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Parafilias e transtornos parafílicos

Carmita Helena Najjar Abdo

Sumário
Introdução e aspectos epidemiológicos
Etiopatogenia (mecanismos fisiopatológicos e fatores de risco)
Quadro clínico e diagnóstico
Critérios diagnósticos
Diagnóstico diferencial e comorbidades psiquiátricas/neurológicas
Exames complementares
Tratamento
Antidepressivos
Outros psicotrópicos
Agentes hormonais antiandrogênicos
Agonistas do hormônio luteinizante (agonistas do LHRH)
Tratamento psicoterápico
Sumário sobre tratamento
Considerações finais
Para aprofundamento
Vinheta clínica
Referências bibliográficas

Pontos­chave
Comportamentos  sexuais  atípicos,  não  necessariamente  patológicos,  fazem  parte  do  repertório  sexual  de  uma
parcela da sociedade.
Transtorno  parafílico  (TP)  é  “uma  parafilia  que  causa  sofrimento  ou  prejuízo  para  o  indivíduo,  ou,  ainda,  uma
parafilia cuja satisfação implica dano ou risco de dano a outro”.
O  DSM­5  estima  em  3  a  5%  a  população  masculina  portadora  de  pedofilia,  reconhecendo  que  a  proporção  em
mulheres é menor. Transtorno exibicionista é estimado em 2 a 4% dos homens; transtorno voyeurístico, em 12%
nos homens e 4% em mulheres; sadismo sexual varia de 2 a 30%.
Inúmeras  teorias  tentam  explicar  a  causa  dos  TP,  incluindo  as  biológicas,  as  sociobiológicas,  as  psicanalíticas  e
as comportamentais. Entretanto, nenhuma mostrou­se conclusiva.
Transtornos  parafílicos  se  iniciam  geralmente  na  puberdade  ou  na  primeira  fase  da  adolescência,  quando  se
manifestam  as  primeiras  fantasias  e  a  atitude.  No  final  da  adolescência/início  da  vida  adulta  consolidam  seu
desenvolvimento, caracterizado por curso crônico.
O comportamento parafílico pode se intensificar em resposta a estressores psicossociais.
Os pacientes não costumam buscar tratamento espontaneamente.
O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na entrevista, no exame psíquico e na anamnese sexual.
Diagnóstico  diferencial  deve  ser  feito  com  os  transtornos  de  conduta,  de  personalidade  antissocial,  obsessivo­
compulsivo, uso de substâncias e álcool, hipersexualidade, disforia de gênero e outros transtornos parafílicos. Há
casos em que estas condições são comórbidas.
Os possíveis mecanismos de ação dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) sobre fantasias e
práticas parafílicas são: inibição da libido, redução da impulsividade, de condutas e fantasias sexuais obsessivo­
compulsivas e de sintomas depressivos subjacentes.
Para todos os TP, combinação de farmacologia e psicoterapia confere melhor eficácia do que a monoterapia.

INTRODUÇÃO E ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS

A  atividade  sexual  depende  de  fatores  físicos,  psíquicos  e  relacionais  que  interagem  em  complexos  e
diferentes  níveis,  determinando  a  nossa  natureza  sexual,  composta  por  sexo  biológico,  identidade  sexual,
papéis  sexuais  sociais  e  orientação  sexual.  A  sexualidade  humana  assume,  portanto,  múltiplas  formas,  em
apresentações normativas e não normativas1.
Controvérsias  em  torno  do  conceito  de  parafilias  e  como  interpretar  as  evidências  vêm  provocando
intensos  debates  sobre  como  diferenciar  tendências  e  transtornos  parafílicos  (TP)  e  como  se  conduzir  e/ou
tratar  essas  condições2­5.  De  modo  geral,  há  pouca  empatia  de  boa  parte  dos  especialistas  com  esses
transtornos sexuais6.
As  parafilias  estão  presentes  em  todas  as  edições  do  Manual  diagnóstico  e  estatístico  de  transtornos
mentais  (DSM)  da  Associação  Psiquiátrica  Americana  (APA).  No  entanto,  nas  duas  primeiras  edições7,8,
foram alocadas na seção “Transtornos da personalidade”. No DSM­III9, migraram à sua própria seção, onde
permaneceram. Ao longo das edições subsequentes, os critérios foram sendo alterados progressivamente. Os
definidores  se  tornaram  mais  comportamentais,  o  que  ajudou  a  reduzir  a  imprecisão,  mas  não  suprimiu  a
necessidade de interpretação do significado das supostas características parafílicas10.
Até as mais recentes classificações da Associação Psiquiátrica Americana11 e da Organização Mundial da
Saúde12, as parafilias eram fantasias, desejos e comportamentos sexuais incomuns que causassem sofrimento
ou prejuízo ou que fossem perniciosas ao próprio indivíduo, a outros ou a ambos. Recebiam denominações
de  “interesse  sexual  atípico”,  “transtornos  de  preferência  sexual”,  “práticas  e  desejos  sexuais  não  usuais”,
“comportamento  sexual  não  convencional”,  entre  outros.  Não  havia  a  diferenciação  entre  parafilias  e
transtornos parafílicos.
Parafilia,  na  quinta  revisão  do  DSM,  é:  “qualquer  interesse  sexual  intenso  e  persistente  que  não  seja  o
interesse sexual na estimulação genital ou nas carícias preliminares, com parceiros humanos fenotipicamente
normais,  fisicamente  maduros  e  capazes  de  dar  consentimento”  (p.  685)13.  Já  o  transtorno  parafílico  (TP)
constitui  “uma  parafilia  que  usualmente  causa  sofrimento  ou  prejuízo  para  o  indivíduo,  ou,  ainda,  uma
parafilia  cuja  satisfação  implica  dano  ou  risco  de  dano  a  outro”  (p.  686)13.  Embora  seja  evidente  porque
alguns  tipos  de  parafilia  se  inserem  nessa  categoria  –  como  a  pedofilia  –  os  valores  subjacentes  a  essas
definições são desafiadores.
Está em discussão se a hebefilia (preferência sexual por adolescentes) deve ser considerada um transtorno
mental  ou  um  fenômeno  evolutivo  que  configura  crime  (mas  não  um  TP).  O  DSM­5  posicionou­se  contra
esta  inclusão  como  um  diagnóstico.  Há  quem  considere  que  atração  sexual  por  púberes  seja  natural  e
evolutivamente adaptativa14, mas há quem discorde veementemente, alegando que atração sexual por garotas
jovens  reduz  o  êxito  reprodutivo,  sendo,  portanto,  mal­adaptativa,  devendo  ser  considerada  um  transtorno
mental15.
Outro  aspecto  em  discussão  é  o  papel  da  fantasia  sexual.  Fantasias,  desviantes  ou  não,  podem  ser
consolidadas  em  atos.  Novamente,  os  pesquisadores  não  são  unânimes16­18.  Estudos  sugerem  que
significativo  número  de  indivíduos  que  se  engajam  em  fantasias  sexuais  desviantes  não  comete  ofensas
sexuais, necessariamente. Entretanto, alguns tipos de fantasias estão relacionados com violência sexual18,19.
Há  indícios  de  que  chats  eróticos  aumentem  o  risco  de  contatos  sexuais  violentos20.  Os  ofensores
sexuais on line podem usar pornografia infantil para alimentar suas fantasias sexuais (são ofensores porque
pornografia  infantil  é  ilegal)  ou  utilizar  a  internet  como  meio  de  contato  com  crianças,  visando  encontros
sexuais17.  Os  dados  disponíveis  são  inconclusivos  sobre  quanto  uma  fantasia  sexual  desviante  está  de  fato
associada a um subsequente ato sexual com criança16,18,21.
Em parte da literatura sobre molestadores de crianças, o termo “pedofilia” é usado como descritor geral,
sem  a  devida  consideração  aos  critérios  diagnósticos22.  Também  a  mídia  popular  tende  a  assim  descrever
molestadores de crianças. Tais aplicações casuais do termo, principalmente por especialistas, não são úteis e
uma distinção precisa ser observada neste capítulo.
A prevalência das parafilias e dos TP na população geral não é conhecida13. O fato de que indivíduos com
TP raramente busquem tratamento contribui para a ausência de dados. Os índices de pacientes parafílicos em
clínicas  e  hospitais  psiquiátricos  e  de  ofensores  sexuais  condenados  não  são  representativos  da  população
geral23. Além disso, algumas práticas parafílicas são caracterizadas como ofensas sexuais e têm implicações
legais,  o  que  inibe  as  respostas  em  estudos  epidemiológicos.  O  amplo  mercado  de
pornografia  hardcore,  apetrechos  parafílicos  e  a  alta  incidência  de  violência  sexual  contra  crianças  e
mulheres sugere que qualquer prevalência esteja subestimada24.
Os TP parecem ser mais prevalentes em homens13,25. Estudos têm confirmado tal situação, mas indicam
que atualmente mais mulheres têm sido identificadas, comparativamente com o que antes era estimado26­28.
A  população  jovem  é  a  mais  acometida,  com  início  na  adolescência  e  curso  crônico.  Transtorno
pedofílico, voyeurístico e exibicionista são os que mais frequentemente se apresentam na prática clínica29.
Quanto  ao  transtorno  pedofílico,  o  DSM­5  estima  em  3  a  5%  da  população  masculina,  reconhecendo
menor  proporção  em  mulheres.  Transtorno  exibicionista  é  estimado  em  2  a  4%  dos  homens,  enquanto
transtorno voyeurístico, em 12% nos homens e 4% em mulheres. Dados sobre transtorno de sadismo sexual
provêm da população forense, variando de 2 a 30%13.
Dados  recentes  revelam  que  comportamentos  sexuais  atípicos,  não  necessariamente  patológicos,  são
praticados por uma parcela da sociedade. Estudo populacional conduzido na Austrália mostrou que 2,2% dos
homens e 1,3% das mulheres haviam se engajado em práticas sadomasoquistas, nos últimos 12 meses. Não
foi  encontrada  associação  com  dificuldades  sexuais  ou  ausência  de  atividade  sexual  convencional30.  Na
Suécia,  3,1%  afirmaram  ter  se  excitado  ao  expor  os  órgãos  sexuais  a  estranhos  (pelo  menos  uma  vez  na
vida),  7,7%  admitiram  excitação  ao  praticarem  voyeurismo27,  enquanto  2,8%  dos  homens  e  0,4%  das
mulheres  relataram  pelo  menos  um  episódio  de  travestismo  fetichista28.  No  Brasil,  30,4%  das  mulheres  e
52,3% dos homens referiram um comportamento sexual não convencional ao longo da vida, enquanto 9,4%
experimentaram  dois  desses  comportamentos31.  Em  outro  estudo  populacional,  62,4%  de  homens  alemães
afirmaram  ter  fantasias  e  comportamentos  parafílicos.  Apenas  1,7%  deles  referiram  sofrimento  com  a
condição e 3,9% consideraram que tais fantasias e comportamentos constituíam um problema32.

ETIOPATOGENIA (MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS E FATORES DE RISCO)

Inúmeras  teorias  tentam  explicar  a  causa  dos  TP,  incluindo  as  biológicas,  as  sociobiológicas,  as
psicanalíticas  e  as  comportamentais.  Entretanto,  nenhuma  mostrou­se  conclusiva.  Alteração  no
neurodesenvolvimento  e  na  concentração  hormonal  durante  o  período  pré­natal,  vulnerabilidade  genética,
lesões  no  lobo  temporal  e  no  sistema  límbico,  diminuição  do  volume  da  amígdala  direita  e  distúrbios
serotoninérgicos  têm  sido  encontrados  em  parafílicos.  Também  se  cogitam  as  hipóteses  de  que  os  TP
resultem de experiências sexuais precoces com adultos, de bloqueio/regressão no desenvolvimento sexual ou
que  pertençam  ao  espectro  dos  transtornos  obsessivo­compulsivos,  das  adições  ou  do  controle  dos
impulsos33­36.
Também há teorias propostas para explicar a elevada vulnerabilidade de homens aos TP: (1) homens são
mais facilmente condicionados por suas experiências sexuais e por objetos associados a essas experiências37;
(2)  mulheres  têm  mais  preferências  sexuais  inatas  e,  portanto,  requerem  menos  aprendizagem  para
estabelecê­las,  resultando  em  menos  desvios  sexuais38;  (3)  mulheres  são  menos  propensas  a  responder  a
estímulos  sexuais  atípicos,  por  não  terem  exposta  a  sua  excitação  sexual  (ou  seja,  um  pênis  ereto)38;  (4)  a
sensibilidade do homem aos estímulos visuais, bem como o forte biofeedback fornecido  pelo  pênis  a  esses
estímulos,  aumenta  a  probabilidade  de  desenvolver  um  fetiche,  cuja  natureza  é  visual39;  (5)  homens  e
mulheres  apresentam  diferenças  na  organização  e  no  desenvolvimento  cerebral,  bem  como  nos  efeitos  dos
hormônios  pré­natais40;  (6)  homens  têm  plasticidade  menos  erótica  do  que  mulheres,  exceto  durante  um
pequeno intervalo durante o desenvolvimento na infância41.
Baumeister41 propõe que, de modo geral, o desejo sexual feminino é mais susceptível do que o impulso
sexual masculino em resposta a fatores socioculturais e situacionais. Sugere que as diferenças de gênero nas
parafilias possam ser explicadas por um breve período de plasticidade durante a infância masculina, seguido
de  padrões  sexuais  razoavelmente  rígidos  (ao  contrário  daqueles  das  mulheres).  Assim,  uma  vez  que  um
fetiche seja desenvolvido durante a infância, será relativamente estável nos homens, mas será mais maleável
nas  mulheres.  Consequentemente,  intervenções  biológicas  nas  parafilias  (tratamentos  medicamentosos)
seriam mais eficazes, porque a atividade sexual masculina responde menos às influências socioculturais, na
vida adulta.
Do ponto de vista psicodinâmico, o parafílico tem sua imagem corporal pouco definida e instável, além
de dúvidas quanto ao tamanho, à posição e ao funcionamento dos órgãos genitais. As perversões masculinas
são  intensas  e  representam  vitória  sobre  a  ameaça  de  castração,  enquanto  as  femininas  são  discretas  e
simbolizam revolta contra o sentimento de inferioridade genital (ressentimento pela castração)42.
Para a teoria psicanalítica, o parafílico (perverso sexual) seria um indivíduo que, por não ter completado
seu  desenvolvimento  no  sentido  do  ajustamento  heterossexual42,  tentaria  escapar  à  ansiedade  determinada
pela  ameaça  de  castração  (pelo  pai)  e  de  separação  (da  mãe),  recorrendo  a  impulsos  sexuais  e  agressivos
“inadequados”43. O mecanismo eleito para tal escape é o que difere uma parafilia da outra. No exibicionismo
e no voyeurismo, em particular, haveria estreita vigilância dos genitais, para aplacar a ansiedade de castração.
O  homem  fetichista,  por  sua  vez,  evitaria  essa  ansiedade:  negaria  que  a  mulher  tenha  perdido  o  pênis,
deslocando seus impulsos sexuais para objetos, por vezes fálicos, como os sapatos femininos.
Os psicanalistas explicam a baixa prevalência de parafilias entre mulheres pela falta de necessidade de
exteriorizar  a  sexualidade  perversa,  dadas  as  oportunidades  cotidianas  de  satisfazer  seus  impulsos  pré­
genitais  de  forma  sublimada44.  Por  exemplo,  a  mulher  pode  exibir  partes  do  corpo  e  usar  adornos
rotineiramente, o que evita que essas atitudes se acirrem e caracterizem um comportamento exibicionista ou
fetichista, respectivamente.
Para  outras  teorias  psicossociais,  a  parafilia  derivaria  de  condicionamentos  infantis.  Uma  criança
molestada  poderia,  então,  tornar­se  um  adulto  receptor  de  abuso  ou  abusador45.  A  convivência  com
parafílicos, a influência dos meios de comunicação e a lembrança de fatos significativos também poderiam
ser responsabilizados46.
Para a teoria do aprendizado, as fantasias parafílicas se iniciam em tenra idade, mas não são reveladas.
Caso  o  fossem,  poderiam  ser  inibidas.  Não  sendo  inibidas,  passam  a  nortear  o  comportamento  sexual,
ocasionando  atos  parafílicos  na  idade  adulta.  Isso  significa  que  a  atividade  sexual  do  parafílico  se
estabeleceria  a  partir  de  fantasias  sexuais  e  da  masturbação;  não  repercutindo  negativamente  e  não  sendo
cerceada, resultaria em diversos tipos de atos46,47.

QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO

O DSM­5 atualizou a classificação dos quadros parafílicos, adicionando o termo “transtorno” (Tabela 1)
àqueles com natureza patológica, e dividindo o grupo em duas categorias13:

1.  Preferência  por  atividade  anômala,  subdividida  em:  transtornos  de  “courtship”  (que  se  assemelham  a
componentes  distorcidos  do  comportamento  humano  de  cortejar/abordar  outros  indivíduos  [objeto
sexual], como voyeurismo, exibicionismo e frotteurismo) e transtornos de algolagnia (que envolvem dor
e sofrimento como finalidade do sexo: masoquismo e sadismo sexual).
2.  Preferência por alvo anômalo, que pode ser em relação a outras pessoas (pedofilia) ou a outros objetos
(fetichismo e transvestismo).

Outros  quadros  de  comportamentos  sexuais  não  convencionais,  sem  natureza  patológica,  não
preenchendo critérios diagnósticos, foram denominados “parafilias”13.
Na  CID­11  também  ocorreu  a  atribuição  do  termo  “transtorno”  a  comportamentos  parafílicos  que  se
caracterizam  por  presença  de  sofrimento  para  o  indivíduo,  dano  ou  risco  de  dano  a  terceiros  e  práticas
sexuais sem consentimento de um dos envolvidos (Tabela 2)48.

Tabela 1  Classificação dos transtornos parafílicos de acordo com o DSM­513
Código Descrição
  Transtornos parafílicos
302.2 Transtorno pedofílico (*)
302.3 Transtorno transvéstico
302.4 Transtorno exibicionista (*)
302.81 Transtorno fetichista
302.82 Transtorno voyeurista (*)
302.83 Transtorno do masoquismo sexual
302.84 Transtorno do sadismo sexual
302.89 Transtorno frotteurista (*)
302.89 Outro transtorno parafílico especificado
302.9 Transtorno parafílico não especificado
(*) Sempre são transtornos parafílicos.
Os demais são transtornos parafílicos se causam sofrimento ou dano.

Tabela 2  Classificação dos transtornos parafílicos, conforme a CID­11
Código Descrição
  Transtornos parafílicos
6D30 Transtorno exibicionista
6D31 Transtorno voyeurista
6D32 Transtorno pedofílico
6D33 Transtorno do sadismo sexual coercivo
6D34 Transtorno frotteurístico
6D35 Outros transtornos parafílicos envolvendo indivíduos sem consentimento
6D36 Transtornos parafílicos envolvendo comportamento solitário ou indivíduos com
consentimento
6D3Z Transtornos parafílicos, não especificados
Fonte: World Health Organization, 201848.

Os TP se iniciam geralmente na puberdade ou na primeira fase da adolescência, quando se manifestam as
primeiras  fantasias  e  atitude.  No  final  da  adolescência  e  no  início  da  vida  adulta  consolidam  seu
desenvolvimento,  caracterizado  por:  curso  crônico  (comportamento  sexual  atípico  se  mantém  ao  longo  da
vida); obrigatoriedade de estímulos parafílicos para a excitação sexual; sazonalidade (pode haver períodos de
funcionamento sexual que não apresentam interesse parafílico)13. As fantasias e práticas parafílicas tendem a
diminuir de intensidade e frequência com o envelhecimento13,36.
Esse comportamento pode se intensificar em resposta a estressores psicossociais, na concomitância com
outros transtornos mentais ou quando as oportunidades favorecerem13.
Os  acometidos  não  costumam  buscar  tratamento  espontaneamente,  mas  são  pressionados  pela  família,
pelo cônjuge ou por ordem judicial. Contribui para tal, o fato de que parafílicos podem ser egossintônicos
(não  consideram  que  suas  fantasias  e  comportamentos  constituam  um  transtorno,  porque  lhes  proporciona
intensa  satisfação  sexual)49.  Distorções  cognitivas,  culpa  e  constrangimento  em  revelar  as  preferências
sexuais podem minimizar ou negar o quadro parafílico. Tais influências devem ser consideradas, para avaliar
em que medida podem interferir na motivação e na adesão ao tratamento e na prevenção de recaída50.
O  diagnóstico  é  fundamentalmente  clínico,  baseado  na  entrevista,  no  exame  psíquico  e  na  anamnese
sexual. Para a formulação diagnóstica devem ser investigados: desenvolvimento psicossexual, abuso sexual
na  infância  e  adolescência,  percepções  do  paciente  sobre  as  relações  familiares,  primeiras  lembranças  das
fantasias  e  práticas  sexuais,  uso  de  álcool  ou  outras  drogas,  envolvimentos  afetivos,  orientação  sexual,
disfunções sexuais, tipo de estímulos e frequência de masturbação, idade de início dos sintomas parafílicos e
sua  evolução,  atitude  egodistônica  ou  egossintônica,  comorbidades  psiquiátricas,  prejuízo  das  fantasias  e
práticas  parafílicas  sobre  a  vida  familiar,  acadêmica  e  profissional,  presença  e  intensidade  de  sofrimento  e
expectativas do paciente a respeito desse transtorno e do tratamento51.

Critérios diagnósticos

Segundo  o  DSM­5,  interesses  sexuais  atípicos  (comportamentos  parafílicos  consensuais  entre  adultos),
por  si  só,  não  configuram  transtorno  mental  e  não  justificam  ou  requerem  intervenção  clínica.  Entretanto,
quando a parafilia causar sofrimento ou prejuízo ao indivíduo ou resultar em danos pessoais ou risco de dano
para terceiros, configura transtorno parafílico. Portanto, parafilia é condição necessária, porém não suficiente
para esse diagnóstico, o qual se consolida quando a parafilia preencher dois critérios13:

Critério A: especifica  a  natureza  do  interesse  parafílico  (exibicionismo,  pedofilia,  sadismo  sexual,  por
exemplo), expresso por impulsos, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos, por pelo
menos 6 meses.
Critério  B:  ao  manifestar  ou  executar  o  interesse  parafílico  do  critério  A,  o  indivíduo  o  faz  sem  o
consentimento  da  outra  pessoa.  Ou  impulsos  e  fantasias  sexuais  causam  sofrimento  clinicamente
significativo ou prejuízo social, profissional ou em outras áreas importantes da vida.

O critério B deve especificar: (1) se o sofrimento causado pelo interesse sexual atípico não é decorrente
apenas  da  desaprovação  da  sociedade;  (2)  se  o  desejo  ou  o  comportamento  sexual  resulta  em  sofrimento
(psicológico, lesões ou morte) de outro indivíduo, ou envolve pessoas que não querem ou são incapazes de
dar o consentimento legal às práticas parafílicas13.
Além  dos  critérios  A  e  B,  o  DSM­5  inclui  outros,  específicos  para  cada  TP,  como  ilustra  a  Tabela  3,
referente ao transtorno pedofílico.

Tabela 3  Critérios diagnósticos do transtorno pedofílico

A.  Por um período superior a 6 meses, fantasias sexualmente excitantes, intensas e
recorrentes, impulso sexual ou comportamentos envolvendo atividade sexual com
criança pré­púbere ou crianças (geralmente com idade inferior a 13 anos).
B.  O indivíduo agiu sob impulso sexual ou o impulso sexual ou as fantasias causam
sofrimento ou dificuldade interpessoal.
C.  O indivíduo tem no mínimo 16 anos e é pelo menos 5 anos mais velho do que a
criança ou crianças do critério A.
Nota: não incluir indivíduo no final da adolescência envolvido em relacionamento sexual de
longa duração com alguém entre 12­13 anos.
Especificar se:
Tipo exclusivo (atração apenas por crianças)
Tipo não exclusivo
Especificar se:
Atração sexual por meninos
Atração sexual por meninas
Atração sexual por ambos
Especificar se:
Limitado ao incesto
Características de apoio ao diagnóstico: uso intensivo de pornografia que envolva crianças
pré­púberes é um indicador diagnóstico útil para transtorno pedofílico. Este é um exemplo
de que esses indivíduos tendem a escolher o tipo de pornografia que corresponda aos seus
interesses sexuais.
Fonte: adaptada de Associação Psiquiátrica Americana, 201313.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E COMORBIDADES
PSIQUIÁTRICAS/NEUROLÓGICAS

O  diagnóstico  diferencial  dos  TP  deve  ser  feito  com  os  transtornos  de  conduta,  de  personalidade
antissocial, obsessivo­compulsivo, uso de substâncias e álcool, hipersexualidade, disforia de gênero e outros
transtornos parafílicos. Há casos em que estas condições são comorbidades, o que deve ser avaliado13.
Enquanto  alguns  autores  sugerem  que  a  comorbidade  é  baixa36,  outros  referem  altos  índices:  por
exemplo,  93%  de  pedófilos  com  outro  transtorno  do  Eixo  I  e  60%  com  transtorno  de  personalidade
antissocial52.  Chama  a  atenção  a  grande  discrepância  de  índices  de  comorbidades  entre  os  estudos:
transtornos do humor (3 a 95%), transtornos de ansiedade (2,9 a 38,6%) e transtornos de personalidade (33 a
52%)53. As comorbidades mais frequentemente citadas em indivíduos com TP são: transtornos do humor, de
ansiedade35,52,54,55,  do  controle  dos  impulsos52,55,56,  de  personalidade35,52,54,57,  de  déficit  de  atenção  e
hiperatividade55 e abuso de substâncias psicoativas (especialmente álcool)35,52,54­57.
É comum a comorbidade com um ou mais TP, que pode cursar simultânea ou alternadamente ao longo da
vida. Portadores de transtorno exibicionista, por exemplo, podem apresentar também transtorno voyeurista58,
frotteurista58,59  ou  pedofílico52,58,59  enquanto  em  pedófilos,  as  comorbidades  costumam  ser  transtornos
frotteurista,  voyeurista,  exibicionista  e  sadismo  sexual52,60,61.  Tem  sido  relatada  associação  entre
esquizofrenia e práticas parafílicas, que geralmente ocorrem durante o episódio psicótico62. Nesses casos, não
se faz diagnóstico de transtorno parafílico.
Comportamento  sexual  anômalo,  hipersexualidade  e  interesse  parafílico  também  podem  emergir  de
condições  neuropsiquiátricas,  demências  e  retardo  mental63,66.  Nas  duas  primeiras,  o  comportamento
parafílico habitualmente inicia na vida adulta e contrasta com o padrão de comportamento sexual anterior do
indivíduo.
Lesões nos lobos frontal e temporal, no sistema límbico, nas vias córtico­estriatais e no hipotálamo estão
associadas  à  exacerbação  do  comportamento  sexual63.  Atrofia  das  células  piramidais  do  hipocampo  foi
encontrada  em  homens  não  epiléticos  com  práticas  de  exibicionismo,  pedofilia,  zoofilia  e  travestismo
fetichista64.  Lesões  septais,  hipotalâmicas  e  no  prosencéfalo,  após  o  início  de  esclerose  múltipla,  foram
associadas  ao  início  de  hipersexualidade  e  frotteurismo65.  Aneurisma  cerebral,  infarto  talâmico  bilateral,
tumores no mesencéfalo e no hipotálamo, traumatismo cranioencefálico, síndrome de Klüver­Bucy, doença
de Wilson e doença de Parkinson são outros quadros neuropsiquiátricos em que interesses parafílicos podem
se manifestar63,66.
Estima­se que comportamento sexual inadequado ocorra em 1,8 a 25% dos indivíduos com demência50,67,
devido à doença de Alzheimer, à doença de Huntington e à demência vascular, principalmente.

EXAMES COMPLEMENTARES

Podem  ser  necessários  para  investigar  condições  que  exacerbem  o  interesse  sexual  ou  para  definir
possível tratamento farmacológico: dosagem de testosterona livre e total, hormônios tireoidianos, prolactina,
hormônio  luteinizante,  hormônio  folículo  estimulante,  estradiol,  progesterona  e  testes  para  doenças
sexualmente transmissíveis68.
Exames neurológicos auxiliam, quando houver suspeita de alterações cerebrais que possam desencadear
comportamento  parafílico,  sobretudo  quando  esse  comportamento  diferir  da  história  sexual  do  paciente.
Eletroencelafograma, tomografia computadorizada e ressonância magnética do crânio auxiliam na avaliação
diagnóstica,  uma  vez  que  alterações  neurobiofisiológicas  podem  estar  associadas  ao  comportamento
parafílico69­71.

TRATAMENTO

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