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LUCIENE SERIBELLI PANICE

O CRIME DE RACISMO NO BRASIL

Trabalho de Curso apresentado como


exigência parcial, para a obtenção do grau no
curso de Direito, da Universidade de Franca.

Orientador: Prof. Frank Sérgio Pereira

FRANCA
2009
LUCIENE SERIBELLI PANICE

O CRIME DE RACISMO NO BRASIL

Orientador:
______________________________________________
Nome: Prof. Frank Sérgio Pereira
Instituição: Universidade de Franca.

Examinador(a):
______________________________________________
Nome:
Instituição: Universidade de Franca.

Examinador(a):
______________________________________________
Nome:
Instituição: Universidade de Franca.

Franca, ____/____/2009.
DEDICO este estudo aos maiores incentivadores de minha vida, a
quem devo tudo o que sou, meus pais, Antônio Carlos e Sônia, com
todo o meu amor.
AGRADEÇO acima de tudo a Deus, fonte de amor, sabedoria e
justiça, pois foi na oração que encontrei forças para concluir esta
etapa de minha vida.
Aos meus pais, por compartilhar deste sonho e possibilitar sua
realização.
Ao meu orientador, Prof. Frank, pela atenção, paciência e dedicação
ao meu trabalho.
Agradeço, ainda, a todos que contribuíram direta e indiretamente
para a conclusão deste trabalho.
“Eu tenho um sonho de que um dia meus quatro filhos vivam em uma
nação onde não sejam julgados pela cor da pele, mas pelo seu
caráter”.
Martin Luther King

“Pedi e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á.


Porque, aquele que pede, recebe; e, o que busca, encontra; e, ao que
bate, abrir-se-lhes-á.”
Mateus 7: 7-8
RESUMO

PANICE, Luciene Seribelli. O crime de racismo no Brasil. 2009. 58 f. Trabalho de Curso


(Graduação em Direito) - Universidade de Franca, Franca.

O presente estudo trata sobre o racismo, criminalizado pela Lei nº. 7.716/89 que pune o
preconceito decorrente da raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Tem o cunho de
mostrar à sociedade que o crime de racismo existe e sua manifestação comportamental é o
preconceito. A forma de racismo, que sempre foi e ainda é mais praticada é o preconceito
contra o negro, hoje esse preconceito, assim como os demais, encontra-se camuflado pela
sociedade, porém nunca deixou de existir. Pesquisas divulgadas recentemente vêm corroborar
com tal afirmação e mostra que o negro encontra-se em desvantagem em relação aos brancos
na maioria das áreas, seja educacional, salarial, entre outras. O crime é praticado diariamente,
mas não é punido com o rigor necessário, restando claro a necessidade de uma reforma legal e
a implementação de uma política social sólida, para que se passe a respeitar o ser humano e
para fazer valer o princípio da igualdade, tão primado pela Carta Magna.

Palavras-chave: Crime; racismo; preconceito; negro; desvantagem em relação aos brancos.


ABSTRACT

PANICE, Luciene Seribelli. Título do trabalho em itálico. 2008. 58 f. Trabalho de Curso


(Graduação em Direito) - Universidade de Franca, Franca.

This study is about racism, criminalized by Law No.7.716/89 that punishes the result of race
prejudice, color, ethnicity, religion and national origin. It has the stamp show the society that
the racism crime exists and its behavioral manifestation is the prejudice. The form of racism,
which was always and still most practiced, is the prejudice against the Negro, now that
prejudice well as the other , is occult by the society, but never ceased to exist. Released
search recently come to support this assertion and shows that the Negro inferior condition in
some areas like, education, wages, and others. The crime is committed every day, but is not
punished with the necessary rigor, leaving a need clear for legal reform and implementation of
a hard social politics, it will respect the human being and principle enforce of equality, so
rule by Magna Letter.

Key words: Crime, racism, prejudice, Negro, Negro inferior condition.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA .................................................................................... 11
2 CONCEITO ............................................................................................................. 13
3 FORMAS DE RACISMO ....................................................................................... 17
3.1 RACISMO DECORRENTE DA RAÇA E DA COR ............................................... 17
3.2 RACISMO CONTRA A NACIONALIDADE ......................................................... 22
3.2 RACISMO CONTRA A RELIGIÃO ........................................................................ 22
4 O RACISMO COMO CONTRAVENÇÃO PENAL E COMO CRIME ........... 22
4.1 O RACISMO NOS TEXTOS CONSTITUCIONAIS ............................................... 26
4.1.1 Constituição Federal de 1824 .................................................................................... 27
4.1.2 Constituição Federal de 1891 .................................................................................... 28
4.1.3 Constituição Federal de 1934 .................................................................................... 28
4.1.4 Constituição Federal de 1937 .................................................................................... 29
4.1.5 Constituição Federal de 1946 .................................................................................... 30
4.1.6 Constituição Federal de 1967 .................................................................................... 31
4.1.7 Constituição Federal de 1988 .................................................................................... 31
4.1.7.1 O racismo como crime imprescritível ....................................................................... 32
4.1.7.2 O Racismo como crime inafiançável ......................................................................... 33
5 O RACISMO CRIMINALIZADO PELA LEI N. 7.716/89 ................................. 35
6 DIFERENÇA ENTRE O CRIME DE RACISMO E A INJÚRIA
QUALIFICADA .................................................................................................................. 49
7 CONSEQUÊNCIAS ORIGINÁRIA DA LEI ....................................................... 51
8 O NEGRO NO MERCADO DE TRABALHO ..................................................... 53
9 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: AVANÇOS OU RETROCESSOS ................... 55
CONCLUSÃO...................................................................................................................... 56
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 57
9

INTRODUÇÃO

O presente estudo trata de um assunto que foi, é e será sempre atual: “O Crime
de Racismo no Brasil”, e foi escolhido com a finalidade de mostrar que ainda hoje, em pleno
século XXI, existe preconceito por parte da sociedade, seja pela cor, raça, etnia, religião ou
procedência nacional.
O racismo é um crime regido por lei própria, a Lei n. 7.716/89. A Constituição
da República Federativa do Brasil, já previa desde 1988 o racismo como crime inafiançável e
imprescritível, previsto em seu inciso XLII do artigo 5º, o que vem corroborar a importância
de tratar sobre o tema e sua gravidade.
Além dos artigos acima citados é importante destacar que o Brasil participou da
Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação racial, que foi
concluída e assinada em 7 de março de 1966 na cidade de Nova York, nos Estados Unidos. O
Brasil a ratificou em 27 de março de 1968 e sua entrada em vigor se deu em 4 de janeiro de 1969.
O decreto que a promulgou é o Decreto n. 65.810 de 8 de dezembro 1969 e nele os
Estados-Membros comprometeram-se a agir, junto ou separadamente, para promover e encorajar o
respeito universal e efetivo dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem
discriminação de raça, sexo, cor, idioma ou religião.
O Decreto nº. 65.810 de 08 de dezembro de 1969 tem força Constitucional,
após ser internalizado pelo Brasil, conforme preceitua a Constituição Federal em seu artigo 5º,
parágrafo 3º.
Faz-se necessário salientar que o crime de racismo antes de ser previsto pela
Constituição Federal, por Lei específica e internalizado após convenção internacional, já era
previsto pela Lei 1.390/51, conhecida como Lei Afonso Arinos, porém nessa época o racismo
não era crime, mas contravenção penal.
O trabalho tratará de um tema comum e corriqueiro, porém pouco explorado e
camuflado pela sociedade, e até então, pouco observado por acadêmicos, como um grande
problema social e jurídico.
Prova disso é uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo onde
apontou que 97 % dos entrevistados disseram não ter preconceito, mas 98% afirmaram
conhecer pessoas que manifestavam, de algum modo, discriminação racial.
10

O racismo é um preconceito contra um “grupo racial”, geralmente diferente


daquele a que pertence o sujeito, e, como tal, é uma atitude subjetiva gerada por uma
seqüência de mecanismos sociais.
O racismo é uma aversão contra um povo ou raça em particular, como por
exemplo, os negros, amarelos (asiáticos, japoneses, chineses etc.). O racismo está ligado à cor
da pele ou etnia do indivíduo.
Sem contar que mesmo não sendo alvo da Lei n. 7.716/89, um preconceito
muito comum e que a sociedade faz questão de camuflar é o da condição social.
Infelizmente, a sociedade em si, e em particular, a brasileira, objeto do estudo,
prefere pessoas brancas e com maior poder aquisitivo às negras.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa foi o método
dedutivo-bibliográfico, realizando-se uma profunda revisão da bibliografia com
sistematização e discriminação dos livros e demais materiais utilizados. Dentre estes, foi
definida a bibliografia de livros nacionais, revistas especializadas, artigos de sites jurídicos
retirados da Internet.
Os processos metodológicos que foram empregados, na elaboração da
pesquisa, são os estudos: dogmático jurídico, analítico-sintético, histórico e aplicado.
11

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O racismo assumiu formas variadas com o passar do tempo. Antigamente a


relação entre os povos era de vencedor e cativo, isso até então nada tinha haver com o
racismo, porque na maioria das vezes os povos de uma mesma matriz racial guerreavam entre
si, daí o perdedor se tornava cativo do vencedor.
No século XV houve o primeiro contato entre os conquistadores portugueses e
os africanos, período em que, ainda, não havia conflitos pela origem racial.
Nesta época os negros africanos fizeram acordos comerciais com os europeus,
inclusive para o comércio de escravos, que naquele momento era uma forma de aumentar o
número de trabalhadores numa sociedade e não uma questão racial.
O racismo ficou mais evidente e difundido após a colonização, devido à grande
miscigenação que começou a ocorrer no século XVI, conforme expõe Castro Barretto,
afirmando que:

Ao findar o século XVI não havia mais de três mil homens brancos em todo o
território do Brasil e eram portugueses, franceses, genoveses e itálicos em geral e
alguns flamengos e espanhóis. Foram esses europeus quase todos do sexo masculino
que na Bahia, em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte e em São Vicente,
miscigenando com as índias, formaram as primeiras populações brasileiras até 1.600
[...] 1.

Com a miscigenação das raças vem o preconceito, que pode ser detectado até
em correspondências oficiais, como nas do Conde Gobineau, que em visita ao Brasil escreveu
que “já não há uma família brasileira de que não tenha nas veias sangue negro ou indígena.”2
O Conde vai mais longe e traz a idéia de que aquele que não é de tez clara,
louro e de olhos azuis, como o Imperador, eram pessoas de péssimo caráter.
Pode-se comprovar, mais uma vez, o preconceito do Conde na mesma
correspondência, onde diz que, “salvo o Imperador não há mais ninguém neste deserto
povoado de malandros.” 3

1
BARRETTO, Castro. Povoamento e população. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951. p. 53.
2
O Conde de Gobineau no Brasil. São Paulo: Ed. Séc. da Cultura, 1976. p. 79-80.
3
Ibid., p. 79-80.
12

Já no século XIX, quando os europeus começaram a colonizar o “Continente


Negro” e as Américas, encontraram justificações para impor aos povos colonizados suas leis e
forma de viver.
Entre tantas justificações a mais errônea e abominável era a de que negros e
índios eram raças inferiores. Com tal justificativa passaram a discriminar as colônias
embasados na raça, dizendo assim, que preservariam os “direitos” dos colonos europeus.
Aos colonos que não seguissem tais leis ou forma de vida, aplicava-se o
genocídio, que exacerbava sentimentos racistas, tanto por parte dos vencedores, como dos
submetidos.
Nesse período ocorreram casos extremos do racismo, como por exemplo, o
confinamento de índios em reservas e a introdução de leis para instituir a discriminação, como
a Lei Jim Crow, nos Estados Unidos da América e do Apartheid na África do Sul.
Preconceitos repugnantes como estes não poderiam ser desassociados com
facilidade, por isso a população tem, ainda hoje, que conviver com situações de racismo
insustentáveis. Mas as leis anti-raciais têm o cunho de abolir o racismo e de punir quem
insiste em propagá-lo.
13

2 CONCEITO

Em um primeiro momento pode-se dizer que racismo é a convicção de que existe


uma relação entre as características físicas hereditárias, como a cor da pele, e determinados traços
de caráter e inteligência ou manifestações culturais.4
Para conceituar a palavra racismo se faz necessário o estudo de seu significado,
sendo:

Racismo [...] 1 conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre
as raças, entre as etnias. 2 doutrina ou sistema político fundado sobre o direito de
uma raça (considerada pura e superior) de dominar as outras. 3 preconceito
extremado contra indivíduos pertencentes a uma raça ou etnia diferente [...] 4 atitude
de hostilidade em relação a determinada categoria de pessoas.5

Abaixo, pode ser analisada a definição de racismo segundo dicionário jurídico


que assim define:

Racismo: doutrina que prega a superioridade de uma raça sobre as outras. No Brasil,
a prática do racismo é crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão.
Um dos princípios fundamentais do Brasil, nas relações internacionais, é o repúdio
ao terrorismo e ao racismo (CF. arts. 4º, XII e 5º, XLII; Lei n. 7.716/89 com as
modificações introduzidas pela Lei n. 9.459/97) [...]6

Analisando etimologicamente a palavra, pode-se afirmar que “racismo tem


junção de dois termos “raça” e “ismo”, sendo que raça é a palavra mãe.”7
Portanto, para entender o significado da palavra racismo, primeiro tem que ser
analisado o significado da palavra raça.
“Raça é o grupo de indivíduos que pertencem a um tronco comum e que
apresentam particularidades análogas entre os membros da mesma espécie.”8
A palavra raça vem do latim “ratio” e significa espécie. Assim o racismo não é
mais do que uma teoria que afirma a superioridade de determinadas raças sobre outras.

4
Disponível em: <http://www.coladaweb.com/sociologia/racismo.htm>. Acesso em: 5 nov. 2008.
5
HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2373.
6
GUIMARÃES, Deocliciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 576.
7
Disponível em: <http://www.notapositiva.com>. Acesso em: 9 set. 2008.
8
Disponível em: <http://grupodeapch1.blogs.sapo.pt/6157.html>. Acesso em: 9 set. 2008.
14

A conceituação da Unesco vem corroborar com tal afirmação, dizendo que


raças “são grupos que apresentam diferenças condicionadas pela hereditariedade, pelas quais
seus integrantes se distinguem de outros grupos da mesma espécie.”9
O dicionário Aurélio registra raça como “ascendência, origem, estirpe, casta,
descendência, progênie, geração.”10
No que diz respeito à raça e racismo o renomado professor doutor Kabengele
Munanga assim os define:

O racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão da


humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características
físicas hereditárias comuns, sendo estas últimas, suporte das características
psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores
desiguais. Visto deste ponto de vista, o racismo é uma crença na existência das raças
naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico
e o intelecto, o físico e o cultural. O racista cria a raça no sentido sociológico, ou
seja, a raça no imaginário do racista não é exclusivamente um grupo definido pelos
traços físicos. A raça na cabeça dele é um grupo social com traços culturais,
lingüísticos, religiosos etc. que ele considera naturalmente inferiores ao grupo a qual
ele pertence. De outro modo, o racismo é essa tendência que consiste em considerar
que as características intelectuais e morais de um dado grupo, são conseqüências
11
diretas de suas características físicas ou biológicas.”

Para o geneticista contemporâneo, Guido Barbujani,

[...] a palavra raça não identifica nenhuma realidade biológica reconhecível no DNA
de nossa espécie, e que, portanto não há nada de inevitável ou genético nas
identidades étnicas e culturais, tais como se conhece hoje em dia. Sobre isso, a
ciência tem idéias bem claras.12

Sobre a afirmação acima, o Supremo Tribunal Federal também já definiu suas


idéias, conforme pode ser visto no texto extraído do voto do Ministro Maurício Corrêa,
quando este julgou o famoso caso de Siegfried Ellwanger:

Como é sabido, em 26 de junho de 2000 foram divulgadas as primeiras conclusões


do programa, quando se soube que 97% do código genético do homem foram
decifrados. A descoberta abriu excelentes rumos para os mais variados campos da
ciência, com destaque especial para a medicina, máxime no que diz respeito ao
tratamento de certas doenças.
Por ele foi possível concluir que o homem possui cerca de 30 mil genes, e não os
100 mil então imaginados. A interação desses genes com o mundo é que deu e vem
dando forma a essência do desenvolvimento do ser humano.

9
SILVA JUNIOR, José. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 2645.
10
Ibid., p. 2645.
11
Disponível em: <http://74.125.45.132/search?q=cache:kcW3YMk7H0sJ:gladio.blogspot.com/2009/02/o-ciclo-
entrudo-quaresma.html+O+racismo+seria+teoricamente+uma+ideologia+essencialista&cd=2&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 10 jan. 2009.
12
Disponível em: <http//:www.wikipedia.com.br>. Acesso em: 10 set. 2009.
15

Embora haja muito ainda para ser desvendado, algumas conclusões são irrefutáveis,
e uma delas é a de que a genética baniu de vez o conceito tradicional de raça.
Negros, brancos e amarelos diferem tanto em si quanto dentro de suas próprias
etnias. Conforme afirmou o geneticista Craing Venter, „há diferenças biológicas
13
ínfimas entre nós. Essencialmente somos todos gêmeos‟.

Com base nas informações vistas até o presente momento, fica claro que a cor
da pele, do cabelo, dos olhos, ou formato do nariz, etc., em nada influência a capacidade dos
indivíduos e em nada torna um melhor ou pior que o outro.
Porém a sociedade ainda não conseguiu assimilar tais informações, ou mesmo
sabendo e tendo consciência disto, ainda não acolhe todos os cidadãos com igualdade.
O preconceito racial é algo que está implícito na sociedade desde o surgimento
da raça humana, portanto não é de um momento para outro que se conseguirá “limpar” a
sociedade de descabido preconceito, pois o racismo é uma das muitas formas de preconceito.
E assim sendo, se faz necessário elucidar o que é um preconceito. Definição
que merece ser acrescida a este trabalho é a que faz Edgard Blucher apud James M. Jones,
onde assim define preconceito:
“É o julgamento negativo e prévio dos membros de uma raça, uma religião ou
dos ocupantes de qualquer outro papel social significativo, e mantido através de fatos que o
contradizem.”14
Sua definição é brilhante, porém como não se pode conter com uma única
visão, faz parte do crescimento, ouvir e avaliar opiniões, e para tanto Aurélio diz que
preconceito é “suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos,
religiões, etc.”15
Não é preciso raciocinar para concluir que preconceito é simplesmente uma
forma de racismo, mas quem tem gabarito para tal afirmação é o doutrinador José Silva
Júnior, e define preconceito como “forma de expressão do racismo. Sua manifestação
comportamental é a discriminação.”16
José Silva Júnior vem abrir mais um precedente para o que seria racismo,
colocando-o como uma forma de discriminação, e é ele mesmo, que vem esclarecer o que é
discriminação. Cita oportuno conceito dado por organismos internacionais, para

13
VERAS, Ryanna Pala. O racismo à luz do STF. Boletim Científico: Escola Superior do Ministério Público da
União. Ano III. N. II. abri/jun. 2004. Brasília-DF.
14
BLUCHER, Edgard apud James M. Jones. Racismo e preconceito. São Paulo: Edusp, 1973. p. 54.
15
SILVA JUNIOR, José. Leis especiais penais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002, p. 2646.
16
Ibid., p. 2646.
16

discriminação, sendo: “Qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito
anular, ou destruir a igualdade de oportunidade e tratamento.” 17
Essa igualdade de oportunidade de tratamento, que o autor cita é o princípio
constitucional da igualdade, onde todos os cidadãos têm o direito de serem tratados
igualmente.
O princípio da igualdade é previsto no caput do artigo 5º da Constituição
Federal de 1988 e prevê:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade ao direito à
vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...]”18. (grifo nosso).
A igualdade há muito vem sendo buscada como bem destaca José Afonso da
Silva: “Porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque
realizar a igualização das condições desiguais.”19
Acontece que a população ainda não tem discernimento suficiente para
visualizar a igualdade que a Constituição Federal prima e não é capaz de aplicá-la para o dia-
a-dia de suas vidas. Isso faz com que cada dia surja mais leis com o cunho de igualizar os que
a população, erroneamente, taxa de desiguais.

17
SILVA JUNIOR, José. Leis especiais penais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002, p. 2646.
18
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008.
19
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1993. p.
195.
17

3 FORMAS DE RACISMO

Conforme descrimina o caput do artigo 1º da Lei n. 7.716/1989, o crime de


racismo se propaga de diversas formas, em alguns casos de uma forma mais difundida pela
sociedade, outras menos, mais nem por isso deixam de ser crime e de ferir o direito do outro.
Nos subcapítulos seguintes serão analisados, caso a caso, os tipos de racismo,
sejam eles decorrentes da raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

3.1 RACISMO DECORRENTE DA RAÇA E DA COR

O conceito de raça se perdeu com o tempo, não sendo mantido de uma única
forma até mesmo pelos movimentos anti-raciais organizados.
Assim, uma forma simplória de definir o preconceito decorrente da raça é
aquele que diferencia, de modo a inferiorizar, povos ou pessoas de raças diferentes num juízo
de valor de que um povo é melhor que o outro como, por exemplo, os negros.
Neste trabalho, atenta-se para a forma de preconceito decorrente da raça, na
forma mais difundida e, da qual é objeto de grande discussão e luta, principalmente por parte
de organizações não governamentais, que são de raça negra.
Nesse momento começa-se a mistura e confusão que muitos, até hoje, fazem ao
diferenciar raça e cor.
Raça, como definido anteriormente, são os indivíduos que pertencem a um
tronco comum.
Já a cor é a exteriorização do indivíduo, como brancos, pretos, amarelos,
vermelhos etc.
Hoje, infelizmente, a população, em sua maioria, se deixa levar por aparências,
condições sociais, financeiras e culturais, fatores determinantes, para que o Brasil ainda não
tenha alcançado a “libertação” racial.
18

Os conceitos preconcebidos é que tornam o Brasil um país preconceituoso e de


pessoas preconceituosas. Porém os brasileiros sentem dificuldades em assumir seu lado
racista.
Em uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo, “97% (noventa e
sete por cento) dos entrevistados afirmaram não ter preconceito, mas 98% (noventa e oito por
cento) disseram conhecer pessoas que manifestam de algum modo discriminação racial”. 20
A pesquisa vem mais uma vez reforçar afirmações anteriores, em que o Brasil
não assume seu lado preconceituoso e como tal não aplica as políticas sociais a risca e suas
leis não vigora com o rigor necessário. Tais atitudes levam o país para um descrédito cada dia
maior.
Muitos são os motivos que levaram brancos a pré-conceituar negros e a
discriminá-los, todos infundados, porém, não se pode ignorar como a maioria faz, e, portanto
cabe salientar que o principal foi a escravidão.
É impossível falar do preconceito contra a raça e contra a cor e não citar a
escravidão, e para tal é necessário voltar ao século XVI, pois é nesse momento que se inicia o
desregrado sistema da escravidão e consequentemente do preconceito contra os negros.
Os negros eram mercadorias e valiam de acordo com sua aparência e estrutura
física, sendo que os jovens e saudáveis chegavam a custar o dobro dos velhos, doentes ou
fracos.
A partir da escravidão criou-se o estigma de que o negro detém menos
capacidade que os brancos, simplesmente porque estes executavam trabalhos de força bruta e
não intelectual. E infelizmente esse raciocínio vem sendo carregado durante séculos.
Os negros não são menos capazes ou menos inteligentes e nem possuem menos
caráter que os brancos, o que ocorre é que a raça negra não teve as mesmas oportunidades que
a branca. Mas eles não desistiram, vêm lutando e se aceitando gradualmente, e hoje
alcançaram patamar de destaques, mas continuam ainda atrás dos brancos, como pode ser
visto na pesquisa21 realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), datada de
9 de setembro de 2008 e publicada pelo uol notícias, nesta mesma data.
Pode se conferir nos gráficos, abaixo, que a população negra do Brasil obteve
melhora entre os anos de 1996 e 2006, porém ainda tem uma condição de vida inferior se
comparada a dos brancos.

20
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. 1. ed. São Paulo: Publifolha, 2001.
21
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/09/09/ult5772u769.jhtm> . Acesso em: 12 dez.
2008.
19
20

Os índices demonstrados, acima, são reflexos de uma política mal organizada e


desestruturada, e mostra que os negros são guerreiros brasileiros, pois diante de tantos
empecilhos vêm lutando bravamente, para alcançar seu lugar, mais que merecido, na
sociedade.
O preconceito decorrente da raça, ou simplesmente contra determinados povos,
não atingiu somente o Brasil, países como os Estados Unidos da América chegaram ao
extremo contra negros, judeus e latinos. Uma mostra se dá pelo fato dos americanos
separarem bebedouros e até escadas para que de um lado estivessem somente brancos e de
outros os negros.
Até o ano de 1965, em um passado muito próximo, ainda se encontrava em
vigor nos Estados Unidos da América uma lei denominada de Jim Crow, que negavam a todos
os cidadãos não-brancos uma série de direitos, sem contar ainda, que muitos negros eram
linchados ou expulsos do país.
Outra forma de preconceito, existente nessa mesma época, nos Estados Unidos
da América eram as organizações que defendiam “supremacia branca”, uma dessas
organizações era a Ku Klux Klan que lutava por tal supremacia e dizia defender a liberdade
de expressão. Esse grupo usava de violência física contra os negros e contra os que se
opunham à organização e ocasionavam verdadeiros massacres e desordem na sociedade.
21

Tais movimentos fizeram com que os negros americanos se rebelassem e


também criassem movimentos racistas, a fim de se defenderem, como foi o caso do Black
Power.
A Alemanha era outro país de extremos, não aceitavam os judeus. Apesar de
sua população ser muito miscigenada, criou uma determinada aversão aos estrangeiros e a
tudo que fossem destes, ocorrendo a xenofobia.
Junto com a publicação do livro de Alfred Rosenberg, “O Mito do Século XX,”
de 1930, que reforçava a teoria da superioridade da raça ariana, surgiu a identificação dos
alemães com tal teoria, e estes começaram a “pregar” a eugenia, afirmando com convicção
que a única raça que deveria existir era a ariana, pois esta era a única raça pura.
O preconceito dos alemães contra os judeus chegou a tal ponto, que muitos
estabelecimentos comerciais chegaram a colocar placas nas portas dizendo para que a
população não comprasse de judeus.
Um exemplo vergonhoso de racismo ocorreu na África do Sul, a partir do ano
de 1948, quando a Apartheid obrigou os africanos a ficarem sob domínio de um povo de
origem européia.
Nessa época era muito comum encontrar cartazes com dizeres de permitido
somente para brancos.
O regime da Apartheid só acabou em abril de 1994, quando por pressão
mundial aconteceram as primeiras eleições ocorrendo a transição para um governo
multirracial. Mas até chegar a esse governo, milhares de pessoas morreram ou tiveram que
deixar o país para não morrer.
Como se pode analisar, com base em alguns exemplos da história mundial, o
racismo não é utópico, ele é real, ele existe, hoje de uma forma mais camuflada, mas deixou e
continua deixando suas marcas na sociedade.
No Brasil já existiu muitos movimentos negros organizados, um que merece
destaque é o trabalho realizado pelo Movimento Negro Unificado (MNU), que surgiu na
década de 70 e lutou contra a democratização da raça e pela recuperação do sentido da palavra
raça propriamente dita.
O movimento não aceitava as diversas conceituações que se dava para a raça
negra, tal qual a dada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que dividiam,
em suas pesquisas, a raça em “pardos” e “pretos”, o MNU veio dividir as raças somente em
duas, brancos e negros.
22

Mesmo com o grande esforço desses movimentos o preconceito decorrente da


raça e da cor da pele, ainda não acabou, e nem se sabe ao certo se irá acabar ou quando irá
acabar.
O Governo ao invés de tomar medidas contra o racismo, colabora com ele,
implantando leis que mesmo de cunho anti-racial, colaboram para a discriminação e
desvalorização dos negros no país.
Acredita-se, que o Brasil muito já avançou em termos de conscientização, tanto
em sentido populacional quanto referente ao Estado, mas muito ainda se tem que caminhar, já
que o Brasil é o segundo país que tem mais negros em sua população, perdendo somente para
a África.
Tem-se que apregoar uma política mais severa e propagá-la, através dos meios
de comunicação, assim como as sanções impostas por ela, pois já que se tem leis anti-raciais,
estas têm que ser usadas e difundidas de uma forma benéfica e com a finalidade de
conscientizar a igualdade.

3.2 RACISMO CONTRA A NACIONALIDADE

O racismo contra a nacionalidade é aquele que ocorre com os estrangeiros, ao


buscarem novas oportunidades de emprego em outros países ou mesmo ao realizarem uma
viagem cultural, não sendo bem recebidos e muitas vezes passando por situações
constrangedoras em determinados países.
Para melhor análise do preconceito decorrente da procedência nacional se faz
necessário um estudo abrangente e a obra de José Silva Júnior traz oportuno conhecimento,
esclarecendo:

Procedência nacional – lugar de onde se procede, lugar de origem. Nacional é o


indivíduo que pertence à nação. Nação e povo têm sido empregados como
sinônimos. Merece distinção: Nação é um elemento mais sociológico-cultural do que
propriamente jurídico. O que a caracteriza é a consciência de coexistência, como
valor histórico-cultural. Ainda mostra-se útil a conceituação clássica de Mancini:
”Sociedade natural de homens com unidade de território, de costumes e de línguas,
afeitos a uma vida em comum e com uma consciência social”. Sobreleva o último
22
elemento (componente psicológico – e.g. solidariedade, sentimento de lealdade).

22
SILVA JÚNIOR, José. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002. p. 2649.
23

O preconceito contra a nacionalidade não é muito comum ocorrer no Brasil, até


porque o Brasil é reconhecido como um país hospitaleiro e de uma população hospitaleira.
Seria gratificante ser assim reconhecido, se não fosse a realidade de que o brasileiro receba
melhor os estrangeiros à seus compatriotas, simplesmente pela exteriorização miscigenada.

3.3 RACISMO CONTRA A RELIGIÃO

Segundo Guilherme de Souza Nucci religião “é a crença em uma existência


sobrenatural ou em uma força divina, que rege o Universo e as relações humanas em geral,
embora de um ponto de vista metafísico, com manifestações através de rituais ou cultos. Ex.:
religião católica”23.
O que ocorre é que determinadas religiões ou fiéis destas religiões não
convivem em harmonia com as demais existentes. Em decorrência disso surgem insultos,
ofensas e devido a isto, um ato que deveria ser de paz e harmonia vira uma guerra sem fim.
Atualmente, o que mais tem ocorrido é uma religião menosprezar a outra e
propagar que somente determinados ensinamentos são verdadeiros, enquanto que os das
outras religiões são invenções, criações e usam até mesmo o nome de Deus para afirmar uma
determinada „supremacia‟ entre uma religião e outra.

23
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 274.
24

4 O RACISMO COMO CONTRAVENÇÃO PENAL E COMO CRIME

A Lei n. 1.390 de 3 de Julho de 1951 foi que criminalizou o racismo e o incluiu


entre as contravenções penais, passando a punir toda forma de preconceito resultante de raça
ou cor.
A referida lei ficou conhecida como lei Afonso Arinos, isto, porque Afonso
Arinos de Melo Franco, então deputado, foi um dos autores do projeto apresentado a Câmara
Federal.
Abaixo podem ser analisados os argumentos apresentados em 17 de julho de
1950, pelo deputado mineiro para que o Projeto de Lei fosse aprovado.

[...] 4 – Urge, porém, que o Poder Legislativo adote medidas convenientes para que
as conclusões científicas tenham adequada aplicação na política do Govêrno. As
disposições da Constituição Federal e os preceitos dos acordos internacionais de que
participamos, referente ao assunto, ficarão com simples declarações platônicas se a
lei ordinária não lhe vier dar fôrças de regra obrigatória de direito. 5 – Por mais que
se proclame a inexistência, entre nós, do preconceito de raça, a verdade é que êle
existe, e com perigosa tendência a se ampliar [...] é sabido que certas carreiras civis,
como o corpo diplomático, estão fechadas aos negros; a Marinha e a Aeronáutica
criam injustificáveis dificuldades ao ingresso de negros nos corpos oficiais e que
outras restrições existem, em vários setores da administração. 6 – Quando o Estado,
por seus agentes, oferece tal exemplo de odiosa discriminação, vedada pela Lei
Magna, não é de se admirar que estabelecimentos comercias proíbam a entrada de
negros nos seus recintos. [...] 9 – [...] Nada justifica, pois, que continuemos
disfarçadamente a fechar os olhos à prática de atos injustos de discriminação racial
que a ciência condena, a justiça repele, a Constituição proíbe, e que podem produzir
monstruosidade como os „pogrooms‟ hitleristas ou a situações insolúveis como a
24
grande massa negra norte-america”

O relator desse Projeto de Lei foi o deputado Plínio Barreto que se manifestou
favoravelmente a aprovação da Lei em 16 de agosto de 1950, conforme pode se ver abaixo:

A legislação brasileira não admite desigualdade entre os habitantes do país, por


motivos de raça ou de côr. Pretos ou brancos, todos possuem direitos idênticos aos
cargos públicos. Aos postos de representação ou aos postos de govêrno é possível ter
acesso qualquer brasileiro de côr. Entretanto na realidade, existem, ainda, em certas
camadas sociais, preconceitos contra os negros e, mesmo, contra os mulatos. Si está
franqueado a todos os acessos às funções públicas, nem a todos se acha franqueado o
acesso a certos círculos sociais. O negro ainda é, para muita gente, um ser inferior.
Indigno de se acotovelar com o branco e de lhe disputar, na sociedade, a
25
consideração de seus semelhantes” .

24
DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 24 de agosto de 1950, p. 5.740.
25
DIARIO DO CONGRESSO NACIONA, 17 de novembro de 1950. p. 8.158.
25

Desta forma a lei foi aprovada e incluiu como contravenção penal, a prática de
racismo decorrente da raça e da cor, punindo o estabelecimento comercial ou de ensino que se
recusasse a servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou
de cor.
A lei previa ainda, que o hotel, pensão, estalagem ou estabelecimento da
mesma finalidade que se recusasse a hospedar alguém por preconceito de raça ou de cor,
deveriam ser punidos com prisão simples, de três meses a um ano e multa.
Previa também, que aquele que se recusasse a vender mercadorias ou atender
clientes em restaurantes, bares, confeitarias e locais semelhantes, abertos ao público, onde
servissem alimentos, bebidas e guloseimas por preconceito de raça ou de cor seriam punidas
com prisão simples de quinze dias a três meses ou multa.
A pequena lei punia com a mesma pena, àquele que recusasse a entrada em
estabelecimento público, de diversões ou esportes, bem como em salões de barbearias ou
cabeleireiros por preconceito de raça ou de cor.
A Lei n. 1.390/51 punia em seu artigo 5º, aquele que se recusasse a realizar
inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, por preconceito
de raça ou de cor. Ocorrendo a contravenção, a pena seria de três meses a um ano ou multa.
Estipulava ainda, em seu parágrafo único, a perda do cargo, para o agente que se recusasse, se
o estabelecimento de ensino fosse estabelecimento oficial.
A lei punia com a perda do cargo, após inquérito regular para apuração dos
fatos, aquele que proibir o acesso de alguém a qualquer cargo do funcionalismo público ou ao
serviço regular em qualquer ramo das forças armadas, por preconceito de raça ou cor.
Por fim, punia aquele que negava emprego ou trabalho a alguém em autarquia,
sociedade de economia mista, empresa concessionária de serviço público ou empresa privada,
por preconceito de raça ou de cor, com prisão simples de três meses a um ano e multa, no caso
de empresa privada. Já para as autarquias, sociedade de economia mista e empresa
concessionária de serviço público, a pena era a perda do cargo daquele que manifestasse a
recusa.
Como se pode analisar, a pena aplicada com maior rigor era a de prisão simples
por três meses a um ano cominada com a pena de multa.
Isso basta para concluir que a lei não era rígida, que possuía grandes
deficiências e, portanto sua aplicação não era eficaz e tinha caráter duvidoso, como salienta
26

Leon Fredja Szkrowsky ao dizer que a lei era ‟de duvidosa aplicação e de efeitos meramente
simbólicos‟.26
Tendo em vista todos esses fatores, os legisladores sentiram a necessidade de
completar a Lei Afonso Arinos, a fim de sanar suas falhas e para inserirem outras formas de
preconceito. Assim surgiu a Lei n. 7.437 de 20 de outubro de 1985, dando nova redação a Lei
1.390/51 e englobando ao preconceito de raça e de cor o preconceito concernente ao sexo e ao
estado civil.
Podem-se citar como principais modificações o fato das sanções previstas
serem em todas as tipificações, cumulativamente, privativas de liberdade e multa e a outra
pelo fato de terem sido retiradas algumas coisas por serem redundantes, como por exemplo, a
exclusão de salões de cabeleireiros ou barbearias.

4.1 O RACISMO NOS TEXTOS CONSTITUCIONAIS

Faz-se necessário avaliar os textos das constituições que já existiram no Brasil,


porque desta forma fica mais fácil à análise de quão antiga é a luta pela igualdade racial. E
desta forma, ter ciência e consciência da forma de pensar dos legisladores anteriores até
chegar-se ao ponto de vista atual.
Muitas foram as Constituições promulgadas pelo Brasil, sendo que a primeira
foi em 25 de março de 1824 pelo Imperador Dom Pedro I. Salienta-se que esta foi uma das
mais longas constituições já existentes.
Sua sucessora foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Cabe informar que
nesta época não mais havia a escravidão, conforme dizia o texto da Lei n. 3.353 que foi
assinado pela Princesa Imperial Regente em 13 de maio de 1888, que ficou também conhecida
como Lei Áurea.
Depois de algumas décadas se tem promulgada uma nova Constituição,
especificamente em 16 de julho de 1934 e assim sucessivamente os legisladores vão
incorporando novas leis e criando Constituições que por muitas vezes tem o único cunho de
beneficiar a camada mais alta da sociedade brasileira e assim promulga-se em um período de
tempo, muito curto, 10 de novembro 1937, mais uma Constituição brasileira.

26
SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Crimes de racismo. RT 743/467, set-1997.
27

O Brasil não para por aí, entrando em vigor em 18 de setembro de 1946, sua
mais nova Constituição. Esta fica em vigor no país por nove anos, sendo que em 24 de janeiro
de 1967 uma nova Constituição é criada, sendo passada por sua primeira emenda em 17 de
outubro1969.
Após o país passar por estas seis Constituições e respectiva emenda, em 5 de
outubro de 1988, o país conhece, a sua Primeira Constituição Democrática, já que as
anteriores eram viciadas pelo Império e a Ditadura.
É com base nessas várias Constituições existentes que serão realizadas análise
abaixo, para que fique claro o quão antigo é um problema que se vive nos dias atuais.

4.1.1 Constituição Federal de 1824

A Constituição Política do Império do Brasil data de 25 de março de 1824, e


como falado anteriormente, esta foi a primeira Constituição brasileira outorgada pelo
Imperador D. Pedro I e também a mais duradoura, porém em uma época em que a escravidão
era latente e que o preconceito contra o negro era algo comum perante a sociedade, já que
nesta época somente os brancos eram considerados como capazes para exercer atividades
intelectuais, visto que, os negros, taxados de ignorantes e designados somente como servos de
atividades em que exigia a força física não tinham valor algum. Assim, não é de se espantar
que esta Constituição em nada abrangeu sobre os direitos dos negros da época.
Desta forma, fica claro que os legisladores da época em nada se importaram
com os direitos dos negros e então essa Constituição em nada mencionara sobre a escravidão
e os negros.
Segundo Joaquim Nabuco os legisladores não mencionaram nada sobre a
escravidão porque “entenderam não dever nodoar o foral da emancipação política do país,
aludindo a existência da escravidão, no presente.”27
Na realidade, nessa época tanto os legisladores, quanto a própria população
com maior poder aquisitivo, não tinham o menor interesse no reconhecimento do negro e sua
igualdade, pois reconhecendo e propagando a igualdade os poderosos teriam prejuízos. Os
negros passariam a reclamar os direitos lhes outorgado pela Magna Carta.

27
NABUCO, Joaquim. O abolicionista. São Paulo: Publifolha, 2000. Grandes nomes do pensamento brasileiro
da Folha de São Paulo.
28

4.1.2 Constituição de 1891

Foi promulgada a nova Constituição em 24 de fevereiro de 1891, nesta época


não mais havia escravidão, pois havia sido abolida em 13 de maio de 1888 com a assinatura
da Lei Áurea.
Este seria o momento ideal e correto para que os legisladores abordassem a
condição e os direitos dos negros, porém, mais uma vez, isso não ocorreu.
Os legisladores preferiram silenciarem-se diante da abolição da escravatura e
dos direitos inerentes aos que os negros deveriam ter como direito por serem seres humanos e
cidadãos de uma pátria. Ignoraram de tal forma, como se a escravidão nunca tivera existido
nesse país.
A única abordagem que a Constituição de 1891 fez, e que necessita de uma
forçada interpretação para incluir os negros em tal dispositivo é o que consta no § 2º do artigo
72, onde diz na primeira parte “todos são iguaes perante a lei”. 28
Não é surpreendente que a Constituição de 1891 nada menciona com
especificidade sobre os negros ou a abolição, pois Rui Barbosa quando Ministro da Fazenda,
expediu circular onde autorizava a destruição dos arquivos referentes à escravidão.
Sabe o que isso parece? Que o Brasil quis abolir literalmente a escravidão do
país, passando uma borracha em tudo o que a lembrava, querendo „fazer de conta‟ que a
escravidão nunca havia existido.
A pior forma de discriminar algo ou alguém é justamente fazendo de conta que
nunca nada existiu, portanto, concluiu-se que a questão do preconceito racial é um „câncer‟
antigo na sociedade e que não é de hoje que se mantém camuflado, mas sim por uma vida
inteira.

4.1.3 Constituição Federal de 1934

A abrangência da raça veio ser abordada somente em 1934, quando em 16 de


julho deste ano, foi promulgada a nova Constituição Federal.

28
Constituição Federal de 1891.
29

O dispositivo legal veio exposto no artigo 113 e dispunha: “Todos são iguaes
perante a lei: Não haverá privilégios, nem distincções, por motivo de nascimento, sexo, raça,
profissões próprias ou dos paes, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias
políticas.”29
O emprego do termo raça no dispositivo legal foi uma grande conquista para os
negros deste país, onde puderam se sentir respeitados e reconhecidos diante de uma sociedade
que por muito tempo os deixaram de lado e que nunca, até então, tinham de uma forma
explícita, seus direitos tratados através de uma Carta Magna.
Este foi também um avanço para o país que passou a respeitar o povo pelo que
são e não pelo que possuem. Pelo menos isso ocorria no papel e era a única forma tanto dos
negros quanto de todos os que por serem pobres ou analfabetos, que para a época era muito
comum, se sentirem menos agredidos por uma sociedade extremamente capitalista e
preconceituosa.

4.1.4 Constituição Federal de 1937

Usando o chavão de que „tudo que é bom dura pouco‟ é que se inicia mais um
capítulo do preconceito neste país.
A Constituição de 1934 que durou apenas 2 (dois) anos e foi a primeira a
igualar o negro aos demais povos da época, reconhecendo seus direitos e levando respeito e
dignidade para estes, foi revogada, pela Constituição de 1937, de 10 de novembro do mesmo
ano.
A Constituição de 37, em nada inovou. Pelo contrário, retroagiu.
Especialmente no que diz respeito aos direitos dos negros. Esta Constituição abordou um
simplório “todos são iguais perante a lei”, ignorando o marco estabelecido pela Constituição
de 1934. E mais uma vez ficou atrás de outros países que vinham combatendo ferrenhamente
o preconceito racial.
Com a promulgação desta Constituição o país frustrou, mais uma vez os
avanços e as expectativas do combate ao preconceito racial e ignorou os direitos da maioria da
população vigente na época.

29
Constituição Federal de 1934.
30

4.1.5 Constituição Federal de 1946

A mesma falta de consideração e respeito com os negros esteve presente


também na Constituição de 1946, porém com uma exceção, a contida no §5º do artigo 141,
onde dizia: “Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para
subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe.”
Fazendo uma interpretação deste dispositivo fica claro que a Constituição de
1946 não admitia o preconceito racial por parte da imprensa, ou seja, jornais, revistas,
periódicos, ou mesmo a imprensa falada como o rádio.
A interpretação deste dispositivo deixa dúvidas, pois se a Carta Magna só
proibia a discriminação feita através dos meios de comunicação ou a propaganda como o
próprio texto constitucional se refere, isso deixava margem para os demais cidadãos.
O texto elaborado pelos legisladores de 1946 foi infeliz, pois só pune o
preconceito se partir de meio certo e determinado, ignorando as outras formas de preconceito,
até a mais usual, aquela que ocorre no dia-a-dia de cidadão para cidadão.
Esse dispositivo legal pode ter sido fator determinante para o aumento da
discriminação racial no país, pois os cidadãos não eram punidos ao cometerem tão asqueroso
ato contra seu semelhante.
Porém, é sob o texto Constitucional de 1946 que surge a primeira lei específica
para punir o racismo, a Lei n. 1.390/1951, a também conhecida Lei Afonso Arinos, que
passou a incluir o racismo entre as contravenções penais.
Esta Lei foi uma grande conquista por parte dos negros e marcou um início
mesmo que tímido, de uma forma específica do combate à discriminação racial.
A Lei Afonso Arinos foi muito criticada, por dois fatores, sendo primeiro por
trazer em seu tipo legal situações casuístas e segundo, por suas penas não serem tão rigorosas.
Mesmo com tais fatores a Lei não deixou de ser um marco, até então, por ser a única lei que
tratava especificamente do preconceito racial.
31

4.1.6 Constituição Federal de1967

O preconceito racial só foi abordado com rigor, com a promulgação da


Constituição Federal de 1967, onde o artigo 150, §§1º e 8º, repreendia de uma forma
explícita, a repugnância contra o preconceito racial, dispondo da seguinte forma
respectivamente o § 1º e o §8º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça,
trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei”.
“É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a
prestação de informação sem sujeição a censura, salvo quanto a espetáculos de diversões
públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o
direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independente de licença da
autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de
preconceitos de raça ou de classe”.

4.1.7 Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 e que se encontra em vigor até os dias atuais, é


a que traz maior rigorismo ao combate do preconceito racial.
Vários artigos desta Constituição têm o cunho de proteger os cidadãos,
tratando-os com igualdade e acima de tudo combatendo o preconceito racial, independente de
qual tipo de racismo seja.
Logo abaixo, poder-se-á analisar todos os artigos constitucionais que punem e
visam diminuir a prática do caso em tela.
O inciso IV do artigo 3º diz que os objetivos fundamentais do país são de
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
O dispositivo acima citado deixa claro o repúdio a qualquer tipo de
preconceito.
O artigo 4º vem a corroborar tal repúdio em seu inciso VIII afirmando que nas
relações internacionais os princípios regedores do país repudiam a prática de terrorismo e
racismo.
32

Por fim, cabe salientar uma das maiores conquistas Constitucionais que vem
através do artigo 5º dizer “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”:
Nestes termos, o inciso XLII diz: “a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da lei”.

4.1.7.1 O racismo como crime imprescritível

Para se ter o conhecimento do que é um crime imprescritível, primeiro tem-se


que saber o que é a prescrição.
Conceito oportuno de prescrição vem do saber do grande jurista Damásio
Evangelista de Jesus, onde define prescrição como:

A palavra “prescrição”, no sentido comum, significa preceito, ordem expressa; no


sentido jurídico, significa perda de um direito em face de seu não exercício dentro de
certo prazo. Prescrição penal, num conceito preliminar, é a extinção do direito de
punir do Estado pelo decurso do tempo. Preferimos dizer que a prescrição penal é a
perda da pretensão punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o
30
seu exercício.

Com esta explicação fica fácil chegar a um conceito para o que é


imprescritível, sendo imprescritível tudo o que o decurso do tempo não faz cessar.
O crime tratado neste trabalho é o exemplo mais citado por inúmeras doutrinas
em voga no país, pois o crime de racismo uma vez praticado não há prescrição que o faça ser
extinto.
O Estado, eternamente, terá o poder-dever de punir o indivíduo que praticou o
crime de preconceito racial, seja em quaisquer das tipificações legais elencadas na Lei n.
7.716/89.

30
JESUS, Damásio E. de, Direito penal: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 717 v. 1.
33

4.1.7.2 O Racismo como crime inafiançável

Tal qual citado no caso acima, primeiramente tem-se que conhecer o conceito
de fiança, para se tratar o contrário. Segundo Magalhães Noronha

[...] fiança vem a ser, assim, um direito do acusado, que lhe permite, mediante
caução e cumprimento de certas obrigações, conservar sua liberdade até a sentença
condenatória irrecorrível. É a fiança substituto da custodia do acusado. Dos textos de
nosso código verifica-se que ela se destina também a assegurar a presença daquele
no processo e o pagamento de custas do dano e da pena de multa.31

Com o oportuno conceito de Magalhães Noronha, fica claro o que é um crime


inafiançável, podendo ser definido como o crime que o réu não tem o direito de pagar caução,
valor em dinheiro, pedras preciosas, títulos da dívida pública entre outros, para responder o
processo em liberdade.
Quem comete o crime de racismo fica preso até o julgamento e cumpre a pena
integralmente preso, não usufruindo de nenhum benefício legal.
Uma visão sobre o fato do crime de racismo ser tanto imprescritível quanto
inafiançável é a da renomada Professora Célia Maria Ramos Tejo que vem posicionar-se da
seguinte forma:

Criticamos o legislador ao criar o crime de racismo, e repetimos para dar ênfase, sua
radicalização equivocada, o gravoso atributo de delito inafiançável e imprescritível,
o que o torna crime com caráter de excepcionalidade. Nada justifica tal postura. É
como se fosse uma lei identificada com a ideologia de um Direito Penal de Talião,
permanente retributivo.32

A visão da Professora por um ponto não está totalmente equivocada, pois se a


Carta Magna diz que todos são iguais perante a lei não haveria razão para se ter uma lei
específica para punir o racismo.
Se comparado o racismo a outros crimes de igual potencial ofensivo ou ainda
maior, nos casos, por exemplo, de homicídio, onde se retira o bem maior tutelado pela Carta
Magna e que é passível de prescrição, porque ser o racismo imprescritível?
O racismo infelizmente não possui barreiras, chegando muitas vezes em locais
que seriam inadmissíveis esta prática como o esporte. O jogador Grafite, jogador do São
Paulo à época, em uma partida pela Copa Libertadores da América, foi comparado a um

31
MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Curso de direito processual penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1979.
32
TEJO, Célia Maria Ramos. Dos crimes de preconceito de raça ou de cor. São Paulo: Eduep, 1998. p. 32.
34

macaco pelo jogador Leandro Desábato, do Quilmes da Argentina, mas lamentavelmente o


crime que deveria ter levado o jogador à prisão, e lá deixado até o julgamento por ser um
crime inafiançável, simplesmente foi desclassificado para injúria qualificada.
A própria sociedade cria a cada dia uma nova forma de preconceito, uma forma
de humilhar e ridicularizar tudo o que é diferente ao seu círculo.
Quando o legislador criou a Constituição Federal em 1988 e deu ao crime de
racismo a condição de imprescritível e inafiançável a intenção era de frear os “achismos” e
diminuir a incidência desse crime que realmente não devia existir, mas não devia existir pelo
simples fato de que todos são iguais, mas não basta a lei determinar, é preciso a sociedade
assim aceitar e viver essa igualdade.
Quem sofre um preconceito nunca esquece, mas quem pratica o crime de
preconceito e é punido por tal, também nunca esquece. Por hora essa é a única forma de impor
à sociedade a realidade de que todos são iguais.
35

5 O RACISMO CRIMINALIZADO PELA LEI N. 7.716/89

Artigo 1º: Serão punidos, na forma da Lei, os crimes resultantes de


discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou precedência nacional.
Objeto Jurídico: É o respeito à dignidade e personalidade da pessoa. Segundo
o ensinamento da renomada Professora Célia Maria Ramos Tejo “O bem jurídico tutelado no
crime de racismo é a pretensão ao respeito inerente à personalidade humana, a própria
dignidade da pessoa, considerada não só individualmente, como coletivamente”. 33
Elemento Subjetivo: O elemento subjetivo é o dolo, isto é, a vontade
consciente e livre de praticar as condutas incriminadoras no texto. Cabe salientar que o dolo é
exigível em todas as figuras tipificas elencadas no caput deste artigo.
Não cabe a modalidade culposa.
Classificação: Crime de natureza formal. Conforme entendimento de Manoel
Pedro Pimentel “O resultado que a lei considera relevante para a perfeição da figura delituosa
já se completa com a própria conduta”. 34
Cabe salientar que todos os regimes de pena previstos na Lei n. 7.716/89, são
de reclusão, ou seja, o criminoso pode cumprir pena no regime fechado, semi-aberto e aberto,
porém no caso em tela, o mais comum é que o criminoso cumpra as penas no regime semi-
aberto e aberto, porque a pena máxima em abstrato, para o crime de racismo, é de 5 (cinco)
anos.

Artigo 2º: Vetado

Artigo 3º: Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a


qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de
serviços públicos:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

33
TEJO, Célia Maria Ramos. Dos crimes de preconceito de raça ou de cor. São Paulo: Eduep, 1998. p. 23.
34
PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes de mera conduta. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. p. 60.
36

Sujeito Ativo: Qualquer pessoa que tenha poder para obstar esse acesso,
podendo ser o funcionário público, servidor ou empregado, o examinador de uma banca ou o
responsável pela contratação.
Sujeito Passivo: Em caráter imediato o Estado (sociedade organizada), que
tutela o bem jurídico: respeito à personalidade da pessoa (artigo 1º, III, CF).
Em caráter mediato, qualquer pessoa, habilitada para ocupar o cargo.
Objeto Jurídico: O Direito Igualitário de qualquer pessoa ter acesso a
qualquer cargo público.
Nesse sentido Paulo José da Costa Júnior traz exemplo do preconceito e
informa que “a administração atingia, em tempos idos, a Congregação da Faculdade de
Direito da USP, que reprovava candidatos que não fossem de boa cepa, nos concursos que
realizava.” 35
Objeto Material: A conduta se expressa pelos verbos impedir e obstar, que
querem dizer não permitir, impossibilitar ou servir de obstáculo.
Cabe aqui, ainda, diferenciar administração direta e indireta, onde a primeira é
exercida por órgãos do Estado. E a segunda por autarquias e fundações. Têm ainda, as
concessionárias de serviços públicos, empresas particulares, que mediante delegação
contratual, executam serviços públicos ou de utilidade pública.
No entender de Valdir Szmick esse artigo é totalmente dispensável, pois afirma
que:

[...] essa discriminação no Poder Público, se ocorrer, é muito rara. Nos empregos
públicos é onde encontramos os mais humildes contínuos, chefes de seção e até
diretores de raça negra. No clero, há bispos negros, nas Forças Armadas,
especificamente a Força Área, existem oficiais superiores de raça negra (nissei e
outras). Não há discriminação.36

Elemento Subjetivo: É o dolo. A tentativa dependerá do modo de


exteriorização, pois se exaurida em ato unissubsistente é impossível, já se em atos
plurissubsistentes poderá ser reconhecida.
Em crimes formais a doutrina não exclui a possibilidade do “conatus”.

35
COSTA JUNIOR, Paulo José da. Direito penal na constituição. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
p. 226.
36
SZNICK, Valdir. Novo crime sobre preconceito: raça e cor, novos crimes e novas penas no Direito Penal. São
Paulo: Leund, 1992. p. 136.
37

Artigo 4º: Negar ou obstar emprego em empresa privada:


Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Sujeito Ativo: Quaisquer pessoas com poderes, empregador ou preposto,
podem realizar a conduta tipificada no caput.
Sujeito Passivo: Primeiramente o Estado, que tutela o bem jurídico, respeito à
personalidade humana. E, secundariamente, qualquer pessoa candidata a vaga de emprego.
Objeto Jurídico: Visa a proteção às pessoas e ao princípio da igualdade, onde
todas têm o direito de concorrer a uma vaga de emprego oferecida, também por empresas
privadas.
Objeto Material: Caracteriza-se pelos verbos negar e obstar.
O primeiro significa não reconhecer, proibir, vedar. Já o segundo significa
obstruir, opor-se, embaraçar, estorvar etc.
Aqui o que tem que ser esclarecido é o conceito de empresa, que ainda, há
controvérsias.
Sendo que empresa é “toda organização de natureza civil ou mercantil
destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de qualquer atividade com fins
lucrativos.”37
Já no que diz respeito à empresa privada, define-se, portanto, como a que se
restringe ao direito privado (civil e comercial).
Já o Professor Antonio Chaves advertia que

[...] onde surgir o exercício individual ou coletivo, de uma atividade, com caráter
profissional, que não seja de natureza literária, cientifica ou artística, numa
coordenação de trabalho e de recursos com finalidade produtiva, aí está
caracterizada a empresa.38

Elemento Subjetivo: É o dolo, ou seja, a vontade consciente de praticar a


conduta delituosa do caput. Não se admite a tentativa, exceto no caso do verbo obstar, pois se
possibilitar o fracionamento ocorrerá à tentativa.

37
Disponível em:
<http://74.125.47.132/search?q=cache:nLGbagHRwOUJ:www.nagib.net/artigos_texto.asp%3Ftipo%3D5%26are
a%3D1%26id%3D79+empresa+%C3%A9+%E2%80%9Ctoda+organiza%C3%A7%C3%A3o+de+natureza+civ
il+ou+mercantil+destinada+%C3%A0+explora%C3%A7%C3%A3o+por+pessoa+f%C3%ADsica+ou+jur%C3
%ADdica+de+qualquer+atividade+com+fins+lucrativos.%E2%80%9D&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>.
Acesso em: 20 out. 2008.
38
SILVA JÚNIOR, José. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002. p. 2649.
38

Artigo 5º: Recusar ou impedir o acesso a estabelecimento comercial, negando-


se a servir, atender ou receber cliente ou comprador:
Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa, que seja patrão ou preposto, lojista e também
o empregado que detenha poderes de decisão.
Sujeito Passivo: Primeiramente o Estado, que tutela o bem jurídico: respeito à
personalidade humana e posteriormente a pessoa que se encontra na condição de cliente ou
comprador.
Objeto Jurídico: É o respeito devido à personalidade e a dignidade da pessoa.
Objeto Material: O verbo acessar trazido no caput significa ingresso, entrada.
O recusar significa não aceitar, não permitir, não admitir, não conceder. Já o impedir quer
dizer não permitir, impossibilitar a execução ou o prosseguimento, servir de obstáculo.
Servir vem a ser, prestar serviço, favorecer, ser útil. O atender vem a ser prestar
ou dar atenção. Por fim o receber quer dizer aceitar, acolher, agasalhar, considerar.
Acesso: em outras acepções é passagem, trânsito, alcance.
Cliente: entende-se como freguês e como comprador, aquele que compra ou
que pretende fazê-lo.
Cabe elucidar que estabelecimento é o local onde se realizam operações
relacionadas a prática de atos de comércio, servindo uma clientela com intuito de obter lucro.
Elemento Subjetivo: É o dolo, a vontade consciente de praticar o delito. Não
se admite a tentativa se a conduta for exaurida em um único ato, unissubsistente, já se cindir-
se em um ou mais atos, plurissubsistente, poderá ser reconhecida a tentativa.

Artigo 6º: Recusar, negar, ou impedir, a inscrição ou ingresso de aluno em


estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau:
Pena - reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.
Parágrafo único: Se o crime for praticado contra menor de 18 (dezoito) anos a
pena é agravada de 1/3 (um terço).
Sujeito ativo: Qualquer pessoa com poderes para a realização do crime
elencado no caput. Sendo em estabelecimento privado, o dono, proprietário, dirigente,
preposto ou empregado. No caso de estabelecimento público, o funcionário, servidor,
funcionário autárquico, empregado paraestatal, enfim, qualquer pessoa que exerça função
pública.
39

Sujeito Passivo: Primeiramente o Estado e secundariamente qualquer pessoa


na condição de pretendente ou de aluno.
Objeto Jurídico: O respeito devido à personalidade e à dignidade humana.
Objeto Material: Os verbos da dicção normativa, recusar quer dizer não
aceitar, não permitir, não admitir, não conceder, etc. O verbo negar quer dizer afirmar que
não, não reconhecer como verdadeiro, não admitir a existência. Já o impedir implica em não
permitir, impossibilitar a execução ou prosseguimento, servir de obstáculo.
A Professora Célia Maria Ramos Tejo adverte que

[...] a lei fala em inscrição ou ingresso e aqui estão incluídos todos os direitos
decorrentes da inscrição, desde a freqüência às aulas, bem como tudo que for
oferecido aos demais alunos do estabelecimento (participação em campeonatos
esportivos, em peças teatrais ou qualquer forma de lazer), que pode ser público
federal, estadual ou municipal, ou privado de qualquer grau de ensino. 39

Cabe informar que estabelecimento de ensino é todo aquele que se ministra


qualquer tipo de aula, como por exemplo, escola, ginásio, liceu, escolas de informática, de
dança, de teatro etc.
Crime não caracterizado: “Incorre a figura penal prevista na Lei 7.716/89,
relativa a discriminações de raça, cor, religião e etnia, na conduta de diretora de escola que
impede a matrícula de aluno portador do vírus da AIDS, vez que, o princípio da reserva legal
é fundamental e inarredável em matéria de restrição de liberdade, exigindo-se que a lei seja
interpretada sem ampliações ou equiparações analógicas, salvo se for para beneficiar o réu”. 40
Elemento Subjetivo: É o dolo, ou seja, a vontade consciente de praticar os
atos. Só há tentativa se for crime plurissubsistente, no caso de unisssubsistente é impossível.
Parágrafo único: O fato da pena se aumentada em 1/3 (um terço) se a conduta
for praticada contra menor de 18 anos devido a disposição expressa no Estatuto da Criança e
do Adolescente - Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990 - e assegura, prioritariamente, a educação
aos menores, conforme os artigos 3º e 4º da referida lei.

Artigo 7º: Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão,


estalagem ou qualquer estabelecimento similar:
Pena - reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.

39
TEJO, Célia Maria Ramos. Dos crimes de preconceito de raça ou de cor. São Paulo: Eduep, 1998. p. 67.
40
TACRM-SP – Ap. 962.421-1 – Rel. Rulli Jr. – j. 19.10.1995 – RJDTACrim 28/75.
40

Sujeito Ativo: Qualquer pessoa, seja proprietário do estabelecimento,


preposto, gerente ou empregado que tiver poderes de decisão.
Sujeito Passivo: Primeiramente o Estado e secundariamente qualquer pessoa
que poderá vir sofrer os efeitos das ações contidas no caput.
Objeto Jurídico: É o respeito à personalidade e à dignidade da pessoa
humana.
Objeto Material: Os verbos que tipificam a conduta delituosa como o impedir
quer dizer não permitir, impossibilitar, servir de obstáculo etc. Já o verbo recusar significa não
aceitar, não permitir, não admitir. Por fim o verbo acessar significa ingresso, entrada.
Elemento Subjetivo: É o dolo, isto é, a vontade consciente de praticar as
condutas escritas no caput. Será admitida a tentativa nos casos de crimes plurissubsistentes, já
nos unissubsistentes é impossível.

Artigo 8º: Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurante, bares,


confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.
Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Sujeito Ativo: O proprietário, preposto ou funcionário com poderes de
decisão.
Sujeito Passivo: Primeiramente o Estado e secundariamente qualquer pessoa
que necessita utilizar os serviços elencados no caput.
Objeto Jurídico: É o respeito à personalidade e à dignidade da pessoa
humana.
Objeto Material: É a pessoa discriminada e caracteriza-se pelo verbo impedir
quer dizer impossibilitar a entrada e pelo verbo recusar quer dizer não aceitar, não admitir.
Elemento Subjetivo: É o dolo, ou seja, tem que ter o elemento subjetivo
específico, que é a vontade de discriminar a pessoa, numa autêntica manifestação racista. Não
existe na modalidade culposa.
Tentativa: Admite-se a tentativa no caso de plurissubsistente.

Artigo 9º: Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos


esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
41

Sujeito Ativo: Qualquer pessoa que seja proprietária, funcionária ou preposto


dos estabelecimentos elencados no tipo. Estende-se, ainda, aos bilheteiros, vendedores de
ingresso e congêneres.
Sujeito Passivo: A pessoa que teve o acesso impossibilitado.
Objeto Jurídico: O respeito à vida e à dignidade humana.
Objeto Material: É a pessoa discriminada e caracteriza-se pelo verbo impedir
que significa impossibilitar, servir de obstáculo, o verbo recusar quer dizer não aceitar, não
admitir e, por fim o vocábulo acesso que quer dizer ingresso.
Entende-se por estabelecimento esportivo estádios, ginásios, quadras etc. Por
casas de diversões entendem-se cinemas, teatros, shows, circos etc., e por clubes sociais as
associações, agremiações, sociedades recreativas etc.
Crime Caracterizado: Acesso não permitido à pista de dança de salão aberto
ao público, por preconceito de cor.
Ementa: “Ficando comprovado que era impedido o acesso de pessoas à pista
de dança de baile aberto ao público, por motivo de serem negras, caracterizado o crime de
racismo, nos exatos termos do art. 9º da Lei 7.719/89”. 41
Elemento Subjetivo: É o dolo, isto é, a vontade consciente de discriminar a
pessoa. Não se admite a modalidade culposa.
Tentativa: No caso de plurissubsistente admite-se, porém não cabe nos crimes
unissubsistentes.

Artigo 10: Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de


cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimentos com as mesmas
finalidades:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa, usualmente o proprietário, preposto ou
funcionário com poder de decisão.
Sujeito Passivo: A pessoa que foi impedida de acessar o estabelecimento.
Objeto Jurídico: O respeito à vida, à dignidade humana e à preservação de
igualdade.
Elemento Subjetivo: É o dolo, a vontade consciente de praticar o crime. Não
se a admite a modalidade culposa.

41
TARS – Ap. 294.121.793 – rel. Délio Spalding de Almeida Wedy – j. 25.08.1994 – RT 738/525.
42

Tentativa: Cabe a tentativa no caso de crime plurissubsistente e não se admite


no caso de unissubsistente.

Artigo 11: Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou


residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa, como por exemplo, o síndico, o porteiro, o
zelador, o vigia etc. Principalmente aqueles que detenham poderes de decisão.
Sujeito Passivo: Imediatamente o Estado que tutela o bem jurídico: respeito à
personalidade - art.5º da CF - e o fundamento da desigualdade - art.1º, III, da CF. De forma
mediata qualquer pessoa que queira adentrar os edifícios.
Objeto Jurídico: É o respeito à personalidade e à dignidade humana.
Objeto Material: Caracteriza-se pelo verbo impedir, que é o mesmo que
proibir, entravar a passagem etc.
Cabe esclarecer que entradas sociais, não são somente os elevadores, mas
compreendem os saguões, os “hall”, a recepção, a portaria, os balcões de atendimento etc.
Edifícios públicos não são somente os relacionados à administração pública,
mas todos os que permitem o acesso do público, inclusive os sujeitos a controle de
identificação.
Elemento Subjetivo: É o dolo, ou seja, a vontade consciente de praticar o
delito. No caso em tela não comporta a modalidade culposa.
Tentativa: Depende do modo de exteriorização. Se unissubsistente não
compreende tentativa, já se plurissubsistente cabe a tentativa.

Artigo 12: Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões,


navios, barcas, barcos, ônibus, trens, metrô, ou qualquer outro meio de transporte concedido:
Pena – reclusão de 1(um) a 3 (três) anos.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa como, motoristas, cobradores, transportadores
etc.
Sujeito Passivo: Primeiramente o Estado que tutela o bem jurídico: respeito à
personalidade - art. 5º da CF - e o fundamento da desigualdade - art.1º, III da CF.
Secundariamente qualquer pessoa que sofre a ação descrita no caput.
Objeto Jurídico: O respeito à dignidade e à personalidade humana.
43

Objeto Material: Caracteriza-se pelo verbo impedir, que quer dizer,


impossibilitar, servir de obstáculo. Cabe ainda informar que meio é todo o recurso empregado
para alcançar um objetivo e concedido é o que permitido, outorgado, admitido, etc.
Como serviço de utilidade pública compreende-se os prestados por empresas
públicas, particulares, concessionárias ou permissionárias, etc.
Elemento Subjetivo: É o dolo, não sendo admitido na forma culposa.
Tentativa: Depende da exteriorização do crime, se unissubsistente não cabe, se
plurissubsistente cabe a tentativa.

Artigo 13: Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo


das Forças Armadas:
Pena: Reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa que seja militar e esteja ativo no serviço.
Sujeito Passivo: Primeiramente o Estado que tutela o bem jurídico: respeito à
personalidade - art.5º da CF - e o fundamento da desigualdade - art.1º, III da CF.
Secundariamente todo aquele que tem o seu ingresso frustrado.
Objeto Jurídico: O respeito à dignidade e à personalidade humana.
Objeto Material: Caracteriza-se pelo verbo impedir, que quer dizer
impossibilitar, entravar, servir de obstáculo, etc. e pelo obstar que quer dizer estorvar,
embaraçar, obstruir, etc.
As Forças Armadas compreendem o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. O
serviço militar é obrigatório, conforme estabelece o artigo 143 da Constituição Federal,
portanto o ramo que a lei quer atingir é aquele em que as Força Armadas contratam civis para
a execução de serviços administrativos ou burocráticos em regimes estatutários, especial ou a
CLT a não contratação de funcionários para executar tais serviços por preconceito de raça ou
de cor é que ocasiona o crime.
Elemento Subjetivo: É o dolo, isto é, a vontade consciente de praticar o delito.
Não compreende a modalidade culposa.
Tentativa: Depende da exteriorização do crime. Se exteriorizar de forma
unissubsistente não cabe a tentativa, já se for de forma plurissubsistente a tentativa é
perfeitamente possível.

Artigo 14: Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou


convivência familiar ou social:
44

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.


Sujeito Ativo: Qualquer pessoa, normalmente os parentes consangüíneos ou
afins, tutores e curadores.
Sujeito Passivo: Primeiramente o Estado que tutela o bem jurídico: respeito à
personalidade - art.5º da CF - e o fundamento da desigualdade - art.1º, III da CF e
posteriormente a pessoa que se vê impede impedida da convivência.
Objeto Jurídico: O respeito à personalidade e à dignidade da pessoa humana.
Objeto Material: Caracteriza-se pelo verbo impedir, que quer dizer
impossibilitar, entravar, servir de obstáculo, etc. e pelo verbo obstar, que quer dizer estorvar,
embaraçar, obstruir, etc.
É importante salientar que a convivência social e familiar esta alicerçada no
casamento ou na equiparada união estável, conforme estabelece a Lei 9.278 de 10 de maio de
1996 em seu §1º: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e
continua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.”
Entende-se por convívio social aquele realizado em grupos da sociedade, como
por exemplo, os religiosos, os profissionais, etc.
Já por qualquer meio ou forma entende-se todas as formas empregadas que
possa acarretar o impedimento citado no caput. Sobre tal, a Professora Célia Maria Ramos
Tejo preleciona no sentido de que

[...] uma interferência no meio familiar e o Direito, todos nós sabemos, nunca atua
com êxito nessa área, inclusive em razão do chamado „pudor familiar‟, sentimento
que inibe o membro de uma família a se posicionar contra os demais familiares ou
revelar seus defeitos e faltas. [...] uma parte dos doutrinadores considera tal
intervenção indevida. E nós estamos entre os que compactuam com essa opinião”. 42

Crime Caracterizado: A obra de José Silva Júnior traz oportuno julgado


sobre o crime em tela, sendo:

Crime de racismo – Ocorrência - Hipótese em que o acusado afirmou que a mulher


de seu sobrinho era negra. Termo utilizado para desmerecimento e humilhação –
Ação tentou impedir a convivência comum – Elemento interior de preconceito
devidamente comprovado - “O racismo se caracteriza pela impossibilidade de
determinadas pessoas conviverem com outras de outros grupos étnicos. Esta sua
inaptidão é fundamentada em uma pseudo-superioridade racial. Assim sendo, ao
tentar com sua aço impedir que seu sobrinho fosse residir com a mulher que
escolheu, tudo por causa de sua cor, configurou-se o crime, eis que não é necessário
que a ação tenha obtido resultado, mas sim o elemento interior que moveu o agente”
(TJSP – Ap. 198.868-3/2 – Rel. Almeida Sampaio – j. 17.09.1997).

42
TEJO, Célia Maria Ramos. Dos crimes de preconceito de raça ou de cor. São Paulo: Eduep, 1998. p. 71-72.
45

Outro caso, também citado, por José Silva Júnior onde equipara-se o namoro à
convivência familiar, sendo:

Racismo – Art. 14 da Lei 7.716/89 – Relação de namoro obstada por preconceito de


cor – Denúncia rejeitada por ausência de tipicidade – Recurso manifestado pela
Justiça Pública acolhido – Denúncia recebida para a devida persecusão penal (TJSP
– RSE 194.509-3/6 – Rel. Ary Belfort – j. 26.02.1996).
Do voto do relator:
“... Prevê invocado dispositivo penal-legal:
Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência
familiar ou social...”.

Dentro de visão abrangente, o namoro poderia considera-se na perspectivação


legal. Ligada idealmente a „casamento‟ (que lhe é antecedente imediato) aquela „convivência
familiar e social‟ poderia, em princípio, albergar-se.
Até onde a insatisfação da mãe (a denunciada) haja caracterizado algum dos
núcleos do tipo – impedir ou obstar -, isto é, até onde haja instalado, eis assunto que a prova
deverá dirimir; sob contraditório. Era suficiente, para a incoação da ação penal pública, em
causa, o subsidio oral colhido no inquérito policia; traduz, ele. Por referencia algo casuística,
contingente racista; pelas expressões referencias a negrinha, ou pretinha, que os jovens
coleguinhas testificaram.
Não se tratando, sequer (a indiciada contestou integralmente os fatos), de
postura genética, de alguma base cientifica que pudesse, acaso, legitimar a opção unirracial ou
desaconselhar a miscigenação, levando a discussão para outra dimensão supralegal. Mas sim,
e apenas por ora (somente se tem a prova do inquérito), de preconceito institucional, a se
mensurar pelas expressões até injuriosas proferidas contra a vitima,
Contendo a denúncia, os requisitos formais (art. 41 do Código de Processo
Penal) e inexistindo alguma das imperfeições (art. 43), não há como rejeitar”.
Elemento Subjetivo: É o dolo, não cabendo a modalidade culposa.
Consumação: Para configurar o crime não é preciso ter o resultado, basta
impedir a convivência. É crime formal, portanto, basta o eventus periculi, ou seja, a relevante
possibilidade do dano. É um dano potencial, que antecede a consumação ou alheia-se ao
eventus damni. Conforme lição de Nélson Hungria, este é um crime de consumação
antecipada.
Tentativa: Depende da forma que se exterioriza. Se plurissubsistente
caracteriza tentativa, já de forma unissubsistente não é possível.

Artigo 15: (Vetado)


46

Artigo 16: Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública,


para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por
prazo não superior a 3 (três) meses.
Com a reforma do Código Penal, autorizada pela Lei 7.209 de 11 de Julho de
1984, pode-se afirmar que o artigo supracitado encontra-se implicitamente revogado.
Mesmo se tratando em um caso de lei codificada e noutro de lei especial o que
se leva em consideração é o dispositivo do artigo 12 do Código Penal: “As regras gerais deste
Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo
diverso.” Esse dispositivo visa harmonizar a lei codificada e a lei especial.
Tais fatos podem ser melhores elucidados por José Silva Franco, onde informa:
“Em suma, o critério cronológico (“Lex posterior derogat priori”) e o da interpretação em
benefício do agente levam à inaplicabilidade do art. 16, tacitamente derrogado. Cometido o
crime em estabelecimento particular, a suspensão de seu funcionamento pelo prazo não
superior a três meses, é o efeito condenatório remanescente. Trata-se de pena acessória, que
não subsiste, como assinalamos, trazendo à colação o art. 47 do CP, que cuida de espécie de
pena e enumera no seu inciso II: “proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que
dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público”. E, nos termos
do art. 56, sua aplicação só tem lugar “sempre que houver violação dos direitos que lhe são
inerentes “ inexistindo estipulação de prazo. O confronto dessa parte do regramento especial
com a disciplina da lei codificada indica que do intérprete será exigido desmedido esforço
hermenêutico visando sua sobrevivência. Rigorosamente, o art. 16 não só estaria derrogado,
mas implicitamente revogado”43.

Artigo 17: Vetado

Artigo 18: Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei não são
automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.
Neste primeiro momento cabe informar que em decorrência da revogação do
artigo 17 o disposto no artigo 18 incide somente ao artigo 16.
Os efeitos constantes deste artigo têm de vir explícito na sentença proferida
pelo juiz. Destarte que o artigo em tela já se encontra elucidado no artigo 93, IX da
Constituição, onde manifesta que todas as decisões do Judiciário têm de ser motivadas.

43
SILVA JÚNIOR, José. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002. p. 2667.
47

Artigo 19. Vetado

Artigo: 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça,


cor, etnia, religião ou procedência nacional:
Pena – reclusão, de 1 (um ) a 3 (três) anos, e multa.
§1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos emblemas,
ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de
divulgação do nazismo:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
§2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos
meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza.
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
§3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o
Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de
desobediência:
I – o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material
respectivo;
II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
§4º Na hipótese do §2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em
julgado da decisão, a destruição do material apreendido.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa. No que tange o §1º, normalmente, o sujeito
ativo será o fabricante, o comerciante, ou os empregados com poderes de decisão.
Sujeito Passivo: Considera-se a dupla subjetividade, porém vale conferir
oportuno entendimento de Fábio Medina Osório e Jairo Gilberto Schafer que conceituam: “O
sujeito passivo do delito é impessoal, ou seja, a própria sociedade, a política de convivência
pacífica entre os diversos grupos humanos e a preservação do princípio isonômico,
protegendo-se a dignidade humana.”44
Objeto Jurídico: é o respeito à personalidade e à dignidade da pessoa humana.
Objeto Material: Caracteriza pelo verbo fabricar, que vem a ser a construção
ou manufaturamento, caracteriza-se também pelo verbo comercializar, que é o ato de
negociar, pelo verbo distinguir, que é o fato de entregar a alguns e a outros não, ou veicular
símbolos, veicular tem a finalidade de difundir e símbolos são sinais ou elementos gráficos,

44
OSÓRIO, Fábio Medina e SCHAFER, Jairo Gilberto. Dos crimes de discriminação e preconceito. RT
714/336, abr. 1995.
48

ornamentos são elementos de embelezamento. Os distintivos citados no §1º são os símbolos


utilizados por Adolf Hitler para divulgar o nazismo, onde durante anos, pregou a supremacia
da raça ariana.
Elemento Subjetivo: é o dolo, ou seja, a pessoa tem de ter a vontade de
discriminar, em uma autêntica manifestação racista.
Sujeito Ativo: No que tange o §2º, o sujeito passivo poderá ser qualquer
pessoa.
Sujeito Passivo: Neste caso é a sociedade.
Objeto Jurídico: É a proteção, oferecida pela lei, aos seres humanos e à
dignidade da pessoa humana.
Objeto Material: É a publicação pelos meios de comunicação, ou seja, a
notícia veiculada na imprensa falada e escrita.
Elemento Subjetivo: É o dolo, porque só se publica algo com o cunho
constante do caput com vontade.
O §3º tem cunho informativo, pois o material publicado poderá ser recolhido e
o que tiver cunho televisivo ou radiofônico terá a impossibilidade da transmissão.
O§ 4º vem reforçar que após o transito em julgado da ação ocorrerá a
destruição do material apreendido.
49

6 DIFERENÇA ENTRE O CRIME DE RACISMO E A INJÚRIA QUALIFICADA

A injúria qualificada em que consiste este subcapítulo é a constante no


parágrafo 3º do artigo 140, que reza:
“Se a injúria consiste na utilização de elementos referente à raça, cor, etnia,
religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência física”.
“Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.”
A polêmica que envolve a questão da injúria qualificada consiste no fato de tal
parágrafo ter sido acrescido ao Código Penal em 1º de outubro de 2003 pela Lei nº. 10.471.
Nesta época já vigorava a lei especial que pune - como já citado anteriormente
neste trabalho - o crime de racismo contra a cor, raça, religião, etnia e procedência nacional.
Com tal constatação indaga-se a real intenção existente por parte do legislador em normatizar
matéria já regulamentada em lei especial,
Fica evidente a intenção em favorecer propensos preconceituosos, que com tal
parágrafo vislumbram a possibilidade de responder por um crime passível de prescrição e
fiança furtando-se da sanção imposta pela Constituição Federal no que tange a
imprescritibilidade e inafiançabilidade para o crime de racismo, tratados anteriormente.
Outro fator, é que ocorre na maioria dos processos envolvendo o preconceito
racial que é a desclassificação do crime de racismo para a injúria qualificada.
É importante esclarecer que ao alegar que o crime praticado é o de injúria
qualificada o agente quer dizer que ofendeu a honra subjetiva de uma pessoa, ou seja, atingiu
somente o sentimento daquela pessoa que sofreu a agressão em relação aos seus atributos
morais, também conhecida como honra-dignidade ou ao que diz respeito a seus atributos
físicos e intelectuais, também chamados de honra-decora.
Aqui o tipo requer que o agente esteja consciente que a ofensa causada seja em
relação à sua religião, cor, etnia etc. Enquanto no crime de racismo envolve uma coletividade.
É importante salientar que no caso de injúria qualificada não se admite a exceção da verdade,
pois se tratando de crime que afeta a honra subjetiva, não é papel da justiça averiguar a
veracidade das ofensas.
50

Entende-se que no caso de injúria qualificada a ação cabível é a queixa crime, e


deve ser movida somente pela pessoa ofendida e no caso do crime de racismo a ação
pertinente é a ação penal pública com procedimento ordinário.
O parágrafo 3º minimizou a gravidade do crime de racismo e igualou a injúria
qualificada a crimes de maior potencial ofensivo, ao qual ela não se presta. Damásio
Evangelista de Jesus vem corroborar tal equívoco do legislador afirmando que este:

Andou mal mais uma vez. De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de
“negro”, “preto”, “pretão”, “negão”, “turco”, “africano”, “judeu”, “baiano”, “japa”
etc., desde que com vontade de ofender-lhe a honra subjetiva relacionada com a cor,
religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão,
além de multa, maior do que a imposta ao homicídio culposo (1 a 3 anos de
detenção, art. 121, §3º) e a mesma do auto-aborto (art. 124) e do aborto consentido
(art. 125). Assim, matar o feto e xingar alguém de “alemão batata” têm, para o
legislador, idêntico significado jurídico, ensejando a mesma resposta penal e
colocando as objetividades jurídicas, embora de valores diversos, em plano
idêntico.45

É difícil compreender a atitude do legislador, conforme a citação acima, pois


retirou a força de uma lei que se presta tanto ao controle jurídico quanto social, pois quando a
população tem conhecimento que existe uma lei que pune com rigor qualquer prática
delituosa, o receio em praticar o ato ilícito é maior. Agora, com a atitude do legislador, a lei
que já não era muito utilizada, às vezes até por desconhecimento de sua existência, encontra-
se praticamente em desuso, tendo em vista a facilidade de sua desclassificação.

45
JESUS, Damásio E. Direito penal: parte especial. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.229 v. 2.
51

7 CONSEQUÊNCIAS ORIGINÁRIA DA LEI

A lei especial que pune o crime de racismo, assim como a Constituição Federal
que preza pela igualdade e pelos direitos humanos em determinados momentos é
preconceituosa e discriminatória.
O governo federal lança programas assistencialistas sem prever os reflexos que
estes causarão na sociedade, especificamente nos direitos que serão feridos e nas infrações
legais que incorrerão.
Exemplo claro de infração ao princípio constitucional da igualdade foi à
promulgação da Lei de Cotas para Negros nas universidades.
O Governo Federal com intuito de levar um número maior de cidadãos aos
bancos universitários, sabedor que é de que a maioria de sua população que não tem acesso ao
terceiro grau trata-se de negros, devido aos problemas sociais enfrentados, conforme já
tratado neste trabalho, preferiu criar a lei de cotas, onde tem de ser reservado percentual
exclusivamente a estudantes negros.
Indiretamente, o governo através de seus legisladores chamou a população
negra de um país inteiro, diga-se o país mais miscigenado e com a maior população negra do
mundo, perdendo somente para a Nigéria, de incapaz. Isso não é discriminação racial?
Quando o governo lança mão de um programa grosseiro como este para fazer
política, automaticamente vem afirmar que não acredita na educação que oferece aos
brasileiros, pois a regra para participar do sistema de cotas é de que o estudante tenha
estudado em escolas públicas.
De quem são as escolas públicas? Sim, são do mesmo governo que criou cotas.
E os alunos brancos que também estudaram em escolas públicas? Ficam sem cotas? O
governo prefere um ao outro? Isso não é discriminação?
Um país que prega a igualdade e que se diz lutar para que os brasileiros tenham
educação de qualidade, não poderia sob nenhuma hipótese lançar programas contrários às
suas propagandas e aos discursos tanto presidenciais quanto de ministros do governo.
Fica claro que a lei que pune é a mesma que dissipa práticas discriminatórias.
É necessário que o país acredite em suas próprias políticas educacionais e que
reveja a abordagem de suas leis. Assim como a reforma da própria lei especial 7.716/89, onde
52

traz casos extremamente casuístas, sempre facilitando a desclassificação do crime de racismo


para injúria qualificada.
Fica evidente que as mudanças são necessárias e de caráter emergencial para
que o país ganhe crédito, sem desrespeitar princípios constitucionais e sem menosprezar a
capacidade da pessoa humana.
Fica evidente que as mudanças são necessárias e de caráter emergencial para
que o país ganhe crédito, sem desrespeitar princípios constitucionais e sem menosprezar a
pessoa humana.
53

8 O NEGRO NO MERCADO DE TRABALHO

As políticas governamentais são tão mal aplicadas que refletem em vários


setores, e não somente no educacional. Prova disso vem refletida nas pesquisas abaixo
elencadas onde mostra o negro e principalmente a mulher negra em uma ordem bem menos
favorável, se comparada aos brancos.
Os salários das mulheres negras são 12,2 % menor se comparado ao das
mulheres brancas, enquanto o salário dos homens negros são 6,4% menor ao do homem
branco. 46
Se analisarmos o preconceito existe com o sexo feminino em relação ao
masculino no que tange o salário, segundo a pesquisa, se levará 87 anos para que o salário das
mulheres seja igualado aos dos homens. 47
Outra pesquisa realizada mostra, que a maioria das famílias beneficiadas com
programas assistências do governo como bolsa família, auxílio gás, dentre outros, são as
negras, especificamente 69 % das famílias que possuem tal benefício, são famílias negras. 48
Essas pesquisas não refletem somente o preconceito advindo da população, que
repele o serviço da mulher em relação ao do homem pagando salários muito mais baixos
aquelas e altos a estes por serviços de igual complexidade.
Diz mais do que constatar que as famílias negras ainda é a maioria da
população que vive em estado de pobreza.
A pesquisa só reforça a responsabilidade do Estado. Isso é conseqüência de um
trabalho mal desenvolvido ou ainda nem implementado, pois se o social fosse trabalhado da
forma correta nesse país não haveria razão para se punir o preconceito, nem para se realizar
pesquisas para se apurar estatisticamente uma realidade que está estampada nesse país.
Simplesmente, porque não haveria preconceito em nenhuma de suas formas, as
diferenças salariais seriam ínfimas, o governo gastaria menos porque não iria ter que manter

46
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/12/16/ult5772u2202.jhtm?action=print>. Acesso
em: 16 dez. 2008.
47
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/12/16/ult5772u2202.jhtm?action=print>. Acesso
em: 16 dez. 2008.
48
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/12/16/ult5772u2202.jhtm?action=print>. Acesso
em: 16 dez. 2008.
54

milhares de famílias e com isso poderia investir em outros tantos setores que deixam a
desejar.
55

9 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: AVANÇOS OU RETROCESSOS

A legislação brasileira em nada evoluiu com o passar dos anos, a lei especial
encontra-se em vigor há vinte anos e passou por uma única reforma no ano de 1997, que
muito pouco alterou.
Continua a tratar de situações casuístas que não se amoldam à realidade atual
do país.
O tema não é novo, porém muito pouco explorado, porque o próprio legislador
faz questão de camuflar o preconceito e para piorar aprovam leis que vão contra a referida lei
especial, contra norma constitucional e contra convenção internacional que tem aqui “status”
de norma constitucional.
Devido aos anos que se passaram e nada foi feito, fica clara a inércia do
legislador e nenhum avanço para a população negra deste país que é discriminada dia-a-dia.
56

CONCLUSÃO

Diante o exposto, não resta dúvida de que o racismo existe neste país, sua
prática é freqüente e causa diversas vítimas diariamente.
Percebe-se que as pessoas não têm conhecimento sobre as leis que as ampara e,
as que têm conhecimento não acreditam na justiça, pensamento muito comum na atualidade,
devido à morosidade daquela.
No que tange especificamente à lei do racismo, o descrédito maior é no que diz
respeito às previsões extremamente casuístas com penas meramente simbólicas.
Fator lamentável vem ocorrendo devido à desclassificação da maioria dos
processos distribuídos na justiça. Isso vem acontecendo desde a instituição do parágrafo 3º do
artigo 140 do Código Penal, parágrafo este, entendido como retrocesso na doutrina, pois trata
algumas formas de preconceito como injúria qualificada, havendo com isso o confronto com a
legislação especial, podendo-se dizer até um desmerecimento.
Além disso, o parágrafo 3º, do artigo 140, do Código Penal, ignorou inclusive a
CF, pois o racismo é um crime imprescritível e inafiançável, e quando de sua desclassificação
para injúria qualificada, o legislador simplesmente autorizou a população, porque não dizer
incentivou, a praticar o crime de racismo já que há grande possibilidade de se conseguir a
desclassificação deste crime.
Fica aqui demonstrada a necessidade de uma reforma da Lei n. 7.716/89, com
tipificações menos casuístas e a derrogação do parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal
para que o crime seja realmente tratado com o rigor necessário.
No que tange ao social, fica a sugestão para que o governo programe políticas
sérias, principalmente no que diz respeito aos negros, pois é notável que de todos os tipos de
preconceitos tipificados na referida lei, o mais difundido é o preconceito contra o negro,
portanto, as políticas sociais têm de ser desenvolvidas nesse sentido, para igualar o negro, nas
condições sociais, educacionais, de trabalho, no atendimento de todas as áreas, entre outras.
57

REFERÊNCIAS

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2008.

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<http://74.125.45.132/search?q=cache:kcW3YMk7H0sJ:gladio.blogspot.com/2009/02/o-
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Ministério Público da União. Ano III. N. II. abri/jun. 2004. Brasília-DF.

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