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CULTURA E DESENVOLVIMENTO Paulo H.

Duarte-Feitoza 95

CULTURA E DESENVOLVIMENTO:
EXISTEM RESULTADOS E IMPACTOS?

Paulo H. Duarte-Feitoza

A gestão cultural no campo das relações entre cultura e desenvolvimento é muito ampla e, às
vezes, dominada por certa retórica com pouca concretude em seus resultados e efeitos. Este
artigo apresenta resultados e impactos na cultura e no desenvolvimento a partir da discussão
e da análise da janela temática do Fundo para o Alcance dos Objetivos do Milênio (F-ODM),
um dos programas internacionais mais ambiciosos e inovadores das últimas décadas.

Contexto de referência

A
Organização das Nações Unidas amplamente reconhecida como elemento
(ONU) assinou, em setembro de estrutural para alcançar os objetivos tão
2000, a Declaração do Milênio,1 almejados pela comunidade internacio-
cujo objetivo principal é garantir direitos nal. De forma sucessiva, em 2010 e 2011, a
humanos básicos e contribuir de forma efe- ONU aprovou duas resoluções sobre cultura
tiva para a superação da pobreza extrema. e desenvolvimento (65/166 e 66/208) que
Fruto desse histórico acordo internacio- tinham como meta fortalecer e impulsio-
nal foram os oito Objetivos de Desenvolvi- nar globalmente o enfoque cultural para o
mento do Milênio (ODM),2 que deveriam desenvolvimento.3 É preciso ressaltar que
ter sido alcançados em 2015: erradicar a tanto as políticas quanto os projetos cultu-
pobreza extrema e a fome (ODM1); alcan- rais contribuíram muito positivamente para
çar o ensino primário universal (ODM2); alcançar os ODM.
promover a igualdade de gênero e o empo- Em dezembro de 2006, o Programa
deramento das mulheres (ODM3); reduzir das Nações Unidas para o Desenvolvimento
a mortalidade infantil (ODM4); melhorar a (PNUD) e o governo da Espanha assinaram
saúde materna (ODM5); combater o HIV/ um importante acordo de cooperação inter-
Aids, a malária e outras doenças (ODM6); nacional, de aproximadamente 900 milhões
garantir a sustentabilidade ambiental de dólares, como meio de estimular que esse
(ODM7); e gerar uma parceria global para propósito fosse conquistado. Com os recursos
o desenvolvimento (ODM8). foi criado o Fundo para o Alcance dos Obje-
Ainda que não mencionada de for- tivos do Milênio (F-ODM),4 que financiou
ma explícita nos oito ODM, a cultura era projetos nos quais se integraram as diferentes
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agências das Nações Unidas, os governos na- agenda internacional o fortalecimento das
cionais, os governos locais e as comunidades. indústrias criativas e da proteção natural e
É importante destacar que o F-ODM foi um cultural como instrumentos eficazes de de-
elemento-chave da política espanhola de coo- senvolvimento econômico. A Janela de Cul-
peração multilateral para o desenvolvimento tura e Desenvolvimento foi uma inovação
na primeira década do novo século. dentro das abordagens clássicas do PNUD
O F-ODM, segundo dados oficiais, apoiou e das Nações Unidas no âmbito da coope-
130 programas interagenciais em 50 países, de ração internacional ao desenvolvimento, já
cinco continentes, beneficiando de forma dire- que abria novas perspectivas de luta contra
ta mais de 9 milhões de pessoas.5 Os programas a pobreza. Representou também um desafio
foram divididos em oito janelas temáticas: para o próprio sistema de agências da ONU,
que não tratava a cultura como campo prio-
• Infância, Segurança Alimentar ritário na cooperação internacional para o
e Nutrição; desenvolvimento. E permitiu, ainda, a re-
• Igualdade de Gênero e cuperação das identidades culturais como
Empoderamento das Mulheres; expressão de coesão social, memória histó-
• Meio Ambiente e Mudanças rica e patrimônio cultural a partir de uma
Climáticas; perspectiva integral.
• Juventude, Emprego e Migração; Viu-se na cultura um ativo singular para
• Governança Econômica o desenvolvimento sustentável e indispensá-
Democrática; vel para a redução da pobreza. Com um or-
• Desenvolvimento e Setor Privado; çamento de 95,6 milhões de dólares, a Janela
• Prevenção de Conflitos de Cultura e Desenvolvimento possibilitou a
e Construção da Paz; realização de 18 programas em todo o mundo:
• Cultura e Desenvolvimento. África (5), América Latina (5), Ásia (2), Esta-
dos Árabes (3) e Leste Europeu (3).
Assim, conjuntamente, esses programas Foi no documento Termos de Referên-
contribuíram para o progresso e o alcance cia da Janela de Cultura e Desenvolvimento
dos ODM, estimulando a participação nacio- que se desenharam e delimitaram as propos-
nal das iniciativas por parte dos países onde tas a ser consideradas para o financiamento.
eram realizados. Visava-se apoiar a implementação e a ava-
liação de políticas públicas efetivas que pro-
A janela temática em cultura movessem ações sociais e a inclusão social,
e desenvolvimento e seus termos facilitando, assim, a participação política e
de referência a proteção de direitos. Nesse marco de atua-
Uma das grandes inovações do F-ODM foi ção, a janela temática procurava impulsionar
a inclusão de uma janela temática dedicada as indústrias culturais e criativas centradas
exclusivamente à cultura e ao desenvolvi- em políticas de diversidade, cultura e desen-
mento, com a qual foi possível introduzir na volvimento. É importante listar e observar os
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elementos ilustrativos dos Termos de Refe- regulamentos legais nos níveis na-
rência, que pretendiam alcançar os objetivos cional, regional e local, destinados a
principais e também evidenciar a amplidão facilitar a inclusão de minorias cul-
do campo das relações entre cultura e desen- turais em cargos públicos;
volvimento. Os Termos de Referência ser- • desenvolver, implementar e mo-
vem para formular a pergunta sobre o que nitorar políticas de igualdade de
pretendia a janela temática. Essa questão é oportunidades no recrutamento
importante porque é a expressão do desejo e na promoção de minorias cultu-
de inovação nas abordagens clássicas das rais e outros grupos excluídos por
propostas de desenvolvimento. Agrupados razões culturais no setor público
em três grandes blocos, alguns dos Termos (i), inclusive em escritórios desig-
de Referência procuravam:6 nados, no serviço civil e nas forças
de segurança locais, regionais e na-
1. Formulação, implementação e monitora- cionais; (ii) em parlamentos eleitos,
mento de políticas públicas social e cultu- em assembleias subnacionais e em
ralmente inclusivas: cargos ministeriais; e (iii) no Poder
Judiciário e nos tribunais.
• apoiar o diálogo, as iniciativas trans-
culturais e os intercâmbios educa- 2. Concretizar o potencial econômico e so-
cionais destinados a promover a cial do setor cultural e fortalecer as indús-
compreensão e a tolerância entre trias culturais e criativas, incluindo:
diferentes comunidades culturais;
• construir a capacidade institucional • desenvolver recomendações de po-
em órgãos, departamentos e agên- líticas para melhorar o ambiente
cias oficiais responsáveis pela im- institucional e regulatório em se-
plementação de políticas e práticas tores específicos da indústria cul-
culturais que promovem a igualdade tural e criativa, como música, novas
de oportunidades; mídias, design, artesanato, jornais,
• apoiar o interculturalismo e o mul- televisão e livros;
ticulturalismo nas políticas sobre • desenvolver capacidades desenhadas
direito regular, pluralismo jurídico com o intuito de melhorar a gestão
e leis sobre línguas oficiais; de bens culturais, as habilidades em-
• proteger os sistemas de conheci- preendedoras e as práticas de gestão
mento tradicional, reconhecendo de negócios entre empreendedores
sua contribuição para a proteção culturais, empresas iniciantes e ar-
ambiental e a gestão de recursos na- tistas autônomos, tanto na economia
turais, saúde e educação; formal quanto na informal;
• desenvolver, implementar e mo- • apoiar a criação de empresas culturais
nitorar políticas, procedimentos e locais, desenvolvendo “incubadoras
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de empresas criativas” para homens das melhores práticas em coleta


e mulheres empreendedores que ope- de dados, em pesquisas e no uso de
ram nesse setor; indicadores nos níveis nacional e
• desenvolver atividades de treina- internacional, incluindo coopera-
mento em gestão cultural bem como ção Sul-Sul, por meio de seminários,
programas de intercâmbio para intercâmbios e workshops de trei-
construir e expandir a capacidade namento técnico entre funcionários
de gestores culturais locais; do governo e institutos de pesquisa
• apoiar a preservação do patrimônio educacional, empresas de pesquisa
material e imaterial e promover seu de mercado do setor privado e think
valor social; tanks não governamentais;
• recuperar bens culturais empobre- • expandir a capacidade institucio-
cidos ou destruídos, identificando e nal local para projetar, gerenciar e
analisando ativos pelo seu valor pa- implementar pesquisas, incluindo
trimonial e sua contribuição poten- técnicas de amostragem e orga-
cial para a regeneração e a reconstru- nização do trabalho de campo de
ção do tecido social; pesquisa;
• elaborar e implementar políticas • expandir a cobertura geográfica e
específicas para o desenvolvimen- de séries temporais nos principais
to de micro e pequenas indústrias levantamentos transnacionais de
relacionadas à produção de artes e atitudes, valores e comportamentos
artesanato industriais; culturais nos países selecionados,
• enfocar a viabilidade econômica como a Pesquisa Mundial de Valo-
de criar produtos culturais con- res (World Values Survey), o Global
temporâneos; Barometer, a Pesquisa Gallup Mun-
• coletar dados e desenvolver indi- dial e o International Social Survey
cadores relevantes e confiáveis na Programme;
área das indústrias criativas a fim • construir e aprofundar a capacidade
de construir políticas apropriadas. dos institutos nos países em desen-
volvimento para coletar dados esta-
3. Gerar informações, monitorar e avaliar a tísticos relevantes sobre a diversi-
eficácia das políticas culturais, incluindo: dade cultural e os direitos culturais,
conduzir pesquisas científicas e so-
• desenvolver a capacidade local na ciais, influenciar seu design e inter-
análise estatística e na divulgação pretar os resultados;
de dados existentes relevantes para • produzir indicadores sobre cultura
monitorar a diversidade cultural; e desenvolvimento no contexto do
• incentivar o intercâmbio de co- Índice de Desenvolvimento Huma-
nhecimentos e a disseminação no (IDH).
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Na análise dos Termos de Referência, de interculturalidade e de paz por meio da


pode-se observar o nível de elaboração e educação, em que participaram, sempre de
concretização das contribuições da cul- forma interagencial, atores governamen-
tura para o desenvolvimento. Da mesma tais, sociedade civil e setor privado, entre
forma, é evidente a evolução dos conceitos outros. Os programas conjuntos reafirma-
que relacionam políticas culturais com as ram a importância da cultura como agente
de desenvolvimento, como a superação da de desenvolvimento, promovendo a inclusão
crítica tradicional do papel da e a coesão social, a criação de
cultura no desenvolvimento Os programas emprego e a melhoria de vida
e a luta contra a pobreza e a conjuntos reafirmaram dos coletivos mais vulneráveis
fome, quando existem outras a importância da da sociedade.
necessidades consideradas cultura como agente Os 18 programas conjun-
prioritárias. E, às vezes, sem de desenvolvimento, tos estão listados a seguir.8
consultar a própria comuni- promovendo a inclusão
dade sobre seus interesses ou e a coesão social, • Na África: aproveitamento
necessidades. A abordagem a criação de emprego da diversidade para promover
dos Termos de Referência é e a melhoria de vida o desenvolvimento sustentável
concreta, observável e ava- dos coletivos e a mudança social na Etiópia;
liável em sua contribuição mais vulneráveis legado, tradição e criatividade
para o desenvolvimento hu- da sociedade. para o desenvolvimento sus-
mano, e isso é uma inovação e tentável na Mauritânia; forta-
um avanço diante de outras considerações lecimento das indústrias culturais e
sobre cultura no desenvolvimento. É tam- criativas e das políticas inclusivas
bém um exemplo, para a gestão, de como a em Moçambique; turismo cultural
cultura pode ser orientada futuramente na sustentável na Namíbia; promoção
Agenda 2030. de iniciativas e indústrias culturais
no Senegal.
Os 18 programas • Na América Latina: políticas inter-
conjuntos e suas ações culturais para a inclusão e a geração
A totalidade dos programas realizados teve de oportunidades na Costa Rica; de-
como eixos estruturais e transversais os senvolvimento e diversidade cultural
direitos culturais, a inclusão social, o im- para a redução da pobreza e a inclu-
pulso do patrimônio cultural e o potencial são social no Equador; criatividade e
turístico dos países, com o objetivo claro de identidade cultural para o desenvol-
reduzir a pobreza e aumentar o emprego de vimento local em Honduras; revita-
qualidade vinculado à cultura. Buscava-se lização cultural e desenvolvimento
melhorar as oportunidades dos segmentos produtivo criativo na Costa Caribe
mais frágeis e marginalizados da sociedade. 7
da Nicarágua; fortalecimento das
Além disso, procurou-se fortalecer processos indústrias culturais e melhoria do
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acesso aos bens e serviços culturais • apoio à preparação de estratégias e


no Uruguai. aos quadros jurídicos que facilitam
• Na Ásia: programa de apoio às indús- a harmonização com as convenções
trias criativas no Camboja; marco de internacionais existentes;
associação para a cultura e o desen- • assistência técnica para a elaboração
volvimento na China. de planos de sustentabilidade eco-
• Nos Estados Árabes: mobilização do nômico-financeiros para pequenas
patrimônio mundial Dahshur para empresas culturais;
a cultura e o desenvolvimento da • formação e capacitação em diversas
comunidade no Egito; patrimônio áreas temáticas para servidores pú-
cultural e indústrias criativas como blicos e líderes comunitários na in-
instrumentos de desenvolvimento no terculturalidade e em ciências etno-
Marrocos; cultura e desenvolvimen- gráficas; workshops (grupos focais);
to no território palestino ocupado. • criação de laboratórios de formação
• Leste Europeu: transformação cultu- para a alfabetização em novos meios
ral na Albânia, do isolamento à partici- tecnológicos e audiovisuais;
pação; melhoria da compreensão cul- • desenho e elaboração de um sistema
tural na Bósnia-Herzegovina; alianças de indicadores culturais;
para o turismo cultural na Região da • diagnóstico de oferta e demanda do
Anatólia Oriental, na Turquia. turismo cultural;
• elaboração de análises de marcos
Como se pode observar, os programas con- regulatórios vigentes, de estudos
juntos têm por objeto, majoritariamente, sobre capacidades de produtos cul-
patrimônio, legado tradicional, criativida- turais locais para a mercantiliza-
de, indústria cultural, aspectos da cultura ção nacional e internacional, assim
para o desenvolvimento, interculturali- como de programas que recuperam
dade/diversidade, participação e acesso à e difundem o patrimônio cultural, de
cultura, e transversalidade da cultura com seminários sobre temáticas culturais
outros setores. Os campos de atuação le- importantes para os setores e de pla-
varam em conta as realidades locais para nos estratégicos;
que houvesse um desenvolvimento cultural • estudos, sistematização e difusão da
mais abrangente. cultura popular e urbana;
Ao analisar os documentos oficiais de • mapeamento do setor cultural e das
todos os programas, pudemos ordenar algu- indústrias relacionadas para identifi-
mas das atividades realizadas, com o objetivo car potenciais econômicos e sociais;
de obter um resumo das ações produzidas mapeamento e inventariado de patri-
nessa janela, assim como para observar ten- mônio material e imaterial;
dências na maneira de intervir e gerenciar • produção e publicação de documentos
a cultura e o desenvolvimento. Foram elas: que permitam visualizar a situação
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de grupos minoritários e contribuam contribuição para a governança e a criação


na tomada de decisões com base em de políticas culturais).
evidências; De forma resumida, os resultados mais
• realização de mesas de diálogo inter- imediatos e quantitativos da janela temática
culturais; foram: 2,3 milhões de pessoas beneficiadas
• renovação e planos de ação para mu- por novas e/ou renovadas infraestruturas
seus nacionais; culturais; 12,3 mil empreendedores culturais
• revisão de políticas em cultura, edu- que aumentaram sua renda; 50 inventários
cação, saúde e agricultura a partir da criados para proteger o patrimônio cultural
interculturalidade; atualização de e natural, com adição de novos lugares à lista
legislações existentes em áreas que de Patrimônio Mundial da Unesco; e 1,4 mil
afetam a cultura; suporte nacional instituições públicas e 14,2 mil funcionários
às autoridades locais para a imple- que ampliaram suas capacidades por meio
mentação das convenções da Unesco dos programas do F-ODM,9 reforçando a
(2003 e 2005). governabilidade e a institucionalidade da
cultura em defesa do papel do Estado como
As ações realizadas em diferentes campos garantia do interesse geral.
nos mostram o quão complexas elas podem Entre os resultados mais relevantes
ser. Demonstram também como a Janela de está a capacitação para o desenvolvimen-
Cultura e Desenvolvimento tende a ser am- to, assim como recursos que possibilitaram
pla e diversificada. E mostram, ainda, quais a produção, a distribuição e o consumo de
foram as linhas de ação na primeira década produtos culturais. Na esfera do patrimônio
do século XXI. Essas linhas propõem pro- cultural, os programas conjuntos contribuí-
jetos que são a expressão da especificidade ram para o mapeamento, a identificação e a
que a cultura está adquirindo nas políticas valorização do patrimônio material e ima-
de desenvolvimento, adaptando-se aos con- terial, assim como para o desenho de planos
textos contemporâneos. de administração com a intenção de preser-
var o patrimônio e atrair o turismo cultu-
Resultados e lições para o futuro ral. Nesse âmbito, é importante destacar a
As atividades realizadas nos programas inclusão do patrimônio cultural do Senegal
conjuntos da janela temática renderam na lista da Unesco.
resultados importantes para o futuro so- A educação esteve presente, prin-
bre o modo de incorporar a cultura no de- cipalmente, na promoção e na sensibili-
senvolvimento. Alguns desses resultados zação da compreensão intercultural no
estão diretamente relacionados com os contexto educativo; também no desenho
ODM (redução da pobreza, educação, saú- de estratégias educativas com conteúdo
de e meio ambiente) e outros indicam de cultural para integrar grupos desfavore-
que maneira alcançá-los (desenvolvimento cidos e minorias no sistema educativo, as-
e fortalecimento da capacidade cultural, sim como fomentar respeito e tolerância
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intercultural. Assistimos, ainda, a resul- • mostrou-se necessário apoiar formas


tados significativos no desenvolvimento e e expressões culturais que não visam
no fortalecimento da capacidade cultural; ao mercado, mas contribuem para a
muitas das atividades visavam adotar e preservação e a transmissão de va-
implementar novas leis, políticas e mode- lores, a inclusão social e o fortaleci-
los de governança com o objetivo de criar mento das identidades individuais
infraestruturas culturais (legais e físicas). e coletivas;
Criaram-se também novos sistemas de in- • foram mais bem-sucedidas as inter-
formação cultural, base de dados especia- venções em que houve cooperação
lizada e estudos de base que são pontos de entre diferentes atores, o que de-
partida para gerir e promover o patrimônio monstra a importância da colabo-
cultural local. ração entre eles e em todos os níveis
Além de resultados objetivos e empíri- possíveis;
cos, a janela nos deixou uma série de lições • mostrou-se que os programas cultu-
na hora de desenhar novos programas, como rais alcançam resultados respeitá-
demonstrou o Informe de Avaliação Específi- veis nas áreas de desenvolvimento
co da Janela de Cultura e Desenvolvimento:10 humano e sustentável, o que eviden-
cia a importância de as autoridades
• ficou patente a importância de re- públicas encarregadas de assuntos
duzir a ambição e a complexidade culturais estarem em pé de igualdade
dos programas; com outros departamentos, para que
• é fundamental integrar uma aborda- haja uma integração ampla;
gem intercultural para a conscienti- • ficou evidente que é preciso ter
zação e a construção de políticas em maior conscientização sobre os
países com diversidade étnica, lin- conceitos culturais e sua relevância
guística e religiosa muito marcada; para que os objetivos do programa
• é evidente a necessidade de se con- possam ser atingidos;
centrar em noções de cultura menos • devem ser consideradas, em avalia-
politizadas, sobretudo em países que ções futuras, as dificuldades de me-
sofrem com conflitos culturais. Tam- dir certos impactos qualitativos (e
bém é melhor trabalhar as indústrias outros que só são visíveis em médio
culturais em vez de identidade, etnia e longo prazo).
e religião;
• destacou-se que a principal contri- Conclusões
buição da janela foi a prestação de Analisados os Termos de Referência da
serviços de capacitação, assistência Janela juntamente com as ações e os re-
técnica e assessoria empresarial, que sultados apresentados no marco dos 18
permitiram que os beneficiários ge- programas conjuntos, podemos apontar
rassem novas fontes de renda; algumas conclusões:
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• o campo de trabalho em cultura e de- pôde observar na mobilização que


senvolvimento é muito amplo, como houve quando da incorporação de
bem nos demonstrou o documento um objetivo cultural para os Obje-
Termos de Referência; tivos de Desenvolvimento Susten-
• o conceito de cultura e desenvolvimen- tável (ODS).11
to é interpretável contextualmente;
• a proposta da janela é feita com o A experiência mostra, em razão de sua
intuito de inovação e, portanto, não amplitude e extensão continental, que a
parte de um conhecimento consoli- incorporação cultural para o desenvolvi-
dado sobre cultura e desenvolvimen- mento contribui com novos e importantes
to dos ODM. O objetivo era abrir esse resultados e impactos na perspectiva das
campo à cooperação cultural inter- propostas dos ODS na Agenda 2030. Em ou-
nacional e torná-lo um dos progra- tras palavras, o desenvolvimento sustentá-
mas mais importantes da história do vel será alcançado fornecendo-se todas as
desenvolvimento dedicado à cultura; dimensões possíveis e abrindo-se a alianças
• quando se trabalha com tantos atores amplas com setores que não são usuais na
e de níveis diferentes, as ações tor- cooperação internacional para o desenvol-
nam-se muito complexas, mas, ao vimento. Esses projetos mostram que, se
mesmo tempo, obtém-se um banco existe uma vontade política e uma definição
de provas que fomenta um modo de conceitual, processos inovadores podem ser
trabalho mais amplo e transversal; gerados na dinâmica do desenvolvimento
• na formulação dos projetos, ob- em diferentes contextos.
servam-se diferentes interpreta- Essa janela é um dos projetos internacio-
ções de cultura, evidenciando um nais mais extensos já realizados no enfoque da
tema pendente para a cooperação; dimensão cultural para o desenvolvimento. Os
e a grande variedade de propostas resultados e os impactos mostram sua alta efi-
demonstra que o setor cultural é ciência e abrem outras dimensões para a dinâ-
bastante diverso; mica clássica do desenvolvimento – uma das
• apesar de existirem boas intenções, valiosas lições aprendidas com essa experiên-
observa-se uma incapacidade de cia. A cultura não é um luxo ou algo dispensá-
encontrar ferramentas específicas vel, mas sim algo que pode estar integrado a
para alcançar os objetivos dos pro- estratégias globais de desenvolvimento sus-
jetos. Isso é resultado da falta de sis- tentável. É importante destacar que um dos
tematização da cultura no âmbito do programas internacionais mais importantes
desenvolvimento; em cultura e desenvolvimento começou na
• a prática desses projetos, suas refle- década do desenvolvimento mundial, sendo
xões e sua gestão do conhecimento notabilizado entre 1986 e 1996, com múltiplas
evidenciam que a janela gerou um conferências e declarações que se refletiram
processo de sensibilização, como se em nível internacional.
104 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Essa experiência mostra que, quando Paulo H. Duarte-Feitoza


existe uma abordagem política e conceitual Doutor em ciências humanas e cultura pela
bem definida, há resultados que superam Universidade de Girona (2017), mestre em comu-
o uso tradicional da cultura no desenvol- nicação e estudos culturais (2012) e licenciado em
vimento, desde posições muito retóricas e história da arte (2010) pela mesma universidade.
pouco aplicadas até o tratamento da cultura É ex-diretor da Cátedra Unesco de Políticas Cul-
como elemento identitário e populista, que turais e Cooperação da Universidade de Girona.
emergem em muitos entornos. A cultura, Atualmente é professor-colaborador no mestrado
quando combinada com a abordagem de interuniversitário em gestão cultural da Universitat
direitos humanos e liberdades políticas, é Oberta de Catalunya (UOC-UdG). Tem experiência
uma ferramenta essencial para o desenvol- na área de gestão cultural e artes, com ênfase na
vimento sustentável. época contemporânea.
CULTURA E DESENVOLVIMENTO Paulo H. Duarte-Feitoza 105

Notas

1 Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/library/ods/


declaracao-do-milenio.html>. Acesso em: 17 dez. 2018.

2 Disponível em: <https://www.un.org/millenniumgoals/>. Acesso em: 17 dez. 2018.

3 Recursos sobre cultura e desenvolvimento. Disponível em: <http://www.unesco.


org/new/es/culture/achieving-the-millennium-development-goals/resources/
culture-and-development-resources/>. Acesso em: 17 dez. 2018.

4 Disponível em: <http://www.mdgfund.org/>. Acesso em: 17 dez. 2018.

5 Disponível em: <http://www.mdgfund.org/>. Acesso em: 17 dez. 2018.

6 O documento completo está disponível em: <http://www.mdgfund.org/sites/default/


files/MDGFTOR_Culture_FinalVersion%2017May%20200>. Acesso em: 17 dez. 2018.

7 A recém-aprovada Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das


Expressões Culturais, da Unesco, em 2005, havia reconhecido a importância do
setor criativo na cooperação para o desenvolvimento. Disponível em: <https://
unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000150224>. Acesso em: 17 dez. 2018.

8 Disponível em: <http://www.mdgfund.org/es/content/cultureanddevelopment>.


Acesso em: 17 dez. 2018.

9 Os resultados podem ser encontrados na página do F-ODM: <http://www.


mdgfund.org>. No entanto, é preciso destacar três documentos importantes:
Resumo Executivo da Janela de Cultura e Desenvolvimento (<http://www.
mdgfund.org/sites/all/themes/custom/undp_2/docs/thematic_studies/
Spanish/Cultura_y_Desarrollo_Estudio_Tematico_5-pager_Link.pdf>), Informe
de Avaliação Específico da Janela de Cultura e Desenvolvimento (<http://www.
mdgfund.org/sites/all/themes/custom/undp_2/docs/thematic_studies/English/
full/Culture_Thematic%20Study.pdf>) e Informe de Avaliação Final, Global e
Temática do F-ODM (<http://www.mdgfund.org/sites/default/files/Fondo_
ODM_Evaluacion.pdf>).

10 Disponível em: <http://www.mdgfund.org/sites/all/themes/custom/undp_2/


docs/thematic_studies/English/full/Culture_Thematic%20Study.pdf>. Acesso
em: 17 dez. 2018.

11 MARTINELL, Alfons S. ¿Por qué los ODS No Incorporan la Cultura?, 2015. Disponível
em: <http://www.alfonsmartinell.com/?p=326>. Acesso em: 5 nov. 2019.

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