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SOBRE O DESPONTAR DA FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA

Francisco Nunes de Carvalho


Professor de Filosofia
fnunescarv@hotmail.com
“Outros povos têm santos, os gregos têm sábios”
Nietzsche

Qual a origem de tudo que existe? Qual o princípio fundamental de onde brotam todas
as coisas do mundo? De que tudo é feito? A esses questionamentos totalizantes os
gregos antigos começaram buscar respostas elaboradas estritamente mediante a
razão.

Os primeiros filósofos gregos viveram aproximadamente nos séculos VII e VI a. C., no


contexto das colônias da Jônia e da Magna Grécia, onde florescia o comércio.
Mediante a contemplação cosmológica, eles buscaram entender a natureza através de
um pensamento racional, perguntando pelo princípio uno que pudesse explicar a
multiplicidade das coisas. Esse princípio único seria capaz de explicar logicamente as
múltiplas transformações dos processos naturais.

Os pensadores da colônia de Mileto – Tales, Anaximandro e Anaxímenes –


elaboraram respostas variadas a essas perguntas sobre o fundamento originário. Para
Tales este princípio originário é a água, enquanto Anaxímenes afirma que é o ar
e Anaximandro chega a conclusão de que é o apeíron (ilimitado). Mas o que quer dizer
mesmo tudo isso?

Certamente essas respostas da tríade dos Milésios


podem soar profundamente estranhas e mesmo antiquadas a nós, homens do século
XXI, que vivemos em um contexto sócio histórico
marcado pela ciência/tecnologia e a era virtual da rede mundial de computadores. Em
nosso contexto tecnocrata a Natureza é vista mais como algo a ser dominada e
explorada para fins econômicos. Talvez tenhamos perdido a capacidade de
contemplar desinteressadamente o Universo? Provavelmente sim ou quem sabe ainda
há uma réstia de luz…

Porém, retornar intelectualmente aos primeiros pensadores gregos significa reviver os


primórdios da constituição da razão ocidental, da qual todos participamos de algum
modo. Significa igualmente admirar extasiados a totalidade cósmica que nos envolve.
Faz-se necessário observar que a razão humana se eleva a uma dimensão
propriamente científico-filosófica (contemplativa) enquanto voltada para a visão
racional da totalidade. Se este homem grego contempla o universo, com isso busca
propriamente compreender uma ordem superior da totalidade que o envolve.

Cumpre ressaltar essa busca da razão em direção à totalidade. Esses pensadores


estavam radicalmente interessados em saber porque colocavam a busca da
compreensão racional do mundo como o valor mais digno de que o homem é capaz, o
trabalho próprio do homem livre. Contemplar e conhecer logicamente o universo que
os cercava não era uma tarefa marcada por fins utilitários e meramente pragmáticos,
mas antes, uma intensa aventura do pensamento que contempla a imensidão do
Todo, sentindo-se instigado a ir cada vez mais além. 

Nesse sentido, parece que a Natureza em sua totalidade fala ao pensamento humano!
Aliás, esses pensadores gregos compreendiam o homem como presente à própria
ordem universal da natureza. Há uma sintonia em que o pensamento tenta sempre
mais desvelar a essencialidade fundamental para além da multiplicidade aparente aos
sentidos. O pensamento é despertado e inquietado sempre mais pela própria
Natureza…

O que é Fenomenologia – Noções de Filosofia


25/03/2011 Por Pe. Leonel Franca S. J.
Noções de Filosofia – Pe. Leonel Franca

CAPÍTULO III

A FENOMENOLOGIA

Com o nome antigo de fenomenologia ao qual se emprestou uma nova significação


(249) surgiu em fins do século passado e desenvolveu-se poderosamente a mais forte
e original corrente do pensamento alemão contemporâneo.
Aplanaram-lhe o leito os estudos do neo-aristotélico Francisco Brentano (1838-
1917), professor em Würzburgo e Viena, que insistiu, em seus trabalhos, sobre a
diferença essencial entre o valor lógico de um pensamento e a sua gênese
psicológica.
O verdadeiro fundador da escola, porém, é Ed. Husserl (1859–1938), discípulo de
Brentano, professor em Gottinga e depois em Friburgo, de Baden. Na sua obra capital
sobre lógica (Logische Untersuchungen, 1900, completada e revista pelo trabalho
mais recente, Formale und Transzendentale Logik, 1929) toma atitude decidida
contra o psicologismo e o kantismo. Cumpre distinguir no conhecimento o elemento
psíquico: tendência para… direção para… (intentio, no sentido escolástico) do seu
objeto, de que se ocupa a lógica. As leis psicológicas, vagas e imprecisas, são de
natureza experimental e indutiva; as lógicas são necessárias, precisas e normativas. A
lógica tem, pois, o seu objeto próprio — as essências e formas universais; sua
existência independe da psicologia; é uma ciência formal que prescinde da realidade
(objeto da metafísica) e estabelece relações necessárias a priori. Com esta
reivindicação prepara-se o caminho à fenomenologia, que permitirá elevar a filosofia
à verdadeira categoria de ciência, como a matemática. A fenomenologia é uma
ciência "eidética", isto é, que se ocupa das "essências", quase no sentido
das idéias" platônicas. Seu método é a intuição "eidética" (Wesenschau) que
permite apreender o abstrato no concreto, a essência do som no som atualmente
percebido; um análogo da "dialética platônica" que elevava o espírito à contemplação
das "idéias". Podem, portanto, classificar-se as ciências em dois grupos: ciências
eidéticas (Wesenswissenschaften) que encerram verdades necessárias (verdades
de razão, de Leibniz) e ciências de fatos (Tatsachenwissenschaften) que têm por
objeto as verdades contingentes (verdades de fato, de Leibniz).
Como se vê, após a influência desnorteadora de Kant, Husserl descobriu de novo
algumas das linhas mestras da teoria peripaté tico-escolástica do conhecimento.
Quase simultaneamente e de modo independente, A. von Meinong (1853-
1921) desenvolvia na Áustria uma teoria semelhante, sob o nome de "teoria do
objeto" (Gegenstandstheorie). Com diferenças individuais notáveis, no mesmo
movimento de idéias podem filiar-se J. Rehmke (n. em 1848), prof, em
Greifswald (Philosophie als Grundwissenschaft, 1910), Hans Driesch (n. 1867) que
defende valorosamente os direitos da metafísica, e O. Külpe (1862-1915) que, na sua
grande obra póstuma Die Realisierung (1920), expõe um realismo crítico, em que se
multiplicam os pontos de contato com o tomismo.
Aplicando aos valores os métodos da fenomenologia, Max SCHELER (1875-1929)
constrói umà filosofia moral e religiosa, de notável originalidade. (Obras principais: Der
Formalismus in der Ethik und die materielle Ethik (1913-1916) ; Vom Umsturz der
Werte, 1919; Vom Ewigen im Menschen, 1921). Os valores têm um valor de
essência, objetivo, independente do sujeito e de suas oscilações psíquicas. Na
diversidade das manifestações conservam uma identidade fundamental.
Hierarquicamente podem distribuir-se em 4 grandes categorias, a última das quais é
constituída pelos valores morais e religiosos. A vida moral consiste na realização
destes valores, em cujo vértice se encontra o "sagrado" e o "divino". Depois de
propugnar brilhantemente a existência de um Deus pessoal, contra todas as formas de
agnosticismo (Spencer, Schleiermacher, Ritsehl), inclinou-se, nos seus últimos dias,
para a teoria panteísta de um Absoluto em contínuo vir-a-ser.
Com M. HEIDEGGER, (n. em 1889), professor em Friburgo, a escola fenomenológica
dá um passo decisivo para diante: da análise das "essências" progride até a
afirmação da existência. Entramos na filosofia "existencial" (Sein und Zeit, 1921; Von
Wesen des Gründest 1929). O problema filosófico fundamental é o do ser como ser;
abraça o ser em sua totalidade. Que é o ser? Como podemos atingi-lo? O méro todo
empregado é o fenomenológico, que sem dar o conteúdo (Wass) da investigação
filosófica, indica-lhe o caminho (Wie) a seguir. São as realidades concretas da vida
que encerram "os fenômenos" capazes de manifestar o ser. Observando-as, verifica o
homem que a resposta à pergunta por êle formulada — que é o ser e por que existe?
— êle a encontra em si mesmo: o homem é a "existência
("Dasein" — "Existenz") (250). Êle existe no mundo e o mundo apresenta-se como um
conjunto de meios que têm o homem por fim. Mas se a rprópria existência se lhe
oferece como evidente, a sua origem e o seu fim envolvem-se em trevas
impenetráveis (251). "Atirado na existência (die Geworfenheit des Daseins), o homem
sente a seu inacabamento essencial e nêle tem a fonte de uma inquietude insanável.
"A existência revela-se ao homem como um fardo; por que ? ignoramo-lo ".

Identificando o ser com o ser finito e enclausurando-se nos limites do contingente, sem
ousar ir às últimas conseqüências da Gewo-jenheit do ser finito, a filosofia de
Heidegger é, talvez, em nossos dias a expressão mais trágica do homem arrancado às
suas relações transcendentais com o Infinito.
Nicolai HARTMANN, (η. em 1882), vem da escola de Marburgo de que é o chefe
incontestável. Mas o sucessor de Cohen e Natorp orienta-se francamente para uma
metafísica realista e une-se à escola fenomenológica na sua luta contra o idealismo
neo-kantiano. Nos seus Elementos de uma metafísica do conhecimento
(Grundzüge einer Metaphysik der Erkenntnis, 1921, 1935) faz ressaltar como o
conhecimento não cria o seu objeto, mas é uma relação entre seres que pre-existem
independentemente desta relação. O problema do conhecimento supõe e implica um
problema do ser. Ao estudo deste problema consagra Hartmann a sua obra sobre
"os fundamentos da ontologia" (Zur Grundlegung der Ontologie, 1935). É este
talvez o trabalho mais importante e original que nestes últimos tempos se consagrou
às mais altas questões da metafísica. Sòlidamente arquitetado, rigoroso e claro,
depois de acentuar na introdução a persistência dos problemas ontológicos em todos
os sistemas idealistas, re-iativistas ou céticos, estuda, em quatro partes bem
equilibradas, o ser como ser, as relações entre a essência e a existência, o ser real e o
ser ideal. N. Hartmann é uma das figuras mais elevadas do pensamento
contemporâneo.
K. Jaspers, (n. em 1883), prolonga com mais profundeza e amplidão de vistas as
grandes linhas da filosofia existencial de Heidegger. Os seus três volumes sobre a
Filosofia (Philosophie) e as conferências recentemente publicadas sob o título
de Razão e Existência (Vernunft und Existenz, 1935) anunciam um pensador de
raça em plena maturação do seu sistema.
Peter Wust é um notável filósofo católico que sentiu as influências dos métodos
empregados pelos adeptos da filosofia existencial. Colocar-se em face da vida,
observar e analisar um dos seus aspectos antinômicos e daí partir em busca de
solução do problema dos destinos e mesmo de todo o problema do ser. Na sua obra
fundamental (Dialektik der Geistes, 1928) é o problema da inquietude humana,
finamente analisada no espírito de cada homem e na evolução histórica das
sociedades, que constitui o ponto inicial da investigação filosófica. Ao problema da
vida o cristianismo dá sua verdadeira solução, explicando o contraste das nossas
grandezas e misérias esclarecendo a razão última da nossa inquietude essencial e
abrindo–lhe as perspectivas de uma paz definitiva. Na última de suas obras
(Ungewissheit und Wagnis, 1937) é a insegurança e o risco, traços dominantes da
psicologia do homem contemporâneo, que são submetidos à finura e profundeza de
suas análises e fundamentam as suas conclusões.
Notas
(249) Empregada por Hegel, Kant, Hamilton e Hartmann, a palavra fenomenologia
significava apenas "o estudo descrito de um conjunto de fenômenos ou aparências,
tais quais se manifestam no tempo e no espaço, por oposição às suas leis abstratas e
fixas, às realidades trancendentes de que são manifestação; ou à críUca normativa de
sua legitimidade". Lalande. Vocabulaire de la Philosophie. No significado novo que lhe
dá, Husserl, "ne cherche pas à décrire des faits empiriques, tels qu’en pourrait
comprendre une psychologie, humaine ou animale; il cherche à atteindre l’essence de
certaines opérations de conscience, les nécessités idéales inhérentes à la perception,
à l’acte de signifier ou de juger, il s’applique a démêler dans ces événements, dans la
représentation par exemple, les acts en vertu desquels quelque chose est posée dans
la conscience et d’autre par l’intention, au sens scolastique du terme, par laquelle ces
positions se réalisent, se singularisent dans des états particuliers. V. Delbos, Husserl,
sa critique du psychologisme et sa conception d’une logique pure, Revue de
métaphysique et de morale, Sep. 1911, p. 697. Mais breve e talvez mais claramente:
fenomenologia é o método de apreender e dizer os fenômenos. Ε fenômeno, no novo
sistema, eqüivale não à "aparência" (Erscheinung) nem à "ilusão" (Schein), mas à
realidade que "se manifesta por si mesma, ao "ser em si".
(250) "A filosofia é uma ontologia universal e fenomenológica, partindo da
hermenêutica do Homem; como analítica da Existência a filosofia ata a ponta do fio
condutor de toda a questão filosófica ao seu ponto inicial e terminal". Sein und Zelt, p.
38.
(251) "A existência pura, o simples fato de existir é manifesto, o donde (Woher) e para
onde (Wohin) do ser permanecem ocultos". Sein und Zeit, p. 134.

BIBLIOGRAFIA
 Gurvitch, Lestendencies actuelles de la philosophie allemande, 1930;
 — LÉVINAS, La théorie de l’institution dans la phénoménologie de
Husserl, Paris, 1930;
 — A. Fischer, Die Existenzphilosophie M. Heiddegers, Leipzig, 1935; _ a. Delp,
S. J., Tragische Existenz, Freib. i. B., 1936;
 — J. J. Pfeiffer, Existenzphilosophie Eine Einführung in Heidegger und
Jaspers, Leipzig, 1934;
 — B. Jansen, S. J., Aufstiege zur Metaphysik, Freib. in B. 1933;
 — La phénoménologie, Puhl, de la Société thomiste, 1932.
Fonte: Agir Editora.

A fenomenologia de Edmund HUSSERL, por Bochenski

05/02/2003 Por Joseph Bochenski


EDMUND HUSSERL

por J. M. Bochenski

Tradução de Antônio Pinto de Carvalho

in A filosofia contemporânea ocidental, Herder, 1968

A. EVOLUÇÃO E IMPORTÂNCIA DE SEU PENSAMENTO. EDMUND HUSSERL


(1859-1938) que, juntamente com BERGSON, exerceu e continua ainda exercendo a
influência mais profunda e duradoura sobre o pensamento contémporâneo, foi
discípulo de BRENTANO. Estudou também com o psicólogo CARL STUMPF (1848-
1936). Desenvolveu sua atividade acadêmica nas universidades de Halle, Goettingen
e Friburgo de Brisgóvia. Trabalhador infatigável, aliava uma extraordinária capacidade
de análise a uma rara penetração de espírito. Sua obra, muito extensa, é de leitura
extremamente difícil, não por deficiências de linguagem, senão por causa da aridez do
assunto. Como escritor de filosofia, é modelo de precisão e, neste particular, faz
recordar ARISTÓTELES . Quanto ao seu sistema, depende, em parte, de BRENTANO
e de STUMPF e, indiretamente, através do primeiro, da escolástica. Nota-se,
outrossim, nele, uma certa influência neokantiana.

HUSSERL começou sua carreira com trabalhos matemáticos. Foi então que publicou o
primeiro volume de sua importante Philosophie der Arithmetik, obra que não prefigura
por forma nenhuma o caminho por onde sua filosofia iria enveredar. Nos anos 1900-
1901 apareceu sua obra principal, Logische Untersuchungen (Investigações lógicas),
na qual dirige a atenção para os fundamentos da lógica. Esta obra monumental divide-
se em duas partes: a primeira, os Prolegomena zur reinen Logik (Prolegômenos à
lógica pura), contém uma critica do psicologismo e do relativismo, de um ponto de
vista intelectualista e objetivista, ao passo que a segunda mostra a aplicação dos
princípios enunciados na primeira a alguns problemas particulares da filosofia da
lógica. Em 1913, HUSSERL, publica suas Ideen zu einer reinen Phänomenologie
(Idéias relativas a uma fenomenologia pura). Aqui a fenomenologia converte-se numa
“filosofia primeira” e aplica-se ao estudo do conhecimento em geral, tornando-se já
patentes as conclusões idealistas. Estas conclusões encontram seu pleno
desenvolvimento nos dois livros seguintes: Formale und Transzendentale Logik (1929)
e Erfahrung und Urteil (1939) (Lógica formal e transcendental e Experiência e Juízo).
Globalmente considerados o caminho seguido pelo pensamento de HUSSERL, pode
resumir-se da seguinte maneira: partindo do estudo filosófico da matemática,
desenvolve primeiramente um método objetivista e intelectual e, na aplicação deste
método à consciência, desemboca no idealismo.

A influencia de HUSSERL opera em várias direções. Em primeiro lugar, as


penetrantes análises de suas Investigações lógicas representam sério golpe no
positivismo e no nominalismo, que imperavam no século XIX. Ao mesmo tempo, seu
método, que sublinha o conteúdo e a essência do objeto, contribuiu poderosamente
para a elaboração de um pensamento antikantiano. Sob este aspecto, é um dos
grandes pioneiros da nova filosofia. Por outro lado, criou um método, denominado
fenomenológico, aplicado hoje em dia por grande parte dos filósofos. Além disso, seus
trabalhos contém tamanha quantidade de análises sutilíssimas e penetrantes que
parece ser mais que duvidoso que esta multidão de conhecimentos tenha sido
aplicada e aproveitada em sua totalidade. Tem-se a impressão de que a obra de
HUSSERL esteja prestes a se converter numa fonte clássica da filosofia do porvir.
HUSSERL foi o fundador de uma escola muito numerosa e importante. Mas sua
influencia não se confina nesta escola, senão que se estende, como dissemos, a toda
a filosofia contémporânea.

É claro que não podemos pretender resumir aqui nem sequer uma só de suas obras
riquíssimas de conteúdo. Com maior razão do que noutros casos, torna-se mister
remeter o leitor para o próprio texto, especialmente para as Investigações lógicas.
Limitamo-nos a dar uma vista de conjunto muito sumária do método de HUSSERL, de
sua teoria da lógica e do caminho por onde ele chegou ao idealismo.

B. CRÍTICA Do NOMINALISMO. HUSSERL, em suas Investigações lógicas, submeteu


à crítica demolidora o nominalismo que, sob o nome de empirismo, de psicologismo,
etc., invadia, desde LOCKE e HUME, quase toda a filosofia. Segundo os nominalistas,
as leis lógicas seriam generalizações empíricas, e indutivas, comparáveis às leis das
ciências da natureza, e o universal seria somente uma representação esquemática.
HUSSERL mostra que as leis lógicas não são, em si, por forma alguma, regras, que a
lógica tampouco é ciência normativa, embora – como aliás todas as ciências teóricas –
sirva de base a uma disciplina normativa.

De fato, a lei lógica nada. diz sobre o "dever", mas diz alguma coisa sobre o "ser". O
principio de contradição, por exemplo, não diz que não seja possível enunciar duas
proposições contraditórias, mas única e simplesmente que uma e a mesma coisa não
pode possuir predicados que se contradigam. Assentes estes princípios, HUSSERL
ataca o psicologismo, segundo o qual a lógica seria um ramo da psicologia. O
psicologismo está em erro, sob duplo aspecto: se ele fosse verdadeiro, as leis lógicas
teriam o mesmo caráter vago que as leis psicológicas, seriam, quando muito,
prováveis e pressuporiam a existência de fenômenos psíquicos – o que é absurdo.
Pelo que, as leis lógicas pertencem a uma ordem inteiramente diferente: são leis
ideais, aprióricas. Em segundo lugar, o psicologismo falseia completamente o sentido
das leis lógicas. Com efeito, estas nada têm que ver com o pensamento, o juízo, etc.,
mas referem-se a algo objetivo. O objeto da lógica não é o juízo concreto de um
homem, mas o conteúdo deste juízo, sua significação, que pertence a uma ordem
ideal. Finalmente, o fundador da fenomenologia entra também em conflito com o
nominalismo em sua teoria da abstração. Mostra ele que o universal nada tem que ver
com uma representação generalizada. O que podemos nos representar, quando
apreendemos um termo matemático por exemplo, quase não tem importância.
LOCKE, HUME e seus sucessores, incapazes de compreender objetos ideais,
hipostasiaram o universal, convertendo-o falsamente em mera imagem.

Mas não existe tal coisa. O universal é, na realidade, um objeto de natureza muito
peculiar, um conteúdo ideal universal.

C. DOUTRINA DA SIGNIFICAÇÃO. A crítica precedente – um dos maiores


enriquecimentos da filosofia do século XX e, ao mesmo tempo, um retorno aos
grandes pensamentos ontológicos da Antigüidade e da Idade Média – serve de
fundamento à tese de que a lógica possui domínio próprio, a saber, o domínio das
significações. Quando compreendemos um nome ou uma proposição, o que uma ou
outra expressão enuncia não é propriamente o equivalente de uma parte do ato
intelectual correspondente.

É, antes, a significação. Diante da diversidade infinita das experiências individuais, há


sempre que nestas é expresso, um Idêntico no sentido estrito da palavra. Mas o termo
"exprimir" é equívoco. Podemos distinguir ele pelo menos três funções diferentes: 1) o
que a expressão "põe de manifesto" (a saber, o psíquico, as vivências psíquicas); 2) o
que "’significa", com uma nova distinção: a) o sentido, o conteúdo do conceito, e b) o
que o termo designa. Por último, HUSSERL distingue entre os atos que atribuem a
significação (bedeutungsverleihende Akte) e os atos que a preenchem
(bedeutungserfüllende Akte). Estes últimos conferem ao ato a plenitude intuitiva; os
primeiros contém unicamente o essencial da expressão, mas não subministram
“preenchimento” intuitivo da intenção de significação.

Com a teoria da significação prende-se uma gramática pura, a teoria filosófica da


gramática. Neste como em muitos outros domínios, introduziu HUSSERL valiosos
enriquecimentos que a lógica matemática permite hoje apreciar. Esta deve-lhe, entre
outras coisas, a noção da categoria semântica (Bedeutungskategorie). Outro aspecto
importante e interessante das Investigações lógicas é a doutrina do todo e das partes.
É impossível entrar aqui nos pormenores destas teorias, pois, embora elas devessem
pertence ao que há de mais valioso na filosofia contemporânea, são demasiado
abstratas e, por outro lado, não tiveram a mesma repercurssão que as demais
doutrinas de Husserl.

D. O MÉTODO FENOMENOLÓGICO. HUSSERL propõe-se estabelecer uma base


segura, liberta de pressuposições, para todas as ciências e, de modo especial, para a
filosofia. A suprema fonte legítima de todas as afirmações racionais é a visão, ou
também, como ele se exprime, a consciência doadora originária (das origindr gebende
Bewusstsein). Devemos avançar para as próprias coisas.

Esta é a regra primeira e fundamental do método fenomenológico.

Por “coisas” entenda-se simplesmente o dado, aquilo que vemos ante nossa
consciência.

Este dado chama-se fenômeno, no sentido de que phainetai, de que aparece diante da
consciência. A palavra não significa que algo desconhecido se encontre detrás do
fenómeno. A fenomenologia não se ocupa disso, só visa o dado, sem querer decidir se
este dado é uma realidade ou uma aparência: haja o que houver, a coisa está aí, é
dada.

O método fenomenológico não é dedutivo nem empírico.

Consiste em mostrar o que é dado e em esclarecer este dado. Não explica mediante
leis nem deduz a partir de princípios, mas considera imediatamente o que está perante
a consciência, o objeto.

Conseqüentemente, tem uma tendência orientada totalmente para o objetivo.

Interessa-lhe imediatamente não o conceito subjetivo, nem uma atividade do sujeito


(se bem que esta atividade possa igualmente tornar-se em objeto da investigação),
mas aquilo que é sabido, posto em dúvida, amado, odiado, etc. Mesmo nos casos em
que se trata de uma representação pura, é preciso distinguir entre o imaginar e o
imaginado: quando, por exemplo, nos representamos um centauro, este centauro é um
objeto que importa distinguir cuidadosamente de nossos atos psíquicos. De igual
modo, o tom musical dó, o número 2, a figura círculo, etc., são objetos, não atos
psíquicos. Contudo, HUSSERL rejeita o platonismo: este só seria verdadeiro no caso
de cada objeto ser uma realidade. HUSSERL qualifica-se a si próprio de “positivista”,
enquanto funda o saber sobre o dado.

Mas os positivistas cometem, segundo ele, erros grosseiros, dos quais importa que
nos desembaracemos, se quisermos chegar à verdadeira realidade. Eles confundem o
ver em geral com o ver meramente sensível e experimental. Não compreendem que
cada objeto sensível e individual possui uma essência.

Sendo o individual, enquanto real, acidental, ao sentido deste acidental corresponde


precisamente uma essência ou, como diz HUSSERL, um eidos que precisa ser
captado diretamente. Existem, portanto, duas espécies de ciências: ciências de fatos,
ou fácticas, que estribam na experiência sensível, e ciências de essências ou
eidéticas, às quais compete a intuição essencial (Wesensschau), a visão do eidos.
Mas todas as ciências de fatos se baseiam em ciências de essências, porque, em
primeiro lugar, todas utilizam a lógica e em geral também a matemática (ciências
eidéticas) e, em segundo lugar, cada fato alberga uma essência permanente.

As ciências matemáticas são manifestamente ciências eidéticas.

A filosofia fenomenológica pertence à mesma espécie: seu objeto é constituído não


por fatos contingentes, mas por conexões essenciais. É puramente descritiva, e seu
método consiste, antes de mais nada, em descrever a essência. Seu processamento é
um esclarecimento gradual, que progride de etapa em etapa mediante a intuição
intelectual da essência. Ao abordar os fundamentos da ciência ela é “filosofia primeira”
e procede com uma ausência total de preconceitos. Ao mesmo tempo, é ciência exata
e apodíctica. Seu exercício não é fácil; todavia, HUSSERL e seus discípulos
mostraram que o método fenomenológico abre vasto campo a investigações
extraordinariamente fecundas.

E. REDUÇÃO: COLOCAÇÃO ENTRE PARÊNTESIS. Para alcançar seu objeto


próprio, o eidos, a fenomenologia deve praticar não a dúvida cartesiana, mas a
denominada epoché. Quer isto dizer que a fenomenologia “coloca entre parêntesis”
certos elementos do dado e se desinteressa deles.

Importa distinguir várias espécies destas reduções. Em primeiro lugar, a epoché


prescinde de todas as doutrinas filosóficas; ao fenomenólogo não interessam as
opiniões alheias; ele investe contra as próprias coisas. Após esta eliminação
preparatória, temos a redução eidética, mediante a qual a existência individual do
objeto estudado “é colocada entre parêntesis” e eliminada, porque à fenomeno-logia
não interessa senão a essência. Eliminando a individualidade e a existência, eliminam-
se igualmente todas as ciências da natureza e do espírito, suas observações de fatos
não menos que suas generalizações. O próprio Deus, enquanto fundamento do ser,
deve ser eliminado Também a lógica e as demais ciências eidéticas ficam submetidas
à mesma condição: a fenomenologia considera a essência pura e põe de lado todas
as outras fontes de informação.

À redução eidética acrescenta HUSSERL, em suas obras posteriores, o que ele


chama a redução transcendental. Esta consiste em por entre parêntesis não só a
existência, senão tudo o que não é correlato da consciência pura. Como resultado
desta última redução, nada mais resta do objeto além do que é dado ao sujeito. Para
bem compreender a teoria da redução transcendental, é necessário que examinemos
agora a doutrina da intencionalidade, que lhe serve de base.

F. INTENCIONALIDADE. IDEALISMO. A redução transcendental é a aplicação do


método fenomenológico ao próprio sujeito e a seus atos. HUSSERL já tinha afirmado
anteriormente que o domínio da fenomenologia precisava ser constituído com
diferentes regiões do ser. Uma destas regiões do ser, região característica, é a
consciência pura. Chega-se a esta consciência pura mediante o muito importante
conceito de intencionalidade, que HUSSERL recebeu de BRENTANO e,
mediatamente, da escolástica. Entre as vivências sobressaem algumas que possuem
a propriedade essencial de ser vivências de um objeto. Estas vivências recebem o
nome de “vivências intencionais” (intentionale Erlebnisse), e na medida em que são
consciência (amor, apreciação, etc.) de alguma coisa, diz-se que tem uma “relação
intencional” com esta coisa. Aplicando agora a redução fenomenológica a estas
vivências intencionais, chegamos, por um lado, a captar a consciência como um puro
centro de referência da intencionalidade, ao qual o objeto intencional é dado, e, por
outro lado, chegamos a um objeto que, depois da redução, não tem outra existência
senão a de ser dado intencionalmente a este sujeito. Na própria vivência, considera-se
o ato puro, que parece ser, simplesmente, a referência intencional da consciência pura
ao objeto intencional.

Deste modo a fenomenologia se converte na ciência da essência das vivências puras.


A realidade inteira aparece como corrente das vivências concebidas como atos puros.
É mister advertir insistentemente que esta corrente nada tem em si de psíquico, que
por conseguinte se trata unicamente de puras estruturas ideais; portanto, a
consciência pura (que no estado de atualização se chama “cogito“) não é um sujeito
real, nem seus atos são mais do que relações meramente intencionais, e o objeto não
é mais do que um ser dado a este sujeito lógico.

HUSSERL opera ainda na corrente das vivências uma distinção entre a hylé (matéria)
e a morphé (forma) visada.

Chama “noese” àquilo que configura a matéria em vivencias intencionais, e “noema” à


multiplicidade dos dados que se podem mostrar na intuição pura. No caso de uma
árvore, por exemplo, distinguimos o sentido da percepção da árvore (seu noema) e o
sentido da percepção como tal (noese); de igual modo, distingue-se no juízo o
enunciado do juízo (isto é, a essência dêste enunciado, a noese do juízo) e o juízo
enunciado (o poema do juízo). Este último poderia ser denominado “proposição em
sentido puramente lógico”, se o noema não contivesse, além de sua forma lógica, uma
essência material.

O mais importante em todas estas análises é que nelas fica solidamente estabelecido
o caráter bipolar da vivência intencional: o sujeito aparece como essencialmente
referido ao objeto, e o objeto como essencialmente dado ao sujeito puro. Quando
estamos ante a realidade – o que nem sempre é o caso, porque um ato intencional
pode apresentar-se sem objeto real – sua existência não é, entretanto, necessária
para o ser da consciência pura; por outro lado, o mundo das “coisas” transcendentes
depende totalmente da consciência atual. A realidade é essencialmente privada de
autonomia, carece do caráter do absoluto, é somente algo que, em princípio, não é
senão intencional, cônscio, algo que aparece.

Deste modo, a filosofia de HUSSERL desemboca num idealismo transcendental que,


em muitos aspectos, se assemelha ao dos neokantianos. A diferença entre ele e a
escola de Marburgo consiste essencialmente em que HUSSERL não reduz o objeto a
leis formais e admite uma pluralidade de sujeitos aparentemente existentes.

Contudo, sua escola não o seguiu no terreno deste idealismo

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