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HISTORIA GERAL DA
ARTE NO BRASIL
VOl.II
W Ai TER ZANINI
Coordenação e direção editorial
CDO 709.81
COU 7(091)(81)
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SUMÁRIO
Introdução ·501
ARTECONTEMPORÃNEA
CONCLUSÃO
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685 686
685 Anita Malfatti - "A Boba", 1917,
óleo s/tela. 61 x 50,6, cal. MAC-USP.
686 Anita Malfatti - "Nu Masculino
Sentado", 1915-16, carvão, 59 x 41,6, cal.
IEB-USP.
687 Anita Malfatti - "O Farol", 1915,
óleo s/tela. 46 x 61, cal. Gilberto
Chateaubriand, Rio de Janeiro.
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687
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690 691
antes de 1923 - data da primeira viagem à Europa - a linguagem do
artista já evoluíra. Sua empolgação pela modernidade levara-o a resul-
tados como "O Beijo", tela a óleo do MAC-USP, onde as figuras são
decididamente hipertrofiadas e o espaço cobre-se de formas dúcteis e
cores em liberdade. Das telas conhecidas da época é a mais avançada
(ao lado do desenho para a capa do catálogo da Semana de Arte Moder-
na) e exemplifica o que ele mesmo diz: "Meu modernismo coloria-se
do anarquismo cultural brasileiro e, se ainda claudicava, possuía o
dom de nascer com os erros, a inexperiência e o lirismo brasileiros" 55.
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Ao escultor que em 1921 se fixaria na Europa para a fase decisi-
va, coube o mérito de selar a unidade do grupo sensível às novas
idéias. Oswald, que se refere a ele, em crônica de c. 1920, corno "o
nosso único escultor, mas que vale bem diversas gerações de modela- .
dores", defende-o dos que vêem a arte apenas por critérios de cópia
do real70 Mário de Andrade, em 1921, na partida do artista para a
Europa, chama-o de "amigo e irmão dos mais íntimos" e "a profecia
mais genial que o país teve até hoje na escultura" 71. Muito mais tarde,
na conferência de 1942, dirá que "fazíamos verdadeiras rêvenes a
galope em frente da simbólica exasperada e estilizações decorativas do
'gênio'. Porque Victor Brecheret. para nós, era no mínimo um gênio.
Este o mínimo com que podíamos nos contentar, tais os entusiasmos
a que ele nos sacudia" n Menotti, em fins de 1921, sabendo-o admi-
tido no Salon dAutomne. em Paris, intitula-o "a bandeira dos futuristas
paulistanos" 73. Ninguém media os arroubos que dirigia à obra de
Brecheret que, na seqüência da comoção suscitada por Anita, aparecia
como uma espécie de pivô de sua arregimentação final .•
Dos depoimentos, o mais revelador é o de Mário de Andrade, em
1942, em que ele também lembrou a metamorfose por que passara 527
seu espírito em 1920 quando, indeciso entre o Parnasianismo e Sim-
bolismo, lera as Villes tentaculaires de Verhaeren, resolvendo-se à
experiência difícil de "fazer um livro de poesias 'modernas' em verso
sobre a minha cidade" 74. Por meses ele tentou a empresa até que, ao
levar para casa a "Cabeça de Cristo" de Brecheret. a "feia" e "me-
donha" imagem com trancinhas provocou verdadeiro escândalo em
família, sobrevindo, então, no desabafo angustiado, o "canto bárbaro"
de Paulicéia desveirede"', que Oswald meses depois chamará de "um
supremo livro neste momento literário". Este testemunho, ao lado de
vários outros, permite uma vez mais deduzir a dianteira tomada pelas
artes visuais no país. No dizer de Manuel Bandeira: "O impulso inicial
do movimento modernista veio das artes plásticas" 76. E no de Mário
Pedrosa: "Graças a esse contato, desde os primeiros passos, com a
plástica moderna, puderam os literatos e poetas do modernismo bra-
sileiro ter, de saída, uma visão globaj do problema da arte e da criação
contemporânea. Educaram-se atravéls da pintura e da escultura moder-
nas" 77.
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tivesse idêntico curso sem o grande solavanco que sobretudo foi o >
compromisso de 1922?
Até o fim do decênio de 1920, quando se completou essa etapa
histórica, uma linha de início invisível conecta a inquietude dos meios
culturais ao inconformismo das classes urbanas ascendentes, diante
da situação social e política da nação em sua Primeira República, o
que resulta em traumas de rebeliões e revoluções. Há obviamente
mais que uma coincidência entre a fervilhação cultural e aquelas ten-
sões. De um lado e de outro tentava-se escapar às condições históri-
cas herdadas com o peso do seu atraso e gerar uma nação moderna.
Na seqüência dos acontecimentos de fevereiro de 1922, foi
lançada em São Paulo, com aspectos gráficos de origem futurista (de-
vidos a Guilherme de Alrneida). a revista mensal K/axon, que, sob a
liderança de Mário de Andrade, desempenhou papel fundamental na
coordenação teórica do movimento e sua divulgação (maio 1922 -
janeiro 1923) Pretendia-se dar unidade às idéias dispersas e desen-
contradas tais como haviam sido expostas na SAM, lutando-se por
uma cultura objetiva e atualizada, atenta à vivência das idéias interna-
cionais e à realidade do país136. Um sobrevivente da Semana e de K/a-
xon - Rubens Borba de Morais - vê na publicação um impulso de
onde brotaram posicionamentos políticos interessados em derrubar a
velha oligarquia à qual o Modernismo se aliara na primeira hora':".
K/axon emularia no Rio a revista Estética (setembro 1924 -
março 1925), fundada por Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de
Morais Neto, decidida a "apresentar o modernismo antes em seus tra-
balhos de reconstrução que de demolição" 138 - incentivando ainda o
aparecimento de diversas outras como Novíssima e Terra Roxa e
Outras Terras, na capital paulista.
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Revista de arte. literatura. sociedade. politica
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715 Vicente do Rego Monteiro - "A Di Cavalcanti deixou testemunho de sua agitada permanência em
Mulher e o Galgo", 1925, 61eo s/tela. Paris, entre 1923 e 1925, quando a pintura lhe ocupa só parte do
145 x 80, col. Pierre Mathias, Paris.
716 Vicente do Rego Monteiro - "A ternpol'". Ao escrever as memórias, acentua que "dois acontecimentos
Mulher e a Bola Vermelha", 1927, 61eo marcaram a minha vida: conheci Picasse e assisti às comemorações
s/tela. 130 x 90, cot. Palácio de Verão do
Governo do Estado de São Paulo, Campos fúnebres da morte de l.enine" (fevereiro de 1924)163 O "Pierrot" dessa
do Jordão.
época possui acentos picassianos anteriores ao Cubisrno. mas toda a
717 Antônio Gomide - "Oração na
lqreja", c. 1925, 61eo s/tela. 77 x 49.4, cot. atmosfera artística parisiense. especialmente o próprio Cubismo, agiu
João Carlos Leite Bastos, São Paulo.
em seu amadurecimento. Foi ainda a partir de Paris que se tornou
para ele axiomática a escolha de modelos figurais que implicassem a
constante de uma insígnia social e nacional. Como Rivera no México,
Di Cavalcanti aferrar-se-ia a uma compreensão telúrica do Brasil, atra-
vés de uma temática popular que todavia se enobrece na suntuosa
concepção decorativa de sua visão.
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faz pendant a pregação de Oswald no Manifesto pau-brasi/ por uma
linguagem "Natural e neolóqica". pelo "trabalho contra o detalhe
naturalista - pela síntese; contra a morbidez romântica - pelo
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tes a colecionadores paulistas. Ainda na década de 1930, támb
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m em
São Paulo, artistas internacionais seriam apresentados no II e III Salão
de Maio (1938-39). Entretanto, será preciso aguardar até 1940 para a
Exposição de Arte presença, no Rio e São Paulo, de uma ampla mostra de pintura, como
Decorativa Allemã foi a Exposição de Arte Francesa, um survey do neoclassicismo de
David às tendências inaugurais do século XX. Não raros artistas jovens, ou
no Brasil 1929
ainda jovens na época, reputaram-na um acontecimento maior. Só en-
tão, pela primeira vez, a maioria podia conhecer originais de Cézanne.
Acabada a guerra, a França não perderia tempo, enviando em
1945 e 1949 duas novas circulantes, incluindo Toulouse-Lautrec
(1864-1901), Léger, Delaunav. Modigliani (1884-1920), Picasse. Bra-
que, Matisse, De Chirico, Rouault (1871-1958), Tanguv (1900-55),
Masson, Atlan (1913-60), Schneider (1896) e Tal Coat (1905), entre
outros. A École de Paris tinha nelas alguns de seus monstros sagrados
~io "de J:aneiro
Academia de Bellas Artes
SâoP:lulo e gente mais jovem, como Tal Coat e Schneider, - que alguns anos
Alvares Penteado No. 7
no mel: de Novcmbro . nQ mel. de Se e e m b e c
depois influenciariam a formação da pintura abstrata gestual japonesa .
745
Aqui a situação era prematura para essa aderência: a abstração iria
tomar os rumos da geometria lírica e construtiva.
I.~EXPOSiÇÃO A prática inversa, ou seja, a de levar mostras de arte local para o 513
DE ARTE MODERNA
exterior, acompanhando, mesmo se modestamente, o intercâmbio de
DA
SPA M
comunicações culturais da época, teve um primeiro exemplo em fins
de 1930 quando uma exposição foi inaugurada no Roerich Museum
de Nova York. Colaborou na sua organização a The Brazilian Society of
Friends of Museum e o patrocínio era dos governos brasileiro e norte-
americano. A escolha dos artistas fora das mais ecléticas, colocando-
se lado a lado pintores de linha tradicional e modernos. Entre aqueles,
bem mais numerosos, Almeida Júnior, Lucílio de Albuquerque, Modes-
to Brocos (1852-1936), Carlos Chambelland (1884-1950) e Osvaldo
Teixeira (1904-74). Mas o interesse de algumas autoridades asse-
PINTURA
ESCULTURA
gurou a presença, entre outros, de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Tarsila,
ARQU ITETURA Gomide, Ismael Nerv. Cícero Dias e Alberto da Veiga Guignard.
A seguinte mostra brasileira no exterior só teria lugar em 1944, e
aliás por motivos de solidariedade aos Aliados em guerra. Aberta em
744 Capa do catálogo da Exposição de Londres, a Exhibition of Modern Brazilian Paintings, apresentada por
Arte Decorativa Alemã no Brasil. 1929.
745 Capa do catálogo da I Exposição de
Ruben Navarra, com 168 obras de 70 artistas, visava obter fundos
Arte Moderna da SPAM. 1933. para a Hoval Air Forcs"'". Participavam Segall, Tarsila. Di Cavalcanti,
746 Capa do catálogo da Exposição de
Pintura Francesa. set. 1940. Flávio de Carvalho, Cícero Dias, Quirino da Silva e muitos da leva sur-
gida nos anos 30. Em 1945, o escritor Marques Rebelo transportava a
Montevi~éu, Buenos Aires e La Plata a exposição Vinte Pintores Bra-
sileiros, composta quase só de artistas do Rio e pertencentes a duas
gerações de modernistas. Nela eram incluídos Di Cavalcanti, Tarsila.
Guignard, Portinari, José Pancetti (1902-58), Milton Dacosta (1915) e
EXPOSIÇÃO Iberê Camargo (1914). Era o inicioríe uma atividade pela qual Mar-
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ques Rebelo tomou gosto. A partir de 1947, ele organizou mostras cir-
PINTURA FRANCÊSA culantes em vários Estados do Brasil.
SETEMBRO
1940
SA.O 'l"At: o
746
8.16 Novas fases dos pioneiros
748 Di Caval .
Brésilienne" canti - "Scé
114 .1937-38 ne
Mod x 146. col. Muse' ~eo s/tela.
7e~na. Paris. u acional de Art
I . 9 Lasar Se
2~lgrantes". 193~~~ - "Navio de
e 575
P O x 275. col M 1. óleo s/tela
aulo. . useu Lasar Segall.
. São
A vitalidade e a coerência continuaram a marcar a obra de Lasar
Segall depois da 'fase brasileira' dos anos 20. Na diretriz da universali-
dade, que marca na década anterior seus temas dramáticos, acrescen-
ta uma série de pinturas relacionadas à perseguição do povo judeu, à
Segunda Guerra Mundial, que participam da ampla visada humana e
social da arte no Brasil daquele tempo: "Poqrorn" (1936-37), "O
Navio de Emigrantes" (1939-41), ambos do Museu Lasar Segall,
"Guerra" (1942), "Campos de Concentração" (1945), "Êxodo" (1947),
são os principais registros dessa imaginária de distorções formais e 750 Lasar Segall - "Animais com
Pinheiro", 1931, guache, 3.1,5 x 46, coi.
valores monocrômicos, onde os espaços se abrem para comprimir a
Museu Lasar Segall, São Paulo.
multidão de vítimas. A essa percepção trágica são contemporâneos os 751 Tarsila do Amaral - "Operários",
1931, 61eo s/tela. 120 x 205, cot. Palácio de
registros líricos de Campos do Jordão, nas décadas de 1930 e 40,
Verão do Governo do Estado de São Paulo,
visões campestres e florestais que o levarão a novas experiências de Campos do Jordão.
síntese formal no futuro. Outros valores ainda dilatavam a aura do
artista que, desde 1929, juntava à dimensão do pintor e gravador a do
escultor.
Um desejado mas superficial compromisso com o ideário social
ou socialista conduziu Tarsila a um discurso semântico surpreendente,
576 dando-lhe presença na problemática pictórica dos anos 30. "O-
perários" - um inventivo e nett retrato de grupo - "Segunda Classe",
principais obras de fundo social que produziu, datam de 1933 e
mostram as dificuldades de adaptação de seu lirismo aristocrático à
interpretação da exploração do trabalho e do infortúnio. A artista mais
tarde retomaria princípios da fase "pau-brasil"
750
751
Como já foi aqui referido, após longa estadia européia, Antônio
Gomide regressaria ao Brasil em 1929. A ele o Cubismo trouxera sóli;/
dos princípios construtivos, de permanente presença em sua obra. M13s
a inclinação nativista e com ela o prazer que encontrava nas expres-
sões da vida popular o conduziram a uma figuração de maior esponta-
neidade narrativa. Muito ativo nos anos 30-40, não é possível separar
em Gomide o pintor e o artista de múltiplas tarefas decorativas.
752
753 754
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~.MAID expressionistas
León (1897).
mexicanos
Se no II Salão
Leopoldo
se haviam
Mendez (1902-69)
sobressaído
entre os artistas do exterior, no seguinte o domínio era de artistas das
e Dias
os surrealistas,
de
11!13B impor-se
novas correntes
serem
pela
assimiladas
consciência
internacionais
e diante
da necessidade
da arte, entretanto,
das quais parte
de intercâmbio
pouco suscetíveis
importante
com
da crítica
as
de
demonstrava-se despreparada.
764 Capa do catálogo do II Salão de Além da justaposição de nacionais e estrangeiros, antecipando a
Maio. São Paulo. 1938.
práxis das Bienais de São Paulo, era importante a busca de representa-
tividade das posições de atualidade no meio, objetivo alcançado em
584 boa parte. Ressalte-se, em particular, como qualidade cultural das
exposições, que todos os salões contaram com atividades paralelas de
palestras e debates. Um aspecto positivo foi ainda o preparo dos
catálogos, muito superiores à média. O de 1939 foi incluído na pri-
meira e única Revista Anual do Salão de Maio, publicação antológica
que reúne depoimentos sobre o Modernismo e textos sobre arquite-
tura, literatura, música e cinema. A produção gráfica da RASM, de Flá-
vio, com sua áspera capa de alumínio, também escapava à rotina.
A afluência maior ao Salão de Maio - os primeiros dois realiza-
dos no Esplanada Hotel e o último na Galeria Itá211 - era das gerações
em ascensão em São Paulo, havendo inclusive "principiantes" (sic)
que haviam submetido obras à comissão orqanizadora+". A primeira
geração modernista participou com quase todos os membros princi-
pais (Anita, Brecheret Di Calvalcanti, Segall, Tarsila, Gceldi). Do Rio
compareceram uma ou duas vezes, nos dois primeiros salões, além do
gravador Goeldi e Cícero Dias, pintores que se firmavam nos anos 30,
como Guignard, Portinari, Orlando Teruz e Santa Rosa, entre outros.
Dos paulistas ou radicados em São Paulo, afora alguns raros apareci-
dos ainda na década anterior, como Hugo Adami, Quirino da Silva, Flá-
vio de Carvalho, o grosso do contingente (nos três salões) era, como
dissemos, parcela da nova leva. Surgem entre esses participantes -
com alguns estrangeiros fixados na cidade bandeirante - pintores, escul-
tores, desenhistas e gravadores, cujos nomes já eram ou viriam a ser
conhecidos: Vittorio Gobbis, Paulo Rossi Osir, Carlos Prado, Lívio Abra-
mo (1903). Waldemar da Costa' (1904-82), Alfredo Volpi (1896),
Rebolo Gonsales (1902-80). Fulvio Pennacchi (1905), Manoel Martins
(1911-79), Nelson Nóbrega (1900). Yolanda Mohalyi (1909-78). Elisa-
beth Nobiling (1902-75). Moussia Pinto Alves, Lisa Ficker Hofmann
(1879-1964), Renée Lefêvre (1907), Jacob Ruchti (1917-74). Oswald
Andrade Filho (1914-72), Gervasio Furrest Mufioz (1893), Bernard
Rudosfsky (1907), Ernesto de Fiori, Odette de Freitas (1897) e Lucy
Citti Ferreira (1914).
Um contraste separava drasticamente o surrealismo ou a
abstração dos artistas estrangeiros, no confronto com os brasileiros.
Depois das duas primeiras e efervescentes décadas, o movimento
artístico europeu arrefecera algo nos anos 20, aquietando-se ainda na
década seguinte, período em que se consolidam as correntes abstra-
tas. Em termos locais, como já se frisou, o formalismo da primeira
geração modernista cedera aos empenhos conteudistas da sua suces-
sora que, através de soluções expressionistas, voltava-se com freqüên-
cia para a realidade mais imediata da vida brasileira. As preocupações
sociais espraiavam-se, acompanhadas do fervor pela paisagem prole-
tarizada, cultivada sobretudo por vários artistas de São Paulo. Esses
aportes e o Expressionismo mais existencial (Segall, Goeldi, Yolanda
Mohalyi) ladeavam no Salão de Maio os onirismos de Guignard e Cí-
cero Dias, o popularesco de Gomide, e outras figurações mais esteti-
zantes. A pintura prevalecia diante da raridade da escultura - estabili-
zada nos princípios expressionistas ou sintéticos da captação da figura
humana - setor onde, além de Brecheret. figuravam Flávio de Car-
valho, Gervásio Furrest Munoz. Elisabeth Nobiling e Ernesto de Fiori,
recém-chegado da Europa, nomes que por ora apenas regjstramos,
além de Quirino da Silva. Exceção no conjunto brasileiro eram as
peças "Espaços" (em alumínio) e "Construção Linear" (em arame), do
escultor e arquiteto Jacob Ruchti, um estudante rebelde do Mackenzie. 585
Na primeira obra relaciona espaços exprimindo-se por puras formas
abstratas, de espírito construtivista, linha em que se pode considerá-Io
precursor no país.
Por outras palavras: o Salão de Maio documentava aspectos
sensíveis da evolução artística brasileira, em particular de São Paulo,
onde artistas europeus alargavam aquela parte da instauração definida
pelas condições locais. A incidência de valores internacionais era de
ordem bastante genérica, ligada aos princípios de construção formal
mais livre e pouco ou nada tinha a ver com o que mostravam os convi-
dados estrangeiros. Formalmente, a situação dos artistas brasileiros ou
aqui residentes revelava-se em geral refluída, sem ímpetos vanguardis-
tas, sem endossos ainda ao dominante apelo a formulações abstratas.
O Salão de Maio assinalava essa discrepância e ao mesmo tempo
sobrelevava a necessidade de romper isolamentos culturais.
O Grupo Santa Helena Por volta de 1935-36 tomava consistência em São Paulo um nú-
cleo de artistas de origem social modesta, concentrados em atelieres
improvisados do Palacete Santa Helena, no centro da cidade, onde se
localizavam numerosos escritórios de profissionais liberais e onde tinha
sede a entidade representativa dos sindicatos operários. Descendiam
quase todos de famílias de imigrantes italianos e sua condição prole-
tária ou pequeno-burguesa caracterizava-os no confronto com os
modernistas dos anos 20. Autodidatas ou ex-alunos do Liceu de Artes
e Ofícios, também por esse aspecto diferenciavam-se da geração pio-
neira.
Exerciam-se na pintura decorativa de residência, entre outras tare-
fas, e este vínculo profissional tornou-se fator decisivo para a sua apro-
ximação, que perdurou com mais força até o início dos anos 40. Foi
sem idéias preconcebidas que deram forma a uma existência comuni-
tária. Mostravam-se ciosos da necessidade do conhecimento dos
materiais e das técnicas da arte e esteticamente tiravam proveito da
petite sensation do Impressionismo, como das formas construídas de
Cézanne ou ainda do traço incisivo de Van Gogh. É de relevar-se a
influência que recebiam da pintura italiana - à qual se ligavam natural-
mente pela sua quase sempre origem peninsular ou pelo que capta-
vam de pintores visitantes ou radicados no meio e ainda pela infor-
mação fotográfica. A pintura do Grupo "Novecento". por exemplo,
repercurtia na capital paulista ..
Não se aproximando das linhas de vanguarda, mas ao mesmo
tempo guardando distância das regras acadêmicas, escolheram o
caminho de um Modernismo contido. A obra que produziram, com atri-
butos comuns, reflete em primeiro lugar o extrato social a que perten-
cem - e demonstra-o o seu pro/etarismo, como afirma Mário de
Andrade 213. Prevalecem em suas representações, as paisagens humil-
des despojadas, os arrabaldes operários anônimos, as naturezas-mor-
tas, a figura humana popular, os temas religiosos e alguns outros raros
motivos por onde definiram as limitações do seu próprio quadro de
vida. Nas soluções plásticas predominou o registro tecnicamente
acurado das emoções experimentadas, valendo-se nas cores de terras
e cinzas. Pertencem ao Grupo Santa Helena os pintores Francisco
Rebolo Gonsales, Mário Zanini (1907 - 71), os primeiros a instalar
atelier no prédio, Aldo Bonadei (1906 - 74), Alfredo Volpi, Clóvis Gra-
ciano (1907), Fulvio Pennacchi, Manoel Martins, Alfredo Rullo Rizzotti
586 (1909 - 72) e Humberto Rosa (1908 - 48). Vários outros artistas,
porém, freqüentavam os atelieres do edifício da velha praça da Sé,
sobretudo os de Rebolo e Mário Zanini.
A FAP e o sindicato Ao constituir-se em 1937 a Família Artística Paulista, por iniciati-
va de Paulo Rossi Osir. todos os pintores do Grupo Santa Helena
integraram-se a esse movimento promotor de três exposições, em
1937 e 1939 (São Paulo) e 1940 (Rio de Janeiro). A Família Artística
Paulista era criada no mesmo ano que o Salão de Maio e não deixou
de traduzir algum espírito de competição, embora houvesse artistas
participantes em ambas as mostras. Geraldo Ferraz, um dos responsá-
veis pelo Salão de Maio, definia desaforadamente os membros da FAP
como "tradicionalistas" e "defensores do carcarnanisrno artístico da
Paulicéia". a morrer de amores pelos processos de Giotto (1266
-1337) e Cimabue (c. 1240 - c.1302)214. Mas à FAP não faltaria o
reconhecimento de Mário de Andrade, Paulo Mendes de Almeida, Sér-
gio Milliet ou Antônio Bento, o primeiro, especialmente, autor de um
ensaio de dupla visada, psicológica e sociológica, de muita argúcia,
sobre o grupo, mas em que procura 'conter' em alguns limites a men-
sagem desses artistas.
Da primeira mostra da Família, realizada no Hotel Esplanada
(1937), participavam, além do organizador Paulo Rossi Osir e Vittorio
Gobbis, ou seja, dois dos pintores de maior experiência e conhecimen-
to no meio, a pioneira Anita Malfatti - que prestigiava assim um setor
de arte paulista em boa parte surgido fora do âmbito da burguesia-,
os artistas do Grupo Santa Helena, além dos pintores Armando Balloni,
Waldemar da Costa e Arnaldo Barbosa, e dos escultores Arthur P. Krug
(1896-1964) e Joaquim Figueira (1907-43). O catálogo tinha a apre-
sentação do crítico Paulo Mendes de Almeida, íntimo do grupo, e era
epigrafada com um pensamento de Ozenfant e Jeanneret: "A Pintura
vale pela qualidade dos elementos plásticos e não por suas possibilida-
des representativas ou narrativas".
A segunda mostra, aberta nos salões do Automóvel Clube (1939),
contou com um ·"expositor de honra", Cândido Portinari, e os membros
do Grupo Santa Helena, à exceção de Rosa, incluindo Alfredo Rullo
Rizzotti e mais: Ernesto de Fiori, Bernardo Rudofsky, Hugo Adami,
Domingos V. de Toledo Piza (1887-1945), Nelson Nóbrega, Nelson
MAIO IVNHO 1939
Barbosa, Renée Lefévre e Vilanova Artigas (1915). Assim, estrangeiros
ilustres, como o escultor e pintor Ernesto de Fiori e o arquiteto e pintor
Rudofsky, participantes do Salão de Maio, inscreviam obras na expo-
II
sição da FAP, bem como o paisagista brasileiro por muitos anos resi-
fALAb dente na França, Toledo Piza, além do estudante de arquitetura Vilano-
DA va Artigas, interessado no desenho.
A exemplo da anterior, a última mostra da Família, promovida no
Palace Hotel do Rio, em 1940, pela Associação dos Artistas Brasileiros
e a revista Aspectos, apresentava alguns novos no elenco, ao lado de
FAMILIA Paulo Rossi Osir. dos membros do Grupo Santa Helena e seu círculo
próximo. A lista completa dos expositores foi a seguinte: Anita Malfatti,
ARTUTI( A Paulo Rossi Osir. Vittorio Gobbis. Domingos V. de Toledo Piza, Alfredo
PAYLI STA Volpi, Arnaldo
Gonsales,
Barbosa,
Franco Cenni (1909-73),
Alfredo Rullo Rizzotti, Clóvis Graciano,
Fulvio Pennacchi, Humberto
Rebolo
Rosa,
~VA LIBERO BADi\RO 287
Nelson Barbosa, Nelson: Nóbrega, Manoel Martins, Mário Zanini. Paulo
Sangiuliano, Renée Lefévre, Vicente Mecozzi (1909-64), Waldemar da
768
Costa, Ernesto de Fiori, Arthur P. Krug, Bruno Giorgi (1905), Joaquim
FAMILIA
GRUPO DOS
ARTISTICA
ARTISTAS
PAULISTA
PlASTICOS
Figueira e Carlos Scliar (1920). 587
$td, P,o_ito,io • Alam. 80r60 de limeira, 109 • Ap_ 14 • Telephone 4-0325
Não deve ser ignorado outro movimento surgido no meio paulis-
, tano na segunda metade do decênio de 1930 e de caráter mais fecha-
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•....•. do por reunir exclusivamente artistas da colônia japonesa. O Grupo
"~-~~'a......,-~ .•••.. Seibi era formado inicialmente pelos pintores Tomoo Handa (1906),
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1:2....:...4 ..••....•. Walter Shigeto Tanaka (1910-70), Yuji Tamaki e Yoshyia Takaoka. a
"'-""'"~-4 ~ ~ ~ sua figura de maior projeção. Estes dois últimos já haviam sido atuan-
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tes no Núcleo Bernardelli. O Seibikai (Grupo de Artistas Plásticos de
~. São Paulo), que abriu a primeira exposição em 1938, teve longa
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r - ~"":"""..t-., "<-'j---<- /4 -r-- ~ duração, sofreu uma interrupção devido à Segunda Guerra, incentivou
~~~~r-- a prática amadora da arte, só se extinguindo na década de 1970. Seus
.•.~;----:-s..--... ~-~ ~~ participantes daquele período, em geral de nível modesto, revelavam
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1949. Admitindo os mais conformistas ao lado dos modernos, o Salão
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mente Le Corbusier e o jovem grupo de arquitetos da capital federal no
seu projeto para a sede do Ministério. As qualidades do pintor se
haviam confirmado nos vários ângulos de sua produção, a começar
pelo domínio dos procedimentos técnicos, enriquecidos pela vocação
experimental. Neste particular, não se poderia negligenciar outro
aspecto do meio emigrantista de onde descende. o de seus recursos e
habilidades artesanais=". Esteticamente, embora o enraizamento euro-
peu, criava uma dimensão própria, impregnada do contexto ecológico
e social do país, retomando, sem o imitar, o exemplo de pintura mural
que, a partir do México, disseminava-se pelas Américas.
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