim por diante. Essa forma de organizar a
equipe contribui para a satisfação dos funcionários e ressalta a importância deles à empresa,
fato que é corroborado teoricamente por Morin, Tonelli e Pliopas (2003) como elemento
gerador de um trabalho significativo.
As decisões também estimulam a participação da equipe. Sempre que possível os
gerentes preferem reunir o grupo para tomar decisões para que todos possam contribuir e ao
mesmo tempo se comprometer com o processo. Para os geridos, essas atitudes facilitam as
relações e criam um ambiente agradável de trabalho. “Eu sinto que não sou mais um, mas que
o meu trabalho é importante, a minha contribuição é importante”, salienta o Gerido E.
A presidência e diretores visitam sistematicamente os pontos de venda e fazem-se
presentes nos treinamentos oferecidos pela empresa. Em ambos os momentos, solicitam
feedback, sugestões, opiniões, colocam-se à disposição para esclarecimentos e
questionamentos, entretanto os funcionários nada ou pouco falam na presença deles e têm a
iniciativa de opinar quando a presidência está ausente. Nessa relação aberta, familiar e de
amizade, contudo, também há receios e inseguranças. Em relação a isso, o consenso
constituído na entrevista grupal, foi de que

a empresa é bem aberta para perguntas, sugestões, mesmo assim pessoas têm medo
de perguntar. Os colaboradores têm receio dos diretores e presidentes,
principalmente dos vinculados à família, mas isso deve ser cultural, pois eles são
abertos, possibilitam o diálogo, são acessíveis, conversam de igual para igual,
andam entre a gente, cumprimentam, perguntam como vão as coisas. [...] As
pessoas tem experiências de outros trabalhos com chefias autoritárias e pensam que
aqui também é assim.

O fato de os funcionários terem insegurança e medo de membros da direção da


empresa, na opinião de alguns entrevistados, é próprio de experiências anteriores de trabalho e
da cultura autoritária presente na Administração e nas empresas, principalmente nas de grande
porte, bem como é decorrente da tomada de consciência de um perigo real ou imaginário,
inerente à essência humana (MEINICKE; SILVA, 2007). O pensamento administrativo surgiu
das estruturas burocráticas e da autoridade racional-legal (WEBER, 1969), em que o trabalho
146

humano foi organizado visando a produção em massa e a geração de lucro (MOTTA;


VASCONCELOS, 2005), e a gestão estava focalizada em prever, organizar, coordenar,
comandar e controlar (FAYOL, 1925). Dessa forma, a Administração está arraigada na
racionalidade funcionalista, ajustando o trabalhador ao meio de produção, especialmente
controlando o seu comportamento e sua ação, gerando esse desconforto relatado pelos atores
sociais, entre outros fatores. Ao investigarem a prática gerencial, Meinicke e Silva (2007)
identificaram a presença do medo da rejeição, de errar, da incompetência, de ter a imagem
prejudicada e das conseqüências, os quais provavelmente perpassam no cotidiano do caso
específico.
O estilo sistêmico-controlador de gestão (WATSON, 2005) é preferido pelo Gestor F,
diretor e membro da família, ao informar que estabelece “uma relação racional e fria no
trabalho” e que ao interagir com membros da equipe normalmente tem objetivos profissionais
bem claros, o que facilita a relação, no seu ponto de vista. Essa atuação do gestor é típica do
modelo taylorista-fordista e da concepção do ser humano como objeto, um ser abstrato e
econômico (CHANLAT, 2000), e inibe a ocorrência de aprendizagens, especialmente de
caráter conceitual e generativa. Contrário a essa objetividade e instrumentalidade, Enriquez
(2000), Davel e Vergara (2001) e Freitas (2000), entre outros, alertam que as organizações são
lugares de subjetividades, afetividades e angústias. A gestão é um conjunto de relações,
acordos, entendimentos e interações para Watson (2005), inerentes à ação substantiva, então
não pode ser reduzida à racionalidade instrumental e à técnica.
Em contrapartida, a grande maioria dos funcionários estabelece analogia entre o seu
gestor e seu pai ou mãe. O Gerido E explica que “os pais orientam os filhos para o bem dos
filhos, para que os filhos não sofram. Os pais cuidam dos filhos com carinho. É assim que
percebo o gestor. Ele é um paizão”. Aspectos imaginários e simbólicos como esse são
explicados pela psicanálise, a qual enfatiza que o inconsciente do indivíduo torna-se um
depósito de impulsos reprimidos, de memórias importantes, dolorosas e/ou duradouras vividas
no passado (MORGAN, 1996), os quais são projetados, transferidos e/ou atualizados num
objeto, atitude, afeto ou relação atual (FREITAS, 2000), o que faz com que o funcionário
transfira a sua relação com o pai para o gestor, sentindo nele uma orientação para o seu
trabalho. Essa transferência é ainda mais saliente no caso específico por se tratar de uma
empresa familiar e os valores da família estarem integrados ao negócio.
Os gestores preocupam-se em oferecer um ambiente agradável de trabalho, de respeito
ao ser humano, em que as pessoas interajam com facilidade e com suas individualidades, o
que é fundamental para que haja aprendizagem. Na maioria das vezes, busca-se a sugestão
147

dos funcionários, a discussão conjunta e o consenso e, com isso, o comprometimento com as


decisões. A esse respeito, um sujeito elucidou:

Eu me sinto à vontade de falar o que acho certo e errado. Se eu acho que não ta
certo tal coisa eu chego e converso com a gerente, eu acho que não tá bom, poderia
ser diferente, ela sempre aceita nossas opiniões, nossas críticas, ela pensa e vê daí
(Gerido P).

Ao serem questionados sobre o ambiente de trabalho e o que esse ambiente oportuniza


aos funcionários, a abordagem foi a aprendizagem como, por exemplo:

aqui tem muita aprendizagem e muita oportunidade, porque aqui eles dão muitas
oportunidades de conhecimento e de vontade de crescer, de sempre querer mais.
Perceber os nossos limites, o que a gente pode, o que a gente não pode. É tipo um
desafio, você tem que aprender até onde você pode ir, do que você é capaz. [...] a
gente aprende muita coisa e aprende mesmo, é uma lição (Gerido A).

A área de gestão de pessoas, por entender que a relação informal entre os membros, o
respeito e a valorização às pessoas geram um ambiente de trabalho agradável e harmonioso e
são importantes para a satisfação e desenvolvimento das pessoas, cultiva esses valores e
estimula a existência deles nos setores e lojas. Esses valores são percebidos pelos
funcionários, independentemente da função que exercem, os quais criam laços afetivos com a
empresa e com os colegas, comprometem-se com os objetivos organizacionais e demonstram
orgulho de fazer parte da empresa. Bandeira, Marques e Veiga (1999) verificaram que
determinadas práticas de gestão de pessoas ampliam o comprometimento normativo e afetivo
dos funcionários, como é o caso na empresa investigada. O normativo reflete um conjunto de
pensamentos, no qual são reconhecidos obrigações e deveres morais para com a organização,
enquanto o afetivo resulta de um vínculo afetuoso em relação à organização, em que o sujeito
identifica-se e envolve-se com ela. O pensamento do Gestor D é de que “essa comunicação,
essa percepção da interação entre as pessoas sem formalidades é onde se cria um ambiente em
que as pessoas possam aprender. Já está na cultura da empresa”.
Um ambiente propício à aprendizagem é discutido por Fleury (1997), para quem o
tempo, o espaço e as pessoas devem ser considerados na constituição desse ambiente. No
tocante ao tempo, os entrevistados informaram existir momentos para conversas e discussões
como, por exemplo, os encontros de G-10. Em se tratando da flexibilidade da estrutura
organizacional (espaço) para integração e interação, o fato dos entrevistados relatarem ser
uma empresa aberta a sugestões e discussões, com acesso facilitado aos gestores mas com
níveis hierárquicos claros, pressupõem-se que esse espaço exista, porém não é acessível a
148

todas as pessoas e funções. Em relação às pessoas, apesar de os funcionários declararem


vivenciar aprendizagens, questiona-se até que ponto eles deixam de ser recursos gerenciáveis
e passam a sujeitos nesse processo de aprendizagem.
O ambiente de trabalho promovido pela empresa em estudo revela possibilitar a
aprendizagem dos funcionários. O processo de aprendizagem é foco de investigação nos
próximos tópicos.

5.3 Conhecimentos: Conteúdo da Aprendizagem

Um trabalho com sentido e satisfatório foi revelado na pesquisa, bem como um


ambiente agradável e harmonioso de convivência, que possibilita, entre outros fatores, a
aprendizagem e o crescimento profissional dos funcionários.
Em se tratando da aprendizagem, objeto desse estudo, a preocupação aqui é com o
conteúdo desta, ou seja, o que está sendo apreendido, se conhecimentos operacionais ou
conceituais (KIM, 1998), se conhecimentos tácitos ou explícitos (NONAKA; TAKEUCHI,
1997), sobretudo se esses conhecimentos estão unicamente ligados a competências e aptidões
profissionais – saber fazer – ou integram os planos pessoal, profissional e social (SOLAR;
DANIS, 1998), que são fundamentais para o desenvolvimento do ser humano em suas
múltiplas dimensões.
O conteúdo da aprendizagem representa um conceito central quando se discute na
perspectiva do desenvolvimento, pois “para que haja desenvolvimento, os conteúdos devem
ser significantes para os adultos” (SOLAR; DANIS, 1998, p. 292).
Nessa direção, identificaram-se os conhecimentos necessários para a realização do
trabalho, os quais estão relacionados a três elementos:
1. produto: modelos, marcas, preços, funcionalidade, organização dos produtos nas
prateleiras e nas lojas, exposição dos produtos, vitrines.
2. venda: técnicas de venda, atendimento e relacionamento com o cliente, telemarketing,
como chegar no cliente, o que conversar.
3. administrativo: fazer pedidos, tirar relatórios, fechar o caixa, fazer cobranças, analisar
crédito, controlar depósito.
Esses conhecimentos são disponibilizados pela empresa na contratação dos
funcionários por meio de manuais, que devem ser seguidos, ou são repassados pelo gerente ou
colegas com mais experiência durante a execução do trabalho, por isso são explícitos, uma
vez que são objetivos e se encontram formalizados nos documentos institucionais (NONAKA;
149

TAKEUCHI, 1997). Habilidades e características pessoais também foram citadas por alguns
gestores como necessárias para o funcionário desempenhar bem a função, tendo em vista que
“a parte técnica é muito fácil de aprender” (Gestor G). São elas: gostar de gente e de vender,
ter simpatia, vontade, responsabilidade, dinamicidade e bom relacionamento interpessoal e ser
comunicativo.
Esses conhecimentos – produto, venda e administrativo – todos os funcionários
precisam ter, independentemente da função, no entanto referem-se a conhecimentos
operacionais da realização de uma rotina de trabalho, também chamados de know-how. O
conhecimento conceitual – know-why – que implica em perguntar o porquê da natureza ou
existência de determinadas condições ou procedimentos, induzindo à construção de novos
quadros de referência e a aprendizagem, parece não se fazer presente nesse ambiente. A
aprendizagem de conhecimentos operacionais pode promover mudanças nas rotinas, contudo
o conhecimento conceitual é fundamental para o desenvolvimento do trabalhador (KIM,
1998).
Na realização do trabalho, os funcionários devem seguir as diretrizes e orientações da
empresa, constantes nos manuais, circulares e outros documentos, o que mais uma vez indica
que os conteúdos das aprendizagens são conhecimentos operacionais e explícitos, porém a
criatividade é estimulada no sentido de identificar outras formas do fazer que leve a um
resultado melhor, mais rápido, com menor custo, etc. Os atores sociais sentem que possuem
liberdade para realizar o trabalho de outras formas, desde que as normas sejam respeitadas.
“A gente tem total liberdade, com limites, é claro [...]. A gente tem as nossas idéias, eles
permitem bastante” (Gerido N).
Além de serem convidados a pensar a respeito do trabalho, os funcionários são
orientados a socializarem as novas idéias com os colegas e superiores. O consenso construído
entre os participantes do grupo de foco é de que

as pessoas tem abertura para fazer o trabalho como consideram melhor, de outra
forma, desde que não prejudiquem os princípios da empresa. A criatividade é
estimulada constantemente; ao criar algo, é necessário repassar aos demais.

Essa conduta da empresa indica iniciativas em torno da gestão do conhecimento e o


estímulo à criação de conhecimentos tácitos. Nonaka e Takeuchi (1997) argumentam que a
gestão do conhecimento ocorre por meio de quatro modos de conversão entre o conhecimento
tácito e explícito, resultando na “espiral do aprendizado”: socialização, exteriorização,
combinação e interiorização. Como a aprendizagem restringe-se, na maioria das vezes, a
150

conhecimentos explícitos e operacionais, os princípios e normas empresariais a serem


respeitados provavelmente inibem a criação de conhecimentos tácitos e a socialização deles,
que é a primeira fase do aprendizado.
Em relação a novas formas de realizar o trabalho, da socialização dessa forma e da
disseminação dela por toda a empresa por ter sido uma experiência positiva, um vendedor
exemplificou:

eu fui abordar um cliente na vitrine, ele entrou e levou R$1.400,00. Claro que eles
[referindo aos gestores] não nos mandam “vão pra vitrine”, só que eu achei
interessante. A mulher tava olhando, olhando, ia até a vitrine e voltava. Eles
adoraram, tanto que agora eles falam que se o cliente tiver muito na frente é pra
chamá-lo. Eles mandaram e-mail para todos os funcionários dizendo que se o
cliente tiver na vitrine pode chamar, porque deu resultado. Foi uma iniciativa
minha. Em Porto Alegre adotaram essa estratégia e tá dando certo (Gerido P).

Outra iniciativa da empresa em torno da gestão do conhecimento é convidar


funcionários que possuem um conhecimento relevante numa determinada área, para socializar
sua experiência em processos de educação continuada. Nesse caso, o conhecimento é tácito,
subjetivo e ligado à prática (NONAKA; TAKEUCHI, 1997) e pode contribuir para a
aprendizagem dos sujeitos, pelo fato de ela normalmente ocorrer a partir de experiências
vividas e/ou observadas, especialmente nos adultos. Na medida em que a experiência
proporciona a reflexão do sujeito e a transformação dessa experiência, criando um novo
conhecimento ou ação, ela promove a aprendizagem e o desenvolvimento, pois a
aprendizagem do adulto está centrada na transformação da experiência vivida e não na
acumulação de conhecimentos (MERRIAM; CAFARELLA, 1999; KOLB, 1984; SCHÖN,
2000).
Os gestores preferem trabalhar com funcionários que têm iniciativa de opinar, sugerir,
criar novas formas de realizar o trabalho, justificando que essas pessoas contribuem
significativamente para a evolução do trabalho e da empresa. Assim, costumam dar liberdade
para eles sugerirem e terem novas ações, oportunizando a ampliação de seus conhecimentos.
Na concepção de Boyett e Boyett (1999), uma liderança acessível, que acredita no trabalho
em equipe, promove a comunicação aberta e faz as pessoas acreditarem na possibilidade de
mudar seu ambiente e desenvolve uma cultura organizacional que estimula o conhecimento
pessoal e da empresa.
Em contrapartida, os funcionários normalmente preferem seguir totalmente as normas
da empresa para que, caso ocorra algum problema, não sejam responsabilizados,
especialmente na área administrativa e burocrática. Acreditam também existir poucas
151

alternativas de inovações no trabalho, justificando ser uma rotina com procedimentos claros.
Revela um dos atores: “cada um sabe o que tem que fazer, a gente procura fazer o melhor, [...]
mas nunca percebi uma forma nova de fazer” (Gerido N). O fato de o gestor dar liberdade
para sugestões, idéias, novas formas de desenvolver o trabalho, não motiva os geridos a usar a
criatividade e criar novos conhecimentos, o que é essencial para a competitividade
organizacional e o desenvolvimento do trabalhador. Ao contrário disso, eles referem-se às
normas e procedimentos da empresa, o que aponta que a preocupação deles é muito mais com
o cumprimento dos mesmos a iniciativas próprias.
Dessa forma, a sistemática da empresa em torno das normas e procedimentos padrões
inibem o pensamento criativo e inovações nos processos. Ao inibir a criatividade impede a
transformação da experiência, as quais passam a ser simplesmente reproduzidas pelos
diferentes atores. A atuação do trabalhador, assim, é passiva, comprometendo sobremaneira a
sua aprendizagem e conseqüentemente o seu desenvolvimento, pois é a evolução do
pensamento que permite a integração das novas aprendizagens (SOLAR; DANIS, 1998). Ao
mesmo tempo, as normas e procedimentos padrões dificultam o desenvolvimento da empresa
e sua competitividade, pois Motta (2004) alerta que na atualidade o gerenciamento estratégico
implica em questionar constantemente as crenças existentes, introduzindo elementos novos de
análise dos fenômenos. Em outras palavras, as práticas e processos devem ser constantemente
construídos e desconstruídos para que o aprendizado seja contínuo.
O aprendizado pode ser estimulado ou inibido pela cultura organizacional
prevalecente, no entendimento de Schein citado por Boyett e Boyett (1999). Para os autores a
concentração no sistema, a liderança controladora, a resolução de problemas de forma
compartimentalizada e a abertura para mudanças somente quando necessário, entre outros
fatores, inibem o aprendizado pessoal e organizacional, como é o caso na empresa objeto do
estudo.
Na busca de estimular a reflexão e a construção de modelos mentais da sua equipe, um
gestor adota a seguinte sistemática de trabalho:

eu oriento, quando eles estão vindo em minha direção para me trazer algo, que eles
parem, pensem se não conseguem resolver sozinhos. Oriento que eles sejam
autônomos. E junto com os problemas eles tem que me trazer alternativas de
solução (Gestor D).

Para este gestor essa é uma forma de desenvolver a criatividade dos funcionários, o
que é corroborado pela literatura. O fato de o sujeito pensar e, sobretudo, refletir em relação à
152

situação, permite que ele tome consciência, estabeleça relações com outras experiências e
questione os seus próprios postulados, desenvolvendo seu pensamento e aprendendo
(MERRIAM; CLARK, 1991).
Nessa direção, experiências da rotina de trabalho em que a criatividade fez-se
necessária foram compartilhadas. Um sujeito lembrou da exposição de produtos na sua loja,
em que a norma da empresa é de os produtos serem expostos a partir do preço mais baixo,
entretanto havia chegado uma mercadoria diferente que, no seu ponto de vista, merecia
destaque, porém tinha um preço mais elevado, não podendo ficar na entrada da loja. Neste
caso conversou com o gerente e justificou a importância do produto estar bem visível ao
cliente e sua sugestão foi aceita. Para esse funcionário, com conversa e diálogo é possível
fazer adaptações e mudanças para além dos procedimentos padrões da empresa, mas é
necessário ter a iniciativa de expor a idéia.
Essas experiências levam os funcionários a sentirem-se colaboradores de
conhecimento à empresa. Nas palavras do Gerido P: “aqui não é só a vendedora, como todas
as empresas assim, aqui a gente é uma colaboradora mesmo. A gente colabora com opiniões,
com conhecimento”. Os conhecimentos gerados, adquiridos ou apreendidos, contudo, são
relacionados a competências e aptidões técnicas do funcionamento do negócio e das
atividades específicas da função e, na maioria das vezes, são operacionais e explícitos,
distanciando-se especialmente do plano social. Os trabalhadores, apesar de os conhecimentos
restringirem-se ao âmbito profissional e, por isso, pouco contribuir à integração das diversas
dimensões da identidade humana e à compreensão pessoal do sentido da vida e do mundo,
sentem-se aprendizes.
Em relação a isso, DiBella e Nevis (1999) argumentam que o essencial é o que os
empregados são capazes de aprender e como aprendem. Meister (1999) e Eboli (2004)
alertam que as organizações, no século 21, devem privilegiar o desenvolvimento de
competências amplas e não somente a aquisição ou atualização de conhecimentos técnicos e
instrumentais destinados ao saber fazer. A Pedagogia voltada ao significado, postulada por
Schunck (1997), aponta, por conseguinte, que o primeiro enfrentamento das organizações está
em repensar os programas tradicionais de treinamento para se afastar da aprendizagem sobre
objetos e ações e avançar no desenvolvimento intelectual, pois é somente por meio da
competência intelectual que o sujeito adquire condições de fazer escolhas conscientes e
inteligentes. As organizações, portanto, são desafiadas a organizar seus processos de
formação continuada em torno de quatro aprendizagens que são os pilares da educação no
153

século 21: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser
(DELORS, 1999).
Torna-se necessário, contudo, compreender os significados e significâncias que as
aprendizagens têm aos atores sociais, o que se busca no próximo tópico.

5.4 Aprendizagens Vivenciadas

A transformação do adulto ocorre a partir de experiências marcantes vivenciadas ao


longo da sua vida, as quais freqüentemente estão ligadas a acontecimentos do ou no trabalho,
em razão da centralidade que o mesmo ocupa na vida das pessoas e pelo adulto passar parcela
significativa de seu tempo em atividades produtivas.
Merriam e Clark (1991) argumentam pela existência de uma relação intrínseca entre os
acontecimentos associados ao trabalho e a aprendizagem dos adultos; ao mesmo tempo, a
aprendizagem a partir da experiência pode produzir um tipo particular de desenvolvimento
pessoal nos adultos. Com esse entendimento, os autores constroem uma teoria em torno de
dois conceitos centrais: experiência de vida do adulto e significado atribuído a essa
experiência. Neste momento, a preocupação volta-se ao processo de aprendizagem dos
sujeitos da pesquisa, visando a identificar como, quando e para que aprendem, sobretudo os
significados das aprendizagens vivenciadas.
As aprendizagens vivenciadas pelos atores sociais, na maioria das vezes, são
operacionais, porque estão ligadas aos produtos comercializados, às técnicas de venda e aos
processos e procedimentos administrativos – aprender a fazer –, como discutido no tópico 5.3.
Por outro lado, ao falarem das representações e significados dessas aprendizagens, elucidaram
a presença de aprendizagem conceitual a partir do desenvolvimento no âmbito pessoal,
profissional e social, promovido pelas mesmas.
A empresa é vista pelos funcionários como uma escola, ressaltando que as
aprendizagens oportunizadas são para a vida e no sentido de tornar as pessoas melhores. No
plano pessoal os mesmos revelam desenvolvimento significativo na forma de planejar e
definir suas metas, especialmente em buscar os objetivos delineados, o que está muito ligado
às práticas da empresa. Em âmbito profissional, há o aprimoramento na relação com os
clientes, na busca de um atendimento diferenciado, bem como aperfeiçoamento de habilidades
entre elas, liderança e trabalho em equipe. O desenvolvimento no plano social refere-se às
mudanças percebidas no relacionamento com o outro – aprender a viver juntos –, nesse caso
com mais respeito, humildade, atenção e educação, destacando os laços de amizade.
154

Identificou-se que os acontecimentos vivenciados no trabalho permitiram ao sujeito aprender


a conhecer, a fazer, a viver junto e a ser e, acima de tudo, influenciaram no desenvolvimento
do funcionário, porém, em alguns apenas no plano profissional, em outros nos planos pessoal
e profissional e, numa pequena parcela, nos três âmbitos.
Os conhecimentos e aprendizagens, apesar de normalmente estarem ligados a
competências e aptidões técnico-profissionais, educam os funcionários e essa educação não
fica restrita ao ambiente profissional, mas vai com ele para a família e a comunidade. Pelo
fato de a educação ser um processo contínuo que acontece durante toda a vida do ser humano
(FREIRE, 1975; DELORS, 1999) e ocorrer em vários espaços e tempos sociais (FRIGOTTO,
1998; BRANDÃO, 1986), as atividades produtivas e as relações vivenciadas por meio dessas
práticas educam o trabalhador. A questão então é se essa educação contribui para a
emancipação ou para a alienação do sujeito.
Solar e Danis (1998, p. 285) chamam a atenção para a sobreposição entre os conceitos
de aprendizagem e desenvolvimento e os de conhecimento e identidade.

São os conhecimentos e os saberes alienantes que concorrem para criar uma


identidade de dominação; são os conhecimentos emancipadores e um saber
libertador, que permitem a transformação no sentido de uma identidade libertada
das representações e dos quadros de referência existentes.

Nesse sentido, a educação emancipatória (FREIRE, 1983), que leva ao


desenvolvimento do ser humano em suas diversas dimensões, está ligada às práticas e
relações estabelecidas. O fato de o ambiente organizacional ser considerado agradável,
oportunizando um trabalho significativo e interações entre os colegas e com os superiores,
criando laços afetivos com os mesmos e com a empresa, pressupõem que as relações
vivenciadas sejam emancipadoras. Na mesma proporção, prevalecem práticas que enfatizam o
cumprimento de normas, o comportamento padronizado dos funcionários e cobranças fortes
em torno de metas de venda a serem atingidas, bem como as interações entre os colegas e com
os superiores e vice-versa restringem-se a assegurar que as normas e metas sejam cumpridas,
o que acenam a tendência na dominação do fator humano e, com isso, a alienação do
trabalhador. A necessidade do respeito aos procedimentos da empresa e a concepção de
aprendizagem alienante expressa-se no relato que segue.

A gente aprende a partir da explicação, da colocação dos próprios colegas e


também da parte da gerência, que às vezes tu tá fazendo uma coisa ali “não, não tá
certo isso, é diferente, tem que ser de outro modo...” então a gente aprende, eles
vêm e explicam pra pessoa, bem explicado (Gerido C).
155

A aprendizagem exclusiva de laço simples (ARGYRIS, 1992) é evidenciada por meio


de ações corretivas em que os atores sociais estão submetidos. Em razão de eles terem uma
imagem positiva da empresa e do trabalho, relacionam suas experiências profissionais com
crescimento e desenvolvimento, atribuindo significados libertadores às aprendizagens
vivenciadas. As políticas de promoções internas contribuem sobremaneira para a geração
dessa imagem da empresa e representa uma estratégia de gestão de pessoas, fazendo com que
os funcionários busquem constantemente o crescimento e com isso sintam-se motivados ao
trabalho, especialmente ao serem promovidos ou observarem promoções de colegas. Para ser
promovido, entretanto, o trabalhador precisa se destacar perante os demais, no desempenho
nas vendas e no cumprimento de normas e procedimentos, entre outros elementos, o que
aponta novamente a alienação dos funcionários em torno dos objetivos organizacionais. Em
outras palavras, apesar de algumas práticas enfatizarem a alienação, os funcionários não as
percebem como tal, porque estão completamente envolvidos e comprometidos, inclusive
afetivamente, com a empresa, além de terem uma imagem positiva dela e por isso acreditarem
nas orientações e exigências da mesma. Enriquez (2000) chama a atenção para o fato de
muitas ações das empresas serem realizadas para que o funcionário acredite na sua liberdade e
no seu poder de criação.
Mezirow (1981, 1990) argumenta que o processo de transformação e significação
pessoal do adulto possui três fases: conscientização, elaboração de nova referência e nova
ação. Também para Kolb (1984, 1997) e Boyett e Boyett (1999) o aprendizado nos adultos
resulta do ciclo experimentar, refletir, formar conceitos, testar conceitos. Nesse sentido, a
aprendizagem é fruto da transformação da experiência para a qual a reflexão do sujeito é
ponto de partida, entretanto na empresa investigada as práticas de gestão enfatizam a
reprodução dos processos e comportamentos, inibindo a iniciativa do trabalhador de refletir
sobre a prática. O que ele busca são os comportamentos desejados pela empresa, porque disso
depende o seu crescimento interno de função. O processo reflexivo também é enfatizado no
quinto princípio de sucesso da Educação Corporativa, que trata da cidadania: “formar atores
sociais capazes de refletir criticamente sobre a realidade organizacional, de construí-la e
modificá-la” (EBOLI, 2004, p. 54).
As aprendizagens dos trabalhadores ocorrem também por meio de processos de
educação continuada. O G-10, grupo de melhoria contínua, constituído em cada loja e nos
setores administrativos pelos funcionários, é um exemplo da promoção do diálogo entre estes
e de educação continuada, relacionada à aprendizagem generativa no sentido de criação e
expansão das capacidades (SENGE, 1993). Esse grupo reúne-se sistematicamente em horário
156

de trabalho para discutir assuntos de diversas naturezas: técnico, comportamental e


administrativo, muitos dos assuntos orientados e sugeridos pelo Departamento de
Treinamento e Desenvolvimento. Esse encontro representa uma oportunidade de conversar
com os colegas, de pensar a empresa e auxilia no relacionamento interpessoal, contudo as
reuniões priorizam a leitura e o estudo de textos e materiais encaminhados pelo referido Setor.
Em outras palavras, as reuniões e discussões giram em torno de conteúdos que visam a
preparar os funcionários às diversas situações de trabalho – aprendizagem adaptativa –
(SENGE, 1993) quando a proposta do programa é refletir sobre a realidade específica de cada
loja ou setor, reproduzindo a abordagem tradicional e comportamental de aprendizagem
(MIZUKAMI, 1986). No G-10 também há a oportunidade do exercício da liderança, uma vez
que cada grupo é dirigido por um líder, escolhido pelos próprios participantes. Esse líder
coordena as reuniões e os trabalhos enviados pelo Departamento de Treinamento e
Desenvolvimento, garantindo que eles sejam realizados.
Sob outra direção, o G-10 constitui-se num espaço de discussão e de
compartilhamento de idéias e, por isso, num ambiente propício para aprendizagens, no
entendimento de Fleury e Fleury (2004), que defendem que a aprendizagem em âmbito
individual, no contexto organizacional, ocorre a partir das experiências e emoções, as quais
podem ser socializadas no grupo, contribuindo para a aprendizagem grupal. Essa dimensão é
ressaltada pelo Gerido N.

Aqui no grupo que a gente chama de G10, que seria dez pessoas que se reúnem pra
trocar idéias, resolver problemas e é bem interessante isso. [...] A gente faz uma
reuniãozinha, debate aquele assunto, sempre acha idéia, sugestões, nem todo mundo
tem a mesma idéia, nem todo mundo recebe da mesma maneira, às vezes dá
divergência e é nesse trocar de idéias que a gente cresce (Gerido N).

Outro programa de educação continuada oferecido pela empresa – o grupo de leitura –


foi bastante lembrado pelos entrevistados como uma forma de promover a aprendizagem. A
empresa incentiva a leitura constantemente: por e-mail, nos treinamentos, disponibiliza uma
biblioteca interna com títulos diversificados, além do grupo de leitura. Independentemente de
fazer ou não parte do grupo, os funcionários sentem-se incentivados a ler, apesar de lerem o
que normalmente é orientado pela empresa, como atendimento e satisfação do cliente, vendas
e sobre o comportamento humano. No tocante à leitura, foi elucidado:
157

Eu não gostava muito de ler e como a gerente me colocou num grupo de leitura eu
fiquei meio assim “te que ficar lendo, já terminei meu tempo de colégio, não sei se
eu quero mais”, mas eles ensinam a gente a ler [...] e eu achei bem interessante.
Gosto, hoje até sinto falta, hoje estou com um livro aqui na bolsa pra entregar.
Antes eu não tinha tempo pra ler, agora eu acho um tempo (Gerido P).

A gente aprende muito aqui.[...] Eu tenho me envolvido bastante com leitura, a


empresa proporciona a biblioteca, retiro livros. Eu acho bem legal isso, porque abre
uma visão, a empresa incentiva a leitura. Um livro que eu li mas férias foi porque
eu vi que o regional tinha retirado e eu fiquei curiosa. Querendo ou não, lendo a
gente sempre aprende (Gerido Q).

O G–10 e o Grupo de Leitura, então, configuram-se como espaços de aprendizagens.


Suas propostas são interessantes e adequadas para interação, discussão e desenvolvimento,
momentos em que cada funcionário tem oportunidade de dar a sua contribuição na solução de
algum problema, ter iniciativas próprias e dialogar com colegas, mas normalmente não é isso
que ocorre, uma vez que o foco são os objetivos institucionais exclusivamente (metas,
vendas), além de ser baseado em materiais produzidos pela empresa. Os participantes, assim,
são membros passivos a ativos no processo, prejudicando o desenvolvimento dos mesmos.
A concepção de Argyris (1999) da atuação do sujeito ao detectar erros, conflitos e/ou
problemas, também contribui para a compreensão do processo de aprendizagem na empresa.
Na ocorrência de erros ou problemas, a opinião dos funcionários é de que eles devem ser
resolvidos, num primeiro momento, por quem o cometeu; caso esse não consiga resolver,
deve buscar ajuda com o colega que tem mais experiência, com o gerente ou com o setor
administrativo competente. Normalmente o erro não volta a ocorrer, a não ser que seja por
falta de atenção, pois os gerentes sempre orientam a forma correta, ressalta um entrevistado.
Esses procedimentos são próprios do aprender a fazer (DELORS, 1999) e do circuito simples
de aprendizagem que, para Argyris (1999), representa a correção do erro, a fim de manter a
situação inicial, refere-se a uma mudança incremental. O circuito duplo, para o autor, é de
caráter cognitivo, por isso exige a reflexão do sujeito e o questionamento das normas, valores,
cultura da empresa, para identificar o porquê que o erro ocorreu e, então, reformular os
conceitos e instituí-los, o qual parece ser ausente na prática dos sujeitos da pesquisa, bem
como a aprendizagem de ciclo triplo que envolve aprender como aprender.
No tocante aos conflitos, erros e/ou problemas, as políticas da empresa prevêem
penalidades aos funcionários indisciplinados: advertência verbal, advertência escrita e
suspensão, o que reflete a forte presença do quinto princípio da empresa – Ética e Disciplina –
valor oriundo da origem italiana e cultivado no decorrer das gerações da família e
característico das organizações burocráticas. Diante disso, todos os erros ou problemas devem
ser analisados antes de qualquer atitude. Neste caso, um gerente procede da seguinte forma:
158

Eu costumo analisar se o erro foi voluntário, foi por falta de conhecimento [...],
chamo a atenção “ó, a forma certa de fazer é desse jeito, procura não errar
novamente, procura não repetir”. Quando o erro é repetido você já tem que tomar
uma atitude. Nunca vou cobrar ninguém de um erro que foi a primeira vez [...] ou
de forma voluntária [..]. A gente pune quando os erros são sucessivos (Gestor I).

Na ocorrência de erros, os gerentes conversam com o funcionário no sentido de


esclarecer o que o levou a tal falha, e também para orientar a forma adequada ou juntos
encontrar uma maneira de solucionar o problema. Essa conversa contribui com a
aprendizagem do gerido, pois os erros não voltam a ocorrer na maioria das vezes, assim, as
penalidades não são utilizadas com freqüência. Para DiBella e Nevis (1999, p. 30), aprender
também significa “evitar a repetição de enganos, problemas e erros que desperdiçam os
recursos da empresa”. Um gestor de loja revelou que em um ano na função não emitiu
nenhuma advertência escrita, mas usou a verbal em duas situações, o que considerou
suficiente. Outro gestor, esse da área administrativa, prefere que o funcionário tente resolver o
problema antes de o encaminhar e, ao levá-lo, deve ir acompanhado de alternativas de
solução, pois essa é uma forma de instigar a reflexão e a criatividade.
As atuações dos gestores, descritas anteriormente, são divergentes, provavelmente por
um trabalhar diretamente com venda e outro no administrativo. A existência de penalidades
enfatiza o ajustamento do funcionário ao processo de produção, tornando-o vítima do sistema
(TENÓRIO, 2004), a partir de comportamentos padronizados, além do estilo sistêmico-
controlador de gestão (WATSON, 2005) e a dominação dos trabalhadores.
Quando discute-se a aprendizagem individual na perspectiva do desenvolvimento
humano, não se compactua com políticas institucionais que priorizam a alienação do
trabalhador. O que se defende são saberes libertadores e emancipatórios (SOLAR; DANIS,
1998) que levem o ser humano a aprender a ser (DELORS, 1999) e a realizar as suas
potencialidades físicas, morais, espirituais e intelectuais (BRANDÃO, 1986). Acredita-se no
desenvolvimento pessoal por meio de interações sociais dialógicas e reflexivas, mediadas pela
linguagem e pela razão substantiva (HABERMAS, 1987, 1989). Jordan et al (1997), em
estudos anteriores, explicitaram a preocupação em como construir e organizar ambientes de
trabalho que dêem suporte aos tipos de aprendizagem favoráveis tanto para o trabalhador
como para a organização. As políticas de gestão, especialmente as de gestão de pessoas são
abordadas nos dois tópicos seguintes.
159

5.5 Gestão: Políticas e Práticas que Facilitam e Inibem a Aprendizagem

O histórico, evolução e mudanças da empresa (capítulo 4) indicam a presença de


estratégias importantes para o ramo do varejo, bem como valores institucionais fortes
cultivados no decorrer das gerações e a visão empreendedora dos dirigentes, razões que
contribuíram para a perpetuidade da empresa durante os 57 anos de trajetória. A gestão,
entretanto, é pautada, preponderantemente, pela concepção taylorista-fordista, com foco no
comando e no controle dos processos e das pessoas. Essa concepção, no entendimento de
Morgan (1996), Motta e Vasconcelos (2005) e Tenório (2004), entre outros, expressa o
pensamento administrativo tradicional, enraizado na racionalidade funcional, a qual concebe o
trabalhador como objeto a sujeito do processo.
Os princípios da empresa estão presentes nas suas políticas e cultura e orientam a
conduta dos gestores, os quais consideram os princípios adequados ao contexto atual e à
história da empresa. Ética, disciplina, respeito, valorização do ser humano, honestidade,
transparência, confiança e justiça, foram os princípios citados pelos entrevistados, contudo a
ética e a disciplina são os mais presentes nas narrativas e no cotidiano do negócio. Neste
tocante, um ator social exemplificou:

eu fiz um slogan da empresa nos 50 anos, eu comparei a empresa com a minha


família, com meu pai que era uma pessoa muito ética [...]. 50 anos com ética e
disciplina. Então é uma empresa ética, é uma empresa disciplinada. É uma empresa
que dá uma valorização pra funcionário que eu até então desconhecia. Resumindo
eu acho que, só esse slogan diz tudo assim o que eu penso da empresa (Gestor L).

Políticas de comercialização, formas de pagamento, crediário, desconto, caixa,


depósito, entre outras, também são bem claras e devem ser seguidas por todos no
desenvolvimento do trabalho. Cada área da empresa tem suas políticas e, ao contratar um
funcionário, este é orientado sobre as políticas e procedimentos do setor em que irá atuar.
Dentre as políticas da empresa estão as metas de venda, que são estipuladas por rede,
por regional, por loja e por setor (cama, moda íntima, moda adulta, por exemplo). Cada setor
da loja tem um funcionário responsável, com isso a meta do setor passa a ser deste, o que eles
intitulam de “meta individual”. As metas são definidas com base nos históricos de venda
anteriores e acrescidas de um possível aumento; são estipuladas com bastante cuidado e mais
próximo da realidade possível. As lojas e setores que atingem as metas delineadas concorrem
a prêmios (jantar, viagem, entre outros), além de terem a participação nos lucros.
Diariamente, no início ou final do expediente, a equipe se reúne para analisar a venda
realizada e atualizar as metas.
160

As metas são consideradas necessárias; funcionam como um objetivo a ser atingido e


uma forma de identificar se a quantidade de venda está adequada ou não, entretanto as
cobranças em torno delas também causam ansiedade, nervosismo, pressão, estresse. Ao
alcançar a meta, a equipe sente-se bem e vencedora, a auto-estima e a motivação aumentam
consideravelmente. Além disso, “quando tem metas para bater todos se unem, é igual a uma
família” (Gerido L). A esse respeito, Dejours (1996) argumenta que o desequilíbrio psíquico
sofrido pelos trabalhadores deriva da própria organização do trabalho, de como a divisão das
atividades e das pessoas é feita pela organização. Essa tensão é discutida por Senge (1990)
como criativa, que é uma força resultante da discrepância entre a realidade percebida e a
desejada e é resolvida mediante a persistência, paciência, utilização da força do subconsciente
e do esforço consciente de atingir a situação desejada, ao contrário de reduzir a lacuna em
razão da incapacidade do sujeito de resolver sua tensão emocional (ANTONELLO, 2004).
Pressão psicológica é vivenciada pelos funcionários referindo-se à “pressão de vender,
de fazer as cobranças, de receber, de fazer os pagamentos” (Gestor M), apesar de as metas
serem avaliadas como necessárias e adequadas. Um gerente explicou que como é cobrado
pelo desempenho da loja, precisa exigir da sua equipe o cumprimento das metas, então,
“como eu sofro essa pressão, eles também sofrem a mesma pressão” (Gestor M). O controle
em torno das metas é intenso, o que às vezes gera desmotivação dos trabalhadores, conforme
relato: “já aconteceu de ser muito forte, o que desmotiva, ela deve existir, mas não deve ser
tão forte” (Gerido Q). Em contrapartida, o não atingindo também é desmotivador como, por
exemplo:

a gente fica meio pra baixo, fica triste, meio nervosa, mas a gente consegue, eu
procuro motivar a equipe, hoje de manhã eu disse “oh meninas falta R$2.700,00 pra
conseguir nosso objetivo, vamos lá”, e elas me disseram “mas não é muito, a gente
consegue” (Gestor I).

Como forma de controlar o desempenho individual do funcionário e mantê-lo


motivado na busca dos objetivos organizacionais, as metas também representam a exploração
do trabalhador. Para Morgan (1996, p. 286), a exploração está presente no “modo como as
organizações perpetuam estruturas e práticas que promovem o vício pelo trabalho e formas
relacionadas de stress mental e social”. O stress e a tensão demandado pela empresa muito
contribui na constituição do “maníaco pelo trabalho”, que se motiva a se sujeitar às normas e
valores dela para deixar as suas marcas de desempenho, eficiência e eficácia e ser reconhecido
como tal, explica o autor.
161

Sob outro ponto de vista, um gerente declarou que prefere exigir dos funcionários um
atendimento diferenciado ao cliente, pois ele acredita que com um bom atendimento as
vendas se efetivam. A orientação é de o funcionário mostrar os produtos, lembrar as
promoções, oferecer produtos ligados ao solicitado, o que é chamado de venda adicional. Nas
palavras do Gestor I:

A venda adicional depende somente do vendedor, de estar presente, atender,


oferecer os produtos. É um lembretezinho, não precisa querer forçar a venda pro
cliente, mas só lembra que tem isso aí, ou muitas vezes na hora ele pode não
comprar, mas no dia seguinte ele vai voltar à loja e vai comprar [...]. Sou obrigado a
cobrar deles, [...] se eu deixar solto corre o risco de se acomodarem, que é um
grande problema quando o grupo é grande (Gestor I).

O controle dos funcionários também é exercido por meio de responsabilidades e


obrigações, chamadas de disciplina, características inerentes ao pensamento funcionalista de
administrar e da empresa como máquina, que espera que as pessoas desempenhem um
conjunto de atividades com comportamentos predeterminados (MORGAN, 1996). Esse
conjunto de obrigações é disponibilizado aos funcionários na contratação e quando alguma é
alterada é informada por e-mail, circular ou pelo superior imediato e dizem respeito desde a
comportamentos no atendimento ao cliente, relacionamento, sigilo, uso de telefone e malote, à
apresentação pessoal, pontualidade, higiene no trabalho, bem como a políticas e
procedimentos administrativos e comerciais. As normas são necessárias, adequadas e
auxiliam no desenvolvimento do trabalho, como é revelado:

As normas são necessárias. Tem que ter alguém com pulso firme para dizer, indicar
onde ir senão vira uma baderna. Mesmo assim às vezes acontece alguma coisa,
imagina se não tivesse. Uma empresa desse tamanho se não tiver normas vira uma
bagunça. [..] Entrei sabendo das normas e tento cumpri-las (Gestor H).

A disciplina é um dos princípios da estrutura burocrática que, para Weber (1969), é a


única maneira de administrar as organizações no contexto capitalista. Ao mesmo tempo, é um
dos valores fortemente presentes na cultura italiana, origem dos fundadores da empresa em
estudo, razões que a levam a ser uma âncora no negócio familiar. Os funcionários devem ser
disciplinados ao trabalho, respeitarem as normas, cumprirem suas responsabilidades,
comprometerem-se com os objetivos institucionais, ressaltando a racionalidade instrumental e
a visão clássica de Administração. A razão instrumental, na concepção de Chanlat (2000),
tende a considerar o ser humano como um ser abstrato, sem história e sem cultura, um homo
economicus (RAMOS, 1984). No tocante à aprendizagem, Weick e Westley (2004) alertam
162

que as empresas burocráticas visam a organização, enquanto as que se desenvolvem são as


aprendentes, por isso aprendizagem e organização são processos antagônicos. A ordem,
disciplina e controle estão ligados ao estilo sistêmico-controlador de gestão, ao passo que a
construção, desconstrução e reconstrução de conceitos e práticas são mais evidenciadas nas
organizações aprendentes e se inserem no estilo processual-relacional de gestão (WATSON,
2005).
Os funcionários são responsáveis por uma atividade específica no seu setor, que é
acompanhada pelo gestor e que indica a preocupação da empresa em envolver e comprometer
todos os membros nos processos institucionais, bem como desenvolver habilidades pessoais,
principalmente senso de responsabilidade. Por outro lado, a fala seguinte expressa que essa
prática é uma forma de a empresa levar os trabalhadores a fazerem o que ela deseja. “Eles
fazem assim a pessoa se sentir útil e ao mesmo tempo trabalhar da maneira certa, da maneira
correta para eles, para o andamento das coisas” (Gerido F). O comprometimento é gerado por
processos psicossociais, no posicionamento de Meyer e Allen (1991) e, este depoimento
legitima um vínculo normativo, de obrigação do sujeito. Para Tenório (2004) essa lógica de
Administração tende a tornar a razão instrumental auto-suficiente, pois evita a reflexão do
sujeito e a sua compreensão dos meios utilizados na prática gerencial.
As organizações, em particular as empresas, lembra Freitas (2000), não são o império
da racionalidade por natureza, em que o trabalho simplesmente é executado, organizado e
controlado. Ao contrário disso, são lugares de subjetividades, inerentes à racionalidade
substantiva, em que o prazer da conquista convive com a angústia do fracasso. Com esse
entendimento, ela assume características de organismo, cérebro ou ainda prisões psíquicas
(MORGAN, 1996), abrindo espaços para a aprendizagem não tão-somente de caráter
normativa, mas sim desenvolvimentista e capacitacional (DIBELLA; NEVIS, 1999).
A manipulação da empresa em torno dos seus objetivos, no sentido de os funcionários
produzirem e se comportarem de acordo com o desejado para serem indicados a uma
promoção interna, é expressa no depoimento que segue.

Quanto melhor se trabalhar, se aprender, você vai ter uma oportunidade na própria
empresa, eu acho que essa é a parte da disciplina sabe, você mesmo se
autodisciplina, você mesmo vai querer buscar o conhecimento, não vai querer fazer
nada errado, vai querer digamos assim, ser o melhor pra poder futuramente ser
indicado pra uma gerência, que é o que muitos procuram (Gerido O).

Em relação ao elucidado no relato, Enriquez (2000) alerta para o fato de o indivíduo


estar encerrado nas malhas das organizações e, apesar disso, acreditar na sua liberdade e na
163

sua realização. Complementando essa idéia, Morgan (1996, p. 279), ao abordar a organização
como instrumento de dominação, destaca: “nossas organizações estão nos matando”. O autor
chama a atenção de que quase sempre existe um elemento de dominação em todas as
organizações, no sentido de maximizar os interesses institucionais às custas dos interesses
individuais. Um exemplo de dominação é o fato daqueles que tem poder de mando se
sentirem no direito de ditar as normas, enquanto os submetidos a tais regras têm o dever de
obedecer.
Indícios da dominação do trabalhador é percebida no discurso do presidente ao
abordar a necessidade de uma das Redes dobrar a quantidade de vendas. O mesmo justificou
que a Rede está preparada e adequada em termos de modelo e organização, produtos,
qualidade e preço, além da tradição da empresa e do quadro funcional. Dessa forma, a
estratégia a ser adotada é a divulgação dos produtos no rádio, para atingir parcela maior da
população, o que deve ser feito pelos gerentes de cada loja na sua cidade específica. A partir
dessas justificativas, solicitou que os gerentes opinassem sobre a possibilidade de dobrar as
vendas, sugerindo que o aumento ocorresse em dois ou, no máximo, três anos. Nas palavras
do presidente: “Então, queria ouvir a opinião de vocês: é possível, não é possível? Vamos
experimentar, vamos tentar? Quem está de acordo, quem não está? [...] Eu quero ouvir vocês
sobre isso. Depois nós vamos cobrar, nós vamos cobrar”.
Dos 35 gerentes presentes no encontro, em torno de 15 pronunciaram-se, concordando
com a proposta e acreditando que o uso do rádio auxiliaria bastante na popularização da Rede.
Assim, comprometeram-se com o acréscimo das vendas no prazo sugerido, o qual será
exigido como ficou claro ao final da fala. Esse comprometimento é característico do vínculo
normativo e de obrigação do funcionário (MEYER; ALLEN, 1991).
Os enfoques propostos por Watson (2005) em torno das características da gestão
organizacional colaboram na compreensão do estilo de gestão praticado na empresa em
estudo. Para o autor, as realidades gerenciais representam a forma sistêmico-controladora ou a
processual-relacional. Nesse sentido, o estilo sistêmico-controlador predomina no caso
investigado, apesar de os funcionários ressaltarem as relações e interações estabelecidas no
seu interior, justamente porque essas interações configuram-se como mecanismos de
dominação do trabalhador (MORGAN, 1996).
A gestão sistêmico-controladora inibe e dificulta a aprendizagem individual e
organizacional na medida em que o gestor assume o papel de decisor racional, planejador
sistemático, supervisor, tecnocrata (MOTTA, 2004). O ato de gerir é muito mais uma prática
social (CHANLAT, 2000), uma arte (MOTTA, 2004), que lida com o imprevisto, a
164

imparcialidade e a dualidade, concepção presente nas organizações voltadas à aprendizagem e


ao conhecimento, em que o gestor adota os papéis de projetista, regente, professor, servidor,
guia e facilitador (SENGE, 1990, 2001; DRUCKER, 1996). Nestas empresas a preocupação
volta-se a estimular as pessoas a aprender e gerenciar seus problemas (pessoais e
profissionais) de forma equilibrada e autônoma, sugerindo a inserção da racionalidade
comunicativa e da ação substantiva, plenas para o desenvolvimento do ser humano em suas
diversas dimensões.
A empresa imbui nos gestores, principalmente nos gerentes de loja, que eles se sintam
e trabalhem como se fossem donos da mesma, e é dessa maneira que eles se reconhecem. Esse
comportamento é próprio de empresa com base familiar, e Morgan (1996) o intitula de
combinação entre realização e exploração. Aos gestores então também cabe o papel de
preparar e desenvolver sua equipe. Neste aspecto, destacaram: “meu trabalho é gerir pessoas,
orientando, ajudando no trabalho deles. Faço isso com bom humor, com pensamentos
positivos” (Gestor G); “me preocupo com o desenvolvimento deles [da equipe]” (Gestor H).

nós somos orientados a passar o máximo de conhecimento para os colaboradores, é


a maneira de passar o conhecimento para os colaboradores, é uma maneira de
motivar a equipe, sabe, uma maneira de você assim, aprender junto com eles, queira
ou não queira o gerente aprende muito mais ensinando do que de outra maneira
(Gestor I).

A atuação e percepção dos gestores refletem o papel pedagógico exercido pelos


mesmos, corroborado teoricamente por Senge (1990) e Drucker (1996), entre outros. Da
mesma forma, evidencia o entendimento de que ao ensinar, aprende-se, uma vez que todos os
indivíduos são educandos incompletos, inconclusos e inacabados e a educação é permanente
(FREIRE, 1983). Por outro lado, a educação enfatizada diz respeito à transferência de
conhecimentos, especialmente conhecimentos técnico-profissionais, ou seja, a instrução,
indicando a visão tradicional de aprendizagem, em que o aprendiz é um receptor passivo e
reprodutor dos modelos (MIZUKAMI, 1986).
O processo gerencial, apesar de, até o momento, ter proporcionado a continuidade e
crescimento da empresa, poderia substituir práticas lineares, pragmáticas e autoritárias por
acordos comuns, pela livre interação entre os funcionários, dando espaço para o agir
comunicativo e a racionalidade substantiva, promovendo um ambiente de trabalho ainda mais
decente e emancipatório (SACHS, 2004; TENÓRIO, 2004), propício para o desenvolvimento
do ser humano em sua totalidade.
165

A aprendizagem e o desenvolvimento do trabalhador estão implicados diretamente nos


processos e práticas de gestão de pessoas, que são analisados no tópico que segue.

5.6 Gestão de Pessoas: Processos e Práticas Ligados à Aprendizagem

Na empresa em estudo, a gestão de pessoas é realizada por meio dos processos de


recrutamento e seleção, cargos e salários, benefícios e treinamento e desenvolvimento, e a
análise realizada no capítulo quatro indicou a predominância das abordagens funcionalista e
estratégica de administração dos recursos humanos, integrando políticas de pessoal com
planejamento estratégico e elaborando ferramentas para orientar e controlar o comportamento
humano (FISCHER, 2002; DAVEL; VERGARA, 2001). Além disso, está centralizada na área
de Recursos Humanos, o que expressa uma visão tradicional, tendo em vista que a tendência é
distribuí-la entre os diversos setores (MOTTA, 1998).
A gestão de pessoas é comparada a uma família pela empresa ser de base familiar. Na
ótica dos atores sociais, o fato de ela ser familiar faz com que cultive alguns valores, como o
bem-estar, a valorização e o desenvolvimento das pessoas.

É que a empresa é familiar, eles tratam bem as pessoas, eles se preocupam com a
pessoa, se preocupam não só com os números, porque tem empresa que se preocupa
só com os números e eles fazem o desenvolvimento das pessoas (Gestor M).

É uma empresa familiar, então ela vê o bem-estar das pessoas. Na semana passada,
a venda estava boa, a empresa deu um aumento de salário para todos. Todo mundo
ficou realizado, era uma coisa que ela não tinha necessidade de fazer. O
pensamento é “nós estamos bem, vamos fazer eles se sentir um pouco melhor
também” (Gestor H).

A empresa tem calor humano. Você participa. Eles valorizam, cobram, elogiam. Ela
poderia ser diferente: mais autoritária. Eles sabem que o trabalhador motivado e
valorizado produz mais (Gerido Q).

A percepção dos valores familiares na empresa justifica-se em razão de nas empresas


familiares haver uma interação e interferência mútua entre o sistema família e o sistema
negócio (LODI, 1998; CAMPOS; MAZZILLI, 1998; GRZYBOVSKI, 2002). Além disso, os
laços afetivos e emocionais normalmente são mais intensos nessas empresas, porque integram
membros que se conhecem e convivem há bastante tempo, às vezes desde a infância
(FLETCHER, 1997; DAVEL; SOUZA, 2004). Dessa forma, a cultura preponderante nessas
empresas está atrelada aos valores da família.
166

Independente do cargo que exercem, os funcionários sentem-se valorizados pela


empresa. Sentem-se importantes e, sobretudo, percebem que o trabalho deles é necessário no
conjunto da empresa, como ilustram as narrativas:

Aqui parece que eles enxergam nós mais, é como se eu não fosse só mais uma
pessoa. Eles trabalham muito pra deixar nós confiantes, à vontade e se desenvolver,
eles deixam nós bem a vontade pra ver até onde somos capaz (Gerido P).

Acho que como parte de um todo, cada um é um tijolinho, cada um tem a sua parte
a cumprir. Como uma corrente, acho que ela considera cada um como um membro
importante. Eles cuidam do funcionário (Gerido N).

Essa valorização é percebida pelos funcionários em pequenas atitudes da empresa e


dos gestores como, por exemplo, no envio de e-mails motivando-os e elogiando o trabalho
desenvolvido: “a vitrine ficou linda” (Gerido P); “está fazendo um bom trabalho, continue
assim” (Gerido Q); “a cobrança dessa loja é a melhor, continue assim” (Gerido L).
A atenção aos funcionários dispensada pela empresa e seus dirigentes contribui
significativamente para a constituição de um ambiente agradável de trabalho e para a
motivação dos trabalhadores. A teoria de Maslow (2000) sugere que o ser humano tem
necessidades complexas que podem ser hierarquizadas e, conforme a pessoa busca e atinge
essas necessidades, motiva-se. O fato de a empresa dar feedback e fazer com que cada um
sinta-se parte do grupo, ressaltando a importância do trabalho realizado, facilita que eles
satisfaçam suas necessidades de auto-estima e auto-realização e comprometam-se com os
objetivos institucionais. No tocante ao comprometimento, pesquisa realizada por Bastos,
Correa e Lira (1998) apontou que ele é maior em trabalhadores cuja profissão exercida é
compatível com os interesses e a vocação individual e na medida em que o indivíduo
encontra, na organização e no trabalho, condições propícias à realização profissional. Essas
atitudes dos gestores indicam o esforço da empresa em incorporar práticas mais humanizadas,
o que para Motta (1998) é uma tendência contemporânea, uma vez que os resultados
organizacionais dependem cada vez mais do desempenho individual de cada membro.
A valorização também é oriunda dos benefícios oferecidos pela empresa, que
correspondem à necessidade de segurança na hierarquia de Maslow (2000). Refeitório,
assistência médica e odontológica, desconto nas compras, financiamentos, foram os
benefícios mais lembrados pelos sujeitos.
167

Eles cuidam do funcionário, como o refeitório, é uma preocupação que eles têm.
[...] Nós temos um plano de saúde bom, muito bom, realmente, acho que isso
auxilia bastante, tem dentista, a gente tem desconto nas lojas da empresa, então eu
acho que eles valorizam bastante, é bom isso (Gerido N).

Hoje em dia você ter uma empresa que te dá um plano de saúde, te dá uma carga
horária boa pra ti trabalhar, uma empresa que te assina o contrato, com todos os
teus direitos, que te faz valer por isso, é meio difícil tu encontrar no mercado de
trabalho hoje, uma empresa que proporciona esse crescimento aos seus
colaboradores, eu acho isso uma valorização do colaborador (Gerido O).

A empresa cuida do funcionário, se ele tem um problema de saúde, financeiro, a


empresa está pronta para auxiliar. Ela promove as pessoas, dá bons benefícios. Eu
trabalho segura, sei que amanhã a empresa não vai demitir em massa (Gestor D).

Diante do desemprego e do trabalho informal que muitos trabalhadores estão


submetidos, o fato de o sujeito ter sua carteira de trabalho assinada e poder contar com uma
renda fixa mensal e ainda com auxílios na saúde e na alimentação, o que Sachs (2004) chama
de trabalho minimamente decente, gera segurança aos entrevistados e o sentimento de
proteção advindo da empresa. Esse sentimento também está relacionado com questões
herdadas no passado e com a história afetiva, principalmente com a família e os pais, que são
transferidas pelo sujeito ao ambiente de trabalho (DEJOURS, 1996), pois é nesse ambiente
que o sujeito adulto passa a maior parte da sua vida. As organizações, por extensão dos pais,
são vistas como nobres, perfeitas, em que os trabalhadores buscam reconhecimento, amor,
identidade e, principalmente, o preenchimento de suas imperfeições e fragilidades (FREITAS,
2000).
Em relação aos benefícios, ainda, foi apontada como uma iniciativa necessária por
parte da empresa dispor de uma estrutura (creche, escola) para os filhos pequenos das
funcionárias, a qual contribuiria bastante para o bem-estar das mães que precisam sair cedo de
casa e não dispõem de um lugar confiável para deixar seus filhos. As mães argumentaram que
essa estrutura influenciaria positivamente também no trabalho desenvolvido por elas.
O crescimento profissional por meio de promoções internas é, em última instância, o
que gera no funcionário o sentimento de valorização do ser humano, o que também está
ligado à necessidade de auto-estima – ascensão na carreira e status – (MASLOW, 2000) e aos
elementos que constituem um trabalho significativo e realizador (VERGARA, 2000a;
MORIN; TONELLI; PLIOPAS, 2003). A empresa adota a política de somente contratar
pessoas externas para os cargos iniciais e todas as demais vagas são preenchidas com o
pessoal interno. Por essa razão, ela também procura preparar e desenvolver os funcionários, a
partir de programas de educação continuada, para assumir outros cargos, como de gerência.
Essas políticas, no penamento de Motta (1998), dizem respeito à visão tradicional de gestão
168

de pessoas, em que o progresso profissional se dá no próprio emprego por meio de


alternativas estabelecidas pela empresa e a formação a partir do que a empresa indica como
necessário. Por outro lado, o trabalhador, ao ingressar na empresa como auxiliar de venda e
visualizar a possibilidade de num curto ou médio prazo estar gerenciando a loja, faz com que
ele busque conhecimento, aprendizagens e com isso desenvolva-se pessoal e
profissionalmente.
Em relação aos treinamentos e desenvolvimento, são considerados como propostas
profícuas de desenvolvimento dos trabalhadores. O G-10, o grupo de leitura, o grupo de
desenvolvimento e aperfeiçoamento (GDA), os encontros de gerentes e de colaboradores
(Quadro 28), são processos de educação continuada interessantes, que demonstram a
preocupação da empresa com a aprendizagem permanente dos funcionários e estão ligados à
concepção de Educação Corporativa de Meister (1999) e Eboli (2004). No centro da
Educação Corporativa está o princípio da competitividade que significa: “valorizar a educação
como forma de desenvolver o capital intelectual dos colaboradores, transformando-os
efetivamente em fator de diferenciação da empresa diante dos concorrentes, ampliando assim
sua capacidade de competir” (EBOLI, 2004, p. 59). Os processos de desenvolvimento, no
entanto, são calcados no paradigma de treinamento (JORDAN et al, 1997) e privilegiam a
aquisição de conhecimentos técnicos e instrumentais.
Treinamentos específicos também são oferecidos pela empresa e são desenvolvidos
pelos próprios gestores, com base nas necessidades da sua equipe e de materiais e orientações
do departamento de treinamento e desenvolvimento, entre eles os treinamentos programados a
distância (TPD), focados na aprendizagem pela prática e experiências dos colegas e
superiores, como elucidado pelo gerido:

existe um treinamento interno mesmo, da parte da gerência que vai treinando a


gente desde a operação de um caixa, pra mais a parte financeira da loja, pra
contabilidade, coisa assim, organização mais dos setores, coisa assim, isso é mais
treinamento interno da loja aqui e eu fui bem acompanhado quanto a isso (Gerido
O).

O relato deste sujeito da pesquisa reflete a abordagem instrucional de educação


(MIZUKAMI, 1986) e o paradigma treinamentista (JORDAN et al, 1997; MEISTER, 1999)
em que os funcionários estão submetidos. Essa abordagem caracteriza-se pela aprendizagem
de objetos e ações a fim de os aprendizes repetirem os modelos e, nas palavras de Schunck
(1997), são adequados para ensinar a apertar botões. Por essas razões, o treinamento
convencional é considerado limitado e insuficiente para despertar e desenvolver atitudes,
169

posturas e habilidades pessoais (SCHUNCK, 1997; JORDAN et al, 1997; EBOLI, 2004). “A
educação não é um processo de adaptação do indivíduo à sociedade. O homem deve
transformar a realidade para ser mais” (FREIRE, 1983, p. 31). Diante disso, as organizações
são desafiadas a substituírem o paradigma do treinamento pelo da aprendizagem (JORDAN et
al, 1997; MEISTER, 1999), especialmente visualizando a possibilidade do desenvolvimento
do ser humano, sua autonomia e sua emancipação.
Sob a orientação do desenvolvimento, a sugestão levantada é de a empresa auxiliar
financeiramente os funcionários interessados em cursar o Ensino Superior, o que justificaria,
para eles, o fato de a empresa ser uma das melhores em gestão de pessoas pelo Jornal Valor
Econômico, bem como primar pelo crescimento e desenvolvimento dos trabalhadores. A esse
respeito, é importante lembrar que apenas 4% dos funcionários têm Ensino Superior completo
e 10% estão com o curso em andamento (Quadro 23). Esse auxílio não ocorre em razão de a
empresa preferir “formar as pessoas dentro da sua Filosofia” (Gerido F), que, como já
discutido, pressupõe comportamentos padrões em torno das normas e metas institucionais e da
transferência e aquisição de conhecimentos técnicos e instrumentais.
Merriam e Clark (1991), entre outros autores, discutem que a aprendizagem de
conhecimentos emancipadores desenvolve humanamente o sujeito, tornando-o senhor do seu
destino, enquanto a aprendizagem destrutiva, relacionada a conhecimentos e saberes
alienantes, criam uma identidade de dominado. Torna-se, então, relevante lembrar dos
mecanismos de dominação utilizados pelas organizações em prol de seus objetivos
(MORGAN, 1996) e das práticas opressivas na busca da performance organizacional
(DAVEL; ALCADIPANI, 2003), relegando o humano à eficiência, à eficácia e à
lucratividade (CHANLAT, 2000). Em contrapartida, a construção de relações mais
democráticas e justas no interior das organizações é possível, a quem Vergara e Branco
(2001) intitulam de empresa humanizada, bem como a conciliação do econômico e do social
(CHANLAT, 2000).
A empresa humanizada preocupa-se, entre outros fatores, com o autodesenvolvimento
e o desenvolvimento do ser humano em suas múltiplas dimensões. Sen (2000) traz a
concepção do desenvolvimento como liberdade, que consiste em eliminar as privações de
liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer sua condição de
agente no processo. A partir daí, os Estudos Críticos em Administração (ECAs) defendem a
autonomia e a responsabilidade do sujeito no ambiente de trabalho, pois é fundamental para o
seu processo de emancipação e, por isso, não compactuam com iniciativas que ressaltam a
alienação do sujeito.
170

Chama a atenção na gestão de pessoas a confiança que os funcionários têm na


empresa, no sentido de as orientações e decisões da mesma serem para o bem deles. Ao
vivenciarem a extinção da rede em que encontravam-se trabalhando, os funcionários, de
diferentes níveis hierárquicos, expressaram seus sentimentos diante desta decisão
organizacional. Os relatos são:

Eu já conheço a empresa, eu sei que eles não vão fazer nada pra prejudicar o
colaborador, sabe, então eu fico bem tranqüila, a gente fica ansioso, porque não
sabe pra que cidade vai ter que mudar, não sabe o que espera o futuro, mas ao
mesmo tempo eu fico tranqüila, porque eu sei que o meu emprego tá garantido,
jamais eles vão demitir uma pessoa só porque fechou uma rede.[...] assim como
eles confiam em mim eu confio neles (Gestor M).

Estou tranqüila mesmo pela rede estar fechando. Sei que a empresa vai ter um
emprego para mim; para alguma outra rede é certo que a gente vai, não tem essa
questão de demissão. [...] estou tranqüila, fazendo meu trabalho, a gente tem muito
apoio dos superiores, dos colegas (Gerido Q).

Eu não sei o que vai acontecer comigo, mas, [...] a empresa é muito especial pra
mim e a decisão que eles tomarem eu vou acatar (Gestor L).

Num momento tão crítico e que implica em mudanças dos funcionários e, muitas
vezes de suas famílias, a empresa consegue tranqüilizá-los e fazer com que eles confiem na
sua atitude. Dentre os princípios da empresa está a confiança recíproca, explicitada nas falas e
que auxilia na compreensão da situação, e é corroborada teoricamente por Davel e Souza
(2004), para quem a confiança e a lealdade são mais intensas nas relações que se estabelecem
nas empresas familiares. A confiança também é oriunda da política da empresa de, num
primeiro momento, direcionar os funcionários a outras redes do grupo.
A demissão de funcionários ocorre somente se não existir alternativa. No fechamento
de rede procura-se remanejá-los às demais redes e lojas do grupo, mas, nesses casos,
normalmente eles precisam mudar de cidade, o que dificulta para algumas pessoas. Quando o
funcionário apresenta problemas, antes de desligá-lo, procura-se recuperá-lo por meio de
trabalhos direcionados as suas dificuldades. Nesse sentido, o diretor de Recursos Humanos
informou:

se há um problema com um funcionário, nós investigamos o histórico dele, se já


houve algum problema, conversamos com ele, oferecemos ajuda, apoiamos,
tentamos recuperar a pessoa. A demissão somente em último caso. É assim que a
empresa gerencia (Gestor C).

A demissão não pode ser feita por livre e espontânea vontade do gerente para evitar
que os funcionários proponham acordos de desligamento com a empresa e porque com a troca
171

constante dos funcionários, principalmente vendedores, que são a maioria, é mais difícil de
criar vínculo com o cliente e constituir uma equipe consistente, explica um gerente. O desejo
de fazer acordos não é comum, ao contrário, a grande maioria dos funcionários não se vê
numa outra empresa, o que é destacado no testemunho seguinte:

O sentimento é de que deixaria parte de minha família. Eu me criei


profissionalmente aqui, é difícil. Eu vejo as pessoas que saíram da empresa e não
conseguiram se desligar totalmente. Para mim seria difícil me adaptar a uma
empresa que tenha uma cultura totalmente diferente desta. Mas sei que eu teria uma
boa colocação no mercado, por tudo o que eu aprendo aqui (Gestor D).

O referido relato elucida a satisfação e o carinho do funcionário pela empresa, bem


como os laços familiares construídos no decorrer dos dez anos de vínculo empregatício, o que
reflete as relações afetivas, imaginárias e psicológicas estabelecidas com a empresa ainda
mais salientes nas familiares (FREITAS, 2000). Na mesma medida, a consciência de ter boas
oportunidades de trabalho no mercado pelas aprendizagens que vivenciou e pelos
conhecimentos que agregou nesse período, apontam a construção e atualização da sua
identidade pessoal e profissional (CHANLAT, 1996).
Em outro ponto de vista, em razão desse emprego ter sido a primeira experiência
profissional para boa parcela dos funcionários, os impede, ou pelo menos dificulta, a
visualização de diferentes formas de gerenciar as pessoas e os processos. Os sujeitos
desconhecem outras possibilidades; apenas vivenciaram as adotadas por essa empresa,
facilitando o distanciamento do pensamento crítico.
A gestão de pessoas da empresa demonstra preocupações e iniciativas com práticas
mais humanizadoras, em que os funcionários possam exercer o papel de agentes e sujeitos do
processo, embora predomine a concepção de homo economicus e recurso gerenciável. Estudos
em empresas familiares já apontaram que suas práticas de gestão de pessoas tendem a ser
mais humanizadas (DAVEL; COLBARI, 2003). O interesse da empresa em treinar os
funcionários na sua Filosofia, porém, ressalta a dominação do sujeito (MORGAN, 1996;
DEJOURS, 1996). Em contrapartida, o fato de ela assumir a formação dos trabalhadores,
oferecer benefícios para a saúde, alimentação e lazer, entre outros, e valorizar o pessoal
interno por meio de promoções, num contexto social em que parcela significativa da
população não tem um trabalho decente, tampouco instrução para concorrer a uma vaga,
indica sua apreensão com o aspecto humano e social, além do econômico. O desenvolvimento
humano é o enfoque do tópico seguinte.
172

5.7 Desenvolvimento Humano

Identificar e discutir nas formações discursivas dos sujeitos da pesquisa a concepção


de desenvolvimento humano; a possibilidade deste no interior da empresa e se houve algum
desenvolvimento nos mesmos, é a que se dedica esse tópico.
A palavra des-envolver significa para Viana (1999) deixar de estar envolvido,
ampliando o pensamento por meio da quebra ou transformações de conceitos, padrões,
paradigmas, regras e limites. O ser humano, por ser inacabado, inconcluso e imperfeito, está
em constante busca de ser mais, de se desenvolver (FREIRE, 1983).
Na abordagem da educação, o desenvolvimento humano consiste em levar o indivíduo
a realizar as suas potencialidades físicas, morais, espirituais e intelectuais (BRANDÃO, 1986)
e implica no desenvolvimento profissional, afetivo, moral e cognitivo, estabelecendo uma
relação intrínseca com a aprendizagem e a experiência, especialmente nos adultos
(MERRIAM; CLARK, 1991; CANAN, 1991). Nestes termos, requer a reflexão da
experiência a fim de transformar os comportamentos, atitudes, referências, convicções e a
própria experiência (MEZIROW, 1981; DANIS, 1998; BOYETT; BOYETT, 1999). A
interpretação das falas dos sujeitos balizar-se-á nesses pressupostos teóricos.
O desenvolvimento humano dos adultos ocorre principalmente por meio das práticas
produtivas; ao transformar a sua realidade o sujeito se transforma. O desenvolvimento foi
ressaltado como fundamental para que o trabalho seja satisfatório e a pessoa se sinta bem,
entretanto, na maioria das vezes, foi confundido com crescimento, no sentido de acúmulo de
conhecimentos ou de promoções na carreira profissional da empresa. O fato de o funcionário
vivenciar um trabalho em que ele precisa ter um bom desempenho, dar o melhor de si,
aprender constantemente, ir em busca de conhecimento, para os gestores, é o que o
desenvolve. O ato de desenvolvimento humano, contudo, consiste na construção de novos
pensamentos e ações; é a transformação de sua forma de pensar e agir. Além disso, para haver
o desenvolvimento, os conhecimentos apreendidos devem ser significantes para o adulto
(DANIS; SOLAR, 1998).
A empresa incentiva constantemente o desenvolvimento dos trabalhadores, porém
depende do interesse de cada um em se tornar melhor, como declarado pelos entrevistados.
“A empresa bate muito nisso de desenvolvimento, a empresa cobra, ela passa circular [...] é o
funcionário que às vezes não quer se desenvolver” (Gerido C). “A empresa incentiva bastante
o desenvolvimento, você melhorar, se superar, mas vai de cada um” (Gerido P). Essa atuação
está conectada ao autodesenvolvimento dos funcionários, em que o desejo, a escolha e a
173

responsabilidade da formação, da aprendizagem e do desenvolvimento são da própria pessoa e


representa, para Motta (1998) e Antonello (2004), entre outros, uma tendência nos processos
organizacionais de desenvolvimento e educação. Ao estimular o autodesenvolvimento, a
empresa contribuiu na geração de tensão criativa e ampliação do domínio pessoal do
trabalhador (SENGE, 1990).
O posicionamento dos gestores converge com o dos geridos no sentido de que o desejo
pelo desenvolvimento é pessoal, característico do autodesenvolvimento. Nas palavras do
gestor F: “a empresa não pode obrigar ou forçar se as pessoas não querem crescer. A empresa
pode contribuir oferecendo um espaço para o desenvolvimento, mas não pode obrigar”. Outro
gerente lembrou que na sua equipe têm funcionários que ingressaram na empresa antes dele
ou com ele, há vinte anos, como auxiliares de venda e que continuam nessa função porque
não tiveram interesse e iniciativas de se autodesenvolverem. Esses mantiveram-se reativos e
não delinearam objetivos desafiantes a ponto de criar a tensão criativa (SENGE, 1990).
Idéia oposta a de o desenvolvimento ser uma opção pessoal, alguns treinamentos
oferecidos pela empresa são de caráter obrigatório aos funcionários. O testemunho elucida
essa dimensão.

Tem treinamentos em que você é obrigado a fazer, porque você tem que estudar,
emitir relatórios e mandar pra lá, se você não fizer isso você vai ser descontado,
penalizado. Então já te obriga, só o fato de você ter que fazer, mesmo sem vontade
já vai adquirir o conhecimento, vai goela a baixo. [...] A empresa disponibiliza e
cobra, cobra muito que você se desenvolva (Gestor H).

A concepção de desenvolvimento humano dos funcionários gira em torno do aprender


a fazer, da ascensão profissional e/ou do crescimento na carreira da empresa, por isso é de
domínio pessoal e ligado à ampliação dos modelos mentais (SENGE, 1990), o que fica claro
nesse relato:

Com o desenvolvimento as pessoas vão se sentir melhor. Quando a gente vence


metas, tem o retorno financeiro [...] e eu sei que se eu me destacar, ter um
desempenho melhor, vou ser promovida (Gerido Q).

Para os cargos de gerência a empresa seleciona os funcionários por meio de promoção


interna. Como a empresa vem aumentando consideravelmente o número de pontos de venda e
em cada um existe o cargo de gerência, faz com que várias promoções dessa natureza ocorram
mensalmente (em média seis por mês). Dessa forma, os funcionários buscam acumular o
máximo de conhecimentos e ter um bom desempenho no trabalho, sobretudo nas vendas,
174

como destacado no relato anterior, para serem indicados por suas chefias a participar das
seleções para gerente. Os conhecimentos acumulados, como discutido no tópico 5.3, dizem
respeito aos produtos, venda e administrativo, ou seja, são conhecimentos técnico-
profissionais e instrumentais, distanciando-se da proposta de desenvolvimento humano.
Em contrapartida, se o funcionário tiver a iniciativa e o hábito de refletir sobre sua
prática e as relações que estabelece com a empresa, os colegas e superiores, ampliará o seu
pensamento e agregará outros conhecimentos além dos técnicos, promovendo seu
autodesenvolvimento. O mesmo poderá ter dificuldades de transformar suas atividades, tendo
em vista as políticas da empresa em torno de procedimentos, normas e comportamentos
padronizados, mas será capaz de modificar suas relações, principalmente as afetivas, com o
outro, com os familiares, com os amigos e com a empresa, aprendendo a conhecer, a viver
junto e a ser (DELORS, 1999).
Ao analisar os significados das aprendizagens aos sujeitos da pesquisa, identifica-se o
desenvolvimento nos âmbitos pessoal e social, além do profissional (Quadro 31).

Âmbito Desenvolvimento
Humildade, paciência, confiança e auto-estima
Administração financeira e do tempo
Pessoal Comunicação
Batalhar pelos objetivos
Enfrentar problemas e desafios
Atendimento qualificado ao cliente
Comportamentos na relação com o cliente
Profissional Gerenciamento de pessoas e/ou processos
Liderança
Organização do setor e da loja
Divulgação da empresa
Amizade
Conviver com pessoas diferentes
Social Respeitar o outro
Tratar as pessoas com educação e atenção
Quadro 31 – Desenvolvimento pessoal, profissional e social dos funcionários

As práticas da empresa e relações estabelecidas no seu interior contribuíram no


desenvolvimento e autodesenvolvimento do trabalhador. Os funcionários desenvolveram as
características de humildade e paciência, passaram a dar mais atenção às pessoas e
respeitarem as diferenças, com isso convivem melhor com elas e têm mais amigos. Além
disso, adquiriram mais confiança em si e auto-estima, o que os faz batalhar ainda mais pelos
seus objetivos e encarar os problemas e desafios com mais segurança, motivação e
tranqüilidade. Essa ampliação do saber conhecer, viver juntos e ser (DELORS, 1999) foi
diretamente influenciada pelas experiências profissionais, uma vez que, ao atender diferentes
175

tipos de cliente, a paciência, a humildade, a atenção, a comunicação e o respeito são


fundamentais. Na mesma proporção, a busca por atingir as metas de venda, entre outras,
levou-os a perceber e acreditar em seus potenciais, tornando-os mais confiantes e seguros de
si. Observa-se, então, que as atividades produtivas, por serem práticas pedagógicas, não ficam
restritas à fábrica ou empresa, mas influenciam no âmbito pessoal e social.
Em razão de a empresa primar pela estabilidade financeira e ser prudente nas decisões
que envolvem essa área, influenciou positivamente na administração econômico-financeira
pessoal dos funcionários, ressaltando a dimensão pedagógica das atividades produtivas. Os
mesmos relatam que adquiriram consciência maior de orçamento familiar por meio das
práticas da empresa e que têm uma vida financeira muito mais equilibrada com isso. Além
disso, fizeram aquisições importantes e aplicam o salário de forma mais adequada e efetiva,
gerando mais segurança, auto-estima e auto-realização (MASLOW, 2000). O mesmo ocorreu
em relação ao uso de telefone, energia elétrica e material de expediente (papel, caneta, etc.); a
partir da realização de campanhas de redução desses custos pela empresa, os funcionários
notaram que gastam bem menos em suas residências. Com isso, percebe-se o alargamento do
saber viver juntos a partir de atitudes conscientes em relação ao consumo, principalmente dos
bens naturais, essenciais para o desenvolvimento sustentável e sustentado (SACHS, 2004).
Outro fator lembrado por vários entrevistados diz respeito à desenvoltura para falar,
perguntar, conversar, principalmente em público, que também está ligada ao
autodesenvolvimento. Contam que ao iniciar na empresa tinham muita vergonha dos colegas,
superiores, até mesmo dos clientes que demonstravam ter maior poder aquisitivo. Com a
necessidade de trabalhar em grupo e comunicar-se com os colegas, o estímulo dos mesmos
para sugestões, a participação no G-10 e outros processos de educação continuada e, ainda,
por meio da divulgação da empresa e dos seus produtos, inclusive no rádio ao vivo,
contribuíram no desenvolvimento de competências e habilidades, dentre elas a de
comunicação. O Gestor H narrou: “no início me escondia dos clientes e dos superiores para
não precisar conversar com eles e hoje sou confundido com o locutor quando faço
propagandas da empresa no rádio”.
Com uma visão crítica, um funcionário argumenta que diante da concorrência, da
competitividade e da busca por resultados, o humano é relegado. Revela o funcionário: “eu
não vejo nada de humano nisso, vejo sim o lucro, o crescimento, mas humano não”.
176

Aqui tem o desenvolvimento humano na parte de abrangência de conhecimento, de


você conhecer mais, [...] crescimento humano afetivo dentro da própria equipe isso
não dá pra negar que teve, e que com certeza vai continuar e vai crescer cada vez
mais, eu espero. Mas, desenvolvimento humano propriamente dito é complicado.
[...] fica meio esquecido isso, não se presta atenção mesmo nisso (Gerido O).

O esquecimento das dimensões humanas nas organizações (CHANLAT, 1996) é


denunciado por entrevistados. Um deles referiu a programação dos horários de trabalho, uma
vez que o seu contrato, assim como o de muitos colegas, é de seis horas diárias, com 15
minutos de intervalo para o almoço. Por isso “eu trago um lanche e faço aqui mesmo, mas não
é a mesma coisa que se eu fosse fazer uma refeição ao meio-dia bem balanceada” (Gerido O).
Neste tocante, Sachs (2004) traz a concepção de trabalho decente, aquele realizado em boas
condições e convenientemente remunerado. Evidencia-se, então, o desafio das instituições de
conciliarem o humano e o social (CHANLAT, 2000). A empresa, objeto desse estudo, parece
ter consciência dessa necessidade. O próximo tópico dedica-se ao exame desse aspecto.

5.8 Competitividade Empresarial e Desenvolvimento Humano

As organizações, apesar de serem construídas com a finalidade de atenderem a


objetivos específicos dos acionistas, de ordem econômica, são desafiadas a contemplarem a
dimensão humana, tendo em vista seu papel e influência na sociedade. Além disso, a
competência empresarial na superação dos desafios mercadológicos, privilegiando o controle,
a competição, a dominação, tem se mostrado insuficiente ante a discussão da necessidade de
pensar e agir em prol de um desenvolvimento efetivamente sustentável e duradouro, em todas
as instâncias e esferas.
Vergara e Branco (2001, p. 44) abordam a urgência de questionar e revisar o papel das
organizações e, conseqüentemente, das práticas de gestão na sociedade. Essa redefinição
“deixa antever a superação de dicotomias, hoje inaceitáveis, que têm levado a escolhas como
competição ou cooperação, dominação ou parceria, quantidade ou qualidade, expansão ou
conservação, enfim, dicotomias que privilegiam o “ou” em detrimento do “e” ”. Trata-se da
necessidade de buscar a integração, o diálogo, para além do reducionismo, da fragmentação,
da visão mecanicista.
Nessa integração está contemplada a importância de a organização olhar para seu
desenvolvimento econômico, e também para o humano, ambos vitais na atualidade. Chanlat
(2000) advoga pela necessidade de reconciliação entre o econômico e o social por meio da
inserção das contribuições das Ciências Humanas, especialmente, pela incorporação da lógica
177

emancipatória. Com essa abordagem, Vergara e Branco (2001, p. 37) intitulam de empresa
humanizada aquela que “voltada para seus funcionários e/ou para o ambiente, agrega outros
valores que não somente a maximização do retorno para os acionistas”. Dentre esses valores
está o desenvolvimento das pessoas (físico, emocional, intelectual, espiritual), que
diretamente perpassa pela aprendizagem, objeto desse estudo.
A satisfação dos funcionários é oriunda da valorização que a empresa dispensa aos
mesmos e ao crescimento profissional que ela promove, o qual, na maioria das vezes, é
confundido com desenvolvimento. Visando identificar se os atores sociais têm alguma
percepção dos objetivos organizacionais que a levam a gerar essa satisfação, foram
questionados: Porque a empresa dá esse tratamento aos funcionários e produz essa satisfação?
O discurso recorrente é de que a empresa valoriza o trabalhador com a intenção de
melhorar a capacidade de cada um. Ela desafia as pessoas a crescerem, se desenvolverem,
para com isso produzirem mais. Quanto mais o pessoal tiver preparado, mais ela vai se
sobressair ao concorrente e melhorar o seu desempenho, inclusive financeiro, pois a empresa
se destaca, pelo desempenho dos seus funcionários. Nas palavras de um ator social: “ela visa
[...] o teu crescimento, mas acima de tudo o crescimento dela, da própria empresa, como
lucro” (Gerido G). Essa postura está voltada ao autodesenvolvimento do trabalhador e visa a
desencadear no funcionário sua percepção da situação atual e em que patamar poderá chegar,
logo, tem a finalidade de gerar a tensão criativa e a ampliação do domínio pessoal do
trabalhador.
Os gestores são orientados a valorizarem o trabalho da sua equipe, ressaltando os
aspectos positivos aos negativos, conduzindo-os aos objetivos organizacionais. O testemunho
de um dos diretores expressa esse posicionamento:

A orientação que a gente tem é de tá valorizando o teu funcionário, tu não pode


chamar a atenção, todo mundo chama, mas tu tem que ver os pontos positivos,
aproveitar bem os pontos positivos das pessoas, orientar elas, na nossa função nós
temos que saber lidar com as pessoas, [...] como trabalhar elas, como levar as
pessoas a trabalhar pra você, então é aí que entra o fator humano (Gestor L).

A geração de satisfação nos funcionários é uma estratégia da empresa para que eles
sintam-se bem, valorizados, criem tensões criativas e, por conseguinte, tenham um bom
desempenho em prol dos objetivos organizacionais. As pessoas estando motivadas buscam
cada vez mais conhecimentos e o autodesenvolvimento, e com isso melhoram no trabalho e
contribuem para a competitividade da empresa, intimamente ligada à tensão criativa. “Qual é
a empresa que tem crescimento se a pessoa não tá se sentindo valorizada? O segredo da
178

empresa é a valorização do ser humano. A valorização que eu digo não é só financeira”


(Gestor F).
O desenvolvimento pessoal e a competitividade da empresa são contemplados nas
políticas organizacionais, porque ambos percorrem juntos, e é o enfoque predominante nas
formações discursivas dos gestores como, por exemplo: “não tem como ter lucro, ser
competitivo se os teus funcionários não se desenvolverem. Se você tiver uma equipe que fica
parada no tempo, a loja vai parar também; então tudo tem que acompanhar” (Gestor H).
Na mesma linha de pensamento, um gestor da área de gestão de pessoas destacou:

as políticas visam a competitividade e a humanização, agora ainda mais, nessa nova


era, o humano é fundamental. Parece que é um valor da empresa por conta de ser
familiar e se tornou parte da sua cultura. A conciliação é possível. Na minha
opinião, os resultados que a empresa vem alcançando já é fruto disso, isso não é de
hoje que vem sendo trabalhado, quem sabe foi plantado na década de 1980, quando
iniciou os processos de treinamento e desenvolvimento (Gestor D).

Com o propósito de se desenvolver, a empresa valoriza os trabalhadores, pois, ao se


sentirem satisfeitos, comprometem-se com os objetivos institucionais e o desempenho de cada
um implica na competitividade organizacional. A valorização é percebida pelos funcionários
pelos incentivos e oportunidades de crescimento profissional na carreira da empresa, pelos
benefícios oferecidos, pelos processos de treinamento, desenvolvimento e educação
continuada e pelo ambiente de trabalho promovido pela mesma. Dessa forma, há indícios da
conciliação do econômico e do social que Chanlat (2000) e Vergara e Branco (2001), entre
outros, advogam.
Os processos de gestão de pessoas adotados pela empresa para valorizar o funcionário,
contudo, não se distanciam da abordagem técnica (CHANLAT, 2000), pois visam a
dominação e a instrumentalização do funcionário (DEJOURS, 1996). A lógica técnica é
predominante em razão das aprendizagens restringirem-se a conhecimentos e competências
necessários para a realização do trabalho, ou seja, sobre produto, venda e procedimentos
administrativos, além dos conhecimentos serem explícitos e reproduzidos. A aprendizagem de
ciclo duplo e/ou triplo, baseada em processos cognitivos (ARGYRIS, 1999), e a
transformação de experiências necessárias para gerar o desenvolvimento (MERRIAM;
CLARK, 1991; CANAN, 1991), parecem insuficientes ou inexistentes na prática dos atores
sociais; ao contrário há o acúmulo de conhecimentos operacionais sobre os produtos e rotinas
(KIM, 1998). Além disso, a gestão é pautada pelo estilo sistêmico controlador (WATSON,
2005), enfatizando o enquadramento e o controle do funcionário no sistema de produção.
179

A lógica emancipatória que Chanlat (2000) e Tenório (2000, 2004) defendem, na


direção dos Estudos Críticos em Administração, buscando contemplar o humano e a
competitividade nas organizações, diz respeito a denunciar o sofrimento provocado por
práticas alienantes, dentre elas a da dominação. A ascensão na carreira profissional da
empresa e o crescimento do funcionário em razão da quantidade de conhecimentos
operacionais adquiridos, afastam-se da perspectiva do desenvolvimento humano e
emancipatório.
A empresa, por outro lado, demonstra preocupações com práticas mais humanizadoras
que integrem os objetivos individuais e organizacionais, como os processos de educação
continuada, apesar de a maioria deles serem pautados pela abordagem comportamental a
cognitiva de aprendizagem. Essas iniciativas são similares às que levaram Geus (2006) a
diferenciar empresas que falassem jovens das longevas, indicando que as que perpetuam
possuem uma personalidade harmoniosa que as permitem conciliar o econômico e o social. O
fato de a empresa estar no mercado há mais de meio século, estar avançando no processo de
sucessão da terceira geração e crescendo consideravelmente, revela que sua atuação e sua
linguagem não se restringem à dimensão economia e à eficiência institucional. Reflete,
contudo, sua capacidade de aprender e desenvolver estratégias duradouras, que para Senge
(1990) representa uma vantagem competitiva sustentável. DiBella e Nevis (1999) também
defendem que a empresa aprendiz consegue ficar a maior parte de sua vida em fase de
crescimento, adiando as fases de estabilidade e declínio, como é o caso da empresa
investigada.
O dilema vivido pelas organizações, inclusive pela empresa em estudo, no sentido de
ser competitiva, gerar lucro, valorizar o funcionário, promover a aprendizagem e o
desenvolvimento dele, foi apontado por Etzioni (1984). Para o autor “em toda organização
existe um ponto em que a felicidade e a eficiência deixam de se apoiar mutuamente. Nem
todo trabalho pode ser bem pago e satisfatório, e nem todos os regulamentos e ordens podem
tornar-se aceitáveis” (p. 3). Em outras palavras, a organização tem seus próprios limites,
fragilidades, objetivos e paradoxos, fazendo com que a conciliação entre o econômico e o
social seja um desafio constante.
O enfoque proposto por Teixeira (2005, p. 375) com a intenção de conciliar nas
organizações, especialmente no setor privado, competitividade e humanização, é que as
práticas de gestão estratégica de educação continuada evidenciam capacidades “de promover
ao mesmo tempo aprendizagem organizacional e desenvolvimento humano, resguardados os
limites das organizações formais”. A formação continuada configura-se, assim, numa
180

alavanca para a promoção da competitividade empresarial e do desenvolvimento do ser


humano em suas múltiplas dimensões, respeitando as fronteiras e ambigüidades do espaço
empresarial.
Freire (2001, p. 175), entretanto, ao discutir as possibilidades e limites da educação,
alertou: “a educação não pode tudo, mas a educação pode alguma coisa”. Acredita-se que o
mesmo pensamento pode ser estendido à organização: a organização não pode tudo, mas pode
alguma coisa na integração do econômico e do social.

O capítulo cinco apresentou as narrativas dos sujeitos da pesquisa e as interpretou com


base no quadro teórico de referência (Capítulo 2), estabelecendo relações com a dinâmica
organizacional e gerencial do caso escolhido, com o objetivo de responde a pergunta da
investigação. O Quadro 32 sintetiza os principais e recorrentes dados empíricos que
possibilitam compreender a aprendizagem individual neste espaço específico de trabalho, bem
como as políticas e práticas de gestão de pessoas que contribuem para o desenvolvimento
humano.
181

Categorias Principais Dados Empíricos


Sentidos do trabalho Individual: sobrevivência, crescimento, aprendizagem, desenvolvimento, dignidade,
sentido da vida
Organizacional: oportunidade de relacionamento
Social: inserção social
De maneira geral o trabalho é significativo, por isso realiza os funcionários.
Ambiente de Harmonioso, agradável, familiar e de amizade, mas com receios, inseguranças e medos
trabalho Oportuniza crescimento e aprendizagens
Relação aberta, informal e afetiva, com estímulo à participação e à interação
Níveis hierárquicos claros
Reflexões, diálogos e discussões insuficientes
Aprendizagem Produtos, venda e procedimentos administrativos
(conteúdo) Operacionais ligados à rotina de trabalho
Competências e aptidões técnicas
Conhecimentos explícitos
Conhecimentos tácitos e conceituais incipientes
Aprendizagem A aprendizagem de laço simples e a reprodução preponderam
(como, quando e Aprendizagens de laço duplo e de laço triplo não foram percebidas
para que aprende) Aprende-se por meio de interações, compartilhamento de idéias, realização do trabalho
e processos de educação continuada
Aprendizagem para a vida, que tornam as pessoas melhores, mas principalmente para
adaptação às demandas da empresa
Aprendizagem no plano pessoal e social, sobretudo, profissional
Gestão Princípios de ética e disciplina
Políticas de comercialização claras, dentre elas as metas de venda
Controle do desempenho e do comportamento dos funcionários
Visão clássica de Administração, com níveis hierárquicos bem definidos
Comprometimento normativo e afetivo dos funcionários com a empresa
Indícios da dominação do trabalhador
Estilo sistêmico-controlador saliente
Gestores desempenham papéis de decisor racional, planejador sistemático, supervisor,
tecnocrata, ao mesmo tempo, orientador, facilitador e professor
Cultura em torno de normas, procedimentos padronizados, disciplina e controle inibem
o aprendizado
Gestão de Pessoas Modelo estratégico
Abordagem funcionalista
Movimentação de pessoas: recrutamento e seleção, promoção interna
Desenvolvimento de pessoas: são oferecidos vários processos de treinamentos,
desenvolvimento e educação, os quais são balizados pelos enfoques tradicional,
construtivista, cognitivista e, principalmente, comportamental de educação.
O paradigma de treinamento prepondera
Indícios do paradigma de aprendizagem
Valorização de pessoas: cargos e salários, benefícios e SESMT
Desenvolvimento A empresa incentiva o desenvolvimento, mas este é confundido com crescimento,
Humano especialmente com acúmulo de conhecimentos e promoções internas
Desenvolvimento pessoal, profissional e social, embora o profissional é o mais saliente
Esquecimento de dimensões humanas
Competitividade Valorização e incentivo ao crescimento e ao desenvolvimento – satisfação – bom
Empresarial e desempenho – alcance dos objetivos organizacionais
Desenvolvimento Desenvolvimento pessoal e competitividade percorrem juntos
Humano Preocupação com a integração dos objetivos individuais e organizacionais
Indícios de conciliação
Quadro 32 – Principais dados da pesquisa

A empresa apresenta, de modo geral, fatores positivos que contribuem para o


desenvolvimento de seus trabalhadores, como: (1) o respeito e valorização do ser humano, (2)
182

o oferecimento de um trabalho significativo e um ambiente agradável e familiar de


convivência, (3) o incentivo ao autodesenvolvimento e ao desenvolvimento profissional, (4) a
preocupação com a integração dos objetivos institucionais e individuais, (5) a consciência do
papel pedagógico exercido pelos gestores, (6) o comprometimento afetivo do funcionário com
a empresa, e (7) os processos de movimentação, desenvolvimento e valorização de pessoas.
Em contrapartida, demonstra certas fragilidades que precisam ser enfrentadas, visando o
desenvolvimento efetivo dos funcionários, por exemplo: (1) o controle do desempenho e das
pessoas, (2) a insuficiência de reflexão, diálogo e autonomia, (3) a aprendizagem
normalmente refere-se a conhecimentos operacionais e competências técnicas, (4) a
preponderância da aprendizagem de laço simples, (5) o estabelecimento de vínculo normativo
entre funcionário e empresa, (6) a saliência do estilo sistêmico-controlador de gestão, e (7) a
predominância do paradigma de treinamento. Essas ações geram uma cultura organizacional
que dificulta o aprendizado, por conseguinte, o desenvolvimento humano.
Contudo, o fato de a empresa, apesar de seus limites, manifestar indícios de conciliação
entre o econômico e o social, da promoção do desenvolvimento pessoal e social, além do
profissional e da presença do paradigma de aprendizagem, reforça a sua valorização às
dimensões humanas e, em última instância, é o fator que precisa ser destacado.
183

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aprendizagem e a criação do conhecimento individual no âmbito das organizações,


bem como as práticas de gestão, essencialmente as de gestão de pessoas, constituíram-se o
foco de análise na presente investigação, tendo como contexto da pesquisa empírica uma
empresa privada, do ramo varejista e de base familiar, com o propósito de compreender a
aprendizagem individual no espaço de trabalho, na perspectiva do desenvolvimento humano,
verificando políticas e práticas de gestão de pessoas que contribuem para esse
desenvolvimento. Sua realização permitiu reflexões em torno desses processos (aprendizagem
e conhecimento) que ocorrem nos adultos, principalmente por meio de práticas produtivas, os
quais são considerados primordiais para o desenvolvimento do ser humano como ser social,
cidadão crítico e reflexivo, agente de mudanças, além de serem essenciais para a inovação e
competitividade organizacional. A ocorrência constante de aprendizagem e criação de
conhecimentos, assim, contribui, sobremaneira, para o desenvolvimento humano,
organizacional e social.
Para entender os limites, possibilidades, contradições e a complexidade presentes nas
organizações na conciliação da competitividade e humanização, e com isso identificar
oportunidades de desenvolvimento humano nessa conjuntura, foi construído o quadro teórico
de referência, em que a literatura, principalmente das áreas de Administração e Educação
foram revisadas e contribuíram para apreender e abranger a temática. Essa fase correspondeu
ao primeiro objetivo delineado no estudo.
O cotidiano da empresa, objeto do estudo, em termos de caracterização, história,
evolução do negócio, estratégias, princípios, valores, práticas e políticas de gestão, foi
levantado e analisado. À gestão de pessoas foi destinado esforço especial, em que sua
configuração no percurso da empresa foi descrita, assim como os processos da área,
184

especialmente os de treinamento, desenvolvimento e educação, atendendo, então, ao segundo


propósito da pesquisa.
Para alcançar o terceiro objetivo da investigação, o foco da análise voltou-se ao
ambiente de trabalho, aos conhecimentos e às aprendizagens promovidos pela empresa no
sentido de perceber as contribuições dos mesmos ao desenvolvimento do trabalhador em sua
totalidade. Para isso a interpretação dos depoimentos dos atores sociais e o estabelecimento de
relações com a realidade organizacional e o quadro teórico foram cruciais.
A aprendizagem organizacional na perspectiva do desenvolvimento humano está
atrelada a uma série de fatores, o primeiro deles é a consciência que a organização precisa ter
que é constituída por uma coletividade de seres humanos únicos e multidimensionais,
subjetivos e objetivos, pensantes e executantes, complexos e antagônicos e, acima de tudo,
inconclusos e imperfeitos, portanto, sua natureza é ambígua, paradoxal, histórica e subjetiva e,
na contemporaneidade, convive com indeterminismo, contradições, pluralidades,
complexidade e o caos de maneira mais intensiva.
O indivíduo por ser inacabado está em constante busca de ampliar o seu potencial
criativo, afetivo, cognitivo, moral, profissional e social e, é na atividade produtiva que esse
alargamento é mais ativo, por ser central na construção da identidade pessoal e social. Ao
fazer, o indivíduo se faz e se transforma, tendo o trabalho caráter pedagógico. As experiências
profissionais, assim, devem ser significativas e libertadoras no sentido de contribuírem na
emancipação do sujeito e no desenvolvimento de suas múltiplas dimensões.
A educação, deste modo, está presente ao longo de toda vida, cujas aprendizagens
necessitam permitir a pessoa conhecer, fazer, viver junto e ser. O conteúdo apreendido, então,
não pode ficar restrito a conhecimentos técnicos e instrumentais, deve contemplar
conhecimentos conceituais, tácitos e explícitos, que contribuam no incremento de atitudes,
posturas, habilidades e competências amplas que dê condições para o trabalhador transformar
a sua forma de pensar, agir e ser.
Para a aprendizagem transcender a aquisição, acúmulo e reprodução de conhecimentos
operacionais, o processo pelo qual ela ocorre desempenha papel crucial. Depende da presença
e estímulo dos circuitos duplo e triplo de aprendizagem, bem como do ciclo – experiência,
observação, reflexão, ação –, pois é a partir deles que o aprendiz poderá ampliar seu
pensamento e criatividade, formar novos modelos mentais, testá-los, incorporando os
significativos para a sua profissão e sua vida. O fato de ele fazer essas escolhas fortalece a sua
autonomia, a sua emancipação e o seu desenvolvimento.
185

Os fatores delineados estão conectados com as políticas institucionais e os processos


de gestão de pessoas e são principalmente estes que denotam se a empresa configura-se numa
organização tradicional ou aprendiz. Nas aprendizes, em maior ou menor proporção e dentro
das fronteiras inerentes a todas as organizações, as diretrizes contemplam o aspecto
econômico e o social, as dimensões humanas são valorizadas, a gestão é processual e
relacional, os interesses individuais são integrados aos institucionais, há preocupação com a
educação permanente dos funcionários por meio da educação corporativa instituída em seus
centros de treinamento, desenvolvimento e educação, existe uma cultura, ambiente e
estratégias voltados ao aprendizado.
As organizações aprendizes, portanto, possuem uma forma própria de ser e agir que
estimula o desenvolvimento pessoal, profissional e social dos trabalhadores e promove a sua
longevidade e competitividade. A Figura 14 faz um esforço de ilustrar os diversos fatores,
apontados pela literatura e corroborados neste estudo, que influenciam nesse processo e que
poderão ser levados em consideração em futuras pesquisas em torno da temática.

Ser Humano
uno, multidi-
mensional e
Trabalho inacabado Educação
decente e ao longo da
significativo vida

Aprender a
conhecer,
Conciliação fazer, viver
do econômico juntos e ser
e do social

Desenvolvimento
Lógica
Humano Experiência
observação
emancipatória no Âmbito reflexão
Organizacional ação

Gestão Ciclo duplo


processual e triplo de
relacional aprendizagem

Cultura,
ambiente e
Gestão do
estratégias de Paradigma de conhecimento
aprendizado aprendizagem,
Educação
corporativa

Figura 14 – Protótipo do desenvolvimento humano no âmbito organizacional


186

O caso estudado evidenciou que, em quase 60 anos de atividade, a empresa


desenvolveu estratégias importantes para o ramo do varejo, cultivou valores institucionais
fortes, oriundos das gerações anteriores da família e da origem italiana, dentre eles a cultura
empreendedora para o comércio, a disciplina, a ética e o comprometimento. O processo
gerencial, apesar de, até o momento, ter proporcionado a perpetuidade e crescimento do
negócio, é pautado, preponderantemente, pela concepção taylorista-fordista, com foco no
comando e no controle dos processos e das pessoas, refletindo o pensamento administrativo
tradicional, arraigado na racionalidade funcional. O estilo sistêmico-controlador de gestão,
então, prevalece no empreendimento investigado.
A gestão de pessoas é uma das estratégias macro do empreendimento e é realizada por
meio dos processos de recrutamento e seleção, cargos e salários, benefícios e treinamento e
desenvolvimento, com predomínio das abordagens funcionalista e estratégica, integrando
políticas de pessoal com planejamento estratégico e elaborando metodologias e
procedimentos para orientar e controlar o comportamento humano. As práticas adotadas, de
maneira geral, elevam a satisfação e o comprometimento dos funcionários com a empresa, na
medida em que possibilitam aos mesmos a conquista de suas faltas, sejam de ordem
fisiológicas, de segurança, sociais, de auto-estima e/ou de auto-realização. Um ambiente
familiar e agradável de interação, em que as relações se estabelecem de maneira informal,
com respeito e valorização às pessoas, bem como a oportunidade de crescimento profissional
por meio de promoções internas, foram elucidados como geradores de satisfação. O trabalho
assim, é significativo e fonte de realização pessoal e profissional, o que contribui para a
criação de vínculos afetivos além do material e a ocorrência de aprendizagem. Essas práticas
apontam o interesse da superação de dicotomias presentes nas organizações que privilegiam a
competição ou a humanização.
No que concerne aos processos de treinamento, desenvolvimento e educação
promovidos pela empresa, expressam as abordagens tradicional, comportamental, cognitiva e
construtiva de aprendizagem; entretanto a comportamental prepondera refletindo a concepção
de treinamento convencional em torno de objetos e ações, privilegiando o acúmulo de
conhecimentos técnicos e instrumentais – o saber fazer – ao desenvolvimento de
competências amplas, como a intelectual e o saber ser. As abordagens cognitiva e
construtivista, contudo, por estimularem a reflexão, a interação e a autonomia, podem
contribuir no desenvolvimento humano dos sujeitos. Ao mesmo tempo, há indícios da
presença do paradigma centrado na aprendizagem em contraponto ao treinamento,
especialmente pela empresa oferecer um processo contínuo de educação, em que a
187

metodologia adotada contempla o aspecto prático além do teórico, e esses processos terem
como meta a melhora no desempenho profissional do aprendiz. A empresa, portanto,
demonstra traços de organização tradicional e de organização aprendente.
O G-10, o grupo de leitura, o grupo de desenvolvimento e aperfeiçoamento (GDA), os
encontros de gerentes e de colaboradores, configuram-se como espaços de aprendizagens e de
educação permanente dos funcionários. Esses processos estão ligados à concepção de
Educação Corporativa e ao paradigma da aprendizagem. A empresa, dessa forma, evidencia
preocupações e iniciativas com práticas mais humanizadoras, em que os funcionários possam
exercer o papel de agentes e sujeitos do processo. O fato de ela assumir a formação dos
trabalhadores indica sua apreensão com o aspecto social, além do econômico. Em
contrapartida, os encontros e leituras são orientados pela área de gestão de pessoas e
freqüentemente focados nos objetivos exclusivamente organizacionais, induzindo a atuação
passiva e reativa dos participantes e prejudicando o processo reflexivo dos mesmos. A
reflexão, no entanto, deve ser estimulada, pois é a desencadeadora da aprendizagem, da
geração de conhecimentos, do autodesenvolvimento e do desenvolvimento humano. É ela que
fomentará a atribuição de significado à experiência, a abstração da experiência, a
identificação de novos patamares de conhecimento e de desenvolvimento a serem trilhados,
sobretudo o questionamento de seus modelos mentais.
Em se tratando do conteúdo da aprendizagem, os conhecimentos estão voltados aos
produtos, venda e procedimentos administrativo-burocráticos, e dizem respeito a
competências e aptidões técnicas do funcionamento do negócio e das atividades específicas da
função e, na maioria das vezes, são operacionais (know-how) e explícitos. O conhecimento
conceitual (know-why), que implica na aprendizagem, foi identificado a partir do
desenvolvimento no âmbito pessoal, profissional e social, promovido pela mesma, embora de
forma tímida. A aprendizagem de conhecimentos operacionais contribui para mudanças nas
rotinas, contudo o conhecimento conceitual é essencial para o desenvolvimento humano. Os
trabalhadores, apesar da grande maioria dos conhecimentos referirem-se ao âmbito
profissional e, por isso, pouco contribuir à integração das diversas dimensões da identidade
humana e à compreensão pessoal do sentido da vida e do mundo, sentem-se aprendizes. O
conteúdo da aprendizagem, deste modo, parece ser o principal desafio da empresa a fim de
avançar no paradigma da aprendizagem.
Iniciativas da gestão do conhecimento, por meio da socialização de conhecimentos
tácitos, foram identificadas, essencialmente, em processos de treinamento e desenvolvimento.
A empresa tem estimulado a criatividade e a introdução de novas idéias e práticas, no entanto
188

a cultura em torno de normas, procedimentos padrões, disciplinas, entre outros elementos, tem
inibido o surgimento de novos conhecimentos. Como o trabalho é rotineiro, na maioria das
vezes, os conhecimentos são objetivos, explícitos e já formalizados nos documentos
institucionais e os funcionários dedicam-se a absorver esses conhecimentos.
A aprendizagem exclusiva de laço simples é revelada por meio de ações corretivas em
que os atores sociais estão submetidos. O circuito duplo, de caráter cognitivo, não se expressa
na prática dos sujeitos da pesquisa, bem como a aprendizagem de ciclo triplo que envolve
aprender como aprender. Por outro lado, a empresa é vista pelos funcionários como uma
“escola”, ressaltando que as aprendizagens oportunizadas são para a vida e no sentido de
torná-los melhores, o que pressupõe que as experiências vivenciadas sejam emancipatórias e
extrapolem o ambiente profissional.
O desenvolvimento humano, entretanto, na maioria das vezes, foi confundido com
crescimento, em termos de acúmulo de conhecimentos operacionais e/ou ascensão
profissional na carreira da empresa. O desenvolvimento propiciado pela empresa contempla
os planos pessoal, profissional e social, embora seja mais visível no âmbito profissional. Em
razão de os funcionários estarem comprometidos, inclusive afetivamente com a empresa,
relacionam suas experiências profissionais com desenvolvimento, atribuindo significados
libertadores às aprendizagens vivenciadas. As políticas de gestão de pessoas contribuem
intensamente na geração dessa imagem da empresa e representam uma estratégia de gestão,
pois, apesar de algumas práticas propiciarem a alienação, os atores sociais não as percebem
como tal, porque estão envolvidos com os objetivos organizacionais.
O fato de o indivíduo aprender conhecimentos construtivos de forma contínua
desenvolve-o em suas múltiplas dimensões. Relação intrínseca e extrínseca entre processos de
aprendizagem e desenvolvimento pessoal do adulto apontada pela literatura, parece estar
fragilizada no caso estudado, uma vez que o desenvolvimento humano consiste na
transformação do adulto em relação aos seus pensamentos, comportamentos, atitudes,
aptidões, conhecimentos ou convicções. É a transformação da forma de pensar, agir e
aprender do sujeito, em que a experiência, a reflexão e a autonomia desempenham papéis
cruciais e esses elementos não são suficientemente visíveis nos atores sociais.
A partir dessa base, o estudo permite inferir que a aprendizagem individual, na
perspectiva do desenvolvimento humano na empresa investigada, encontra-se prejudicada
pela predominância do estilo de gestão sistêmico-controlador e da abordagem tradicional e
comportamental de educação, bem como pela cultura organizacional em torno de normas e
procedimentos padronizados, pois essas práticas priorizam a atuação corretiva e adaptativa
189

dos funcionários. Na empresa, apesar de apreensão maior em torno do desenvolvimento do


trabalhador ser demonstrada, muitas vezes, na prática, o que prevalece é a gestão taylorista-
fordista, a qual dificulta a reflexão, a autonomia, a criação de conhecimento tácito e
conceitual, a aprendizagem de ciclo duplo e triplo, a transformação das experiências, o
autodesenvolvimento, o desenvolvimento humano e a aprendizagem organizacional.
As práticas de gestão de pessoas, pelos processos de movimentação, desenvolvimento
e valorização que oportunizam aos trabalhadores, sobretudo os de educação permanente,
acenam a presença do paradigma centrado na aprendizagem, da educação corporativa e da
dimensão social e, por isso contribuem para o desenvolvimento humano.
A empresa, portanto, apesar de seus limites e paradoxos inerentes a todas as
organizações, promove práticas e processos adequados ao desenvolvimento de seus
trabalhadores, especialmente os de formação continuada, merecendo destaque o incentivo à
leitura por meio de grupos institucionalizados e da manutenção de uma biblioteca própria à
disposição dos funcionários. Iniciativas dessa natureza indicam a conciliação entre o
econômico e o social, tornando a organização distinta dos concorrentes e reconhecida como
uma das melhores na gestão de pessoas no ramo em que atua.
Deste modo, a presente investigação colabora no entendimento de que as políticas e
práticas organizacionais que: (1) estimulam a reflexão do funcionário sobre suas experiências
e as dos demais membros, (2) respeitam os significados atribuídos a essas experiências, (3)
instigam o pensamento, a ação e o diálogo de maneira autônoma, e (4) promovem o ciclo de
aprendizado constantemente – experimentar, refletir, formar conceitos, testar conceitos –,
consideradas, pela literatura, ações plenas e de excelência para o desenvolvimento humano,
extrapolam o contexto da racionalidade instrumental e do paradigma de treinamento
convencional, predominantes nas organizações, indicando a necessidade de novas diretrizes
de gestão e a emergência do paradigma centrado na aprendizagem e na razão substantiva.
190

SUGESTÕES

A partir das inferências, reflexões, preocupações e incertezas que acompanharam essa


pesquisa analítica, algumas das quais apreendidas, outras adquiridas e/ou reconstruídas no
percurso, esse tópico dedica-se a delinear algumas sugestões a fim de contribuir com a
empresa em termos de ações gerenciais, e com a academia por meio da indicação de novos
estudos no campo da aprendizagem no universo organizacional.
Com a convicção de que as organizações não podem tudo, mas podem alguma coisa, e
que o desafio delas está em conciliar objetividade e subjetividade, controle e liberdade,
dominação e autonomia e, em última instância, competitividade e humanização, adere-se à
complementaridade e/ou integração, em que um eixo não exclui o outro. Nesse sentido, a
empresa, objeto deste estudo, poderia repensar algumas práticas lineares, pragmáticas e
autoritárias como as adotadas, em alguns casos, em torno das metas de venda, da disciplina e
comportamento dos funcionários e procedimentos administrativo-burocráticos padronizados.
Essas práticas vêm prejudicando a aprendizagem, o autodesenvolvimento e o
desenvolvimento dos trabalhadores ao inibirem iniciativas próprias e a criação de
conhecimentos justamente por destacarem o controle e a técnica.
As referidas práticas são importantes na administração e controle da empresa, mas
poderiam ser melhor equilibradas por meio de acordos comuns, interação autônoma dos
funcionários, além da construção, desconstrução e reconstrução constante dos processos,
porque é esse fazer e refazer que dá espaço à reflexão, à criatividade e à transformação do
pensamento e da ação, importantes meios de aprendizagem e desenvolvimento.
A empresa possui vários processos de formação continuada propícios ao
desenvolvimento de seus funcionários, mas poderiam gerar um resultado mais efetivo,
essencialmente no desenvolvimento cognitivo e conceitual se os mesmos não fossem
balizados pela abordagem comportamental de educação e os participantes tivessem mais
191

autonomia e fossem instigados à criação. No momento, por exemplo, que o Departamento de


Treinamento e Desenvolvimento fornece os materiais para os encontros, com a intenção de
facilitar e dinamizar a reunião, acaba por induzir e contribuir para que os membros
permaneçam passivos no processo. Com isso a reflexão das práticas e experiências se fragiliza
e a discussão fica limitada. Por isso, sugere-se que esses processos tenham como objetivo
principal a reflexão, o diálogo, a criação e a autonomia, que são pontos de partida para o
desenvolvimento de habilidades cognitivas.
Dentre os processos de educação continuada, o incentivo à leitura merece, mais uma
vez, ser destacado, pois, se levado a termo, pode ser considerada uma prática plena para o
desenvolvimento humano. A esse respeito, a sugestão é que a empresa não direcione o
conteúdo a ser lido, mas estimule a leitura do que possa interessar ao sujeito. É importante
que o funcionário tenha liberdade para ler o que deseja e o que é significativo para ele.
Relacionado á educação continuada, ainda, a empresa poderia investir no Ensino
Superior, auxiliando os funcionários que têm interesse nessa formação para que os mesmos
desenvolvam outros pensamentos, pontos de vista, tenham outras experiências, além das
oportunizadas pela formação da empresa. É pertinente lembrar que essa sugestão foi levantada
pelos próprios entrevistados, o que demonstra o seu desejo.
Quanto ao processo de aprendizagem (o que, como, quando e para que aprender), os
momentos formais e informais de interação, discussão, leituras, compartilhamento de
experiência, satisfazem adequadamente o “quando”. A forma de aprender (como), no entanto,
encontra-se limitada por não provocar suficientemente a reflexão do sujeito e, em última
instância, a transformação da experiência. O conteúdo (o que), ao restringir-se, na maioria das
vezes, a conhecimentos técnicos e operacionais com a finalidade (para que) de realizar o
trabalho com eficiência e eficácia, inibe a criação de conhecimentos e sua disseminação. A
sugestão é que a empresa direcione atenção especial ao processo de aprendizagem,
enfrentando suas limitações e contemplando saberes diversos que possibilitem aos sujeitos
visão ampliada de si, da vida e do mundo, e uma metodologia que propicie a reflexão e a
autonomia.
Acredita-se que por meio do estímulo da reflexão e do diálogo e da concessão da
autonomia salientados anteriormente e amplamente corroborados pela literatura, dentro dos
limites da empresa, a mesma pode estar aprimorando o ciclo de aprendizado – experimentar,
refletir, formar conceitos, testar conceitos – e, com isso fortalecendo o desenvolvimento de
conhecimentos, das pessoas e o seu, e proporcionando um ambiente de trabalho ainda mais
decente e emancipatório.
192

Em âmbito acadêmico, a investigação possibilitou elucidar ambigüidades, paradoxos e


a complexidade do cenário da gestão organizacional na promoção do desenvolvimento
humano e social, acenando para a necessidade de novos estudos, novos olhares, reflexões
mais profundas e detalhadas com outros espaços de pesquisa, tornando a temática ainda mais
eminente e legitimando a certeza da sua infinidade.
Este estudo poderia ter continuidade ao abranger os trabalhadores que não possuem
mais vínculo empregatício com a empresa para aprofundar o processo de aprendizagem
individual promovido pela mesma. Caberia um estudo especial em torno da aprendizagem
grupal, pelos processos de formação continuada ocorrerem na maioria em grupo. A
aprendizagem organizacional, em razão dos processos sucessórios vivenciados e a
perpetuidade da empresa no mercado, poderia ser aprofundada, inclusive para identificar se a
aprendizagem em âmbito individual atinge a dimensão organizacional. A gestão do
conhecimento, pelos indícios da criação de conhecimentos ser limitada, também merece ser
pesquisada. Chama a atenção, ainda, o perfil dos gestores em nível tático e estratégico
tornando relevante estudo nesse campo.
A temática da aprendizagem individual, na perspectiva do desenvolvimento humano e
com enfoque analítico e crítico possui lacunas teórico-empíricas, por isso sugere-se que o
estudo seja replicado em empresas com tipologias semelhantes em termos de ciclo de vida,
ramo de negócio, localização geográfica e base familiar. Por ser ainda pouco explorada em
âmbito nacional e internacional, a temática merece ser investigada e aprofundada também em
organizações de setores distintos e sediadas em outras regiões.
193

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205

ANEXOS
ANEXO A: Perfil dos Sujeitos da Pesquisa

Setor Identificação Função/Cargo Sexo Idade Tempo Tempo Formação


Rede empresa (ano) função (ano)
Gestor A Presidente M 63 41 1 Administração de Empresas
Gestor B Fundador M 78 57 - Ensino Médio
Gestor C Diretor RH M 42 17 8 Direito e MBA em Gestão Empresarial
Gestor D Gerente TD F 29 10 5 Administração e Especialização em Gestão de Pessoas
Gerido A Auxiliar de escritório F 25 3 3 Ensino Médio
Gerido B Auxiliar de escritório F 21 3 1 Ensino Médio
Administrativo

Gerido C Auxiliar de escritório F 29 3 2 Ensino Médio


Gerido D Instrutor/TD F 24 1 1 Psicologia
Gerido E Auxiliar de pessoal F 26 7 6 Direito (em curso)
Gerido F Comprador F 32 14 8 Ensino Médio
Gerido G Programador F 33 14 5 Ensino Médio
Gerido H Auxiliar de distribuição M 26 3 3 Ensino Médio
Gerido I Auxiliar de distribuição F 20 1 1 Ensino Médio
Gerido J Auxiliar de distribuição F 24 4 4 Sistemas de Informação (em curso)
Gestor E Gerente de Propaganda F 29 5 5 Publicidade e Propaganda, Especialização em Marketing
Gestor F Diretor M 32 2 2 Administração, com mestrado
Gestor G Gerente de loja F 31 8 2 Direito (em curso)
Rede
A

Gerido L Orientador de venda F 34 7 7 Comércio Exterior (em curso)


Gerido M Orientador de venda M 23 2 2 Ensino Médio
Gestor H Gerente de loja M 38 18 13 Ensino Médio
Rede

Gerido N Vendedor F 40 18 7 Ciências Econômicas (trancado)


B

Gestor I Gerente de loja M 28 5 1 Ensino Médio


Rede

Gerido O Auxiliar de loja M 21 1 1 Filosofia


C

Gestor J Gerente de loja F 31 6 3 Ensino Médio


Rede

Gerido P Vendedor F 25 2 2 Ensino Médio


D

Gestor L Diretor F 47 10 2 Técnico em Contabilidade


Rede

Gestor M Gerente de loja F 26 7 2 Ensino Médio


E

Gerido Q Auxiliar de loja F 21 1 1 Ensino Médio


Dados referente a agosto de 2007
ANEXO B: Roteiro de entrevista com gestores

1. O que motivou você a trabalhar nessa empresa? E, hoje, o que lhe motiva a permanecer
trabalhando aqui?
2. Fale-me sobre seu trabalho, suas atividades.
3. Em sua opinião que papéis um gestor tem perante a empresa e os seus colaboradores?
4. Como você se relaciona com seus subordinados? Como avalia essa relação?
5. Qual a sua opinião sobre o desenvolvimento humano por meio do trabalho?
6. O que você considera um ambiente adequado para aprendizagens e desenvolvimento
humano?
7. Que aprendizagens e conhecimentos são importantes que seus subordinados tenham e/ou
adquiram?
8. Os conhecimentos necessários para o pleno desenvolvimento do trabalho estão com quem
realiza o trabalho, com o gerente, com a diretoria, com a empresa, etc? Como avalia isso?
9. Ao perceber um erro ou problema, como costuma reagir? E seus subordinados?
10. Que princípios norteiam as políticas de gestão de pessoas da empresa? Essas políticas
objetivam o desenvolvimento dos trabalhadores ou a competitividade/lucratividade
empresarial? É possível conciliar ambos os objetivos? De que forma?
208

ANEXO C: Roteiro de entrevista com geridos

Trabalho
1. Quais os significados que o trabalho tem para você?
2. O que motivou você a trabalhar nessa empresa? E, hoje, o que lhe motiva a permanecer
trabalhando aqui? O que significa trabalhar nessa empresa?

Aprendizagem
3. Esse ambiente de trabalho lhe possibilita o que?
4. O que você normalmente aprende aqui? Como? Para que?
5. A empresa facilita que você interaja, dialogue, compartilhe experiências com colegas e
superiores durante o trabalho?
6. O que você aprende no trabalho modifica o seu comportamento como pessoa e como
profissional? Poderia relatar alguma experiência?
7. Você tem oportunidades de participar de treinamentos e eventos oferecidos pela empresa?
O que você aprende neles? Essas aprendizagens são importantes para que?

Conhecimento
8. Você conhece os procedimentos/normas da empresa para realizar seu trabalho? Onde eles
podem ser encontrados? Como é transferido o conhecimento individual e disponibilizado
o organizacional?
9. Você pode desenvolver as atividades da forma como considera melhor ou deve seguir a
risca a forma determinada pela empresa, mesmo que o resultado seja o mesmo?
10. Ao perceber um erro ou problema, como costuma reagir?

Desenvolvimento humano
11. Em sua opinião o trabalhador desenvolve-se no espaço de trabalho?
12. A empresa oportuniza o desenvolvimento de seus colaboradores? Que desenvolvimento
você adquiriu aqui? De que forma?

Gestão
13. Qual sua opinião sobre o tratamento que a empresa dispensa aos trabalhadores e sobre as
ações de formação e capacitação que ela oferece?
14. As políticas e práticas de gestão de pessoas que existem na empresa estimulam o
desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores e/ou a vantagem competitiva
para a empresa?
209

ANEXO D: Roteiro para observações e análise documental

Políticas de gestão e de gestão de pessoas

Cultura organizacional promove ou dificulta o aprendizado do trabalhador

Processos de gestão de pessoas

Práticas de treinamento, desenvolvimento e educação

Ambiente (tempo, espaço e pessoas) adequado para aprendizagem

Tipos de conhecimentos adquiridos pelos funcionários

Promoção de aprendizagem

Existência de desenvolvimento humano


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