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Resumo
A utilização de histórias infantis e matemática no trabalho do professor em sala de aula
permite desenvolver a criatividade e a imaginação dos alunos, trabalhar matemática e
língua materna conjuntamente, fazer relação com outras áreas do conhecimento e resolver
situações-problema. Esta pesquisa qualitativa tem como objetivo investigar as
possibilidades de trabalhar conjuntamente histórias infantis e matemática nos anos iniciais
do Ensino Fundamental. Utilizaram-se, para produção de dados, notas de campo,
audiogravações e atividades desenvolvidas pelos alunos. As atividades foram pensadas a
partir do livro infantil As centopeias e seus sapatinhos, de Milton Camargo, e
desenvolvidas em um 1.° e um 2.° anos do Ensino Fundamental, em duas escolas públicas
da cidade Juiz de Fora – Minas Gerais. A análise dos dados evidenciou a participação e o
interesse dos alunos, demonstrou ser interessante realizar atividades que tenham como
referência histórias infantis; permitiu abordar conteúdos e conceitos matemáticos, mas
sem deixar de lado a história; e propiciou uma discussão sobre o que é um problema.
Palavras-chave: História infantil. Matemática. Anos iniciais do Ensino Fundamental.
Once upon a time... children stories and mathematics in the early years
of Elementary School
Abstract
The use of children stories and mathematics in the teacher’s work in the classroom allows
students to develop the creativity and the imagination of students, work on mathematics
and mother language together, relate to other areas of knowledge and solve problem
situations. This qualitative research has as main to investigate the possibilities of the joint
work between children stories and mathematics in the early years of Elementary School.
We use, for data production, field notes, audio-recordings and activities developed by the
students. The activities were designed from the children’s book The centipedes and their
shoes by Milton Camargo and developed in a 1st and 2nd year of Elementary School of
Revista de investigação e divulgação em Educação Matemática, Juiz de Fora, v. 2, n. 2,
p. 45-62, jul./dez. 2018.
two public schools in the Juiz de Fora city – Minas Gerais. The data analysis showed the
participation and the interest of the students demonstrating that it is an interesting
possibility to carry out activities that have as reference children stories; it allowed to
approach mathematical contents and concepts, but without leaving the story aside; and
provided a discussion about what a problem is.
Keywords: Children stories, Mathematics, Early years of Elementary School.
Introdução
Para os autores (2015, p. 238), além do texto literário, as ilustrações também são
indispensáveis nesse processo, já que elas auxiliam a compreensão de um conceito
matemático e também possibilitam “desenvolver a observação; comparar situações e
diferentes formas de representação; aprender conceitos e propriedades matemáticas; e
familiarizar-se com a linguagem matemática”.
A partir do exposto, fica claro que a conexão estabelecida entre histórias infantis
e matemática permite aos alunos envolver-se em situações contextualizadas, que lhes são
familiares e os motivam a se posicionar de modo ativo e criativo na aprendizagem de
conceitos e ideias matemáticos.
Além disso, afirmam Souza e Carneiro (2015, p. 239) que é possível utilizar
a narrativa da história como estratégia de pensamento, permitindo a formação do sujeito
leitor, e também abordar “o aspecto imaginário dos textos, as ilustrações presentes nos
livros, a possibilidade de trabalhar com resolução de problemas matemáticos, bem como
a elaboração de problemas e histórias matemáticas; e apresentar aos alunos materiais
manipuláveis e recursos visuais”.
Observamos que é interessante que a criança aprenda conteúdos matemáticos a
partir da leitura de livros infantis, mas como isso deve acontecer? De acordo com Zacarias
e Moro (2005, p. 278),
as próprias histórias podem trazer dados importantes para que alguma
solução a esses problemas seja encontrada. Também é o caso de
estimular as crianças a explorar e a formular problemas para serem
resolvidos por elas próprias e pelos colegas. As questões colocadas
farão com que elas debatam, dialoguem, critiquem e criem diversas
estratégias de solução.
Caminhos da Pesquisa...
1
Segundo Smole e Diniz (2001), os problemas convencionais ou padrão são aqueles que contêm frases e
parágrafos curtos; oferecem “pistas” para a(s) operação(s) a ser efetuada(s); indicam, no seu enunciado,
todos os dados necessários para sua resolução; apresentam uma única solução; a solução é numérica e é
encontrada a partir da aplicação direta de algoritmos.
2
Essa narrativa conta sobre duas centopeias que foram comprar sapatos. Chegando à loja, a
vendedora precisou subir e descer muitas vezes para buscar a quantidade suficiente de sapatos
para suas clientes. Por isso, no fim a vendedora ficou muito cansada e desmaiou.
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Ensino Fundamental de duas escolas públicas diferentes na cidade de Juiz de Fora.
Inicialmente, apresentamos aos alunos o livro, dizendo o título, o autor e o
ilustrador e, em seguida, fizemos algumas perguntas, como: “O que vocês estão vendo na
capa do livro?”, “O que acham que acontecerá nessa história?”, “Quais devem ser os
personagens?”, “Em que lugar essa história deve acontecer?”. Depois disso, realizamos
a leitura da história.
Após a leitura, propusemos que as crianças fizessem um desenho que, para elas,
representasse a história. Utilizando as ilustrações do livro, elaboramos alguns problemas
para que fossem, inicialmente, realizados oralmente, mas poderiam utilizar papel e lápis
para resolvê-los. Os problemas são:
A mãe da Centopeinha estava arrumando a mesa do café da manhã para ela e sua
filha, quantos lugares teria que colocar na mesa? E se recebesse a visita da
Joaninha?
Se na mesa de café da manhã houvesse dez pães de queijo, quantos pães cada
centopeia iria comer? (Centopeinha e sua mãe)
Há cinco chapéus e cinco sombrinhas no guarda-roupa das centopeias, quantas
combinações podemos realizar para Centopeinha e sua mãe saírem para comprar
sapatos?
Após a resolução desses problemas, organizamos as crianças em duplas e pedimos
que elaborassem uma situação-problema e trocassem com os colegas de outra dupla, para
que solucionassem. Depois conversamos sobre as questões que surgiram e analisamos os
problemas elaborados, assim como as soluções propostas.
No segundo momento da atividade, realizamos a construção de uma centopeia
coletiva, e cada criança ganhou uma parte dela e os dois pezinhos dessa respectiva parte,
para que pintasse da forma como quisesse, utilizando as cores amarelo, verde, rosa, azul
ou laranja. Depois elas montaram a centopeia conjuntamente, com o auxílio das
professoras. Com a centopeia montada, perguntamos: “Quantos pezinhos tem a nossa
centopeia? Ela tem todas as cores que foram propostas pela professora?”. Após essas
primeiras observações, analisamos as cores que apareceram nessa construção e
elaboramos um gráfico. Com o gráfico pronto, fizemos alguns questionamentos para sua
interpretação:
Esse momento buscou apresentar às crianças alguns aspectos da obra para que eles
desenvolvessem a imaginação e mostrassem seus conhecimentos prévios a partir da
imagem da capa. As perguntas realizadas ao final da leitura permitiram perceber se as
hipóteses iniciais se confirmaram ou não e também observar a iniciação aos pensamentos
matemáticos, pois, de acordo com Passos e Oliveira (2007 apud SOUZA; CARNEIRO,
2015, p. 237), “a leitura e o entendimento da narrativa favorecem e potencializam
processos cognitivos importantes para capacitar a criança a penetrar no estudo da
matemática como uma área de conhecimento que exige a compreensão da sua linguagem
específica e de raciocínios próprios para a solução de problemas”.
Percebemos que a narrativa presente no livro escolhido influenciou muito o
pensamento das crianças durante a resolução e a elaboração de problemas nas atividades
posteriores e foi um caminho para que elas pensassem sobre o processo matemático. Esse
fato evidenciou a importância de abordar atividades que envolvam o texto, para que não
Episódio 2:
Episódio 3:
Ao pedir a resolução do segundo problema, que falava sobre a quantidade de pães de queijo,
em que a questão era: “Se na mesa de café da manhã houvesse dez pães de queijo, quantos
pães cada pessoa iria comer, se tivesse a Centopeia mãe e a Centopeia filha?”. A primeira
resposta, vinda da maioria da turma, foi dois. Nesse momento, uma criança respondeu:
Aluno: Cinco pra cada um! (Levantou as mãos para mostrar que era cinco para cada
um).
Professora: Cinco pra cada um? Será que é verdade?
Alunos: Sim!
Professora: Como vamos saber se é verdade?
O mesmo aluno que havia dado a resposta correta explicou: Tinham dez (mostrou as
duas mãos), deu cinco para um (afastou uma das mãos) e deu cinco para outro (afastou a outra
mão) e não sobra nada, acabou.
Professora: Não sobra nada por quê?
Alunos: Comeram tudo!
Professora: Isso, comeram tudo... E se a Joaninha chegasse? Teria como dividir igual?
As repostam ficaram divididas, algumas crianças respondem que sim e outras que não.
Por isso, a professora regente explicou novamente que são dez pães para três pessoas, e que
teria que dividir igualmente. Eles então responderam que não. Ela perguntou se alguém ficaria
com mais ou com menos. Um aluno disse que ia partir os pães. “Ia partir os pães para que
desse mais?” eu perguntei, e eles responderam que sim. Uma criança disse que alguém ficaria
com menos e, então, eu questionei se alguém ficaria com muito mais e eles disseram que sim,
mas uma criança teve a ideia de dividir os inteiros e partir aqueles que sobrassem durante a
divisão. Indaguei se daria para fazer mais alguma coisa ou se essa última ideia era a melhor
forma, a maioria dos alunos disse que essa seria a melhor forma. Então, compreendemos que
eles entenderam o problema e passamos para o próximo.
Episódio 4:
Episódio 1:
Ao ler o último problema, que dizia: “Há cinco chapéus e cinco sombrinhas, quantas
combinações é possível realizar para Centopeinha e sua mãe?”, a resposta imediata da turma foi
dez. Perguntei se eles não precisavam desenhar para ver, eles disseram que não; então,
questionei como chegaram à resposta e eles disseram que era cinco mais cinco, que dá dez.
A partir dessa resposta, percebi que eles não entenderam que deveriam fazer as
combinações e, por isso, houve a necessidade de explicar mais de uma vez que era preciso juntar
a sombrinha com o chapéu. Reforcei a ideia de que eles podiam fazer desenhos para conseguir
juntar a sombrinha com o chapéu e, ainda assim, algumas crianças somaram (cinco mais cinco)
e mostraram como resposta o dez.
Depois de alguns minutos, e de muitas vezes ter voltado à explicação e ter dito que não
era pra somar, um aluno encontrou a resposta, fazendo o desenho e juntando um a um.
Episódio 2:
No momento em que pedi para que eles criassem um problema, algumas duplas
pensaram em problemas cotidianos, como: “A rua estava quebrada por um problema de
encanamento” e “A nuvem aparece em um dia e, no outro, não aparece mais”. E ainda, em
alguns problemas que traziam fatos relacionados à história: “A Joaninha desmaia porque
busca muitos sapatos” e consideraram que isso era um problema; em outra dupla, as crianças
me disseram que eram as centopeias que deveriam buscar seus próprios sapatos.
Episódio 3:
Perguntei também se eles achavam que a centopeia que construímos era maior ou
menor que a da história, e a maioria da turma rapidamente respondeu que era maior. “Quantos
pés vocês acham que a nossa centopeia tem?” e as respostas novamente variaram muito, por
isso, pedi para que falassem um de cada vez e fui anotando as possibilidades no quadro: 20,
40, 41, 22, 33, 21, 50, 30, 100. Em seguida, contei com eles quantos pés a centopeia que
fizemos tinha e descobrimos que ela possuía 42 pés.
Conversei com eles que houve pessoas que chegaram bem perto da resposta, como as
que disseram 40 e 41. E, como estávamos comparando a nossa centopeia com a da história,
disse para a turma que a centopeia da história possuía 14 pés, e eles compreenderam que a
nossa era muito maior.
Primeiro, perguntei qual cor teve mais quantidade e eles responderam rosa e verde,
percebendo que houve um empate. Disseram que todas as cores poderiam dar empate, e eu
expliquei que não teria como isso acontecer, já que não havia pessoas suficientes para completar
o que faltava nas outras cores. Questionei quantas pessoas coloriram com cada uma das cores
presentes no gráfico, e as crianças conseguiram identificar corretamente as quantidades.
Professora: Se a gente somar a cor verde com a cor rosa, quanto dá?
Alunos: Oito... Doze!
Professora: Doze, porque tem seis no verde e seis no rosa, então seis mais seis é igual
a doze.
Professora: Se fizéssemos o verde menos o azul? Quanto daria?
Alunos: Quatro... Três...
Algumas Considerações
Referências
BOGDAN, Robert C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação qualitativa em educação: uma
introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.
SMOLE, Kátia C. S. et al. Era uma vez na matemática: uma conexão com a literatura
infantil. 5. ed. São Paulo: Centro de Aperfeiçoamento do Ensino de Matemática - CAEM,
2004.
SOUZA, Ana Paula G.; CARNEIRO, Reginaldo F. Um ensaio teórico sobre literatura
infantil e matemática: práticas de sala de aula. Educação Matemática Pesquisa, São
Paulo, v. 17, n. 2, p. 231-257, 2015.