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Neste dia, há 169 anos, foi publicado o grande épico da literatura norte-

americana. Moby-Dick é hoje considerado um grande clássico da literatura


americana, mas inicialmente o livro sobre o Capitão Ahab e a sua batalha
titânica para capturar uma baleia branca gigante foi um absoluto fracasso.
Herman Melville nasceu na cidade de Nova York, em 1819, e quando era
jovem passou algum tempo na marinha mercante, na Marinha dos Estados
Unidos e num navio baleeiro nos mares do sul. Moby-Dick, o seu sexto
livro, foi publicado pela primeira vez em outubro de 1851 em Londres, em
três volumes intitulados The Whale, e, no mês seguinte, foi dado à estampa
nos EUA. Melville prometera ao seu editor uma história de aventura
semelhante aos seus primeiros, livros, os que obtiveram maior favor do
público, mas em vez disso, Moby-Dick foi um épico trágico, influenciado
em parte pelo amigo de Melville e vizinho de Pittsfield, Massachusetts,
Nathaniel Hawthorne.

Em tempos era atribuição dos homens de talento dar corda ao mundo. Se a vida revelava
pouco interesse, um tipo começava por interrogar-se a si mesmo, dirigir-se acusações, pois
mesmo na ausência de luxos, regalos desses que desembaraçam o juízo de excessos
metafísicos, e mesmo na falta de orgulhos do poder, um homem reclamava a sua
independência numa vaidade interior, e ao findar os seus dias alegrava-se se pudesse dizer:
“tudo gozei, pela imaginação, num instante e de um só sorvo”. Artur Portela Filho tinha
essa grande exigência consigo mesmo, essa que dá origem a um estilo profundo, ao cultivo
exasperado das qualidades pessoais, a desses homens que, em algum momento, aspiram a
deixar uma obra destinada à nutrição augusta da humanidade. Ele tinha com Eça de Queirós
um diálogo vivíssimo, o que o levou sempre a praticar o seu espírito por escrito na margem
que se opõe ao regime dessa prosa antiquada, mesmo se enxuta, a dos moralistas caturras de
cada tempo, que mesmo se esbofeteiam um assunto, e se lhe arrancam até ao último grito,
horas ou dias depois a coisa esmorece. O teste, assim, é fácil de fazer: vamos lá ver e
confirmamos que cada palavra se tornou como um carvão apagado...
Hoje, o público já nem faz ideia de nada. Estar bem informado, nos nossos dias, equivale a
viver com uma tremenda dor de cabeça, o juízo ferrado por um enxame, numa confusão que
nos arrasta para o fundo. “É claro que o público passa bem por multidão, se o não
quisermos olhar nos olhos e não nos interessar o que se passa por trás dessa fileira
compacta”, escreveu Artur Portela Filho, numa das suas mais antigas crónicas. Ele que foi
um infiltrado da literatura no jornalismo, tornou-se uma das suas figuras mais notáveis por
olhar o seu público nos olhos. E que grandes os tinha. Que capacidade de esmagar com um
apertar lancinante das pálpebras a mosca que se preparasse para trazer este ruído de asas no
ambiente de morgue que tomou conta das redacções. E o que mais custa é que a falta que
jornalistas como ele fazem nos jornais nem deu para que a sua morte fosse noticiada com o
tipo de fanfarra estilística que lhe devia ter feito justiça. Os obituários eram umas
carpideiras dessas que cobram por cada lágrima. Reuniam apenas os poucos factos, fazendo
dele mais outra baixa nessa guerra mais que fria, aborrecida, a da pandemia. Assim, davam
conta que Artur Portela Filho, romancista também, tradutor e publicitário, morreu aos 83
anos, vítima da covid-19. Que tinha sido hospitalizado em Abrantes, com uma pneumonia a
que não resistiu. E que mais? Pouco mais, quase nada. Um zumbir de mosca sobre um
corpo duro e de tão difícil digestão.
Foi preciso que o próprio presidente da república, Marcelo Rebelo de Sousa,
apelasse às musas da tarimba que era ganha nos linguados que tinham o
encanto de encher o peito na véspera para o triunfo do dia seguinte, nas
bancas de todo o país, valendo-se daquele rasgo atrevido para falar do “seu
colega de lides jornalísticas, seu amigo e, às vezes, seu alvo”,
caracterizando como “alegórico, sarcástico, paródico, barroco”.
Acrescentou ainda numa nota publicada no site oficial da Presidência, que
“o Artur Portela cronista é ainda hoje um dos melhores e mais truculentos
guias dos anos de transição entre regimes, bem como das vicissitudes da
jovem democracia, comentando a actualidade de forma mais empenhada do
que na ironia distante que identificamos com o queirosianismo.”
Marcelo sublinhou ainda que “os seus contos e novelas constituíram uma
tentativa portuguesa de diálogo com o nouveau roman francês (…). Mas
foi como jornalista, colaborador de vários jornais, diretor do Jornal Novo e
da revista Opção, e sobretudo como cronista, que se notabilizou”. Já o seu
antecessor, Jorge Sampaio, assinara uma nota, em novembro de 1976, no
5.º volume de “A Funda”, a edição em livro das crónicas políticas que
Artur Portela publicou, ao longo dos anos, nos diversos jornais em que
colaborou, e ali elogiava-lhe aquele exercício, que se distinguia por uma
“eficiente acutilância, que vai saudavelmente demolindo as pseudo-
personalidades, os prestígios formais e de cúpula, as vaidades provincianas
na cidade, os esquemas e as clássicas influências de campanário”. Sampaio
sublinhava ainda que, “estando, como de costume, em cima dos factos, o
25 de Abril veio permitir a Artur Portela alicerçar as suas análises, e agora
às claras, sem mordaças que vitimaram tantos dos seus escritos, numa
perspectiva de esquerda que dia a dia se torna mais evidente e acessível.
Portela representa assim um poderoso instrumento de classificação e
esclarecimento político e social.”
Nascido em 1937 numa família de escritores e jornalistas, herdou do pai o
nome, Artur Portela, e, por isso, para o distinguirem, acrescentou o Filho.
Formou-se em História, mas não tardou a exigir a sua iniciação nos jornais.
Era talvez o único registo em que da véspera para o dia seguinte a sombra
de um homem podia intrometer-se nas coisas, as obsessões e o apuro da
linguagem, mesmo nas entrelinhas, podiam provocar irritações na pele da
alma. E terá sentido como tantos o apelo do mundo das redacções, esse
ambiente “povoado de seres misteriosíssimos”, diz Nelson Rodrigues. Num
negativo dos nossos dias, em que nas águas da liberdade bastou deitar mais
detergente, nos tempos em que as inteligências mais fulgurantes eram
obrigadas a ensaiar os seus golpes na clandestinidade das meias palavras,
reconhecia-se nalguns jornais “uma paisagem fascinante e espectral como
se os redatores, mesas, cadeiras e contínuos fossem seres submarinos”, diz
o cronista brasileiro. “Há peixes azuis, escamas cintilantes, águas jamais
sonhadas. De vez em quando, sai de uma caverna um monstro de
movimentos lerdos e pacientes. E passa um peixe sem olhos, que emana
uma luz própria.”
Uma vez que os jornais se aliviaram dos melhores espíritos que aquela
escola produziu, não espanta que o único obituário digno desse nome – na
verdade um texto notabilíssimo –, não se acoitando no tímido exercício de
elencar os títulos por onde Artur Portela passou, e aqueles que assinou,
apareceu num blogue, assinado pelo jornalista Gonçalo Pereira Rosa. Ali
nos diz como Portela entrou de bibe na redacção do Diário de Lisboa, que
foi o prolongamento da escola que frequentava ao fundo da Rua Luz
Soriano. “Era o Arturzinho, o filho de Artur Portela, cronista jactante das
artes e letras desde a fundação do jornal. Esse rótulo aborrecia-o. Para
muitos, um apelido famoso seria uma bênção, um abre-latas de
oportunidades. Para Artur Portela Filho, implicou durante décadas o ónus
da comparação.”
A atitude honesta perante o texto de Pereira Rosa nem é citar uns bocados,
mas pedir ao leitor que o leia na íntegra. Chama-se “Portela, um gigante
contrariado”. Entre episódios absorventes e bastante esclarecedores, num
exemplo de testemunho raro que exige convivência, atenção, generosidade,
o jornalista diz-nos que “nas redacções por onde passou, [Portela] recolhia
admiração e ódio. Bastava uma crónica para se perceber que estava ali um
pequeno génio. Dominava a língua e as figuras de estilo como poucos. Fez-
se cronista ímpar, talvez o melhor do século – o que não é pouco. Mas
zombava dos que não conseguiam escrever como ele. Tinha uma altivez
irritante ao primeiro contacto.”
É mais do que uma homenagem porque traça um retrato honesto, profundo,
cheio das dimensões que tornam palpável um carácter corajoso e complexo,
o de um homem que deu muito ao jornalismo, “um jornalista que criou o
seu próprio carril, que mais nenhuma locomotiva conseguiria trilhar”, mas
que acabou por “institucionalizar-se”, e por “entrar no mundo da
publicidade e do dinheiro”, no início dos anos 1970. Ainda fundou o Jornal
Novo, onde, “durante meses, foi o cronista mais lido e respeitado do país”,
seguiu-se a revista Opção, mas depois, “a sua intervenção pública passou a
ser feita através de livros-entrevista (maravilhoso o volume com José
Cardoso Pires) e da ficção (nem sempre bem-recebida pela crítica)”. No
fim, fica a sensação de é um dos perfis que se destacam entre os vencidos
do jornalismo, um desses que se deu conta a tempo do naufrágio, e se pôs a
salvo, saltou borda fora, para não ir ao fundo e ver os seus últimos esforços
e o próprio corpo entregue como comida a estes peixinhos de aquário.

O país nem se desculpa da memória de peixe, afunda-se sem se dar conta,


sentindo os miolos levantar voo de alegria. E dizendo adeus à memória, segue-
se a decência de saber quando a hora lhe exige que se feche em luto. Mas lê-se
tão pouco, tão mal que nem para ler as horas vai dando. E a vida que houve nas
redações, nos jornais, diz cada vez menos a quem se contenta com a ração da
imbecilidade da informação que se cinge praticamente a notificações e as poucas
espinhas que não dão do mar grande ideia, distribuídas sem cunho nem crivo
pelas redes que nos cingem neste regime da confusão geral. Assim, a morte de
uma figura decisiva do jornalismo português nem foi bem uma notícia. Foi outra
baixa incerta nesta pandemia sensaborona. Artur Portela Filho, romancista
também, tradutor e publicitário, morreu aos 83 anos, vítima da covid-19.
Hospitalizado em Abrantes, foi-lhe diagnosticada uma pneumonia a que não
resistiu.

Desta vez, coube ao próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,


valer-se daquele rasgo atrevido dos linguados de prosa que davam pulsação à
vida diária para falar do “seu colega de lides jornalísticas, seu amigo e, às vezes,
seu alvo”, caracterizando-o como “alegórico, sarcástico, paródico, barroco”.
Acrescentou ainda numa nota publicada no site oficial da Presidência que “o
Artur Portela cronista é ainda hoje um dos melhores e mais truculentos guias
dos anos de transição entre regimes, bem como das vicissitudes da jovem
democracia, comentando a atualidade de forma mais empenhada do que na
ironia distante que identificamos com o queirosianismo”.

Marcelo sublinhou ainda que “os seus contos e novelas constituíram uma
tentativa portuguesa de diálogo com o nouveau roman francês (…). Mas foi
como jornalista, colaborador de vários jornais, diretor do Jornal Novo e da
revista Opção, e sobretudo como cronista, que se notabilizou”. Já o seu
antecessor, Jorge Sampaio, assinara uma nota, em novembro de 1976, no 5.o
volume de A Funda, a edição em livro das crónicas políticas que Artur Portela
publicou, ao longo dos anos, nos diversos jornais em que colaborou, e ali
elogiava-lhe aquele exercício, que se distinguia por uma “eficiente acutilância,
que vai saudavelmente demolindo as pseudopersonalidades, os prestígios
formais e de cúpula, as vaidades provincianas na cidade, os esquemas e as
clássicas influências de campanário”. Sampaio sublinhava ainda que “estando,
como de costume, em cima dos factos, o 25 de Abril veio permitir a Artur
Portela alicerçar as suas análises, e agora às claras, sem mordaças que
vitimaram tantos dos seus escritos, numa perspetiva de esquerda que dia a dia
se torna mais evidente e acessível. Portela representa assim um poderoso
instrumento de classificação e esclarecimento político e social”.

Nascido em 1937 numa família de escritores e jornalistas, herdou do pai o nome,


Artur Portela, e, por isso, para o distinguirem, acrescentou o Filho. Formou-se
em História, mas não tardou a exigir a sua iniciação nos jornais. Era talvez o
único registo em que, da véspera para o dia seguinte, a sombra de um homem
podia intrometer-se nas coisas; as obsessões e o apuro da linguagem, mesmo
nas entrelinhas, podiam provocar irritações na pele da alma. E terá sentido
como tantos o apelo do mundo das redações, esse ambiente “povoado de seres
misteriosíssimos”, diz Nelson Rodrigues. Num negativo dos nossos dias, em que
nas águas da liberdade bastou deitar mais detergente, nos tempos em que as
inteligências mais fulgurantes eram obrigadas a ensaiar os seus golpes na
clandestinidade das meias-palavras, reconhecia-se nalguns jornais “uma
paisagem fascinante e espetral como se os redatores, mesas, cadeiras e
contínuos fossem seres submarinos”, diz o cronista brasileiro. “Há peixes azuis,
escamas cintilantes, águas jamais sonhadas. De vez em quando sai de uma
caverna um monstro de movimentos lerdos e pacientes. E passa um peixe sem
olhos, que emana uma luz própria”.

Uma vez que os jornais se aliviaram dos melhores espíritos que aquela escola
produziu, não espanta que o único obituário digno desse nome - na verdade, um
texto notabilíssimo -, não se acoitando no tímido exercício de elencar os títulos
por onde Artur Portela passou e aqueles que assinou, apareceu num blogue,
assinado pelo jornalista Gonçalo Pereira Rosa. Ali nos diz como Portela entrou
de bibe na redação do Diário de Lisboa, que foi o prolongamento da escola que
frequentava, ao fundo da Rua Luz Soriano. “Era o Arturzinho, o filho de Artur
Portela, cronista jactante das artes e letras desde a fundação do jornal. Esse
rótulo aborrecia-o. Para muitos, um apelido famoso seria uma bênção, um abre-
latas de oportunidades. Para Artur Portela Filho, implicou durante décadas o
ónus da comparação”.

A atitude honesta perante o texto de Pereira Rosa nem é citar uns bocados, mas
pedir ao leitor que o leia na íntegra. Chama-se “Portela, um gigante
contrariado”. Entre episódios absorventes e bastante esclarecedores, num
exemplo de testemunho raro que exige convivência, atenção, generosidade, o
jornalista diz-nos que “nas redações por onde passou, [Portela] recolhia
admiração e ódio. Bastava uma crónica para se perceber que estava ali um
pequeno génio. Dominava a língua e as figuras de estilo como poucos. Fez-se
cronista ímpar, talvez o melhor do século - o que não é pouco. Mas zombava dos
que não conseguiam escrever como ele. Tinha uma altivez irritante ao primeiro
contacto”.

É mais do que uma homenagem porque traça um retrato honesto, profundo,


cheio das dimensões que tornam palpável um caráter corajoso e complexo, o de
um homem que deu muito ao jornalismo, “um jornalista que criou o seu próprio
carril, que mais nenhuma locomotiva conseguiria trilhar”, mas que acabou por
“institucionalizar-se” e por “entrar no mundo da publicidade e do dinheiro”, no
início dos anos 1970. Ainda fundou o Jornal Novo onde, “durante meses, foi o
cronista mais lido e respeitado do país”, seguiu-se a revista Opção, mas, depois,
“a sua intervenção pública passou a ser feita através de livros-entrevista
(maravilhoso o volume com José Cardoso Pires) e da ficção (nem sempre bem
recebida pela crítica)”. No fim, fica a sensação de que é um dos perfis que se
destacam entre os vencidos do jornalismo, um desses que se deu conta a tempo
do naufrágio e se pôs a salvo, saltou borda fora, para não ir ao fundo e ver os
seus últimos esforços e o próprio corpo entregue como comida a estes peixinhos
de aquário. 

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