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carta enviada por Einstein para o Premio Nobel da Paz de 1995. Fernando de Souza Barros
Russell, em 11 de abril de Alguns aspectos especiais, que Instituto de Física/UFRJ1
1955, concordando com os serão abordados a seguir, são relevan- e-mail: fsbarros@if.ufrj.br
termos do Manifesto, contêm sua tes para a história do Manifesto: (1) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

última assinatura em um documento Por que Russell teve que apelar para
público. Sua morte em 18 de abril, Joseph Rotblat, na época um jovem
sete dias após, de certa maneira preci- cientista excluído da ciência “oficial”
pitou a divulgação do Manifesto e inglesa, para presidir a divulgação do
contribuiu para seu impacto imediato. Manifesto? (2) Quais os atores origi-
A divulgação do Manifesto por Ber- nais da proposta da conferência inter-
trand Russell para a imprensa interna- nacional que aparece no primeiro
cional foi presidida por Joseph parágrafo do Manifesto? (3) Por que
Rotblat, o mais jovem cientista entre Niels Bohr não assinou o Manifesto?
os onze assinantes. A época do Mani- (4) Por que Otto Hahn, que há muito
festo foi caracterizada pela perspectiva tempo vinha se opondo ao uso militar
do desenvolvimento de arsenais das da energia nuclear, além de não assi-
bombas de hidrogênio, bem mais po- nar o Manifesto liderou a preparação
derosas do que as bombas atômicas de outra declaração, a Declaração de
que destruíram Hiroshima e Nagasa- Mainau?
ki. Foi a era da Guerra Fria, que dividia
o mundo em duas partes. Esses fatores O momento do Manifesto
dificultaram a preparação de um en- Embora o Manifesto Russell-
contro como proposto no Manifesto, Einstein tenha sido um documento
e uma reunião entre cientistas dos que marcou o movimento contra ar-
“dois lados” foi realizado somente dois mas atômicas na década de 1950, vá-
anos após, em um remoto vilarejo rias iniciativas ocorreram após a 2a O manifesto Russell-Einstein foi lançado em
canadense denomi- Guerra Mundial pa- 1955, em plena Guerra Fria. Na época, as duas
nado Pugwash. A última assinatura de ra despertar a opi- superpotências, os Estados Unidos e a União
Posteriormente, a Einstein em um documento nião pública inter- Soviética, acumulavam e testavam seus arsenais
público está na carta de bombas atômicas para uma eventual guerra
atuação de Joseph nacional sobre a nuclear. Os cientistas já previam o enorme poder
Rotblat foi funda- enviada a Bertrand Russell, necessidade de um de destruição dos arsenais nucleares, principal-
mental para a con- em 11 de abril de 1995. Seu sistema internacio- mente das bombas de Hidrogênio, algo desco-
tinuidade dessas apoio tornou o Manifesto nal de controle das nhecido para as populações e seus dirigentes.
Russell-Einstein um marco Era previsível também a possibilidade de lança-
conferências, cujo armas nucleares. mento acidental de mísseis com ogivas nucleares.
propósitos são: (1) na luta pela paz mundial Era evidente, para O manifesto Pugwash contribuiu para alertar
alertar sobre o peri- os cientistas que a opinião pública sobre a grande ameaça que
go dos arsenais nucleares e (2) propor assumiam essas iniciativas, a inca- pairava sobre o mundo civilizado. Seu efeito foi
certamente construtivo, como evidenciado mais
caminhos alternativos para conflitos pacidade das lideranças políticas da tarde, durante a confrontação de 1962, iniciada
entre nações que levem ao desarma- época de compreenderem a magnitude com a tentativa de instalação de mísseis sovié-
mento universal. A série iniciada em devastadora de um conflito nuclear ticos em Cuba. O autor agradece as informações
1957 é reconhecida atualmente como com bombas de hidrogênio2. detalhadas fornecidas graciosamente por
Sandra Ionno Butcher, responsável pelo projeto
as “Conferências Pugwash”. Rotblat A significativa participação de “História do Movimento Pugwash” da organi-
e a organização Pugwash Conferences cientistas dos dois lados do Atlântico zação Pugwash Conferences on Science and World
on Science and World Affairs receberam no projeto original de produção da Affairs”.

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bomba atômica foi conseqüência do nos meios científicos
reconhecimento de que o estágio em da época como filó-
que se encontrava a ciência alemã pos- sofo e matemático,
sibilitaria um empreendimento simi- mas seus ensaios e
lar na Alemanha de Hitler. Após a campanhas pacifistas
verificação de que o programa alemão já causavam impacto
havia fracassado, outros motivos apa- na Inglaterra desde o
receram para justificar o Projeto final da 2 a Guerra
Manhattan. Um dos mais importan- Mundial. Seu primei-
tes, a evidência do poder de destruição ro ensaio, publicado
da arma atômica, obtida com os lan- três dias após a bom-
çamentos de duas bombas sobre cida- ba na cidade de Hiro-
des do Japão, pode ser apontada como shima, em 15 de
o marco inicial da carreira armamen- agosto de 1945, já
tista da Guerra Fria, entre os Estados continha elementos
Unidos e a União Soviética. que aparecem no tex-
Foi nesse ambiente que um peque- to do futuro Manifes-
no grupo de cientistas, convencidos to: Esta sombria pers-
de que os desenvolvimentos em curso pectiva da raça huma-
produziriam novas gerações de armas na está além de qual-
nucleares e novos recursos técnicos quer precedente. A hu-
para enviá-las a qualquer parte do manidade encontra-se
planeta, ganharam notoriedade por perante uma clara es-
promoverem campanhas contra os colha: ou adquirimos
testes nucleares. No final da década um pouco de sensatez,
de 1950, bombas de hidrogênio, 1000 ou iremos todos perecer.
vezes mais potentes que as bombas Uma reviravolta do
lançadas no Japão, estavam sendo pensamento político
testadas na atmosfera. Fora das esfe- terá que acontecer para Seqüência de fotos do Teste Bravo: a primeira logo no início
ras oficiais, o impacto ambiental da que seja evitado o de- da explosão e acima, quando o cogumelo começa a se formar.
média anual de 16 testes nucleares da sastre final4. Note o tamanho dos navios de guerra colocados próximos ao
época, era somente do conhecimento Embora não sen- ponto zero para se avaliar o efeito da explosão sobre uma
de cientistas que trabalhavam em do físico, Bertrand frota.
partes distantes do planeta e que Russell tinha conhecimento dos desen- de fabricar bombas atômicas. Enfren-
detectavam o aumento da radioativi- volvimentos na área nuclear e, já em tando a reação oficial contrária a sua
dade ambiental devido aos testes. Em 1945, alertava a Câmara dos Lordes decisão, Rotblat retornou a Inglaterra,
março de 1954 ocorreu o primeiro inglesa sobre bombas de fusão: É con- onde havia trabalhado antes do início
teste da bomba de hidrogênio norte- cebível um novo dispositivo que guarda- da guerra, e iniciou sua campanha
americana: o Teste ria certa semelhança contra as armas atômicas, fundando
Bravo no Atol de Bi- Joseph Rotblat foi o único às atuais bombas a Associação dos Cientistas Atômicos
kini. A nuvem ra- cientista que saiu do Projeto atômicas, mas que (ASA em inglês). Os propósitos dessa
dioativa desta bom- Manhattan por questões poderia ser utilizado associação, assim como aqueles da
ba atingiu um bar- morais. Isso ocorreu quando para explosões bem sua similar norte-americana, a Fede-
co de pesca japonês, tomou conhecimento, no mais violentas, e que ração dos Cientistas Atômicos (FAS
o Dragão Feliz, in- final da 2a Guerra Mundial, decorreria da síntese em inglês), eram, e continuam sendo,
capacitando mem- que a Alemanha nazista já de elementos mais pe- o de expor projetos nucleares militares
bros de sua tripu- não tinha condições de sados a partir do hi- em elaboração pelo mundo, e de
lação e causando fabricar bombas atômicas drogênio. Isso será contribuir para o conhecimento públi-
uma morte. Esta possível se nossa co das questões das armas de destrui-
ocorrência circulou na imprensa civilização tecnológica seguir em frente ção maciça.
ocidental da época, motivando o que sem se destruir: mas tudo indica que Em 13 de abril de 1954, logo após
seria o primeiro debate publico envol- acontecerá5. o teste norte-americano da bomba de
vendo cientistas que exigiam infor- Joseph Rotblat foi o único cien- hidrogênio no Atol de Bikini, e conse-
mações mais detalhadas sobre a ra- tista que saiu do Projeto Manhattan qüente contaminação dos tripulantes
dioatividade liberada pela explosão. por questões morais. Isso ocorreu do navio pesqueiro japonês Dragão
Foi nesta ocasião que Bertrand Russell quando tomou conhecimento, no fi- Feliz, a BBC convidou Russell e Rotblat
conheceu Joseph Rotblat. nal da 2a Guerra Mundial, que a Ale- para explicarem para o público o que
Bertrand Russell era reconhecido manha nazista já não tinha condições era a bomba de hidrogênio. Rotblat

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abordou os aspectos técnicos e Russell, Born estava alimentando esta do Manifesto), uma Conferência para
os éticos e morais. O programa teve idéia há algum tempo, tendo escrito a Paz Mundial com uma temática
uma enorme audiência e provocou para Einstein em 28 de novembro de mais ampla possível, a fim de atrair
um extenso debate na comunidade 1954 sobre a possibilidade de engajar um grande número de cientistas de
científica, nos dois lados do oceano cientistas laureados com o prêmio projeção internacional. Ao tomar
Atlântico. O debate técnico estava Nobel nessa empreitada: Li recentemen- conhecimento do programa “A Hu-
relacionado com a informação que te em um jornal a seguinte afirmação manidade em Perigo”, Joliot-Curie
prevalecia nos meios científicos de que atribuída a você: “Se eu tivesse que nas- escreveu para Russell que ...o apoio de
a bomba de hidrogênio não gerava cer de novo, eu não seria um físico, mas uma personalidade do seu porte ao em-
radioatividade. Entretanto, com base um artesão”. Essas palavras muito me preendimento ajudaria a realização da
nos dados japoneses sobre o efeito da confortaram pois tenho tido pensamen- conferência12. Russell acatou pronta-
bomba de hidrogênio na tripulação do tos similares, face aos males que a nossa mente a sugestão de Joliot-Curie,
navio de pesca japonês, Rotblat bela ciência tem trazido ao mundo... enfatizando entretanto a necessidade
postulou que a bomba de hidrogênio Venho considerando o emprego da minha de que o Manifesto precedesse à con-
possuía um estágio final do tipo “fis- notoriedade [devido ao prêmio Nobel]... ferência. Foi assim estabelecida a tro-
são”, o que seria a razão da contami- na tentativa de despertar a consciência ca de mensagens entre esses atores da
nação radioativa daqueles tripulan- de nossos pares ao desenvolvimento de montagem do Manifesto. Em carta de
tes6. tão terríveis bombas9. 11 de fevereiro 1955 para Einstein,
Foram esses os eventos que leva- Born acompanhou as providên- Russell menciona a proposta de Joliot-
ram Bertrand Russell à idéia de orga- cias tomadas por Russell, apresentan- Curie da conferência internacional:
nizar um programa de radio na Ingla- do um relato a Einstein sobre a decisão Joliot-Curie aparentemente está conven-
terra, com o propósito de atingir o de Russell em carta de 29 de janeiro cido da importância de uma grande con-
grande público com informações de 195510. Nesta carta, Born também ferência de homens de ciência13. Em 20
sobre bombas atômicas. O programa informa que sua correspondência com de abril de 1955 Russell visitou Joliot-
“A Humanidade em Perigo” foi um Yukawa, sobre o lançamento de bom- Curie em Paris. De acordo com Golds-
grande sucesso, tendo atingido uma bas atômicas no Japão, seria publi- mith [11], Russell teria iniciado este
audiência entre 5 a 6 milhões, sendo cada em um periódico japonês. encontro com o comentário Eu sou
decisivo para a montagem de um no- Yukawa, prêmio Nobel de Física em anticomunista, mas é o fato de você ser
vo evento: o Manifesto Russell-Eins- 1949 por seus estudos em partículares comunista que me induz a trabalhar
tein. elementares, foi um dos signatários com você14. Os termos do Manifesto,
do Manifesto. refletindo a proposta original de Max
Os autores do Manifesto Logo após o programa “A Huma- Born, foram certamente elaborados
O físico Max Born, que recebeu nidade em Perigo”, Joliot-Curie, prê- por Russell, mas como conseqüência
em 1954 o prêmio Nobel de Física por mio Nobel de Química de 1935, com deste encontro com Joliot-Curie, a
seus trabalhos teóricos sobre a mecâ- contribuições científicas que levaram convocação de cientistas para uma
nica quântica, foi um dos primeiros à “era nuclear”, iniciou sua partici- conferência internacional sobre as
cientistas que contatou Bertrand Rus- pação ao Manifesto. Joliot havia par- conseqüências desastrosas de uma
sell logo após a divulgação do progra- ticipado ativa-
ma “A Humanidade em Perigo”, em mente da campa-
carta datada de 21 de janeiro de 1955. nha contra as ar-
De acordo com Nicholas Griffin7: Born mas nucleares que
já estava pensando em um apelo aos foi iniciada em
governos das potências militares da épo- um encontro do
ca, que seria assinado por laureados do Council of Parti-
Prêmio Nobel, mas estava inseguro sobre sans for Peace, na
a melhor maneira de implementá-lo. cidade de Estocol-
Max Born solicitou o apoio de Russell à mo, em 1950.
proposta, o que foi aceito de imediato8. Desta iniciativa
Em um depoimento apresentado nasceu o Apelo de
por Nicholas Griffin (editor da The Estocolmo, que
Selected Letters of Bertrand Russell: The recebeu eventual-
Public Years, 1914-1970 (New York, mente o apoio de
Routledge, 2001) é dito: Born não 500 mil de assina-
Fotografia de Leo Szilard, à direita, com Einstein. A foto foi tirada
tinha condições para o empreendimento: turas11. Em 1951, em Princeton, nos Estados Unidos, e supostamente representa o
sua saúde era precária e não possuía Juliot-Curie havia histórico pedido de Szilard para que Einstein escrevesse ao presi-
experiência em atividades de caráter pú- proposto com dente Roosevelt alertando-o sobre a viabilidade das bombas atô-
blico. A tarefa da organização do apelo Leopold Infeld micas e que os aliados deveriam construir artefatos nucleares
ficou então para Russell. (outro assinante para conter a expansão da Alemanha nazista.

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guerra nuclear foi colocada no primei- trand Russell enviou uma carta a Eins-
ro parágrafo do Manifesto. tein, expondo eloqüentemente a ne-
A estatura científica e moral de cessidade do Manifesto: Como qualquer
Albert Einstein foi determinante para pessoa capaz de refletir, estou profun-
o sucesso do Manifesto. No percurso damente chocado com a corrida para
da sua carreira, Einstein sempre atuou aquisição de armas nucleares. Você em
em questões políticas sensíveis. Há inúmeras ocasiões expôs seus sentimen-
várias iniciativas tos e opiniões com os
que bem caracteri- Embora a bomba H seja quais concordo intei-
zam essa postura atualmente o ponto central, ramente. Acredito que
de Einstein. Em ou- ela não exaure a capacidade cientistas eminentes
tubro de 1914, da ciência de proporcionar deveriam realizar al-
noventa e dois cien- novas alternativas, sendo gum ato dramático
tistas alemães assi- provável que os perigos para sensibilizar a
naram o Manifesto advindos de material bélico opinião publica e go-
Fulda, que procla- bacteriológico sejam, em vernantes de que de-
mava o dever da ci- pouco tempo, da mesma sastres podem ocorrer.
ência alemã de estar magnitude. Isso reforçaria a Você acredita ser pos-
a serviço da pátria constatação fundamental de sível reunir talvez
Eugene Rabinovich foi o cientista norte-
que a guerra e a ciência já americano que participou ativamente da
e de suas forças ar- seis indivíduos da organização da primeira conferência
madas. Logo após, não podem coexistir mais alta reputação
B. Russell para Einstein Pugwash em 1957. Rabinowich era então
Einstein assinou científica e, sob sua presidente da Federação dos Cientistas
um contra-manifesto, organizado por liderança, preparar um pronunciamento Americanos, uma organização que iniciou
G.F. Nicolai, que promovia o interna- solene sobre a necessidade imperativa de a campanha contra armas nucleares nos
cionalismo e a paz15. Einstein partici- se evitar o conflito armado? Esses indi- Estados Unidos após a 2ª Guerra Mundial.
pou também do Emergency Committee víduos deveriam possuir posições polí- Rabinowich é reconhecido como um dos
of Atomic Scientists, uma iniciativa ticas tão diversas que qualquer declara- fundadores da biofísica.
pioneira de informação ao grande pú- ção com suas assinaturas estaria livre
blico sobre questões nucleares e para do viés pró ou anticomunista... Atribuo ra e a ciência já não podem coexistir19.
levantar recursos destinados a campa- especial importância aos seguintes pon- Esta carta de Russell recebeu o ple-
nhas contra o uso militar da energia tos. Primeiro: seria absolutamente fútil no reconhecimento de Einstein20. Em
nuclear 16. Ainda em 1944, Albert lutar por um acordo que proíba a bomba 16 de fevereiro Einstein respondia a
Einstein promovia o internaciona- H. Tal acordo não teria valor após a con- Russell: Concordo com cada palavra da
lismo como alternativa pós-2a Guerra flagração de uma guerra; cada lado par- sua carta de 11 de fevereiro. Algo deve
Mundial, reconhecendo a importância tiria para a produção do maior número ser feito nesta circunstância, algo que
de consultas entre “os cientistas mais de bombas possível. Segundo: é essencial impressione o público em geral e as lide-
destacados” dos países aliados, que na não considerar alternativas para o uso ranças políticas. Isso poderia ser alcan-
época incluíam a União Soviética, pa- pacífico da energia nuclear... Terceiro: çado em uma declaração pública, assi-
ra congregar a influência desses cientis- deve prevalecer rigorosa neutralidade em nada por um número pequeno de pessoas
tas junto aos respectivos governos, para qualquer sugestão ou proposta para - por exemplo, doze indivíduos cujas con-
que sejam criados força militar e governo evitar a guerra atômica... Tudo que será tribuições científicas (científicas no sen-
supranacionais17. afirmado o será em nome da humani- tido pleno) lhes deram estatura interna-
A contribuição de Einstein para o dade, não deste ou daquele grupo. cional e cujas declarações não perderão
próprio texto do Manifesto transpa- Quarto: deve ser en- efetividade face às
rece no seu telegrama de 24 de maio fatizado que a guer- Concordo com cada palavra respectivas afiliações
de 1946, em nome do Committee of ra poderá significar o sua. Algo deve ser feito políticas. Poderíamos
Atomic Scientists: A conquista da ener- desaparecimento da nesta circunstância, algo incluir pessoas como
gia atômica mudou tudo exceto a nossa vida no planeta... que impressione o público Joliot, que são iden-
maneira de pensar, e, assim, seguimos a Quinto: embora a em geral e as lideranças tificadas politica-
deriva rumo a uma catástrofe sem limi- bomba H seja atual- políticas mente, desde que
tes. Nós, os cientistas que liberaram essa mente o ponto cen- Einstein para B. Russell consigamos contra-
imensa fonte de energia, temos uma tral, ela não exaure balançá-las por ou-
tremenda responsabilidade nessa dispu- a capacidade da ciência de proporcionar tras do campo oposto. Sugiro que o texto
ta mundial de vida-ou-morte, a fim de novas alternativas, sendo provável que que será apresentado para as assinatu-
que a conquista do átomo seja para o os perigos advindos de material bélico ras seja preparado por duas ou três
benefício de toda a humanidade e não bacteriológico sejam, em pouco tempo, pessoas - realmente, seria preferível que
para sua destruição18. da mesma magnitude. Isso reforçaria a fosse apenas você - mas de um modo que
Em 11 de fevereiro de 1955, Ber- constatação fundamental de que a guer- assegure antecipadamente que haverá

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total acordo por parte, ou pelo menos, para o sucesso do Manifesto. Tal en- Mainau. A proposta desta declaração
de alguns dos signatários21... dosso era fundamental face a projeção foi liderada por Otto Hahn, cientista
Na carta de 16 de fevereiro, Eins- internacional das contribuições cien- alemão que também se opunha ao uso
tein também prometia solicitar o tíficas de Bohr, que tinha pleno co- militar da energia nuclear28. Ao tomar
apoio ao Manifesto a cientistas nos nhecimento da capacidade de destrui- conhecimento do Manifesto concebido
Estados Unidos e propunha nomes de ção destas novas armas. Bohr era por Russell, Otto Hahn já se sentia
colegas na Europa. Entre esses, estava também reconhecido por sua campa- comprometido com a preparação da
Leopold Infeld 22 , nha para a impedir declaração que seria assinada por cien-
que era sugerido A notícia da morte de Einstein a “corrida nuclear” tistas que participariam de reunião
para ajudar nos chegou a Russell antes da da Guerra Fria. científica anual, na Alemanha Ociden-
contatos com cien- carta de 11 de abril, quando Einstein enviou car- tal. Esta declaração foi divulgada em
tistas russos. Eins- ele voava de Roma para ta a Bohr em 2 de 15 de julho de 1955, seis dias após à
tein também enfa- Paris. Foi um momento duro março de 1955, in- do Manifesto Russell-Einstein29. Em-
tizava a partici- para Russell, mas chegar no cluindo cópia da bora a declaração liderada por Hahn
pação de Niels Bohr. seu hotel, em Paris, ele carta de Russell que tenha conseguido eventualmente o
Em mensagem pos- verificou com emoção que a descrevia o projeto apoio de cinqüenta e um cientistas,
terior Russell carta resposta de Einstein do Manifesto. Na ela não repercutiu fora dos ciclos cien-
informou a Einstein estava a sua espera carta, Einstein es- tíficos. Esse fato é reconhecido como
sobre um encontro crevia: Bertrand devido a atuação reservada de seus
que tivera com Nehru, então Primeiro Russell tem conhecimento [desta carta], mentores. Russell, ao contrário, optou
Ministro indú, sobre a possibilidade tendo pedido que eu escrevesse para você. pelo apoio da mídia desde o primeiro
da Índia liderar uma iniciativa de Evidentemente, ele sabe muito bem que momento da preparação da divulga-
apoio ao Manifesto, após sua divul- você poderia dar uma grande ajuda ao ção do Manifesto, o que garantiu sua
gação. Einstein respondeu recomen- projeto devido à sua influência, experiên- enorme repercussão. Ainda permane-
dando que Albert Schweitzer, prêmio cia e relações pessoais com pessoas bri- cem sem respostas os motivos porque
Nobel da Paz em 1952, tivesse conhe- lhantes; realmente, ele se apercebeu de Hahn não se somou à iniciativa de
cimento do Manifesto e propõe que que sua assessoria e participação ativa Einstein e Russell, pois os textos e pro-
Russell se responsabilize pela feitura são virtualmente indispensáveis para o pósitos dessas duas declarações guar-
definitiva do texto e dos planos para sucesso do projeto... Será um grande pas- dam similaridade, como pode ser
sua divulgação (ver no Apêndice, o so se você e Bertrand Russell fizerem um apreciado nos seguintes fragmentos
texto final do Manifesto). acordo sobre seus pontos principais25. da Declaração de Mainau: Em uma
Em carta de 5 de abril, Russell Na sua autobiografia, Russell in-
apresentou a versão final do Mani- forma que enviou repetidas cartas e
festo a Einstein e relacionou aqueles telegramas para Bohr26. Nesta auto-
que iriam assiná-lo. Einstein respon- biografia, a resposta com a decisão fi-
deu para Russell em 11 de abril. Esta nal de Bohr, de 23 de março, de não
última carta de Einstein contém ape- assinar o Manifesto, tem a seguinte
nas três linhas: Agradeço sua carta de apreciação: Bohr não acreditou que a
5 de abril. Desejo com satisfação assinar declaração teria o efeito desejado, princi-
sua excelente declaração. Também con- palmente pela possibilidade de não se
cordo com sua seleção de possíveis signa- conseguir o acesso à informações críticas,
tários23. considerado como essencial para ele. Ele
A notícia da morte de Einstein, em também temia que a declaração criasse
18 de abril de 1955, chegou a Russell um impasse para a conferência progra-
antes da carta de 11 de abril, quando mada nas Nações Unidas, mas afirmou
ele voava de Roma para Paris. Foi um que consideraria a declaração com muita
momento duro para Russell, que re- atenção, esperando chegar a uma con-
conhecia a importância fundamental clusão mais satisfatória27.
do endosso de Einstein para o sucesso Bohr não assinou o Manifesto
do Manifesto. Ao chegar no seu ho- nem participou da organização da
tel, em Paris, Russell verificou com reunião que eventualmente aconteceu Sir Joseph Rotblat é presidente emérito do
emoção que a carta resposta de Eins- no povoado de Pugwash, priorizando Pugwash. Presidente de 1988 a 1997, foi
agraciado em 1995 com o Prêmio Nobel
tein estava a sua espera24. a promoção da conferência das Nações
da Paz em reconhecimento a seu trabalho,
Unidas. através do Pugwash, a favor do desarma-
As assinaturas ausentes Vários cientistas que não assina- mento nuclear. É Professor Emérito de Física
Como mencionado acima, Eins- ram o Manifesto participaram de uma na Universidade de Londres e único signa-
tein e Russell reconheciam a impor- declaração paralela, reconhecida pos- tário vivo do manifesto (foto gentilmente
tância da participação de Niels Bohr teriormente como a Declaração de cedida pelo comitê Pugwash).

Física na Escola, v. 6, n. 1, 2005 Einstein e as Conferências Pugwash 19


O manifesto Russell-Einstein mais poderosas do que aquela que arrasou Primeiro, porque qualquer acordo Leste-
Hiroshima. Oeste estaria na direção desejável de aliviar
Na situação na qual se encontra a hu- Uma bomba de tal porte, explodindo per- a tensão atual. Segundo, a eliminação das
manidade, acreditamos que os cientistas to do solo ou d’água, envia partículas radioa- armas termonucleares, na eventualidade de
devam realizar uma conferência sobre os tivas para a parte superior da atmosfera. cada lado acreditar que o outro está atuan-
perigos que surgiram com o desenvolvi- Essas partículas se depositarão vagarosa- do com sinceridade, reduziria o medo de
mento de armas de destruição maciça, com mente, caindo na superfície terrestre sob a ataque súbito no estilo Pearl Habour, expec-
o propósito de considerarem uma resolu- forma de poeira ou de chuva mortíferas. Foi tativa que tem contribuído para o estado
ção, cujo escopo é proposto em anexo. essa deposição que infectou os pescadores ja- geral de apreensão dos dois lados. Devemos,
Falamos nessa ocasião não como poneses e sua pesca. portanto, manifestar que tal acordo seria
membros dessa ou daquela nação, conti- Ninguém conhece qual o alcance da difu- benvindo, embora sendo apenas o primeiro
nente ou crença, mas como membros da são dessas partículas, mas as autoridades passo.
espécie biológica dos Homens, cuja sobre- mais competentes concordam unanimemen- Como maioria dos signatários, fica aqui
vivência é duvidosa. O Mundo está repleto te que uma guerra com bombas H poderia expresso o sentimento de neutralidade, e, na
de conflitos; mas, sobrepondo-se a todos, ser o fim da espécie humana. Existe o temor condição de seres humanos, se declara que
paira a tremenda confrontação entre comu- de que haveria aniquilação global se muitas se as questões entre o Leste e o Oeste forem
nismo e anticomunismo. bombas H fossem utilizadas; a morte seria decididas de modo a conseguir o reconhe-
Quase todos que são politicamente cons- rápida apenas para uma minoria; para a cimento satisfatório de qualquer cidadão,
cientes têm fortes sentimentos sobre esta maioria, seria uma lenta agonia de enfermi- seja comunista ou anticomunista, europeu
questão central e suas conseqüências; mas dades e de decaimento físico. ou asiático, branco ou negro, haveria uma
é nosso apelo que ponham de lado esses São muitos os pronunciamentos de cau- solução sem a guerra. Deseja-se que isso seja
sentimentos e que todos se considerem tela de cientistas eminentes e de autoridades plenamente entendido nos dois lados.
apenas como membros de uma espécie em estratégia militar. Nenhum deles afirma Perante nós, se assim optamos, haveria
biológica com uma história espetacular e que o pior cenário acontecerá. O que é dito é como contribuir para o progresso e a
cujo desaparecimento nenhum de nós po- que são conseqüências possíveis, e que nin- felicidade, o conhecimento e a sabedoria.
deria desejar. guém tem certeza do que ocorreria. Não Deveríamos, ao contrário, optar pela mor-
É nosso propósito não emitir qualquer constatamos que as expectivas desses espe- te, porque não podemos esquecer nossas
conceito cujo sentido tenda mais para um cialistas dependam, em qualquer grau de disputas? Apelamos como seres humanos
grupo do que para o outro. Todos, igual- intensidade, de ideologias ou preconceitos, a seres humanos: Lembrem-se de sua hu-
mente, estão em perigo, mas, se o perigo sendo resultantes do conhecimento específico manidade e esqueçam o resto. Se assim for
for compreendido, existe a esperança de sobre essas armas. Verificamos que quanto feito, teremos aberto o caminho do Paraíso;
que, juntos, possamos evitá-lo. maior é o conhecimento científico da pessoa, se isso não for possível, nada restará a não
Teremos que aprender a pensar de modo maior é o seu pessimismo. ser o risco da aniquilação total.
diferente. Não deveremos perguntar sobre Eis aí, portanto, o dilema que apresen- Resolução: Convidamos esse Congresso,
quais os meios nos levariam a uma vitória tamos sem nuanças, inquietante e inesca- e, em seu nome, a todos os cientistas e ao
militar, qualquer que seja o lado que pre- pável: vamos acabar com a espécie humana, público em geral, a endossarem a seguinte
ferimos, porque esses recursos não existem ou vamos renunciar à guerra1? Mas não se resolução:
mais; a questão que deveremos fazer para enfrenta este dilema por ser tão difícil abolir Cientes da constatação de que em uma
nós mesmos é: como poderemos evitar o a guerra. eventual guerra mundial armas nucleares
conflito militar cuja conseqüência seria o Eliminar a guerra implica em duras serão certamente utilizadas, ameaçando a
desastre para todos? imposições à soberania nacional2. Mas o que existência da humanidade, conclamamos
O público em geral, mesmo pessoas em talvez impeça muito mais essa superação é os governos que aceitem, e que reconheçam
posições de autoridade, não dominam o que a palavra “humanidade” soa distante e publicamente, que os interesses de estados
significado da participação de uma guerra abstrata. As pessoas dificilmente concebem não podem ser alcançados militarmente;
com bombas atômicas. Elas ainda pensam que o perigo alcançaria elas próprias, filhos instamos, conseqüentemente, que bus-
que cidades poderiam ser devastadas e reco- e netos, mas apenas uma difusa e longínqua quem meios pacíficos para a negociação das
nhecem que as novas bombas são mais po- humanidade. Elas dificilmente concebem a questões em pauta.
derosas. Assim, se a bomba atômica pôde realidade do perigo iminente como indiví- Max Born, Percy W. Bridgman, Albert
devastar Hiroshima, a bomba H poderia duos, assim como também para aqueles que Einstein, Leopold Infeld, Frederic Joliot-Cu-
ser capaz de arrasar cidades maiores como mais prezam, de perecerem de forma tão rie, Herman J. Muller, Linus Pauling, Cecil
Londres, Nova Iorque e Moscou. terrível. Assim, apenas se espera que, talvez, F. Powell, Joseph Rotblat, Bertrand Russell,
Não é posto em dúvida que em uma a guerra possa continuar existindo se essas Hideki Yukawa
guerra com bombas de hidrogênio, grandes armas são proibidas. Notas de roda-pé:
cidades seriam arrasadas. Mas essa seria Essa esperança é ilusória. Qualquer acor- 1. O professor Joliot-Curie deseja acres-
uma das suas menores conseqüências. Se do estabelecido em tempo de paz, contrário centar as seguintes palavras: “como possi-
todos que vivem em Londres, Nova Iorque ao usa das bombas H, não seria respeitado bilidades para eliminar diferenças entre
e Moscou são exterminados, o mundo assim que o conflito fosse deflagrado. Os dois Estados”
poderia, em alguns séculos, ser recuperado campos iniciariam a construção dessas bom- 2. O professor Joliot-Curie deseja acres-
do golpe. Mas sabemos agora, especialmen- bas, porque a violação unilateral levaria centar que essas limitações devem ser acei-
te desde o teste nuclear de Bikini, de que os inevitavelmente à vitória. tas por todas as partes e que sejam do inte-
efeitos dessas novas bombas nucleares atin- Se o acordo do uso de armas nucleares resse de todos.
girão, gradualmente, áreas bem maiores do for parte da redução geral de armamentos3, 3. O professor Muller faz a observação
que as previamente supostas. não seria alcançada a solução derradeira, mas cautelar de que isso seja interpretado como
Afirmamos que as bombas que estão certamente contribuiria para propósitos im- “uma concomitante e balanceada redução
sendo produzidas agora são 2.500 vezes portantes. de todas as armas.”

20 Einstein e as Conferências Pugwash Física na Escola, v. 6, n. 1, 2005


guerra total, a Terra pode se tornar tão estrangeiros, além da TV de Londres. O encontros desta natureza estavam
radioativa que nações inteiras poderão convite apenas informava que algo muito sendo propostos na época33. Em 1954,
ser destruídas. Muitos homens e mulhe- importante e de interesse mundial seria Jawaharlal Nehru, então Primeiro Mi-
res de países neutros morrerão... As na- declarado. As aceitações foram em tão nistro da Índia, propunha que cientis-
ções independentes, congregadas, deve- grande número que houve necessidade de tas organizassem uma comissão com
riam considerar a renúncia voluntária se mudar o encontro da sala para um a missão de esclarecer a opinião públi-
da força como último recurso político. auditório. A semana após a conferência ca mundial sobre as conseqüências de
Se elas não estão preparadas para isso, foi horrível. O telefone tocava todo o tempo uma guerra nuclear28. Joseph Rotblat,
elas deixarão de existir. e a sineta da porta também. Eram pessoas representando a ASA e Eugene
Finalmente, devem ser registrados da imprensa e editores querendo mais Rabinowitch34, pela FAS, reconheceram
a inexistência de qualquer assinatura informações exclusivas... Tudo isso caiu o mérito da proposta de Nehru e ini-
de cientistas soviéticos no Manifesto nos braços da minha esposa e de nossa ciaram uma longa colaboração, ini-
e o número pequeno de norte-ameri- empregada. Eu tinha sido aconselhado a cialmente para organizar encontros de
canos. Contribuíram certamente para não dar declarações e só atender telefo- trabalho, com cientistas franceses. O
isso as tensões da Guerra Fria na nemas de familiares. Ninguém deveria sair primeiro encontro ocorreu em Londres,
União Soviética e a campanha anti- de casa. Tentei ler e trabalhar sem su- algumas semanas após a divulgação do
comunista do senador Joseph cesso durante toda a semana, sentado em Manifesto, durante os dias 3 a 5 de
McCarthy, nos Estados Unidos. uma cadeira. Mais tarde me informaram agosto de 1955. Foi uma reunião pe-
que eu repetia freqüentemente a seguinte quena, mas que deu a Rabinovich e a
A divulgação do Manifesto frase: Isso será um foguete que falhou31. Rotblat a oportunidade de conhecerem
Na sua autobiografia, Russell No encontro com a mídia, Russell o acadêmico Alexander Topchiev35. A
demonstra a atenção que dispensou à necessitava da presença de alguém com história da organização da Conferência
divulgação do Manifesto: Para mim, conhecimentos técnicos necessários Pugwash é longa. Como mencionado
deveria ser feita uma cobertura dramáti- para esclarecimentos sobre a bomba H na introdução, o encontro entre cien-
ca para focalizar a atenção sobre o que a que certamente viriam da audiência. tistas dos “dois lados” foi realizado
declaração pretendia informar e sobre a Russell decidiu que esta pessoa também somente em julho de 1957, em um
estatura daqueles que deveria presidir o ato remoto vilarejo canadense denomina-
iriam endossá-la. Russell necessitava da da divulgação. Não do Pugwash, graças ao apoio finan-
Após descartar várias presença de alguém com foi fácil encontrar ceiro de doadores anônimos e, princi-
propostas, decidi re- conhecimentos técnicos para um físico nuclear palmente, de Cyrus Eaton, um mag-
correr a assessores esclarecimentos sobre a disposto a aparecer nata de petróleo que tinha nascido em
profissionais. Eu ti- bomba H, e assim decidiu- perante uma platéia Pugwash e que ofereceu suporte lo-
nha tido a oportu- se por consultar Rotblat, na de personalidades da gístico e sua residência de verão para
nidade de conhecer o época um físico jovem, mas mídia. Finalmente, realização da conferência36.
editor do Observer, e o único assinante do mani- Russell decidiu-se A conferência em Pugwash reu-
senti que ele tinha festo que tinha trabalhado por consultar niu 22 participantes de dez países, dis-
uma posição liberal e no Projeto Manhattan Rotblat, na época tribuídos entre os dois lados da “cor-
acolhedora. Ele demonstrou possuir mais um físico jovem, mas o único assinante tina de ferro”. A decisão de aceitar o
que esses dois atributos, tomando a do Manifesto que tinha trabalhado no convite para participar desta confe-
iniciativa de convocar colegas para Projeto Manhattan. Rotblat aceitou a rência não deve ter sido fácil para
apreciar a proposta30. Eles concordaram presidência do evento. Em depoimento muitos. Em plena “era MaCarthy”, a
que algo especial deveria ser tentado além recente, Rotblat registrou que esta sua aceitação poderia trazer péssimas con-
de simplesmente publicar que a declaração atuação lhe permitiu testemunhar a seqüências profissionais para cientis-
tinha assinaturas de eminentes cientistas imediata cobertura do Manifesto pela tas norte-americanos. Do lado sovié-
de várias ideologias. Foram eles que imprensa mundial. Reações contrárias tico, a “licença” foi dada a um grupo
sugeriram o encontro com a imprensa foram superadas em número pelas pequeno, do qual participavam dois
internacional para levar o Manifesto ao favoráveis ao espírito do Manifesto, a “tradutores” que anotavam todas as
grande público. Esses profissionais foram maioria solicitando mais informações discussões37.
mais além. Eles se organizaram para sobre as novas armas32. Em 2003, a 53a Conferência Pug-
conseguir recursos para o encontro com a wash ocorreu próximo ao povoado de
mídia, sob a condição de isso fosse A primeira Conferência Pugwash, na cidade de Halifax, Cana-
divulgado após o evento. Foi finalmente Pugwash dá. Ela foi bem maior do que a primeira,
decidido que a conferência com a imprensa Um aspecto que diferencia o Ma- com 172 participantes de 39 países. Os
seria no dia 9 de julho (de 1955). Uma nifesto da Declaração de Mainau é que dilemas fundamentais, infelizmente,
sala foi reservada no Caxton Hall uma o primeiro proponha uma ação espe- continuam os mesmos e bem mais
semana antes. Convites foram enviados cial: a de congregar cientistas dos dois complexos. A confrontação comunis-
para editores de todos jornais britânicos lados da “cortina de ferro”, em plena mo versus anticomunismo está sendo
e corresponsais de rádio e televisão Guerra Fria. É importante registrar que substituída pela disputa dos recursos

Física na Escola, v. 6, n. 1, 2005 Einstein e as Conferências Pugwash 21


naturais do planeta. O relacionamento financeiros sobre todos os demais. Seus enfermidades infecciosas, em um
entre as nações sofre as conseqüências efeitos se refletem até na capacidade da surpreendente regresso aos tempos das
do predomínio exarcebado de interesses espécie humana de se defender das grandes epidemias38.

Notas The Born-Einstein Letters: Correspondence in Otto Nathan and Heinz Norden, eds.,
between Albert Einstein and Max and Hedwig Einstein on Peace (Avenel Books, New
1
O autor agradece as informações detalhadas Born from 1916 to 1955 with commentaries York, 1981), p. 631.
fornecidas graciosamente por Sandra by Max Born, traduzido para o inglês por 24
Bertrand Russell, The Autobiography of
Ionno Butcher, responsável pelo projeto Irene Born (Walker and Company, New Bertrand Russell, 1944-1969, (Simon &
“História do Movimento Pugwash” da York, 1971), p. 229-230. Born não sabia Shuster, New York, 1969), p. 94.
organização Pugwash Conferences on Sci- que o comentário de Einstein não se referia 25
Albert Einstein para Niels Bohr, March 2,
ence and World Affairs. ao uso indevido da Ciência. Em carta de 1955. Referido em Nathan and Norton,
2
A bomba de hidrogênio, bomba H, difere fun- 17 de janeiro de 1955, Einstein informou p. 629-630.
damentalmente das duas bombas atô- a Born que aquele comentário se referia 26
Bertrand Russell, The Autobiography of
micas jogadas no Japão. Nessas últimas, às contingências do trabalho científico. Bertrand Russell: 1944-1969 (Simon and
a energia liberada é conseqüência da que- 10
Max Born para Albert Einstein, 28 de novem- Schuster, New York, 1969), p. 94.
bra (fissão) de núcleos atômicos pesados, bro de 1954. Mencionado em Max Born, 27
Nathan & Norton, roda-pé 8, p. 680.
enquanto que a liberação da energia de The Born-Einstein Letters: Correspondence 28
Otto Hahn, recebeu o Prêmio Nobel de Quí-
uma bomba de hidrogênio decorre da between Albert Einstein and Max and Hedwig mica, em 1944. Sua contribuição im-
fusão de núcleos atômicos leves. O poder Born from 1916 to 1955 with commentaries portante foi a descoberta da fissão dos
explosivo das bombas lançadas no Japão by Max Born, traduzido para o inglês por núcleos dos elementos Urânio e Tório,
é expresso em kilotons (equivalente a Irene Born (Walker and Company, New em 1939.
1000 toneladas do explosivo químico York, 1971), p. 234. 29
A Declaração de Mainau é referida no texto
TNT), enquanto que aquele das bombas 11
Maurice Goldsmith, Frédéric Joliot-Curie: A Bi- editado por Otto Nathan e Heinz Nor-
de hidrogênio é dado em megatons ography (Lawrence and Wishart, London, den, Einstein on Peace, (Avenel Books,
(1.000.000 toneladas de TNT). 1976), p. 189-190. New York, 1981) p. 681.
3
A carta de 15 de agosto de 1939 para o Presi- 12
Maurice Goldsmith, Frédéric Joliot-Curie: A Bi- 30
Num depoimento durante a conferência
dente Roosevelt dos Estados Unidos con- ography (Lawrence and Wishart, London, Pugwash de 2003, da qual participou o
tinha um memorandum do cientista Leo 1976), p. 193. autor desta contribuição, Joseph Rotblat
Szilard, onde pode ser lido o seguinte co- 13
Carta de Bertrand Russell para Max Born de observou que conheceu Kenneth Harris,
mentário: “... O poder de destruição dessas 25 de janeiro de 1955. Referida por Nicho- o editor do Observer que tanto ajudou a
bombas é apenas estimado grosseiramente, las Griffin, ed. The Selected Letters of Ber- Russell e que Harris escreveu uma pagina
mas não existe qualquer dúvida de que será trand Russell: The Public Years, 1914-1970 sobre sua atuação junto ao Projeto Man-
bem acima de qualquer projeção militar (Routledge, New York, 2001), p. 489. hattan, após o programa BBC Panorama
convencional”. Ver: Heisenberg and the Nazi 14
Bertrand Russell, mencionado por Maurice de abril de 1954. Esta matéria de Harris
Atomic Bomb Project, editado por Paul Goldsmith, Frédéric Joliot-Curie: A Biogra- foi uma contribuição importante para o
Lawrence Rose (University of California phy (Lawrence and Wishart, London, sucesso de Rotblat na sua iniciativa pos-
Press, Los Angeles, 1996), p. 81-105. 1976), p. 193-194. terior de dar continuidade à conferência
4
Bertrand Russell, The Bomb and Civilization. 15
John Cornwell, Hitler’s Scientists: Science, War proposta no Manifesto.
The Glasgow Forward 39 39:33 (1945). In: and the Devil’s Pact (Viking, New York, 31
Bertrand Russell, The Autobiography of
Bertrand Russell: His Works. Volume 22: 2003), p. 32-33, 57-58, 69. Bertrand Russell, 1944-1969 (Simon &
Civilization and the Bomb, 1944-47 (Ken- 16
Na sua fase inicial, o influente periódico Bulle- Schuster, New York, 1969), p. 96-97.
neth Blackwell, in progress). tin of the Atomic Scientists recebeu apoio 32
Joseph Rotblat, Science and World Affairs: His-
5
J. Rotblat, Science and World Affairs: Hystory financeiro deste comitê. tory of the Pugwash Conferences (Dawsons
of the Pugwash Conferences (Dawsons of 17
Otto Nathan and Heinz Norton, eds., Einstein of Pall Mall, London, 1962), p. 7.
Pall Mall, London, 1962), p. 72. on Peace (New York: Avenel Books, 1981), 33
Entre as principais propostas, são reconhe-
6
Joseph Rotblat conhecia o projeto da bomba p. 303. cidas as de Frédéric Joliot-Curie e Leo-
de hidrogênio, tendo participado de dis- 18
Otto Nathan e Heinz Norton, eds., Einstein on pold Infeld (em reunião da World
cussões, durante sua participação do Pro- Peace (Avenel Books, New York, 1981), p. Fedderation of Scientific Workers, (WFSW),
jeto Manhattan, em Los Alamos, com 376. de 1951, da Federation of American Scien-
membros da equipe de Edward Teller, 19
Bertrand Russell para Albert Einstein, Febru- tists (FAS) e da British Atomic Scientists
cientista que atuou decididamente para a ary 11, 1955. Mencionada in Otto Na- Association (ASA).
produção dessas bombas. Rotblat publi- than and Heinz Norden, eds., Einstein on 34
Eugene Rabinowitch, cientísta norte-ameri-
cou um artigo sobre sua hipótese de que Peace (Avenel Books, New York, 1981) cano pioneiro aas aplicações dos princí-
a bomba de hidrogênio tinha um estágio p. 623-625. pios da física em processos biológicos,
final do tipo “fissão” em 1955: The Hy- 20
Ronald W. Clark, Einstein: The Life and Times foi fundador e editor do Bulletin of the
drogen-Uranium Bomb, Bulletin of the (Avon Books, New York, 1984), p. 759. Atomic Scientists.
Atomic Scientists 11
11, 171-2, 177 (1955). 21
Albert Einstein para Bertrand Russell, Febru- 35
Professor Alexander Topchiev, foi presidente
7
Nicholas Griffin, ed., The Selected Letters of ary 16, 1955. Mencionada in Otto Na- da Academia de Ciências Soviética.
Bertrand Russell: The Public Years, 1914- than and Heinz Norden, eds., Einstein on 36
Cyrus Eaton, empresário bem sucedido nos
1970 (Routledge, New York, 2001), Peace (Avenel Books, New York, 1981), p. Estados Unidos, defendia o diálogo com
p. 489. 625-626. a União Soviética. No mesmo ano, Eaton
8
Carta de Bertrand Russell para Max Born de 22
Leopold Infeld, físico, escreveu textos sobre a foi reconhecido como Empresário do Ano
25 de janeiro de 1955. Referida por relatividade e de divulgação da ciência com nos Estados Unidos e agraciado com o
Nicholas Griffin, ed., The Selected Letters Einstein. Prêmio Lenin da Paz da União Soviética.
of Bertrand Russell: The Public Years, 1914- 23
“Thank you for your letter of April 5. I am gladly 37
Joseph Rotblat, Reunion in Pugwash.
1970 (Routledge, New York, 2001), p. willing to sign your excellent statement. I also Pugwash News Letter, 40 40:2 (2003).
489. agree with your choice of the prospective sig- 38
Antoine Dauchin, Infection of Society. Eu-
9
Max Born para Albert Einstein, 28 de novem- natories.” Albert Einstein para Bertrand ropean Molecular Biology Organization
bro de 1954. Mencionado em Max Born, Russell, February 16, 1955. Mencionada Reports 4: 333 (2003).

22 Einstein e as Conferências Pugwash Física na Escola, v. 6, n. 1, 2005

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