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Adriano Codato
Fernando Leite
Universidade Federal do Paraná
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RESUMO
Propomos um modelo de análise para mapear o campo da ciência política
brasileira contemporânea. Pretende-se verificar se há instâncias (agentes,
instituições e “escolas” teórico-metodológicas) hegemônicas no campo e, em
caso afirmativo, nomeá-las. Essas instâncias estão distribuídas e
hierarquizadas conforme a posse de certas espécies de capital (capital
propriamente acadêmico, capital político, capital institucional etc.). Lançamos
mão de várias fontes para revelar as posições de agentes, “escolas” e
instituições de modo a verificar se há ou não instâncias dominantes no campo.
Esse modelo implica na análise: i) da produção acadêmica da ciência política
brasileira; ii) da evolução dos currículos dos principais programas de pós-
graduação da disciplina e iii) da história dos principais agentes (a “elite”) e
instituições do campo.
INTRODUÇÃO
É de conhecimento de todos que o meio acadêmico é um espaço social
como qualquer outro. Como qualquer espaço social, ele é formado por
indivíduos que se relacionam socialmente e através de instituições socialmente
produzidas. Como todo e qualquer espaço social, o meio acadêmico é
atravessado, de alto a baixo, por lutas. Contudo, essas são lutas específicas e
isso confere ao meio acadêmico uma forma que lhe é peculiar, permeado por
valores, representações e visões de mundo também específicas.
Sendo um espaço social, o meio acadêmico possui uma lógica
propriamente social ou, em outras palavras, uma sócio-lógica. Portanto, ele é
também (ou deveria ser) um objeto de estudos da Sociologia. Não há razão
lógica ou científica para excluí-lo do escopo da investigação sociológica. Por
isso mesmo, chama a atenção a ausência de uma Sociologia da profissão
daqueles cuja profissão é fazer Sociologia.
Essa ausência é tanto mais importante quando se sabe que a análise
sociológica das ciências sociais possui um mérito especial, pois confere
reflexividade à disciplina. A reflexividade, neste caso, significa a capacidade de
um agente social olhar para si mesmo de forma objetivante, no intuito de
descobrir e trazer à consciência, ou mais exatamente, revelar os
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Embora as instituições constituam uma das três instâncias do campo, nosso foco, nesta etapa
da pesquisa, recairá sobre os agentes e as “escolas”. Isso se dá pela imensa dificuldade de se
identificar cientificamente a hierarquia das instituições a partir de nosso modelo. Logo, nesta
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Entendemos “dominante” como aquela instância ou fração do campo que (1) impõe às outras
instâncias ou frações do campo a sua visão de mundo como as “regras do jogo” e como os
princípios segundo os quais se hierarquiza e se valoriza os bens e os agentes em jogo, (2)
incutindo nos dominados a sua visão e valores (sem, contudo, fornecê-los os esquemas e os
instrumentos necessários para realizar e acumular adequadamente essa visão e esses
valores); (3) e que impõe seus valores como os valores legítimos, isto é, tendo sua posição
superior na hierarquia reconhecida positiva ou negativamente mesmo por aqueles que não
possuem esses valores. Como se percebe, quando falamos em “hegemônico” nos referimos a
uma posição hierárquica superior, definida a partir do monopólio ou oligopólio dos recursos
mais valorizados, sem, contudo, designar esse mecanismo tácito de dominação.
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poder simbólico. Não é fácil provar cientificamente que uma instância qualquer
de um campo é “dominante” no sentido ‘praxiológico’ (BOURDIEU, 1983b, p.
47) ou mesmo no objetivista.
Além disso, investigar a existência das frações hegemônicas é uma
forma de ter acesso ao campo, identificando seus valores correntes e recursos
socialmente eficazes e mapeando sua hierarquia. Como temos a pretensão,
numa etapa posterior, de explicar as causas da composição de certas frações
dessa hierarquia, esse mapeamento precisa antecipar as etapas da pesquisa
referentes à construção de indicadores capazes de detectar e reconstruir
adequadamente a estrutura do campo tanto a partir das manifestações
subjetivas (dos grupos e indivíduos) como por meio de critérios objetivos
(oriundos da lógica das instituições sociais).
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Usamos, neste trabalho, uma acepção restrita do conceito de “agente social”. Tal conceito
usualmente se refere a qualquer instância socialmente condicionada da realidade social que
produz efeitos socialmente pertinentes. Assim, indivíduos, grupos e mesmo instituições, por
exemplo, podem ser indicados pelo conceito de “agente”. Em nossa acepção, restringimos o
conceito de “agente” aos indivíduos e grupos socialmente condicionados e que produzem
efeitos sociais pertinentes.
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Com a exceção óbvia de “Opinião Pública”, que teve sua primeira publicação em 1993.
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tende a ser verdade reciprocamente. Isso pode não ser verdade para todas as
orientações teórico-metodológicas (produtos culturais), já que pode haver
intelectuais famosos cujo pensamento está fora de moda; mas em algum
momento houve a correspondência entre o prestígio de um agente e o prestígio
de uma orientação; e uma “escola” famosa certamente possui acadêmicos
prestigiados.
Isso é lógico pela própria natureza do mundo social, em que esses
elementos estão integrados e são inseparáveis. Colocá-los em relação é, na
verdade, uma condição para nos aproximarmos da realidade. Mas isso não é
igual a dizer que as hierarquias sejam necessariamente correspondentes: a
exata maneira como se relacionam e o grau em que correspondem deve ser
averiguado por meio da pesquisa.
Uma análise diacrônica, da evolução daqueles aspectos dos programas
analisados, também deve fornecer informações importantes sobre a dinâmica
das hierarquias. De preferência, essa análise deve ser feita desde a gênese
dos programas de pós-graduação analisados; ou, pelo menos, a partir de
hipóteses e impressões sobre a história do campo, baseados na literatura
existente a respeito.
Por fim, é interessante comparar tais elementos dos programas de pós-
graduação da Ciência Política brasileira aos de outros países da América
Latina.
iii. Agentes, “escolas” e instituições
Análise da história dos principais elementos do campo em função do
problema e das hipóteses de pesquisa, ou seja, das trajetórias acadêmicas dos
principais agentes do campo e da constituição das principais instituições de
ensino e pesquisa em Ciência Política.
Vamos ater a nossa atenção, inicialmente, à constituição do grupo de
cientistas políticos mineiros e cariocas e do importante eixo UFMG-Iuperj, a
partir dos anos 1960 (FORJAZ, 1997) e aos “grupos” filiados sucessivamente à
USP e à Unicamp.
A principal forma de tratar a história do campo nesta pesquisa é como
uma história das lutas sucedidas no interior do campo, entre os agentes,
“escolas” e instituições, a partir de uma dada posição e de uma dada
disponibilidade de recursos (poder) do qual dependeram as estratégias de cada
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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