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UMA CIÊNCIA:

A QUÍMICA E O FABRICO DO QUEIJO

[um saber] [uma ciência]

O queijo é um alimento de grande valor nutritivo, bastante rico em proteínas, gorduras, vitaminas A, D, B e B 2 , e sais minerais (cálcio e
fósforo).

De um modo geral, resulta da transformação do leite que, por acção de microrganismos, ganha requintados e característicos sabores,
aromas e texturas. Este é um alimento bastante importante durante a infância e adolescência, devido ao seu elevado teor de cálcio e de
fósforo.

São poucos os alimentos que conseguem conciliar dois importantes factores: o valor gastronómico e a riqueza nutritiva...o queijo é um
deles!

A composição do queijo varia de acordo com o tipo e a matéria prima empregada, o leite. O leite deve ser de muito boa qualidade e
fresco, livre de contaminação bacteriana ou de agentes químicos. Deve responder a padrões de qualidade elevados, para não alterar os
processos de coagulação e de cura. Dizem que o leite «ideal» será o pasteurizado, porque pelas altas temperaturas a que é sujeito
excluí qualquer possibilidade de eventuais problemas microbiológicos e higiénicos; no entanto as elevadas temperaturas atingidas
conduzem, de certo modo, à destruição de elementos que lhes conferem os seus aromas e sabores particulares. No fabrico artesanal de
queijos o leite utilizado não é pasteurizado.

A classificação dos queijos baseia-se em características como: o tipo de leite utilizado, a textura e consistência da pasta, o teor de
gordura, o tempo de cura, entre outras. 

Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Brasil (MAPA), queijo é " um produto fresco ou maturado que se
obtém por separação parcial do soro do leite ou leite reconstituído (integral, parcial ou totalmente desnatado) ou de soros lácteos,
coagulados pela acção física do coalho, enzimas específicas de bactérias especificas, de ácidos orgânicos, isolados ou combinados,
todos de qualidade apta para uso alimentar, com ou sem agregação de substâncias alimentícias e/ou especiarias e/ou condimentos,
aditivos especificamente indicados, substâncias aromatizantes e matérias corantes" .

A legislação complementa esta definição, reservando o nome do queijo exclusivamente para produtos cuja base láctea não contenha
gordura e/ou proteínas de outra origem.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), classifica os queijos de acordo com o seu teor de gordura, GMS, e o seu teor de humidade,
HBNG.

GMS = ( mg/ mt - mg ) x 100

HBNG = ( mh/ mt - mg ) x 100

em que, mg é a massa de material gorda, mh é a massa húmida e mt é a massa total, em gramas.

Tem-se assim escalas que vão de HBNG<1 (queijos extra duros) a HBNG>67 (queijos macios) e GMS<10 (queijos não-gordurosos). 2

As diferentes etapas da confecção são geralmente comuns para todos os tipos. O queijo é confeccionado do seguinte modo: adiciona-se
o coalho ao leite e através da acção do coalho, a maior parte dos elementos sólidos do leite formam um tipo de uma massa de
consistência gelatinosa, a coalhada, que se separa de um líquido, o lactosoro (também chamado de almece) que é muito nutritivo.

Em seguida são descritas as etapas que são consideradas como mais importantes no fabrico de queijos curados. Em cada etapa são
explicados, de modo geral, os processos que ocorrem.

Coagulação

Considerada a fase mais importante na produção do queijo, este processo baseia-se na transformação da caseína (que representa 85%
das proteínas do leite), num precipitado branco. Para que esta precipitação aconteça é necessário juntar ao leite produtos que sejam
capazes de originar essa reacção - os coagulantes. O leite coagula porque as pequenas gotículas de gordura, recobertas de caseína, se
vão unir quando as condições são propícias; ou seja o que vai provocar a coagulação do leite é a acção do coalho sobre a caseína. 3

O principal enzima responsável pela acção do coalho é o renina, este enzima actua hidrolizando as ligações peptídicas da caseína,
transformando-a em paracaseína, que vai precipitar em presença de iões cálcio formando então a coalhada.

Este processo depende de factores como: a temperatura, o pH e o teor de cálcio do leite. A temperatura óptima da acção do coalho é
cerca de 40ºC, mas são usadas temperaturas mais baixas, cerca de 35ºC para que a coalhada não fique muito dura.

Durante a formação da coalhada podem ser adicionados aditivos como CaCl 2 (Cloreto de Cálcio), nitratos, e corantes. O CaCl 2
permite melhorar a aptidão do leite à coagulação, e principalmente é utilizado quando o teor de proteínas do leite não é o ideal. 2

No leite coalhado observam-se duas fases: uma sólida, que contém proteínas e gorduras - a coalhada; e uma líquida, que contem água
e carbohidratos - o soro.

O coalho, é um dos ingredientes mais importantes e sem ele a maioria dos queijos não poderia sequer ser fabricada. É composto
basicamente de uma mistura de enzimas, considerados como compostos químicos que têm propriedades de alterar as proteínas do
leite, transformando-o em coalhada; é o responsável pela acidificação do leite, pela precipitação e pela separação da caseína dos outros
componentes. A quantidade de coalho a adicionar varia de acordo com o fabricante e pode ser usado na forma líquida ou em pó, desde
que diluído em água e adicionado lentamente ao leite sob agitação. Conhecem-se coagulantes de origem vegetal, animal ou
microbiológica. O de origem vegetal mais utilizado é a "flor do cardo". O de origem animal mais comum é o conhecido coalho, que
normalmente é obtido a partir de sucos gástricos de cabritos ou borregos que apenas se alimentam do leite da mãe. Actualmente
também já são produzidos os chamados fermentos industriais de origem microbiana. 4

Nota: Como muito bem disse a D. Arminda, o mais comum é o coalho.

Corte da coalhada

Este processo consiste no dessoramento da coalhada, ou seja, em retirar alguma da água de constituição do leite - o soro, e que leva
algumas proteínas e vitaminas.

O soro que se retira é normalmente usado no fabrico do requeijão e também pode ser usado para a alimentação de suínos e para a
produção de lactose e ácido láctico. 1 Dependendo do corte da coalhada, em pedaços maiores ou menores, o queijo ganha as
diferentes características finais. 

Moldagem

Esta etapa tem como finalidade definir o tamanho e a forma do queijo.

A coalhada é colocada dentro de uns moldes (cinchos) que são normalmente de metal e de forma cilíndrica com diâmetros variáveis. 5

Nota: Aos moldes a D. Arminda chama trinchos.

[topo]

Prensagem

Permite dessorar a massa de modo a que o queijo obtenha a sua consistência típica, ou seja, é obtida a forma definitiva do queijo e é
expulso o soro que resta, condicionando a textura da massa. Quanto mais intensa for a prensagem, mais dura, e mais seca vai ser a
pasta. Os queijos de fabrico artesanal são prensados à mão ao mesmo tempo que se vai encinchando a coalhada. Há também quem
utilize uma pedra como prensa. 5

Salga

Esta é a etapa que se realiza para a maioria dos queijos, e torna-se uma operação difícil já que a quantidade de sal utilizado não deve
impedir a fermentação láctica, a cura e a conservação. A quantidade de sal não deve exceder 3% do peso da coalhada. 5

A salga pode ser feita de duas maneiras: ou mergulhando o queijo numa solução concentrada de cloreto de sódio, ou procedendo a uma
salga a seco.

No primeiro caso, quando se mergulha o queijo na solução saturada de cloreto de sódio a diferença de concentração entre a fase
aquosa no interior do queijo e a salmoura provoca uma difusão do sal na pasta e uma migração, inversa, da fase aquosa para a
salmoura.
Esta diferença na pressão osmótica entre a salmoura e a massa faz com que parte da humidade seja libertada, ao mesmo tempo que o
cloreto de sódio é absorvido, ou seja ocorre a troca de iões cálcio por iões sódio nas moléculas de paracaseína o que torna a massa
mais macia. Para que este equilíbrio funcione bem é importante que a concentração de salmoura e o seu pH sejam apropriados (o pH
ideal da salmoura é entre 5,2 e 5,3). No segundo caso, a difusão do sal só intervém depois da dissolução dos cristais do sal na
húmidade superficial do queijo. 1

Um dos objectivos principais desta etapa é apurar o sabor da pasta, a obtenção da crosta e aumentar as possibilidades de conservação.

Maturação ou cura

Depois de desencinchado e salgado, pode ser consumido como queijo fresco, ou pode ser sujeito a um processo de cura ou maturação.
É nesta fase que ocorrem as transformações com mais impacto nas características do queijo final.

De um modo geral o que acontece é a transformação da caseína (uma proteína do leite) e das gorduras em compostos mais
elementares que conferem o aroma e o sabor tão distintos, estes processos alteram a composição química dos queijos, principalmente
relacionado com o seu conteúdo em açúcares, proteínas e lípidos.

As proteínas não interferem no sabor, mas têm importância para a forma e textura, da degradação das proteínas resultam péptidos e
aminoácidos que influenciam o sabor; por sua vez a matéria gorda contribui para o sabor, textura e aparência. 1

No processo de cura participam enzimas que podem ter três origens: enzimas naturais do leite (por exemplo, as proteases, que é o
enzima principal responsável pela formação do sabor amargo); enzimas do agente coagulante (por exemplo, se o coagulante tiver
origem animal, os enzimas serão quimosina e pepsina); e enzimas da flora microbiana presentes no leite (estão relacionados com as
condições em que é feita a recolha do leite, o modo de armazenamento, as condições de higiene e o seu transporte até o local de
fabrico). 1

Durante a cura, ocorrem uma série de transformações: dá-se a hidrólise das proteínas, a degradação da matéria gorda, a lactose
desaparece por fermentação láctica e a quantidade de água diminui.
Se descrevermos a cura de um ponto de vista mais bioquímico, os principais processos que ocorrem são: proteólise, lipólise e glicólise.

A proteólise é um dos maiores fenómenos que ocorre durante a maturação que inclui os aminoácidos e péptidos, e tem influência no
aroma e na textura. Este é um processo a nível enzimático e são vários os enzimas que actuam em conjunto na coalhada: o agente
coagulante, as proteases do leite e as de origem microbiana.

A lipólise ocorre a nível das gorduras com formação de ácidos gordos de baixo peso molecular, tais reacções ocorrem por acção de
microorganismos presente e/ou através de enzimas adicionados especificamente para este fim. Consiste na formação dos compostos
responsáveis pelo sabor e aroma.

A glicólise baseia-se na fermentação da lactose em acido láctico e é efectuada por bactérias do próprio leite. 1

Também, a nível da Bioquímica, podemos referir os aspectos microbiológicos. A microbiótica dos queijos pode ser dividida em dois
grupos: as bactérias lácticas iniciadoras ( lactococcus ,streptococcus , enterococcus ) e os microrganismos secundários.

As bactérias lácticas iniciadoras são responsáveis pela transformação da lactose em ácido láctico, durante a preparação, podem ser
adicionadas no início da produção ou podem somente ser utilizadas aquelas que já ocorrem naturalmente; este último caso é o utilizado
na fabricação de queijos artesanais. 

Os microrganismos secundários constituem as bactérias lácticas não iniciadoras que crescem no interior da maioria da variedade dos
queijos; e outras bactérias, leveduras e/ou fungos que crescem tanto no interior quanto no exterior dos queijos. 1

A cura deve ser feito em locais apropriados (câmaras de cura) e atendendo a determinados factores ambientais, como a temperatura, a
humidade ou a ventilação, que podem influenciar a cura; pois para cada tipo de queijo são exigidas condições próprias.

Alguns queijos também são virados periodicamente e outros são sujeitos a uma lavagem da casca.

ALGUNS ASPECTOS A CONSIDERAR NO QUEIJO

Textura

Os diferentes tipos de queijo apresentam texturas claramente distintas.

Entretanto, os factores que conduzem à alteração da textura são normalmente os mesmos, os enzimas do leite, a caseína, o acido
láctico, o cloreto de sódio, a gordura e o cálcio que fazem parte da constituição das diferentes variedades; a diferença reside nas
proporções em que se encontram. Estudos realizados mostraram que a textura depende da proporção da caseína intacta na mistura e
do valor do pH. 1 

Aroma

O aroma aparece durante a cura, como resultado de uma serie de mecanismos na maioria enzimáticos, que visa transformar os
diferentes constituintes da coalhada e a partir dos quais são formadas moléculas odoríferas em que as proporções e a natureza vão
variar consoante a tecnologia usada. 1 

Como conservar

Depois de aberto o queijo perde qualidades, por isso deve ser consumido com brevidade. Existem dois grandes inimigos do queijo: a
variação da temperatura e a perda da humidade, que provocam o seu endurecimento.

O local ideal para conservar o queijo é num local arejado, escuro, relativamente húmido e temperatura a cerca de 10ºC.

Para se conservar o queijo à temperatura ambiente, pode-se envolvê-lo numa folha de papel de alumínio ou num pano humedecido em
vinho branco e se for possível colocá-lo em cima de uma mesa de madeira ou um monte de palha. 6

Não é aconselhável congelar os queijos uma vez que o frio intenso afecta o sabor e textura, além de originar a desidratação; o queijo
também tem tendência a absorver os odores de outros produtos que estiverem armazenados junto a ele, logo deve ser embalado
isoladamente em película aderente ou papel de alumínio. No entanto, para serem servidos devem ser retirados do frio entre meia a duas
horas antes do consumo, para que a textura volte ao original. 7

O mofo que por vezes se forma na casca do queijo é natural e pode ser removido com um pano humedecido em salmoura. 6

[topo]

BIBLIOGRAFIA
1 - Esteves, Maria Manuela B., "Caracterização Bioquímica do queijo e requeijão da zona produtora da Beira Baixa" Dissertação para a
obtenção do grau de Mestre em Biotecnologia, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa, Maio 2002.

2 - Perry, Katia S. P., "Queijos: Aspectos Químicos, Bioquímicos e Microbiológicos", Quim.Nova , Vol.27, Nº 2, 293-300, 2004

3 - http://www.ufsj.edu.br/dcnat/queijos/

4 - http://www.milkrepresentacoes.com.br/sobre_coalho.htm

5 - www.saudemais.pt

6 - http://www.conselhos.continente.pt/

7 - www.jammyjam.com.br/queijos

8 - www.cienciadoleite.com.br

9 - www.daraprovar.com

10 - www.mimosa.com.pt

11 - http://www.agridata.mg.gov.br/pesquisas/tecnologia_queijo/patecprato.htm

12 - http://www.sensibilidadeesabor.com.br/queijo.html  

Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Ciência e Saberes, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Abril 2004

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