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Ciência e Conhecimento1

Apresentação

Viu-se na aula anterior que o homem tem a capacidade de pensar e


explicar o mundo com o qual ele interage criando Conhecimento e que este
saber é diverso e plural, pois ele irá criar tipos diferentes que ora se aproximam
ora de distinguem na elaboração de explicações sobre a vida e as
necessidades humanas. Entre estes tipos destaca-se para o estudo desta aula
o Conhecimento Científico que será abordado na perspectiva de sua
construção, descobertas e implicações na vida social.
Na aula anterior foi visto, no estudo sobre o saber científico, o processo
histórico das transformações que marcaram a consolidação do saber científico
entre os séculos XV e XVIII. Nesta aula, serão enfocados os resultados desse
processo ao longo do século XIX até os dias atuais.
A aula será construída com fundamentos teóricos e fragmentos de
pesquisas científicas, tópicos de reflexão e atividades de verificação da
aprendizagem que buscam levá-lo a compreender a lógica da Ciência e de seu
conhecimento. Desse modo:
 exercite o raciocínio científico na elaboração das atividades;
 realize sua auto-avaliação na aula;
 busque ampliar sua interpretação da ciência, aprofundando-se
nas leituras indicadas.
Objetivos
Pretende-se, ao final desta aula que você tenha compreendido:

1. que a ciência moderna é um saber datado historicamente;


2. que o processo de elaboração do saber científico é racional,
metódico e sistemático sendo suscetível à verificação; e

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Fragmentos do Livro Metodologia Científica, publicado pelas professoras Célia Regina Diniz e Iolanda
Barbosa da Silva pela UEPB/UFRN – EDUEP, 2008 para o Curso de Geografia a Distância . ISBN: 978-
85-87108-98-2.
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3. que as aplicações e implicações da ciência estão presentes no


seu cotidiano.

A ciência se torna o saber autorizado e legítimo para ...

Pense nisto!!!

? Com a crise das explicações religiosas a ciência destaca-se como


conhecimento legítimo, se afirmando como verdade e progresso. As
descobertas e os efeitos dos novos inventos, como o pára-raios e as vacinas, o
desenvolvimento da mecânica, da química e da farmácia eram amplamente
verificáveis dando credibilidade às atividades científicas a partir do século XV,
configurando o nascimento da ciência moderna.

O triunfo da ciência

No século XIX a ciência alcança o status de discurso instaurador de


verdades. Isso se deve ao domínio e o número crescente de descobertas, o
ritmo das mudanças e as aplicações práticas das ciências da natureza em
vários campos da vida social.
As aplicações práticas do conhecimento científico produzem novos
olhares sobre o século XIX. Vários domínios da vida cotidiana são modificados
com as descobertas e aplicações da ciência.
Na agricultura as técnicas e instrumentos para arar, os adubos e
defensivos agrícolas permitem o aumento e o planejamento da produção de
alimentos. Enquanto que, a descoberta e o uso de novas fontes de energia,
como a eletricidade que aplicada às manufaturas vem acelerar o ritmo da
produção, possibilitando a industrialização e o processo de urbanização nos
centros industriais. Já no campo da comunicação a invenção do telégrafo e do
telefone quebra as barreiras espaciais e temporais, aproximando os homens.
Enquanto isso, a medicina moderna com suas descobertas, formas de
prevenção e de combate desenvolve um controle sobre as epidemias no
Ocidente. Vive-se o domínio da razão e da experimentação.
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Com o advento da industrialização a idéia de progresso se solidifica na


expansão de mercados que irão comercializar os produtos industrializados e
instituir novos domínios econômicos para o Capitalismo Industrial, utilizando-se
das ferrovias e da navegação a vapor, por vários continentes, entre eles a Ásia
e a África. A construção de um projeto de sociedade fundado na razão
racionalizante marcou a ciência moderna e instituiu o progresso como a razão
de ser dessas sociedades.

Pense nisto!!!
Nem todo conhecimento é científico, mas para que isto ocorra são
necessários dois pré-requisitos: primeiro, que o campo do conhecimento seja
delimitado com objeto de estudo definido e segundo, que existam métodos
apropriados às investigações desse objeto.

Como se constrói o saber científico?

Pode-se iniciar a construção de um discurso científico sobre essa


construção do saber, considerando que ele registra fatos, observando-os e
demonstrando-os, experimentando-os ou não pelas suas causas
determinantes. Esse saber funda-se num trinômio, conforme Cervo; Bervian
(1996, 12) “verdade _ evidência _ certeza”. A lógica desse saber reside no
exercício de realizá-lo pela observação racional e sistemática e no controle dos
fatos, na sua experimentação e explicação metódica. Isso ocorre na atividade
intelectual do cientista. Nesse sentido, o fazer ciência acontece na atitude
científica do investigador diante dos fenômenos investigados.
A ciência cria uma rede discursiva na qual tudo o que não cai nela é irreal.
O filósofo Hebert Marcuse (apud ALVES, 2000, p. 113) ao falar sobre o homem
unidimensional o caracteriza, como “[...] o homem que se especializou numa
única linguagem e vê o mundo somente por meio dela [...]”. O pensador ao
falar desse homem o situa no campo do sujeito que constrói o discurso
instaurador de verdades.
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Convidando Alves (2000, p.114) para o debate sobre Ciência criam-se


inquietações para reflexão:
A ciência é um jogo. Um jogo com regras precisas. Como o xadrez. No
jogo do xadrez, não se admite o uso das regras do jogo de damas.
Nem do xadrez chinês. Ou truco. Uma vez escolhido um jogo e suas
regras, todos os demais são excluídos. As regras do jogo da ciência
definem uma linguagem. Elas definem, primeiro, as entidades que
existem dentro dele. As entidades do jogo de xadrez são um tabuleiro
quadriculado e as peças. As entidades que existem dentro do jogo
lingüístico da ciência são, segundo Carnap, „coisas físicas‟, isso é ,
entidades que podem ser ditas por meio de números. Esses são os
objetos do léxico da ciência. Mas a linguagem define também uma
sintaxe, isso é, a forma como suas entidades se movem. Os
movimentos das peças do xadrez são definidos com rigor. E assim
também são definidos os movimentos das coisas físicas do jogo da
ciência.

Ciência e sociedade

A ciência está presente no cotidiano das pessoas. Os estudos e os


resultados das pesquisas científicas retornam para sociedade; no entanto, são
as relações entre classes e fragmentos de grupos sociais que irão definir os
canais de acesso às descobertas científicas e suas aplicações.
O conhecimento científico vem sendo organizado conforme Demo (1997,
p. 62) “em dois sistemas conjugados [...], a partir do século XX (grifo nosso): o
sistema de produção, com lugar apropriado nas universidades, e o sistema de
socialização desse conhecimento, produzindo através, principalmente, da
instituição eletrônica e da telemática”. As descobertas tecnológicas têm
contribuído com a divulgação do conhecimento científico, os meios de
comunicação vêm desempenhando o papel de intermediadores entre a
população e os pesquisadores e tem pautado o debate em torno das
descobertas, aplicações e implicações do saber científico.
No sistema de produção algumas Universidades, em particular no
Nordeste, vem investindo em pesquisas científicas sobre a sustentabilidade no
Semi-Árido e têm trazido contribuições para a desconstrução de paradigmas
conservadores que fundamentam políticas públicas desenvolvidas na região.
Nesse sentido, o resumo indicativo do artigo A articulação do semi-árido e o
desenvolvimento sustentável: uma experiência do nordeste do Brasil,
apresentado por Duque e Diniz (2005) no Seminário Internacional sobre as
transformações no mundo rural em Bogotá, sinaliza com os resultados de uma
pesquisa no semi-árido paraibano. Veja-se:
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O estudo apresenta uma experiência de mobilização da sociedade


civil visando influenciar as políticas públicas. A Articulação do Semi-
Árido Paraibano (ASA/PB), uma rede de associações diversas (
sindicatos, igrejas, associações comunitárias etc. ) se constitui na
oportunidade da grande seca de 1993 para pensar e propor políticas
públicas visando a convivência da agricultura familiar no Semi-Árido
nordestino. O objetivo era_ e continua sendo _ superar os projetos
assistencialistas e paternalistas para propor ações estruturantes de
superação da fragilidade dos estabelecimentos rurais familiares. De lá
para cá, a ASA/PB assumiu em comum um número considerável de
iniciativas, algumas das quais já foram adotadas pelas autoridades
governamentais, inclusive no Programa „Fome Zero”. Os outros
Estados do Nordeste semi-árido do Brasil também criaram suas
articulações estaduais, hoje integradas na Asa/Brasil, produzindo
propostas comuns e ações integradas, com o mesmo objetivo: uma
política orientada para a convivência da agricultura familiar no Semi-
Árido.
Analisando o resumo do artigo compreende-se que existem estudos
científicos que orientam a formulação de políticas conservadoras ancorados em
paradigmas positivistas; mas também, existem outros estudos que constroem
novos olhares sobre o semi-árido contribuindo com instituições que tem
desenvolvido ações em conjunto com a sociedade civil. Desse modo, vê-se o
quanto o conhecimento científico está em relação com a sociedade de seu
tempo.

Pense nisto!!!
A ciência enfrenta desafios e paradoxos no mundo contemporâneo, seus
avanços e descobertas podem contribuir com mudanças na ordem biológica e
social dos seres; entretanto, esses imperativos da ciência causam conflitos
éticos e morais na sociedade. Pergunta-se: como a sociedade pode participar
na definição e no estabelecimento de critérios éticos para as pesquisas
científicas?

Desafios contemporâneos da ciência

A ciência enfrenta desafios e paradoxos no mundo contemporâneo,


século XXI, seus avanços e descobertas podem contribuir com mudanças na
ordem biológica e social dos seres; entretanto, esses imperativos da ciência
causam conflitos éticos e morais na sociedade. Pergunta-se: como a sociedade
pode participar na definição e no estabelecimento de critérios éticos para as
pesquisas científicas? Poder-se-ia sugerir que isso possa ocorrer com a
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definição de prioridades por meio do levantamento das necessidades humanas


de seu tempo; como também, considerando os aspectos culturais e sociais de
cada povo.
Conforme Alves (2000, p.115) a “ciência é muito boa dentro de seus
precisos limites. Quando transformada na única linguagem para conhecer o
mundo, entretanto, ela pode produzir dogmatismo, cegueira e, eventualmente,
emburrecimento.” O emburrecimento da ciência pode ser compreendido como
um modo de pensar e agir que atinge e nega as liberdades de criação e
expressão do ser homem e da vida humana em sua dimensão ética e moral.
A produção do conhecimento científico nas universidades e o seu retorno
para sociedade é um debate recorrente nos espaços de divulgação do saber
científico. No entanto, alguns desafios emergem tanto de natureza ideológica
quanto política sobre o papel das universidades, particularmente as públicas.
Nesse contexto, as universidades buscam formalizar parcerias tanto para
atender demandas específicas de exclusão quanto dar respostas a problemas
ambientais e sociais.

Orientação de Leitura

Orienta-se como leituras complementares às discussões apresentadas nesta


aula:

DIONNE, Jean; LAVILLE, Chistian. A Construção do Saber. Tradução de


Heloísa Monteiro e Francisco Settineri. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1999.

Os autores apresentam no capítulo 1 – O Nascimento do Saber Científico uma


discussão teórica sobre o saber racional e o triunfo da ciência. Nesse capítulo,
há um aprofundamento em torno da construção do saber científico e de seus
procedimentos metódicos de pesquisa, sistematização e divulgação dos
resultados. Já no capítulo 3 – Ciências Humanas e Sociedade os autores
abordam as expectativas da sociedade em relação ao saber científico, à
responsabilidade do pesquisador e as contribuições das pesquisas no campo
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das ciências humanas, enfatizando entre as páginas 65-69 as contribuições da


Geografia.

CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? Tradução de Raul Fiker. São


Paulo: Brasiliense,1993.

O autor aborda no capítulo 1- Indutivismo: ciência como conhecimento derivado


dos dados da experiência, um debate entre os métodos indutivistas na ciência,
aprofundando as discussões sobre os parâmetros de verificabilidade e
credibilidade do saber científico.

Revisando as discussões

Nesta aula houve um aprofundamento das discussões em torno do saber


científico, suas características e discursos instauradores de verdades. Ao
debater-se a relação entre ciência e sociedade foram abordadas questões
relativas à produção, socialização e aplicação do saber científico; mas também,
se enfocou os desafios éticos nas pesquisas científicas contemporâneas.
Referências

ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. 27. ed. São Paulo:
Cortez, 1993.

______. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e suas regras. 20. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1994.

______. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. 4. ed. São


Paulo: Loyola, 2000.

BERVIAN, P.A.; CERVO, A.L. Metodologia Científica. 4. ed. São Paulo:


MAKRON Books, 1996.

CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? Tradução de Raul Fiker. São


Paulo: Brasiliense, 1993.

DINIZ, Célia Regina; SILVA, Iolanda Barbosa. Metodologia Científica.


Campina Grande; Natal: UEPB/UFRN – EDUEP, 2008.

DIONNE, Jean: LAVILLE, Chistian. A Construção do Saber. Tradução de


Heloísa Monteiro e Francisco Settineri. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1999.
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DUQUE, Ghislaine; DINIZ, Paulo César. A Articulação do Semi-Árido e o


Desenvolvimento Sustentável: uma experiência no Nordeste do Brasil. In:
Agricultura Familiar: a diversidade das situações rurais. Campina Grande,
PB: GPAF/UFCG, 2005. 1 CD-ROM. Coletânea dos trabalhos apresentados no
Seminário Internacional sobre as Transformações no Mundo Rural em Outubro
de 2003, em Bogotá.

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