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AGRADECIMENTOS
Como ponto de partida desse trabalho gostaria de agradecer a minha família por ter
sempre me dado força e me apoiado em minhas decisões. Agradecer especialmente a
minha mãe Marcia, que sempre me guiou a fazer o bem e me auxiliou na construção dos
meu valores, bem como sempre batalhou muito para me proporcionar uma educação de
qualidade; ao meu pai Ronaldo, que mesmo não estando mais entre nós deixou seu legado
em minha vida ao ser sempre muito carinhoso e justo, e batalhou ao lado de minha mãe
com o mesmo objetivo; as minhas irmãs mais novas Nathalie e Emilie, que acrescentaram
muito em minha vida desde o dia em que nasceram; e minha avó Marlene, que mesmo
estando internada no hospital em uma situação não favorável transmitiu em mim sua força
e me incentivou a não desistir quando as coisas não estão indo muito bem.
Também agradeço a minha namorada Fernanda por sempre estar ao meu lado nos
momentos bons e ruins, me dando suporte e afago quando necessário e amor todos os dias.
Agradeço por ela ter passado por todo o processo da graduação comigo, sendo sempre
compreensiva e me oferecendo apoio e motivação antes de cada prova e apresentação de
trabalho. Aproveito para firmar meu comprometimento com essa mulher que tanto soma
em minha vida, e que possamos percorrer um longo caminho lado a lado, sempre
auxiliando uma a outra a crescer, tanto individualmente, quanto como casal.
Agradeço ainda as amizades que fiz durante a graduação e que se manteram até o
fim, amizades essas que gostaria de levar para a vida por serem pessoas incríveis e que
fazem me sentir bem. Utilizo desse espaço para ressaltar a saudade que sentirei das
conversas no bar do Olavo e das noites pós-aulas passadas no Baruks na companhia de
indivíduos divertidos e que possibilitam a troca de angústias advindas de situações do
curso. Gostaria de citar Luíse e Simone pela parceria durante a maior parte do tempo em
que estive na universidade, que possamos levar esse trio para a vida e continuar apoiando
uma à outra em nossas carreiras profissionais e pessoais.
Além disso, gostaria de agradecer aos professores que fizeram parte da construção
do meu conhecimento nesses anos, cada um acrescentou muito para que eu pudesse chegar
até aqui e levarei seus ensinamentos para sempre. Quero citar especialmente a Profa.
Rossane por me orientar na construção desse trabalho, e me tranquilizar todas as vezes que
estava aflita durante o processo, bem como a Profa. Bruna que me orientou no estágio
clínico, área que tenho apreço, me passando seu conhecimento da abordagem sistêmica,
utilizada nesse trabalho e em meus atendimentos clínicos.
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Por fim, agradeço a mim mesma por conseguir concluir mais uma etapa de vida,
sempre com muita persistência e garra, mas nunca deixando de cuidar de minha saúde
mental e física. Foram sete anos e meio de muitas perdas a serem superadas, porém de
muitas conquistas a serem comemoradas. Acabo a graduação com o sentimento de
completude e de satisfação por ter escolhido o caminho certo.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO………...........................……………..……………………....…….…….07
OBJETIVOS.......................................................………………………………………….10
REVISÃO DA LITERATUA...................................................................………………...11
Violência doméstica contra a mulher no Brasil........................................................11
Exposição a violência doméstica..............................................................................13
Conceitos da teoria sistêmica...................................................................................15
MÉTODO....................................................................……………...…………………….19
Delineamento...........................................................................................................19
Fontes.......................................................................................................................19
Instrumentos.............................................................................................................20
Procedimentos..........................................................................................................20
Referencial de análise...............................................................................................20
RESULTADOS E DISCUSSÃO...........................…………………...…………………...21
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................………………..……………………..29
REFERÊNCIAS...........................................……………………………………………....30
ANEXO................................................................................................................................35
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RESUMO
INTRODUÇÃO
OBJETIVOS
Objetivo Geral
Identificar possíveis consequências psicológicas presentes em filhos(as) de
mulheres em contexto de violência doméstica, a partir da teoria sistêmica.
Objetivos Específicos
- Caracterizar violência doméstica contra a mulher.
- Descrever aspectos existentes em pessoas expostas à violência doméstica sofrida
por suas mães.
- Elucidar contribuições da teoria sistêmica a respeito da dinâmica que ocorre em
famílias acometidas pela violência doméstica contra a mulher.
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REVISÃO DA LITERATURA
tanto nas relações afetivas, como na esfera política e no trabalho. (Martins, 2015;
Guimarães & Pedroza, 2015).
Em agosto de 2006, criou-se a Lei 11.340, intitulada de Lei Maria da Penha, a qual
possibilitou uma maior atenção e visibilidade a questões que envolvem violência familiar e
doméstica contra o sexo feminino. A Lei Maria da Penha pune os agressores que, de
alguma forma, violentaram mulheres. Com a sua aprovação, tornou-se possível a criação
de diversas políticas públicas, que beneficiam a vítima — ao oferecer proteção, segurança,
auxílio psicológico, entre outros — e buscam reeducar o agressor, com o objetivo de que
este entenda que seus comportamentos são prejudiciais à saúde física e psicológica da
vítima, tendo por finalidade a não repetição dos atos violentos (Elias & Gauer, 2014).
Há necessidade de compreender o conceito de gênero, já que este é considerado um
componente essencial das relações sociais (Kronbauer & Meneghel, 2005). Antes do
movimento feminista se fazer presente, a palavra gênero era considerada uma variação do
binarismo feminino/masculino, homem/mulher, sob perspectiva apenas biológica (Scott,
1995). Com o movimento em vigor, pode-se compreender gênero como uma forma de
representação das construções sociais — papéis atribuídos diferencialmente aos homens e
às mulheres (Scott, 1995).
A violência de gênero é aquela que recai sobre as pessoas em virtude do gênero a
qual pertencem, logo, a violência ocorre diante dos papéis que tanto homens como
mulheres atribuem para si (Strey, 2004). Embora fique claro que ambos possam sofrer
desta violência, visto que o conceito de gênero é amplo, estatisticamente a incidência se dá
em sua maioria sobre as mulheres. Culturalmente, em algumas sociedades, ela é vítima
primaz (Saffioti, 2015). De modo geral, as violentas relações entre homens e mulheres
podem ser vistas como um fragmento das relações sociais, baseadas nas diferenças
culturais implicadas nos gêneros, que buscam afirmar, por intermédio da violência, suas
identidades masculinas e femininas (Minayo, Silva & Gomes 2005).
A violência de gênero pode ser entendida por aquela que os homens cometem
contra as mulheres, sendo o fato de a vítima ser mulher a principal causa da agressão. As
mulheres são agredidas pelo simples fato de serem do sexo feminino, sendo assim, a
violência segue sendo uma forma de dominação desempenhada pelos homens, acarretando
em consequências em toda dinâmica familiar. É possível indagar que, em todos os locais
do mundo, existem mulheres vivendo em condições de desigualdade social em relação aos
homens. Todavia, essas desigualdades não são mais aceitas em silêncio, emergindo
manifestações de grande magnitude contra elas (Casique & Furegato, 2006).
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parceiros que se prejudicam, porque um está emaranhado com a criança, enquanto o outro
é um excluído zangado. Se for assim, as tentativas de incentivar uma disciplina eficaz
provavelmente fracassará, a menos que o problema estrutural seja tratado, e os pais
desenvolvam uma parceria genuína. Os pais mais emaranhados tendem a ser mais
amorosos e atenciosos, passar mais tempo com os filhos e fazer muito por eles.
A estrutura hierárquica, além de sua finalidade de organização, cumpre o papel de
manter a privacidade do casal, dando a eles, além de um posto de segurança, locais
demarcados (Nichols, 2007). Segundo Dias (2011), os indivíduos formam subsistemas
dentro das famílias, sendo o paternal, o fraternal e o conjugal os mais comuns. Esses
subsistemas podem ter sido formados por gênero, interesse, geração ou função. A
organização de subsistemas de uma família fornece subsídios para a quebra de homeostase,
em se tratando do processo de manutenção de sistemas e subsistemas disfuncionais. As
fronteiras de um subsistema são os tópicos que definem quem participa e como participa.
A função da fronteira é proteger a diferenciação do sistema. Cada subsistema familiar tem
funções específicas. Para o funcionamento apropriado da família, as fronteiras dos
subsistemas devem ser nítidas. Devem ser definidas suficientemente bem para que possam
permitir, aos membros do subsistema, claridade em suas funções.
De acordo com Minuchin (1990), a estrutura familiar é a soma invisível de
requisitos funcionais, que visam organizar os modelos de interação do grupo. Uma família,
por ser um sistema que opera através de modelos transacionais, com padrões pré-
estabelecidos, quando os seguem de forma homeostática, tendem a reforçar o sistema. Os
padrões transacionais ordenam o comportamento da família. Alguns são mantidos por dois
sistemas de repressão. O primeiro é genérico, o qual envolve regras universais, que
orientam a organização familiar. Por exemplo, deve existir uma hierarquia de poder, em
que os pais e os filhos têm diferentes níveis de autoridade. Também, seria significativo
existir complementaridade das funções, no qual os cônjuges aceitam a interdependência e a
hierarquia dos membros, operando como uma equipe.
Nichols (2007) discorre sobre a abordagem narrativa, a qual é parte integrante da
teoria sistêmica. Segundo o autor, tal abordagem afirma que todo o conhecimento é visto
como construído, em vez de descoberto, que se preocupa com o modo em que as pessoas
constroem seus significados, a partir das suas experiências, em vez de se preocuparem com
a maneira em que se comportam. A narrativa focaliza cognições autoderrotistas (as
histórias que as pessoas contam a si mesmas sobre seus problemas), com o objetivo de
expandir o pensamento dos clientes, para permitir que considerem maneiras alternativas de
olhar para si mesmos e seus problemas. Isso porque, quando as histórias que as pessoas
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MÉTODO
Delineamento
O escopo da ciência é a verificação da autenticidade de fatos, a fim de comprová-
los, ou não. Para isso, faz-se necessário a utilização de técnicas e métodos de pesquisa.
Tais métodos podem ser definidos como a junção de procedimentos intelectuais e técnicos,
aplicados com o intuito de atingir determinado conhecimento (Gil, 2008).
Método é um conjunto de passos a serem seguidos para se chegar a um fim
previamente planejado. Técnica e método por vezes se confundem, em termos de
conceitualização. Pode-se dizer que o método é constituído por técnicas, onde o primeiro
indica o que fazer, e o segundo como fazer (Galliano, 1979).
Para a elaboração deste trabalho de conclusão de curso, foi utilizada a pesquisa
qualitativa de caráter exploratório e interpretativo. Segundo Flick (2009), a pesquisa
qualitativa investiga os assuntos levando em consideração a subjetividade humana, a partir
da perspectiva de seus componentes previamente escolhidos. Além disso, o autor
acrescenta que esse tipo de pesquisa visa compreender os significados das situações, ao
invés de somente descrevê-las.
A pesquisa exploratória tem como propósito a aproximação e familiarização com o
tema problematizado, para assim torná-lo mais compreensível e levantar suposições acerca
do mesmo (Gerhardt & Silveira, 2009).
De acordo com Gil (2008), as pesquisas bibliográficas são criadas a partir de um
material já existente, composto por artigos científicos e livros. Esse modelo tem por
principal vantagem, o fato de proporcionar ao pesquisador o entendimento de mais
fenômenos, do que se pesquisasse diretamente. E, após as análises das bibliografias e
fontes de estudo, realiza-se a interpretação do material referenciado, objetivando alcançar
significados mais abrangentes aos dados já descritos. Frente a este motivo, principalmente
em pesquisas qualitativas, interliga-se a interpretação com as pesquisas exploratórias.
Fontes
O artefato cultural que foi utilizado como fonte para relacionar a teoria com dados
observáveis é uma reportagem chamada “Filhos da Violência Doméstica”, realizada pelo
programa “Caminhos da Reportagem” da TV Brasil no ano de 2010, produzida por
Eduardo Goulart de Andrade, Mariana Fabre, Paula Abritta, Thaís Rosa, Aline Beckstein e
dirigida por Bianca Vasconcellos. Neste, adultos que foram expostos a violência doméstica
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quando crianças compartilham suas experiências, juntamente com suas mães, as vítimas
das agressões.
Instrumentos
Após assistir a reportagem algumas cenas foram organizadas em uma tabela (ver
anexo) com as principais falas dos protagonistas, visando melhor entender os conflitos
vivenciados na infância. Segundo Laville e Dionne (1999), fazer uso de recortes de
conteúdos possibilita ao pesquisador organizar e reunir elementos essenciais da obra,
integrando-os à revisão da literatura.
Procedimentos
Como ponto de partida a reportagem “Filhos da Violência Doméstica” foi assistida
diversas vezes, após foram selecionadas cenas que foram descritas em uma tabela e
divididas em categorias, visando melhor compreender as consequências psíquicas em
crianças expostas à cenas de violência doméstica, bem como sua relação com a dinâmica
familiar. Os dados foram analisados a partir da análise de conteúdo de Laville e Dionne
(1999).
Referencial de Análise
A análise de conteúdo foi o referencial escolhido. Caracterizado por Laville e
Dionne (1999) como um método que possibilita ao pesquisador um vasto caminho para a
cientificidade, juntamente com a desconstrução de elementos, conteúdos e significados
provenientes dos diversos materiais buscados, objetivando a construção de novos
conhecimentos. Ainda, de acordo com os autores, as categorias foram de modelo aberto,
sendo definidas a posteriori, com o emparelhamento teórico da sistêmica.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
montava a árvore e preparava o jantar, porém a noite sempre terminava com a árvore
destruída, os presentes jogados e a comida esparramada pelo chão. Robson também conta
que não consegue lembrar-se de momentos de carinho, fraternidade e amizade durante sua
infância, e comenta que alguns familiares precisavam dormir na sua casa, pois seu pai
andava por ela a noite com uma faca na mão, e ele enxergava a sombra no corredor
enquanto estava em seu quarto.
Dando continuidade ao relato, Maria de Lourdes, mãe de Robson, narra um
episódio, na cena 8, em que seu ex-marido tentou matar ela e seu filho mais velho com um
revólver, porém Robson pegou as balas e levou-as para longe de casa após seu pai ter lhe
dito que iria matar sua mãe e seu irmão. O agressor, ao perceber que estava sem balas no
revólver, bateu em Maria com o mesmo, a ponto de quase matá-la. Em ambas as cenas, é
possível identificar violência física, já caracterizada anteriormente, e violência psicológica,
definida como ações danosas à auto-estima e ao desenvolvimento da vítima, incluindo
ameaças, humilhações e chantagens. Esta é caracterizada como a violência com maior
dificuldade em ser identificada e usualmente faz com que a vítima sinta-se desvalorizada e
desencadeie crises de ansiedade (Silva, Coelho & Caponi, 2007).
Nos recortes 11 e 14, a terceira família da reportagem narra sua história de
violência. Na cena 11, Ana Cecília conta de uma situação em que seu pai chegou em casa
bêbado no natal e sua mãe, que havia passado o dia inteiro cozinhando, reclamou do fato
dele estar bêbado. Ao ouvir isso, ele deu um soco na mesa, que já estava arrumada, e toda a
comida caiu no chão. Nessa situação, o álcool foi um fator agravante para o
comportamento agressivo. Mota (2013) refere que o consumo de substâncias psicoativas,
dentre elas o álcool, não está diretamente relacionado como causa da ocorrência de
violência doméstica, mas pode ser utilizado como meio para os homens agressores
desenvolverem confiança e desinibição para concretizarem os atos de violência.
No fragmento 14, Ana Cecília relata outro momento em que seu pai utilizou dos
efeitos do álcool para concretizar seus atos violentos — desta vez, agredindo fisicamente
sua mãe, que bateu a cabeça em um tijolo, necessitando fazer de trinta a quarenta pontos.
No momento em que aconteceu a agressão, Eulália, mãe de Ana, botou um pano na cabeça
e colocou os filhos para dormir, avisando que ela sairia, mas voltaria em pouco tempo.
Eulália guarda o pano com seu sangue até hoje como forma dela não esquecer o que
aconteceu e não voltar com seu ex-marido.
Nas cenas 3, 7, 8, 11 e 14 é possível observar padrões de comportamento advindos
dos agressores. Segundo Minuchin (1990), existe um perfil já descrito sobre homens que
maltratam/agridem suas parceiras. Esses indivíduos têm elementos em comum, os quais
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podem ser usados como indicadores de prevalência de maus tratos na família. A lista de
características do personagem agressor masculino repercutem em alguns dos mais rançosos
estereótipos da masculinidade patriarcal. Os itens presentes são, em nível de personalidade:
impulsividade, irritabilidade, intolerância ao estresse e à frustração, déficit de autoestima,
de assertividade e de habilidades sociais, frustração em seu desempenho do que considera
o papel masculino, perfeccionismo, paternalismo, protecionismo, ciúmes, desconfiança,
sentimentos de medo, insegurança e impotência diante da ameaça de perda de poder e de
controle sobre o parceiro. Em nível de conduta, há prevalência de abuso de álcool ou de
outras drogas, antecedentes pessoais de maus-tratos infantis, problemas de relação de casal,
econômicos, trabalhistas e judiciais. E no nível de valores, observa-se autoritarismo,
convencionalismo, tradicionalismo, machismo, retóricas sobre o valor da família,
disciplina e castigo como recursos estratégicos à prevenção ou à solução de problemas
domésticos ou sobre a necessidade de domar e domesticar as más inclinações da parceira.
Para finalizar essa categoria, é importante pontuar que a existência de violência
contra a mulher influencia o desenvolvimento da vida da vítima, causando diversas
consequências que serão prejudiciais à vida da mesma, danificando e comprometendo o
desempenho dos direitos humanos e da cidadania, juntamente com o andamento da parte
socioeconômica de um país (Narvaz & Koller, 2006).
normal”. Bowen (1979) discorre sobre o conceito da diferenciação de self, que diz respeito
ao nível de individuação do sujeito em relação a sua família de origem. Mariane demonstra
dificuldade em afastar-se da lógica da violência, a qual foi exposta durante toda sua
infância e parte da adolescência, porém manifesta clareza em relação aos prejuízos
acarretados pelas agressões, bem como se esforça para diferenciar-se de sua família de
origem.
Na cena 6, Maria de Lourdes, mãe de Robson, está segurando uma foto do dia de
seu casamento. Quando a repórter a questiona o que pensa quando olha para a foto, Maria
responde: “Ah que foi uma vida perdida, eu era uma menina, 16 anos, perdi minha
juventude toda, tinha tudo pra ser uma família feliz, infelizmente não deu”. Maria de
Lourdes demonstra não visualizar um lado positivo em sua história de vida ao utilizar a
palavra “perdida” para caracterizá-la. Pode-se refletir sobre esse trecho da reportagem a
partir da abordagem narrativa, parte integrante da teoria sistêmica, a qual afirma que todo o
conhecimento é visto como construído, em vez de descoberto, e que se preocupa com o
modo em que as pessoas constroem seus significados, a partir das suas experiências, em
vez de se preocuparem com a maneira em que se comportam. A narrativa focaliza
cognições auto derrotistas (as histórias que as pessoas contam a si mesmas sobre seus
problemas), com o objetivo de expandir o pensamento dos pacientes, a fim de permitir que
considerem maneiras alternativas de olhar para si mesmos e seus problemas. Isso porque,
quando as histórias que as pessoas contam a si mesmas levam-nas a construir sua
experiência de maneira prejudicial, elas tendem a mergulhar em problemas. Esse problema,
por exemplo, provavelmente persistirá enquanto tais histórias prejudiciais continuarem
imutáveis (Nichols, 2007).
Na cena 12, Ana relata que tinha muito medo de seu pai por ele ter esse
temperamento: “Só dele falar Ana Cecília eu fazia xixi na roupa, quando falava o nome
completo né”. O conceito de hierarquia é definido como uma estrutura de poder,
envolvendo controle, adaptabilidade e influência. Além disso, inclui uma relação de
controle de tomada de decisões, tanto em eventos cotidianos, como em acontecimentos
esporádicos. A tomada do papel de poder é adaptativa somente em situações que ajudam a
conservar o equilíbrio no sistema familiar. A hierarquia sustenta o funcionamento familiar
saudável apenas quando o casal mantém uma relação igualitária entre si e possui maior
poder do que os filhos, porém sendo flexíveis diante das mudanças que ocorrem em seus
desenvolvimentos (Feldman & Gehring, 1988). O relato de Ana demonstra que a estrutura
hierárquica de sua família tinha como base o autoritarismo, por parte de seu pai, o qual
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utilizava o poder de figura paterna de forma intimidadora, a fim de causar medo em sua
filha pequena.
No fragmento 11, já citado na categoria “contextos da violência doméstica”, Ana
Cecília conta que seu pai não é um homem carinhoso, e cresceu em uma família onde era
normal o homem mandar na casa e agredir a esposa. O pai de Ana repetiu o
comportamento de sua família de origem, visto que todos os homens de sua família agiam
da mesma forma. A teoria de Bowen trabalha com o conceito de transmissão
multigeracional, que se refere ao movimento de passagem de ansiedades e processos
emocionais de geração para geração. Famílias que realizam esse deslocamento tendem a
não fornecer espaço para os filhos efetuarem suas próprias escolhas, que se conformam
com a situação ou se rebelam (Martins, Rabinovich & Silva, 2008).
No fragmento 16, Ana Cecília menciona que tinha muito medo de namorar e de ser
agredida igual sua mãe, até que seu primeiro namorado lhe deu um tapa na cara na frente
de algumas pessoas. No momento que isso aconteceu, Ana percebeu a história se repetindo
e relata: “Eu vi minha mãe sofrer isso, de repente eu levei um tapa na cara por nada? Aí
pra esse menino acabou, aquele dia acabou”. Nessa cena, Ana relata o momento em que
se deu conta de que poderia repetir a história de vida de sua mãe, mas, ao compreender a
situação, conseguiu remediá-la, terminando o namoro e impedindo a transmissão
multigeracional.
Conforme visto na integração das três categorias a exposição à violência doméstica
é um fator desencadeante de diversos traumas nos sujeitos. Foram analisados três casos
diferentes, e cada um dos filhos levou marcas diferentes para a vida adulta, mesmo tendo
presenciado situações similares. Além disso, os três indivíduos demonstram nutrir
diferentes sentimentos em relações aos seus pais agressores. Mariane mantém contato com
o pai e relata gostar dele; Robson realiza o movimento inverso e desde os treze anos nunca
mais viu o pai e diz que ele não significa nada em sua vida; e Ana Cecília declara não ter
contato com o pai, porém sente pena dele por ser do jeito que é. Por fim, os conceitos da
teoria sistêmica foram capazes de abarcar as vivências relatadas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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compreendendo subjetividades assujeitadas. Revista Psico, 37(1), 7-13.
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Contra Crianças e Adolescentes e Mediação de Conflitos (p.37-45). Porto Alegre:
IDEOGRAF.
Preto, M. & Moreira, P. A. S. (2011). Auto-regulação da aprendizagem em crianças e
adolescentes filhos de vítimas de violência doméstica contra mulheres. Psicologia:
Reflexão e Crítica, 25(4). 730-737.
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ANEXO
Cenas Categorias
normal”.
da pessoa”.