Parafilias e transtornos parafílicos
Carmita Helena Najjar Abdo
Sumário
Introdução e aspectos epidemiológicos
Etiopatogenia (mecanismos fisiopatológicos e fatores de risco)
Quadro clínico e diagnóstico
Critérios diagnósticos
Diagnóstico diferencial e comorbidades psiquiátricas/neurológicas
Exames complementares
Tratamento
Antidepressivos
Outros psicotrópicos
Agentes hormonais antiandrogênicos
Agonistas do hormônio luteinizante (agonistas do LHRH)
Tratamento psicoterápico
Sumário sobre tratamento
Considerações finais
Para aprofundamento
Vinheta clínica
Referências bibliográficas
Pontoschave
Comportamentos sexuais atípicos, não necessariamente patológicos, fazem parte do repertório sexual de uma
parcela da sociedade.
Transtorno parafílico (TP) é “uma parafilia que causa sofrimento ou prejuízo para o indivíduo, ou, ainda, uma
parafilia cuja satisfação implica dano ou risco de dano a outro”.
O DSM5 estima em 3 a 5% a população masculina portadora de pedofilia, reconhecendo que a proporção em
mulheres é menor. Transtorno exibicionista é estimado em 2 a 4% dos homens; transtorno voyeurístico, em 12%
nos homens e 4% em mulheres; sadismo sexual varia de 2 a 30%.
Inúmeras teorias tentam explicar a causa dos TP, incluindo as biológicas, as sociobiológicas, as psicanalíticas e
as comportamentais. Entretanto, nenhuma mostrouse conclusiva.
Transtornos parafílicos se iniciam geralmente na puberdade ou na primeira fase da adolescência, quando se
manifestam as primeiras fantasias e a atitude. No final da adolescência/início da vida adulta consolidam seu
desenvolvimento, caracterizado por curso crônico.
O comportamento parafílico pode se intensificar em resposta a estressores psicossociais.
Os pacientes não costumam buscar tratamento espontaneamente.
O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na entrevista, no exame psíquico e na anamnese sexual.
Diagnóstico diferencial deve ser feito com os transtornos de conduta, de personalidade antissocial, obsessivo
compulsivo, uso de substâncias e álcool, hipersexualidade, disforia de gênero e outros transtornos parafílicos. Há
casos em que estas condições são comórbidas.
Os possíveis mecanismos de ação dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) sobre fantasias e
práticas parafílicas são: inibição da libido, redução da impulsividade, de condutas e fantasias sexuais obsessivo
compulsivas e de sintomas depressivos subjacentes.
Para todos os TP, combinação de farmacologia e psicoterapia confere melhor eficácia do que a monoterapia.
INTRODUÇÃO E ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
A atividade sexual depende de fatores físicos, psíquicos e relacionais que interagem em complexos e
diferentes níveis, determinando a nossa natureza sexual, composta por sexo biológico, identidade sexual,
papéis sexuais sociais e orientação sexual. A sexualidade humana assume, portanto, múltiplas formas, em
apresentações normativas e não normativas1.
Controvérsias em torno do conceito de parafilias e como interpretar as evidências vêm provocando
intensos debates sobre como diferenciar tendências e transtornos parafílicos (TP) e como se conduzir e/ou
tratar essas condições25. De modo geral, há pouca empatia de boa parte dos especialistas com esses
transtornos sexuais6.
As parafilias estão presentes em todas as edições do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais (DSM) da Associação Psiquiátrica Americana (APA). No entanto, nas duas primeiras edições7,8,
foram alocadas na seção “Transtornos da personalidade”. No DSMIII9, migraram à sua própria seção, onde
permaneceram. Ao longo das edições subsequentes, os critérios foram sendo alterados progressivamente. Os
definidores se tornaram mais comportamentais, o que ajudou a reduzir a imprecisão, mas não suprimiu a
necessidade de interpretação do significado das supostas características parafílicas10.
Até as mais recentes classificações da Associação Psiquiátrica Americana11 e da Organização Mundial da
Saúde12, as parafilias eram fantasias, desejos e comportamentos sexuais incomuns que causassem sofrimento
ou prejuízo ou que fossem perniciosas ao próprio indivíduo, a outros ou a ambos. Recebiam denominações
de “interesse sexual atípico”, “transtornos de preferência sexual”, “práticas e desejos sexuais não usuais”,
“comportamento sexual não convencional”, entre outros. Não havia a diferenciação entre parafilias e
transtornos parafílicos.
Parafilia, na quinta revisão do DSM, é: “qualquer interesse sexual intenso e persistente que não seja o
interesse sexual na estimulação genital ou nas carícias preliminares, com parceiros humanos fenotipicamente
normais, fisicamente maduros e capazes de dar consentimento” (p. 685)13. Já o transtorno parafílico (TP)
constitui “uma parafilia que usualmente causa sofrimento ou prejuízo para o indivíduo, ou, ainda, uma
parafilia cuja satisfação implica dano ou risco de dano a outro” (p. 686)13. Embora seja evidente porque
alguns tipos de parafilia se inserem nessa categoria – como a pedofilia – os valores subjacentes a essas
definições são desafiadores.
Está em discussão se a hebefilia (preferência sexual por adolescentes) deve ser considerada um transtorno
mental ou um fenômeno evolutivo que configura crime (mas não um TP). O DSM5 posicionouse contra
esta inclusão como um diagnóstico. Há quem considere que atração sexual por púberes seja natural e
evolutivamente adaptativa14, mas há quem discorde veementemente, alegando que atração sexual por garotas
jovens reduz o êxito reprodutivo, sendo, portanto, maladaptativa, devendo ser considerada um transtorno
mental15.
Outro aspecto em discussão é o papel da fantasia sexual. Fantasias, desviantes ou não, podem ser
consolidadas em atos. Novamente, os pesquisadores não são unânimes1618. Estudos sugerem que
significativo número de indivíduos que se engajam em fantasias sexuais desviantes não comete ofensas
sexuais, necessariamente. Entretanto, alguns tipos de fantasias estão relacionados com violência sexual18,19.
Há indícios de que chats eróticos aumentem o risco de contatos sexuais violentos20. Os ofensores
sexuais on line podem usar pornografia infantil para alimentar suas fantasias sexuais (são ofensores porque
pornografia infantil é ilegal) ou utilizar a internet como meio de contato com crianças, visando encontros
sexuais17. Os dados disponíveis são inconclusivos sobre quanto uma fantasia sexual desviante está de fato
associada a um subsequente ato sexual com criança16,18,21.
Em parte da literatura sobre molestadores de crianças, o termo “pedofilia” é usado como descritor geral,
sem a devida consideração aos critérios diagnósticos22. Também a mídia popular tende a assim descrever
molestadores de crianças. Tais aplicações casuais do termo, principalmente por especialistas, não são úteis e
uma distinção precisa ser observada neste capítulo.
A prevalência das parafilias e dos TP na população geral não é conhecida13. O fato de que indivíduos com
TP raramente busquem tratamento contribui para a ausência de dados. Os índices de pacientes parafílicos em
clínicas e hospitais psiquiátricos e de ofensores sexuais condenados não são representativos da população
geral23. Além disso, algumas práticas parafílicas são caracterizadas como ofensas sexuais e têm implicações
legais, o que inibe as respostas em estudos epidemiológicos. O amplo mercado de
pornografia hardcore, apetrechos parafílicos e a alta incidência de violência sexual contra crianças e
mulheres sugere que qualquer prevalência esteja subestimada24.
Os TP parecem ser mais prevalentes em homens13,25. Estudos têm confirmado tal situação, mas indicam
que atualmente mais mulheres têm sido identificadas, comparativamente com o que antes era estimado2628.
A população jovem é a mais acometida, com início na adolescência e curso crônico. Transtorno
pedofílico, voyeurístico e exibicionista são os que mais frequentemente se apresentam na prática clínica29.
Quanto ao transtorno pedofílico, o DSM5 estima em 3 a 5% da população masculina, reconhecendo
menor proporção em mulheres. Transtorno exibicionista é estimado em 2 a 4% dos homens, enquanto
transtorno voyeurístico, em 12% nos homens e 4% em mulheres. Dados sobre transtorno de sadismo sexual
provêm da população forense, variando de 2 a 30%13.
Dados recentes revelam que comportamentos sexuais atípicos, não necessariamente patológicos, são
praticados por uma parcela da sociedade. Estudo populacional conduzido na Austrália mostrou que 2,2% dos
homens e 1,3% das mulheres haviam se engajado em práticas sadomasoquistas, nos últimos 12 meses. Não
foi encontrada associação com dificuldades sexuais ou ausência de atividade sexual convencional30. Na
Suécia, 3,1% afirmaram ter se excitado ao expor os órgãos sexuais a estranhos (pelo menos uma vez na
vida), 7,7% admitiram excitação ao praticarem voyeurismo27, enquanto 2,8% dos homens e 0,4% das
mulheres relataram pelo menos um episódio de travestismo fetichista28. No Brasil, 30,4% das mulheres e
52,3% dos homens referiram um comportamento sexual não convencional ao longo da vida, enquanto 9,4%
experimentaram dois desses comportamentos31. Em outro estudo populacional, 62,4% de homens alemães
afirmaram ter fantasias e comportamentos parafílicos. Apenas 1,7% deles referiram sofrimento com a
condição e 3,9% consideraram que tais fantasias e comportamentos constituíam um problema32.
ETIOPATOGENIA (MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS E FATORES DE RISCO)
Inúmeras teorias tentam explicar a causa dos TP, incluindo as biológicas, as sociobiológicas, as
psicanalíticas e as comportamentais. Entretanto, nenhuma mostrouse conclusiva. Alteração no
neurodesenvolvimento e na concentração hormonal durante o período prénatal, vulnerabilidade genética,
lesões no lobo temporal e no sistema límbico, diminuição do volume da amígdala direita e distúrbios
serotoninérgicos têm sido encontrados em parafílicos. Também se cogitam as hipóteses de que os TP
resultem de experiências sexuais precoces com adultos, de bloqueio/regressão no desenvolvimento sexual ou
que pertençam ao espectro dos transtornos obsessivocompulsivos, das adições ou do controle dos
impulsos3336.
Também há teorias propostas para explicar a elevada vulnerabilidade de homens aos TP: (1) homens são
mais facilmente condicionados por suas experiências sexuais e por objetos associados a essas experiências37;
(2) mulheres têm mais preferências sexuais inatas e, portanto, requerem menos aprendizagem para
estabelecêlas, resultando em menos desvios sexuais38; (3) mulheres são menos propensas a responder a
estímulos sexuais atípicos, por não terem exposta a sua excitação sexual (ou seja, um pênis ereto)38; (4) a
sensibilidade do homem aos estímulos visuais, bem como o forte biofeedback fornecido pelo pênis a esses
estímulos, aumenta a probabilidade de desenvolver um fetiche, cuja natureza é visual39; (5) homens e
mulheres apresentam diferenças na organização e no desenvolvimento cerebral, bem como nos efeitos dos
hormônios prénatais40; (6) homens têm plasticidade menos erótica do que mulheres, exceto durante um
pequeno intervalo durante o desenvolvimento na infância41.
Baumeister41 propõe que, de modo geral, o desejo sexual feminino é mais susceptível do que o impulso
sexual masculino em resposta a fatores socioculturais e situacionais. Sugere que as diferenças de gênero nas
parafilias possam ser explicadas por um breve período de plasticidade durante a infância masculina, seguido
de padrões sexuais razoavelmente rígidos (ao contrário daqueles das mulheres). Assim, uma vez que um
fetiche seja desenvolvido durante a infância, será relativamente estável nos homens, mas será mais maleável
nas mulheres. Consequentemente, intervenções biológicas nas parafilias (tratamentos medicamentosos)
seriam mais eficazes, porque a atividade sexual masculina responde menos às influências socioculturais, na
vida adulta.
Do ponto de vista psicodinâmico, o parafílico tem sua imagem corporal pouco definida e instável, além
de dúvidas quanto ao tamanho, à posição e ao funcionamento dos órgãos genitais. As perversões masculinas
são intensas e representam vitória sobre a ameaça de castração, enquanto as femininas são discretas e
simbolizam revolta contra o sentimento de inferioridade genital (ressentimento pela castração)42.
Para a teoria psicanalítica, o parafílico (perverso sexual) seria um indivíduo que, por não ter completado
seu desenvolvimento no sentido do ajustamento heterossexual42, tentaria escapar à ansiedade determinada
pela ameaça de castração (pelo pai) e de separação (da mãe), recorrendo a impulsos sexuais e agressivos
“inadequados”43. O mecanismo eleito para tal escape é o que difere uma parafilia da outra. No exibicionismo
e no voyeurismo, em particular, haveria estreita vigilância dos genitais, para aplacar a ansiedade de castração.
O homem fetichista, por sua vez, evitaria essa ansiedade: negaria que a mulher tenha perdido o pênis,
deslocando seus impulsos sexuais para objetos, por vezes fálicos, como os sapatos femininos.
Os psicanalistas explicam a baixa prevalência de parafilias entre mulheres pela falta de necessidade de
exteriorizar a sexualidade perversa, dadas as oportunidades cotidianas de satisfazer seus impulsos pré
genitais de forma sublimada44. Por exemplo, a mulher pode exibir partes do corpo e usar adornos
rotineiramente, o que evita que essas atitudes se acirrem e caracterizem um comportamento exibicionista ou
fetichista, respectivamente.
Para outras teorias psicossociais, a parafilia derivaria de condicionamentos infantis. Uma criança
molestada poderia, então, tornarse um adulto receptor de abuso ou abusador45. A convivência com
parafílicos, a influência dos meios de comunicação e a lembrança de fatos significativos também poderiam
ser responsabilizados46.
Para a teoria do aprendizado, as fantasias parafílicas se iniciam em tenra idade, mas não são reveladas.
Caso o fossem, poderiam ser inibidas. Não sendo inibidas, passam a nortear o comportamento sexual,
ocasionando atos parafílicos na idade adulta. Isso significa que a atividade sexual do parafílico se
estabeleceria a partir de fantasias sexuais e da masturbação; não repercutindo negativamente e não sendo
cerceada, resultaria em diversos tipos de atos46,47.
QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO
O DSM5 atualizou a classificação dos quadros parafílicos, adicionando o termo “transtorno” (Tabela 1)
àqueles com natureza patológica, e dividindo o grupo em duas categorias13:
1. Preferência por atividade anômala, subdividida em: transtornos de “courtship” (que se assemelham a
componentes distorcidos do comportamento humano de cortejar/abordar outros indivíduos [objeto
sexual], como voyeurismo, exibicionismo e frotteurismo) e transtornos de algolagnia (que envolvem dor
e sofrimento como finalidade do sexo: masoquismo e sadismo sexual).
2. Preferência por alvo anômalo, que pode ser em relação a outras pessoas (pedofilia) ou a outros objetos
(fetichismo e transvestismo).
Outros quadros de comportamentos sexuais não convencionais, sem natureza patológica, não
preenchendo critérios diagnósticos, foram denominados “parafilias”13.
Na CID11 também ocorreu a atribuição do termo “transtorno” a comportamentos parafílicos que se
caracterizam por presença de sofrimento para o indivíduo, dano ou risco de dano a terceiros e práticas
sexuais sem consentimento de um dos envolvidos (Tabela 2)48.
Tabela 1 Classificação dos transtornos parafílicos de acordo com o DSM513
Código Descrição
Transtornos parafílicos
302.2 Transtorno pedofílico (*)
302.3 Transtorno transvéstico
302.4 Transtorno exibicionista (*)
302.81 Transtorno fetichista
302.82 Transtorno voyeurista (*)
302.83 Transtorno do masoquismo sexual
302.84 Transtorno do sadismo sexual
302.89 Transtorno frotteurista (*)
302.89 Outro transtorno parafílico especificado
302.9 Transtorno parafílico não especificado
(*) Sempre são transtornos parafílicos.
Os demais são transtornos parafílicos se causam sofrimento ou dano.
Tabela 2 Classificação dos transtornos parafílicos, conforme a CID11
Código Descrição
Transtornos parafílicos
6D30 Transtorno exibicionista
6D31 Transtorno voyeurista
6D32 Transtorno pedofílico
6D33 Transtorno do sadismo sexual coercivo
6D34 Transtorno frotteurístico
6D35 Outros transtornos parafílicos envolvendo indivíduos sem consentimento
6D36 Transtornos parafílicos envolvendo comportamento solitário ou indivíduos com
consentimento
6D3Z Transtornos parafílicos, não especificados
Fonte: World Health Organization, 201848.
Os TP se iniciam geralmente na puberdade ou na primeira fase da adolescência, quando se manifestam as
primeiras fantasias e atitude. No final da adolescência e no início da vida adulta consolidam seu
desenvolvimento, caracterizado por: curso crônico (comportamento sexual atípico se mantém ao longo da
vida); obrigatoriedade de estímulos parafílicos para a excitação sexual; sazonalidade (pode haver períodos de
funcionamento sexual que não apresentam interesse parafílico)13. As fantasias e práticas parafílicas tendem a
diminuir de intensidade e frequência com o envelhecimento13,36.
Esse comportamento pode se intensificar em resposta a estressores psicossociais, na concomitância com
outros transtornos mentais ou quando as oportunidades favorecerem13.
Os acometidos não costumam buscar tratamento espontaneamente, mas são pressionados pela família,
pelo cônjuge ou por ordem judicial. Contribui para tal, o fato de que parafílicos podem ser egossintônicos
(não consideram que suas fantasias e comportamentos constituam um transtorno, porque lhes proporciona
intensa satisfação sexual)49. Distorções cognitivas, culpa e constrangimento em revelar as preferências
sexuais podem minimizar ou negar o quadro parafílico. Tais influências devem ser consideradas, para avaliar
em que medida podem interferir na motivação e na adesão ao tratamento e na prevenção de recaída50.
O diagnóstico é fundamentalmente clínico, baseado na entrevista, no exame psíquico e na anamnese
sexual. Para a formulação diagnóstica devem ser investigados: desenvolvimento psicossexual, abuso sexual
na infância e adolescência, percepções do paciente sobre as relações familiares, primeiras lembranças das
fantasias e práticas sexuais, uso de álcool ou outras drogas, envolvimentos afetivos, orientação sexual,
disfunções sexuais, tipo de estímulos e frequência de masturbação, idade de início dos sintomas parafílicos e
sua evolução, atitude egodistônica ou egossintônica, comorbidades psiquiátricas, prejuízo das fantasias e
práticas parafílicas sobre a vida familiar, acadêmica e profissional, presença e intensidade de sofrimento e
expectativas do paciente a respeito desse transtorno e do tratamento51.
Critérios diagnósticos
Segundo o DSM5, interesses sexuais atípicos (comportamentos parafílicos consensuais entre adultos),
por si só, não configuram transtorno mental e não justificam ou requerem intervenção clínica. Entretanto,
quando a parafilia causar sofrimento ou prejuízo ao indivíduo ou resultar em danos pessoais ou risco de dano
para terceiros, configura transtorno parafílico. Portanto, parafilia é condição necessária, porém não suficiente
para esse diagnóstico, o qual se consolida quando a parafilia preencher dois critérios13:
Critério A: especifica a natureza do interesse parafílico (exibicionismo, pedofilia, sadismo sexual, por
exemplo), expresso por impulsos, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos, por pelo
menos 6 meses.
Critério B: ao manifestar ou executar o interesse parafílico do critério A, o indivíduo o faz sem o
consentimento da outra pessoa. Ou impulsos e fantasias sexuais causam sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo social, profissional ou em outras áreas importantes da vida.
O critério B deve especificar: (1) se o sofrimento causado pelo interesse sexual atípico não é decorrente
apenas da desaprovação da sociedade; (2) se o desejo ou o comportamento sexual resulta em sofrimento
(psicológico, lesões ou morte) de outro indivíduo, ou envolve pessoas que não querem ou são incapazes de
dar o consentimento legal às práticas parafílicas13.
Além dos critérios A e B, o DSM5 inclui outros, específicos para cada TP, como ilustra a Tabela 3,
referente ao transtorno pedofílico.
Tabela 3 Critérios diagnósticos do transtorno pedofílico
A. Por um período superior a 6 meses, fantasias sexualmente excitantes, intensas e
recorrentes, impulso sexual ou comportamentos envolvendo atividade sexual com
criança prépúbere ou crianças (geralmente com idade inferior a 13 anos).
B. O indivíduo agiu sob impulso sexual ou o impulso sexual ou as fantasias causam
sofrimento ou dificuldade interpessoal.
C. O indivíduo tem no mínimo 16 anos e é pelo menos 5 anos mais velho do que a
criança ou crianças do critério A.
Nota: não incluir indivíduo no final da adolescência envolvido em relacionamento sexual de
longa duração com alguém entre 1213 anos.
Especificar se:
Tipo exclusivo (atração apenas por crianças)
Tipo não exclusivo
Especificar se:
Atração sexual por meninos
Atração sexual por meninas
Atração sexual por ambos
Especificar se:
Limitado ao incesto
Características de apoio ao diagnóstico: uso intensivo de pornografia que envolva crianças
prépúberes é um indicador diagnóstico útil para transtorno pedofílico. Este é um exemplo
de que esses indivíduos tendem a escolher o tipo de pornografia que corresponda aos seus
interesses sexuais.
Fonte: adaptada de Associação Psiquiátrica Americana, 201313.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E COMORBIDADES
PSIQUIÁTRICAS/NEUROLÓGICAS
O diagnóstico diferencial dos TP deve ser feito com os transtornos de conduta, de personalidade
antissocial, obsessivocompulsivo, uso de substâncias e álcool, hipersexualidade, disforia de gênero e outros
transtornos parafílicos. Há casos em que estas condições são comorbidades, o que deve ser avaliado13.
Enquanto alguns autores sugerem que a comorbidade é baixa36, outros referem altos índices: por
exemplo, 93% de pedófilos com outro transtorno do Eixo I e 60% com transtorno de personalidade
antissocial52. Chama a atenção a grande discrepância de índices de comorbidades entre os estudos:
transtornos do humor (3 a 95%), transtornos de ansiedade (2,9 a 38,6%) e transtornos de personalidade (33 a
52%)53. As comorbidades mais frequentemente citadas em indivíduos com TP são: transtornos do humor, de
ansiedade35,52,54,55, do controle dos impulsos52,55,56, de personalidade35,52,54,57, de déficit de atenção e
hiperatividade55 e abuso de substâncias psicoativas (especialmente álcool)35,52,5457.
É comum a comorbidade com um ou mais TP, que pode cursar simultânea ou alternadamente ao longo da
vida. Portadores de transtorno exibicionista, por exemplo, podem apresentar também transtorno voyeurista58,
frotteurista58,59 ou pedofílico52,58,59 enquanto em pedófilos, as comorbidades costumam ser transtornos
frotteurista, voyeurista, exibicionista e sadismo sexual52,60,61. Tem sido relatada associação entre
esquizofrenia e práticas parafílicas, que geralmente ocorrem durante o episódio psicótico62. Nesses casos, não
se faz diagnóstico de transtorno parafílico.
Comportamento sexual anômalo, hipersexualidade e interesse parafílico também podem emergir de
condições neuropsiquiátricas, demências e retardo mental63,66. Nas duas primeiras, o comportamento
parafílico habitualmente inicia na vida adulta e contrasta com o padrão de comportamento sexual anterior do
indivíduo.
Lesões nos lobos frontal e temporal, no sistema límbico, nas vias córticoestriatais e no hipotálamo estão
associadas à exacerbação do comportamento sexual63. Atrofia das células piramidais do hipocampo foi
encontrada em homens não epiléticos com práticas de exibicionismo, pedofilia, zoofilia e travestismo
fetichista64. Lesões septais, hipotalâmicas e no prosencéfalo, após o início de esclerose múltipla, foram
associadas ao início de hipersexualidade e frotteurismo65. Aneurisma cerebral, infarto talâmico bilateral,
tumores no mesencéfalo e no hipotálamo, traumatismo cranioencefálico, síndrome de KlüverBucy, doença
de Wilson e doença de Parkinson são outros quadros neuropsiquiátricos em que interesses parafílicos podem
se manifestar63,66.
Estimase que comportamento sexual inadequado ocorra em 1,8 a 25% dos indivíduos com demência50,67,
devido à doença de Alzheimer, à doença de Huntington e à demência vascular, principalmente.
EXAMES COMPLEMENTARES
Podem ser necessários para investigar condições que exacerbem o interesse sexual ou para definir
possível tratamento farmacológico: dosagem de testosterona livre e total, hormônios tireoidianos, prolactina,
hormônio luteinizante, hormônio folículo estimulante, estradiol, progesterona e testes para doenças
sexualmente transmissíveis68.
Exames neurológicos auxiliam, quando houver suspeita de alterações cerebrais que possam desencadear
comportamento parafílico, sobretudo quando esse comportamento diferir da história sexual do paciente.
Eletroencelafograma, tomografia computadorizada e ressonância magnética do crânio auxiliam na avaliação
diagnóstica, uma vez que alterações neurobiofisiológicas podem estar associadas ao comportamento
parafílico6971.
TRATAMENTO