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Tallie K’Saash

A voz de Yèron soa em meus ouvidos a todo tempo. Isso não é


agradável, não pense que ela é bem quista por mim, é tão incômodo que
chego a sonhar com suas instruções e talvez por isso, ela tenha sido escolhida
pra me treinar, as vezes parece um adestramento (risos).
Ela pode negar, mas ela gosta da forma suave como eu conduzo os
movimentos que aprendo, é como eu sei fazer. Nós somos muito
diferentes...ela vê a espada e eu olho o oponente tentando adivinhar seus
movimentos, ela intimida e eu revido apenas atenta (ela disse parecer
desdém), ela é imponência, e... eu me vejo tranquila...nós somos uma boa
dupla e apesar das duras lições, ela diz que estou pronta. Não acredito nisso,
mas confio de olhos fechados em tudo que ela me diz. Na hora da partida,
sentirei sua falta...
Yèron foi treinada por uma importante mestra, para uma grande causa
e por algum motivo, que ninguém ousa mencionar, hoje ela está aqui, uma
guerreira habilidosa tentando se enquadrar nesses conclaves rotineiros...
quanto desperdício...a musa das espadas, símbolo da minha inspiração e
repulsa, presa a nossos tradicionais costumes. Depositando sua ânsia pela
oportunidade de se aventurar em jovens meninas. Nesse momento sinto que
sua atenção está focada especialmente em mim e eu nem sei explicar o
porquê.
Hoje o dia amanheceu diferente, abri os olhos bem antes do horário
habitual porque é o dia do desafio e, minha ansiedade não me permitiu ir
além em meu sono. Sonhei novamente com Shilli, minha terra... (Tallie coloca
a mão direita no peito, com o punho e fecha os olhos) Lugar onde nasci,
onde vivi com minha família e entre as muitas alegrias que tive, aprendi a
amar a natureza, a paz, o equilíbrio e a harmonia. Lugar onde eu livremente
saltava entre as árvores, meditava, sentia a energia mágica do verde e uma
vez ou outra caçava deerclops dando meus primeiros passos usando meus
instintos e intuição...
Ao me lembrar desse passado quase posso sentir o cheiro da floresta de
Holm, minha eterna casa...posso senti-la em mim, talvez nenhuma outra
lembrança seja tão doce. E tão cruel...Sempre tenho vislumbres da
crueldade que vivi, motivo por termos partido...
O dia de hoje promete e por mais que seja especial, me permito parar
por instantes para pensar na minha trajetória, pensar no que ganhei e perdi,
em como trato a espiritualidade, como vejo as pessoas e em minhas maiores
forças e fraquezas.
Desde o início do meu treinamento Yèron afirma que minha curiosidade,
é a minha maior virtude, talvez pelas minhas primeiras vivências em meio a
floresta e o entendimento que tenho ao ter contato com um novo espaço.
Ela diz que tenho facilidades em perceber todas as peculiaridades de um
lugar a ponto de encontrar rupturas, falhas e desequilíbrios quando nele se
apresenta, mesmo que de forma camuflada.
É da curiosidade e ansiedade de conhecer a totalidade de um espaço,
da busca pela harmonia entre mim e esse ambiente, que minha intuição, me
faz perceber qualquer inquietude que possa estar acobertada.
Por outro lado, Yèron teme pois, apesar de todo meu treinamento para
enfim poder lutar para defender o direito à liberdade que todos os seres livres
tem, a terrível perda de meht e os horrores da guerra me fazem teme-la. Em
níveis mais altos, o medo pode gerar a falha e a falha pode gerar a frustração
ou o ódio...essa minha fraqueza faz a mestra Yèron repudiar a chance do erro
que em mim existe e exigir cada vez mais disciplina. Ela pode negar, mas,
sempre cria obstáculos para me fazer falhar, para me fazer sentir que posso
sim me aproximar de Bogan.
Poucas foram as vezes que eu cheguei próxima desta falha que ela quer
ver, ou do desequilíbrio que sei que ela quer me ajudar a aprender a lidar,
mas como ela mesma diz: há força em mim e apesar de repetir como, como
fiz nesse momento. Não sei bem o que isso significa. Por isso me atenho cada
dia mais ao meu treinamento que envolve equilíbrio da minha mente e meu
corpo.
Enquanto esse vislumbre passa pelos meus olhos em segundos, eu
termino de me preparar para o grande desafio. Lavando meu corpo,
vestindo minha túnica, meditando e me alimentando de um bom pedaço
de carne de algum animal caçado pelo meu pai.
Meu khos Sined depois de tantos anos sem que minha meht esteja entre
nós, ainda mantém todos os hábitos como se ela estivesse aqui. Apesar de
dedicar a maior parte do tempo acolhendo recém chegados a Selath,
oferecendo dentre outras coisas, atenção espiritual, realiza caças como a
tradição ensina, mantém o polimento dos ossos, pedras preciosas e outros
símbolos conquistados de seus oponentes. Símbolos esses que contemplam
seus anos de glória como guerreiro da Resistência. Não falamos sobre meht,
mas seu olhar de orgulho me remete a responsabilidade por carregar seu
nome e legado.
Ele está tão ansioso quanto eu, e então. É chegado o momento...
Selath é o meu lar a alguns anos e mesmo que seja bem diferente de
meu amado Shilli, nossa sociedade, com a ajuda de meu khos e outros de
nossa raça não medem esforços para tentar fazer com que todos nós
tenhamos a sensação de estarmos em casa. Mesmo em meio a toda
contemporaneidade que Selath oferece.
Um desses esforços ocorre através do desafio de hoje. Então a beira de
um penhasco na Cordilheira de Scav, com a palavra Yèron:
⸺ Senhoras e senhores, sejam bem vindos à cordilheira de Scav! Eu Yèron N’shakka serei sua anfitriã
para nosso tradicional desafio, temos 30 jovens meninas guerreiras que deverão derrotar o grande daark’a
daki ta nexu – naago sva. Lembrando que a primeira que solucionar o desafio, será a agraciada para a
segunda etapa deste treinamento fora de Selath. O desafio começa em 3, 2 e 1.
E assim um berrante toca e todas as meninas correm para a floresta em
meio a cordilheira.
São inúmeros nexos, felinos selvagens que quando não ensinados são
terríveis oponentes, mas tem tantos aqui que penso ser uma quantidade
maior do que a quantidade de guerreiras. Eu conheço a cordilheira e a
floresta, não é uma área habitada por nexos, pelo menos não essa floresta.
(Tallie diz isso enquanto enfrenta alguns nexos e corre para entender melhor
a dimensão do desafio).
Ao subir rapidamente em uma árvore, penso que o primeiro desafio foi
Yèron mesmo sendo twi'lek, pronunciar palavras em dialeto togruta, o
segundo desafio é o significado da pronuncia “O grande rebanho sombrio
de nexo – azul morte” ...é uma charada...já sei!
Eu corro entre minhas irmãs guerreiras e os nexos selvagens como se não
me importasse com os combates simultâneos que estão acontecendo, eu
procuro uma coisa, algo especial...me afasto um pouco de tudo, fecho os
olhos, estendo a mão direita, e ao abrir, para minha surpresa, vejo um dos
nexus com um sinal na testa, reluzindo um azul brilhante. É ele!
Em meio à confusão ele me vê e ambos ele e eu nos entreolhamos...eu
sei que aquele é o nexu que devo derrotar...ele corre instintivamente em
minha direção, e uma sombra muito maior cresce atrás dele, minha sensação
de satisfação pela charada decifrada, dá lugar ao medo...eu caio, sem
tempo para movimentar a espada que me foi cedida para esse desafio...eu
grito com os olhos fechados, sinto um terror sem igual e ao abrir meus olhos.
O animal está levitando imóvel...demoro alguns segundos para entender o
que aconteceu, e em um movimento rápido enfio a espada na testa do
animal. Yèron grita, acabou!
Eu consegui... e sobre os olhos negativos de parte das outras
companheiras guerreiras, irritadas porque nunca viram algo semelhante ao
ocorrido, pensando ser inacreditável a força se manifestar em mim...eu
recebo meu prêmio...o direito de iniciar minha nova jornada. Longe de meu
khos, longe de Yèron e mais próxima do que quero me transformar... uma
guerreira completa.

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