Você está na página 1de 16

POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO NO PERÍODO LUIZ INÁCIO LULA DA

SILVA E DILMA ROUSSEFF (2003-2014)1

André Felipe de Albuquerque ESPÍNOLA – Graduando (DH/CH/UEPB)


Profa. Ms. Rita de Cássia CAVALCANTE (DE/CH/UEPB)

RESUMO

A virada para a esquerda no Brasil com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, em 2002, após uma década marcada por políticas neoliberais, trouxe uma
série de desafios a serem enfrentados no que se refere às Políticas Públicas para a
Educação. Este trabalho foi desenvolvido através de um estudo bibliográfico que
trata do contexto histórico, social, econômico e, sobretudo, educacional, que
permeou o período do Governo Lula (2003-2010), e tem por objetivo uma análise
mais aprofundada das medidas tomadas para a Educação em todas suas esferas
(básica, superior e técnica) visando compreender o alcance e as interferências das
diretrizes determinadas pelos mecanismos de financiamento e governança
internacional, como o Banco Mundial, nos rumos da Educação brasileira. O
presente estudo também se debruçou sobre o governo de Dilma Rousseff (2011-
2014) para entender as continuidades e mudanças sobre as Políticas Públicas de
Educação em relação ao governo de seu antecessor.

Palavras Chave: Políticas Públicas, Educação, mercantilização da Educação.

Abstract
The turn to the left in Brazil with the election of President Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) in 2002, after a decade marked by neoliberal policies, brought a number of
challenges to be faced in relation to Public Policy for Education . This work was
developed through a literature study that discusses the historical, social, economic
and, above all, educational context, which permeated the period of the Lula
Government (2003-2010), and aims to further analysis of the measures taken to
education in all its spheres (basic, higher and technical) in order to understand the
scope and interference with the guidelines established by the funding mechanisms
and international governance, such as the World Bank, in the course of the
Brazilian education. This study also focused on the government of Dilma Rousseff
(2011-2014) to understand the continuities and changes on Public Education
Policies of the government of his predecessor.

Key words: Public Policies, Education, commodification of education.

1
Artigo apresentado na VI Semana de Humanidades – UEPB/Campus III, Guarabira-PB, de 28 a 31 de
outubro de 2014
1. INTRODUÇÃO

O conceito de Políticas Públicas, de fato, é muito abrangente e requer de nós


trazer a sua diversidade conceitual, pois se refere a todas as etapas da vida social
organizada politicamente e também todas as suas esferas, sejam elas municipais,
estaduais ou federais. Então já podemos identificar que são resultantes de um
complexo processo, que visa atuar como um mediador entre a comunidade civil,
seus sujeitos, e o poder político. Ou seja, “São, nesse caso, políticas explicitadas,
sistematizadas ou formuladas em documentos (...) que orientam ações que
normalmente envolvem aplicações de recursos públicos” (TEIXEIRA, 2002, p. 2).
De forma generalizada, as sociedades são pluralistas, o que é traduzido por
interesses divergentes e muitas vezes conflitantes entre um grupo social e o outro.
Nesse sentido, a política tenta apaziguar e mediar esses conflitos de interesses,
tomando decisões em nome de uma harmonia social com base nos valores do
grupo político dominante no poder, levando em consideração a sociedade civil.
O conceito de Maria das Graças Rua (2009) abraça os componentes
constitutivos das Políticas Públicas. Segundo ela, “as políticas públicas são uma das
resultantes da atividade política: compreendem o conjunto das decisões e ações
relativas à alocação imperativa de valores envolvendo bens públicos” (RUA, 2009,
p. 19). No seio das políticas públicas estão as demandas do próprio ambiente
social, temas ou problemas compartilhados por uma determinada faixa da
população, e as que são geradas dentro do próprio poder político, à margem das
experiências vivenciadas no ambiente político externo. Então, condensando o
conceito de Ruas, as Políticas Públicas são ações políticas estratégicas, resultadas
de uma dinâmica natural da sociedade, na qual há uma relação dialética, contínua e
múltipla, entre os sujeitos sociais.
A questão agora passa a ser a interpretação e a prioridade que o Estado dá a
essas reivindicações, que é exatamente o que irá determinar se serão atendidas ou
não, ou seja, através do desenvolvimento de políticas públicas. Esse também é um
processo bastante subjetivo, irregular e inconstante, pois passa necessariamente
pela legitimidade do poder constituído e toda a máquina política, bem como dos
valores e das demandas explicitadas pela sociedade civil. Ou seja, em termos
básicos, depende da interpretação de quem está no poder no momento, quais suas
prioridades, a que camada social se considerará as demandas da sociedade, ou se a
mobilização social é que terá papel determinante no atendimento da demanda.
Temos visto exemplos, no Brasil, nos últimos vinte anos, cujas políticas vem sendo
alteradas de acordo com as correntes ideológicas que sobem ao poder, como o
(neo)liberalismo, buscando atender as necessidades do mercado através do Estado
Mínimo e, por outro lado, os sociais-democratas e a sua tentativa, ainda num
estágio inicial, de desenvolver no Brasil um Estado de Bem Estar Social.
Assim, o objetivo deste artigo será analisar as políticas públicas de
Educação do período Lula (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2014),
iniciando com uma contextualização história, buscando entender as forças que
agem por trás das decisões políticas, em relação ao ensino básico, fundamental,
médio, técnico e superior.

2. CONTEXTO HISTÓRICO: GOVERNO LULA E DILMA (2003-2014)

Após ter tentado por três vezes, em 1989, 1994 e 1998, Luiz Inácio Lula da
Silva foi eleito, nas eleições de 2002, com mais de 58 milhões de votos e deixou o
cargo com uma aprovação de 80% dos brasileiros. Examinar os fenômenos que
fizeram com que o Governo Lula saísse tão bem avaliado não é o objetivo do
presente trabalho, mas sim, na configuração histórica do seu Governo, tratarmos
das principais linhas e práticas de governo para, assim, fazermos essa ponte para o
ponto essencial, que é como a Educação foi tratada nesse período.
O seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, repassou o país em um
momento bastante delicado, tendo praticamente dobrado a dívida pública com os
órgãos internacionais como o FMI e Banco Mundial, uma média, nos oito anos de
governo, de 26,59% da taxa de juros SELIC, e a inflação atingindo 12,53% em 2002,
além de uma política de privatizações de empresas estatais. Herdando o país
nessas condições, Lula teve um início muito complicado para conciliar as agendas
das reformas que pretendia fazer e a realidade fiscal do país. E mais: apesar de ter
tido 61% dos votos populares em 2002, o seu partido, o PT, tinha apenas um
quinto de membros no Congresso. Foi a partir daí que começou o esquema
sistemático de corrupção, através de compra de votos, chamado de Mensalão, que,
apesar de ser uma prática comum em outros mandatos, ficou indelevelmente
ligado ao nome de Lula e do PT. No entanto, como o historiador inglês Perry
Anderson (2011) observou, “Com relação ao dinheiro, a corrupção da qual o PT se
beneficiou, e sobre a qual governou, foi, provavelmente, mais sistemática do que a
de qualquer antecessor.” (ANDERSON, 2011, p. 26). Ou seja, foi a partir da
corrupção do Mensalão que Lula e o PT garantiram a governabilidade de uma
maioria no Congresso que garantiria o apoio às suas decisões políticas.
Segundo a análise de Anderson (2011), o escândalo teria sido o fim breve da
história do PT no poder caso Lula não tivesse conseguido reverter a situação
econômica do país para um caminho de desenvolvimento econômico sustentável,
que foi traduzido no aumento do PIB de 4,3%, de 2004 a 2006, com uma ajuda
considerável de condições favoráveis da conjuntura do comércio internacional –a
demanda chinesa por commodities, o agronegócio e a mineração. (ANDERSON,
2011). Contribuiu também a melhoria na agricultura familiar, que passou a
garantir 70% dos alimentos. Com isso, concomitante ao distanciamento dos
ditames dos organismos internacionais, como FMI e Banco Mundial, veio a
possibilidade de uma política de valorização do salário mínimo, através de
aumentos sustentáveis no seu valor real, a redução significativa da taxa de
desemprego, com medidas de incentivo para o ingresso ao mercado de trabalho
formal, combinadas coma diminuição das taxas de juros, permitindo
financiamentos e investimentos diretamente na economia, e assim alavancando o
mercado de consumo interno foram medidas essenciais que contribuíram para
essa elevação. Mas esse florescimento econômico não foi o único triunfo de Lula,
mas foi a partir dele, com o recolhimento de mais impostos e o aumento da receita,
que foi possível fazer a outra medida que marcou o Governo Lula: o
desenvolvimento e integração de programas de caráter social, para atingir a
população oprimida e de baixa renda, seja para erradicar a fome ou expandir a
acessibilidade à educação básica e superior. O primeiro deles foi o Bolsa Família,
cujo embrião foi criado ainda no governo de FHC. O impacto do Bolsa Família foi -
e ainda é – imenso, como diz Perry Anderson (2011):

“O custo efetivo do programa é uma ninharia, mas seu impacto político


tem sido enorme. Não apenas porque tem ajudado, ainda que
modestamente, a reduzir a pobreza e a estimular a demanda nas regiões
mais carentes do país. Mas também devido à mensagem simbólica
contida no programa: a de que o Estado se preocupa com as condições de
todos os brasileiros, não importa o quão miseráveis ou oprimidos, como
cidadãos com direitos sociais em seu país. A identificação popular de
Lula com essa mudança tornou‑se o mais inabalável de seus trunfos
políticos.” (ANDERSON, 2011, p. 28-29)

Dessa forma se configurava a base do Governo Lula e foi daí que ele tirou as
forças necessárias para o segundo mandato, com mais confiança e tranqüilidade do
que o primeiro, combinando um aumento das condições materiais, para o grupo
mais rico, com uma melhora nas condições sociais, para a população mais pobre, o
que atingiu a maior diminuição da pobreza na história brasileira. Foi também no
seu segundo mandato que o governo brasileiro adotou uma postura inovadora,
independente e influente no cenário internacional. OBRICS (acrônimo referente às
iniciais de Brasil, Rússia, China e África do Sul),formado em 2009,como bloco
político, econômico e diplomático, com o objetivo de alinhar suas ações com outros
países emergentes, e que conta com os cinco com os maiores índices de
desenvolvimento econômico, como Brasil, Rússia, Índia e China(que foi
posteriormente acrescido da África do Sul), é a evidência desse novo
posicionamento econômico, social, diplomático e político. Fiori (2013) demonstra:

“A somatória simples indica que o peso demográfico e econômico dos


Brics é considerável. Juntos, os cinco países governam cerca de 3 bilhões
de seres humanos, quase metade da população mundial. E, entre 2003 e
2007, o crescimento do grupo representou 65% da expansão do PIB
mundial; em 2003, os Brics respondiam por 9% do PIB mundial e, em
2009, o valor havia aumentado para 14%. (...) Em 2010, o PIB conjunto
dos cinco países – considerado pela paridade do poder de compra –
havia alcançado já 19 trilhões de dólares, ou seja, 25% do PIB mundial”
(FIORI, 2013, p. 47).

Internamente, as políticas públicas de caráter social e assistencialistas não


se resumiam apenas ao Bolsa Família, mas sim eram um conjunto de políticas que
visavam integrar a população que durante a história brasileira permanecia fora,
marginalizado, excluídos da vida em sociedade de forma digna e inseri-los no
mercado de bens de consumo.
Diante da enorme popularidade do presidente Lula ao final do seu mandato,
nas eleições presidenciais de 2010 a candidata da situação Dilma Rousseff foi eleita
a primeira mulher a ocupar o cargo de Chefe do Executivo brasileiro vencendo a
eleição no segundo turno com 56% de votos. Economista, ex-guerrilheira, e bem
menos simpática e carismática que seu companheiro, ela havia ocupado o cargo de
Ministra de Minas e Energias no governo do seu padrinho político, no qual se
destacou e chamou a atenção do mesmo, sendo assim a escolhida a candidata para
a disputa eleitoral de 2010, contra seu principal adversário, José Serra, do PSDB.
O sucesso do projeto político da sucessão de Lula possibilitou a
continuidade, palavra chave para Dilma, preocupada em garantir às percepções
das pessoas que ela seria uma continuação – e ampliação – do projeto posto em
prática pelo seu antecessor.
Com essa superficial análise dos principais aspectos históricos, passaremos
a nos aprofundar no que consistiram as políticas públicas para a Educação no
Governo Lula e Dilma e o que atuava por detrás dessas decisões.

3. AS POLÍTICAS PARA EDUCAÇÃO NO GOVERNO LULA E DILMA

3.1– Educação Básica

Olhando a retrospectiva para a política educacional no governo Lula,


podemos ainda perceber uma forte influência das linhas traçadas pelo Banco
Mundial para a Educação, bem como pela limitação orçamentária, devido à
obrigação de atingir o superávit primário, valor do PIB destinado para o
pagamento da dívida externa. Essas políticas do Banco Mundial vem dirigindo o
sistema de financiamento da educação pública desde os anos 90 e mostram uma
clara prioridade em desenvolver as instituições privadas de ensino, com incentivos
fiscais, empréstimos subsidiados e programa de bolsas, entre outros.
O que foi visto no Governo Lula foi uma manutenção desse sistema, além de
um alargamento. O Governo de Fernando Henrique Cardoso efetuou uma profunda
reforma estatal, buscando a racionalização e modernização, com elementos
neoliberais que, naturalmente, refletiu nas políticas educacionais, em todos os
âmbitos e, portanto, para Lula, parecia que ou ele devia derrubar essa reforma e
construir sob suas bases ou mantê-la e trabalhar em cima para aperfeiçoá-la. Nesse
sentido, Leher (2005) define as características gerais da Educação, sob a presença
do Banco Mundial:
“focalização do/no ensino fundamental, conversão das escolas em lócus
das políticas assistenciais (Bolsa Família, por exemplo), adestramento da
força de trabalho nas unidades de formação técnico-profissional,
combate ao modelo europeu de universidade, autonomia como
desregulamentação das instituições universitárias para atuarem no
mercado e, mais amplamente, aprofundamento da mercantilização da
educação”. (LEHER, 2005, p. 48-49)

Fica claro, através desta passagem de Leher (2005), a tendência cada vez
mais forte de tornar a educação como uma formação voltada para suprir o
mercado de trabalho, formar trabalhadores ideias, nas suas especificidades,
tornando-os aptos para desempenhar seu papel e assim suprir a necessidade de
crescimento produtivo do país. Uma visão bem economicista da educação. O lado
humano – e cultural –, o estudo das ciências humanas, é deixado de lado em
detrimento das ciências exatas, que terá mais chances de contribuir efetivamente
com a cadeia produtiva – material – do país. Isso gera o que Belluzzo (2013, p. 107)
denominou uma geração de idiots savants, que, muito embora especialistas em
suas áreas, colecionadores de títulos e diplomas, não possuem a menor ideia do
contexto de mundo em que está inserido:

“Não se trata apenas de abastecer adequadamente o mercado de trabalho.


É importante, sim, formar mais técnicos e engenheiros, carreiras
desestimuladas pelo baixo crescimento das últimas décadas. Mas, antes de
tudo, trata-se de conter a degradação que está ocorrendo em todos os
níveis da educação no Brasil: a especialização precoce, em detrimento da
formação cultural mais ampla e mais sólida, capaz de permitir a autonomia
e a fruição da liberdade pelo cidadão brasileiro”.(BELLUZO, 2013, p. 106-
107).

Para a Educação Básica, destaca-se primeiramente o Fundo de Manutenção


e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de
Educação (FUNDEB), (transformada em Lei n.º 11.494/07) um amplo programa de
financiamento da Educação Básica, compreendendo as três etapas (Infantil,
Fundamental e Médio), com uma duração média prevista de 14 anos. Através dele
é destinado recursos para o financiamento da educação básica pública, a fim de
garantir a universalização de seu atendimento e uma remuneração digna do
magistério. Foi uma grande ampliação em relação ao sistema de financiamento
anterior, de FHC, o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e da Valorização do Magistério), com uma clara prioridade ao Ensino
Fundamental, em detrimento dos demais níveis de ensino. Os recursos do FUNDEB,
repassados automaticamente para contas únicas e específicas dos governos
estaduais, do Distrito Federal e dos municípios, estão totalmente vinculados à
educação e não podem ser investidos em outros setores. Então, através do
FUNDEB, a oferta de educação básica pública é de responsabilidade dos Estados,
municípios, do Distrito Federal, com participação da União. Dessa forma:
“A educação tem sido apontada como um importante setor de
distribuição de tais políticas: do Bolsa-Família aos programas dirigidos à
juventude, tais como o ProJovem e o Primeiro Emprego, o setor da
educação tem exercido papel crucial na implementação de programas
sociais dirigidos aos mais pobres. Por meio de acordos firmados entre o
governo federal, estados e municípios, tais programas têm sua execução
descentralizada e repassada ao nível local.” (OLIVEIRA, 2009, p. 203-
204)

Assim, para poder implementar as ações de distribuição social de forma


geral – não só de renda, mas também educacional -, foi necessária uma
descentralização nas políticas de gestão educacional, levando em conta parcerias
diretas com os municípios. O IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica), índice para avaliar o desempenho educacional das escolas públicas.
Analisa as localidades onde apresentam ineficiência no ensino, bem como
identifica as que apresentam um resultado satisfatório. A meta é definida com base
nos resultados obtidos pelos países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é a nota seis para os anos iniciais do
Ensino Fundamental. O governo brasileiro definiu o prazo para se atingir essa meta
até 2022. Essa meta vale para o âmbito nacional, significando uma tentativa de
padronização na qualidade do ensino em toda a extensão territorial, apoiados pelo
Plano de Ações Articuladas (PAR) e Compromisso Todos Pela Educação, do
Governo Federal, tendo todos os Estados e Municípios se comprometido pela
alfabetização de todas as crianças de até 8 anos de idade:

“O governo federal, por meio do Ministério da Educação, busca


assim atuar como grande mobilizador de forças internas e
externas ao Estado. Considerando que a responsabilidade com a
educação básica é prioritariamente dos estados e municípios e
que à União cabe ação supletiva, o MEC tem procurado promover
uma política nacional de condução e orientação da educação
básica, envolvendo os estados e municípios e setores da sociedade
civil, instaurando, em certa medida, seu papel protagonista na
definição das políticas educativas em âmbito nacional, o qual
havia se esmaecido pelas reformas ocorridas na década passada”.
(OLIVEIRA, 2009, p. 206)

Assim, o Ensino Básico é exatamente a ponte para o Superior. E essa


transição foi personalizada pelo ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio),
reformado por Lula, que compõe o sistema avaliativo recomendado pelo Banco
Mundial e que passou a integrar os vestibulares para o ingresso nas instituições de
ensino superior através do SiSU (Sistema de Seleção Única). No exame podemos
visualizar seu caráter mercadológico e tecnicista, reflexo da mercantilização da
educação básica.

3.2– Educação Superior e Técnica

Os números do Governo Lula, em especial para a Educação Superior e


Técnica, são expressivos. Segundo os registros oficiais, revelados constantemente
pelo ex-presidente Lula em entrevistas e pelo governo em propagandas – e que
demonstra a alta estima que tem pelos resultados alcançados – os números são
bem relevantes, sobretudo quando contrastado com governos anteriores. Em
recente entrevista para a Carta Capital2, falando sobre as transformações na
sociedade brasileira durante o período do seu mandato, o ex-presidente Lula
comparou os resultados: em doze anos, 7,5 milhões de estudantes em
universidades; 365 Escolas Técnicas inauguradas (de 1909 até 2002 tinham 140);
18 universidades federais novas e 146 novos campi. É possível, no entanto, fazer
alguma análise crítica sobre esses alcances, investigando a motivação por trás de
tais medidas, além de demonstrar as amarras e entraves que permanecem
segurando a Educação brasileira de um vôo realmente mais alto e livre.
No que se refere à Educação de nível Superior e Técnico, podemos observar
algumas decisões no Governo Lula que foram tomadas para reverter um cenário de
crise na Educação Superior, com vários problemas tanto em universidades
públicas quanto nas instituições privadas. Em 2003, Lula colocou em curso uma
Reforma do Ensino Superior para solucionar os déficits dessas instituições, através
do GTI (Grupo de Trabalho Interministerial), com o objetivo de “analisar a situação
da educação superior brasileira e apresentar um plano de ação visando a
reestruturação, desenvolvimento e democratização das Instituições Federais de
Ensino Superior (IFES)” (OTRANTO, 2006, p. 1). No Relatório, o plano de
reestruturação passa por algumas ações e estratégias gerais que foram impetradas
pelo governo Lula, das quais podemos destacar algumas duradouras que marcam o

2
Entrevista de Lula para a revista Carta Capital na Edição de Maio-2014
<http://www.cartacapital.com.br/ revista/802/lula-em-campanha-3387.html>
período e perpassam também para a sua sucessora, a Presidente Dilma Rousseff. A
reforma “dar-se-ia pela tríplice combinação de aumento da carga didática dos
docentes, aumento do número de estudantes por classe e, principalmente, pela
educação a distância (EAD)” (LEHER, 2003). Ainda demonstrando a intervenção
dos governos no direcionamento das universidades e na quebra da autonomia
política.
Veremos que, para implementar esses planos, o poder público sozinho não
era capaz; é aí que entra as Parcerias Público-Privadas, que irá nortear
praticamente toda a estratégia para a Educação nos Governos de Lula e Dilma,
seguindo a cartilha do Banco Mundial, na intenção de abrir a educação para o
mercado. De forma geral, podemos caracterizar essas parcerias como uma
atualização do conceito de privatização, em voga no governo de FHC, mas aqui
assumindo um contorno mais branco, temporário, dando também uma noção de
que ambas as partes são co-autoras e, portanto, responsabilizadas pela concessão.
Dessa forma:

“As PPP são contratos entre o governo e os agentes da iniciativa privada


com o objetivo de prover equipamentos, infra-estrutura e serviços
públicos. As parcerias podem se beneficiar do emprego das
competências públicas e privadas no estabelecimento de relações nas
quais os riscos, investimentos, responsabilidades e resultados são
compartilhados. Além disso, as PPP têm como propósito a execução de
uma obra ou serviço tradicionalmente provido pelo ente público”.
(GRILO et al, 2004, p. 3).

Quando falamos em aumento do número de vagas no ensino superior vem


logo à cabeça aquele velho dilema que existe na Educação sobre a relação entre
quantidade e qualidade. Com o claro objetivo de realmente colocar em prática uma
democratização do ensino superior, essa ampliação é normalmente vista
priorizando a quantidade em detrimento da qualidade. Não somente isso, de
acordo com Otranto (2006), essa prioridade também engloba o nível de graduação,
diminuindo investimentos nas pós-graduações ou nas atividades de pesquisa e
extensão. Mas por quê? Para entender esse fenômeno, devemos retomar à prática,
já mencionada aqui, da mercantilização da educação. Segundo o próprio Banco
Mundial, que é a organização que pauta as decisões educacionais no Brasil, o
ensino voltado para a pesquisa e extensão é muito caro e não condiz com a
realidade de países não desenvolvidos. Nas entrelinhas, significa que não vale a
pena desperdiçar tantos recursos para formar pesquisadores, ou intelectuais de
determinada área, mas sim continuar o processo em voga no Ensino Básico, ou
seja, formar e, no caso, especializar profissionais para o mercado de trabalho.
Assim, a dependência tecnológica e científica dos países subdesenvolvidos em
relação aos desenvolvidos entra em um ciclo sem fim, conforme documento do
Banco Mundial:

“O documento do Banco Mundial de 1999, por sua vez, além de também


destacar a necessidade de diversificação das instituições, defende que o
sistema de educação superior dos países periféricos deve contar com
poucas universidades de pesquisa, seguidas por universidades de
formação profissional de quatro anos, institutos isolados e centros
vocacionais e/ou de formação técnica com duração de dois anos” (World
Bank, apud OTRANTO, 2006, p. 2)

No processo de ampliação de vagas para o ensino superior, somente a


universidade pública, no modo convencional e presencial de ensino, não teria
condições de suportar esse acúmulo em curto e médio prazo, segundo o relatório
do GTI. Então, para auxiliar as universidades públicas presenciais e, de fato,
realizar uma oferta maior de vagas, a estratégia foi de estimular e desenvolver a
Educação a Distância como a solução mais interessante, na forma defendida e
concebida por Cristovam Buarque, primeiro Ministro da Educação de Lula. No
entanto, podemos destacar que ao se incentivar e abrir tantas vagas para Educação
a Distância, as empresas multinacionais, as quais detém e exportam os meios e os
conhecimentos, cujos interesses são representados pela Organização Mundial de
Comércio, veriam um amplo e não explorado mercado de serviços educacionais
para preenchê-lo. A Educação Superior, portanto, passa a ser um setor
potencialmente lucrativo, diante de um extenso mercado emergente como o do
Brasil.
“Também aqui as orientações do Banco Mundial ecoam de forma
avassaladora. É uma ampliação da oferta por meio de ensino
massificado, uma estratégia que tem como pressuposto graus
diferenciados de cidadania e que descaracteriza a docência e, portanto, o
cerne do fazer universitário.” (LEHER, 2003)

Seguindo a proposta de democratização do ensino superior, chegamos ao


Pacto de Educação para o Desenvolvimento Inclusivo. É nesse sentido que fica
clara a Parceria Público-Privada, já que o setor público não consegue absorver, ou
seja, disponibilizar vagas para todos os candidatos. Então, cabe ao setor público
destinar uma verba para as instituições privadas, que passa a pagar um valor
mensal por cada aluno na rede privada de ensino. Todas essas formas de
financiamentos podem ser vistas, mais uma vez, nas instruções do Banco Mundial.
Essas parcerias foram formalizadas através do Programa Universidade para Todos
– PROUNI, criado em 2004, depois de um acordo entre os reitores das
universidades públicas e as associações das instituições privadas. Resumindo, o
PROUNI concede diversas isenções fiscais às Instituições de Ensino que aderirem
ao programa, oferecendo, em troca das isenções, vagas em bolsas (integrais, 25%
ou 50%) para estudantes brasileiros não graduados e com renda per capta que não
ultrapasse um salário mínimo e meio. O Governo Federal passaria, então, a pagar
as mensalidades. O historiador Perry Anderson (2011) afirmou:

“Durante os anos 1990, o ensino superior no Brasil deixou de ser em


grande parte uma função pública, com três quartos de todos os
estudantes indo para universidades privadas que desfrutavam de
isenção fiscal. Astutamente, essas instituições foram obrigadas, em troca
da isenção, a oferecer vagas para estudantes de famílias pobres ou não
brancas que de outra maneira nunca teriam a chance de ir além do
ensino médio, mas que puderam contar com essas bolsas para ingressar
no ensino superior.” (ANDERSON, 2011, p. 29-30)

Apesar de reconhecer a grande contribuição para a democratização do


Ensino Superior brasileiro, coisa que não seria possível se não fosse custeado pelo
Estado, não é possível deixar de passar uma análise crítica para os que defendem
uma Educação universal, pública e gratuita para todos.

“Com esses recursos (perda de impostos e pagamento de mensalidades),


direcionados para as universidades federais, novos professores
poderiam ser contratados e todos os cursos de graduação poderiam ser
oferecidos no horário noturno. A tendência seria de chegar em três ou
quatro anos a 1 milhão de novas matrículas nas universidades públicas e
não 120.000 bolsas como pressupõe o PROUNI. O mais grave é que o
Programa não prevê mecanismos de controle sobre a qualidade dos
cursos”. (OTRANTO, 2006, p. 6).

Temos que perceber também as intenções embutidas por trás dessas


Parcerias Público-Privadas (PPP). Diante da necessidade de se atingir o superávit
primário, o Governo não passaria a dispor de recursos para atuar em certos
setores. E são nesses vácuos de atuação do Estado que o setor privado passaria a
atuar, concedido pelo setor Público, diante de sua incapacidade financeira.
Especificamente no período de Dilma Rousseff, podemos verificar que ela
amplia os programas criados por Lula, como aumentando as vagas para o Sistema
de Seleção Unificada (Sisu) – o ENEM em 2014 atingiu o recorde de mais de 9
milhões de inscritos –, o Programa Nacional do Livro Didático para Alfabetização
de Jovens e Adultos, dentre outros.
Mas a marca que Dilma Rousseff quer deixar mesmo, no quesito educação, é
na Educação Profissionalizante, fortalecendo escolas e institutos técnicos, além da
modernização e expansão das escolas públicas de Ensino Médio que estão
integradas à educação profissional. No entanto, o maior programa do Governo
Federal é o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
(PRONATEC), criado em 26 de outubro de 2011, pela Lei n.º 12.513/2011, cujo
objetivo é espalhar e democratizar por todo o território brasileiro, inclusive no
interior, regiões menos integradas e em condições de vulnerabilidade social, a
oferta de cursos técnicos e profissionais, preparando um grande número de
estudantes para o mercado de trabalho. O Programa Ciências Sem Fronteiras
traduz, também de 2011, traduz a preocupação em relação ao desenvolvimento de
conhecimento científico e tecnológico nacional, concedendo bolsas através do
intercâmbio com outras Instituições de Ensino ao redor do mundo, mesmo que,
segundo Castro et. al (2012) ainda careçam de mecanismos de controle e gestão
mais eficientes. A meta do Programa é que sejam oferecidas 101 mil bolsas até
2015. Outro acontecimento marcante durante o governo de Dilma Rousseff é o
avanço – mesmo que bastante atrasado, já que deveria ter sido posto em prática
desde 2011 – na análise do Plano Nacional de Educação – PNE, determinando
diretrizes e metas para a Educação, que foi aprovado na Câmara dos Deputados em
28 de maio de 20143, faltando agora somente ser avaliada pelo Senado, e que
garante a obrigação do país investir durante dez anos 10% do PIB na Educação
Pública. Uma vitória para o setor que, de uma forma ou de outra, vem sendo
preterido em função das Parcerias Público-Privadas. Além do financiamento,
outros objetivos centras do PNE dizem respeito às etapas da educação, como para
as Creches, ampliando a oferta da educação infantil para atender no mínimo 50%
das crianças de 3 anos; no Ensino Fundamental a meta de conclusão de 95% dos
alunos de 6 a 14 anos; valorização do Professor; universalização do Ensino Médio,

3
Câmara Aprova o Texto-Base do Plano Nacional de Educação
<http://educacao.uol.com.br/noticias/2014/05/28/camara-aprova-o-texto-base-do-plano-
nacional-de-educacao.htm#fotoNav=6>
de 15 a 17 anos; para o Ensino Superior busca-se uma elevação na taxa bruta de
matrícula; e, por fim, e muito importante, é a meta de 50% das escolas públicas,
atendendo pelos menos 25% dos alunos da Educação Básica, funcionem em Tempo
Integral. O PNE vigorará por 10 anos e a fiscalização para o cumprimento das
metas cabe, além do próprio governo, da própria sociedade civil e dos movimentos
sociais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observando a trajetória política e histórica do governo Lula-Dilma e sua


evolução político-ideológica, podemos notar e caracterizar as suas ações como um
governo essencialmente prático, na tentativa de conciliar o ideal do possível. É o
grande dilema dos partidos de esquerda quando ocupam o poder no regime
democrático com agenda de reformas e as amarras políticas, econômicas e sociais.
Os Programas, Parcerias ou Ações do Governo durante o período de Lula e
Dilma, podem ser observados por uma vontade e necessidade de aplicar essas
decisões no sentido de ampliar o número de vagas e a quantidade de estudantes
em todas as esferas do ensino, ao mesmo tempo em que se rende e submete às
diretrizes determinadas pelo Banco Mundial sobre as políticas de Educação.
Pensando que o Brasil se encontra refém do superávit primário, a única solução
seria, segundo entrevista de Ivo Polleto (2014)4, a revisão da dívida, para os mais
moderados, através de uma Auditoria Pública da Dívida, em torno de um valor
mais justo, identificando ilegalidades ou juros abusivos, ou, para os mais radicais,
um calote da dívida, para que o país pudesse disponibilizar de seus recursos em
sua totalidade. Enquanto isso não ocorrer, o governo brasileiro, qualquer que seja
a pessoa – ou corrente político-ideológica – ocupando o cargo de Chefe do
Executivo, deve lutar para buscar formas de conciliar os princípios e valores
descritos na Constituição Federal de 1988 com as diretrizes e determinações
mercadológicas das organizações internacionais para a Educação. Por fim, Belluzzo
(2013) resume em algumas linhas esse dilema entre a esquerda tradicional e a

4
Ivo Poletto na entrevista para o IHU Online http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/529999-
superavit-primario-e-as-consequencias-sociais-do-endividamento-
direita tradicional, num embate de forças entre o ideal e o real, para ambos os
lados:

“O debate brasileiro dá a impressão de que os tupiniquins, de um lado e


de outro, não fizeram um esforço para compreender a natureza das
transformações ocorridas nos últimos trinta anos. A esquerda continua
prisioneira das formas de intervenção do passado e condena as parcerias
público-privadas, enquanto a direita aposta num liberalismo mítico, que
nunca existiu.”(BELLUZZO, 2013, p. 105).

5. REFERÊNCIAS

ANDERSON, Perry. O Brasil de Lula, London Review of Books, vol. 33 n. 7, 2011.

BELLUZO, Luiz Gonzaga; CARTA, Mino. Lula Exclusivo <http://www.cartacapital.com.br/


revista/802/lula-em-campanha-3387.htmlAcessado em 05/06/2014

BOITO, Armando Jr. A Hegemonia Neoliberal no Governo Lula. Revista Crítica


Marxista, n.17, Rio de Janeiro, Editora Revan, 2003.

CASTRO, Claudio De Moura; BARROS, Hélio; ITO-ADLER, James; SCHWARTZMAN,


Simon. Cem Mil Bolsistas no exterior. Interesse Nacional: Abril/Junho 2012, pp. 25-
36.

GRILO, L. et al. A implementação de parcerias público-privadas como alternativa


para a provisão de infra-estrutura e serviços públicos no Brasil: visão geral.
Disponível em: http://www.ppp.es.gov.br/_midias/pdf/91-4b4477c456a43.pdf >
Acessado em: 06/06/2014.

IHU Online. Superávit primário e as consequências sociais do endividamento.


Entrevista especial com Ivo Poletto. <http://www.
ihu.unisinos.br/entrevistas/529999-superavit-primario-e-as-consequencias-
sociais-do-endividamento->Acessado em 20/05/2014.

LEHER, Roberto. Educação no Governo Lula da Silva: Reforma sem Projeto. Revista
Adusp, 2005.

OTRANTO, Célia Regina. Desvendando a Política da Educação Superior do Governo


Lula. Revista Universidade e Sociedade – ANDES-SN, ano XVI, n.º 38, jun/2006,
p.18 a 29.

RUA, Maria das Graças. Políticas Públicas. Florianópolis: Departamento de Ciências


da Administração/UFSC, 2009.

SADER, Emir (Org). 10 Anos de Governos Pós-Neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. Rio
de Janeiro: FLACSO Brasil, 2013.
UOL Educação. Câmara Aprova o texto-base do Plano Nacional de Educação
<http://educacao.uol.com.br/noticias/2014/05/28/camara-aprova-o-texto-base-
do-plano-nacional-de-educacao.htm#fotoNav=6>Acessado em 28/05/2014

Você também pode gostar