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e a teoria da personalidade
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HORIZONTE UNIVERSITÁRIO
MARXISMO E TEORIA
DA PER SO N ALID A DE
VOLUME Ш
LIVROS HORIZONTE
i- r °
HIPÓTESES
PARA UM A TEORIA CIENTÍFICA
DA PERSONALIDADE
i
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Г
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«О tempo é о campo do desenvolvimento humano» (
К. Marx: Salaire, prix et profit. £d. Sociales,
1968, p. 107. (
«Será que tun dia o homem náo conseguirá, efectuar (
no tempo progressos análogos aos que tem efectuado
no espaço?» (
P. Janet: De Vangoisse à Vextase, Alean, 1926,
t. I, p. 233. C
Os capítulos precedentes propõem uma solução para о c
problema da delimitação do campo das ciencias na área do (
psiquismo humano, e» em particular, uma definição da psi
cologia da personalidade, que nos surge como sendo urna (
ciencia essencialmente a constituir em novas bases. A o reflec- (
tirmos sobre estas questões a partir do materialismo dialéctico
e histórico, e da articulação que a ciencia do individuo (.
humano toma necessariamente com este, não pensamos ter- (
-nos entregue, em princípio, a uma intervenção arbitrária de
não especialista no terreno de uma ciência específica, mas sim (.
a uma investigação legítima de ordem antropológica e episte (
mológica geral, e, logo, de filosofia, na acepção marxista do
termo, investigação essa cujos resultados são única e simples (
mente propostos ao psicólogo a fim de que ele julgue sobre c
a sua eventual congruência com os resultados e os obstáculos
por si mesmo encontrados no seu terreno. Mas, neste último (.
capítulo, propomo-nos ir mais além: adiantar, a título de
hipóteses indicativas, um certo número de ideias relativas a v
conceitos fundamentais e a leis genéricas de desenvolvimento ¡V
que poderiam dar forma a esta ciência da personalidade
surgida mais atrás. Ora, basta anunciar um tal projecto para v
icvar a que surja uma questão prévia de imperiosa impor t4
tância: tal não equivalerá, para um filósofo marxista, a colo
car-se em flagrante contradição com aquilo que foi lembrado
precisamente aqui, no capítulo i, no respeitante à absoluta
ilegitimidade da intervenção externa nos assuntos de uma
ciência particular?
I
OBSERVAÇÕES PRÉVIAS
i
H ipóteses p a ra u m a teo ria cien tífica d a personalidade 419
23
II
HIPÓTESES
w Contribution, p. 250.-
no Л . Piéron: Psychologic differentiellc, P. U.F., 1049, p. 3i.
H ipóteses p ara u m a teoria cien tifica d a personalidade 439
for, e eja qual for o seu grau. Numa tal acepção, o termo
possui, portanto, um campo de aplicação consideravelmente
mais vasto do que no âmbito do seu uso corrente, em que
designa, regra geral, o poder de efectuar determinados actos
de um certo nível de complexidade psíquica, até mesmo de
uma reconhecida utilidade social. No uso que aqui faremos
dele trata-se, pelo contrário, da totalidade dos actos de um
indivíduo, nem que sejam dos mais elementares e dos menos
úteis socialmente. Entre os actos e as capacidades de um
indivíduo vemos, de imediato, que existem inúmeras relações
dialécticas, cuja análise constitui um capítulo essencial da
teoria da personalidade. A capacidade é a condição individual
para a concretização do acto, mas a imensa maioria das capa
cidades são, em si mesmas, produzidas ou desenvolvidas no
indivíduo por meio de um conjunto de actos que constituem,
por seu turno, a sua própria condição. Estes dois aspectos das
relações dialécticas actos-capacidades não exprimem apenas
o facto da sua pertença a um mesmo ciclo da actividade, em
que surgem a título de instantes; levam igualmente ao encarar
da actividade total do indivíduo como sendo algo que se
desdobra necessariamente em dois sectores fundamentais, em
que ambos mantêm reciprocamente relações estritamente
definidas. Chamo sector I da actividade individual ao con
junto dos actos que produzem, desenvolvem ou especificam
determinadas capacidades. Chamo sector II ao conjunto dos
actos que, colocando unicamente em acção as capacidades já
existentes, produzem tal ou tal resultado a que o exercício
dessas capacidades permite que cheguemos. É evidente que
esta divisão teórica não pode ser aplicada a uma biografia
concreta, a não ser na medida em que tenham sido previa
mente resolvidos inúmeros problemas específicos, como, por
exemplo, certos problemas relativos à dupla pertença: nume
rosas actividades são simultaneamente aprendizagem e exer
cício de capacidade, e mesmo, num certo sentido, tal é válido
para toda a actividade, visto que para além da oposição entre
aquilo que há para aprender e aquilo que já se sabe é neces
sário saber aprender e aprender a saber. Mas as dificuldades
concretas que podem surgir quando se trata dc classificar uma
determinada actividade no sector i ou no sector и não consti
tuem uma objecção maior a essa distinção fundamental dos
sectores do que as dificuldades em determinar a pertença de
classe de um pequeno camponês que é igualmente um assa-
440 ‘ Marxismo e teo ria d a personalidad©
atrofiam-se. ' por isso que, sem jogar com as palavras, pode
mos afirmai que o capitalismo é profundamente bestial, ao
manter enormes massas de indivíduos, no próprio umbral da
hominização integral de que ele cria as premissas, nas condi
ções do animal, para quem não existe a riqueza inesgotável
do património social. Compreende-se que o complemento
ideológico mais natural do capitalismo seja uma forma vulgar
de materialismo biológico, ao qual as utopias espiritualistas
vêm acrescentar, por meio de uma inocente contradição, o
necessário toque de álibi e de protesto ilusório. Apenas o
marxismo fornece ao homem a sua verdadeira dimensão e
as suas perspectivas de desenvolvimento ilimitado ao levar
de volta a base biológica da necessidade a desempenhar o
seu papel efectivo de ponto de partida genético e de condição
de possibilidade e ao revelar, no âmbito da hominização,
isto é, do entrelaçamento da socialização e da personalização,
ao mesmo’ tempo aquilo que o capitalismo generaliza e
aquilo a que barra o avanço, bem como o que anuncia neces
sariamente uma fase superior do desenvolvimento histórico,
isto é, do desenvolvimento dos indivíduos humanos.
H isto leva-nos a discutir o terceiro argumento adiantado
a favor do primado do conceito de necessidade ao criticar
a ilusão que vicia certas tentativas, operadas a partir do mar
xismo, com o fim de substituir à concepção animalizada das
motivações específicamente humanas a ideia de que o trabalho
é precisamente a primeira necessidade humana. A uma pri
meira análise, esta tese parece pôr, de facto, em evidência
a impotência de todas as concepções não marxistas para se
aperceberem da actividade humana a partir de algo que não
seja ela própria: neste sentido, qualificar o trabalho de pri
meira necessidade equivale, pura e simplesmente, a afirmar
que «a essência humana não é a necessidade, mas sim o tra
balho». Mas semelhante interpretação leva ao ressurgir ime
diato do carácter perigosamente especulativo da tese. Demons
trámos longamente, ao longo do capítulo и, que se Marx
define a essência humana não por meio do «trabalho», mas
sim por meio das relações sociais, não se trata aqui de uma
variante subalterna, mas sim de um ponto capital. Definir
o homem por meio do trabalho é defini-lo por meio de uma
generalidade abstracta, logo, desde o início, é afastarmo-nos
H ipótoses p a ra u m a te o ria cie n tífic a d a personalidade 467
w Cf. a este respeito L’idéologie allemande, pp. 68, 94. 96, 104. 232,
248; Fondementa, I, p. 273, II, pp. 114, 230; Critique du programme
de Gotha, pp. 25,-118; Le Capital, TU, 3, p. 198, etc.
45 LHdéologie allemande, p. 68.
45 Marx emprega o termo aufheben para designar este processo tíe
supressão-ultrapassagem do trabalho; cf. L’idéologie allemande, p. 232,
nota 3, p. 248, nota 3, etc.
Hipóteses p a ra Ja te o ria c ie n tífic a d a personalidade 459
¡*5 Cf.r por exemplo, a< este icspelto G. Proudenski: «A análise dos
orçamentos de tempo e o seu mótodo»1, em Л Socioloyiu na U. R. S. S.,
Kd. do Progresso, Moscovo, 1966.
470 Marxismo e teoria da personalidad©
n .-M kb.____
б* L'idéologie allemande, p. 96.
O' ъ c b
486 Marxismo e teoria d a personalidade
M. he C apital, I, 1, p. 90.
<u L 'idéologie a lle m a n d e , ppr 481-482.
Hipóteses p a ra u m a teo ria c ^ u tíf ic a d a p erso n alid ad e 497
3. L eis d e d e se n v o lv im e n to e p ro b lem as d a r e p r o
d u ç ão ALARGADA. A BIOGRAFIA
Em função de tudo o que ficou dito atrás, de que modo
se apresenta o problema das leis de desenvolvimento da per
sonalidade? A uma tal questão, como é óbvio, não pode estar
aqui em causa dar outra resposta que não seja, o mais franca
mente possível, ao nível da mera hipótese, e das considerações
mais genéricas. Dois pontos fundamentais parecem, pelo
33
506 Marxismo e teo ria da personalidade
83 Fondements, П, p. 34.
H ipóteses p a ra u m a te o ria c ie n tífic a d a perso n alid ad e 529
MORTE E TRANSFIGURAÇÃO
D A ANTROPOLOGIA
«Nada está dito. Chega-se sempre demasiado cedo,
desde que há homens, há Já mais de 7000 anos.
No que concerne aos hábitos e costumes, como a tudo
o resto, o pior foi já anulado. Nós desfrutamos da
vantagem de trabalhar na senda traçada pelos antigos,
os male hábeis de entr¿ os moaemos.»
Lautreamont, Poésies (Préface à un livre futur)
CEuvres completes. J. Corti, 1938, p. 326.
5 Nagel, 1946.
i C ritiQ ue de la ra iso n d ia le c tiq u e , p. 105. O sublinhado é meu.
Seis. Unhas mala abaixo а expressão «natureza hum ana» é usada como
equivalente a «essência hum an a'.
Mortx tran sfig u ra ç ã o d a antropologia 547
—
38 H. Poincaré, Le matérialisme actúel, Flammarion, 1913, p. 65.
39 Lenine, «Matérialisme et empirlocriticieme», CEuvres, Faris-
-Moscovo, t, 14, pp. 271-272 e 372.
M orte e tran sfig u ração d a an tropologia 559
s* Contribution, p. 174.
55 «Traité do la réforme de 1’entendement», CEuvres complètes, de
Spinoza, La Plôlade, GaUímard, 1964, p. 177.
576 Marxismo e teoria da personalidade
*
Chego agora ao problema da configuração do campo das
ciências psicológicas e do estatuto de uma verdadeira ciência da
personalidade, problema esse que constitui o objecto do capí
tulo 3. E creio, para começar, poder observar que o diagnós
tico que nele é avançado sobre o estado actual da psicologia
da personalidade, pelo menos da de língua francesa, por mais
severo que possa ser, não foi contestado por ninguém, nem
mesmo por psicólogos profissionais. Melhor: vários especia
listas indicaram-me que poderia, sobre este ou aquele ponto,
ter ido buscar o exemplo de autores ainda mais caracterís
ticos e representativos dos erros que aí denuncio, o que lhes
agradeço bastante. Fiquei, contudo, surpreendido, neste domí
nio, ao encontrar, por várias vezes, uma curiosa observação:
teria sido inútil criticar os trabalhos de Sheldon, que me
asseguraram já ninguém levar a sério. Explicar-nos-ão, nesse
caso, se é realmente assim, porque é que esse monumento eri
gido à indigência do pensamento científico, que dá pelo
588 Marxism' teoria da personalidade
2 Exemplo que nSo é, de modo algum, tópico, mas, bem pelo con
trário, largamente Intennutâvel.
606 Marxismo e teoria d a personalidade
i
614 Marxismo e teoria d a personalidade
/"V aJ '-
622 Marxismo e teo ria d a p e r s o n a l i a * ^
vái
das suas formas e das suas normas, etc.? Isto parece ser, de
urna forma clara, bastante duvidoso. Se os principios* da
existencia individual podem, evidentemente, ser pensados em
tais termos, já que a mais ínfima parcela de ser humano
volta sémpre a partir da ontogénese biológica, será que o
desenvolvimento .da personalidade não exige que se inves
tigue numa direcção oposta onde se . encontra o motor da
actividade desenvolvida? Porque é do exterior do individuo
do mundo social, que emanam as incitações fundamentais ¿
de onde afluem os materiais da hominização, e é, por conse
quência, também ai que se determinam e transformam as
estruturas objectivas da «motivação» dos actos. Por exemplo,
tal como Marx o demonstrou admiravelmente, a generalizai
ção das relações, monetárias alterou radicalmente as neces
sidades humanas na sua própria essência. Se reflectirmos
numa tal direcção, a reprodução alargada da personalidade
e das necessidades humanas,, longe de surgir, nesse caso,
como sendo uma especificidade enigmática da espécie, dê
encontro à qual vem esbarrar a psicologia do nosso tempo,
toma-se clara como sendo uma característica estrutural evi
dente da história: a vastidão crescente do património social,
virtualmente oferecido à assimilação pessoal, que, por seu
turno, encontra como principal obstáculo contradições e limi
tações inerentes, em si mesmas, a determinadas formas so
ciais —-o que revela a natureza essencialmente histórica e a
relatividade das oposições, ideologicamente enraizadas, entre o
«génio» e o «medíocre», entre a personalidade desenvolvida
e a personalidade atrofiada. É evidente que uma tal concepção
posicionalmenle excêntrica do motor da actividade pessoal
não contradiz, de forma alguma, a sua manifesta interiors
zação, a qual exige ser estudada enquanto realidade psíquica,
relativamente autónoma, animada por contradições que se
tomaram internas, as quais, por seu tumo, se exprimem exte
riormente no âmbito da actividade social da personalidade.
Mas o que proíbe é a «via rápida e breve», que consiste em
relacionar directamente a actividade com necessidades enten
didas enquanto primeiro motor, ponto de partida real, quando,
na realidade, as necessidades de uma personalidade desen
volvida consistem essencialmente em resultados, que expri
mem uma dinâmica subentendida pelo conjunto das suas
estruturas, as quais reflectem, elas próprias, o conjunto das
estruturas sociais que sê deparam à biografia.
'ácio da terceira edição francesa 623
ou não, à redução do tempo de trabalho ao tempo abstracto, concreta dos indivíduos. Uma forma excepcionalmente inte
em que se baseia todo o processo de exploração capitalista! ressante e importante dessa lógica, face à da aceitação satis
O desenvolvimento da reflexão a partir destas simples hip¿ feita ou à de mesquinho refugiar-se na concha da vida ((pri
teses é quanto basta, parece-me, para tornar patente a fecun vada», é a vida militante, que implica a tomada de cons-
didade do conceito de emprego do tempo, e a possibilidade ciênica, por parte do indivíduo, da excentricidade posicionai,
de definir, em semelhante direcção da pesquisa, uma verda de índole social, das bases da sua personalidade, e uma forma
deira lógica de base da actividade pessoal, e, posteriormente, de actividade que une profundamente a resolução das contra
em relação com ela e com as suas contradiçõs, um conjunto dições pessoais à transformação das condições sociais objecti-
de actividades superstruturais, a começar pelos regulamentos vas, «essência real» de todos os homens — anunciando, por
de emprego do tempo, e das correspondentes representações tanto, desse modo, no próprio seio de uma sociedade classista,
ideológicas — e, finalmente, de principiar a entrever leis de as formas superiores oa personalidade desalienada. ^
desenvolvimento
v+ v-kJ£>« *• r v b da Jpersonalidade,
r у 3 no sentido f dialéctico
w iv w v a w do
U U . / 'л i & / 0 Vque
j[W v significa,
O lg L U J L lV tl» então,
ts - U - i - C l l / » segundo
õ w g U U U U a concepção
U V U iltv p y d U proposta.
U jJ U õ L d ,
termo «lei», que precisámos mais atrás, ou seja, como expres-Uc/1^ estudar científicamente uma personalidade? Significa, em
são da lógica de desenvolvimnto de contradições concretas, j¿A primeiro lugar, descobrir e referenciar, na medida do possí-
específicas de uma determinada personalidade. vel, as particularidades biológicas e as estruturações inf a n '
Mas ao longo de uma tal reflexão importa nunca perder4 \jba' r'através das quais se efectuou, para começar, a individuação,
de vista a posição justa-estrutural da personalidade para com rA lT e de onde resultam formas mais ou menos duráveis de activi-
as relações sociais. Caso contrário, derivar-se-ia inápelável- v U/"' dade. Significa, sobretudo, apreender a dialéctica da vida
mente para uma concepção das suas leis de desenvolvimento pessoal no âmbito da qual se constitui e se transforma a per
que se encontraria viciada pela base. Admitamos, por exem sonalidade desenvolvida: evolução do fundo fixo das capaci
plo,- que a experiência acabasse por vir dar validade à hipó- fjf 1 dades, estruturas do emprego do tempo, superstruturas e
tese de uma lei de correspondência «necessária» entre o nível tfi' ' " formas de consciência, necessidades internas de desenvolvi
ae desenvolvimento de
de ae udeterminadas
e i e r n u n a u a s ucapacidades
a p a u i u a u c s сe a.
a tucorres-
r re s * v / i у mento e contradições com as bases objectivas da vida pessoal,
pondente estrutura do emprego do tempo. Uma tal hipótese Л "7 resultantes dessas contradições em cada etapa, crises do
surge como sendo inteiramente plausível do duplo ponto de \lT emprego do tempo e transformações eventuais da lógica geral
vista do materialismo histórico e da dialéctica. Mas atenção: r de desenvolvimento — tudo isso, tendo em conta a articula
qué certas modificações do emprego do tempo possam surgir ção entre dialéctica específica da actividade desenvolvida e
como necessárias do ponto de vista do desenvolvimento das formas oriundas do seu suporte orgânico, bem como do seu
capacidades não significa, de forma alguma, que elas vão,
necessariamente, prevalecer sobre certas condições sociais passado biográfico, episódios da alteração progressiva da acti
objectivas, que não oferecem, necessariamente, a possibili vidade primitiva para uma actividade desenvolvida, do termo,
dade de tais modificações; no seio da sociedade capitalista, mais ou menos completo, desta alteração. Trata-se aqui, com
a redução da força de trabalho ao estatuto de mercadoria toda a evidência, de um programa teórico de trabalho, que
significa, pelo contrário, que, de uma forma geral, é antes pressupõe, como estando já adquiridos, inumeráveis conheci
a impossibilidade desta correspondência necessária que se mentos gerais e informações relativas ao caso singular. Do
torna regra, de onde um fenómeno social massivo de limita mesmo modo, a convicção que anima, de uma ponta à outra,
ção de crescimento das personalidades. A psicologia da per o. presente livro é a de que a psicologia científica da perso
sonalidade defronta-se, portanto, com um tipo específico de nalidade pertence ainda, no respeitante ao essencial, ao
contradições: as contradições entre necessidades internas de futuro. No âmbito de uma tal via parece, pelo menos, ser
desenvolvimento e condições sociais de possibilidade das possível uma verdadeira ciência da biografia, articulada com
correspondentes modificações da biografia, contradições essas o materialismo histórico e o socialismo científico, as práticas
que determinam, por seu turno, toda uma lógica de reacção transformadoras da personalidade e as lutas revolucionárias.
626 M arxism o e teor d a personalidade
anos pelo meu livro, e que permaneceu até hoje sem resposta
por parte daqueles que reduzem o marxismo ao instante do
anti-humanismo teórico: considerando, bem entendido, que
o marxismo rejeita todo e qualquer humanismo abstracto,
ê ou não verdade que, segundo a fórmula da carta a Annen
kov, a história social dos homens é, ao mesmo tempo, a his
tória do seu desenvolvimento individual; e se é assim, de que
modo é possível designar este aspecto fundamental da teoria
marxista senão como sendo um humanismo científico? Não
creio, pela minha parte, que seja possível continuarmos a
reconhecer a presença da categoria de alienação no seio do
marxismo adulto e, ao mesmo tempo, furtarmo-nos a esta
questão56.
É certo que, considerando a carga idealista e, no fundo,
burguesa, que vem pesando, de há longa d ata, sobre o termo
humanismo, utilizá-lo para qualificar o marxismo — nem que
seja especificando-se através do adjectivo científico— não
.deixa de. apresentar algum perigo. Althusser teve toda a razão
em sublinhá-lo, e neste mesmo livro dou testemunho de tal
facto57. Todos nós, aqueles que tivemos de combater nos
anos 50 o deslizar «humanista» para o oportunismo de Henri
Lefebvre.e, posteriormente, nos anos 60, um outro deslizar
para o oportunismo em nóme do ((humanismo», o de Roger
Garaudy, sabemos, por experiencia, que esse perigo não é
imaginário. Mesmo hoje em dia, e oriundo' de diversos secto
res, um «humanismo» de contornos flácidos é parte inte
grante do dispositivo ideológico a partir do qual a ciência
marxista da história é denunciada como sendo «dogmática»
e a organização revolucionária da classe operária como
1— ■■ — • •,
A fim de precisar o meu pensamento, e o sentido- em que
entendo a terminologia em causa, direi o seguinte: o facto
elementar de em todas as línguas, salvo erro, se falar de
personalidade humana, mas unicamente de individualidade
animal, traduz o facto fundamental de que, no âmbito do pro
cesso de individuação social humana, surge uma realidade
inteiramente específica, a saber, toda uma lógica posicional
mente excêntrica da actividade que vem do exterior enformar
a individualidade prévia para a subordinar a si, de uma forma
mais ou menos total, tornando-se, assim, no elemento deci
sivo que rege a biografia do indivíduo. Esta lógica posicional
mente excêntrica, de essência social, mas que adquire a forma
psicológica da individualidade, é muito específicamente
jiquilo que confere ao homem concreto uma personalidade.
A passagem progressiva da individualidade biológica origi
nária à personalidade efectua-se através de processos com
plexos de investimentos, de sucessivas alterações, geradores de
estruturas susceptfveis de uma determinada duração biográ
fica, nomeadamente sob a forma de materiais que voltam a ser
utilizados numa ulterior etapa, no âmbito do quadro da sua
lógica específica — daí certas contradições secundárias que
se repercutem nas contradições características da lógica da
etapa considerada. O surgir da personalidade não pode
efectuar-se plenamente senão quando a biografia do indivíduo
considerado se encontra engrenada nas relações sociais fun
damentais, a começar pelas do trabalho social. Mas esta per
sonalidade desenvolvida é normalmente precedida por for
mações mais precoces, oriundas da inserção da bio^afia em
relações sociais derivadas, secundárias, etc., relativamente às
relações de produção, tal como as relações familiares, as
estruturas de linguagem, etc., formações essas a que podemos
já chamar personalidade (infantil, etc.) com a condição de
não se perder de vista o facto de que só a personalidade desen
volvida exprime, de uma forma integral, a especificidade psi
cológica dá Humanidade historicamente evoluída, o conceito
de personalidade é, portanto, efectivamente, na sua raiz, um
conceito específico, opondo-se ao de individualidade natu
ral 84, e, neste sentido, a teoria da personalidade, bem como
84 Information, p. 50.
Posfãclo d a terceira edição francesa ’3
4.
676- Marxismo e teo».* d a personalidade
CAPITULO IV
Рейв.
HIPÓTESES PARA UMA TEORIA CIENTÍFICA DA PERSO
NALIDADE ........ ............... •....................................... 415
I —Observações prévias ....................................................... 418
. II —Hipóteses. ... ................... . ..t ................................. 426
'i A ’i- 1. C o n c e ito s d e base. A c to s. C apacidades. O p ro b lem a das ne-
c e s i d a d e s .............. 426
2. In fra -e s tru tu ra s e su p erestruturas. O em prego d o te m p o ... 464
. 3. L e is d e d e se n v o lv im e n to e problem as d a reprodução alar-
■ 8ada. A biografia ... ................................................... 497
CONCLUSÕES