Você está na página 1de 14

Capítulo 4

Abordagem cognitivista

4.1. Características gerais


O termo "cognitivista" se refere a psicólogos que inves­
tigam os denominados "processos centrais" do indivíduo,
dificilmente observáveis, tais como: organização do conhe­
cimento, processamento de informações, estilos de pensa­
mento ou estilos cognitivos, comportamentos relativos à to­
mada de decisões etc.
Uma abordagem cognitivista implica, dentre outros as­
pectos, se estudar cientificamente a aprendizagem como sen­
do mais que um produto do ambiente, das pessoas ou de
fatores que são externos ao aluno.
Existe ênfase em processos cognitivos e na investigação
científica separada dos problemas sociais contemporâneos.
As emoções são consideradas em suas articulações com o
conhecimento.
Consideram-se aqui farmas pelas quais as pessoas lidam
com os estímulos ambientais, organizam dados, sentem e re­
solvem problemas, adquirem conceitos e empregam símbo­
los verbais. Embora se note preocup�ção com relações so-
. ciais, a ênfase dada é na capacidade do aluno de integrar
· informações e processá-las.
Este tipo de abordagem é predominantemente interacio­
nista. Como seus principais representantes têm-se o suíço
59
Jean Piaget e o norte-americano Jerome Bruner. Focaliza­ superação constante em direção a novas e/ou mais comple­
mos aqui apenas a abordagem piagetiana dada a difusão xas estruturas) entre o homem e o meio. Esse processo é
que tem tido nos últimos anos em disciplinas de formação inerente à totalidade da vida, seja ela orgânica ou mental.
pedagógica dos cursos de Licenciatura. O ser humano, como todo organismo vital, tende a au­
Grande parte das conquistas teórico-experimentais des­ mentar seu controle sobre o meio, colocando-o a seu servi­
sa abordagem foi obtida no CIEEG, Centro Internacional ço. Ao fazê-lo, modifica o meio e se modifica.
de Estudos de Epistemologia Genética, com sede em Gene­ A inteligência irá desenvolver-se tanto ontogenética quan­
bra e em funcionamento desde 1955. to filogeneticamente, sendo considerada, portanto' uma cons-
trução histórica.
O desenvolvimento do ser humano consiste, de forma
4. 2. Homem e mundo genérica, em se alcançar o máximo de operacionalidade em.
suas atividades, sejam estas motoras, verbai_s ou mentais.
Considerando-se o fato de que se trata de uma perspecti­ Essa operacionalidade caminha em direção·· a estruturas de
va interacionista, homem e mundo serão analisados conjun­ funcionamento integrado, tais como grupos e redes mate•
tamente, já que o conhecimento é o produto da interação máticas.
entre eles, entre sujeito e objeto, não se enfatizando pólo Todo indivíduo, portanto, tem um grau de operatividade
algum da relação, como ocorreu nas.abordagens anteriores. - motora, verbal e mental - de acordo com o nível de
Em Piaget, encontra-se a noção de desenvolvimento do desenvolvimento alcançado, assim como possui um grau de
ser humano por fases que se inter-relacionam e se sucedem visão de organização do mundo.
até que se atinjam estágios da inteligência caracterizados O ser humano, ontogenética e filogeneticamente, progri­
por maior mobilidade e estabilidade. de de estádios mais primitivos, menos plásticos, menos mó­
O indivíduo é considerado como um sistema aberto, em veis, em direção ao pensamento hipotético-dedutivo, onde
reestruturações sucessivas, em busca de um estágio ··final adquire instrumentos de adaptação que lhe irão possibilitar
nunca alcançado por completo. enfrentar qualquer perturbação do meio, podendo usar a
As características dessas fases, segundo Furth (1974), descoberta e a invenção como instrumentos de adaptação
são: às suas necessidades.
No seu desenvolvimento, a criança irá reinventar todo
1; Cada estágio envolve um período de formação (gêne­ o processo racional da humanidade e, na medida em que ela
se) e um período de realização. Realização é caracterizada pela
progressiva organização composta de operações mentais.
reinventa o mundo, desenvolve-se a sua inteligência. Um
2. Cada estrutura constitui ao mesmo tempo a realização
fenômeno básico no desenvolvimento da criança é éaracteri­
de um estágio e o começo do estágio seguinte, de um novo pro­ zado pela acoplagem do sistema simbólico à atividade real '
cesso evolucionário. o que lhe possibilita por o pensamento a serviço da ação.
3. A ordem de sucessão dos estágios é constante. Idades Por sua vez, toda atividade do ser humano implica a
de realização podem variar dentro de certos. limites em função consideração de duas variáveis: inteligência e afetividade.
de fatores tais como motivos, exercício, meio cultural e outros. O desenvolvimento da inteligência implica, portanto, em de­
4. A transição de um estágio anterior ao seguinte segue senvolvimento afetivo. A afetividade e a inteligência são
a lei de implicação análoga ao processo de integração. As es­ interdependentes, não havendo autonomia de uma sobre a
truturas precedentes tornam-se parte das estruturas posteriores. outra.
A inteligência consiste, pois (Lima, 1980, p. 73),
O núcleo do processo de desenvolvimento está em con-
siderá-lo como um processo progressivo de adaptação (no em uma forma de coordenação da ação (motora, verbal, ou
mental) a uma situação nova com o objetivo: a) de auto-orga-
sentido piagetiano de assimilação versus acomodação; de
61
60
nizar-se para enfrentar a situação e b) de encontrar -�m .1 en-
c om­ do-se da anomia (própria do egocentrismo) e da heterono­
portamento (invenção, descoberta ) que m an tenha o eqmh br 0 mia (aceitação de normas e/ou pressões externas ao indi­
víduo).
tre o organismo e o meio.. . ,a r c1. pro-
. . . a evolução da criança procede do egocentrismo o �a co ­ A moral (lógica da conduta) é uma constr ução gradual
cidade, da assimilação a um eu
inconsci�nte dele �e�m _ � que vai desde as regras impostas (heteronomia) até o con�
personalidade, da m �fer: nc1�ça?
preensão m útua c on stitutiva da trato social ; onde haveria deliberação coletiva livre em di­
caótic a no grupo à diferenciaçã
o baseada na orgamzaçao disci- reção a uma for ma conciliatór ia que satisfizesse ao máximo
plinada. (Piaget, 1970a, p. 177) os membros do grupo. A deliberação coletiva, a deliberação
grupal, evita que interesses egocêntricos predominem na
?ecisão. O egocentrismo é caracterizado por imaturida de
4. 3. Sociedade-cultura mtelectual e afetiva.' •
genética ocorre A democracia, pois, é uma conquista gradual e deve ser
Da mesma forma que a evolução onto _
afetlv �,
r móbilidade int ele ctual e , praticada desde a infância, até a superação do egocentrismo
no sentido de uma m aio
do pens amento hi­ básico do homem. Não consiste num estado final, pois não
de um adualismo inicial até a formação
possíveis, o des�n­ há moral estática, da mesma forma que não há conhecimen­
potético-dedutivo, a abertura a todos os
da democracia, to pronto e acabado da realidade, já que o homem se encon­
volvimento social deve caminhar no sentido
sabilidade pelas tra sempre em processos contínuos e sucessivos de reequi­
que implica deliberação comum e respon
ão. libração. A democracia não seria um produto final mas
regras que os indivíduos se gui r

o nível de estruturação lógicform a dos indivíduos compo- uma tentativa constante de conciliação, estando t a�bém,
a , ?º�st_itui a i �fra- e�­ em constante reequilibração. Seus mecanismos básicos im­
nentes de qualquer grupo, dessa
icos, p01s, tais prescindíveis são a deliberação coletiva, discussão· e, a tra­
trutura dos fatos sociais. Os fatos sociolog
tc. e acordo com vés destes, a contínua revisão dos compromissos tomados
como regras, valores, normas, símbolos
e d

m de grupo pa ra grup o, de. acor­ anteriormente.


este posicionamento, varia
dio das pessoas que constituem Para P,iaget ( i973b), a democracia consistirá em supe­
do com o nível mental mé
o grupo. . . ração da teocracia e da gerontocracia. -
maneiras di-
Da mesma forma que se podem encontrar sde
Não se tem um modelo de sociedade ideal como produ-.
vivere m juntos, que vão de to final da evolução humana. O que se considera é em ter­
ferentes dos sere s humanos
çã e regr _ a s
a anarquia, passando pela tirania (impos� � ? mos de tendências gerais, ou seja, a otimização do compor­
a
mdividuos) ate a
serem indiscutivelmente obedecidas pelos tamento individual e do comportamento coletivo, sendo que
sobre as regras,
democracia, onde há deliberação comum este ú ltimo se refere particularmente à organização social
mente, no_ desen­
na base do. respeito mútuo, verifica-se igual . e política da sociedade. Ambas as, tendências têm inúmeras
v olvimento ontogênico, fases
caracterizadas por ano:1'11a, pas­ possibilidades de direções. Toda ..,intervenção, no e ntanto,
as n ao neces­
sando pela heteronomia até atingir , possível �- portanto, _
gera desequilíbrio e, naturalmente, a superação do mesmo
cto d moc tico,
sariamente a autonomia. O pa em direção a uma reequilibração.
e ra
sá eis, é l ti o ao 3:ível
com delibe�ações comuns e respon
.
v re a v

das opera ções bstr t s. Liber­


de desenvol vimento mental
a a a
_
licaria p ticip ção tiva na
dade, pois, nesse contexto, imp
ar a a 4. 4. Conhecimento
elaboração de regras comuns
para o grup o.
Ao nível indiv i du al, igual men te, a per sonalidade consis­ Para os epistemólogos genéticos, conhecimento é con­
c aracteri z�da siderado como uma construção contínua . A passagem d e
tirá numa forma de consciência intelectual _
n-
dist ncrn um estado de desenvolvimento para o segl:1,inte é sempre
por autonomia, adaptando-se à recipr ocidade e
a

62
63
caracterizada por formação de novas estruturas que não Fase endógena: fase dá compreensão das relações, das
existiam anteriormente no indivíduo. combinações.
De uma parte, o conhecimento não procede, em suas ori­ É necessário se considerar que a aprendizagem pode
gens, nem de um sujeito consciente de si mesmo nem de obje­ parar na primeira etapa do conhecimento, ou seja, na fase
tos já constituídos (do ponto de vista do sujeito) que a ele exógena. O verdadeiro conhecimento, no entanto, implica
se imporiam. O conhecimento resultaria de interações que se no aspecto endógeno, pois pressupõe uma abstração. Essa
produzem a meio caminho entre os ·dois, dependendo, portan­ abstração, para o Autor, pode ser reflexiva ou empírica.
to dos dois ao mesmo tempo, mas em decorrência de uma in­ A abstração empírica retira as informações do próprio
diferenciação completa e não de intercâmbio entre formas dis­ objeto e - a reflexiva só é possível graças às operações (ou
tintas. De outro lado, e, por conseguínte, se não há, no início,
seja, coordenações das ações), a partir das próprias ativi­
nem sujeito, no sentido epistemológico do termo, nem objetos
concebidos como tais, nem, sobretudo, instrumentos invarian­
dades do sujeito. Esse tipo de abstração implica, pois, re­
tes de troca, o problema inicial do conhecimento será pois o flexão, que constitui uma reorganização mental.
de elaborar tais mediadores. A partir da zona de contato en­ O desenvolvimento ontogênico das estruturas pode ser
tre o corpo próprio e as coisas, eles se empenharão então sem­ compreendido como um processo de equilibração sucessiva
pre· mais adiante nas duas direções complementares do exte­ e progressiva em direção a um estado final de equilíbrio que
rior e do interior, e é desta dupla construção progressiva que nunca é alcançado por completo.
depende a elaboração solidária do sujeito e dos objetos. (Pia­ As estruturas mentais ou as est_ruturas orgânicas que cons­
get, 1978, p. 6) tituem a inteligência não são, para Piaget, nem inatas nem de­
terminadas pelo meio, mas são o produto de uma construção,
A epistemologia genética objetiva conhecer não o sujei­ devida às perturbações do meio e à capacidade do organismo
to em si, mas unicamente as etapas de sua formação, e de ser perturbado e de responder a essa perturbação. E atr2,­
nem o objeto em si, porém os objetos sucessivos que são vés das ações do indivíduo, a partir dos esquemas motores,
reconhecidos pelo sujeito no curso de diferentes etapas. que se dá a compensação a essas perturbações, ou seja, -a troca
o sujeito, cujas diferentes etapas serão por ela estudadas, do organismo com o meio, graças a um processo de adaptação
não constitui o sujeito psicológico tampouco um sujeito progressiva no sentido de uma constante equilibração que per�
coletivo, mas um sujeito epistêmico, que retrata o que há mite a construção de estruturas específicas para o ato de co­
de comum em todos os sujeitos, a despeito de variações nhecer. Essas estruturas caracterizam-se de um lado, por se­
individuais. O sujeito epistêmico se identifica com o su­ rem um prolongamento das estruturas orgânicas já conhecidas
jeito operatório. pela ciência e, de outro lado, por constituírem uma especializa­
ção em relação a elas. (Chiarottino, 1980, p. 92)
O conhecimento humano é essencialmente ativo.
Conhecer um objeto é agir sobre. e transformá-lo, apreen­ Considerando-se o construtivismo interacionista, carac-
dendo os mecanismos dessa transformação vinculados com as terístico dessa abordagem, é importante mencionar que para
ações transformadoras. Conhecer é, pois, assimilar o real às Pfaget não há um começo absoluto, pois a teoria da assimi­
estruturas de transformações, e são as estruturas elaboradas lação que supõe que o que é assimilado o é a um esquema
pela inteligência enquanto prolongamento direto da ação. (Pia­ anterior, de forma que, na realidade, não se aprende nada
get, 1970a, p. 30) de realmente novo.
O construtivismo interacionista apóia-se em teses de
Quanto à aquisição do conhecimento, Piaget admite, Piaget:
pelo menos, duas fases: Toda gênese parte de uma estrutura e chega a uma estrutura.
Fase exógena: fase da constatação, da cópia, da repeti• (1967c, p. 136)
ção. Toda estrutura tem uma gênese. U967c, p. 138)

64 65
e analogamente não há gênese sem estrutura. nhecimentos retirados das ações sobre os objetos. Estas
estruturas, por sua -vez, tornam-se necessárias à organiza­
. . . gênese e estrutura são indissociáveis. São indissociáveis ção e ao registro da experiência. Esta construção é típica
temporalmente, isto é, estando-se em presença de uma estrutu­ da inteligência operatória e não é imposta. É resultado
ra como ponto de partida, e de uma estrutura mais complexa, da equilibração e a condição para que seja obtida é a inte­
como ponto de- chegada, entre as duas se situa, necessariamen­ ração do sujeito com o meio.
te, um processo de construção, que é a gênese. Nunca existe,
3. Pela estimulação ou imposição do meio externo social
portanto, uma sem a outra; mas não se atingem as duas ao­ relativas a:
mesmo momento, pois a gênese é a passagem de um estado
para um ulterior. (1967c, p. 139) a) imposição do nível operatório das regras, valores e ;ignos
da sociedade em que o indivíduo se desenvolve·
Pela própria essência desse construtivismo sempre se b) interações realizadas entre os indivíduos que �ompõem 0
grupo social.
cria algo novo no processo, como condição necessária para
a sua existência, o que implica que, no processo da evolu­
São aquisições em função do meio e que exigem certo
ção, a criatividade seja permanente, como processo vital.
decurso de tempo, sendo distintas da aprendizagem: são
Construir, na teoria piage_tiana, implica tornar as estruturas
aquisições atribuídas à indução. São processos de pensa­
do comportamento - quer sejam elas motoras, verbais ou
mento que tendem a organizar os dados da observação e
�entais - mais complexas, mais móveis, mais estij,veis.
da experiência.
Criar implica realizar novas combinações. A criatividade,
pois, pode ser realizada tanto no aspecto sensório-motor 4. Pelas equilibrações processadas nas reestruturações in­
quanto no verbal e no mental. ternas, ao longo da construção seqüencial dos estágios.
Existem múltiplos determinantes do desenvolvimento
humano, o que implica igualmente diferentes formas de •A
J?istingue�-se, portan!o, processos vinculados à expe­
aprendizagem. O desenvolvimento humano é determinado riencia do suJeito em funçao do meio e outros que derivam
(cf. Castro, 1979, p. 84-112; Piaget, 1970a, p. 28-43 e Lima, da própria consistência interna de sua organização mental.
1980, p; 233): A diferença básica entre desenvolvimento e aprendiza­
gem é que, num dado momento do desenvolvimento do
1. Pelas matm;ações internas do organismo, complexifica­ indivíduo, os processos indutivos poderão tornar-se "formas
ção biológica ligada à maturação do sistema nervoso. de pensamento" aplicadas ao mundo físico.
2 . Pelas aquisições vinculadas à experiência; _que podem
ser de três tipos:
A matemática é importante para o estudo do desenvol­
.
a) Devidas ao exercício, resultando na consolidação e coorde­
vimento porque,
nação de reflexos hereditários. Nesta categoria inclui-se tam­ . ..junto com a lógica formal, a matemática é a única dis­
bém o exercício de openi.ções intelectuais aplicadas ao ob­ ciplina . inteiramente dedutiva. Tudo nela tem origem na ativi­
jeto. dade do sujeito. Ela é feita pelo homem ... Na matemática,
b) Devidas à experiência física, que comporta ações diferen; é a totalidade do que é possível. E, logicamente, a totalidade
ciadas em função dos objetos. Esse tipo de experiência do que é possível significa a criação do próprio sujeito. (Pia­
implica em agir sobre os - objetos para descobrir as pro­ get, em Evans, 1979a, p. 79) .
priedades que são abstraídas destes próprios objetos. Nes­
se caso, os resultados da ação estão vinculados às proprie­ No processo de desenvolvimento e aquisição de conhe­
.
dades do objeto. cimento, o mundo deve ser reinventado pela criança. A lei
c) Devidas à experiência lógico-matemática: implica em ação biogenética relativa ao desenvolvimento do conhecimento
sobre os ob .ietos de forma a descobrir propriedades que são consiste em que a filogénese é a recapitulação da ontogéne­
abstraídas ó.as próprias ações do sujeito. Consiste em co- se.

66 67
A biologia é a infra-estrutura da teoria do conheci:::nan­ alcançada por esse pensamento no momento atual, como se
to, podendo-se falar até, como se encontra repetidas vezes esta posição presente fosse de alguma forma definitiva ou
na obra piagetiana, de lógica do organismo. A humanidade estável. O estado atual do pensamento é relativo a um mo­
progride em sua explicação da realidade/mundo da mesma mento histórico e muda muito depressa, da mesma forma
forma que cada ser humano progride em seu desenvolvi­ que o conhecimento passado sempre mudou.
mento mental. Assim, a criança explica o homem, e em ca­ Para a compreensão do estado �ttial do pensamento
da fdade a mente tem uma diferente explicação causal da científico, a partir desta perspectiva, s�Q necessárias três
realidade. espécies de pesquisa que se completam e se esclarecem (cf.
A epistemologia genética parte da hipótese de que há Goldman, 1972, p. 200-1):
um paralelismo ·entre o progresso na organização racional a) uma pesquisa sobre o Werden histórico desse pensa­
e lógica do conhecimento e seus processos. correspondentes mento, ou seja, uma história das ciências que procuraria es­
de formação. Para que a investigação desta hipótese seja tudar os aspectos mais importantes do equilíbrio entre homem
piausível, o mais frutífero seria a reconstrução da história e mundo que ocorreram nos diferentes domínios do pensamen-
humana, ou seja, a história do pensamento humano a par­ to científico;
tir do homem pré-histórico. b) uma investigação genética dos diferentes estados de equi­
Piaget diz que infelizmente se sabe muito pouco sobre líbrio do pensamento da criança, de seu nascimento até as ope­
a psicologia do homem de Neandertal e não muito sobre o rações abstratas;
c) uma investigação da estrutura interna dos conceitos de
Homo Simiensis de Teilhard de Chardin. Segundo ele, pelo estados de equilíbrio no pensamento científico atual.
fato dessa dimensão da biogênese não ser acessível, se dedi­
cou, como os biólogos, à ontogênese. Para Piaget nada po­ Segundo o próprio Goldman, na classificação das cien­
derá ser mais acessível à investigação do que a ontogênese cias não há fundamentos, nem pontos altos, nem ponto de
dos conceitos. partida nem final, mas um Bewusstwerden de um círculo
Erri todo lugar temos crianças à nossa volta, e o desenvol­ que envolve o homem e que se alarga sempre e de um équi­
vimento do conhecimento lógico, do conhecimento matemático, líbrio nas relações sujeito-objeto. Cada ação é apenas a sín­
do conhecimento físico, e assim por diante, não podemos estu­ tese de dois pólos sujeito-objeto/homem-mundo.
dar em nenhum luga.r melhor do que em crianças. (Piaget, 1973d, Torna-se evidente, neste contexto, a importância da pes­
p. 21)· quisa da gênese histórica e individual das estruturas de co­
nhecimento, objetivo da epistemologia genética. Ao se refe­
As relações entre sujeito e objeto são relações epistê­ rir a ela, Piaget a caracteriza como
micas e Piaget se pergunta de que forma um conhecimento
imperfeito pode converter-se num conhecimento científico . ..uma epistemologia que é naturalista sem ser positivista,
que põe em evidência a atividade do sujeito sem ser idealista,
altamente rigoroso e, em alguns casos, exato. Piaget estuda que se apóia também no objeto sem deixar de considerá-lo co­
o indivíduo, pois num mesmo indivíduo existe uma filogenia mo um limite (existente, portanto, independentemente de nós,
e uma ontogenia do conhecimento. A evolução intelectual mas jamais completamente atingido) e que, sobretudo, vê no
de uma sociedade desaparecida está totalmente fora de con­ conhecimento uma elaboração contínua... (Piaget, 1978, p. 151)
trole experimental. O Objetivo é, através do estudo da gê­
nese de algumas noções na criança, esclarecer etapas desco­ Em relação à formação e ao desenvolvimento do conhe-
nhecidas da história geral do pensamento científico. cimento, no que se refere à filogênese, é interessante cons­
Para Piaget, o conhecimento científico está em constan­ tata,,r que a.. ciência aparece tardiamente na história da hu­
te evolução. Dessa forma, não se poderia dizer que existe manidade, aproximadamente no século XV. Este surgimen­
de um lado história do conhecimento e do outro a posição to tardio pode indicar a necessidade de um intervalo tem-

68 69
.
poral bastante amplo para que a humanidade pudesse, su­ do conjunto de relacionamentos afetivos, soc1a1s e morais que
perando as fases de observação meramente ingênua e de constituem a vida da escola . , . (Piaget, 1973f p. 69)
dedutividade tautológica, chegar à formalização.
O objetivo da educação, portanto, não cónsistirá na
No pensamento operacional, é necessário se distinguir
transmissão de verdades, informações, demonstrações, mo­
dois modelos: a indução (por meio da qual se descobre
delos etc., e sim em que o aluno aprenda, por si próprio, a
regularidades, causações, leis) e a dedução (que consiste em
conquistar essas verdades, mesmo que tenha de realizar to­
elaboração, criação ou invenção de explicações destinadas à
dos os tateios pressupostos por · qualquer atividade real.
compreensão da r�alidade).
A partir da abordagem piagetiana constata-se que os A autonomia intelectual será assegurada pelo desenvol­
modelos, os mecanismos de explicação da realidade (carac­ vimento da personalidade e pela aquisição de instrumental
terísticos do pensamento hipotético-dedutivo) possibilitam lógico-racional. A educação deverá visar que cada aluno che­
a observação de dados e fatos por ângulos diversos. Na his­ gue a essa autonomia.
tória do conhecimento e no seu estágio atual, é necessário A educação pode ser considerada igualmente como um
que se conside{e, pois, tanto a indução como os processos ' processo de socialização (que implica equilíbrio nas rela.­
hipotético-dedutivos. ções interindividuais e ausência de regulador externo/ordens
externas), ou seja, um processo de "democratização das re­
lações". Socializar, nesse sentido, implica criar-se condições
4.5. Educação de cooperação. A aquisição individual das operações pres­
supõe necessariamente a cooperação, colaboração, trocas e
O processo educacional, consoante a teoria de desenvol­ intercâmbio entre as pessoas.
vimento e conhecimento, tem um papel importante, ao pro­ A socialização implica criação de condições que possi­
vocar situações que sejam desequilibra�foras para o aluno, bilitem a superação da coação dos adultos sobre o compor­
desequilíbrios esses . adequados ao nivel de desenvolvimento tamento das crianças. O sistema escolar, por sua vez, de­
em que se encontram, de forma que seja possível a constru­ veria possibilitar a autonomia, circunstância necessária pa­
ção progressiva das noções e operações, ao mesmo tempo ra que os alunos pratiquem e vivam a democracia. A ativi­
em que a criança vive intensamente ( intelectual e afetiva­ dade em grupo deveria ser implementada e incentivada, pois
mente) cada etapa de seu desenvolvimento. . a própria atividade grupal tem um aspecto integrador, visto
Para Piaget, a educação é um todo indissociável, consi­ que cada membro apresenta uma faceta da realidade.
derando-se dois elementos fundamentais: o intelectual e o Considerando o fato de ci.ue a lógica não é inata mas que
moral. se constrói, a primeira tarefa da educação deveria consistir
. . . 'não se pode formar personalidades autônomas no do­ em formar o raciocínio. Piaget declara que
mínio moral se por outro lado o indivíduo é submetido a um Todo ser humano tem o direito de ser colocado, durante a
constrangimento intelectual de tal ordem que tenha de se li­ sua formação, em um meio escolar de . tal ordem que lhe seja
mitar a aprender por imposição sem descobrir por si mesmo possível chegar ao ponto de elaboração, até à conclusão, dos·
a verdade: se é passivo intelectualmente, não conseguiria ser instrumentos indispensáveis de adaptação que são as opera­
livre moralmente. Reciprocamente, porém, se a sua moral con­ ções da lógica. (1973f, p . 38)
siste exclusivamente em uma submissão · à autoridade adulta, e
se os únicos relacionamentos sociais que constituem a vida da A educação, portanto, é condição formadora necessária
classe. são os que ligam cada aluno individualmente· a um mes­
tre que detém todos os poderes, ele também não conseguiria ao desenvolvimento natural do ser humano. Este, por sua
ser ativo intelectualmente. . . . o pleno desenvolvimento da per­ vez, não iria adquirir suas estruturas mentais mais essen­
sonalidade, sob seus aspectos mais intelectuais, é inseparável .ciais sem a intervenção do exterior. Sem este tipo de con-

71
70
tribuição o indivíduo não chegará à autonomia intelectual educação formal, diz, decorre essencialmente do fato de se
e moral. principiar pela linguagem (acompanhada de desenhos, de
. . . a lógica é, antes de tudo, a expressão da coordenação ações fictícias ou narradas etc.) ao invés de o fazer pela
geral das ações; e . . . esta coordenação geral das ações impli­ ação real e material.
ca necessariamente uma dimensão social, porque a coordenação A escola, dessa forma, deveria dar a qualquer aluno a
interindividual dos atos e sua coordenação intraindividual consti­ possibilidade de aprender por si próprio, oportunidades de
tuem um único e mesmo processo, sendo as operações do in­ investigação individual, possibilitando-lhe todas as tentati­
divíduo socializadas todas elas, e consistindo a cooperação no vas, todos os tateios, ensaios que uma atividade real pres­
sentido estrito em tornar comum as experiências de cada um. supõe. Isso implica diretamente que a motivação não ve­
(Piaget, 1970a, p. 71) nha de fora, mas lhe seja intrínseca, ou seja, da própria
O conjunto de relações de reciprocidade e de coopera­ capacidade de aprender, para que se torne possível a cons­
ção ao mesmo tempo moral e racional raramente é assegu­ trução de estruturas do ponto de vista endógeno.
rado pela autoridade . do professor ou pelas lições, informa­ Se a criança construiu suas estruturas do ponto de vista
ções, modelos que ele possa sugerir ou apresentar, mas· pela endógeno, estas terão necessidade de "alimento", isto é, neces­
vida social entre os próprios alunos e pelo autogoverno. sidade dos objetos que podem assimilar. . . Dizer que um su­
O respeito mútuo irá substituir a heteronomia característica jeito se interessa por um resultado ou por um objeto, significa
de um respeito unilateral, por uma autonomia, consideran­ que ele pode assimilá-lo ou que ele antecipa uma assimilação
do-se a reciprocidade como coordenação dos pontos de vista e dizer que tem necessidade de algo, significa que possui es­
truturas exigindo a sua utilização. (Chiarottino, 1980, p. 98)
e ações entre os membros do grupo.
( . . . ) a criança obediente é por vezes um espírito subme­ A escola deve possibilitar ao aluno o desenvolvimento
tido a um conformismo exterior, mas que não se apercebe "de de suas possibilidades de ação motora, verbal e mental, de
fato" nem do alcance real das regras às quais obedece, nem da forma que possa, posteriormente, intervir no processo só­
possibilidade de adaptá-las ou de construir novas regras em cio-cultural e inovar a sociedade. Deve ser algo que possi­
circunstâncias diferentes. (Piaget, 1973f, p. 76) bilite ao aluno ter um interesse intrínseco à sua própria
O alcance. educativo do respeito mútuo e dos métodos ba­
seados na organização social espontânea das crianças entre si ação.
é precisamente o de possibilitar-lhes que elaborem uma disci­ Na teoria piagetiana pode-se constatar o estabelecimen­
plina, cuja necessidade é descoberta na própria ação, ao invés to de relações entre a cooperação e a formação/desenvolvi- ,
de ser percebida inteiramente pronta antes que possa ser com­ mento intelectual. Assim, não seria possível existir na esco­
preendida. (Piaget, 1973f, p. 77) la uma verdadeira atividade intelectual baseada em ações,
investigações e pesquisas espontâneas, sem que houvesse
Uma educação assim concebida é a que procurará pro­ uma livre cooperação dos alunos entre si e não apenas entre
vocar nos alunos, constantemente, busca de novas soluções, professor e alunos.
criar situações que exijam o máximo de exploração por par­ O trabalho em grupo, ou melhor, o trabalho em comum
te deles e estimular as novas estratégias de compreensão da - uma forma de cooperação e desenvolvimento - pressu­
realidade. põe, e tem como condição indispensável, que os indivíduos
se agrupem espontaneamente, e que � tema estudado/pes­
4.6. Escola quisado/investigado constitua um verdadeiro problema para
o grupo (motivação intrínseca).
Segundo Piaget, a escola deveria começar ensinando a Um tipo de escola coerente com essa abordagem deve­
criança a observar. A verdadeira causa dos fracassos da rá oferecer às crianças liberdade de ação, e ao mesmo tem-
72 73
po, propor trabalho com conceitos, em níveis operatórios turado, sendo que nenhuma tarefa e nenhum nível de de­
consoante o estágio de desenvolvimento do aluno, num pro­ sempenho foram impostos à criança; · experiência de acordo
cesso de equilíbrio-desequilíbrio. Não se concebe, no entan­ com características estruturais do nível de desenvolvimento
to, que a atividade do aluno e o "como" trabalhar os con­ em que o aluno se encontrava; centralização na atividade da
ceitos sejam dirigidos. A forma de solução deverá ser pe­ criança, como se fosse ela uma fonte de conhecimentos; ati­
culiar a cada aluno. vidades realizadas individualmente, mas dentro de um grupo
As diretrizes que norteariam uma escola piagetiana se­ ãe colegas com os quais cooperava e se relacionava social­
riam, pois: trabalho em grupo, diretividade seqüencial tal mente e, por fim, atividades desafiadoras, tanto para o pro­
como concebida acima e consecução de alto nível de inte­ fessor quanto para as crianças. Caberia ao professor desta
resse pela tarefa. Essa diretividade da aprendizagem con­ escola manter atividades desafiantes para todas as crianças
sistiria simplesmente em se criar situações onde pudessem de sua classe. '-
ser operacionalizados os conceitos, - contendo fatos que As atividades principais da Escola para o Pensamento
'possam ser ou não contraditórios, dependendo da forma que consistiriam em: jogos de pensamento para o corpo e os
o sujeito cognoscente manipula o conceito ou questão -, sentidos; jogos de pensamento lógico; atividades sociais pa­
que façam que a criança se esforce no sentido de . uma re­ ra o pensamento: teatro, excursões, jogos de faz-de-conta;
equilibração. Cada reequilibração é uma ultrapassagem, ler e esprever; aritmética; ciência; arte e ofícios; música;
pois implica a aquisição de um conceito antes não domi­ educação física.
nado, pelo menos operatoriamente. ·
É interessante se mencionar aqui a proposta de Furth
Wachs ( 1979), a Escola para o Pensamento. Trata-se de de­ 4.7. Eµsino-aprendizagem
lineamento de uma "Escola para Pensar", inspirada na Psi­
cologia Genética, que não estaria presa a currículos fixos, Um ensino que procura desenvolver a inteligência de­
procurando estruturar o ambiente de modo a desafiar a in­ verá priorizar as atividades do sujeito, considerando-o inse­
teligência da criança. A ênfase não seria colocada em con­ rido_ numa situação social.
teúdos, mas em atividades, tais como jogos, leituras, visitas, A concepção piagetiana de aprendizagem tem caráter
excursões, discussão, arte, oficina, exercício físico, teatro etc. d.e abertura e comporta possibilidades de novas indagações,
Segundo estes autores, na construção do currícuio, de­ assim como toda a sua teoria e epistemologia genética.
ver-se-ia considerar dois tipos de variáveis: a estrutura do Aprender implica assimilar o objeto a esquemas men­
sujeito (o aluno) e a estrutura da matéria de ensino. Uma tais. Um dos tipos de aprendizagem comentada por Piaget
Escola para o Pensamento reconheceria a prioridade psico­ é o que consiste numa aquisição em função do desenvolvi­
lógica da inteligência sobre a aprendizagem. A partir desta mento. Este conceito. fica, nessa abordagem, incluído num
proposta foi realizada uma experiência de dois anos, com a processo mais amplo· de desenvolvimento de estruturas men­
Escola Primária Tyler, Charleston-USA. Se!plndo os auto- • tais.
res, experiências individualmente desafiadoras, ausência de Todo o ensino deverá assumir formas diversas no de­
. tédio e carência de perturbação foram as características curso do desenvolvimento já que o "como" o aluno aprende
observáveis , c.opsideradas como fortes indicadores de uma depende da esquematização presente, do estágio atual, da
atmosfera intelectual psicologicamente saudável. forma de relacionamento atual com o meio. As quatro ca­
Segundo Furth e Wachs ( 1979, p. 75-104), foram opor­ tegorias de aprendizagem por ele propostas são:
tunizadas nesta escola: atividades realizadas pela própria . . . a) a das ações enquanto conteúdos, quer dizer � ações
criança (ritmo próprio, forma própria); liberdade entendi­ não-operatórias ou de um sentido único (hábitos elem�ntar,es) ; ·
da como meio termo entre escola aberta e programa estru- b) a das aççíes enquanto formas, quer dizer das estruturas

74 75
operatórias e das formas de dedução que lhe são ligadas; cl a constituem a fixação de uma forma de ação, sem reversibi­
das sucessões físicas ( regulares ou irregulares) , enquanto con­ lidade e associatividade.
teúdos; finalmente d) a das formas aplicadas às sucessões fí­
sicas, quer dizer da indução enquanto dedução aplicada à ex­ Diferencia-se, portanto, aprendizagem de desenvolvimen­
perimentação. (Piaget, em Piaget e Gréco, 1974, p. 57 ) to. Este último se refere aos mecanismos gerais do ato de
pensar/conhecer, inerentes à inteligência em seu sentido
O ensino que seja compatível com a teoria piagetiana mais amplo e completo.
tem de ser baseado no ensaio e no erro , na pesquisa, na O ensino dos fatos deve ser substituído pelo ensino de
investigação, na solução de problemas por parte do aluno, relações. Desenvolve-se a inteligência, j á que esta é um
e não em aprendizagem de fórmulas, nomenclaturas, defi­ mecanismo de fazer relações e combinatórias.
nições etc. O ensino, nessa abordàgem, deve estar baseado em pro­
A descoberta irá garantir ao sujeito uma compreensão posição de problemas ( projetos de ação ou operação que
da estrutura fundamental do conhecimento . Dessa forma, contenham em si um esquema antecipador) .
os processos pelos quais a aprendizagem se realizou assu­ Finalmente, é necessário que se considere o "aprender
mem papel preponderante . O ponto fundamental do ensino, a aprender", divulgado como slogan, mas que necessita pro­
portanto, consiste em processos e não em produtos de apren­ funda compreensão da teoria de conhecimento de Piaget.
dizagem. É importante se considerar que
Em Piaget encontra-se preocupação com a aprendiza­
. . . as crianças não aprendem a pensar, as crianças pensam.
gem, embora não com uma teoria de instrução. Quando pensam ( . . . ) desenvolvem mecanismos mais avançados
Nós temos que redefinir a aprendizagem. Temos de pen­ de pensamento. Por essas razões, pode esperar-se que uma ên­
sar nela de modo diferente. Antes de tudo, a aprendizagem depen­ fase sistemática sobre o pensamento, durante o período prolonga­
de do estágio de desenvolvimento, ou da competência, como os do, fará seu impacto, ao passo que a preocupação com o apren­
embriologistas preferem. E desenvolvimento não é simples­ dizado ou estratégias do aprendizado podem deixar de mos­
mente a soma total do que o indivíduo aprendeu. Em segun­ trar efeitos de transferência. (Furth e Wachs, 1979, pp. 321-2 )
do lugar, pensando em reforço, devemos pensar não só no re­
forço externo, mas no reforço interno, através da auto-regula­
ção. (Piaget, em ,Evans, 1979a, p. 80) 4. 8 . Professor-aluno

A aprendizagem verdadeira se dá no exercício operacio­ As implicações para uma ação do professor e do aluno
nal da inteligência. Só se realiza realmente quando o aluno ficam claras nas categorias anteriores, que evidenciam que
elabora seu conhecimento . A aprendizagem, no sentido es­ ambos os pólos da relação devem ser compreendidos de for:
trito, se refere às aquisições relacionadas com informações ma diferente da convencional, no sentido de um transmis­
e se dá no decorrer do desenvolvimento . A inteligência é sor e um receptor de informação. Caberá ao professor criar
o instrumento de aprendizagem mais necessário. situações, propiciando condições onde possam se estabele­
Sob tal perspectiva, o ensino consistiria em organização cer reciprocidade intelectual e cooperação ao mesmo tem­
dos dados da experiência, de forma a promover um nível po moral e racional.
desejado de aprendizagem. Cabe ao professor evitar rotina, · fixação de respostas,
Tudo o que se ensina à criança a impede de inventar ou hábitos. Deve simplesmente propor problemas aos alunos,
de descobrir. (Piaget , em Bringüier, 1978, p. 93) sem ensinar-lhes as soluções. Sua função consiste em pro­
vocar desequilíbrios, fazer desafios . Deve orientar o aluno
O ensino, pois, cteve levar, progressivamente, ao desenvol­ e conceder-lhe ampla margem de autocontrole e autonomia.
vimento de operações, evitando a formação de hábitos, que Deve assumir o papel de investigador, pesquisador, orienta-

76 77
elo processo e o fator social ou educativo constitui uma con­
dor, coordenador, levando o aluno a trabalhar o mais inde­ dição de desenvolvimento.
pendentemente possível. H. Aebli 0978) delineou uma· didática baseada na teo­
O professor deve conviver com os alunos, observandó ria de Piaget, havendo igualmente, nesse sentido, contribui­
seus comportamentos, conversando com eles, perguntando,
ções -de H. Furth ( 1972-1979) - dois dos autores mais di­
sendo interrogado por eles, e realizar, também com eles,
fundi,dos no Brasil.
suas experiências, para que possa auxiliar . sua aprendizagem
Para Aebli ( 1978) , uma didática científica deve ter por
e desenvolvimento.
finalidade deduzir do conhecimento psicológico dos proces- ·
Ora, é óbvio que o educador continua indispensável, a tí­ sos de farmação intelectual as técnicas metodológicas mais
tulo de animador, para :criar as situações e construir os dispo­ adequadas para produzir tais processos. ,Daí a proposição
Sitivos de partida suscetíveis de apresentar problemas úteis à de uma didática que considera que o ensino devà tender
criança e, em seguida, organizar contra-exemplos que forçam a à co�strução de operações pelo aluno, sendo baseado na in­
refiexão e obrigam o controle de soluções mais precoces: o que vestig'àção ( atividade intelectual · em cujo curso se formam
se deseja é que o mestre deixe de ser apenas um conferencis­
ta e estimule a pesquisa e esforço, em lugar de contentar-se em as novas operações) . O problema será auto-regulador da
transmitir os problemas já solucionados. (Piaget, 1974,h, p. 18) investigação e .consiste -num projeto de ação, cuja ação não
consiste, no entanto, numa qualquer, mas, sim, num siste­
O aluno deve ser tratado de acordo com as caracterís- ma de movimentos impregnados de uma finalidade.
ticas estruturais próprias de sua fase evolutiva e o ensino O trabalho em equipe, como estratégia, adquire com
precisa, conseqüentemente, ser adaptado ao desenvolvimen­ Piaget consistência teórica que extrapola a visão do grupo
to mental e social. Cabe ao aluno um papel essencialmente como um elemento importante na socialização do indivíduo.
ativo ( a atividade é uma forma de funcionamento do indiví­ O trabalho com os outros indivíduos é decisivo no desen­
duo) e suas atividades básicas, entre outras, deverão consis­ volvimento intelectual do ser humano. A interação social
tir em: observar, experimentar, comparar, relacionar, ana­ decorrente do trabalho eµi grupo, assim como o fato dos
lisar, justapor, compor, encaixar, levantar hipóteses, argu­ indivíduos atuarem nos grupos compartilhando idéias, infor­
mentar etc. mações, responsabilidades, decisões, são imprescindíveis ao
E ao professor caberá a orientação necessária para que desenvolvimento operatório do · ser humano. Os demais
os objetos sejam explorados pelos alunos, sem jamais ofe­ membros do grupo funcionam corri.o uma forma de controle
recer-lhes a solução pronta. É indispensável, no entanto, que lógico do pensamento individual.
o professor conheça igualmente o conteúdo de sua discipli­ O trabalho em grupo, a discussão deliberada em comum,
na, a estrutura da mesma, caso contrário não lhe será pos­ não só é condi,ção para o desenvolvimento mental individual,
sível propor situações realmente desequilibradoras aos alu­ para a autonomia dos indivíduos, como também o é para a
nos. superação do egocentrismo natural do c6mportamento hu­
mano, que só ocorre quando há conflitos provenientes de
interesses diferentes. dos indivíduos. Deve�se, pois, enfatizar
4.9. Metodologia as sociedades, os agrupamentos infantis autônomos, para
que o mecanismo social do respeito mútuo, da troca de in­
Não existe um modelo pedagógico piagetiano. O que formações e pontos de vista, base da cooperação, possa ser
existe é uma teoria de conhecimento, de desenvolvimento desenvolvido, como se cada indivídµo tivesse uma parcela
humano que traz implicações para o ensino. Uma das im­ da autoridade.
plicações fundamentais é a de que a inteligência se constrói
a partir da troca do organismo com o · meio, por meio das . O ambiente no qual o aluno está -inserido precisa ser
·· d.esafiador, promovendo sempre desequilíbrios. A motivação
ações do indivíduo. A ação do indivíduo, pois, é o centro
79
7·8
é caracterizada por desequilíbrio, necessidade, carência, con­ Uma didática decorrente dessa abordagem irá coriside­
tradição, desorganização etc. Um ambiente de tal tipo será rar a introdução das operações fundamentais, inicialm�nte,
favorável à motivação intrínseca do aluno. no piano da ação efetiva e só progressiva e posteriorrriente
o jogo adquire importância fundamental em sua apli­ passará à interiorização desta ação.
cação ao ensino. Tem por objetivo descobrir novas estraté­ A utilização de recursos audiovisuais e instrumentos icô­
gias e cada fase de desenvolvimento do ser humano é ca­ nicos não é suficiente para desenvolver atividade operatória,
racterizada por uma confarmação única especial, indo desde pois estes concretizam as matérias de ensino de modo figu­
o jogo individual, o jogo simbólico, o jogo pré-social, ao de rativo, sendo uma das características do denominado ensino
regras (soçial) . As regras do jogo social igualmente são ne­ intuitivo, neste trabalho considerado como uma das formas
cessárias- para que se supere o egocentrismo individual e se assumidas pelo ensino tradicional.
instaure uma atividade cooperativa. O material de ensino deve-se prestar a todas as possí­
Caberá ao pedagogo, ao educador, planejar situações de veis combinações e realizações, sendo adaptável às caracte­
ensino onde os conteúdos e os métodos pedagógicos sejam rísticas estruturais de cada fase.
coerentes com o desenvolvimento da inteligência e não com Padronizando o material ninguém ousa experimentar mu­
a idade cronológica dos indivíduos. dá-lo. E, no entanto, a coisa realmente importante para a crian­
Considerando,se que a teoria piagetiana demonstra que ça · é construir sempre seu próprio material. (Piaget, em Evans,
toda apreensão da realidade, por parte do indivíduo, depen­ 1979a, p. 79)
de de seus esquemas anteriores, infere-se que o uso de re•
cursos audiovisuais como instrumentos de ensino não é tão As experiências não devem ser feitas na frente do alu­
relevante como se supôs nos últimos anos. Infere-se igual­ no. Devem ser feitas pelo aluno .
mente que toda proposta didática deve ser feita a partir É uma questão de apresentar situações que ofereçam no­
de uma sondagem do esquema prévio em que irá se apoiar: vos problemas, problemas que desencadeiem outros. É pre­
é necessário que se conheça as estruturas de conhecimento ciso uma mistura ele direcionamento e liberdade. (Piaget, em
para que se possa construir uma seqüência epistemológica, Evans, 1979a, p. 80)
pois toda noção e operação possuem uma história, da qual
são produto. Em relação ao ensino programado pode ocorrer que,
Uma didática baseada em tal abordagem atribuirá pa­ em vez da construção de programas adequados que tenham
pel primordial à pesquisa por parte do aluno, pois será du­ por base o princípio de compreensão progressiva, haja trans­
rante este tipo de atividade intelectual que serão formadas formação do conteúdo de manuais em termos de programa­
as novas noções e operações. ção mecânica.
O problema (projeto de ação) irá constituir uma dire­ Do ponto de vista pedagógico, o ensino programado leva a
triz da pesquisa, funcionando como um esquema antecipa­ aprender, mas não a criar, salvo se . . . a programação for :feita
dor. As operações se estruturam durante a pesquisa e adqui­ pela criança. (Piaget, 1974h, p. 12)
rem articulações precisas, de forma a que não somente os A individualização do ensino poderia ser implementada
elementos do novo ato intelectual sejam compreendidos, mas na medida que oportunidades de vida social acompanhas­
também suas articulações e a estrutura de conjunto. sem esta individualização, que consiste , além do respeito ao
Dizer formação de pensamento é dizer formação de opera­ próprio ritmo da criança, no respeito ao seu modo de agir,
ções, e dizer formação de operações é dizer construção de ope­ de pensar, de descobrir, de inventar, de criar.
rações. A construção das operações se efetua durante a pes­ Um método el�borado segundo os princípios inerentes
quisa e toda_ pesquisa parte de um problema. (Aebli, 1978, p. 95) à abordagem em q_uestão implica programas, técnicas, horá-
80 81
rios suficientemente flexíveis, adaptáveis às condições do� implicará verificar se o aluno já adquiriu noções, conserva­
alunos , respeitando o ritmo individual de trabalho, d� assi­ ções, realizou operações, relações etc. O rendimento poderá
milação do conhecimento, ao mesmo tempo que respeitando ser avaliado de acordo com a sua aproximação a uma norma
a atividade grupal; com tarefas e técnicas suf�cientemente qualitativa pretendida. Uma das formas de se verificar o
diversificadas. Deve procurar estabelecer relaçoes entre os rendimento é através de reproduções livres, com expressões
diferentes ramos do saber e não reduzir formalmente o co­ próprias, relacionamentos, reprodução sob diferentes formas
nhecimento a matérias de ensino. O trabalho deve ser apre- e ângulos, explicações práticas, explicações causais etc .
. sentado a partir de situações que gerem investigação Pº;' O controle do aproveitamento deve ser apoiado em múl0
parte do aluno. Será um método a�equâdo à form� de aqm­ tiplos critérios, considerando�se· principalmente a assimila­
sição e desenvolvimento dos conhecimentos, a partir d� uma
ção e a aplicação em situações variadas.
perspectiva de construtivismo interacionista. O conceito de
Caso esta abordagem sirva de diretriz à ação docente,
aula, em decorrência do que foi colocado, deve ser reelabo­
o professor deverá igul:l,lmente, nos diversos ramos do co-
rado, já que- não se pode prever o tempo que irá durar uma
, nhecimento, considerar as soluções erradas, incompletas ou
investigação individual e/ou grupal.
distorcidas dos alunos, pois não se pode deixar de levar em
Em resumo, o princípio fundamental dos métodos ativos conta que a interpretação do mundo, dos fatos, da causali­
, não seria mais do que a orientação no sentido de se inspirar dade, é realizada de forma qualitativamente diferente nos
na história das ciências, o qual pode ser expresso da seguinte diferentes estágios de desenvolvimento, quer do ser, quer
forma: compreender é descobrir, ou reconstruir pela redesco­ da espécie humana. A solução apresentada, num determi­
berta e será necessário submeter-se a esses priri.cípios se se qui­
nado ponto da ontogênese, é peculiar a esse estágio em que
ser, no futuro, educar indivíduos capazes de produção ou de
o aluno se encontra e às fontes de · informação com as quais
criação e não apenas de repetição. (Piaget, 1974h, p. 21)
ele pode operar.
Não há, pois, pressão no sentido de desempenho acadê­
4 . 10 . Avaliação mico e desempenhos padronizados, durante o desenvolvimen­
to cognitivo do ser humano.
No que se refere à avaliação tradicional, realizada atra­
vés de testes, provas, notas; exames etc., encontra ela pouco
respaldo nesse tipo de abordagem. .
4 . 11 . Considerações finais
Em seu diálogo com Bringüier, Piaget mantém a seguin-
te posição, quando fala sobre o conhecimento: Esta abordagem difere de forma acentuada da aborda­
gem comportamentalista, tendo implicações outras para o
Piaget: o conhecimento. começa a partir do momento em
que ele é comunicável e controlável.
ensino.
Bringüier: É mensurável? O conhecimento, para Piaget , progride mediante a for­
Piaget: Não mesmo! Não mesmo! Há conhecimentos qua-. mação de estruturas é isso nega o mecanismo de justapo­
litativos. Em Psicologia, em Lógica, nada é mensurável. Mas, sição dos conhecimentos em que se baseiam os behavioris­
o conhecimento começa quando se chegá a conciliar os controi tas e os que advogam o que aqui denominamos de "ensino
les mútuos e as verificações em aproximações sucessivas. (Brin- .. · tradicional" .
güier, 1978, p. 25) Tudo o que se aprende é assimilado por uma estrutura
já existente e provoca uma reestruturação. No comporta­
Decorrentes deste posicionamento, resultado de inves­ mentalismo, o que o organismo geralmente persegue é o
tigações teórico-experimentais, a avaliação terá de ser rea­ esforço e não a aprendizagem em si. Esta interessa apenas
lizada a partir de parâmetros extraídos da própria teoria e ao professor.
82
83
A aprendizagem considerada como fixação de respõstas
_padronizadas, que ocorre freqüentemente com a abordagem
comportamentalista, · é aqui o processo mais arcaico de in.
corporação de modificações, característico de organismos
elementares e dos primeiros estágios de desenvolvimento do
ser humano.
É igualmente interessante se mencionar que pesquisas
do CIEEG têm evidenciado que a memória é operativa, ou
seja, não é apenas um depósito de lembranças, mas modifi.
ca as lembranças, de acordo com o nível de desenvolvimen•
to mental do indivíduo. Essa constatação coloca em ques.
tionamento a aprendizagem de respostas padronizadas e a
sua transferência.
Em relação à proposta rogeriana, o não-diretivismo é
aqui considerado principalmente no que se refere ao respei­
to dado ao aluno quanto à sua própria atividade, quanto ao
"como" ele irá trabalhar os conceitos, quanto às oportuni­
dades de investigação individual. A forma de solução de
cada problema é pertinente apenas a cada aluno e a ele ca­
berá encontrá-la. Ocorre ênfase no aspecto cognitivo, ao
passo que em Rogers esse elemento, embora considerado,
não é exaustivamente trabalhado em forma de teoria.
Decorrente da abordagem cognitivista, nota-se um cuida­
do especial com a educação pré-escolar. A pré-escola deve
ser considerada em suas peculiaridades, visando o desenvol­
vimento das crianças, e não como propedêutica a qualquer
outro tipo de escolà. ·
A educação pré-escolar, que se dirige à criança durante o
período que precede à idade da escolaridade obrigatória, deve
constituir uma das preocupações das autoridades escolares e
tornar-se acessível à maioria das crianças. (Piaget, 1970a, p. 97)

A educação pré-escolar não tem a finalidade de acele-


rar a aquisição de noções, mas simplesmente a de criar con­
dições para que a criança possa desenvolver as estruturas
inerentes a essa fase.
Por último, deve-se mencionar a necessidade de uma
sistematização mais completa no sentido de uma teoria de
instrução com fundamentação psicogenética, que possa for­
necer diretrizes à ação pedagógica do professor, tanto, em
diferentes níveis de ensino, quanto em diferentes áreas do
conhecimento.

84

Você também pode gostar