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1994+ +Tatuagem+e+Sedução+ +Viver+Psicologia
1994+ +Tatuagem+e+Sedução+ +Viver+Psicologia
Tatuagem e Sedução
parte porque ela é encarada pelos pais geralmente como um ato de confrontação. Tais
grupos, principalmente os juvenis, parecem viver de forma radical o paradoxo que
atravessa a constituição da subjetividade moderna. Grosso modo poderíamos definir este
paradoxo da seguinte forma, se exige que o indivíduo seja, ao mesmo tempo, igual a
todos os outros e absolutamente diferente de todos os outros, único. Os grupos onde
normalmente prolifera a tatuagem parecem resolver tal dilema acentuando radicalmente
as igualdades entre seus elementos e marcando sua absoluta diferença com relação ao
restante da sociedade.
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DUNKER, C.I.L. – Tatuagem e Sedução. Viver Psicologia, 1994,
Este efeito, capturante do olhar, promovido pela tatuagem produz uma espécie
paradoxal de satisfação,ou aquilo que a psicanálise chama de gozo. Satisfação que não se
reduz ao prazer, mas cujo melhor exemplo é a satisfação obtida pelo masoquista. Efeito
similar leva a formação de rodinhas em torno de um acidente de automóvel ou despertar
a atenção em torno de uma tragédia qualquer, efeito de captura do olhar. Efeito de
satisfação que pude observar na face de júbilo de uma criança da tribo Bororo ao ter sua
pele atravessada por um pedaço de madeira, durante um ritual de passagem. Pois bem, há
um gozo deste tipo envolvido na tatuagem, desde a sua confecção, que implica em dor,
até o seu efeito sedutor. No caso da sedução o gozo se dá na insinuação, no dar a ver o
corpo, ou no invadi-lo com um olhar. Há ainda o gozo do entre-visto ou do entre-dito, da
ambigüidade da significação em jogo. A tatuagem realiza no registro do olhar o que a
cantada representa no domínio verbal. Ora, se arqueologicamente a tatuagem se liga à
marca do proibido (e do permitido por outro lado), nada mais sedutor que a insígnia da
lei sugerindo sua ultrapassagem pela transgressão. Neste sentido ninguém faz uma
tatuagem para si, mas para o olhar do outro. De fato a sedução vale mais pelo que
esconde e sugere do que pelo que mostra, é um exercício que se poderia conceber como
um fim em si mesmo. A tatuagem, na vertente da sedução fetichiza o corpo, o que é
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DUNKER, C.I.L. – Tatuagem e Sedução. Viver Psicologia, 1994,
próprio de nossa cultura. Fetiche, como já se observou muitas vezes, vem de feitiço.
Assim a tatuagem como que enfeitiça o corpo, aliás como inúmeras outras técnicas de
embelezamento.
Neste registro cabe mencionar o célebre caso clínico conhecido como "o homem
da caneta Bic". Tratava-se de um homem que para poder manter relações sexuais com
sua mulher precisava desenhar no corpo dela certos sinais arbitrários a que chamava de
tatuagens. Este ritual se iniciara quando ele era jovem e certa vez tomou um carimbo da
fábrica do pai e "tatuou" o peito e as coxas. Em seguida sobe numa árvore e brinca de
Tarzã, temendo e desejando ser olhado pelos operários da fábrica. Então volta ao
escritório e se masturba. Dizia: "Se elimino as tatuagens, tenho medo de não ter mais
sexo". É claro que este caso não traduz a montagem que envolve a maioria das tatuagens
mas seus elementos fundamentais parecem estar presentes: a sedução, a procura do olhar
do outro e a sua relação com o casamento, filiação e exercício da sexualidade.
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