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AO DESIGN
autora
MÁRCIA DE SOUZA BORGES
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2019
Conselho editorial roberto paes e gisele lima
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2019.
A semiótica de Peirce 13
A semiótica e a comunicação 16
Design e discurso 46
4. O produto de design 59
A identidade do produto 60
A referência em design 63
Estudo de caso 87
Prefácio
Philippe Starck
Prezados(as) alunos(as),
5
do trabalho do designer, poder entender esta relação é condição para se comunicar
com o mundo. Ainda no capítulo 2, vamos tratar do reconhecimento de signo e
sua representação. Como um elemento de interface comunicativa, faz-se necessá-
rio conhecer como se dão o processo e as partes que compõem a significação.
No capítulo 3, vamos poder tratar do mundo dos sentidos. Vamos trabalhar
a ideia de que nossa leitura de mundo demanda significados e, ao tentar oferecer
objetos e materiais de comunicação para este mundo, é imperativo entender o
direcionamento, papel primordial do designer. Assim, vamos tentar compreender
o design como uma linguagem, conhecendo os tipos de discurso que se fazem
presente, relacionando-os no processo de comunicação. Neste ponto, cabe sempre
noção de que qualquer interface que se faça com objetivo comunicativo carrega
informações, conhecimentos, cultura. No capítulo 3, vamos tratar, ainda, das di-
mensões do discurso de forma didática, dimensão sintática, dimensão semântica e
dimensão pragmática, quando se dão no contexto do design, o que deve ser obser-
vado, entre outras questões pertinentes.
No capítulo 4, vamos perceber que, no âmbito da criação em design, quanto
mais um produto informa, mais forte é sua identidade. Em uma abordagem fun-
damentada na semiótica, as questões sígnicas do produto devem ser consideradas
segundo a cultura na qual o processo de comunicação irá acontecer. Assim, va-
mos tentar, também, entender as questões de identidade do produto. Os quesitos
que o fazem “único”, proporcionando a diferenciação, as questões de informação
que devem ser consideradas e tudo mais que pode fazer com que um produto
(imagem) seja escolhido em detrimento de todos os outros. Vamos terminar este
capítulo abordando o termo GLOCAL, seu significado e influência na geração de
significados, falar um pouco sobre “cultura-mundo” e os reflexos na identidade de
um objeto que queira significar para além de sua usabilidade.
Por fim, no capítulo 5, vamos trazer a metodologia de projeto aplicada ao
projeto semiótico. Vamos buscar aplicar o conhecimento obtido em um desenvol-
vimento de projeto sistemático. A ideia é poder perceber a aplicação da teoria na
prática. Ainda nesta parte final, queremos considerar as diversas referências que
devem ser consideradas, neste processo de criação de produtos que têm um poder
de comunicação. Finalizamos o livro com um estudo de caso que possa exempli-
ficar como a aplicação da semiótica no desenvolvimento dos projetos em design
pode conferir maior eficácia aos projetos e trabalhos na área.
Bons estudos!
1
Semiótica –
entendimentos
preliminares
Semiótica – entendimentos preliminares
O capítulo 1 vai trazer um pouco dos conceitos que vão compor a semiótica
como ciência, como se constituiu esta área de saber e sua relação com o design.
Vamos abordar os termos e os entendimentos que estes deixam no cenário do
design. É bastante relevante poder considerar a etimologia das palavras, uma vez
que estas dão as pistas para o entendimento de uma área do saber. Poder transpas-
sar as dificuldades de entendimento de termos novos e diferentes do que estamos
acostumados pode ajudar a elucidar uma área de estudos.
CONCEITO
Etimologia: estudo da origem e da evolução das palavras; disciplina que trata da des-
crição de uma palavra em diferentes estados de língua anteriores, até remontar ao étimo;
origem de um termo, quer na forma mais antiga conhecida, quer em alguma etapa de sua
evolução; étimo.
capítulo 1 •8
OBJETIVOS
• Identificar a origem do termo semiótica;
• Entender o conceito de semiótica;
• Conhecer a semiótica de Charles Peirce;
• Entender a importância da semiótica para a comunicação;
• Relacionar design, semiótica e comunicação.
Origem do termo
capítulo 1 •9
Mais tarde, em 1690, John Locke, filósofo inglês conhecido como pai do li-
beralismo e das ideias notáveis, em seu Essay concerning human understanding,
apontou a semiótica como uma das três grandes áreas de estudos do conhecimento
humano, ao lado da física e da ética. Esse grande filósofo considerou semiótica
como sinônimo da lógica, sendo que a semiótica deveria tratar, em especial, das
palavras, por serem os signos mais relevantes.
CONCEITO
Essay concerning human understanding: Ensaio sobre o entendimento humano
– Editora Martins Fontes, 2012.
Significante
PORCO
Já para Charles Peirce, a relação é triádica (figura 1.2), ou seja, uma relação
existente entre três polos, e não dois, como propôs Saussure. Assim, para Peirce,
teremos o significante, o significado e o que ele representa na cabeça do interpre-
tante. Conforme figura a seguir:
capítulo 1 • 10
Interpretante
Aquilo que se cria
na cabeça do
receptor.
Objeto Signo
A coisa que Aquilo que
representa representa
algo. alguma coisa
ATENÇÃO
As duas mais importantes teorias sobre o signo são a SEMIOLOGIA, associada a
Saussure, e a SEMIÓTICA, associada a Charles Sanders Peirce. São dois modelos que se
propõem validar toda a variedade de signos que compõem a linguagem e são construídas
a partir de conceitos próprios, que ambas construíram para si. Embora ambos os cientistas
tenham estudado em continentes diferentes e de forma independente, há muita similaridade
entre as teorias – em especial, o fato de eles terem se preocupado com os modelos estru-
turais do signo que repercute, fatalmente, na interação entre os seus componentes. Para
ambos, é esta interação entre os elementos, que compõe o signo, que permite a represen-
tação, em qualquer forma que apareça, em um “texto” que um sujeito possa compreender
(FERNANDES, 2011).
capítulo 1 • 11
sígnicos, a linguagem e a comunicação. É a ciência que estuda como os mecanis-
mos de significação se processam natural e culturalmente. Entretanto, diferente-
mente da linguística, a semiótica não limita suas pesquisas ao campo da linguagem
verbal; considera, também, vários outros sistemas sígnicos, como a música, as artes
visuais, a fotografia, a moda vestuário, a fotografia, entre outras.
A semiótica tem como principal utilidade sua dimensão representativa, uma
vez que seu estudo possibilita a relação de construção de sentido, constituindo-se
em um sistema de linguagem, possibilitando a comunicação entre os seres hu-
manos. Esta construção de sentido, organizada em códigos, pode falar de uma
cultura, favorecendo entendimentos do que forma a base da comunicação. Assim,
pode-se perceber que a semiótica está muito mais presente em nossa vida do que
poderíamos imaginar.
capítulo 1 • 12
Como brasileiros, ao observarmos a imagem, imediatamente já a relaciona-
mos como a bandeira de nossa nação. Podemos, ainda, observar os elementos que
a compõem, as cores, as formas, o significado de cada escolha na composição desta
bandeira. Cada um desses elementos tem um recado, um sentido de comunicação,
não é verdade? Esse conhecimento tem um duplo aspecto: o semiótico, que se re-
fere ao significante, e o epistemológico, que se conecta com o sentido do objeto.
Vamos desenvolver melhor esses conhecimentos a seguir.
CONCEITO
Epistemologia diz respeito à ciência do conhecimento. Estuda a origem, a estrutura, os
métodos e a validade do conhecimento.
CONEXÃO
Vale a pena ler um pouco mais sobre a diferença entre a Semiologia linguística, de ori-
gem saussuriana, e a Semiótica, de Peirce. Acesse o link e assista ao vídeo: <https://www.
youtube.com/watch?v=JUlwIwvUmZM>.
A semiótica de Peirce
Vamos agora conhecer um pouco mais sobre Charles Sanders Peirce, que foi
um cientista generalista estadunidense considerado generalista, pois foi matemá-
tico, físico, químico, filósofo, psicólogo, linguista etc. e tentava fornecer uma lin-
guagem comum a todas as ciências que estudava, aplicando seus conhecimentos
em todas essas áreas, com o objetivo de entender as relações de seus diversos ob-
jetos de estudo.
Não é de se estranhar que o filho do professor Benjamim Peirce, um dos mais
importantes matemáticos da renomada Universidade de Harvard, também tenha
se tornado um renomado cientista. Charles Peirce tinha, em sua casa, um ponto
de encontro dos amigos de seu pai, o que incentivava a atmosfera intelectual, que
tanto deve ter servido de base para o então jovem estudioso, que teve na química
sua primeira formação universitária.
Peirce teve como ponto de estudo principal a lógica. Assim, tentava estabele-
cer uma “ponte” de raciocínio entre todas essas ciências. Santaella (1992, p. 31)
capítulo 1 • 13
enfatiza que Peirce foi, antes e acima de tudo, um cientista dedicado, que tinha
um “fio condutor”, que era a Lógica das ciências:
Um cientista, portanto, ele jamais deixou de ser, tendo produzido contribuições impor-
tantes e originais na Matemática e outras ciências até poucos dias antes de sua morte,
em 1914. No entanto, por trás de tudo isso, existia um fio condutor: sendo um cientista,
Peirce era, acima de tudo, um lógico. Essa foi a grande e irresistível paixão de toda a
sua vida. A quase inacreditável diversidade de campos a que se dedicou pode ser expli-
cada, portanto, devido ao fato de que se devotar ao estudo das mais diversas ciências
exatas ou naturais, físicas ou psíquicas, era para ele um modo de se dedicar à Lógica.
Seu interesse em Lógica era, primariamente, um interesse na Lógica das ciências.
Ora, entender a Lógica das ciências era, em primeiro lugar, entender seus métodos de
raciocínio. Os métodos diferem muito de uma ciência a outra e, de tempos em tempos,
dentro de uma mesma ciência. Os pontos em comum entre esses métodos só podem
ser estabelecidos, desse modo, por um estudioso que conheça as diferenças, e que as
conheça através da prática das diferentes ciências.
Ainda segundo Peirce (apud SANTAELLA, 2007), tudo que envolve a pro-
dução humana é uma questão de semiótica, mas não que isso transformasse a
semiótica em uma ciência que se bastasse em si. Como um bom cientista, Peirce
considerava todo conhecimento sempre insuficiente. Dessa forma, a semiótica era
uma parte do todo e devia relacionar-se com outros conhecimentos para poder ser
explicável e definível.
Os fundamentos da semiótica de Peirce encontrou respaldo na quase-ciência
fenomenologia. Esta era, para Peirce, a base para a semiótica, ou melhor, para
qualquer ciência. O papel da fenomenologia é apenas observar os fenômenos e,
por meio da análise, demandar as formas ou propriedades universais desses fe-
nômenos, sendo esta ciência completamente independente de quaisquer outras
(Ibidem). A fenomenologia investiga o modo como aprendemos qualquer coisa:
algo simples, como um cheiro ou ruído; ou algo mais complexo, como um concei-
to abstrato. Enfim, tudo que nos vem à mente é a fenomenologia que vai buscar
entender. Vale, ainda, ressaltar que o estudo fenomenológico é o que vai permitir
a decifração do mundo enquanto linguagem, daí ela ser base para a ciência dos
signos – a Semiótica.
É claro que, para observar fenômenos, devemos ter capacidade contemplativa,
devemos poder observar, distinguir diferenças e categorizar essas diferenças. Dessa
forma, será possível compreender o mundo, dar-lhe significado. A fenomenologia
forneceu as fundações para as três ciências normativas: Estética, Ética e Lógica
ou Semiótica. Estas, por sua vez, fornecem as fundações para a metafísica. Para
capítulo 1 • 14
Santaella (2007), elas são disciplinas muito abstratas e de aspectos gerais, não se
confundem com ciências práticas. São chamadas de normativas porque têm por
função estudar ideais, valores e normas. A Estética é a que vai guiar nossos senti-
mentos; a Ética, nossa conduta; a Lógica (ou Semiótica), os ideais e as normas que
orientam os nossos pensamentos.
Para Peirce (apud SANTAELLA, 1996), as pessoas se relacionam com o seu
entorno por uma relação que se dá em três níveis: primeiridade, secundidade e
terceiridade. Estes entendimentos configuraram a base para a teoria Peirciana e
foram chamados categorias do conhecimento. Estas categorias, ou operações ló-
gicas, não podem ser consideradas entidades mentais, mas “modos de operação
do pensamento-signo que se processam na mente.” (SANTAELLA, 1983, p.42)
Muito da dificuldade em entender os princípios da semiótica está relacionado
com os léxicos escolhidos por Peirce para trazer esses novos conhecimentos. É
interessante observar que, como estudioso de uma área em que a relação de signifi-
cação é tão importante, o cientista não queria que palavras já existentes pudessem
“impregnar” o conhecimento, a relação de sentido que a pessoa faria ao buscar
a relação de entendimento. Assim, as categorias de conhecimento primeiridade,
secundidade e terceiridade, apesar de terem nomes “estranhos”, como se fossem
palavras que não existem, na verdade buscam “inaugurar” uma nova relação de
entendimento.
Vamos, então, ver como estas categorias funcionam no pensamento
(tabela 1.1):
capítulo 1 • 15
Essas categorias apresentadas apontam para a forma como nos situamos no
mundo. Somos seres de representação, que significamos a partir de conhecimentos
prévios. Assim, primeiro os objetos (o algo) surgem em nossa mente, com suas
qualidades mais emergentes; depois, buscamos dar uma relação de identificação;
por fim, uma interpretação do que se trata. Como diz Santaella (1983), o homem
conhece o mundo porque o representa e só interpreta essa representação numa ou-
tra representação. Daí faz sentido compreender a semiótica de Peirce, que se baseia
em uma tríade de classificações e inferências, que relaciona os objetos (algo), suas
representações e nossas interpretações.
Assim, na visão de Peirce, as realizações humanas acontecem no interior da
mediação da linguagem. Todo ato de cognição se dá por outro processo cogniti-
vo prévio, isso porque todo pensamento representa a interpretação de uma coisa
pela outra. Esse processo se dá por meio de um signo, ou seja, é um processo
de representação.
Vamos falar melhor sobre signo no próximo capítulo. Neste capítulo, o inte-
ressante é observar as ideias que pautaram o surgimento da Semiótica e sua relação
com a comunicação.
A semiótica e a comunicação
capítulo 1 • 16
Um romance, um anúncio numa revista, uma notícia no rádio, são tipos diferentes de
discursos que utilizam linguagens verbal, imagética e sonora compostas por signos
distintos. Ora são imagens similares como um desenho de um animal, ora são signos
indiciais como poças d’água no chão que indicam que choveu, ora são palavras que
nomeiam os objetos, convencionados como símbolos que representam estes objetos.
Eles ajudam a compor argumentos de raciocínio dedutivos, indutivos e abdutivos, e
nos permitem estabelecer métodos para chegarmos à compreensão de fenômenos
diversos.
capítulo 1 • 17
O homem e suas ideias são essencialmente semióticos, isto porque tudo que
é produzido pelo processo cognitivo, as ideias e a própria comunicação, acabam
por fazer referência a algo, ideias ou objetos, já presentes no mundo. Assim, basi-
camente tudo a que nos referimos é conhecimento acumulado. Desde o início de
tudo, a linguagem sempre foi considerada a mais importante invenção humana.
Foi através da linguagem que todo o processo civilizatório se desenvolveu, pela
transmissão do que era transmitido de geração para geração, cumulativamente
(FERNANDES, 2011).
Ainda segundo Fernandes (2011, p. 75) “a semiótica é, portanto, a ciência que
estuda a vida dos signos no interior da vida social. Ela vai das mecânicas relativas ao
conhecimento, até as reorganizações formais e, por consequência, as apropriações de
conteúdo, ou de sentido”. Daí a importância de seus estudos e conhecimentos, em
especial no âmbito acadêmico, que por objetivo se relaciona com o conhecimento e
sua construção não apenas por questões específicas, mas como forma de desenvolvi-
mento de outras ciências, que nos dá a possibilidade de aprender algo mais.
Fernandes (Ibidem) conclui este pensamento afirmando que:
A semiótica nos dá a base conceitual e o instrumental que nos permite avançar para
uma análise pragmática dos signos em si mesmos, valorizando determinados aspectos
que não os são em outras conceituações. Como sublinhamos, ela é uma teoria dos
signos, da representação e do conhecimento, que elabora uma extensão da lógica no
território da cognição e da experiência dos fenômenos, propondo novas luzes e olhares
sobre questões da significação e da produção de sentido.
capítulo 1 • 18
Os conhecimentos iniciais de design relacionados primeiramente com o apri-
moramento do produto industrial (primeiros anos do século XX) evidenciavam,
em especial nas escolas alemãs, para uma necessidade funcional do produto, ou
seja, seria necessário ajustar a configuração formal do produto ao seu modo de
funcionamento.
Com o passar dos anos, a elevação de qualidade e os grandes avanços na me-
todologia projectual, outro paradigma se incorporou aos projetos: a relação do
produto com o usuário. Dessa forma, a significação ganhou espaço e importância,
sinalizando para uma nova necessidade de conhecimento, aquele que poderia fa-
vorecer relações de reconhecimento, promovendo uma nova interface. Não mais
bastava ser “formalmente agradável ou ser funcional”; agora havia a necessidade de
“portar a mensagem adequada”, falar o que deve ser dito e para a pessoa certa. Este
passou a ser o novo desafio do designer (NIEMEYER, 2006, p.16).
CONCEITO
Para Bomfim (1995), a metodologia projectual é o estudo dos métodos, das ferramen-
tas e das aplicações que fornecem os passos para que os processos necessários aconteçam
de forma coerente, buscando uma solução adequada para um problema percebido.
capítulo 1 • 19
Nesse processo, o designer é um “articulador”, pois se comunica com o proces-
so produtivo, planejando, projetando e também produzindo aquilo que resultou
como solução projetual para um “problema” apresentado. Para Niemeyer (2006,
p.21), o designer é um GERADOR, atua no “polo de origem”, na fase inicial desse
processo. “Dele parte o elemento comunicacional”.
Conforme pontua Niemeyer (2006, p.21), o produto apresenta uma “cara” na
sua configuração, ou seja, ele fala de si: “suas qualidades e características, o seu modo
de produção, o que serve, para quem se dirige”. Designers devem estar atentos ao
processo comunicativo na construção de seus produtos, devem atentar em especial
para a relação produto x destinatário. Este é um importante papel a ser considerado
na atualidade. E esses entendimentos vão para além das questões econômicas, aca-
bam por constituir um papel social à elaboração do projeto em design.
Apesar da importância dos estudos de semiótica para o desenvolvimento do tra-
balho e projetos em design, parece inicialmente que não há uma aplicação corrente
desses princípios nos projetos, tampouco familiaridade dos alunos e profissionais da
área com a teoria. Niemeyer (2006) também pontua sobre esse quesito, afirmando:
além de outros fatores, podemos apontar como razões para a palavra semiótica não
ser ainda corrente no vocabulário de designers a falta de aprofundamento teórico nos
cursos de design e a deficiente fundamentação teórica de profissionais em design.
Há também a questão da percepção da profissão em si pelos próprios designers: a
superficialidade da sua atuação, cujo o único objetivo se constitui, muitas vezes, em
inconsistente busca de “embelezamento” do próprio projeto. Acrescente-se a falta de
consolidação de critérios de design para a avaliação do produto, muitas vezes conside-
rado segundo os pontos de vista de outras áreas, como o marketing (p.23).
Sobre esse ponto, o que se pode entender é que, com relação às questões
do destinatário do produto e aspectos de significação, a responsabilidade teórica
sempre fosse apenas do marketing, o que não se configura em uma verdade. Isso
porque o marketing, apesar de estar sempre de “olho” no mercado consumidor,
não é o único (e talvez também não seja o mais indicado) a se preocupar com as
questões psicossociais que fundamentam as aderências e as escolhas humanas.
Por fim, finalizando este capítulo, vale reforçar que a semiótica aplicada ao
projeto, como ressaltado por Niemeyer (2006, p. 22), “introduz aportes para re-
solver as questões de correntes da preocupação da comunicação do produto do
design”, inclusive fornecendo subsídios teóricos e parâmetros específicos de design
para avaliação.
capítulo 1 • 20
RESUMO
Vimos que a semiótica é uma ciência de suma importância para o profissional do design.
Pudemos perceber que damos sentido a tudo que nos cerca.
Assim, estudar os signos e entender as relações humanas, suas mais diversas formas
de linguagem – que, obviamente, não dizem respeito apenas à fala –, pode dar as pistas
para o trabalho do designer. Com isso, vimos que a semiótica está muito mais presente em
nossa vida do que poderíamos imaginar. A dimensão representativa possibilita a relação de
construção de sentido, fazendo da semiótica um sistema de linguagem, possibilitando a co-
municação entre os seres humanos.
Vimos, também, que, apesar da origem longínqua, a difusão da semiótica só acontece no
século XX, com as pesquisas de Ferdinand de Saussure e Charles Peirce. A partir dos estu-
dos desses dois estudiosos, considerados os pais da linguística (semiologia) e da semiótica,
respectivamente, é que esta área do saber ganhou esse novo status, de ciência, e passou a
ser conhecida como a Ciência Geral de todas as linguagens. Vimos a diferença entre a lin-
guística (semiologia) e a semiótica, que, embora com entendimentos bem próximos, acabam
por divergir ao observar o “processo significativo”. Para Saussure, há uma relação diádica
entre significante e significado. O significante é a sequência de som que forma uma palavra
reconhecível em um determinado idioma, sua parte material. E o significado é o que a palavra
quer dizer, uma representação sígnica, parte conceitual. Já para Peirce, a relação é triádica,
pois prevê a existência de três polos: o significante, o significado e o que ele representa na
cabeça do interpretante.
Em outro momento do capítulo, falamos especificamente sobre a semiótica de Peirce.
Vimos que os fundamentos da semiótica de Peirce têm relação com a quase-ciência fe-
nomenologia. O papel da fenomenologia é apenas observar os fenômenos e, por meio da
análise, demandar as formas ou as propriedades universais desses fenômenos. Essa ciência
investiga o modo como aprendemos qualquer coisa, permitindo a decifração do mundo en-
quanto linguagem, daí a fenomenologia ser a base para a ciência dos signos – a semiótica.
Neste momento, falamos das categorias propostas por Peirce: primeiridade, secundidade e
terceiridade. Estando a primeiridade relacionada com a percepção imediata, a secundidade é
a representação, e a terceiridade se configura no pensamento completo, que dá todo o con-
texto do signo. Essas categorias apontam para a forma como nos situamos no mundo como
seres de representação, significamos a partir de conhecimentos prévios.
Por fim, falamos da semiótica e sua relação com a comunicação e, em um segundo
momento, com o trabalho do designer. Inicialmente, falamos que todo fenômeno cultural é
também um fenômeno de comunicação, constituído por linguagens que permitem a produ-
capítulo 1 • 21
ção de sentido. E é no ser humano que se desenvolve a transformação dos sinais em signos
pela relação que ele mantém com a linguagem, seja essa verbal ou não verbal. A partir dos
estudos semióticos, é possível “mapear” a produção de significados por seus usuários, propi-
ciando o desenvolvimento da própria comunicação.
Relacionando esse entendimento com o trabalho do designer, pode-se considerar que
um projeto em design deve atender às suas características de significação, deve comunicar
algo, além de buscar solução formal e esteticamente agradável. Finalizando, fica evidente
a necessidade de promover a relação do produto com o meio, o que exige do profissional
uma visão amplificada, relacionando outras áreas que tratam de problemas e questões que
possam ser aplicáveis ao design.
ATIVIDADE
01. Assista ao vídeo disponível no link <https://vimeo.com/42342140>. Depois, procure
listar pelo menos 5 (cinco) imagens que “quebram” com o processo de significação na asso-
ciação imediata entre a palavra e a relação de significado que faríamos. Explique o porquê
de suas escolhas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOMFIM, Gustavo A. Metodologia para desenvolvimento de projeto. João Pessoa: Universitária/
UFPB, 1995.
FERNANDES, José Davi Campos. Introdução à Semiótica. CCHLA. João Pessoa: Universitária/
UFPB, 2011.
NICOLAU, M. ABATH, D. LARANJEIRA, PC. MOSCOSO, T. MARINHO, T. NICOLAU, V. Comunicação
e Semiótica: visão geral e introdutória à Semiótica de Peirce. Revista Eletrônica Temática. UFPB,
2010.
NIEMEYER, Lucy. Elementos da Semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro: 2AB, 2006.
NÖTH, Winfried. A Semiótica do século XX. São Paulo: AnnaBlume, 1996.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1997.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
capítulo 1 • 22
2
Semiótica e seus
elementos: o signo
Semiótica e seus elementos: o signo
O capítulo 2 vai entrar nos detalhes do signo, sua concepção e sua relação com
a linguagem e com o conhecimento.
Vamos tentar abordar como os signos se organizam em códigos e se consti-
tuem em um sistema de linguagem: verbal, não verbal e sincrético. Estes sistemas
formam a base de qualquer tipo de comunicação. No caso do trabalho do desig-
ner, poder entender esta relação é condição para se comunicar com o mundo.
Vamos, também, abordar as possíveis classificações para signos, detalhando
um pouco mais as concepções de Peirce. Para efeito de estudo, é importante divi-
di-los em grupos, categorias e classes e, assim, buscar explorar melhor seu enten-
dimento e interface no processo de comunicação.
Vamos, ainda, tratar do reconhecimento de signo e sua representação. Como
um elemento de interface comunicativa, faz-se necessário conhecer como se dão o
processo e as partes que compõem a significação.
E então? Vamos lá? Muito trabalho nos espera. Bons estudos!
OBJETIVOS
• Entender o conceito de signo e sua importância na linguagem;
• Classificar signos a partir das classificações de Charles Peirce;
• Reconhecer signo e sua representação.
Em termos práticos, signo é algo que representa alguma coisa para alguém em
determinado contexto. Há de ter um contexto para que o signo possa ser enten-
dido. Ficou complicado?
Vamos tentar esclarecer. Conforme proposto por Niemeyer (2010, p.3):
capítulo 2 • 24
Assim, podemos dizer que o signo não é o “algo”, mas representa este algo. E,
neste sentido, vale ressaltar que pode representar tudo, desde palavras proferidas
na linguagem verbal até qualquer outro tipo de elemento que promova a comu-
nicação. Antes de seguir com o signo, vamos falar rapidamente sobre os tipos de
linguagem.
A linguagem pode ser categorizada de acordo com seus códigos utilizados no
processo de comunicação:
• Linguagem verbal – Aquela formada por palavras, na forma falada
ou escrita;
Figura 2.1 – Representação de linguagem verbal (escrita e falada). Fonte: Própria autoria
(união de imagens).
• Linguagem não verbal – Aquela que é formada por imagens. Nesta catego-
ria, encontramos os gestos, os sons, as cores etc.
Figura 2.2 – Representação de linguagem não verbal. Fonte: Própria autoria (união
de imagens).
capítulo 2 • 25
• Linguagem sincrética – Aquela que mistura duas ou mais linguagens.
Além do verbal e não verbal, estão nesta categoria os subentendidos, as relações
com a cultura e as questões particulares de regionalização, que vão se somar para
dar significado à comunicação. Neste caso, para otimizar o entendimento por
parte do receptor da mensagem, unem-se vários tipos de linguagem.
capítulo 2 • 26
CURIOSIDADE
A moda vestuário é uma forma de linguagem. Não é à toa que, na atualidade, o designer
de roupas, também conhecido como designer de moda, precisa conhecer todas as caracte-
rísticas de representação cultural do público para o qual irá se direcionar. Isto porque, ao criar
um produto do vestuário, em especial de moda, este profissional vai lidar com uma gama de
formas de comunicação e significação, sistematizadas e codificadas em determinado contex-
to. A roupa é uma forma de comunicação, logo uma linguagem não verbal estabelecida pelo
usuário, que ganha status de informação no contexto da moda.
Um signo pretende representar, em parte pelo menos, um objeto que é, portanto, num
certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo se o signo representar seu
objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto implica que ele afete uma
mente, de tal modo que, de certa maneira, determine naquela mente algo que é media-
tamente devido ao objeto. Essa determinação da qual a causa imediata ou determinan-
te é o signo, e da qual a causa mediata é o objeto, pode ser chamada o interpretante.
Assim, parece ficar claro que o signo representa algo, ou seja, ele só é signo
se está no lugar daquilo que representa. Neste sentido, o signo é o mediador do
processo, ou seja, os signos estão presentes em tudo que nos cerca. O que nos resta
é aprender a interpretá-los.
Assim, fica aqui clara a relação triádica já abordada no capítulo 1. Para Peirce
(1977), em um primeiro momento, temos o signo em si, concreto; depois, temos
a relação do signo com seu objeto, sua relação com o interpretante; por fim, tere-
mos o resultado da interpretação do interpretante, a forma como este o representa.
Para ilustrar melhor essa relação, podemos utilizar o exemplo de Nicolau,
Abath, Laranjeira, Moscoso, Marinho, Nicolau (2010, p.4):
capítulo 2 • 27
Imagine que você vem por uma estrada e bem adiante algo chama sua atenção. Um
borrão vermelho que se movimenta. Algo cuja qualidade inicial é ser vermelho e isso é
tudo o que você capta dele em um primeiro momento. Ao se aproximar começa a visua-
lizar que o vermelho se agita como um pano. Essa é a segunda característica que você
consegue identificar: a relação do vermelho com um pano em movimento. Por fim, mais
próximo do objeto, você desvenda sua dúvida: alguém agita uma bandeira vermelha na
beira da estrada compreendida imediatamente como sendo um aviso de que há perigo
mais adiante. É desse modo que nos situamos no mundo em nossa volta: primeiro os
objetos surgem em nossa mente como qualidades potenciais; segundo, procuramos
uma relação de identificação e terceiro, nossa mente faz a interpretação do que se
trata. Por isso a Semiótica se baseia numa tríade de classificações e inferências, ao
demonstrar que existem os objetos no mundo, suas representações em forma de sig-
nos e nossa interpretação mental desses objetos. E uma das explicações mais citadas
de Charles Peirce é a de que o signo é aquilo que substitui o objeto em nossa mente;
são eles que constituem a linguagem, base para os discursos que permeiam o mundo.
A partir desse exemplo, podemos perceber que, para Peirce, qualquer processo
sígnico precisa da presença dos três elementos: signo, objeto e interpretante. Sendo
o signo a face mais perceptível, e conforme visto no primeiro capítulo, a parte que
fica na primeiridade. Já o objeto faz parte da secundidade; é a parte existencial que
se relaciona com o intérprete em uma relação de semiose. Por fim, o interpretante,
que fica na terceiridade, é o mediador do pensamento, promove a relação entre o
signo apresentado e o objeto que ele representa; é o efeito do signo no intérprete.
CONCEITO
Semiose é o processo de apreensão e compreensão de um signo. A semiose acontece
em um movimento espiralado, na medida em que toda apreensão pode ser o início de um
novo signo.
capítulo 2 • 28
1. O signo primeiro traz sua relação com ele mesmo, ou seja, como ele
aparece. Esta primeira relação acontece no nível chamado por Peirce de
representâmen e é classificado em:
a) quali-signo; c) legi-signo.
b) sin-signo;
2. O signo segundo traz sua relação com o seu objeto, como o signo o
representa:
a) ícone; c) símbolo.
b) índice;
3. E o signo terceiro traz sua relação com seu interpretante. O interpre-
tante não é o sujeito receptor da mensagem, mas o interpretante do texto
que se produz na mente do receptor, a saber:
a) rema; c) argumento.
b) dicente;
O objetivo dessa divisão é apenas poder mostrar a estrutura por trás da dinâ-
mica cognitiva que permite a nomeação, o processo de significação do mundo ao
nosso redor. É claro que, na “realidade”, o processo se dá de forma global, não há
essa decomposição estrutural no ato da significação. A figura abaixo (figura 2.4)
tem por objetivo elucidar, de forma representativa e imagética, essa relação que
estamos tentando fazer.
(A) (B)
interpretante uma tesoura de criança
Signo Signo
capítulo 2 • 29
(FERNÁNDEZ,2009). Assim, acreditamos que ficará mais fácil poder compreen-
der como se dá o entendimento global.
Diagrama sinté�co do signo
Quali-signo
Transparente, líquido preto, vidro, liso
Sin-signo
Forma curvilínea Legi-signo
25cm de altura por 8 de Signo Manual de fabricação
diâmetro maior
Rema
O que é? Bebida
Ícone SIGNO Para que serve? Matar a sede
Ilustração da O que é pra mim? Bebida
garrafa gaseificada doce
Objeto interpretante
Signo em si ou representâmen
capítulo 2 • 30
Na sequência, temos o sinsigno, um aspecto que já começa a particularizar o
objeto, fala de sua forma e dimensões. As características apresentadas já começarão
a dar corpo ao signo, identificando-o de forma singular: “forma curvilínea, 25 cm
de altura por 8 cm de diâmetro”.
E, por fim, nesse primeiro momento do signo, temos o legisigno, que traz a
lei, as conversões às normas. O padrão estabelecido se manifesta, nesse momento,
no representâmen: características formais de fabricação, fórmula, manual de fabri-
cação, entre outras características legais que falam sobre o produto, estão nesta
categoria.
Conforme observado por Medeiros (2010), “o que deve ser compreendido
nesta parte da análise é que os sinsignos dão corpo aos qualisignos, enquanto os
legisignos funcionam como principais-guias para os sinsignos”.
Objeto
Figura 2.6 – Objeto dinâmico, imediato e o que pode produzir na mente. Fonte: CAESER,
2014.
capítulo 2 • 31
A figura 2.6 pode nos ajudar a configurar a diferença entre o objeto dinâmico,
o objeto imediato e aquilo que ele pode produzir na mente da pessoa. São instân-
cias diferentes no processo de significar um objeto.
Entendida essa diferença, ainda na segunda fase, do “signo segundo”, temos
o ícone, que se constitui por semelhança, ou seja, ao perceber o objeto, na men-
te vem a “ilustração”, um desenho, que, por semelhança, nos faz reconhecer o
objeto representado. No caso da figura 2.5, temos a imagem da garrafa de Coca-
Cola, que, por semelhança ou analogia, configura-se no conhecimento do objeto
dinâmico.
Na sequência, temos o índice, que se faz pela presença de marcas, pistas, que o
objeto dinâmico deixa. O índice resulta de uma singularização, o reconhecimento
de uma referência, de um vestígio. No caso de nosso exemplo, o consumismo
pode estar associado à Coca-Cola em uma relação de causa e consequência. Estas
pistas não se parecem com os objetos que eles substituem (consumismo não é a
mesma coisa que Coca-Cola), mas nós associamos a Coca-Cola ao seu consumo.
Finalmente, temos o símbolo. A associação, neste caso, dá-se por convenção.
A Coca-Cola está associada à ideia de jovialidade. A relação entre o signo e o obje-
to que ele representa é arbitrária, legitimada por regras convencionadas.
Para essa etapa do “signo segundo”, seria interessante observar, de forma mais
imediata, a relação estabelecida entre as partes, conforme tabela a seguir.
Relação de
ÍCONE Signo
semelhança
Referente
Relação
SÍMBOLO Signo
convencional
Referente
Interpretante
capítulo 2 • 32
cada momento um interprete acessa um âmbito dele, sem, contudo, necessaria-
mente esgotá-lo”.
Da mesma forma que fez com o objeto, Peirce também dividiu o interpretante
em três possibilidades:
Voltando para as categorias de cada estágio, podemos dizer que é a hora de or-
ganizar os signos a partir da sua relação com as significações, com o meio. Assim,
o rema corresponde a um enunciado ainda indeterminado: O que é aquilo? O
que significa? O que é para mim? Como pode ser observado na figura 2.6 (questão
da Coca-Cola), nesse estágio as respostas para as perguntas seriam: é uma bebida;
serve para matar a sede; é doce.
Na sequência, temos o dicente, que vem a ser o signo na sua concepção “real”
com relação ao interpretante. É uma situação quase concreta, que já enseja um
sentido julgamento, verdadeiro ou falso. É, então, uma quase-proposição que en-
volve uma rema. Com relação ao nosso exemplo da figura 2.6, diz respeito ao
julgamento que será feito pelo intérprete, considerando o signo.
Finalmente, temos o argumento, o último de nossos estágios de significação.
Nesta categoria, o caráter inequívoco se sobressai. O que constitui o argumento é
a certeza, uma lei geral ou algo do tipo. Vale ressaltar que, nesta etapa, se envolve o
dicente. Trazendo mais uma vez para nossa Figura 6, vemos que as considerações
capítulo 2 • 33
sobre o signo envolvem a campanha de marketing que faz da Coca-Cola um pro-
duto de sucesso no mundo inteiro.
Para finalizar esta etapa, podemos resgatar todos os conhecimentos oferecidos
até aqui por Charles Peirce, considerando as categorias estudadas nessa ciência
intrigante que é a semiótica. A tabela 2.3 abaixo tem por objetivo sintetizar essas
etapas e seu momentos.
Reforçamos, ainda, que todos esses momentos, que parecem tão complexos,
dizem respeito apenas ao momento de significação de forma global. Toda a divisão
proposta é apenas uma forma didática de poder apresentar como funciona nossa
mente no ato de significar, considerando, neste ato, as questões de influência da
cultura, conhecimento e contexto.
Para concluir este capítulo, devemos considerar que a semiótica é a ciência que
nos dá condições adequadas para observar e discutir as questões que envolvem os
signos. Devemos, ainda, considerar a importância desses entendimentos para o
capítulo 2 • 34
designer, pois fornece parâmetros para avaliar as diversas interfaces presentes no
processo de comunicação.
Um artefato, um objeto, um produto, uma roupa, uma revista, tudo que pode
estar a cargo de um designer tem uma responsabilidade neste ir e vir da comuni-
cação. Assim, pensar os signos, sua capacidade analítica e de relações transforma a
semiótica em uma sofisticada ferramenta para estabelecer as relações entre a forma
e o sentido, uma das razões de ser da profissão em design.
RESUMO
Neste capítulo, tratamos do signo, de cada uma de suas características.
Começamos respondendo à pergunta: Afinal, o que é um signo? Conseguimos perceber
que, de forma simples, um signo é aquilo que representa algo. Assim sendo, não é o algo
propriamente, mas outra coisa que causa um efeito em alguém. Ora, o signo não é o objeto,
como diria Santaella (2002), mas está no lugar dele.
Vimos que, de acordo com Peirce (1997), o signo corresponde a si mesmo ou, no má-
ximo, um signo mais desenvolvido. Daí vimos que este segundo signo criado na mente da
pessoa recebe a designação de interpretante, e a coisa representada recebe o nome de
objeto. Assim, essas três entidades formam a relação triádica do signo proposta por Peirce.
A partir daí, vimos que qualquer processo sígnico precisa da presença dos três elemen-
tos: signo, objeto e interpretante. Sendo o signo a face mais perceptível, e conforme visto no
primeiro capítulo, a parte que fica na primeiridade. Já o objeto faz parte da secundidade, é a
parte existencial que se relaciona com o intérprete em uma relação de semiose. Por fim, o
interpretante, que fica na terceiridade, é o mediador do pensamento, promove a relação entre
o signo apresentado e o objeto que ele representa, é o efeito do signo no intérprete.
Depois desse entendimento, categorizamos o que compõe a divisão e a classificação
do signo em três aspectos. O signo primeiro, chamado de representâmen e classificado em:
qualisigno; sinsigno e legisigno. Na sequência, falamos do signo segundo, categorizado como
objeto e classificado em: ícone; índice e símbolo. Por fim, o signo terceiro, o interpretante,
aquilo que se produz na mente do receptor, classificado por rema; dicente e argumento.
Concluímos entendendo que cada uma dessas categorias foi tratada e exemplificada
com o objetivo de buscar entender melhor o que acontece no processo de significação. Con-
tudo, apreendemos que essa dissecação só se estabelece para este entendimento, uma vez
que todo o processo é algo consolidado, global, que não se separa dessa forma.
capítulo 2 • 35
ATIVIDADE
01. Para podermos sintetizar os entendimentos oferecidos neste capítulo, vamos observar
as capas de revista a seguir. Vamos refletir sobre suas linguagens, verbal, não verbal e sinc-
rética. Poderemos perceber que nada que é colocado em uma capa de revista é por acaso;
a escolha dos elementos tem a proposição de passar uma mensagem, fazendo referência a
um determinado contexto e buscando resgatar conhecimentos culturais, sociais, políticos e
por aí vai... Vamos tentar descobrir?
Então, após analisar a imagem, escreva um parágrafo sobre suas percepções. Tente
separar os elementos nas categorias oferecidas pela disciplina. Entretanto, não se prenda
a todos os detalhes, pois pode não ser tão simples neste início. O importante é conseguir
perceber a relação triádica oferecida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAESAR, CAIO. Semiótica e Comunicação. 2014. Disponível em: <https://pt.slideshare.net/
ocaiocesar/aula-ps-moda>. Acesso em: 5 de junho 2018.
FERNANDES, José Davi Campos. Introdução à Semiótica. CCHLA. João Pessoa: Universitária/
UFPB, 2011.
MEDEIROS, Diego Piovesan. Semiótica aplicada ao design. Apostila virtual – Design e
Comunicação Visual. 2010.
capítulo 2 • 36
MONTEIRO, Silvana Drumond. Semiótica peirciana e a questão da informação e do
conhecimento. Revista eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação da UFSC, 2006.
NICOLAU, M.; ABATH, D.; LARANJEIRA, P.C.; MOSCOSO, T.; MARINHO, T.; NICOLAU, V.
Comunicação e Semiótica: visão geral e introdutória à Semiótica de Peirce. Revista Eletrônica
Temática. UFPB, 2010.
NIEMEYER, Lucy. Elementos da Semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro, 2AB, 2006.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1997.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
capítulo 2 • 37
capítulo 2 • 38
3
A dimensão
semiótica do design
A dimensão semiótica do design
O capítulo 3 vai trazer o mundo dos sentidos. Vamos trabalhar a ideia de que
nossa leitura de mundo, nossa relação com os outros, demanda significados e, ao
tentar oferecer objetos e materiais de comunicação para este mundo, é imperativo
entender o direcionamento, papel primordial do designer.
Vamos tentar compreender o design como uma linguagem, conhecendo os
tipos de discurso que se fazem presente. Para isso, será importante conhecer o
conceito de design e de discurso, relacionando-os no processo de comunicação.
Neste ponto, cabe sempre notar que qualquer interface que se faça com objetivo
comunicativo carrega informações, conhecimentos, cultura; então, podemos per-
ceber a relevância dos estudos de semiótica para o profissional.
Por fim, vamos trazer as dimensões do discurso de forma didática, dimensão
sintática, dimensão semântica e dimensão pragmática, quando se dão no contexto
do design, o que deve ser observado, entre outras questões pertinentes.
OBJETIVOS
• Entender o mundo dos significados;
• Compreender o design como linguagem;
• Aproximar os conceitos de design e discurso;
• Entender a Semiótica e as dimensões do discurso: dimensão sintática, dimensão semânti-
ca e dimensão pragmática.
O mundo de significados
Até aqui já nos foi possível perceber que toda a nossa relação social é cons-
tituída pelos significados (sentidos), construídos pelo grupo e a ele referenciado,
elaborados no ato da comunicação. Ou seja, as relações humanas são constituídas
por uma estrutura organizada socialmente e, dentro destas estruturas, estão sím-
bolos, que também foram construídos por estes grupos e que serão utilizados para
que possamos nos entender e entender o mundo que nos cerca. Se algo não fizer
sentido, não vai atingir seu objetivo no processo da comunicação.
capítulo 3 • 40
Vamos pensar, por exemplo, em uma piada. Todo o contexto da piada faz sen-
tido para uns, mas pode não fazer para outros. Quando aqui no Brasil assistimos a
programas de piadas americanas, por exemplo, não vemos a mesma graça que eles.
Muitas vezes falamos “Nossa! Eles acham graça de tudo! Não vi graça alguma!”.
Isto se dá porque, neste ato, estamos alçando informações e “símbolos” que nós
construímos para interpretar um contexto que não é aquele do programa a que
assistimos; assim, não nos pertence e, obviamente, não faz o mesmo sentido.
Vamos pensar em outro exemplo: ao assistirmos o canal do Senado, em um
momento de votação dos juízes do STF (Superior Tribunal Federal), há uma difi-
culdade natural em entender até o que eles estão falando, o que dirá entender se
o voto é a favor ou contra o tópico em questão. Novamente isso acontece porque
aquele universo de sentidos não foi elaborado e dividido pelos mesmos participan-
tes, os juízes e nós, que somos a audiência. O objetivo do discurso deles é se fazer
entender entre eles, mostrando, inclusive, com aquela fala “rebuscada”, a erudição
de cada um deles. Esse ritual denota conhecimento de causa, agrega valor aos
juízes e faz com que eles sejam referenciados como pessoas de um conhecimento
elevado, capazes de decidir o destino de vidas e de uma nação.
Dessa forma, podemos perceber que as questões de sentido no ato da comuni-
cação não são tão simples. Não basta proferir uma fala ou passar uma informação,
construir um objeto de design ou de moda e acreditar que fará sentido para o
público. Há que se estabelecer um elo, uma conexão que fará com que a fala ou
o produto possa ser entendido como pertencente ao grupo e então fazer sentido,
estabelecendo a conexão. Daí a importância dos estudos de semiótica no processo
de constituição do objeto de design. Faz-se necessário observar das etapas de cons-
tituição do processo comunicativo para, assim, oferecer o objeto de diálogo que
melhor fará a comunicação intencionada.
Assim, como um importante vetor de tais desenvolvimentos, a semiótica, a
partir do século XX, como observamos no primeiro capítulo, passou a exercer
grande influência no campo da comunicação, inclusive sendo a sua principal in-
fluência a possibilidade que a teoria nos dá de caracterizar aquilo que, no processo
de linguagem (de qualquer tipo: verbal, não verbal, sincrética), evidencia o siste-
ma da significação. Em outras palavras, a semiótica opta por problematizar este
funcionamento da linguagem tomando-a como uma função social que pertence
ao indivíduo e que garante a este o acesso ao mundo significante1. Para Santaella
(1985, p.44),
1 Fonte Maxwell PUC-RJ.
capítulo 3 • 41
Nós vivemos num mundo semiótico. Semiótica quer dizer: todas as linguagens. Semió-
tica quer dizer: o homem não pensa, não sente, não quer, não deseja, não vive só com a
linguagem verbal, mas tem uma infinidade de outras linguagens com as quais convive
e pelas quais se comunica. Daí o nascimento dessa ciência semiótica, que não vem do
nada, mas exatamente da necessidade histórica de ser ler a pluralidade de linguagens.
capítulo 3 • 42
o objeto ou fundamento do signo (ou da semiose) não é necessariamente algo exis-
tente na realidade de fatos e coisas, mas é um conceito ou ideia que o interpretante,
inserido em algum ambiente cultural, faça desses fatos e coisas. No fundamento de um
processo semiótico estará uma unidade cultural, isto é, um recorte, elementar que seja
(e quase sempre é), de algo na realidade, conforme a mente do indivíduo, socialmen-
te participante de alguma cultura ou subcultura, reconhece esse recorte e consegue
identificá-lo significativamente.
Parece ficar claro que “o significado do signo se insere num processo social-
mente codificado” (DANTAS, 2017, p.42). Desta forma, o “material sígnico” é
reconhecido pelo interpretante como algo de sentido. E o autor completa:
(...) em seu ambiente cultural, porque está organizado conforme regras socialmente re-
conhecidas por aquele interpretante. Essas regras definem quais e quantos elementos
podem pertencer a um sistema sígnico; como se posicionam uns em relações aos ou-
tros; quais materiais podem ser empregados para produzir seus efeitos, dados contex-
tos e circunstâncias; direções no espaço e movimentos no tempo que também afetam
as relações sígnicas (IBIDEM).
Figura 3.2 – Coador de chá com barbatana de tubarão. Fonte: Pinterest (2017).
capítulo 3 • 43
Figura 3.3 – Coador de chá com barbatana de tubarão. Fonte: Pinterest (2017)
Figura 3.4 – Coador de chá com barbatana de tubarão. Fonte: Pinterest (2017).
capítulo 3 • 44
ATENÇÃO
Você já ouviu falar do designer francês Philippe Starck2, que cria objetos diferenciados
sem perder seu direcionamento para a indústria? Se não ouviu, vale a pena pesquisar mais
sobre ele. Starck nasceu em Paris, em 1949. Estudou na École Nissim de Camondo. E, em
1965, ganhou a competição de mobiliário de La Vilette. De lá para cá, participou de vários
projetos importantes e ganhou muitas outras competições na Europa. Sua obra é multidisci-
plinar: vai do design de interiores ao de bens de consumo de massa, como objetos para o lar,
motos, cadeiras, mouses para computador e escovas de dente. Sua principal característica é
criar para a indústria por meio de uma leitura do que seria um produto de design para massas.
capítulo 3 • 45
para conseguir oferecer algo que realmente possa despertar a atenção dos consu-
midores. Vale ressaltar que essas considerações servem para todas as habilitações
em design.
Para Gremas e Courtés (2008, p. 462), a função semiótica pode ser definida
como “a relação de pressuposição recíproca (ou solidariedade), que se estabelece
entre grandezas do plano da expressão (do significante) e do plano do conteúdo
(do significado), no momento do ato da linguagem”. Dessa forma, tanto designers
gráficos, que precisam construir imagens e linguagens que falem com público-al-
vo, quanto designers de produto, que vão fazer roupas e objetos que devem desper-
tar o desejo dos consumidores, bem como outras categorias não ressaltadas, pre-
cisam atentar para a multidisciplinaridade da área com o objetivo de desconstruir
o mundo observado e reconstruir um objeto (imagem) que se possa comunicar
com este mundo.
Dantas (2017) complementa a visão esclarecendo que:
Podemos perceber, assim, que o design pode ser tomado como uma forma de
linguagem. Já que as práticas sociais são atos de comunicação cheios de significa-
dos, um produto ou imagem vai precisar estar, também, impregnado de signifi-
cantes para poder relacionar-se com o grupo.
Design e discurso
capítulo 3 • 46
O discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que se ma-
nifesta (ou oculta) o desejo; é também aquilo que é o objeto do desejo; é visto que isto
a história não cessa de nos ensinar- o discurso não é simplesmente aquilo que traduz
as lutas ou os sistemas de dominação, mais aquilo, por que, pelo que se luta, poder do
qual podemos nos apoderar, permitir a transubstanciação e fazer do pão um corpo .
(FOUCAULT, 1996, pág. 10-11)
Como vimos, o discurso é, então, aquilo que concretiza aquilo em que acre-
ditamos. Ao criar e oferecer um produto de design, lembrando que produto pode
ser imagem, o designer funciona como um autor, e seu produto, o resultado, o seu
discurso.
Dessa forma, o produto do designer é cheio de significados, que acabam por
ser também sua expressão do Eu, daquilo em que ele acredita, transformado em
matéria tangível. Como autor desse processo, o designer também dá forma “a vetores
de sociabilidade3” por meio de objetos, “há que se admitir que o consumo, o uso,
o gosto, a posse, enfim, uma série de gestos sociais acaba mediada inevitavelmente
por objetos” (IBIDEM). Vale, ainda, ressaltar o diálogo presente nesse processo, pois
não só o designer fala através do objeto como o consumidor também o faz através
de suas escolhas por este ou aquele objeto. O sujeito social se expressa por meio do
consumo, em especial na sociedade capitalista, o que faz com que os objetos possam
ser tanto constituidores da realidade do consumidor como resultado do que o con-
sumidor vê como realidade. Daí o design ser um ato de linguagem.
Em um mundo cercado por objetos, o designer pode expressar suas ideias, ou
as ideias de uma marca, por meio de sua criação. Aquele que compartilha dos va-
lores, do gosto, do estilo de um designer (marca) vai pelo consumo evidenciar essa
relação. Vejamos a seguir alguns exemplos:
O designer de moda Ronaldo Fraga tem toda uma característica muito própria
de criação ilustrada, narrada e que valoriza o estilo e as regiões brasileiras. Fez bas-
tante sucesso nas passarelas da moda, assinou, com sua projeção, outros produtos,
como a linha de sandálias para Melissa, linha de óculos para Chilli Beans e linha
de casa para Tok&Stok. Todos os produtos guardam suas características de estilo,
como se pode ver a seguir. Aquele que se identifica com o estilo dele vai gostar de
ter outros produtos, às vezes não do vestuário, mas um objeto de decoração, por
exemplo.
capítulo 3 • 47
Figura 3.5 – Desfile Ronaldo Fraga - 41ª edição da São Paulo Fashion Week (2016) -
Fotos: Agência Fotosite. Disponível em: <Fashionnetwork.com>.
Figura 3.6 – Desfile Ronaldo Fraga - São Paulo Fashion Week (2012) - Fotos: Studio Rosso.
Disponível em: <studioclaudiorosso.com.br>.
capítulo 3 • 48
Figura 3.7 – Linha de sapatilhas Ronaldo Fraga para Melissa. Disponível em: <Fashion
network.com>.
Figura 3.8 – Linha de óculos Ronaldo Fraga para Chilli Beans. Fonte: Olho Mágico.
capítulo 3 • 49
Figura 3.9 – Linha Ronaldo Fraga para Tok&Stok. Disponível em: <tokstok.com.br>.
Figura 3.10 – Linha de Joana Lira para Tok&Stok. Disponível em: <tokstok.com.br>.
capítulo 3 • 50
Figura 3.11 – Linha vasos divertidos, Joana Lira para Tok&Stok. Disponível em: <tokstok.com.br>.
Vamos, então, falar das dimensões do discurso que afetam o produto do de-
sign. As dimensões do discurso aqui apresentadas são inspiradas pelo estudo de
Charles Morris que acompanha a mesma visão triádica de Pierce. Como podemos
perceber na figura a seguir, Morris também propõe uma visão em três dimensões.
Em sua visão, a dimensão sintática, a semântica e a pragmática:
Objeto/
Produto
Semân�ca
Signo
Pr
a
ag
�c
má
tá
Sin
�c
a
Intérprete/ Outros
usuário Signos
Figura 3.12 – Relação triádica proposta por Morris (1976). Fonte: Autoria própria.
capítulo 3 • 51
Na dimensão da semiótica, o design articula vários entendimentos na con-
cepção de criação do produto. Niemeyer (2010, p.49) afirma que o produto tem,
ainda, a quarta dimensão, que é a material, conforme palavras da autora: “a di-
mensão material (hílico), a técnica ou construtiva (sintaxe), a dimensão da forma
(semântica) e a dimensão do uso (pragmática)”. Essas dimensões precisam ser
consideradas para que se possa entender o produto como um todo. Não há como
considerar apenas uma das partes.
A dimensão material, ou hílica, é a que considera a dimensão física, corpórea
do objeto. Em um estudo semiótico, essa dimensão só é considerada quando arti-
culada com as outras. É claro que o material (ou outras questões de construção) é
importante e influencia outras dimensões, mas, para a semiótica, as outras dimen-
sões têm mais relevância.
A dimensão sintática leva em consideração a estrutura do produto, sua par-
te técnica, as conexões e tudo mais que implica na construção do produto. Nas
questões de linguagem, a sintaxe é a parte dos estudos que se preocupa com as
palavras, os símbolos e os signos que formam o vocabulário. Trazendo essa preo-
cupação para o design, na dimensão sintática há uma preocupação com estrutura.
Conforme proposto por Cardoso e Pacheco (2017):
(...) considera-se a dimensão sintática dos signos como aquela que trata de todas as ca-
racterísticas/qualidades perceptíveis dos elementos (os visuais, os sonoros, os táteis, os
olfativos, os gustativos) que constituem o signo e como esses elementos estão arranja-
dos, dispostos entre si. São esses elementos perceptíveis que podem veicular conteúdos
na dimensão semântica. Além de todos os diferentes elementos sensoriais mencionados
e seus arranjos, nessa dimensão, considera-se, inclusive, o movimento desses elementos
perceptíveis – que auxilia como estímulo de experiências sinestésicas. Assim, analisar os
elementos perceptíveis de um objeto de design, por exemplo, significa examinar todos
os elementos que constituem a aparência desse objeto e como esses elementos estão
organizados, ordenados uns em relação aos outros (p. 94).
capítulo 3 • 52
(...) ao analisar-se a dimensão sintática, considera-se tudo o que se vê, se ouve, se toca,
se cheira e se saboreia, de modo objetivo, sem levar em conta o que esses elementos
sintáticos têm potencial de representar, evocar, suscitar, indicar (dimensão semântica).
Também não se considera o efeito que esses elementos têm na mente de um intér-
prete (p.95).
CONCEITO
De forma geral, um emoji é considerado uma imagem que transmite a ideia de uma pa-
lavra ou frase. Emojis são comuns em redes sociais para expressar as emoções dos usuários.
capítulo 3 • 53
São diferentes as qualidades representacionais de uma cadeira de jardim, por exem-
plo, de uma cadeira de escritório, de uma cadeira de jantar. Os motivos não são só
pragmáticos e materiais, mas também uma questão de representação. A semântica do
produto está sujeita a mudanças se o material dele muda. Por exemplo, um bule pode
ser de porcelana ou de aço inoxidável. A função prática é a mesma em ambos os casos,
mas a qualidade dos bules não é a mesma, pois os dois bules são feitos de materiais
diferentes e têm modos também diferentes de expressar as respectivas qualidades do
bule. Portanto, são descritos de modos distintos.
capítulo 3 • 54
de diferentes indivíduos em relação a determinados signos, em situações e cir-
cunstâncias práticas de vida, de contato, de uso com esses signos” (CARDOSO E
PACHECO, 2017, p. 96).
Para a área do design, a dimensão pragmática é a mais completa, por dar conta
de todo o processo e de relações intencionadas ao se desenvolver um produto. Esta
completude pode ser observada de forma figurativa no círculo da compreensão
abaixo, proposto por Morris (1946/1976) e desenvolvido por Cardoso e Pacheco
(2017).
SIGNO
Figura 3.13 – Relação triádica proposta por Morris (1976). Fonte: Autoria própria.
RESUMO
Neste capítulo, tratamos o mundo dos sentidos, trabalhamos a ideia de que tudo tem um
significado e que o objeto é uma forma de ler o mundo, ao mesmo tempo em que permite
uma leitura de nós. Dessa forma, como um elemento de comunicação, o objeto/produto do
designer precisa cumprir algumas etapas no processo de comunicação.
capítulo 3 • 55
Tentamos compreender o design como uma linguagem, conhecendo os tipos de dis-
curso que se fazem presentes. Nesta etapa, falamos do conceito de design e de discurso,
relacionando-os no processo de comunicação. Abordamos o fato de que, neste processo
comunicativo, os conhecimentos, a cultura, as visões de mundo são de grande importância
para o profissional do design.
Por fim, tratamos das dimensões do discurso de forma didática, dimensão sintática, di-
mensão semântica e dimensão pragmática. Observamos que a dimensão sintática leva em
consideração a estrutura do produto, sua parte técnica, as conexões e tudo o mais que
implica na construção do produto, ou seja, preocupa-se com a estrutura do produto. Já a
dimensão semântica é a da significação consensual do objeto. Em outras palavras, aborda a
relação dos elementos sintáticos do signo com aquilo que os elementos podem representar
ou evocar semanticamente, em uma determinada cultura e contexto. Por fim, a dimensão
pragmática é aquela que engloba as dimensões anteriores no momento da prática de sua
relação com o usuário. A pragmática, a última das dimensões, dá conta da relação dos signos
com os seus intérpretes.
ATIVIDADE
Para podermos avaliar nossos entendimentos sobre o assunto, vamos tentar responder
à questão do ENADE 2012 para Design:
01. A força do reconhecimento e das conexões dá-se de acordo com as capacidades inter-
pretativas dos signos. Daí a importância do estudo da semiose designer – produto – usuário,
com base na teoria semiótica.
capítulo 3 • 56
É correto apenas o que se afirma em:
a) AII.
b) I e II.
c) I e IV.
d) III e V.
e) III, IV e V
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Programa de Pós-Graduação em Design, Departamento de Design e Exp. Gráfica, UFRG, Porto Alegre,
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DANTAS, Marcos. Semiótica da mercadoria: para uma introdução à economia política do signo. In:
Revista Eptic., vol. 20, nº 1, 2018.
DRUCKER, Peter Ferdinand. Inovação e espírito empreendedor: prática e princípios. Trad. Carlos
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FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de
dezembro de 1970. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 2012
GREIMAS, A. J; COURTÉS, J. (2008). Dicionário de Semiótica. 7. ed. São Paulo: Contexto.
MEDEIROS, Diego Piovesan. Semiótica aplicada ao design. Apostila virtual – Design e
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MONTEIRO, Silvana Drumond. Semiótica peirciana e a questão da informação e do
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1976.
NICOLAU, M.; ABATH, D.; LARANJEIRA, P.C.; MOSCOSO, T.; MARINHO, T.; NICOLAU, V.
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NIEMEYER, Lucy. Elementos da Semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro: 2AB, 2006.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1997.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
capítulo 3 • 57
capítulo 3 • 58
4
O produto
de design
O produto de design
O capítulo 4 vai abordar o produto em design, buscando compreender as
características que fazem um produto ser considerado de design. No âmbito da
criação em design, quanto mais um produto informa, mais forte é sua identidade.
Em uma abordagem fundamentada na semiótica, as questões sígnicas do produto
devem ser consideradas segundo a cultura na qual o processo de comunicação irá
acontecer. Assim, vamos tentar, também, entender as questões de identidade do
produto. Os quesitos que o fazem “único”, proporcionando a diferenciação, as
questões de informação que devem ser consideradas e tudo o mais que pode fazer
com que um produto (imagem) seja escolhido em detrimento de todos os outros.
Vamos falar também das referências do produto, entender o que significa e
como podem garantir o sucesso de comunicação entre o produto e o seu receptor.
Várias são as referências que devem ser consideradas ao se desenvolver um produ-
to. Vamos relacionar algumas, considerando seus reflexos no resultado.
Ainda neste capítulo, vamos abordar o termo GLOCAL, seu significado
e influência na geração de significados, falar um pouco sobre “cultura-mun-
do” e os reflexos na identidade de um objeto que queira significar para além de
sua usabilidade.
E então? Vamos lá? Muito trabalho nos espera. Bons estudos!
OBJETIVOS
• Entender as questões de identidade do produto;
• Entender a referências do produto;
• Compreender a expressão GLOCAL e a relação com o produto de design.
A identidade do produto
capítulo 4 • 60
A identidade de um produto (ou imagem) deve reunir toda a referência, em
especial de ordem visual, que possa levar à identificação daquele produto, estabe-
lecendo vínculos com ele e com a empresa que o comercialize, mantendo padrões
e consolidando produto e marca.
Para Niemeyer (2003), o produto do design deve apresentar uma mensagem
adequada. Sua função significativa deve deixar claro o que pretende para seu públi-
co-alvo. Além disso, sua forma deve ser esteticamente agradável e, ainda, deve ser
funcional. A autora (Ibidem) também propõe que, de modo simplista, a identida-
de pode ser vista segundo três tipos de informação: existência, origem e qualidade.
A informação sobre existência considera o produto material como aquele que
carrega em si sua comunicação. É ele mesmo “sua própria condição fenomênica”.
No caso da informação sobre origem, o produto informa sobre quem o desenvolveu
e fabricou, seu país e sua cultura. E, finalmente, na informação sobre qualidade, o
produto “informa sobre sua função, uso e qualidade” (NIEMEYER, 2003, p.7).
Observe a imagem abaixo (figura 4.1). Na sequência, observe a imagem das
garrafas da Coca-Cola (figura 4.2). É possível perceber que tanto a imagem ante-
rior, apesar de nenhuma informação sobre o produto, quanto a imagem posterior,
já com a nova identidade visual, remetem ao produto mundialmente conhecido,
que é o refrigerante Coca-Cola. Este reconhecimento imediato denota que o pro-
duto tem uma identidade própria facilmente reconhecível. Para um trabalho em
design, este é um dos principais pontos.
capítulo 4 • 61
Figura 4.2 – Garrafas Coca-Cola com nova identidade visual. Disponível em:
<Designersbrasileiros.com.br>.
CONEXÃO
Os 130 anos de evolução do logotipo da Coca-Cola. Disponível em: <https://www.coca-
colabrasil.com.br/historias/conheca-os-130-anos-da-evolucao-do-logotipo-da-coca-cola>.
Um bom exercício neste passeio pelos logotipos da Coca-Cola é buscar relacionar o que
a sociedade estava vivendo naquele momento e o estilo da marca oferecido. Além disso, ao
relacionar os slogans e as épocas, você vai se surpreender com questões em que não havia
pensado ainda.
capítulo 4 • 62
O design – atividade responsável pela criação, inovação e invenção de produtos
e imagens que vão dar origem àquilo que conhecemos como cultura material de
uma região – deve buscar avaliar quais são os símbolos, as informações e os com-
portamentos de determinado povo. Este reconhecimento vai estabelecer o proces-
so de comunicação e será determinante na performance de mercado do produto.
O design, para Ono (2004), tem como função básica tornar os produtos comuni-
cáveis em relação às funções simbólicas, possibilitando que a atividade do designer
seja decisiva no desenvolvimento de suportes materiais, relações simbólicas e prá-
ticas dos indivíduos na sociedade, fazendo com que esse profissional, então, possa
participar de forma ativa na constituição de “gosto” de um povo, influenciando no
comportamento das massas.
A referência em design
capítulo 4 • 63
Niemeyer (2003) aponta, em seu livro Elementos da semiótica aplicados ao
design, algumas referências que podem ser adotadas pelo designer em seu projeto.
Vamos comentar estas referências a seguir:
• Referências icônicas: dizem respeito às semelhanças, que podem ser ima-
gens, metáforas, organização e elementos que possam fazer lembrar determinado
ícone. Neste tipo de referência, podemos ver relação com forma, cor, material,
estilo, semelhança ou comparação. Bons exemplos neste quesito podem ser móveis
que se assemelhem a móveis de hospital, por exemplo. O vermelho dos bombei-
ros, a forma arredondada de brinquedos de crianças, entre outros. Ou seja, ao
desenvolver um projeto, o designer deve estar atento para que a referência que
estará fazendo, mesmo que por acidente, não prejudique a inserção de seu produ-
to em determinada cultura. Um exemplo disto são roupas com cor da bandeira
de determinado país. No Brasil, não gostamos de, no dia a dia, nos vestir com
as cores da bandeira, que acabam por virar peças chamadas “icônicas” e podem
ser consideradas interessantes só para determinados períodos, como uma Copa
do Mundo. Conforme pode ser observado na imagem abaixo (figura 4.3), estes
looks são bem-vindos em momentos de jogos e campeonatos em que o Brasil vá se
apresentar; entretanto, fora dessas datas, o brasileiro, talvez pelas questões políticas
e econômicas que nos cercam, têm resistência para essas combinações de cores.
Figura 4.3 – Proposta de looks para as Olimpíadas do Rio. Disponível em: <http://
fabianascaranzi.com.br/aposte-no-verde-e-amarelo-durante-as-olimpiadas/>.
capítulo 4 • 64
Contudo, essa não é uma questão mundial. Norte-americanos usam muito
as cores de sua bandeira, além de fazer referências a ela em seus looks (figura 4.4).
Marcas consagradas como a americana Tommy Hilfiger desfilam regularmente
suas coleções sazonais, nas quais não pode faltar a referência às cores e aos ícones
da bandeira dos Estados Unidos.
Figura 4.4 – Desfile da marca Tommy Hilfiger, coleção resort 2017. Disponível em:
<pinterest.com.br>.
Figura 4.5 – Poltrona Egg, que recebeu este nome por se assemelhar à casca de ovo. Dis-
ponível em: <penteadeiraamarela.com.br>.
capítulo 4 • 65
• Referências indiciais: este tipo de referência confere uma ideia de causa-
lidade, como se uma “pista” de algo tivesse sido deixada, denotando a origem de
um trabalho ou acabamento – por exemplo, quando uma cor que for passada em
uma superfície deixar as marcas do pincel; o cheiro de “novo” dos estofamentos
de carro; um detalhe de acabamento que deixe transparecer a ferramenta usada
para fazer o acabamento; marcas de uso, que acabem por se estabelecer como o
contrário do “novo”, entre outros.
Na atualidade, esse tipo de tratamento ou acabamento é muito comum em
decoração e na moda vestuário: os efeitos da pátina (figura 4.6), por exemplo, que
confere um ar “antigo” ao produto novo; o acabamento das pinturas de parede,
que deixam marcas de ferramentas (figura 4.7); as calças jeans rasgadas que estão
em voga (figura 4.8). Todos esses são indícios, menções ou pistas que denotam
uma relação com outros materiais.
Figura 4.6 – Mesinhas de apoio lateral com acabamento em pátina. Disponível em:
<pinterest.com.br>.
capítulo 4 • 66
Figura 4.8 – Os famosos jeans rasgados que fazem referência às aventuras e à sustentabi-
lidade. Disponível em: <pinterest.com.br>.
capítulo 4 • 67
Figura 4.9 – Campanha da Reserva para o dia dos namorados em 2017. Disponível em:
<poder360.com.br>.
Esta não foi a primeira vez que a marca se envolveu em polêmicas desta or-
dem. Em 2014, colocou nas etiquetas de cuidados das peças a frase “Para entender
melhor a simbologia de lavagem, acesse: usereserva.com.br/cuidadoscomaroupa.
Ou dê para sua mãe. Ela sabe como fazer isso bem” (figura 4.10). Nesta ocasião, a
marca foi muito criticada por já fazer uma referência ao trabalho doméstico como
algo apenas feminino e, apesar das declarações dos sócios dizendo se tratar de uma
“brincadeira inocente”, as críticas não foram das melhores.
Figura 4.10 – Etiquetas com instruções de lavagem da marca Reserva. Disponível em:
<poder360.com.br>.
capítulo 4 • 68
Além das questões de campanhas, que criam imagens e discursos sem refletir
sobre as questões simbólicas que envolvem o projeto, vale refletir sobre outras
questões culturais ao desenvolver produtos materiais. Na Índia, por exemplo, o
branco é a cor relacionada ao luto, enquanto que no Brasil denota paz. Assim,
uma noiva da Índia dificilmente se casaria de branco, assim como a do Brasil difi-
cilmente se casaria de preto, por conta de todo o simbolismo envolvido na adoção
das cores para o desenvolvimento de produtos.
Em todos esses exemplos apresentados, é sempre muito relevante para o fu-
turo designer poder observar o que está por trás da adoção de determinado estilo,
forma cor, entre outros. São estas pistas que vão orientar a pesquisa em busca de
novos produtos e imagens que se possam conectar com o consumidor do produto.
Niemeyer (2003, p.10) oferece uma lista que relaciona o produto e o inter-
pretador que devem ser observados quando do desenvolvimento de produtos e
projetos em design:
• Aspectos temporais e espaciais relacionados ao uso do produto;
• A caracterização do interpretador;
• A relação do produto com a situação do interpretador;
• As motivações do interpretador;
• As expectativas do interpretador em relação ao produto;
• A ontologia do produto;
• A(s) finalidade(s) do produto;
• Tipologia do produto;
• Características físicas do produto;
• A que o produto se parece;
• Designação do produto: o(s) nome(s) pelo(s) qual (quais) o(s) produto(s) é
(são) designado(s);
• Produto como veículo de comunicação social;
• O modo pelo qual o produto atua como veículo de comunicação social;
• O papel do produto como um elemento de discriminação, integração ou
ordenação social.
capítulo 4 • 69
significação de algo que será interpretado e, como pode ser visto, que vai circular
por várias esferas da comunicação humana.
capítulo 4 • 70
Em contrapartida, a globalização trouxe também muitas desvantagens. A mais
notória é o crescimento da desigualdade: em vez de permitir um desenvolvimento
de todas as partes do globo, abrir novos postos de trabalho, como preconizado, a
globalização ajudou a expandir áreas já desenvolvidas, tornando as menos desen-
volvidas cada vez mais dependentes. Outra questão da globalização é fazer com
que as nações já mais abonadas consigam expandir suas culturas, enquanto as
periféricas continuam à margem do sistema. Um terceiro ponto é a questão finan-
ceira: crises econômicas se espalham pelo mundo com muita rapidez, favorecendo
caos financeiro e colapso de economias mais frágeis. Por fim, o pior dos efeitos
da globalização diz respeito ao dano ambiental: acredita-se que a aceleração do
consumismo seja o principal fator neste quesito.
No que tange a semiótica, a questão da aculturação é um fator que pode in-
fluenciar o trabalho dos designers em tempos de globalização. Isto porque, como já
falamos, nosso processo de comunicação é mediado pelos significados construídos
de forma social. Assim, quando as culturas sofrem alterações, os designers devem
estar atentos, para poderem acompanhar os acontecimentos.
Para Harnnez (1997, p.16), a cultura de um povo era como unidades fechadas
em si mesmas em sistemas autocontidos de valores, padrões de comportamento,
crenças, práticas, nos quais os "limites de grupo" confundiam-se com "os limites
de cultura". Para Kluckhohn (1951, p.86):
capítulo 4 • 71
ligada à noção de difusão, que vem a ser a aquisição ou adoção de um fato cultural
característico de uma cultura por outra.
Iden�dade (herdada
e aprendida)
Cultura
(aprendida)
Natureza humana
(herdada)
Figura 4.11 – Esquema da programação mental proposto por Hofstede (1991). Fonte: Pró-
pria autoria.
Para Hofstede (1991), a cultura pode ser aprendida e vai se manifestar por
meio da história, da religião e da educação de um povo. Estes fatores serão rele-
vantes para modelar uma sociedade. A cultura será, então, um mediador para a
construção da identidade. Para perceber essas influências culturais, devem-se ob-
servar as instituições criadas pelo grupo (povo). Com a eliminação das fronteiras,
essa cultura, que servia de mediadora e podia ser percebida, passou a ser híbrida,
com muitas referências, muitas vezes não genuínas, resultando, também, em uma
identidade fragmentada.
Vivemos, então, em uma nova Era, de um mundo sem fronteiras. Lipovetsky
e Serroy (2011) afirmam que “nos tempos hipermodernos, a cultura tornou-se
um mundo cuja circunferência está em toda parte e o centro em parte alguma”.
Esta é a ideia da “cultura-mundo”, estreitar fronteiras e permitir a troca entre as
nações, mas, ao mesmo tempo, culminamos na falta de identidade, ocasionada
por um hibridismo que põe em voga a questões existenciais e de pertença, que,
obviamente, vão alterar as formas de criar e consumir. Neste sentido, Lipovetsky
e Serroy (2011, p. 9) afirmam que “a cultura-mundo significa o fim da hetero-
geneidade tradicional da esfera cultural e a universalização da cultura mercantil,
apoderando-se das esferas da vida social, dos modos de existência, de quase todas
atividades humanas”.
Na contramão dessa expansão das fronteiras e da aculturação, os seres passam
a buscar por mais pertencimento. Daí surge um novo conceito, que tem sido cha-
mado de Glocal. A ideia do conceito é a mistura da globalização com a localização,
capítulo 4 • 72
ou seja, uma mistura do que a globalização nos permite conhecer com sua expan-
são de fronteiras, tecnologia e comunicação, com um olhar atento e adaptado para
as questões locais. Como se fosse o melhor dos dois “mundos”. Assim, os grupos
voltam o olhar para suas particularidades, para suas memórias, buscam seu DNA
com o objetivo de resgatar sentimentos e experiências.
A partir desses conceitos, parece ficar claro o papel de pesquisador que o desig-
ner deve assumir no processo de oferecer produtos e imagens que possam cumprir
com seu papel comunicacional. Nesse sentido, a semiótica é uma teoria muito
importante para que o designer possa buscar as referências que serão consideradas
ao propor suas imagens ao consumidor. Um conhecimento abrangente da cultura
à qual estará direcionando seu discurso é condição neste processo.
RESUMO
Neste capítulo, tratamos do produto em design, buscando compreender as caracterís-
ticas que fazem um produto ser considerado de design. Falamos da questão da informa-
ção, considerando que, quanto mais um produto informa, quanto mais apresenta referências,
maiores são suas possibilidades de ser adotado e lembrado por seu público-alvo.
Consideramos, ainda, que, em uma abordagem fundamentada na semiótica, as questões
sígnicas do produto devem ser consideradas segundo a cultura na qual o processo de co-
municação irá acontecer. Assim, tratamos de entender os conceitos de identidade na esfera
do design.
Falamos também das referências do produto, com o intuito de garantir o sucesso de
comunicação entre o produto e o seu receptor. Buscamos relacionar as referências, conside-
rando seus resultados no produto.
Por fim, falamos do conceito GLOCAL e da influência na geração de significados; fala-
mos sobre cultura e a tônica desta nova era que é a “cultura-mundo” e os reflexos na identi-
dade de um objeto que queira significar para além de sua usabilidade.
ATIVIDADE
01. Construindo painéis semânticos para inspiração de desenvolvimento de características
de produto:
Painel semântico, ou mood board, é um quadro no qual são colocadas imagens, fotos,
cores, objetos e até palavras que possam exprimir o “humor” de um projeto. A ideia principal
capítulo 4 • 73
é poder traduzir a essência de um serviço/produto ou marca. Ao longo da vida profissional,
o designer vai construir muitos painéis semânticos, pois esta é a melhor forma de deixar
transparecer o estilo, a identidade de um trabalho. Seguem alguns exemplos de painéis se-
mânticos usados para exprimir a essência de um projeto.
Figura 4.12 – Painel semântico para projeto em design de interiores. Disponível em:
<pinterest.com.br
Figura 4.13 – Painéis semânticos para projeto em design de moda. Disponível em:
<pinterest.com.br>.
capítulo 4 • 74
Agora é sua vez! A proposta para esta unidade é compor um painel semântico de sua
região, buscando resgatar o DNA de sua localidade. O objetivo é que, ao olhar o painel, seja
possível identificar o local/região/cultura sem que seja necessário dizer o que você queria
exprimir. Ao terminar, mostre para um colega e veja se as impressões combinam com a sua
intenção ao construir o painel.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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HANNERZ, Ulf. Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da antropologia transnacional. Mana, Rio de
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PANOFF, M.; PERRIN, M. Dicionário de etnologia. Lisboa: Edições 70, 1973.
capítulo 4 • 75
capítulo 4 • 76
5
O projeto em
design: Uma
abordagem
semiótica
O projeto em design: uma abordagem
semiótica
OBJETIVOS
• Trabalhar a metodologia em um projeto semiótico;
• Desenvolver os propósitos comunicacionais no produto de design;
• Aplicar os conhecimentos adquiridos no desenvolvimento do projeto em design.
capítulo 5 • 78
empreendedor da área do design, uma vez que como já abordamos, o objeto de
design estabelece um diálogo com o outro, além de representá-lo.
A área do design é multidisciplinar, como já sabemos, e o uso de uma metodo-
logia de processos no desenvolvimento do produto pode ajudar e evitar erros ao
longo do projeto, para isto há que se ter um método. De acordo com o Dicionário
Aurélio (2004), “método é o caminho pelo qual se chega a um determinado re-
sultado, ainda que esse caminho não tenha sido fixado de antemão de modo de-
liberado e refletido.” Este entendimento é importante para aquele que desenvolve
projeto, pois permite uma análise do caminho com vistas a melhorar o processo e
se antecipar aos problemas do caminho.
Essa visão metodológica surge com mais proeminência a partir dos anos 1960,
com a abertura de mercados e aumento de consumo houve um aumento das ta-
refas direcionadas para designers. Baxter (2011) um dos principais autores nesta
área fala da importância de se ajustar o método à natureza do projeto afirmando
que não há uma garantia de sucesso, mas quando o destino é bem escolhido e a
estrada bem percorrida, quando se tem a consciência da necessidade de ajuste de
curso, as possibilidade de sucesso são aumentadas. MUNARI (2008), também
nesta mesma linha, afirma que para o designer o método “não é nada absoluto
nem definitivo”, o designer deve estar preparado para modificar o processo com o
objetivo de melhorá-lo sempre que preciso.
Essas visões nos dão a pista de que cada projeto é um, com suas características
e necessidades, razão pela qual é preciso uma reflexão sobre o objetivo e o processo
durante a execução. Errar faz parte do processo, contudo, o que se buscar é errar
novos erros, com o intuito de ser inovador e reflexivo. Para Frisoni (2000)
capítulo 5 • 79
que trouxeram a metodologia para aplicação em desenvolvimento de problemas
complexos apresentavam uma sequência linear de ações, com etapas que depen-
diam de conclusões de outras para que se pudesse seguir a diante. Horst Rittel foi
um dos primeiros pesquisadores a oferecer esta organização metodológica linear.
Conforme figura 5.1, podemos perceber a linearidade oferecida pelo autor para a
solução de problemas.
Coleta de informações
Testar e implementar
capítulo 5 • 80
O autor aponta algumas regras básicas que devem ser seguidas em um projeto
sistemático 4:
a) As metas definidas devem ser claras, concisas, específicas e verificáveis. Ou
seja, o início do projeto deve ter metas claras e específica, que devem poder ser
verificadas. Muitas vezes os projetos não funcionam exatamente por deixarem de
seguir passos que parecem ser básicos como este.
b) O designer deve acompanhar o processo de geração do novo produto, compa-
rando com as metas estabelecidas, aquilo que foi realizado. Neste caso, o designer
não pode apenas projetar, ele deve acompanhar a execução para poder comparar
com as metas que foram estabelecidas, verificando a realização e estando apto a
praticar os ajustes, em caso de necessidade.
c) Deve ser criativo, gerar muitas ideias para poder selecionar a melhor, mesmo
que algumas delas se apresentem como inviáveis, nas etapas de análise e avaliação.
A etapa de geração de ideias deve ser frutífera, assim, neste momento, o mais
importante é não ser muito crítico, desta forma, muitas ideias poderão ser traba-
lhadas nas próximas etapas.
Para Baxter (1998) as atividades do projeto de produtos não seguem uma
linha reta. Estas são marcadas por avanços e retrocessos. Estas idas e vindas per-
mitem novas visões do problema e abrem para novas oportunidades, promovendo
o aperfeiçoamento do produto. Sendo assim, cada etapa envolve um ciclo de ge-
ração de ideias que é seguido de uma seleção destas ideias ao longo do processo.
Uma proposta flexível em prol do sucesso do produto.
A imagem a seguir (figura 5.2) apresenta um esquema de desenvolvimento
de produto que exemplifica a proposta de Baxter. Neste contexto, é possível per-
ceber que “O processo decisório é estruturado e ordenado, mas nada indica que
as atividades geradas dessas decisões também devam seguir a mesma estrutura.”
(BAXTER, 1998, p. 16), há uma necessidade de adequação às necessidades facea-
das pelo designer.
4 Sistemático diz respeito a sistema. Propõe uma forma de pensamento que age ou se processa segundo um
método ou ordenação; metódico, organizado.
capítulo 5 • 81
Teste de
Início do Teste de mercado
desenvolvimento do mercado
projeto Revisão da
Teste de
Oportunidade especificação da
necessidades
de negócio oportunidade
de mercado
Especificação de
oportunidade
Especificação Revisão da
Especificação do
do projeto especificação do
projeto
projeto
Ideias para novos Projeto conceitual
produtos
Projeto
conceitual
Projeto
conceitual
Melhor conceito
Melhor projeto
Configuração
do projeto
Projeto de Configuração
configuração do projeto
Alternativas
Alternativas
de fabricação
Alternativas Melhor
de materiais configuração
Projeto
detalhado
Mudança Projeto
técnica detalhado
Projeto de
PROTOTIPO Projeto de componentes
Projeto para
fabricação DE PRODUÇÃO componentes
Alternativas
de materiais
Produto
experimental
Alternativas Alternativas Alternativas
de materiais de materiais de materiais
capítulo 5 • 82
questões (2010, p. 64) para desvendar esta personalidade: “Que desafios, mudan-
ças e expectativas se pretende enfrentar? Quais são as medidas estratégicas neces-
sárias para atingir aqueles objetivos? Quais são as competências necessárias? Que
recursos serão necessários?”. Como podemos observar, a ideia é iniciar analisando
pela marca/empresa e seus objetivos com o projeto, depois a identificação do que
se faz necessário para conseguir realiza-lo.
Na sequência, depois de identificar a identidade da marca e seu propósito,
vale fazer a mesma coisa em relação ao público-alvo. Como dito por Niemeyer
(2010, p. 65)
Um projeto se destina a um certo tipo de público, por mais geral que ele seja. O desig-
ner deve ter claro quais são as características fundamentais deste público, para tornar
mais palpável, mais concreta essa entidade amorfa que é o público-alvo. O modo que
Patrick Jordan (2002) propõe para tornar tangível esta entidade é a construção de
personagem que tipifique este interlocutor.
capítulo 5 • 83
Figura 5.3 – Moodboard estilo de vida. Fonte: <pinterest.com>.
capítulo 5 • 84
Figura 5.4 – Moodboard estilo de vida. Fonte: <pinterest.com>.
Figura 5.5 – Moodboard estilo de vida Figura 5.6 – Moodboard estilo de vida
capítulo 5 • 85
desenvolvido pode responder aos tipos de prazeres 5 almejados pelas pessoas.
Conforme especificado por Figueiredo & Bucich (2005, p.4 e 5)
Prazer físico – É o prazer relativo ao corpo e aos sentidos: toque, som, gosto, cheiro,
visão. Falando-se em produtos, as propriedades táteis são relevantes, pois correspon-
dem a segurar e tocar o objeto durante a interação com ele. Este é o tipo de prazer que
costuma ter mais ênfase no processo de criação, com o dimensionamento do produto,
estudos antropométricos, equilíbrio do peso. Por isso, materiais, texturas, formas e pe-
gas são aspectos importantes para o prazer físico.
Prazer social – Corresponde à nossa relação com o produto e com as outras pessoas,
que podem ser amigos, familiares, colegas, ou pessoas de mesma opinião; ou, ainda,
a relação com a sociedade como um todo, através dos conceitos de status e imagem.
Os produtos também podem facilitar a interação social de vários modos, tornando-se
ponto de discussão entre as pessoas, ou através da associação desses a determinados
grupos sociais. É o caso, por exemplo, das camisas de clubes de futebol usadas não
só nos estádios como no dia-a-dia, que são capazes de identificar membros de um
mesmo grupo. Ou de determinada vestimenta que identifica os skatistas, os hippies, os
playboys, entre outros. E também quando o produto demonstra o nível socioeconômico
do seu usuário, quando é original, quando remete a uma determinada época, etc.
Prazer psicológico – Relativo às reações emocionais e cognitivas e ao estado psico-
lógico das pessoas durante a interação com o produto. Sendo assim, a usabilidade é
muito importante nesse tipo de prazer, pois sabemos que em geral as pessoas não se
preocupam em ler os manuais que acompanham os produtos, e aqueles difíceis de
usar e entender geram stress, frustração e decepção. O momento logo após a compra
é crucial, pois é quando estamos aprendendo a lidar com nossas aquisições. Quanto
mais valioso o bem, maior é a expectativa nesse momento.
Prazer ideológico – É o prazer relacionado aos valores pessoais, aos gostos, à estética
e às preferências que os produtos personificam. É também muito ligado a cultura,
valores morais e experiências. Pode ainda incluir preocupações com o meio ambiente,
priorizando materiais não agressivos à natureza. Norman (2004) relaciona esse tipo de
prazer ao que chama de “design reflexivo”, sobre o qual ele afirma que “está relacio-
nado à mensagem, cultura, significado de um produto ou seu uso. Para um, é sobre o
significado das coisas, as lembranças pessoas que alguma coisa evoca. Para outro, é a
própria imagem e a mensagem que um produto transmite aos outros.”
capítulo 5 • 86
aspirações. Ao observar a imagem, não se deve explicitar cada referência, mas ter
a visão do todo, e poder dizer do que se trata, qual o direcionamento, como um
tipo de reconhecimento global da atmosfera.
SAIBA MAIS
Acesse o link a seguir e tenha acesso a um artigo breve artigo publicado no XII SIMPEP
- Bauru, SP, Brasil, 07 a 09 de novembro de 2005. Neste artigo, os autores Cassia Mousinho
de Figueiredo (COPPE - UFRJ) e Clovis Corrêa Bucich (Poli - UFRJ) falam sobre “o conceito
de prazer na relação entre o usuário e o produto”. Disponível em: <file:///C:/Users/marci/
Downloads/Figueiredo_CM_O%20conceito%20de.pdf>.
Este artigo propõe uma reflexão sobre um possível elo entre o desenvolvimento de pro-
dutos da indústria com o uso da metodologia projetual para examinar aspectos ligados ao
prazer associado ao uso do produto.
Estudo de caso
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Fonte: Mundo do Marketing - 09/06/2010
“Carioca é mais do que um registro de nascimento, é um estilo de vida.” É esse o lema
que a grife feminina Farm leva, por meio de suas roupas e produtos de decoração para
o resto do Brasil e alguns outros lugares do mundo. A marca, que começou sua história
com um investimento de R$1.200,00 na extinta Babilônia Feira Hype - berço de novos
talentos da moda carioca no final dos anos 1990 -, hoje conta com 25 lojas e 170 mil
clientes cadastradas em seu programa de relacionamento.
A história dos fundadores da marca com a moda começou por acaso. Kátia Barros era
contadora e Marcello Bastos engenheiro. O desejo de Kátia de se envolver com moda
fez com que eles abrissem uma franquia da grife paulista Mercearia. A empresa deu
prejuízo ao casal e essa tentativa frustrada fez com que Marcello desacreditasse no
trabalho com franquias de moda. Por isso, hoje, todas as lojas da Farm são próprias.
“Temos as nossas crenças e a nossa forma de resolver nossos problemas, mas isso
causaria problemas com os franqueados que tivessem planejamentos diferentes”, afir-
ma Bastos.
Mesmo sem esses parceiros investidores, a Farm conseguiu construir uma marca tão
forte que atualmente o investimento em cada loja – que deveria ser de R$1,7 milhão
- cai quase pela metade, devido a convites e parceiras com grandes shoppings que
consideram a loja um diferencial em seu mix. Foi o que aconteceu com a Farm do
Shopping Iguatemi, em São Paulo. Esta é a loja que mais vende por metro quadrado
no centro de compras. Para construir essa força, a marca não investe em campanhas
para o grande o público, nem em desfiles nas tão visadas semanas de moda, mas sim
em seu programa de relacionamento.
Elas querem Farm
Desde os tempos em que era um pequeno stand na feira de moda, a Farm identificou
o seu público-alvo e passou a desenvolver não só as roupas, mas também as estraté-
gias e as ações da marca para mulheres com um perfil determinado: em sua maioria,
as clientes da Farm são estudantes universitárias e moradoras da zona sul do Rio de
Janeiro. “Não queremos massificar nossa marca, por isso preferimos investir em ações
que nos aproximem das nossas clientes, ao invés de tentarmos conquistar novos públi-
cos”, conta André Carvalhal, Gerente de Marketing da Farm.
A loja abriu sua primeira unidade em 1999, mas desde 2005 realiza o programa “Eu
Quero Farm!”. As clientes cadastradas ganham um chaveirinho que deve ser apre-
sentado toda vez que elas vão às lojas. As compras servem para, junto com outras
informações, traçarem o perfil das consumidoras e ajudar na elaboração de relaciona-
mento. Entre as vantagens de participar do programa estão comunicados, via e-mail, de
lançamentos, envio de catálogos, direito a liquidações exclusivas, convites para preview
de lançamentos, produtos especiais, newsletter mensal e dicas de looks para cada
estação. Outras ações específicas para determinados perfis de clientes também estão
incluídas nessas iniciativas. Como um mini spa montado em parceria com a Biotherm
na loja do Fashion Mall, no Rio, que convidou algumas consumidoras para fazerem
tratamentos para a pele no local. Já as 50 melhores clientes da Farm foram convi-
dadas para assistirem a uma sessão especial do filme Sex and the City 2. “As nossas
consumidoras têm uma relação de carinho com a Farm, por isso nossas ações tentam
reforçar essa relação”, diz Carvalhal.
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Comunicação para se aproximar
Essa proximidade e o carinho entre a marca e o cliente são reforçados com as ações
nas redes sociais. A grife tem um departamento totalmente dedicado ao Adoro Farm!,
blog da marca, ao Twitter e ao e-mail Marketing. No Twitter e no blog, a relação fica
mais próxima ainda e as internautas comentam sobre os produtos da marca e o aten-
dimento nas lojas. Depois, tudo isso é repassado aos departamentos de Marketing e
de criação.
A evolução das iniciativas em redes sociais resultou na criação de um aplicativo para
iPhone. A iniciativa fez da marca a primeira grife brasileira de roupas femininas a lançar
o seu próprio programa para o aparelho da Apple no Brasil. Nele, a usuária tem acesso
ao conteúdo do blog e ao lookbook da marca, que é renovado mensalmente. Agora, a
Farm planeja disponibilizar iPads nos pontos-de-venda com imagens do lookbook das
coleções. Os aparelhos se encontrarão em todas as lojas da grife, locais que abrigam
grandes ações da marca em todo o Brasil.
Para a Farm, investir em novidades e ações nos pontos-de-venda - que chegarão a
35 até final de 2010 - é fundamental. A empresa testa desde os cabides até o cheiro
que as lojas terão a cada mudança de coleção. Essas e outras iniciativas promovem
experiências sensoriais e emocionais aos consumidores. Na unidade de Ipanema, os
clientes podem escolher até que tipo de música ouvir nos provadores. “As nossas ven-
dedoras também têm que ter o mesmo perfil das clientes, para facilitar o relacionamen-
to”, conta Carvalhal.
Parcerias reforçam conceito
Outra iniciativa que faz sucesso nas unidades da Farm são os “mimos” oferecidos para
as clientes a partir de parcerias. Uma ação com a Arcor disponibilizou doces da marca
nas lojas da Farm no ano passado e possibilitou também a criação de uma linha espe-
cial referente ao dia de São Cosme e São Damião. Também em 2009, a parceria com
a marca de sucos Do Bem forneceu as bebidas para as clientes. Outro produto que
trabalhou com a Farm foi a cerveja Devassa, que disponibilizou geladeiras com os pro-
dutos durante o verão e inspirou a coleção “Coisa Nossa”, que tinha a ver com hábitos
brasileiros, como o samba e o futebol.
Por essa ligação da cerveja com o futebol, a Devassa volta às lojas Farm durante a
Copa junto com a coleção desenvolvida especialmente para o evento. Já a coleção de
inverno deste ano rendeu uma parceria com o Sonho de Valsa. A união resultou no de-
senvolvimento de uma sapatilha inspirada nos bombons (foto). “Procuramos o Sonho
de Valsa porque ele une os dois temas de nossa coleção: amor e sonho”. Para o verão
de 2011, a Sorvete Itália fornecerá picolés de chocolate africano nas lojas.
Embora haja muitos convites para outras parcerias, uma triagem é feita para que todas
essas ações sigam o posicionamento da marca. “Só realizamos parceiras com quem
tem a ver conosco ou com a nossa coleção. Caso contrário, não aceitamos mesmo que
ela seja benéfica financeiramente”, explica o fundador da marca. Enquanto isso, a Farm
vai conquistando mais fãs.
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A sequência de imagens a seguir, evidencia, desde a concepção da logomarca, a
relação da empresa com o estilo de vida carioca. A flor que se posiciona como um
sol nascente nas ondas do mar do Rio de Janeiro busca evocar a vida da “garota
carioca, swing e sangue bom”, uma relação de comunicação absolutamente simbó-
lica. Além da logomarca, a sequência de imagens traz, também, o layout de loja,
o design de interiores os painéis semânticos de marca e coleção, bem como alguns
produtos assinados em parcerias com outras marcas.
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Figura 5.11 – Flagship da Loja Farm em Ipanema RJ.
Fonte: <vistaemmoda.wordpress.com>.
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Figura 5.14 – Moodboard de coleção/imagem para instagram.
Fonte: <vistaemmoda.wordpress.com>.
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Figura 5.17 – Adesivos e pats Farm Rio. Fonte: <farmrio.wordpress.com>.
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No caso das marcas apresentadas pelas imagens abaixo, o objetivo era poder
associá-las com o estilo carioca oferecido pela marca. O designer deve perceber
que ao “vender” um estilo que se relacione a cultura de um local, como é o caso
da marca Farm, todas as estratégias da marca deverão estar alinhadas a este perfil.
Podemos perceber ainda, que a marca terá uma maior penetração em regiões que
enalteçam ou tenham afinidade com a cultura oferecida, caso contrário, o efeito
será negativo.
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seu objetivo. Ao logo do processo, o designer deve poder perceber não apenas os
elementos do design e de linguagem, mas vários outros tipos de signo em suas
diferentes dimensões.
E esse foi o objetivo deste livro, apresentar o processo comunicacional através
da teoria semiótica, estabelecendo com você um diálogo em torno dos significa-
dos, buscando perceber que o processo de comunicação é simbólico, assim deve
falar sobre a cultura, valores e crenças, tendo conhecimento suficiente para não só
fornecer elementos reconhecíveis pelo público almejado, mas, também, para ter
certeza do respeito à cultura de cada povo, ainda mais em um mundo globalizado.
RESUMO
Neste capítulo tratamos a metodologia de projeto aplicada ao projeto semiótico. A ideia
foi poder perceber que a metodologia de projeto pode fornecer elementos sistemáticos que
tenham mais condições de alcançar o propósito do design almejado quando da idealização
e posterior desenvolvimento do produto. Neste sentido, tratamos dois modelos diferentes,
um linear e outro não, que visavam mostrar que existe a possibilidade de adaptar a teoria na
prática da atividade do designer.
Na sequência, falamos sobre a necessidade de reconhecimento da identidade de marca
e do alinhamento desta com a identidade do consumidor, como linguagem compartilhada, o
projeto em design precisa significar, desta forma, falar ao consumidor é condição do projeto.
Várias são as referências que devem ser consideradas, este livro teve o objetivo de apresen-
tar algumas delas, esperando ter despertado sua curiosidade, considerando seus reflexos no
resultado final do futuro “objeto”.
Finalizamos o capítulo com um estudo de caso, relacionando a marca Farm Rio e seu
direcionamento para construção de um estilo de vida que tem a identidade construída com
base no estilo de viver representado pela “garota carioca”. Foi possível afirmar que os ele-
mentos de representação do que compete a este estilo de viver estão bem marcados na
nesta marca e transcendem a moda vestuário, deixando reflexos no design de interiores
e gráfico.
Esperamos que esta jornada tenha sido favorável e possa ter esclarecido a importância
da linguagem semiótica na construção de identidade e comunicação de marcas e projetos
em design.
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ATIVIDADES
Agora é sua vez!
Acreditamos que agora você já saiba a importância de delimitar as características da
identidade de uma marca e entende que há a necessidade de alinhamento entre a identidade
da marca e seu público-alvo. Então, agora, pesquise e registre em moodboards uma marca
(como no case da Farm Rio) que desperte um determinado “sentimento” em seu público-alvo;
construa um moodboard de identidade de marca, um de personagem ideal (considerando o
lifestyle do público), relacione estes entendimentos com a loja da marca, suas redes sociais
e os produtos que oferece ao público, será um ótimo exercício para poder perceber de forma
crítica se esta marca consegue seguir seu objetivo e estabelecer uma relação de comunica-
ção ideal com seu público-alvo.
Painel semântico, ou moodboard, é um quadro no qual são colocadas imagens, fotos,
cores, objetos e até palavras que possam exprimir o “humor” de um projeto. A ideia principal
é poder traduzir a essência de um serviço/produto ou marca. Ao longo da vida profissional, o
designer vai construir muitos painéis semânticos, pois esta é a melhor forma de deixar trans-
parecer o estilo, a identidade de um trabalho
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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capítulo 5 • 96