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Havia quase um mês desde que a policial chefe da cidade, sra. Bella,
muito amiga de seu pai há anos, veio toda cabisbaixa e contrariada lhe entregar
a ordem judicial. As atividades no ginásio deveriam cessar de imediato e eles
estavam respondendo processo. E perderiam, com certeza. Há mais de uma
década o pai, o sr. Germann, liderava o ginásio da cidade de Seeland de forma
exemplar. Trienne era sua fiel testemunha, nunca o vira falhar, nenhuma vez
sequer, cuidava do ginásio todos os dias, até quando estava doente, e lhe
ensinara desde pequena a fazer o mesmo. Lhe deixava ajudar com tarefas
simples como alimentar os pokémons, auxiliar na parte lúdica de seu
treinamento, além de, por vezes, realizar as visitas guiadas aos turistas. Sabia
tudo sobre cada peça daquele lugar, surpreendendo até aos mais céticos
visitantes com a prontidão e a qualidade das informações que dava a cada nova
pergunta. Sabia até mais do que o pai gostaria, porque às vezes fugia das tarefas
escolares para espiar as batalhas dele às escondidas.
Nunca, nenhuma falha. Até aquele fatídico dia. Durante um de seus
desafios, parte do teto do ginásio desabou e o garoto desafiante quebrou a
perna. Não havia explicação para aquilo além da fatalidade, toda aquela área
passara recentemente por rigorosas reformas para a realização das quais o sr.
Germann atrasou as de sua própria residência. Tudo estava na mais perfeita
ordem e de acordo com todos os protocolos de segurança. Mas um grupo de
energúmenos relatou no laudo da perícia que o acidente ocorrera por falhas na
manutenção. Agora, além da indenização que teriam que dar à família do garoto,
a qual o pai fazia questão de pagar, a Comissão da Liga se aproveitava deste
ocorrido para embargar o ginásio até que uma outra reforma especificada em
contrato fosse realizada. Uma que eles jamais teriam condições de realizar e
que, caso conseguissem, os tesoureiros da liga, de forma muito oportunista,
acrescentariam as benfeitorias realizadas por terceiros em seu patrimônio.
Havia um prazo, quase a vencer, para que tudo fosse acertado. Caso isso
não acontecesse, a família teria que deixar o ginásio com uma dívida gigante e
sem ter para onde ir. Não tinham como conseguir outra casa com estrutura para
abrigar todos aqueles pokémons e nem sustento para eles. Por mais que
pensasse, o pai não conseguia achar solução, até uma semana atrás, quando
um representante comercial da Satz, uma grande empresa de tecnologia, veio
lhe oferecer um acordo de mediação através do qual a empresa compraria da
liga a concessão da propriedade e o sr. Germann e família sairiam sem dívidas.
Mas esta era a morte de um sonho, pois o ginásio seria transformado em uma
extensa área comercial.
O pai viera conversar com ela noite passada. Disse que aceitaria. Trienne
argumentou fervorosamente contra, afinal, nada daquilo era culpa do líder de
ginásio, ela sabia, até mesmo a polícia local sabia, e embora as indenizações à
família do garoto devessem ser pagas, não havia por que perderem todo o
trabalho de uma vida e uma carreira inteira, que exigiu muita dedicação, por um
acidente que não fora sua culpa. Além disso, não conseguia engolir um ginásio
reconhecido como aquele se transformar em um monte de prédios e lojas. Mas
nada adiantara, não havia saída e fariam o acordo.
O cúmulo veio quando viu o nome do pai nos jornais, difamado pela
imprensa e culpado de uma irresponsabilidade que não cometera. Desonrado.
Vários depoimentos mentirosos de antigos desafiantes que nunca conseguiram
ganhar a insígnia, dizendo que o lugar sempre fora malcuidado e que o sr.
Germann tinha a obrigação de arcar com todos os prejuízos, foram parar nas
páginas matinais. Até mesmo um antigo rival e pretendente ao cargo de líder
daquele mesmo ginásio fora à uma emissora local testemunhar contra a conduta
do atual líder.
Não aturaria mais aquilo. Aquela fora sua noite de despedida com
Dewgong, o pokémon do pai com o qual tinha mais afinidade desde criança. Ela
foi até o quarto, abriu a porta e, com lágrimas nos olhos, deu de cara com aquelas
paredes todas pintadas em um caos de figuras. Smeargle, seu próprio pokémon,
lhe esperava em pé sobre a cama, segurando o rabo, que terminava em um
pincel, com a mão, fazendo mais alguns rabiscos sobre a cabeceira. Quantas
vezes pintara e repintara aquele quarto, apenas para que o companheiro
pudesse rabiscá-lo novamente com novas linhas. Trocou de roupa. Tinha
deixado a mochila pronta, chamou o amigo, que atendeu prontamente, e ficou
esperando o pai adormecer na poltrona da sala. Com todo aquele uísque, não
demoraria mais do que meia hora. Dito e feito. Conferiu se não estava se
esquecendo de nada.
E saiu.
Capítulo 2
Trouxera consigo um saco de dormir, mas a última coisa que queria era
passar a noite no bosque. A escuridão, diziam, era total e aquela provavelmente
não seria uma noite de luar. Smeargle vinha sempre ao seu lado, e já
demonstrava também sinais de uma crescente ansiedade. “Calma, parceiro,
vamos ficar bem”, dizia ela, acariciando sua cabeça, entretanto a verdade é que
não tinha certeza nenhuma disso. O sol ainda podia ser visto no horizonte e,
ainda assim, em meio às árvores já estava difícil de enxergar. Por duas vezes
um wurmple roçou em seu pé enquanto caminhava e ela tomou um grande susto.
Pensando bem, achava inclusive que era o mesmo e que ela andava em círculos.
– Claro, por que não? – ela não tinha ideia do que estava fazendo,
desconhecia os protocolos e não sabia se deveria recusar ou não.
Ele até esqueceu de encher sua garrafa, estavam frente à frente, dois
adolescentes, ele não poderia ser muito mais velho do que ela. Dukhen tirou do
cinto uma pokébola e pressionou o seu centro, ao que ela quadruplicou de
tamanho. Quando a abriu, um geodude, pokémon semelhante a uma rocha com
braços, saltou para diante de smearlge.
– Não seja boba. Trouxe comida? Eu tenho bastante, vamos nos sentar e
comer.
– Este pokémon não é meu – explicou ela – é do meu pai, este dewgong
cuida de mim desde que eu era pequena por ordens dele. Eu não ia trazê-lo,
mas ele não permitiu que eu saísse sem ele, bloqueou meu caminho e
empurrava sua pokébola na minha direção com o focinho repetidas vezes, até
eu concordar.
Dukhen riu.
– Menina de sorte, não deveria estar tão insegura com um guardião desse
porte do lado.
– Claro, eu entendo. Você logo vai aprender como se faz. Está indo para
onde?
– Garbord.
Capítulo 3
“A segunda forma é você ter uma família rica que te banque enquanto
você viaja, mas não é o nosso caso, tampouco. Pessoas comuns como nós
providenciam isto – ele mostrou um cartão azul que tirou da carteira – vamos
fazer um para você assim que chegarmos no posto oficial da liga. Com ele,
podemos trabalhar em um regime especial de meio período nos comércios da
cidade e receber por dia. O que também nos dá o direito de dormir gratuitamente
em um dos albergues para viajantes. Eles ficam abertos das oito horas da noite
às nove da manhã, e fornecem um quarto individual de proporções minúsculas,
mas bem confortável. Como o turismo Pokémon movimenta muito dinheiro,
instituições como essas podem existir patrocinadas por empresas que ofertam
produtos destinados a este mercado. Se está acompanhando, já entendeu como
funciona, você toma café da manhã no albergue e almoça no trabalho, o que
permite só gastar com o que for comer à noite e com a comida dos pokémons.”
– Então você come só três vezes ao dia? – foi o que conseguiu perguntar.
– A vida não é fácil para quem resolve explorar este mundão na raça. Ah
– lembrou-se ele, repentinamente – é claro, você só recebe estes benefícios se
estiver com seu currículo escolar em dia, então, semanalmente você receberá
no seu celular o material online preparado pelo estado e as tarefas que precisa
fazer, se em algum momento seu desempenho ficar abaixo da média, você não
pode mais utilizar o cartão e precisa estudar pelo menos por um ano em uma
instituição de ensino presencial.
– Não precisa necessariamente ser tão chato – disse uma voz perto deles.
Quando se viraram, deram com a figura mais exótica que tinham visto.
Um garoto mais alto do que eles, de jaqueta preta, com um enorme estojo de
violão às costas, sobre o qual se empoleirava tranquilamente um farfetch’d.
Agarrado a um dos braços, dormia profundamente um gracioso komala.
– Um o quê?
– O que?
– Olha – disse ele – essas coisas todas vão tornar suas viagens um
verdadeiro inferno. Eu não quero saber de nada disso. Você vai dormir em
albergues e eu vou aproveitar o luar no banco da praça.
– E quando chove?
– Por isso aquele dewgong parecia tão forte – observou Dukhen – você
poderia ter me contado – havia um toque de ressentimento na voz.
– Olha – disse ela – eu realmente agradeço muito o que você está fazendo
por mim. Então, vou lhe contar tudo.
Ela então lhes contou todos os fatos pelos quais a família estava
passando e a injustiça que representavam para ela. Dukhen ficou muito
impressionado ao ouvir tudo aquilo e, tão logo entendeu a importância da
história, perdoou-a instantaneamente pela reserva. Ferd parecia muito irritado.
Ela corou.
– Eu pensei que, como fui criada pelo meu pai e devo a ele tudo o que eu
sei sobre pokémons, se eu conquistasse as insígnias dos outros ginásios eu
provaria o quão digno ele é.
– Mais do que isso – disse ela, ganhando coragem – eu quero provar sua
inocência. A perícia mentiu que o acidente aconteceu por falta de manutenção,
mas não é a verdade. Se eu me tornar uma treinadora influente perante a
Comissão da Liga, posso convencê-los a reabrir o caso e examinar com mais
cuidado. Tenho certeza de que há uma explicação para tudo isso.
– Se vai mesmo fazer isso – disse Dukhen – o caminho é longo, mas vou
te ajudar como puder.
– Eu não sei o que a vida me reserva – era Ferd – mas posso acompanhá-
los por algum tempo. Quanto mais eu viajar, mais posso ganhar dinheiro.
– Você acha mesmo que vai ganhar mais do que alguns trocados tocando
violão nas calçadas? – admirou-se Dukhen.
– Pensei que o combinado era não caçoar dos objetivos dos outros –
rebateu o boa-vida, simulando ofensa. Trienne riu muito com isso.
Capítulo 5
Dito isto, Dukhen levantou-se e foi até onde estavam os pokémons. Todos
se esconderam, com exceção de um, o qual ela supunha ser o que ele apontara
antes. Eles se encaravam, afrontosos. O garoto lançou a pokébola e seu
geodude saltou de dentro dela.
– Eu passei dias observando ele até ser capaz de distingui-lo dos outros
– prosseguiu Dukhen – de repente não era necessário esforço algum, eu sabia
quem era ele a uma grande distância, só pelo seu comportamento em relação
aos outros. Ele também foi se acostumando à minha presença, parecia
interessado em mim, foi assim que eu soube que ele estava pronto para o
desafio.
– Uau – exclamou ela – eu não sabia que era assim tão difícil. Eu resgatei
o meu smeargle perdido numa floresta e ele simplesmente ficou. Ele nem tinha
uma pokébola até que fizemos nossa primeira viagem de avião. Não são
permitidos pokémons soltos a bordo.
Capítulo 6
Era o dia seguinte, no café da manhã, quando Ferd finalmente lhes dera
a notícia que pretendia dar antes.
– Não dá para arriscar esperar mais – disse Ferd, jocoso – a não ser que
você tenha dinheiro o suficiente para o Cruzeiro da Serpente, uma expedição
caríssima de seis meses especial para os treinadores, que percorre toda a
extensão das nove ilhas. Eu ficaria honrado em te acompanhar.
– Estamos partindo mais cedo – disse Dukhen – mas uma vez chegando
lá, teremos tempo até que as festividades comecem.
Isto não teve apenas a vantagem de torná-la mais confiante, como era
costume entre desafiantes presentear o vencedor com algum item que tivesse
disponível, ela ganhou alguns frascos de poções para curar e restabelecer
pokémons, pacotes de vitaminas e o último oponente, um senhor idoso muito
simpático que vivia em uma cabana perto da estrada, presenteou-a com uma
Bola Rápida, um tipo especial de pokébola para pokémons rápidos na fuga.
Capítulo 7
Os ramos farfalhavam com violência quando ele passava, Trienne já caíra
duas vezes ao persegui-lo, suas roupas estavam sujas de lama e repletas de
folhas que lhe grudavam na sujeira. Tinham acabado de chegar a Legrand,
depois de uma agradável viagem de balsa, quando ele começou a lhes
importunar. Trienne e Dukhen encontraram lugar para treinar perto da saída da
cidade, o terreno lá era parte da floresta e muito propício à prática de exercícios
devido ao sobe e desce do chão coberto de grama. As árvores propiciavam boa
zona de sombra fresca e havia um rio próximo.
Contudo, como nada pode ser perfeito, sem que soubesse se era por uma
questão territorial ou simples força do hábito, um fletchinder muito insistente
começou a importuná-los durante as práticas diárias. Ele voava em círculos
fazendo barulho e por vezes dava uma rasante sobre suas cabeças. No primeiro
dia, levou o exeggcutte de Dukhen a nocaute com uma rajada de fogo e, naquela
mesma manhã, roubou com as garras o prendedor de cabelo de trienne.
Presente de sua avó.
Neste exato momento, ele poderia fugir rapidamente voando para longe,
se quisesse, mas após debochar deles fazendo-os embrenhar-se nos caminhos
mais obstruídos de mata para persegui-lo, dava meia volta nos ares e preparava
nova rasante. Era obvio que, como a grande maioria dos pokémons selvagens,
não tinha a intenção de machucar, se o quisesse poderia ter causado sérios
danos a ambos, mas era um importunador extremamente competente.
– Muito bom! – gritou Dukhen, que vinha logo atrás dela – Você pensou
muito rápido usando essa pokébola especial!
– Não pensei – disse ela – resgatando a bola com seu novo companheiro
– quando saí de casa, não me lembrei de levar pokébolas. Esta era a única que
eu tinha.
– Você tem muita sorte às vezes. Não só por ter a pokébola certa na hora
certa, mas também por este pokémon ter gostado de você. Ele vem chamando
sua atenção há dias.
Dukhen e Ferd estavam ambos indo muito bem. Nenhum deles havia visto
Ferd batalhar antes e descobriram que, para seu espanto, era muito bom nisso.
Os dois não estavam longe na tabela e, após acumularem duas vitórias cada,
iriam se enfrentar no dia seguinte, quando as batalhas continuariam. Foram
todos dormir em meio a muitas bravatas e caçoadas dos dois meninos que se
veriam adversários no dia seguinte, mas a descontração era evidente. Por este
exato motivo, ficaram todos muito surpresos quando Ferd não apareceu na hora
da competição e Dukhen venceu por W.O.
Capítulo 8
Habituado ao jeito leviano de Ferd, Dukhen sugeriu que ele poderia apenas ter
dormido demais ou então encontrado bom público para seus dedilhados, achando mais
ventura no dinheiro que receberia dele do que na competição. Eles eram assim, os boas-
vidas tinham por regra a inconstância, viviam o momento. Apesar de tudo, via-se que o
garoto ficara verdadeiramente preocupado, assim como Trienne. Ele não mencionara
tudo o que pensava. Ferd estava determinado a vencê-lo, uma vez que viviam se
provocando, não abriria mão disso tão facilmente.
A preocupação foi tanta, que sua cabeça estava longe e o garoto perdeu na luta
seguinte, nas quartas-de-final do torneio, sem ter feito uma boa batalha. Com Trienne
passou-se o mesmo, distraída, foi facilmente derrotada por um garoto e seu nidorino.
Nem sequer ficaram para o fim do festival; preocupados, correram ao primeiro lugar em
que pensaram: o Centro Pokèmon. E lá estava Ferd, profundamente adormecido em
um sofá, ainda que um grande número de pessoas passassem para todos os lados,
devido ao movimento do grande festival.
- Eu disse que ele estava vagabundeando! - irritou-se Dukhen, à primeira vista
imaginando que a suposição que fizera para tranquilizar a amiga estava correta.
- Vamos perguntar a ele o que aconteceu - disse Trienne.
Os dois garotos foram ao encontro dele. Farfetch’d, que se empoleirava no alto
do encosto do sofá, apoiado ao qual também estava o estojo de violão de Ferd, grasnou
para acordar o treinador. Ele não pareceu surpreso ao ver os amigos ali.
- Bom dia - cumprimentou sem se levantar - como foi o torneio? Venceram?
- Como assim o torneio!? - esbravejou Dukhen - Por que você não estava lá!?
- Fale mais baixo - retaliou Ferd - há outros tentando dormir aqui.
- Não, não há! - tornou Dukhen.
O boa-vida olhou em volta e constatou, com leve surpresa, que de fato a
movimentação do dia já estava acalorada naquele horário. Somente quando ele se
sentou por completo, os amigos perceberam que ele tinha o pulso esquerdo enfaixado.
- Ferd - era Trienne, mais calma, mas séria - ficamos preocupados. Por que você
não foi?
- Certo, certo. Venham comigo - disse o garoto.
Ele levou os dois amigos até uma rua específica, na lateral de um prédio de
quatro andares que se estendia por todo o quarteirão, onde parou.
- Eu estava vagueando pela noite - explicou ele - quando escutei dois indivíduos
discutindo, bem aqui, neste local - ele bateu o pé no chão onde estavam - eu me
aproximei para tentar ouvir. Eram um homem e uma mulher. Ela tinha um sneasel, que
a alertou da minha presença logo quando eu começava a ouvir.
Os dois amigos ouviam com muita atenção, os rostos tesos, como se quisessem
interromper, mas não julgassem ter o direito. Não naquele momento.
- Eu e farfetch’d lutamos contra a moça e o sneasel, mas eles fugiram logo depois
de a batalha ter começado. Tentei persegui-los, mas o sneasel congelou o chão e eu
caí - mostrou o pulso enfaixado.
- Caramba, Ferd - disse Trienne - você não devia ter se aproximado tanto dessas
pessoas. Provavelmente eram criminosos!
- Sem dúvida eram - asseverou Dukhen - você ouviu sobre o que falavam?
- Como eu disse - respondeu Ferd - me atacaram logo quando me aproximei.
Mas eles discutiam um plano, divergiam sobre o modo de executá-lo.
Os dois ouvintes estavam espantados.
- Nossa! - exclamou Dukhen, por fim, soltando um suspiro - Você deu sorte. Eles
pareciam ser barra-pesada.
- Mas - disse subitamente Ferd, interrompendo a surpresa deles com outra
surpresa - eu consegui isto!
Ele mostrou um dispositivo eletrônico redondo um pouco maior que a
circunferência do seu polegar.
- O sneasel estava com ele - completou, aproveitando o pasmo silencioso dos
dois - o farfetch’d roubou usando cobiça.
- O que é isso? - indagou a garota.
- Não sei - disse o boa-vida - conheço alguns amigos que poderiam me dizer,
mas estou muito longe do meu pedaço.
- Uau! - espantou-se Trienne - Foi uma ótima estratégia usar cobiça para
conseguir isso.
Dukhen também achava, apesar de não querer dar o braço a torcer. O rival não
só tivera um bom motivo para abandonar o torneio, como também tinha se saído
brilhantemente em uma noitada perigosa. Ele começava a sentir que, se tivessem
mesmo batalhado, o boa-vida o teria vencido. Esse pensamento o incomodava.
- Bom - prosseguiu Ferd, satisfeito com a surpresa que causara - eu passei o
resto da madrugada no hospital e no Centro Pokémon, cuidando do farfetch’d e da
minha mão. Não dormia há muito tempo quando vocês chegaram.
- Desculpe ter te acordado daquela forma - disse Dukhen.
Não era de dar o braço a torcer quando se tratava de elogiar as habilidades de
um rival, mas sempre reconhecia um mau julgamento. E maus julgamentos, de acordo
com sua índole, sempre requeriam um pedido de desculpas.
- Tudo bem, você teve seus motivos - o garoto afastou o constrangimento com
um abanar de mão; nesse movimento, esqueceu-se da mão machucada, justamente a
que escolheu para o gesto, e a careta que fez pela dor causou risos em todos.
A tensão havia sumido. Salvo por uma leve rivalidade e uma pitada de ciúmes
entre os dois garotos, aquele trio já estava se dando muito bem. Um verdadeiro grupo
de amigos.
- Agora sou eu quem quer as novidades - retomou Ferd - vocês venceram as
competições? Onde estão os prêmios?
Trienne e Dukhen entreolharam-se entre desconfortáveis e divertidos. Se tinham
alguma chance de vencer, o desaparecimento de Ferd a eliminara por completo. Mas o
alívio que agora sentiam em vê-lo bem era maior do que qualquer pesar.