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Ani4Iise Psicológica (1988).

3 / 4 (IV): 311-318

Projecto da Psicologia Transdisciplinar


do comportamento desviante
e auto-organizado
CÂNDIDO MENDES MARTINS
DA AGRA (*)

O projecto de investigação que dá sentido tenta o seu engendramento na Medicina e


ao Centro de Psicologia do Comportamento na Filosofia. Ora a análise arqueológica da
Desviante da Faculdade de Psicologia e de Psicologia, sem negar as suas ligações com
Ciências da Educapío da Universidade do o pensamento médico e filasófico, revela-
Porto nasce duma tomada de consciência -nos uma sobredeterminação da emergência
epistémica que nos obriga h criação dum da psicologia pelas questões postas pela an-
espaço de interferência entre a prática teó- tissocialidade e seu controlo. A Psicologia
rica e as teorias práticas. torna-se disciplina científica em razão de
Assim, se a análise arqueológica dos sabe- uma sociedade disciplinar.
res do psiquismo nos conduz aos saberes dos
comportamentos antisociais, as formas re- Antes pois de sabermos como é que a
centes que estes comportamentos assumem justiça se pode tomar sábia pelo recurso &
remetem-nos para os saberes do psiquismo e psicologia temos de pensar como é que o
sua reorganização. As relações entre sabe- saber psicológico se epistemologiza numa
res do psiquismo e saberes da antisscciali- racionalidade de saber fazer justiça.
dade não são pois recentes nem simples, A penalidade, funcionando no regime de
mas longínquos e complexos. É este sistema pena retributiva orientada para o acto de
de relações que constitui o nosso objecto/ transgressão, vem inscrever-se, desde a pas-
/projecto. sagem da idade clássica para a idade mo-
derna, numa lógica de perigosidade e de
defesa social. Esta nova lógica, encontra o
1. PSICOLOGIA DA DISCIPLINA, seu ponto culminante já no final do séc. XIX
DISCIPLINA DE PSICOLOGIA com as doutrinas de Ducpecio e A. Preinz.
Aqui a pena não visa mais o acto em si mas
A tese comum, quanto as origens da Psi- o actor. E como a das
cologia enquanto disciplina científica, sus- e das entidades mórbidas dá lugar a uma
medicina clínica onde a doença cede lugar
(*> Professor da Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade do Porto,
ao doente assim a penalidade clássica dá
lugar a uma pendidade Onde o
- do Comoor-
Director do Centro de Psicologia
tamento Desviante da mesma Faculdade. dá lugar ao actor anti-social: a ddinquente.

31 I
I3 de suas inclinações, suas pulsões, seu com a Justiça, na materialidade. A vontade
carácter, que importa indagar (diferenciar, contemporânea do encontro entre a Psicolo;
classificar, seriar), é sobre eles que importa gia e a Justiça só é um primeiro encontro
actuar através de medidas disciplinares adap para quem pensar a ciência e concretamente
tadas A sua natureza. a Psicologia longe do espaço e do tempo
Uma vontade de saber se desenha cria- sócio-históricos.
dora de individualidade, o delinquente, que Permita-nos a justiça científiccLdisursiva
por necessidade do olhar clínico o trans- brincar com coisas sérias: a actual vontade
forma em doente: o delinquente é um doente de encontro entre a Psicologia e a Justiça
da alma, a necessitar medidas correctivo-edu- é uma questão de justiça: a Psicologia tinha
cativas, contraído uma pesada dívida A justiça (a
Mas esta vontade de saber produtora de dívida da sua existência). Chegou o mo-
individualidade não se esgota na penalidade. mento da retribuição: o actual modo da
Pelo contrário, a penalidade não é senão existência da Justiça exige o alimento da Psi-
um elemento, analisador epistémico, de um cologia. Uma nova sabedoria da justiça ti-
novo sistema de controlo das desordens que nha produzido o saber psicológico; que o
funciona na correlação entre as leis sociais novo saber psicológico torne agora sábia a
e leis científicas, entre normas gerais e nor- justiça.
mas individuais, entre os corpos, os espíri- Resta saber se a Justiça não põe esperan-
tos e os corpos sociais. ças vãs na Psicologia, desconhecendo que
Este novo sistema difunde-se nos múlti- os seus fundamentos são também os da Psi-
plos dispositivos do tecido social (escolas, cologia e que a crise que os; atravessa toca
hospitais, fábricas, exército, prisões) e ca- também a Psicologia. Com efeito a socie-
racteriza-se por uma tecnologia que visa dade disciplinar que tinha criado as condi-
tornar os corpos e as almas dóceis e úteis ções do saber e das práticas da individuali-
(arte da repartição e classificação dos indi- dade entra hoje em crise. A crise da Justiça
víduos, controlo da sua actividade, sua vigi- é a manifestação periférica da crise desse
lância hierárquica, sanção normalizadora, regime: como a crise das Ciências Psicob
exame): Disciplina (cf. M. Foucault, Sur- gicas. Entramos numa sociedade pós-disci-
veiller et Punir), .(EU sistema produtor de ia- plinar onde o saber da individualidade en-
dividualidade. Eis o objecto para uma nova contra cada vez menos condições de desen-
disciplina científica: a Psicologia. A Psicolo- volvimento e de expansão. Diremos que se
gia é disciplina científica a custa duma nova tornam mesmo impossíveis.
estratégia de gestão da d w r d em 6 de saber
Donde, o devir da Justiça, na direcção da
fazer justiça: a Disciplina.
Psicologia, será sábio na condição de a Psi-
cologia assumir um devir epktémico na di-
recção da Justiça.
2. PSICOLOGIA E JUSTIÇA:
UMA QUESTAO DE JUSTIÇA A Psicologia é hoje forçada a uma p r e
funda descontinuidade de regime teórico. E
6e pois a Psicologia se desbloqueia epis- como no momento da sua emergência, o
temologicamente através duma nova estra- seu novo paradigma é condicionado pelos
tégia de regulação social em que a justiça objectos da Justiça embora numa outra ter-
se faz fazendo justos, bom seria que o seu ritorialidade. € oIque nos propomos com o
movimento desmaterializante, na ilusão de projecto duma Psicologia transdisciplinar do
corte epistemológico e da cumulatividade Comportamento Desviante e Auto-Organi-
do saber, fosse interrompido pelo encontra zado.

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3. PROJECTO (I) mos ainda conta da configuração geral desse
novo paradigma (9.
A Psicologia é obrigada hoje a uma pro- É pois na continuidade de tal demonstra-
funda metamorfose: em razão das actuais ção e constatação que se situa o projecto
disposições do saber, por um lado, em razão de uma Psicologia Transdisciplinar do Çom-
de um conjunto de novos fenómenos e no- portamento Desviante e Auto-Organizado.
vos objectos, por outro. Podemos resumi-lo pela seguinte formu-
A regularidade do pensamento científico lação: procura de um modelo explicativo
ensina-nos que não se faz mais ciência ope- para o comportamento desviante ou anó-
rando cortes, rupturas mas sim ligações, mico segundo1 as regras reitoras do epistema
comunicações, suturas. Assim, a Psicologia, con teniporâneo.
na pretensão ao estatuto de ciência e de Explicitemos:
ciência complexa não pode recusar as re- a) Um certo número de fenómenos re-
gras que a his,tÓria da ciência lhe destina. centes, entre eles o fenómeno do consumo
A estratégia epistemológica que poderá con- de substáncias psicoactivas, são dificilmente
duzi-la a uma reorganização complexificante assimiláveis pelas psicologias tradicionais:
será pois aquela que fará emergir no1va.s psicanálise, behaviorismo, psicologia huma-
paradigmas aquém e além da solidão das nista, psicologia clínica, psicologia social.
disciplinas e estratégias teóricas tradicionais b) Há um pedido social de compreensão,
(Psicologia Clínica, Psicologia Social; Psica- explicação e intervenção sobre estes fenó-
nálise, Behaviorismo, Psicologia Humanista) menos e a que a Psicologia não pode deixar
na rede das comunicações transdisciplina- de responder.
res. c ) As actuais condições da pensamento
Mas os novos paradigmas não surgem, científico possibilitam a emergência de um
mesmo que as condições do saber o permi- modelo complexo que permitindo a ultra-
tam, sem que novos fenbmenos (ou novas passagem, até cmta medida, dos impasses e
formas dos mesmos) os exijam, sem que da crise do saber psicológico tradicional,
uma vontade swiocultural e histórica os satisfaça de algum modo e na racionalidade
proponha ao saber: saber-explicação e sa- o pedido social.
ber-intervenção. A complexificação cientí- Este projecto desenvolve-se na dialéctica
fica da Psicologia implica pois a sua aber- de duas linhas fundamentais:
tura e resposta aos feníimenm que a his- Linha epistemológica: Trata-se de pro-
tória dos homens lhe propõe. curar no campo enunciativo dos paradigmas
Que a metamorfose da ciência, dum lado, científicos alctuais, novos conceitos de cuja
que a emergência de novos fenómenos por articulação poderão surgir novas teorias ex-
outro, ameaçam a es8tabilidadedos saberes plicativas. Será obrigatório o percurso1 pelas
do psiquismo e exigem a emergência dum demais ciências, nomeadamente a Física, a
novo paradigma, já o demonstrámos q). De- Biologia, a Matemática, as teorias dos sis-
temas, da informação e da comunicação, a
ecologia e a etologia, acompanhado de uma
(') Traçamos neste parágrafo a Filosofia de constante preocupação crítica sobre os pro-
base e os objectivos que estão na origem do Cen- cessos de transfert conceptual. A Psicologia
tro de Psicologia do Comportamento Desviante. do Comportamento Desviante não é pois
("> C. da Agra, Science, ((Maladie Mentale uma psicopatologia, nem uma psicologia sc+
et Dispositifs de l'enfance. Du paradigme biolo-
gique au paradigme systémique)), Tese de dou-
toramento, Université de Louvain, Janeiro de
1983. (7 Idem.

31 3
cial nem muito menos uma aplicação das científico e os problemas reais da coimuni-
teorias psicanalíticas, behavioristas (e neo- dade, entre a prática teórica e a práxis (no
-behavioristas) ou humanistas. Partimos do sentido da acção transformadora do real).
princípio que o comportamento de desordem A reflexão contida no parágrafo que se
é propício e exige a emergência de um novo segue, a propósito das dependências tóxi-
paradigma psicológico. cas, é uma síntese exemplificativa da lógica
Linha de intervenção: Trata-se de inter- que anima este projecto.
vir sobre as fenómenos de comportamento
desviante, ao nível do que costuma cha-
mar-se prevenção primária, secundária e ter- 4. AS CONDIÇÓES EPISTÉMICAS
ciária com uma dupla finalidade: por um DE UMA PSICOLOGIA DAS DEPENDÊNCIAS
E DA AUTO-ORGANIZAÇÃO (')
lado, esta linha de pesquisa além da análise
crítica destas práticas contribui, usando as
Conhecer é comer, assimilar, dizia ironi-
palavras de K. Popper, para a falsificação
camente Sartre em 1939 ao caracterizar a
ou para a corroboração da linha epistemo-
ilusão comum ao realismo e ao idealismo.
lógica. Aqui serão operacionalizáveis e tes-
(Pois bem, esta epistemologia «digestiva»
tados conceitos, esquemas explicativos e mo-
que crê conhecer os fenómenm assimilan-
delos de intervenção; por outro, ela permite
do-os a consciência, se foi abandonada pela
uma resposta, ainda que limitada, aos pro-
Física e pela Biologia sobreviveu nas ciên-
blemas postos pela comunidade.
cias humanas: aqui, conhecer os fenómenos
Com efeito, a comunidade científica não
é ainda digeri-los, assimilá-los, transformá-
é uma ilha no meio da comunidade, como
-los em substância assimilável, em droga.
a Ciência não resulta do divórcio com o
Eis o que aconteceu com o próprio fenó-
social, oi cultural e o histórico. O Centro menu da droga: o olhar assimilativo da Psi-
de Psicologia do Comportamento Desviante cologia, da Sociologia e da Medicina trans-
não é senão a possibilidade de materializa- formam-no em droga gnoseológiea. A lógica
ção deste princípio: ele visa inscrever-se no do objecto do conhecimento coincide aqui
processo, que é anónimo porque histórico- com a lógica do sujeito cognmcente. CCP
-social, de desenvolvimento da comunidade nheço a assimilação de drogas assimilando-a
científica pela comunidade e da comunidade
como droga. Assimilação da assimilação.
também pela comunidade científica.
E se nos dispuséssemos a inverter a ati-
Quer dizer, tentando responder a o pedido
tude epistemológica e a ouvir o fenómeno
de explicação e intervenção sobre as formas em vez de assimilá-lo? Dizemos, escutá-lo
do comportamento desviante com que a co-
activamente no sentido da «poiésis» (escuta
munidade a que pertencemos se defronta
criadora) enquanto objecto informacional.
pensamos participar na colmplexificação do Tomando-o como objecto portador de in-
pensamento científico da individualidade.
formação ele possibilita não uma confirma-
Par outro lado, a intervenção sobre o com- ção da subjectividade sábia mas reorgani-
portamento anómico poderá tm efeitos ao zação do seu saber. Com efeito na nova
nível de outras formas de Comportamento epistemologia a relação do sujeito e do ob-
contribuindo, em certa medida, para a reor- jecto de conhecimento não é da ordem da
ganização das práticas sócio-culturais. linearidade mas da circularidade. T~~íarnm
Em suma, o Centro de Psicollogia do Com-
prtamento Desviante traduz, dentro dos li-
mites que o seu objecto lhe impõe, o esta- (4) Esta reflexão foi apresentada pela pri-
bekcimento de comunicação entre a abs- meira vez no I Encontro Nacional de Psicologia
tracção e o concreto, entre o pensamento na Educação e que teve lugar em Maio de 1984.

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assim dotis momentos na circularidade epis- dência institucional, a depmdência sócio-
témica do fenómeno das toxicodependên- -cultural e política.
cias: um primeiro, no sentido objecto + su- I2 aí, na dispersão das dependências que
jeito e que chamaríamos de momento’ poderão1 surgir as formas enunciativas que
reorganizativo; um segundo que chamaría- transcendendo a fenomenalidade opaca dos
mos de momento recursivo constitui um objectos vem revelar-lhes sua continuidade
movimento de « f e d back» do sujeito para estrutural. E se a relação de toxicómano com
o objecto. a sua droga, da espécie com o código gené-
tico, da mulher com o homem, da criança
objecto -+ sujeito com o adulto, a relação do aluno com o proL
t I f e m r , do trabalhador com o trabalho,do re-
ligioso com a religião, a relação do cidadão
com os «mass media» participassem duma
Momento reorganizativo. Limitmomx
mesma natureza?
aqui subjectividade gnoseológica cujo re-
No subsolo da dispersão dos objectos-de-
ferencial é a Psicologia.
pendências a enunciação abre um novo
Face ao fenómeno das drogas os paradig- campo, o campo da continuidade ou da pos-
mas tradicionais da Psicologia vêm gorados sibilidade da dependência-conceito. A depen-
os esforços por assimilá-lo, através dos seus dência inscreve-se a nível abstracto numa
modelos explicativos e técnicas de interven- morfogénese da relação sujeito-objecto. Na
ção. Que assim é já o demonstrámos algu- bipolaridade ela coincide com um princípio
resC). Donde, a necessidade de um novo de! tensão mínima e dei sentido único, ou
paradigma, ou de uma reorganização do movimento fusional do púlo sujeito para O
saber psicológico a partir da informação pólo objecto. O sujeito esgota-se no objecto
contida no próprio fenómena. Podemos pois como1 significação única numa ilusão do em
traçar as regras ou linhas reitoras da emer- si total no e pelo totalmente outro. Mas se
gência epistémica desse novo paradigma? o sujeito aqui é sinónima de determinado
Uma primeira regra consistirá numa ope- ou de submetido, a questão da dependência
ração de generalização: da dependência das guialios até a questão da individualidade e
drogas ao comportamento dependente em da autonomia. Seja, conceptualizar a depen-
geral. Axioma: a toxicodependência exige dência obriga-nos a conceptualizar a auto-
uma teoria geral das dependências humanas. nomia e as condições da possibilidade do ser
Quer dizer, a dependência de «pharmacon» indivíduo.
é um tipo de dependência cuja especifici- Regra segunda: se a toxicodependência faz
dade não nega os traços comuns e ligações apelo a uma teoria da dependência o se a
com outras formas de dependência. teoria da dependência su$e uma teoria de
Um vasto campo de objectos se oferece autonomia a toxicodependência apela uma
pois ao olhar que visa os processos gerais teoria da autonomia.
das dependências: a dependência biológica, E como a teoria da dependência, a teoria
a dependência fisioJógica, a dependência da autonomia dá-se num primeiro momento
afectiva, a dependência cognitiva, a depen- um campo de objectos que se dispersa entre
o biológico e o político: autonomia bioló-
gica, autonomia fisiológica, autonomia afec-
tiva, autonomia cognitiva, autonomia insti-
(’) C . Agra, ((Science, Maladie Mentale et
tucional, autonomia sócio-cultural, autono-
Dispositifs de I’enfance. Du paradigme biologique
au paradigme systémiquer). Tese de doutora- mia política. De novo se abre um campo
mento, U. C. L. (1982). onde a multiplicidade dos enunciados ofe

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rece a possibilidade de conceito. E que en- da dependência/autonomia que é uma teo-
contramos nós neste campo? Mais uma vez ria das relações do sujeits/objecto, então a
a bipolaridade sujeito-objecto como se não velha questão do normal e do patológico
fosse possível penar a individualidade fora sofre com a toxicodependência uma muta-
da alteridade e a indeterminação sem o jogo ção eistemológica, a caracterizar-se por
das determinações. Que forma ou formas uma conceptualização do normal e do pato-
da bipolaridade caracterizam a autonomia, lógico em termos de dependência/autonoL
e tornam possível a individualidade? O que mia, do sujeito/objecto. Se o comporta-
é uma relação de autonomia? Quais os sen- mento toxicodependente é patológico em
tidos e as significaçõesda relação autónoma? razão do seu carácter de dependente, em
Mas se a autonomia é forma, sentido, sig- razão de a existência não poder ter mais
nificação numa bipolaridade, se ela supõe que um sentido e que um único objecto onde
como condições de ser para si a relação o sujeito se esgota, é de admitir que toda e
com o outro, a autonomia absoluta, o ser qualquer dependência é em si patológica.
em si por si absoluto 6 pura ilusão, pois Em consequência e por força da lógica, a
que nada é em si totalmente por si. &se pelo saúde é própria do comportamento autó-
outro. A autonomia paga-se com dependên- nomo. Estarnos assim em condições de trans-
cia. por para a Psicologia a Tese de G. Cangui-
A dependência tinha-nos remetido para a lhem de 1943 segundo a qual em biologia,
autonomia; remete-nos agora a autonomia o homem normal saudável é aquele que na
para a dependência. Afinal a dualidade de- relação com o meio é normativo, capaz de
pendência-autonomia não é mais que a ma- instituir novas normas, novas mdens de exis-
nifestação periférica e aparente duma mesma tência, dadas ao existir significações múlti-
estrutura bipolar, duma mesma essência re- plas apesar das determinações catastróficas
lacional profunda. e das desordens com que é obrigado a con-
Donde, regra terceira, a toxicodependên- frontar-se. Em termos actuais, trata-se de
cia exige uma teoria das relações sujeito- criar a ordem a partir da desordom, de criar
-objecto, uma teoria da morfugénese dessas autonomia a partir das determinações e do
relações e de seus processa de funciona- fluxo das dependências. Trata-se em Última
mento. Como se constitui, na estrutura bi- análise da capacidade da auto-organização.
polar, a individualidade, a autonomia, a in- Breve, a reorganização que as desordens
determinação, a subjectividade na e pela re- da toxicadependência impõem il Psicologia
lação da dependência e da determinação? traduz-se na emergência de uma nova ordem
Como integra o sujeito de maneira autó- paradigmática a que chamaremas Psicolo-
gia da Auto-organização. Uma nova Psi-
noma o jogo das múltiplas determinações/
/dependências do aleatório e do necessário? cologia cujo objecto é a individualidade
constituída por uma rede de relações onde
Inversamente, como se constitui a depen-
interferem a ordem e a desordem, a deter-
dência, a determinação na e pela rede de
minação e a indeterminação, a autonomia e
relações de autonomia a de indeterminação,
a dependência, o sujeito e o objecto.
ou seja, como degenerou a autonomia em -Mas o objecto primordial da Ps;icolo-
dependência? Como funciona a dependência gia não foi sempre o indivíduo e a subjecti-
em relação indeterminação no seio de vidade?
processos de autonomia? -Sim. Mas a novidade é que nos mudá-
Finalmente e regra quarta, se mantiver- mos para outro planeta, o que há de novo
mos que a toxicodependência é comporta- é um olhar da individualidade. De lá a indi-
mento patológico e se ela supõe uma teoria vidualidade é finalmente divisível, é outra.

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Momento recursivo. Podemos vislumbrar RESUMO
o efeito do novo olhar da individualidade
sobre o objecto que o engendra? O autor depois de situar as relqões en-
Olhamos ainda na penumbra duma au- tre a: Psicologia e a Justiça, enuncia o pro-
rora pré-paradigmática. Não vemos senão jecto de investigação que está na origem
formas, sombras e vultos num espaço que da criação rio Centro de Psicologia do Corn-
se desafoga de noite. É no entanto possível portamento Desviante da Faculdade de Psi-
dar conta da configuração geral da toxico- cologia e de Ciências da Educação da Uni-
dependência, ela é da ordem do paradoxal e versidade d o Porto. Este projecto é a pro-
do contraditório: vontade da indeterminação cura dum novo paradigrna de explicação e
enredada num jogo de determinações; re- de intervenção sobre os comportamentos
cusa das normas pelo funcionamento numa desviantes. A propósito da toxicodependên-
norma única, desejo do múltiplo pelo único, cia o autor defende a tese de que o novo
das significações por um só significado, to- paradigrna que ela exige é o de uma Psi-
talização da subjectividade pelo esgotamento
cologia das dependências e da auto-organi-
na objectividade.
E se a toxicodependência nos contasse a zação.
tragédia duma vontade de autonomia abso-
luta tornada dependência radical?
Pode a recusa epistmológica em fazer- RÉSUMÉ
mos do fenómeno da droga mais uma droga
conduzir-nos a uma leitura mais próxima Après avoir situé des rapports entre Ia
da sua natureza? Pelo menos elevá-mo-10 Psychologie et Ia Justice, l’auteur énnwwe
a condição da luz: é e não é, é continuidade le project de recherche qui est 6 l’origine du
e dmcontinuidade, onda e corpúsculo. Pa- Centre de Psychculogie du Cornporternent Dé-
radoxal. Os físicos tiveram que abandonar
viant de I’Université de Porto. Ce project
a lógica aristotélica para explicá-la. Chegou
c’est Ia recherche d’un nouveau paradigrne
o tempo em que os psicólogos não podem
tardar em tomá-los por exemplo na expli- pour I’explication et intervention sur les
cação dos comportamentos da dopendência, cornporternents déviants. A props de Ea
da autonomia, da individualidade e da s u b toxicodepcmdence l’auteur def end Ia! thèse
jectividade. Porque os fenómenos humanos selon lrquelle le nouveau paradigrne qu’elle
não estão tão longe dos fenómenos físicos exige egt celui de ce que I’auteur appele de
quanto pensávamos. Convergem no para- Psychologie des dependences et de I ’aute
doxo e na contradição. -0rganisation

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