Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Bomba Atomica e Einstein
Bomba Atomica e Einstein
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
carta enviada por Einstein para o Premio Nobel da Paz de 1995. Fernando de Souza Barros
Russell, em 11 de abril de Alguns aspectos especiais, que Instituto de Física/UFRJ1
1955, concordando com os serão abordados a seguir, são relevan- e-mail: fsbarros@if.ufrj.br
termos do Manifesto, contêm sua tes para a história do Manifesto: (1) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
última assinatura em um documento Por que Russell teve que apelar para
público. Sua morte em 18 de abril, Joseph Rotblat, na época um jovem
sete dias após, de certa maneira preci- cientista excluído da ciência “oficial”
pitou a divulgação do Manifesto e inglesa, para presidir a divulgação do
contribuiu para seu impacto imediato. Manifesto? (2) Quais os atores origi-
A divulgação do Manifesto por Ber- nais da proposta da conferência inter-
trand Russell para a imprensa interna- nacional que aparece no primeiro
cional foi presidida por Joseph parágrafo do Manifesto? (3) Por que
Rotblat, o mais jovem cientista entre Niels Bohr não assinou o Manifesto?
os onze assinantes. A época do Mani- (4) Por que Otto Hahn, que há muito
festo foi caracterizada pela perspectiva tempo vinha se opondo ao uso militar
do desenvolvimento de arsenais das da energia nuclear, além de não assi-
bombas de hidrogênio, bem mais po- nar o Manifesto liderou a preparação
derosas do que as bombas atômicas de outra declaração, a Declaração de
que destruíram Hiroshima e Nagasa- Mainau?
ki. Foi a era da Guerra Fria, que dividia
o mundo em duas partes. Esses fatores O momento do Manifesto
dificultaram a preparação de um en- Embora o Manifesto Russell-
contro como proposto no Manifesto, Einstein tenha sido um documento
e uma reunião entre cientistas dos que marcou o movimento contra ar-
“dois lados” foi realizado somente dois mas atômicas na década de 1950, vá-
anos após, em um remoto vilarejo rias iniciativas ocorreram após a 2a O manifesto Russell-Einstein foi lançado em
canadense denomi- Guerra Mundial pa- 1955, em plena Guerra Fria. Na época, as duas
nado Pugwash. A última assinatura de ra despertar a opi- superpotências, os Estados Unidos e a União
Posteriormente, a Einstein em um documento nião pública inter- Soviética, acumulavam e testavam seus arsenais
público está na carta de bombas atômicas para uma eventual guerra
atuação de Joseph nacional sobre a nuclear. Os cientistas já previam o enorme poder
Rotblat foi funda- enviada a Bertrand Russell, necessidade de um de destruição dos arsenais nucleares, principal-
mental para a con- em 11 de abril de 1995. Seu sistema internacio- mente das bombas de Hidrogênio, algo desco-
tinuidade dessas apoio tornou o Manifesto nal de controle das nhecido para as populações e seus dirigentes.
Russell-Einstein um marco Era previsível também a possibilidade de lança-
conferências, cujo armas nucleares. mento acidental de mísseis com ogivas nucleares.
propósitos são: (1) na luta pela paz mundial Era evidente, para O manifesto Pugwash contribuiu para alertar
alertar sobre o peri- os cientistas que a opinião pública sobre a grande ameaça que
go dos arsenais nucleares e (2) propor assumiam essas iniciativas, a inca- pairava sobre o mundo civilizado. Seu efeito foi
certamente construtivo, como evidenciado mais
caminhos alternativos para conflitos pacidade das lideranças políticas da tarde, durante a confrontação de 1962, iniciada
entre nações que levem ao desarma- época de compreenderem a magnitude com a tentativa de instalação de mísseis sovié-
mento universal. A série iniciada em devastadora de um conflito nuclear ticos em Cuba. O autor agradece as informações
1957 é reconhecida atualmente como com bombas de hidrogênio2. detalhadas fornecidas graciosamente por
Sandra Ionno Butcher, responsável pelo projeto
as “Conferências Pugwash”. Rotblat A significativa participação de “História do Movimento Pugwash” da organi-
e a organização Pugwash Conferences cientistas dos dois lados do Atlântico zação Pugwash Conferences on Science and World
on Science and World Affairs receberam no projeto original de produção da Affairs”.
Notas The Born-Einstein Letters: Correspondence in Otto Nathan and Heinz Norden, eds.,
between Albert Einstein and Max and Hedwig Einstein on Peace (Avenel Books, New
1
O autor agradece as informações detalhadas Born from 1916 to 1955 with commentaries York, 1981), p. 631.
fornecidas graciosamente por Sandra by Max Born, traduzido para o inglês por 24
Bertrand Russell, The Autobiography of
Ionno Butcher, responsável pelo projeto Irene Born (Walker and Company, New Bertrand Russell, 1944-1969, (Simon &
“História do Movimento Pugwash” da York, 1971), p. 229-230. Born não sabia Shuster, New York, 1969), p. 94.
organização Pugwash Conferences on Sci- que o comentário de Einstein não se referia 25
Albert Einstein para Niels Bohr, March 2,
ence and World Affairs. ao uso indevido da Ciência. Em carta de 1955. Referido em Nathan and Norton,
2
A bomba de hidrogênio, bomba H, difere fun- 17 de janeiro de 1955, Einstein informou p. 629-630.
damentalmente das duas bombas atô- a Born que aquele comentário se referia 26
Bertrand Russell, The Autobiography of
micas jogadas no Japão. Nessas últimas, às contingências do trabalho científico. Bertrand Russell: 1944-1969 (Simon and
a energia liberada é conseqüência da que- 10
Max Born para Albert Einstein, 28 de novem- Schuster, New York, 1969), p. 94.
bra (fissão) de núcleos atômicos pesados, bro de 1954. Mencionado em Max Born, 27
Nathan & Norton, roda-pé 8, p. 680.
enquanto que a liberação da energia de The Born-Einstein Letters: Correspondence 28
Otto Hahn, recebeu o Prêmio Nobel de Quí-
uma bomba de hidrogênio decorre da between Albert Einstein and Max and Hedwig mica, em 1944. Sua contribuição im-
fusão de núcleos atômicos leves. O poder Born from 1916 to 1955 with commentaries portante foi a descoberta da fissão dos
explosivo das bombas lançadas no Japão by Max Born, traduzido para o inglês por núcleos dos elementos Urânio e Tório,
é expresso em kilotons (equivalente a Irene Born (Walker and Company, New em 1939.
1000 toneladas do explosivo químico York, 1971), p. 234. 29
A Declaração de Mainau é referida no texto
TNT), enquanto que aquele das bombas 11
Maurice Goldsmith, Frédéric Joliot-Curie: A Bi- editado por Otto Nathan e Heinz Nor-
de hidrogênio é dado em megatons ography (Lawrence and Wishart, London, den, Einstein on Peace, (Avenel Books,
(1.000.000 toneladas de TNT). 1976), p. 189-190. New York, 1981) p. 681.
3
A carta de 15 de agosto de 1939 para o Presi- 12
Maurice Goldsmith, Frédéric Joliot-Curie: A Bi- 30
Num depoimento durante a conferência
dente Roosevelt dos Estados Unidos con- ography (Lawrence and Wishart, London, Pugwash de 2003, da qual participou o
tinha um memorandum do cientista Leo 1976), p. 193. autor desta contribuição, Joseph Rotblat
Szilard, onde pode ser lido o seguinte co- 13
Carta de Bertrand Russell para Max Born de observou que conheceu Kenneth Harris,
mentário: “... O poder de destruição dessas 25 de janeiro de 1955. Referida por Nicho- o editor do Observer que tanto ajudou a
bombas é apenas estimado grosseiramente, las Griffin, ed. The Selected Letters of Ber- Russell e que Harris escreveu uma pagina
mas não existe qualquer dúvida de que será trand Russell: The Public Years, 1914-1970 sobre sua atuação junto ao Projeto Man-
bem acima de qualquer projeção militar (Routledge, New York, 2001), p. 489. hattan, após o programa BBC Panorama
convencional”. Ver: Heisenberg and the Nazi 14
Bertrand Russell, mencionado por Maurice de abril de 1954. Esta matéria de Harris
Atomic Bomb Project, editado por Paul Goldsmith, Frédéric Joliot-Curie: A Biogra- foi uma contribuição importante para o
Lawrence Rose (University of California phy (Lawrence and Wishart, London, sucesso de Rotblat na sua iniciativa pos-
Press, Los Angeles, 1996), p. 81-105. 1976), p. 193-194. terior de dar continuidade à conferência
4
Bertrand Russell, The Bomb and Civilization. 15
John Cornwell, Hitler’s Scientists: Science, War proposta no Manifesto.
The Glasgow Forward 39 39:33 (1945). In: and the Devil’s Pact (Viking, New York, 31
Bertrand Russell, The Autobiography of
Bertrand Russell: His Works. Volume 22: 2003), p. 32-33, 57-58, 69. Bertrand Russell, 1944-1969 (Simon &
Civilization and the Bomb, 1944-47 (Ken- 16
Na sua fase inicial, o influente periódico Bulle- Schuster, New York, 1969), p. 96-97.
neth Blackwell, in progress). tin of the Atomic Scientists recebeu apoio 32
Joseph Rotblat, Science and World Affairs: His-
5
J. Rotblat, Science and World Affairs: Hystory financeiro deste comitê. tory of the Pugwash Conferences (Dawsons
of the Pugwash Conferences (Dawsons of 17
Otto Nathan and Heinz Norton, eds., Einstein of Pall Mall, London, 1962), p. 7.
Pall Mall, London, 1962), p. 72. on Peace (New York: Avenel Books, 1981), 33
Entre as principais propostas, são reconhe-
6
Joseph Rotblat conhecia o projeto da bomba p. 303. cidas as de Frédéric Joliot-Curie e Leo-
de hidrogênio, tendo participado de dis- 18
Otto Nathan e Heinz Norton, eds., Einstein on pold Infeld (em reunião da World
cussões, durante sua participação do Pro- Peace (Avenel Books, New York, 1981), p. Fedderation of Scientific Workers, (WFSW),
jeto Manhattan, em Los Alamos, com 376. de 1951, da Federation of American Scien-
membros da equipe de Edward Teller, 19
Bertrand Russell para Albert Einstein, Febru- tists (FAS) e da British Atomic Scientists
cientista que atuou decididamente para a ary 11, 1955. Mencionada in Otto Na- Association (ASA).
produção dessas bombas. Rotblat publi- than and Heinz Norden, eds., Einstein on 34
Eugene Rabinowitch, cientísta norte-ameri-
cou um artigo sobre sua hipótese de que Peace (Avenel Books, New York, 1981) cano pioneiro aas aplicações dos princí-
a bomba de hidrogênio tinha um estágio p. 623-625. pios da física em processos biológicos,
final do tipo “fissão” em 1955: The Hy- 20
Ronald W. Clark, Einstein: The Life and Times foi fundador e editor do Bulletin of the
drogen-Uranium Bomb, Bulletin of the (Avon Books, New York, 1984), p. 759. Atomic Scientists.
Atomic Scientists 11
11, 171-2, 177 (1955). 21
Albert Einstein para Bertrand Russell, Febru- 35
Professor Alexander Topchiev, foi presidente
7
Nicholas Griffin, ed., The Selected Letters of ary 16, 1955. Mencionada in Otto Na- da Academia de Ciências Soviética.
Bertrand Russell: The Public Years, 1914- than and Heinz Norden, eds., Einstein on 36
Cyrus Eaton, empresário bem sucedido nos
1970 (Routledge, New York, 2001), Peace (Avenel Books, New York, 1981), p. Estados Unidos, defendia o diálogo com
p. 489. 625-626. a União Soviética. No mesmo ano, Eaton
8
Carta de Bertrand Russell para Max Born de 22
Leopold Infeld, físico, escreveu textos sobre a foi reconhecido como Empresário do Ano
25 de janeiro de 1955. Referida por relatividade e de divulgação da ciência com nos Estados Unidos e agraciado com o
Nicholas Griffin, ed., The Selected Letters Einstein. Prêmio Lenin da Paz da União Soviética.
of Bertrand Russell: The Public Years, 1914- 23
“Thank you for your letter of April 5. I am gladly 37
Joseph Rotblat, Reunion in Pugwash.
1970 (Routledge, New York, 2001), p. willing to sign your excellent statement. I also Pugwash News Letter, 40 40:2 (2003).
489. agree with your choice of the prospective sig- 38
Antoine Dauchin, Infection of Society. Eu-
9
Max Born para Albert Einstein, 28 de novem- natories.” Albert Einstein para Bertrand ropean Molecular Biology Organization
bro de 1954. Mencionado em Max Born, Russell, February 16, 1955. Mencionada Reports 4: 333 (2003).