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DIVERSIDADE SEXUAL,
PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL E
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
DOUTORADO EM DIREITO
DIVERSIDADE SEXUAL,
PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL E
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
___________________________________
___________________________________
___________________________________
___________________________________
___________________________________
Certas pessoas possuem a grande capacidade de
mudar seu próprio mundo, mudando o mundo todo
a sua volta.
Caetano Veloso
RESUMO
Body, sexuality and Law are elements that conform the subject. In
society, body and sexuality are submitted to external means of control, that
perspective that considers the relationship among body, sexuality and Law,
stressing the means of control over the individual. Moreover, it will be studied
the constitutional norms that protects the rights of sexual diversity. At the end,
The result of such study rests in the assurance that the rights of
elementos que foram capazes de inserir a pauta dos direitos de lésbicas, gays,
na sua concepção material. Como isso, apresenta as bases para a defesa dos
2
promoção dos direitos da diversidade sexual, não se admitindo exclusão de
diversidade sexual, ainda que não esteja explicitada na Carta Política, sendo
transexuais.
3
CAPÍTULO I
O CORPO CONFORME
tem sido a história das lutas pela conquista dos direitos humanos.
1
Alguns postulados da teoria econômica elaborada por Karl Marx e Frederich Engels foram
apresentados em forma de manifesto, em 1848. Sua base centra-se na assertiva de que a
oposição entre os detentores dos meios de produção da riqueza (burgueses) e os
trabalhadores que movimentam a máquina da indústria (proletariado) é o principal impulso para
as lutas em torno da concepção de Estado. Ao iniciar a exposição, afirmavam que “até hoje, a
história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de
classes”. (ALENCAR, Chico. Manifesto comunista. 2. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 1998.
Coleção Os Visionautas).
4
com o uso de absoluta força. Como pressuposto ao êxito da lógica totalitária, o
2
ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo: anti-semitismo, imperialismos, totalitarismo.
Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1889, p. 526-7.
5
“A tradição, no pensamento arendtiano, é a soma dos elementos que
constituem a realidade social, histórica e cultural de um povo. É a
junção dos valores morais e éticos, associados à asserção dos
costumes que, reconhecidos e assimilados, orientam a condução da
vida em comunidade. Em sentido recíproco, a tradição é também
formada e reconhecida pela própria experiência coletiva da
sociedade. Desse modo, por permitir ao indivíduo reconhecer-se e
guiar-se, denota sentido e significância à sua existência. É, portanto,
a volta aos elementos culturais como inerentes à composição do
homem socialmente concebido. Pela tradição é possível
compreender-se no mundo a partir do tempo presente. Torna-se
possível analisar e compreender o sentido das coisas a partir do
acontecido, re-estabelecendo o vínculo do homem com a realidade.
O tempo é experiência viva, vivificada, sentida no presente.” 3
experiência humana.
3
SALES, Dimitri Nascimento. Avançar no Estado Democrático de Direito: a participação
política na democracia brasileira. 2007. 282 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2007, p. 24.
4
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Trad. Mauro W. Barbosa. São Paulo:
Perspectivas, 2005, p. 31. (Debates; 64 / dirigida por J. Guinsburg).
6
A máquina de destruição empunhada pelos regimes nazifascista ou
stalinista resultou por constituir outro tempo e espaço, marcado pelo não-
resultou por negar a própria dignidade dos direitos que, amparados pela força
profundas nas sociedades políticas. Pela ação dos tanques, foram destroçados
direitos humanos.
5
“A Segunda Guerra Mundial matou o maior número de pessoa da história, por diversos
critérios. Como um todo, foi o evento mais mortal da história. Foi também o evento mais mortal
para muitas nações, individualmente: Rússia, Polônia, Japão, Indonésia e Holanda, só para
contar algumas. O mesmo aconteceu com grupos não nacionais de vítimas, tais como
soldados, prisioneiros de guerra e judeus. (...) A morte de 1,1 milhão em Auschwitz levou mais
tempo, mas provavelmente conta como a maior mortandade já acontecida no menor local. A
mais sangrenta batalha da história foi provavelmente a Batalha de Leningrado, se você contar
tantos soldados quanto civis, ou a Batalha de Stalingrado, se você contar apenas os soldados,
mas mesmo se não fossem, então os outros prováveis candidatos seriam os outros combates
travados na frente russa. (...) A guerra colocou tanta gente em situação de perigo mortal que
números sem precedentes de pessoas morreram de modo surpreendente e inusitado. Quando
os britânicos encurralaram uma força japonesa na ilha de Ramree, na Birmânia, os japoneses
tentaram fugir atravessando pântanos impenetráveis. Dizem que mil japoneses partiram na
empreitada, mas que apenas vinte saíram vivos do outro lado daquela barreira natural. As
centenas de desaparecidos haviam sido devoradas pelos crocodilos.” (WHITE, Mattew. O
grande livro das coisas horríveis: a crônica definitiva das cem piores atrocidades da história.
Tradução de Sérgio Moraes Rego. Rio de Janeiro: Rocco, 2013, p. 503-4.)
7
“No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e des-
cartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que
cruelmente se abole o valor da pessoa humana, toma-se necessária
a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz
de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do totalitarismo
significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos, por meio da
negação do valor da pessoa humana como valor fonte do direito.
Diante dessa ruptura, emerge a necessidade de reconstruir os
direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime
o direito da moral. Nesse cenário, o maior direito passa a ser,
adotando a terminologia de Hannah Arendt, o direito a ter direitos, ou
seja, o direito a ser sujeito de direitos. Nesse contexto, desenha-se o
esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e
referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Se
a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o
pós-guerra deveria significar a sua reconstrução.” 6
homens e mulheres.
6
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed. rev.
ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 122.
8
esset homo creatus est – ‘o homem foi criado para que houvesse um
começo’, disse Agostinho. Cada novo nascimento garante esse
começo; ele é, na verdade, cada um de nós.”7
dos Direitos Humanos, e para ela, que se deve voltar a atuação dos agentes
pessoa.
que deve o Estado atuar, não contra elas. Deve-se, pois, promover condições
7
ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo: anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo.
Cit., p. 531.
9
para que as diferenças sejam tratadas de forma a elevá-las à condição de
8
CASALDÁLIGA, D. Pedro. Artigo sexto. In: ALENCAR, Chico (org.). Direitos mais humanos.
Rio de Janeiro: Garamond, 1998, p. 85-6.
10
do Século XX, elevando o ser humano à condição de centralidade das
comunitária.
Universal dos Direitos Humanos, a pessoa deve ser concebida a partir das
direitos.
sejam absolutos. Não obstante uma vida que se estrutura e ainda se prepara, o
11
nutrientes, água e sais em seus eus em desenvolvimento.
Formaram-se as primeiras células. Como na analogia de Jantsch
sobre as pessoas que avançam aos tropeços para não cair de cara
no chão, as células delimitadas por uma membrana, que replicavam
RNA e produziam outras moléculas, avançaram aos tropeços para a
síntese do RNA baseada no DNA e das proteínas; em outras
palavras, a reprodução tornou-se um meio de preservar a auto-
sustentação, de adiar o retorno ao equilíbrio termodinâmico.” 9
“No princípio, Deus criou os céus e a terra. (...) Então Deus disse:
‘Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que êle reine
sôbre os peixes do mar, sôbre as aves dos céus, sôbre os animais
domésticos e sôbre toda a terra, e sôbre todos os répteis que se
arrastam sôbre a terra. Deus criou o homem à sua imagem; criou à
imagem de Deus, criou o homem e a mulher.”10
9
MARGULIS, Lynn; SAGAN, Dorion. O que é a vida? Tradução de Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 91.
10
BÍBLIA SAGRADA. 62. ed. São Paulo: Ave Maria, 1988, p. 50: Gênesis, cap. 1, 26/27.
12
criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse
imposto o seu nome. Enquanto Júpiter e Cuidado discutiam, surgiu,
de repente, a Terra. Quis também ela conferir o seu nome à criatura,
pois fora feita de barro, material do corpo da Terra. Originou-se então
uma discussão generalizada. De comum acordo pediram a Saturno
que funcionasse como árbitro. Este tomou a seguinte decisão que
pareceu justa: ‘Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de
volta este espírito por ocasião da morte dessa criatura. Você, Terra,
deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta o seu corpo
quando essa criatura morre. Mas como você, Cuidado, foi quem, por
primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela
viver. E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do
nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de
húmus, que significa terra fértil.’” 11
torno da Mãe Terra, que dança com a tarefa de tornar-se uma Estrela Mãe, nos
13
corpo são as águas das emoções e dos desejos que movimentaram
para o Criar e o Destruir. Esse foi o mais difícil ciclo para a Mãe
Terra, pois a humanidade quase a extinguiu, colocando em risco a
Dança Sagrada da Galáxia pelo mau uso que fez do poder de criar.
(...) Tupã reagiu limpando todo o mal com o Sal da Terra. As águas
abraçaram a Mãe, para que ela não morresse desse mundo.” 12
12
JECUPÉ, Kaka Werá. A terra dos mil povos: história indígena do Brasil contada por um
índio. São Paulo: Peirópolis, 1998, p. 21-3. (Série educação para a paz).
13
ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013,
p. 11.
14
1.2. O CORPO
experimentação de sentimentos.
14
STEIGER, André. Compreender a história da vida: do átomo ao pensamento humano.
Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1998, p. 30.
15
credos religiosos, ciência. Trata-se de espaço em conformação. O corpo, neste
complexo, dinâmico.
pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três. Constitui-
mantêm-se memórias.
16
político, lugar de se inscrever reivindicações, a partir dele formar barricadas,
habita.
15
GARCIA, Wilton. Vestígios poéticos entre corpo e espaço: janela da alma. In: GARCIA,
Wilton (org.). Corpo e espaço: estudos contemporâneos. São Paulo: Factash Editora, 2009, p.
21.
17
investigar mistérios e produzir descobertas científicas. É o corpo desafiado, que
com a engenharia atos de quase divina criação para a terra, se aprofunda nos
oceanos e constrói túneis unindo continentes. É por seu intermédio que faz das
18
decorrente da experiência humana exercida num espaço corporal determinado.
a pessoa que o preenche. Isto, todavia, não é suficiente para assegurar a plena
para o governo da pessoa. As finalidades, por sua vez, são diversas, podendo
19
encontra-se a pessoa, moldada a partir de desígnios estranhos à autônoma
política do grupo.
17
Engels, em seu clássico estudo sobre a origem da família, da propriedade privada e do
Estado, referindo-se às famílias primitivas, assim pondera: “os designativos pai, filho, irmão não
são simples títulos honoríficos, mas implicam sérias obrigações recíprocas, bem determinadas,
e cujo conjunto forma uma parte essencial da organização social desses povos”. (ENGELS,
Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. Tradução de Ciro
Mioranza. São Paulo: Lafonte, 2012, p. 36.).
20
de regras gerais. (...) Essa forma maniqueísta de manifestação do
direito é atenuada pela intervenção de sacerdotes e juízes
esporádicos que, como guardas do direito, regulam sua aplicação.
No entanto, essa regulação não se separa do próprio direito, de tal
modo que não podemos falar do conhecimento do direito como algo
dele separado. Esse ‘conhecimento’ e sua prática (de aplicação) não
se distinguem: a existência, a guarda, a aplicação e o saber do
direito confundem-se.”18
própria comunidade.
A noção de que a lei não se aparta do próprio sujeito foi afirmada por
superar os limites criados pela intolerável dor física. “Esses rituais de iniciação
marcado com as cicatrizes da dor submetida. O corpo era, pois, tomado como
18
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Atlas, 2003, p. 53.
19
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o estado: pesquisas de antropologia política.
Tradução de Theo Santiago. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 197-8.
21
uma vez superados os suplícios impostos, assegurava-se o sentimento de
pertencimento ao grupo”20.
sociedade dita a sua lei aos seus membros, inscreve o texto da lei sobre a
20
Idem, 2003, p. 201.
21
Ibidem, p. 201.
22
superfície dos corpos. Supõe-se, pois, que ninguém se esquece da lei que
regras de convivência.
que, por essa razão, passaram a ser formuladas fizeram com que as bases de
22
Ibidem, p. 203.
23
Ibidem, p. 204.
23
que a função de ditar a lei se diferenciava do dever de cumpri-la. A lei, antes
objetive a sua ampla aceitação. Por essa razão, ao tempo que as normas
autoritarismo, que a lei é dura, mas é a lei. Neste sentido, o corpo, outrora
distanciamento e força.
24
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. Cit., p. 54-5.
24
sendo identificados como o oficial, a que se atribui a função de aplicar a
deles, “um aparelho singular”, que “até este instante era necessário o trabalho
das mãos, mas daqui para a frente ele funciona completamente sozinho”.25
25
KAFKA, Franz. O veredicto/na colônia penal. 8. reimp. Tradução de Modesto Carone. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 29-30.
26
Idem, 1998, p. 36.
25
“Seria inútil anunciá-la. Ele vai experimentá-la na própria carne. (...) o
homem simplesmente começa a decifrar a escrita, faz bico com a
boca como se estivesse escutando. O senhor viu como não é fácil
decifrar a escrita com os olhos; mas o nosso homem a decifra com
os seus ferimentos.”27
da justiça.
26
instituída pelo órgão autorizado (o Estado), por meio de procedimentos próprios
destinatários.
normativo sobre todos os indivíduos sob sua jurisdição. Para tanto, o Estado
liberdades e a paz social. Ainda que seus enunciados apontem nesta direção, a
27
de diferentes ordens sociais, todas coexistindo num mesmo território político.
ocorram livremente.
ante uma determinada conjuntura. Neste sentido, por exemplo, a ordem para
30
SALES, Dimitri Nascimento. Avançar no Estado Democrático de Direito: a participação
política na democracia brasileira. Cit., p. 77.
28
situações desta natureza suscitam, é certo que se está diante de conflitos de
diferentes interesses, ainda que todos esses possam emanar de uma mesma e
para designar o impulso que, somado à “força de sua inteligência”, faz gerar a
criação dos grupos sociais. Neste sentido, o direito apareceria como um dado
31
JHERING, Rudolf von. A finalidade do direito. Tradução de Heder K. Hoffmann. Tomo I.
Campinas, São Paulo: Bookseller, 2002, p. 211.
29
agrícola, mercantil, mercantil, industrial, grêmio, partido político
etc.”32 (destaque acrescido)
Assim sendo, não é a sociedade que estabelece o direito, senão o direito que
cria a sociedade.
historicamente estabelecidas.
32
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. rev. atual.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 242.
30
que o encarava antes de seu surgimento histórico na relação de
indivíduo para indivíduo – a questão do direito ganha, aqui, na
prática, a feição de questão de força.”33
33
JHERING, Rudolf von. A finalidade do direito. Cit., p. 211.
31
por meio de reformas legislativas, nas quais o legislador deve se
servir de dados científicos e técnicos, bem como inspirar-se em
ideais sociais e valores jurídicos.”34
interesses daqueles que o lideram. Impõe sua vontade servindo-se, para isso,
não se limita aos conflitos que podem suscitar oposições ideológicas. Estes
função legiferante?).
34
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 32. ed. revis. alterada. Rio
de Janeiro: Forense, 2002, p. 37.
32
vinculados à controvérsia. Neste sentido, passa-se a experimentar um uso
judicial, são tornadas públicas. No entanto, para que o corpo esteja sob efetivo
recôndito do sujeito – algo que não está à vista, mas existe. A interferência do
33
A escolha pela constituição do vínculo matrimonial pode envolver
hodiernos, cujas relações sociais estão cada vez mais dinâmicas, o Código
Civil brasileiro, em seu Artigo 1521, enumera como impedimento absoluto para
que se contraia matrimônio que a pessoa que possua idade inferior a 16 anos.
Ainda que seja possível afirmar ser uma condição relativa, o que salta aos
35
DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 131.
34
olhos é a absoluta falta de critério objetivo que afiance essa escolha da idade-
seu desejo, definam um momento limite em que se sintam aptos para contrair
um vínculo matrimonial.
exercício das dimensões mais subjetivas do sujeito. Isso, todavia, não é sem
propósito.
deve ser objeto de controle. Esse corpo não pode desejar, uma vez que a
35
1.2.2. O CORPO BIOLÓGICO
sequer limita-se a uma vida em potencial, dá-se a primeira distinção: sexo. Ato
paralelas dos traços da sua história estão, doravante, traçadas, sem que se
possa, a priori, estabelecer novos contornos nas linhas do seu destino. Nasce-
revelar qual será “o sexo da criança”, cuja referência centra-se no seu órgão
sexual.
pênis, define-se o seu sexo. Por seu turno, a descoberta de uma vagina é
critério suficiente para a definição do “outro” sexo daquela pessoa. Ainda que a
36
“A divisão entre os sexos parece estar ‘na ordem das coisas’, como
se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser
inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado
nas coisas (na casa, por exemplo, cujas partes são todas
‘sexuadas’), em todo o mundo social e, em estado incorporado, nos
corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de
esquemas de percepção, de pensamento e de ação. (...) É a
concordância entre as estruturas objetivas e as estruturas cognitivas,
entre a conformação do ser e as formas do conhecer, entre o curso
do mundo e as expectativas a esse respeito, que torna possível esta
referência ao mundo que Husserl descrevia com o nome de ‘atitude
natural’, ou de ‘experiência dóxica’ – deixando, porém, de lembrar as
condições sociais de sua possibilidade. Essa experiência apreende o
mundo social e as suas arbitrárias divisões, a começar pela divisão
socialmente construída entre os sexos, como naturais, evidentes, e
adquire, assim, todo um reconhecimento de legitimação.”36
ou jurídicas.
36
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. 9. ed. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, p. 17.
37
As ciências biológicas possuem como objeto de análise os
Por esse motivo, suas conclusões são tidas como verdades inquestionáveis e
científico.37
coletivo, tais postulados (rígidos) resultam por instituir funções sociais aos
38
obstante a definição de sexo, a partir do pênis e da vagina se estruturam
poder.
feminino – espaço sagrado. Remota a este período a invenção dos mitos que
38
MURARO, Rose Marie. BOFF, Leonardo. Feminino e masculino: uma nova consciência
para o encontro das diferenças. 3. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p. 54.
39
natureza pelo fato de estar mais próxima aos processos naturais da gestação e
39
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Cit., p. 18-20.
40
Assim esclarece Heleieth I. B. Saffioti: “Não foi gratuita a alta consideração devotada às
mulheres por parte dos homens, quando ainda não se conhecia a participação masculina no
ato da fecundação. Capazes de engendrar uma nova vida, de produzir todos os nutrientes
necessários ao desenvolvimento dos fetos e, ainda, de fabricar internamente leite para
alimentar os bebês, eram consideradas seres poderosos, mágicos, quase divinos. Caíram do
pedestal, quando se tomou conhecimento da imprescindível, mesmo que efêmera, colaboração
masculina no engendramento de uma nova vida (...).” (SAFFIOTI. Heleieth Iara Bongiovani.
Gênero, patriarcado, violência. 2. reimpr. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,
2004, p.33. (Coleção Brasil Urgente).
40
“Suas expressões perpassaram todos os níveis sociais, e até
religiosos, como o cristianismo, constituindo o patriarcado como
realidade histórico-social e como categoria de análise. Como
categoria de análise, o patriarcado não pode ser entendido apenas
como dominação binária macho-fêmea, mas como uma complexa
estrutura política piramidal de dominação e hierarquização, estrutura
estratificada por gênero, raça, classe, religião e outras formas de
dominação de uma parte sobre a outra. Essa dominação
plurifacetada construiu relações de gênero altamente conflitivas e
desumanizadoras para o homem e principalmente para a mulher.”41
conhecimento limitado.
41
MURARO, Rose Marie. BOFF, Leonardo. Feminino e masculino: uma nova consciência
para o encontro das diferenças. Cit., p. 55.
41
os sexos (...), emergiu precisamente quando as fundações da velha ordem
masculino. Em torno deste órgão sexual foram edificados arquétipos que, dado
42
LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Tradução de
Vera Whately. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001, p. 22.
43
Idem, 2001, p. 17.
42
seu reconhecimento em detrimento da “outra” genitália, serviram para orientar
pênis foi transformado em falo, assumindo o dever de ser viril, forte, rígido – tal
função de reproduzir a espécie humana, ainda que não seja possível realizar
44
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Cit., p. 13.
43
automaticamente o repositório único de todo poder fálico. (...) É no
falo que se articulou a própria base da civilização patriarcal, tornada
portanto falocêntrica. O falo tornou-se não apenas um símbolo mas o
componente básico do masculino.”45
O corpo feminino, por seu turno, foi construído tendo com objeto de
incompleto.
45
TREVISAN, João Silvério. Seis balas num buraco só: a crise do masculino. Rio de Janeiro:
Record, 1998, p. 50, 52.
46
LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Cit., p. 16.
44
No jogo de oposições sexuais, foram estabelecidas relações
conflituosos.
45
como pressuposto às ações ou omissões calcadas na misoginia, superioridade,
indiferença e violência.
dos homens, o macho vê-se forçado a exacerbar sua virilidade. Tal qual o
impotência pelo receio de não firmar-se suficientemente como tal, por outro.
46
império igualmente encontra-se abalado, suscitando duas saídas possíveis: a
47
TREVISAN, João Silvério. Seis balas num buraco só: a crise do masculino. Cit., p. 24-5.
47
1.2.2.1. O CORPO NOMEADO
48
MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p. 91-
3.
48
coletividade. Embora remonte ao mais remoto passado, passou o
nome por grandes mutações, variando sua formação de
conformidade com os povos e com as épocas, reconhecendo-se sua
imprescindibilidade. (...) Serve o nome para designar qualquer objeto
ou entidade; porém, adquire especial importância, no que concerne à
identificação de cada indivíduo, constituindo uma marca exterior. (...)
O ser humano sem nome é apenas uma realidade fática; com o
nome penetra no mundo jurídico, a expressão mais característica da
personalidade. Assim, nome é o chamamento pelo qual se designa
uma pessoa, individualizando-a não só durante a vida, como também
persiste após a morte.”49
experiência humana.
49
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008, p. 19, 26-7.
49
1.2.3. O CORPO SAGRADO
da fé nestas verdades.
sujeito. Seu objeto de atuação não são os bens materiais em si, mas, antes de
50
ser objetos de apropriação pelas entidades que detêm a capacidade de
desconhecido (divindade).
51
Objetivando a aceitação tácita e pacífica deste controle, a estratégia
encontrada pelas religiões foi tornar sagrado o corpo. À luz da sagração que
“Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que
habita em vós, a qual recebestes de Deus, e que, por isto mesmo, já
não vos pertenceis? (...) Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo.” 50
aos castigos corporais por praticar sacrilégios, serviu como ordem fundante
Filho aponta a intrínseca ligação com a religião. Neste sentido, pondera que a
50
BÍBLIA SAGRADA. Cit., p. 1470: Coríntios, cap. 6, 19-20.
51
A noção de magia adotada pelo Professor Willis Santiago Guerra Filho refere-se ao elemento
fundante da ordenação política das comunidades primitivas. Trata-se da capacidade dos povos
em conceber o mundo a partir de operações mentais advindas da observação dos fenômenos
naturais. O sujeito que assim atuava, tornava “objetivas idéias e associações delas (das
operações mentais), imaginando criar as coisas que lhes sugerem seus pensamentos, por crer-
se mestre das forças naturais como o era de seus próprios gestos”. (GUERRA FILHO, Willis
Santiago. Teoria política do direito: uma introdução política ao direito. Brasília: Brasília
Jurídica, 2000, p. 30-1).
52
religiões concentraram o poder em torno dos seus postulados dogmáticos,
52
Idem, 2000, p. 31.
53
na ação divina, revestindo o relacionamento entre homens e
divindade de um caráter, por assim dizer, jurídico.”53
sujeito que o titulariza, um dado desvela do domínio das instituições. Ainda que
53
Ibidem, p. 31.
54
relações corporais, expressam-se performances de gênero e experimentam-se
desejos.
54
“Assim, a divisão celular meiótica produz duas células-filhas, cada uma das quais tem
metade do número de cromossomos presentes na célula-mãe original. Por exemplo, depois da
meiose, uma célula humana com quota padrão de 46 cromossomos transforma-se em óvulo ou
em espermatozoide com apenas 23, prontos para se encontrar com sua ‘outra metade’. A
meiose, que divide pela metade o número de cromossomos por célula, e a fertilização (após a
relação sexual, a polinização das flores ou a conjugação dos protoctistas ou dos fungos), que
duplica esse número, têm que andar de mãos dadas.” (MARGULIS, Lynn; SAGAN, Dorion. O
que é a vida? Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 148).
55
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria
Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 19. ed. Rio de Janeiro: Graal,
1988, p. 159.
55
portanto, qualquer outra perspectiva enraizada na dimensão erótica no
com elementos externos que podem ser incorporados a partir das referências
sujeitos.
expressa.
56
probabilidade de vida, saúde individual e coletiva, forças que se
podem modificar, e um espaço em que se pode reparti-las de modo
ótimo. Pela primeira vez na história, sem dúvida, o biológico reflete-
se no político; o fato de viver não é mais esse sustentáculo
inacessível que só emerge de tempos em tempos, no caso da morte
e de sua fatalidade: cai, em parte, no campo do controle do saber e
de intervenções do poder.”56
rejeitado.
56
Idem, 1988, p. 155.
57
a intervenções que visam todo o corpo social ou grupos tomados
globalmente.”57
57
Ibidem, p. 158-9.
58
refere ao feminino, estabelecendo uma oposição absoluta e rígida entre
dominador e dominado.
Ainda que se tenha consciência que nem toda relação sexual resulte na
59
próximas ou familiares, autoridades religiosas ou políticas, ou mesmo de
orgasmos.
60
indivíduos quanto para, principalmente, as instituições sociais, pois autoriza o
liberdades.
58
“Se um homem dormir com outro homem, como se fôsse mulher, ambos cometeram uma
coisa abominável. Serão punidos de morte e levarão sua culpa.” (BÍBLIA SAGRADA. Cit., p.
164: Levítico, cap. 20, 13.).
61
“É pelo sexo efetivamente, ponto imaginário fixado pelo dispositivo
de sexualidade, que todos devem passar para ter acesso à sua
própria inteligibilidade (já que ele é, ao mesmo tempo, o elemento
oculto e o princípio produtor de sentido), à totalidade de seu corpo
(pois ele é uma parte real e ameaçada deste corpo do qual constitui
simbolicamente o todo), à sua identidade (já que ele alia a força de
uma pulsão à singularidade de uma história). (...) Daí a importância
que lhe atribuímos, o temor reverente com que o revestimos, a
preocupação que temos de conhecê-lo. Daí o fato de ter se tornado,
na escala dos séculos, mais importante do que nossa alma, mais
importante do que nossa vida; e daí todos os enigmas do mundo nos
parecem leves comparados a esse segredo, minúsculo em cada um
de nós, mas cuja densidade o torna mais grave do que todos.”59
59
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Cit., p. 169-170.
62
CAPÍTULO II
A JURISDICIALIZAÇÃO DA DIVERSIDADE SEXUAL
dos séculos XVII e XVIII centrou-se na absoluta distinção entre razão e fé,
ciência todo saber que, por sua capacidade analítica, alcançava a verdade
63
“No início do século XIX, a ciência moderna tinha já sido convertida
numa instância moral suprema, para além do bem e do mal.
Segundo Saint-Simon, a crise moral que grassava na Europa desde
a Reforma, e a consequente separação entre os poderes secular e
religioso, só podia ser resolvida por uma nova religião. Essa religião
era a ciência. Foi assim que a política se transformou num campo
social de carácter provisório com soluções insatisfatórias para
problemas que só poderiam ser convenientemente resolvidos se
fossem convertidos em problema científicos ou técnicos: a célebre
transformação saint-simoniana da administração das pessoas numa
administração de coisas.”60
sistema para o seu pleno funcionamento. Por outro lado, para a sua total
combinação (interação) precisa das suas partes – o todo a partir da junção das
partes.
verdade acerca dos elementos naturais que compõem os corpos vivos, obtida
60
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a
política na transição paradigmática. v. 1. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 51.
64
sexualidade, gênero e raça. A ciência biológica passou a emprestar o seu
61
Idem, 2007, p. 50.
65
Direito. A ciência jurídica, cuja origem está atrelada à estrita produção
seu império normativo. É necessário que, para assegurar sua força coativa e
de fragilidades.
cumpri-la. Mesmo que a sua elaboração esteja maculada por vícios formais ou
62
Ibidem, p. 52.
66
coercitivamente a todos – sob pena de sua inobservância fazer desmoronar o
argumento de força, que o Direito se constitua num sistema fechado (que basta
que se afaste de valores da Justiça, ainda que se recuse a entender que a lei
é, antes de tudo, o que se interpreta do seu comando normativo, dura lex, sed
lex.63
63
A ideia de um Direito puro encontra a sua formulação mais arrojada na obra de Hans Kelsen.
Objetivando fundar uma Teoria Geral do Direito, afirma, no prefácio da primeira edição de
Teoria Pura do Direito, que a norma jurídica deve ser “purificada de toda ideologia política e
de todos os elementos de ciência natural, uma teoria jurídica consciente da legalidade
específica do seu objeto”, devendo “aproximar tanto quanto possível os seus resultados do
ideal de toda ciência: objetividade e exatidão”. Adiante, reafirmar seu objetivo em “garantir um
conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não
pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito”.
Ao discutir a relação entre Direito e Moral, por exemplo, o jus filósofo afirma a relatividade do
valor da moral, apontando a impossibilidade de estabelecer um único sistema de Moral
absoluta de modo a coincidi-lo com o sistema jurídico. “Com efeito, quando se não pressupõe
qualquer a priori como dado, isto é, quando se não pressupõe qualquer valor moral absoluto,
não se tem qualquer possibilidade de determinar o que é que tem de ser havido, em todas as
circunstâncias, por bom ou mau, justo e injusto. (...) A exigência de uma separação entre
Direito e Moral, Direito e Justiça, significa que a validade de uma ordem jurídica positiva é
independente desta Moral absoluta, única válida, da Moral por excelência, de a Moral”. E
conclui: “Na verdade, o conceito de ‘bom’ não pode ser determinado senão como ‘o que deve
ser’, o que corresponde a uma norma”. Tais posicionamentos, destaca-se, estão em plena
harmonia (ou são dele consequentes) com todo o intento experimentado ao longo dos séculos
XIX e XX de se elaborar uma ciência objetiva, engendrada a partir da análise exclusiva do seu
próprio objeto de estudo. Intenta-se produzir postulados livres de variações externas ou
influências advindas do que seja estranho ao sistema que integra. Desta maneira, pretendia-se
elaborar um conhecimento jurídico cujo fundamento de validade estivesse intrínseco à própria
norma dele decorrente, tornando-a inquestionável e portadora de imediata eficácia. (KELSEN,
Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998, p. 1, 73, 75.).
67
intervenção coercitiva sobre as liberdades individuais. Destarte, o Estado e o
elaboração dos seus postulados, o Direito padece de uma limitação que impõe
68
sexualidade o Direito encontra-se, por si só, desamparado. Não se percebe
tutela jurídica.
64
Ressalta-se, todavia, que se eximir da definição de determinados temas referentes a matéria
da sexualidade, dentre outros (especialmente no que se refere às controvérsias morais), é
extremamente salutar. Do contrário, correr-se-ia o risco de serem impostas, peremptoriamente,
condutas exclusivas normatizadas (avessa à natureza humana: dinâmica, complexa e
emancipatória), impondo, com a chancela do Estado, punições a quaisquer outras que não
seguissem o padrão normatizado.
65
O debate sobre a sexualidade, dada a sua complexidade e inerente dimensão de poder, o
diálogo do Direito com a Biologia se amplia, aproximando-se da sociedade por meio de
argumentos desprovidos de fundamentos científicos, senão baseados em valores morais e,
igualmente, por apego a preceitos religiosos. Implica afirmar que a construção dos postulados
jurídicos sobre sexo, corpo, gênero e sexualidade estão imbrincados com outras formas de
conhecimento que resultam em, para além de asseverar o fundamento de validade, fortalecer a
legitimidade e aplicabilidade das normas jurídicas atinentes à experiência sexual das pessoas.
69
Considerando como pressuposto à tutela estatal toda a relação que,
sexo, limita-se a tratar o tema sob o prisma biologizante, amparado por valores
podem contribuir para subverter a lógica adotada pela ciência jurídica para,
70
2.2.1. O CONSTITUCIONALISMO DE 1988
todos, indistintamente.
pessoa humana.
71
democraticamente elaborada após a edição da Declaração Universal dos
machismo.
72
foram olvidados ou mesmo desprezados. Ainda, no mesmo instante em que
jurídico. Ainda assim, se constitui como um produto do seu tempo, o que torna
73
assegurar o pleno exercício da cidadania dessa população, bem como
às diferenças sexuais.
74
A luta pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
cidadã LGBT.
66
FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas?: movimento homossexual e produção de
identidades coletivas nos anos 90. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 93. (Sexualidade,
Gênero e Sociedade. Homossexualidade e Cultura).
75
O movimento LGBT brasileiro começou a se organizar no final dos
anos 70 do século XX, a partir das lutas pela reconstrução democrática, com a
outro.
existentes até então. O ano de 1995 foi singular para o movimento LGBT
76
direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. A reivindicação
identidade sexual.
67
As Paradas do Orgulho LGBT representam um importantíssimo instrumento na luta pela
afirmação dos direitos da diversidade sexual. Tornar lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais visíveis, dentro do contexto em que se constituem como sujeitos sociais e de
direitos, afirmando uma identidade própria e reivindicando organizadamente a concretização da
sua cidadania, é, sem dúvida, a principal contribuição desta manifestação política. Neste
sentido, pondera Trevisan: “Numa grande diversidade de idades, gostos e estilos, as pessoas
presentes à Parada pareciam ter perdido o medo de ocultar suas identidades, ostentando
rostos agora abertos, com alegria e desconcentração, e dançando ao som de carros de tipo trio
elétrico, em meio à animação de vários carros alegóricos. Durante quatro horas, promoveu-se
uma ampla visibilidade de massa, que tornou a Parada um evento político da maior
importância, no contexto das lutas pelos direitos homossexuais no Brasil. Uma evidência da
repercussão para além do gueto foi sua inclusão no calendário turístico da cidade de São
Paulo.” (TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da
colônia à atualidade. 6. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 379.).
77
As conquistas obtidas pelo movimento social ao longo dos últimos
68
Decreto Estadual nº 54.032, de 18 de fevereiro de 2009.
69
A Portaria nº 016/2008, da Secretaria de Educação do Estado do Pará, estabelece que todas
as Unidades Escolares da Rede Pública Estadual deverão passar a registrar, no ato da
matrícula, o “prenome social” de travestis e transexuais, devendo esse ser observado durante a
permanência dessas pessoas na vida escolar.
78
Especificamente no âmbito do Congresso Nacional, apesar de esforços
elemento posto, objetivado, real. Seja nas relações privadas, seja no âmbito do
da sexualidade; (2) emprestar outro olhar para as relações jurídicas além das
reconhecimento jurídico-político.
âmbito normativo, uma vez que tal feito é permeado por valores estranhos ao
79
bojo da incompletude de determinados conceitos que, no âmbito da gramática
enraizado num dado espaço social. São expressões de valores morais, juízos
sexo.
70
Toma-se como exemplo a contribuição de Jurandir Freire Costa que cunha a expressão
homoerotismo: “Homoerotismo não é uma palavra neutra, do ponto de vista dos valores. Com
ela pretendo revalorizar, dar outro peso moral às experiências afetivo-sexuais que, hoje, são
pejorativamente etiquetadas de homossexuais. Quando mudamos os conceitos, mudamos os
problemas e com eles as interpretações que damos de certos fatos”. (COSTA, Jurandir Freire.
Politicamente correto. In: Revista teoria & debate. n. 18. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, maio/jun/jul 1992, p. 24.).
80
A construção do conceito deu-se a partir do amadurecimento que o
família.
71
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. rev. atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 67-8.
81
que, enfim, conseguia atingir os seus objetivos: afirmar que as relações
72
DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito e a justiça. 4. ed. rev. atual. ampl.
Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 99-100.
82
Outras tentativas de elaboração de conceitos para designar as
expressão homoessência:
73
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais
homossexuais. Curitiba: Juruá, 2005, p. 51.
83
possível afirmar que se corporificou num autêntico instituto jurídico, galgando
humana.
É o caso das relações entre homossexuais ou bissexuais, que pode estar antes
84
exercício, enquadrando-os, por exemplo, na prática de lesão corporal,
devidamente tipificada na legislação penal brasileira, art. 129. Desde que livres
direito à saúde e direito registral, que devem ser objeto da tutela jurídica,
74
“Oportuno se torna lembrar o quanto é importante para o transexual a adequação do seu
corpo à mente, sendo a única saída vislumbrada para a recuperação de sua saúde. No
entanto, a adequação do corpo do transexual parece, segundo o entendimento de alguns
poucos, colidir com o princípio da indisponibilidade do corpo humano. Em 1978, o jurista
Heleno Cláudio Fragoso proferiu parecer, onde entendia que o cirurgião plático Roberto Farina,
condenado a dois anos de reclusão sob a alegação de ter infringido o disposto no art. 129, § 2º,
III, do Código Penal brasileiro, havia atuado estritamente dentro dos limites do exercício do
direito (art. 23, III do Código Penal), não praticando crime algum. Farina havia realizado cirurgia
em Waldir (Waldirene) Nogueira em 1971, a primeira do gênero no país. A 5ª Câmara do
Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, por votação majoritária, em 06.11.1979, deu
provimento ao apelo e absolveu o condenado. Para o Tribunal, o médico não agiu
dolosamente, pois pretendia ‘curá-lo ou reduzir seu sofrimento físico ou mental. Semelhante
cirurgia não é vedada pela lei, nem pelo Código de Ética Médica’.” (VIEIRA, Tereza Rodrigues.
Nome e sexo: mudanças no registro civil. Cit., p. 241.)
85
Estado. A título exemplificativo, citam-se o Direito Administrativo (criação de
LGBT.
75
“Art. 3º, IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação”; “Art. 5º, XLVIII - a pena será cumprida em
86
possível asseverar que as referências textuais atinentes a este tema estão
infundadas desigualdades.
87
2.4.1. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A ESCOLHA
FUNDAMENTAL: A IDEIA DE IGUALDADE
76
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. 2. tir. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2003, p. 78.
88
determinados princípios constitucionais, de modo a assegurar o exercício dos
objetivos, não sendo estes excludentes entre si. Destarte, importa, sobre um
77
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
5. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 31-2.
89
–, já que a linguagem nunca é algo pré-dado, mas algo que se
concretiza no uso ou, melhor, como uso. Essas considerações levam
ao entendimento de que a atividade do intérprete – quer julgador,
quer cientista – não consiste em meramente descrever o significado
previamente existente dos dispositivos. Sua atividade consiste em
constituir esses significados. Em razão disso, também não é
plausível aceitar a idéia de que a aplicação do Direito envolve uma
atividade de subsunção entre conceitos prontos antes mesmo do
processo de aplicação.”78
78
Idem, 2006, p. 32.
79
“O direito objetivo não é um aglomerado aleatório de disposições legais, mas um organismo
jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, que convivem
harmonicamente. A interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade do ordenamento
jurídico. Através dela, o intérprete situa o dispositivo a ser interpretado dentro do contexto
normativo geral e particular, estabelecendo as conexões internas que enlaçam as instituições e
as normas jurídicas.” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição:
fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. ampl. São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 136).
80
“As normas devem ser aplicadas atendendo, fundamentalmente, ao seu espírito e à sua
finalidade. Chama-se teleológico o método interpretativo que procura revelar o fim da norma, o
valor ou o bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito.” (Idem, 2004,
p. 138).
90
população LGBT, quando em condição de igualdade aos demais cidadãos,
81
BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da
dignidade da pessoa humana. 2. ed. amplamente rev. ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.
117.
91
Assim, diante da persistência do conflito interpretativo, Ana Paula de
mínimo, que lhe garanta a capacidade de ter efetividade, e este não pode ser
82
Idem, 2008, p. 117-8.
92
posicionamento, o que poderá, senão expor razões baseadas em argumentos
garantias.83
83
Humberto Ávila, ao analisar a ponderação como técnica de interpretação, aponta a
necessidade de dotar este método de critérios formais ou matérias, afirmando que a sua
proximidade com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade é insuficiente para
dotá-la de suficiente aplicabilidade. Assim, propõe três etapas para “evoluir para uma
ponderação intensamente estruturada”. A primeira seria a preparação para a ponderação,
momento em que devem ser analisados os elementos e argumentos trazidos à seara
interpretativa e sua adequação. A segunda, realização da ponderação, centra-se no exercício
de fundamentar a relação entre os elementos objeto de sopesamento, definindo a primazia
entre um e outro. A terceira, reconstrução da ponderação, em que se estabelecem “regras de
relação, inclusive de primazia entre os elementos objeto de sopesamento, com a pretensão de
validade para além do caso”. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à
aplicação dos princípios jurídicos. Cit., p. 132.).
93
concreto, excluindo disparidades injustificáveis, ainda que resulte em
em conta que nenhuma norma está posta sem uma carga axiológica
interpretação destes preceitos normativos deve ser antecedida por uma opção
84
““Relativamente à razoabilidade, dentre tantas acepções, três se destacam. Primeiro, a
razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as
individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser
aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas
especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a razoabilidade é empregada
como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo a qual elas fazem
referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato
jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela
pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige relação de
equivalência entre duas grandezas.” (Idem, 2006, p. 139.).
85
Ressalta-se que a realização da ponderação entre princípios e regras conflitantes como
forma de definir conteúdo jurídico da norma não exclui a utilização de outras técnicas de
interpretação, a exemplo da interpretação sistemática ou teleológica, o que permanece sendo
salutar para o exercício hermenêutico.
94
hermenêutico tenderá a percorrer apenas os caminhos das ideologias,
seguida, está inserido no texto do art. 3°, incisos III (erradicar a pobreza e a
95
são iguais em direitos e obrigações. De resto, ao longo de todo o texto
um alto e uníssono grito que ecoa por toda estrutura jurídico-política do Estado
96
nobreza e Igreja, bem como a grave situação econômica que o restante da
86
“Ao lado da crise fiscal, estopim da de governabilidade, uma grave crise econômico-social se
abatia sobre o país. Invernos rigorosos e verões especialmente chuvosos ocasionaram
péssimas safras em 1788 e 1789, fazendo os preços dos gêneros agrícolas e de seus
subprodutos dispararem, especialmente o do pão, fundamental na alimentação do povo.
Açambarcadores e especuladores tiraram partido do salto da inflação. Além disso, a
superioridade inglesa na concorrência pela oferta de produtos têxteis também estancou a
atividade desse ramo das manufaturas francesas, gerando prejuízos e desemprego. Multidões
de miseráveis perambulavam pelas cidades e pela zona rural, buscando sobrevivência na
mendicância ou extravasando seu ódio aos privilegiados mediante saques e atentados contra
senhores rurais, ou dedicando-se simplesmente à delinqüência. Até a média burguesia
ressentia-se amargamente da deterioração de seus meios de vida, especialmente porque, já
havia algum tempo, nobres que vinham perdendo rendas, ou que se encontravam mesmo em
vias de empobrecimento, valeram-se de seus privilégios ‘de sangue’ e conseguiram impor ao
rei o retorno da exclusividade aristocrática sobre os cargos públicos mais vantajosos. A quase
totalidade dos plebeus foi expulsa dos graus mais cobiçados da hierarquia da administração.
No exército isso era causa de grande descontentamento, pois, desde um edito real de 1781, o
acesso às patentes de oficial ficou restrito exclusivamente aos nobres "de espada" e, assim
mesmo, se possuíssem ‘três graus de nobreza’. Assim, começaram a brotar, principalmente
dos estratos intermediários do terceiro estado, ardorosos agitadores políticos imbuídos de
idéias iluministas.” (TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos.
São Paulo: Peirópolis, 2002, p. 45-6.).
87
“Em verdade, o povo-símbolo, se não foi criação do Idealismo burguês do século XVIII, foi,
com certeza, herança do Jusnaturalismo. Grandiosa herança, em vários sentidos! Mormente
por fazer-se ele mola e impulso de ações revolucionárias que alteraram profundamente a
substância e o caráter do Estado Moderno, tendo por epílogo a passagem do Absolutismo ao
Constitucionalismo (...) Quando o povo incorpora a alma da Nação, toma consciência do
destino, proclama os elementos espirituais da identidade ou se revela nas qualidades morais e
nas virtudes associativas da cidadania, esse povo é imortal.” (BONAVIDES, Paulo. Teoria do
estado. 5. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 35.).
97
séculos XVII e XVIII impulsionaram a formação de uma nova organização
poder absoluto que assegurava aos reis a imposição da sua vontade como
pelo legislador.
88
“Para assegurar tais condições na forma de valores jurídicos superiores, no processo
histórico de constituição e evolução do Estado definido pela soberania, principiou e ainda se
processa a declaração de direitos perante o soberano. Em 1789, esses valores são a liberdade
e a propriedade. (...) Sobretudo, a liberdade. (...) Este, o valor jurídico superior que enformou a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França.” (BARROS, Sérgio Resende de.
Direitos Humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 363.).
98
estatal; abandonava, deste modo, elementos materiais – outrora
explícitos ou implícitos – para configurar um esquema formal
abstrato, vazio em si mesmo de conteúdo.”89
89
RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual:
a homossexualidade no direito brasileiro e norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 34.
90
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed.
11. tir. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 10.
99
O conteúdo do princípio da igualdade no seu aspecto formal impõe-
91
RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual:
a homossexualidade no direito brasileiro e norte-americano. Cit., p. 41.
100
Há casos em que o próprio direito reconhece diferenciações entre as
92
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Cit., p.
17.
101
estabelecer tratamento igualitário aos seus destinatários, quanto a elaboração
possa intentar criar. É sujeito de sua própria história, detentor das linhas que
jurídico que o insere ao coletivo: ser pessoa. E por esta mesma razão, pessoa
juridicamente iguais.
93
Roger Raupp Rios, ao tratar do princípio geral da não-discriminação, reconhece sua
incorporação ao texto da Constituição: “Dado que a formulação meramente abstrata do
princípio da igualdade não foi capaz de contornar as desigualdades conscretas, gerando
tratamentos desiguais incompatíveis com a universalidade da regra de direito, foi necessária a
expressa poribição pelo ordenamento jurídico da adoção de certos critérios de diferenciação,
como reza o art. 3º, IV, da Constituição da República de 1988.” (RIOS, Roger Raupp. O
princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade no
direito brasileiro e norte-americano. Cit., p. 44.) Igual entendimento está expressado em outra
obra de sua autoria, donde reforça a opção do legislador constituinte em reconhecer o princípio
da igualdade dentro dos marcos da proibição de discriminação. (RIOS, Roger Raupp. A
homossexualidade no direito. Cit., p. 71.).
94
RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual:
a homossexualidade no direito brasileiro e norte-americano. Cit., p. 45.
102
A percepção das diferenças que tornam singular cada indivíduo não
essencial para fazer mover a máquina, sem que pudesse desfrutar dos
plenos direitos.
103
primeira fase da Revolução Francesa porque, de fato, isso lhes
bastava. A liberdade conquistada estava quase na medida de suas
conveniências, isto é, liberdade econômica para os empresários e
liberdade de assalariamento para os trabalhadores. (...) Quanto à
igualdade, esta, sim, estava no ponto certo: igualdade perante a lei –
nada mais. O fim dos privilégios legais de nascimento era o suficiente
para os que defendiam muito bem os novos privilégios da fortuna.”95
“De certa forma, essa situação nova criou condições para que
começasse a ser levantada a ponta do véu: o discurso dos direitos
humanos, de plataforma generosa e universal, como a burguesia o
apresentara quando necessitara mobilizar o entusiasmo e a energia
do povo, muito rapidamente se convertera em ideologia legitimadora
de uma nova dominação social. À medida que passara de
revolucionária a conservadora, a burguesia impusera, desde o triunfo
de 1789, sua versão de classe dos direitos humanos. Essa versão
embutia a contradição óbvia entre liberdade (burguesa) e igualdade,
conferindo aos direitos humanos a função social de preservação do
novo domínio. Não tardaria que isso fosse percebido e formulado no
plano conceitual. Mas, primeiramente, essa inquietação se
manifestou no terreno da prática social: de modo confuso, movidos
95
TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. Cit., p. 115.
104
mais pelo desespero do que por uma consciência socialmente
organizada, o proletariado emerge da Revolução Industrial e as
camadas sociais que lhe eram próximas começaram a engendrar
caminhos próprios de autodefesa.”96
seus direitos inerentes, fez com que, no plano formal, fossem assegurados
liberdade, somava-se o anseio por efetiva igualdade. Sua mera enunciação nos
direitos.
96
Idem, 2002, p. 117.
105
“Dito de outro modo, a igualdade na lei, ao atentar para as
inúmeras e multifacetadas diferenças existentes entre as
pessoas e situações, objetiva reconhecê-las e a elas empregar
desigual consideração jurídica na proporção destas distinções.
Para a obtenção deste resultado precisa-se, assim, perceber
aquilo que equipara ou diferencia uns dos outros. É necessário,
portanto, identificar as semelhanças e diferenças, adentrar no
conteúdo, naquilo que se considera relevante (ou não) para fins
de equiparação ou diferenciação. Avançar neste rumo exige
vencer a abstração formal sob a qual se forjou a igualdade
perante a lei.”97
97
RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual:
a homossexualidade no direito brasileiro e norte-americano. Cit., p. 48-9.
98
SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do
cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Introdução: para
ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade, p.56.
106
situa-se num tempo determinado. Importa afirmar que diferenças e igualdades
uma decisão política, antes que jurídica, que obriga sua fundamentação. Trata-
desigualdade possa ser livre, o mesmo deve estar limitado pelos direitos e
99
Acerca da necessidade de fundamentação da decisão que estabelece ou não diferenciações
de tratamento jurídico, baseadas no princípio da igualdade, assim pondera Roger Raupp Rios:
“Desta maneira formuladas, a norma de tratamento igual e a norma de tratamento desigual
distanciam-se na medida em que a desigualdade de tratamento exige uma fundamentação
para se impor, ao passo que o mandato de igualdade de tratamento se satisfaz com a simples
inexistência de uma fundamentação que permita uma diferenciação. Em princípio, portanto,
está exigido um tratamento igual, sendo permitido um tratamento desigual se e somente se for
possível justificá-lo.” (RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Cit., p. 77.).
107
homens são diferentes, por exemplo com relação ao próprio destino,
característica do indivíduo: razão pela qual, se é verdade que todos
os homens morrem, é igualmente verdade que todos os homens
morrem de diferentes modos. É claro que partir de certos fatos e não
de outros, de dados comuns e não dos dados individuais, é a
consequência de uma opção ética.”100
100
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Organizado por Michelangelo Bovero.
Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. 15. reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p.305-6.
108
O direito à diferença é, portanto, anterior e pressuposto à
das diferenças, assegurando a todos o pleno gozo dos seus direitos mais
elementares.
e promovida.
109
Uma vez reconhecida a diversidade sexual como integrada no
legislador e intérprete.
gozar de amplos poderes, concentrados nas mãos dos que detinham a função
passasse a operar o jogo político com mais força e poder decisório que os
110
demais, colocando em risco a novel estrutura política, agora ameaçada por
101
“Em contexto no qual tudo dependia da vontade última da lei (formal), o Estado (e quem o
representava) pôde diminuir o impacto revolucionário e constitucional inicialmente traçado (de
nítido conteúdo material). apesar das declarações vivamente proclamadas, apenas a lei
poderia conferir eficácia jurídica aos direitos almejados. Pelo domínio da lei foi possível, assim,
dominar os direitos, embora algumas ocorrências isoladas tenham desconfirmado esse
postulado.” (TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva,
2005, p. 42.).
111
também conjunto normativo que disciplina as demais fontes do
Direito.”102
as ordens do novo regime político, como guardiã dos bens jurídicos mais
102
Idem, 2005, p. 42-3, 45.
112
vontade da Constituição, competirá a um órgão com esta exclusiva missão: a
Corte Constitucional.
desacordos morais. Nos últimos anos, diversos temas polêmicos, sob o ponto
103
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. Introdução de Sérgio Sérvulo da Cunha. São
Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 240. (Justiça e direito).
113
de vista das opiniões públicas, foram apresentados à apreciação da Corte,
1988.104
104
Dentre as discussões envolvendo temas afetos à desacordo moral razoável ocorridas no
âmbito do Supremo Tribunal Federal, destacam-se três cuja centralidade da análise versava
sobre direitos fundamentais e princípios constitucionais: ADI 3510/DF – Ação Direta de
Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da República em que questionava
eventual violação ao direito à vida do art. 5º, da Lei 11.105, de 24 de março de 2005 – Lei de
Biossegurança, pela utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para
fins terapêuticos. Entendeu o Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade do referido
artigo; ADPF 54/DF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental impetrada pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS que intentava declarar como
inconstitucional a interpretação que qualificava a interrupção da gravidez de feto anencéfalo
como conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. Centrado na
discussão sobre laicidade estatal, direitos reprodutivos, liberdade sexual, dentre outros, o
Supremo Tribunal Federal, em sua maioria, afastou a referida interpretação, por entender que a
prática abortiva em comento não violava o direito à vida, não se configurando como uma
conduta criminosa; ADPF 186/DF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
proposta pelo Partido Democratas que alegava que o sistema de cotas étnico-raciais para
ingresso de estudantes adotado pela Universidade de Brasília feria preceitos constitucionais,
em especial os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Por unanimidade,
os Ministros rejeitaram o pedido, afirmando que cabe ao Estado “adentrar no mundo das
relações sociais e corrigir a desigualdade concreta para que a igualdade formal volte a ter o
seu papel benéfico”, nas palavras da Ministra Rosa Weber. Além da importância da discussão
em questão, este julgamento tornou-se emblemático na história do STF por ter proporcionado a
realização da primeira audiência pública em que diversos atores sociais puderam contribuir
para a formação do entendimento da Corte.
114
família, assegurando tratamento jurídico segundo as mesmas regras e
direitos às uniões estáveis formadas por quaisquer vínculos afetivos teve início
homoafetivos.
115
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 178)
Inconstitucionalidade 4277.
Mello, que asseverou a busca pela felicidade como direito fundamental implícito
determinação pessoal.
105
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4722/DF. União
homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico. Acórdão. Relator Ministro Ayres
Britto. Brasília, 05/05/2011. Publicado em 14 de outubro de 2011.
116
Ainda no que tange aos direitos da diversidade sexual, o Supremo
deve ser precedida por uma escolha política. Neste particular, insere o debate
117
sistema normativo constitucional, integrado por regras e princípios
Carta Magna passa, portanto, a servir de referencial inicial para a atuação dos
diversidade sexual.
118
lado, o Estado, guiado por normas fundamentais estabelecidas por racionais
dentre outros. Podem ser coincidentes ou, por vezes, conflitantes. Em face da
Esta mesma dicotomia pode ser expressa pelo conflito entre Direito
106
Sobre a ideia (não o conceito) de moral, assim se expressa Bobbio: “O problema de fundo é
sempre o mesmo. Nasce da constatação de que se pode manifestar um contraste entre as
ações humanas em todos os campos e algumas regras fundamentais e gerais da conduta
humana, habitualmente chamadas de regras morais, e como tais impostas como obrigatórias,
sem as quais a convivência não apenas impossível mas altamente infeliz. Provisoriamente,
podemos nos contentar em dizer que a finalidade de muitas regras morais é tornar possível
uma boa convivência, donde por ‘boa’ se entenda uma convivência em que estejam diminuídos
os sofrimentos que os homens podem infligir a si mesmos com sua conduta, uns contra os
outros (sofrimentos que são inelimináveis, ao contrário, no mundo animal, onde domina
impiedosa a luta pela sobrevivência), e possam ser protegidos alguns bens fundamentais como
a liberdade, a justiça a paz e um mínimo de bem-estar.” (BOBBIO, Norberto. Elogio da
serenidade e outros escritos morais. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo:
UNESP, 2002, p. 85-6.).
119
aufere a depender do tempo e espaço em que se projetam. Sua eficácia não
107
Idem, 2002, p. 88.
120
sexualidade que esta situação aparentemente contraditória melhor se
expressa.
108
Ibidem, p. 86.
121
compõem o espaço público. (...) Neste sentido, o conflito é essencial
à concretização da democracia.”109
posto vincular-se ao ato de produzir a própria norma. Esta produção pode estar
109
SALES, Dimitri Nascimento. Avançar no Estado Democrático de Direito: a participação
política na democracia brasileira. Cit., p. 59, 63.
110
Por força de dispositivo constitucional (art. 5º, XXXV), eventuais distorções que resultem em
ilegalidade podem ser corrigidas por meio dos mecanismos de controle da constitucionalidade,
prévios ou posteriores, ou por outras formas de intervenção judicial.
122
por meio do controle social sobre o exercício do Poder, realizado pelos
representados.
ser eticamente condenável, tal feito está legitimamente protegido pela lógica
parlamentos.
executiva e judiciária não está posto às mãos do legislativo; devem partir dos
123
assegurada a prerrogativa da decisão. Ainda que determinado gestor possa ter
outorgada ao Poder Executivo, é dita stricto sensu, uma vez que as ações
distinta daquela que orienta a atuação dos demais Poderes. Neste sentido, seu
124
posicionamento não requer coincidência tanto com as deliberações do Poder
apenas a operar decisões, a prerrogativa a ele atribuída é dita lato sensu. Não
111
BRITTO, Carlos Ayres de. O humanismo como categoria constitucional. 1. reimp. Belo
Horizonte: Fórum, 2010, p. 109, 112-3.
125
possibilidade da omissão), senão a abertura para distintas interpretações
asseverando que o conteúdo das suas decisões surta efeito erga omnes e
126
A tarefa precípua do Supremo Tribunal Federal será reconhecer a
dos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos. Tal feito tenderá
Federal brasileira.
127
CAPÍTULO III
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E DIVERSIDADE SEXUAL
128
internacionalização desses direitos, culminando na criação da
sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a
responsabilização do Estado no domínio internacional quando as
instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de
proteger os direitos humanos.”112
(OEA, 1948).
impactando tanto a elaboração das normas jurídicas dos Estados, como a sua
Poder Judiciário.
112
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. Cit., p.
123.
129
O empenho de inúmeros países no sentido de constituir e consolidar
além dos três elementos acima mencionados, dentre outros, uma importante
Direito:
113
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: o triunfo
tardio do direito constitucional no Brasil. In: QUARESMA, Regina; OLIVEIRA, Maria Lúcia de
Paula; OLIVEIRA, Farlei Martins Riccio de (coord.). Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 55.
130
“Una dimensión de la validez substancial (junto a uma dimensión de
validez formal respecto del órgano emisor y de las formas de
producción del derecho) compuesta por derechos fundamentales
(procedentes de manera expresa o implícita de la Constituición) y
derechos fundamentales (procedentes de manera expresa o
implícita de los Instrumentos Internacionales sobre Derechos
Humanos) que a priori tienen idéntica jerarquía (em resguardo del
pluralismo y tolerancia existentes em una sociedad integrada por
personas com biografías, mismidades y planes de vida diversos).”114
(destaque acrescido)
de produção normativa (que lhe é superior) e, por isso mesmo, outra seara
114
DOMINGUEZ, Andrés Gil. Escritos sobre neoconstitucionalismo. Buenos Aires: Ediar,
2009, p. 103-4.
131
“Outro aporte de enorme importancia ha sido la admisión
constitucional de la transferencia de competências nacionales a
organismos supranacionales, a fin de afianzar los procesos de
integración o la tutela transnacional de los derechos humanos.”115
115
SAGÜÉS, Néstor Pedro. Teoría de la Constitución. 1. reimp. Buenos Aires: Astrea, 2004,
p. 54.
132
Estado/povo, na emergência de um Direito Internacional dos Direitos
Humanos e na tendencial elevação da dignidade humana a
pressuposto inalienável de todos os constitucionalismos.”116
116
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7.
ed. 2. reimpr. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1217.
117
A expressão regla de reconocimiento constitucional pode ser traduzida por regra de
reconhecimento constitucional (tradução livre). Doravante, será utilizada a expressão em sua
versão traduzida para a língua portuguesa.
133
plasmados, e, nesta hipótese, formam o bloco de constitucionalidade,
ou são direitos autónomos não-reentrantes nos esquemas normativo-
constitucionais, e, nessa medida, entrarão no bloco da legalidade,
mas não no da constitucionalidade.” 118
118
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Cit.,
p. 921-2.
119
DOMINGUEZ, Andrés Gil. Escritos sobre neoconstitucionalismo. Cit., p. 106.
134
valores de uma sociedade fraterna, pluralista e democrática, o Estado brasileiro
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
meio de acordo entre forças políticas daquele período, capitaneadas pelo ex-
Carlos Menem, foi firmado o Pacto de Olivos, que traçou objetivos principais
135
constitucional caracterizado pela descentralização estatal e ampliação de
Acción Colectiva.
120
ARGENTINA. Constituição (1994). Constitucion Federal de la Republica Argentina.
Buenos Aires: Ediar, 2008, p. 14.
136
possibilitando a recepção de normas internacionais de direitos humanos pelo
“Art. 75, 22. Aprobar o desechar tratados concluidos con las demás
naciones y con las organizaciones internacionales y los concordatos
con la Santa Sede. Los tratados y concordatos tienen jerarquía
superior a las leyes. La Declaración Americana de los Derechos y
Deberes del Hombre; la Declaración Universal de Derechos
Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el
Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales;
el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo
Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción del
Delito de Genocidio; la Convención Internacional sobre la Eliminación
de todas las Formas de Discriminación Racial; la Convención sobre
la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer;
la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles,
Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre los Derechos del
Niño; en las condiciones de su vigencia, tienen jerarquía
constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta
Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y
garantías por ella reconocidos. Sólo podrán ser denunciados, en su
caso, por el Poder Ejecutivo nacional, previa aprobación de las dos
terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara. Los
demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de
ser aprobados por el Congreso, requerirán del voto de las dos
terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para
gozar de la jerarquía constitucional.”121
121
Idem, 2008, p. 24.
137
anteriormente expostas possuem distinções que, na concretude jurisprudencial
proteção aos direitos humanos, especialmente por expressar sua abertura aos
138
quarta corrente, defendida por parte da doutrina, que assevera a paridade
hierárquica supraconstitucional.122
garantias decorrentes do regime de princípios que ela adota” (Art. 153, § 36)
123
. Não obstante a ausência de previsão legal acerca de recepção da
do Pacto de San Jose da Costa Rica, tendo como parâmetro o que preceitua o
122
“É lícito sustentar-se, de acordo, aliás, com a opinião da maioria dos internacionalistas
contemporâneos, que o Direito Internacional é superior ao Estado, tem supremacia sobre o
direto interno, por isto que deriva de um princípio superior à vontade dos Estados. Não se dirá
que o poder do Estado seja uma delegação do direito internacional; mas parece incontestável
que este constitui um limite jurídico ao dito poder.” (ACCIOLY, Hidelbrando. Manual
internacional de direito internacional público. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 5).
123
BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil.
Organização do texto: Themístocles Brandão Cavalcanti, Luiz Navarro de Brito e Aliomar
Baleeiro. 2. ed. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de
Estudos Estratégicos, 2001, p. 165. (Coleção Constituições Brasileiras, v. 3).
139
art. 5º, LXVII, do ordenamento constitucional brasileiro124, reiterou-se que os
(126). Não obstante, esse posicionamento não foi capaz de promover consenso
sobre o Direito dos Tratados, ratificada pelo Estado Brasileiro por força do
124
Art. 5º, LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”
(BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização
do texto: Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes.
45. ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 11.).
125
Para alcançar esse entendimento, o Ministro Celso de Mello socorreu-se do direito
comparado, tendo trazido à discussão a preceituação da Constituição Argentina: “Diversa seria
a situação, se a Constituição do Brasil – à semelhança do que hoje estabelece a Constituição
Argentina, no texto emendado pela Reforma Constitucional de 1994 (art. 75, n. 22) – houvesse
outorgado hierarquia constitucional aos tratados celebrados em matéria de direitos humanos”
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 72.131/RJ. Paciente: Lairton Amagro
Vitoriano da Cunha. Impetrante: Marcelo Ferreira de Souza Granado. Coator: Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Impetrado: Sateplan Consórcios Ltda. Relator: Min.
Moreira Alves. Brasília, 23/11/1995. Publicado em 1º de agosto de 2003.).
126
São exemplos: Recurso Extraordinário 206.482-SP, Habeas Corpus 76.561-SP, Ação Direta
de Inconstitucionalidade 1480-3-DF e Recurso Extraordinário 243.613-SP.
140
humanos, com a observância do princípio da prevalência da norma
mais favorável, é interpretação que se situa em absoluta
consonância com a ordem constitucional de 1988, bem como com
sua racionalidade e principiologia. (...) Esse tratamento jurídico
diferenciado, conferido pelo art. 5º, § 2º, da Carta de 1988, justifica-
se na medida em que os tratados internacionais de direitos humanos
apresentam um caráter especial, distinguindo-se dos tratados
internacionais comuns. Enquanto estes buscam o equilíbrio e a
reciprocidade de relações entre Estados-partes, aqueles
transcendem os meros compromissos recíprocos entre Estados
pactuantes. Os tratados de direitos humanos objetivam a
salvaguarda dos direitos do ser humano, e não das prerrogativas dos
Estados.”127
127
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. Cit., p.
64-5.
128
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 79.785/RJ. Recorrente: Jorgina Maria
de Freitas Fernandes. Recorrido: Ministério Público Federal. Relator: Min. Sepúlveda Pertence.
Brasília, 29/03/2000. Publicado em 23 de maio de 2003.
141
Alteração substancial no entendimento do Supremo Tribunal
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
129
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Cit., p. 13.
142
aprovados pelo rito comum (maioria simples); 3) nada mencionou
quanto aos tratados anteriores à Emenda.”130
Constitucional nº 45, mas já sob a égide da Carta Política de 1988, uma vez
que não foram aprovados pelo novo ritual legislativo estabelecido, suscitavam
130
RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 234.
131
LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e
relações internacionais. Barueri, SP: Manole, 2005, p. 16.
132
Outra interessante controvérsia diz respeito à validade do instituto da Denúncia. Uma vez
que, tendo o tratado internacional sido aprovado pelo procedimento previsto no art. 5º, §3º, seu
conteúdo é incorporado ao ordenamento constitucional com status de garantia fundamental,
sendo, portanto, protegido como cláusula pétrea. Torna-se parte integrante da gramática
protetiva dos direitos humanos, não podendo dela ser arrancado. Nesse sentido, qual a
validade e eficácia da Denúncia?
143
Supremo Tribunal Federal. Em sede de novas demandas jurídicas, os Ministros
aprovados pelo rito estabelecido pelo art. 5º, § 3º, serão recepcionados no
133
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 466.343. Recorrente: Banco
Bradesco S/A. Recorrido: Luciano Cardoso Santos. Relator: Min. Cezar Peluso. Brasília,
03/12/2008. Publicado em 05 de maio de 2009.
134
Posicionaram-se a favor do reconhecimento da hierarquia constitucional dos tratados de
direitos humanos os Ministros Celso de Mello, Eros Grau e Ellen Gracie.
144
defendida pelo Ministro Sepúlveda Pertence quando do julgamento do Habeas
Corpus 79.785-RJ).
preceito normativo estabelecido pelo art. 5º, § 3º. Ainda que tenha avançado no
local.
145
especial mediante el cual otros tratados de derechos humanos
pueden lograr aquella miesma jerarquía.”135
135
CAMPOS, German J. Bidart. Manual de la constitucion reformada: Tomo I. 6. reimp.
Buenos Aires: Ediar, 2009, p. 481.
146
Valendo-se da denominada Doctrina del Seguimineto, em diferentes
convencionalidade.136
patamar mais elevado, uma vez que já havia sido superada a primária análise
147
aceptada por Ia Corte Suprema de Justicia argentina, órgano máximo
local de control de constitucionalidad, ya que no hay en el país un
Tribunal, Corte o Sala Constitucional especializado. Tal admisión
tiene como precedentes habilitantes Ia doctrina deI seguimiento a los
fallos de Ia Corte Interamericana, anteriormente sentada por Ia Corte
Suprema, Ia reforma constitucional de 1994, que otorgó al Pacto de
San José de Costa Rica, rango constitucional, y Ia circunstancia de
haber obedecido en 10s últimos tiempos Ia Corte Suprema lo
resuelto en un fallo por Ia Corte Interamericana, no obstante disentir
explícitamente con él. Pese a no haber en el país, estrictamente, un
control concentrado de constitucionalidad, dado que impera el
sistema estadounidense de control difuso, aquella tesis de Ia Corte
Suprema es en principio obligatoria para todos los tribunales de Ia
República, según regias consuetudinarias sentadas por ella misma. Y
en general, es respetada.”137
137
Idem, 2013, p. 357-8.
148
jurisprudências elaboradas pelos organismos jurisdicionais internacionais de
138
ALBANESE, Susana. La internacionalización del derecho constitucional y la
constitucionalización del derecho internacional. In: ALBANESE, Susana (coord.). El control de
convencionalidad. Buenos Aires: Ediar, 2008, p. 15-7.
149
interno, um sistema jurídico internacional com força de vincular seus comandos
139
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito
brasileiro. In: MARINONI, Luiz Guilherme; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Controle de
convencionalidade: um panorama latino-americano: Brasil, Argentina, Chile, México, Peru,
Uruguai. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p. 7.
150
do Estado, no âmbito externo, e na segurança nacional, no âmbito interno.140
140
PIOVESAN, Flávia. Controle de convencionalidade, direitos humanos e diálogo entre
jurisdições. In: MARINONI, Luiz Guilherme; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Controle de
convencionalidade: um panorama latino-americano: Brasil, Argentina, Chile, México, Peru,
Uruguai. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p. 118.
151
radicada na cidadania e nos direitos do cidadão, na expressao de
Norberto Bobbio.”141
dos órgãos que integram o sistema regional de proteção aos direitos humanos.
141
Idem, 2013, p. 118-120.
152
sua casa, na cidade de Rancagua, tendo sido, logo em seguida, executado
convencionalidade:
142
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano y
otros Vs. Chile. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. Disponível em:
<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf>. Acesso em: 27 de janeiro
de 2014.
153
amplitude dos referenciais normativos para o exercício da verificação de
humanos.
jurisdição comum.
143
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Trabajadores Cesados
del Congreso (Aguado Alfaro y otros) Vs. Perú. Sentencia de 24 de noviembre de 2006.
Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_158_esp.pdf>. Acesso
em: 27 de janeiro de 2014.
154
nas Opiniões Consultivas, bem como a extensão dos efeitos da jurisprudência
assim se posicionou:
144
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Trabajadores Cesados
del Congreso (Aguado Alfaro y otros) Vs. Perú. Sentencia de 24 de noviembre de 2006.
Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_158_esp.pdf>. Acesso
em: 27 de janeiro de 2014.
155
adequação à Constituição. Institui-se outro dever para os juízes nacionais, a
145
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Trabajadores Cesados
del Congreso (Aguado Alfaro y otros) Vs. Perú. Sentencia de 24 de noviembre de 2006.
Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_158_esp.pdf>. Acesso
em: 27 de janeiro de 2014.
156
ter também caráter difuso, a exemplo do controle difuso de
constitucionalidade, no qual qualquer juiz ou tribunal pode se
manifestar a respeito. À medida que os tratados forem sendo
incorporados ao direito pátrio os tribunais locais – estando tais
tratados em vigor no plano internacional – podem, desde já e
independentemente de qualquer condição ulterior, compatibilizar as
leis domésticas com o conteúdo dos tratados (de direitos humanos
ou comuns) vigentes no país. Em outras palavras, os tratados
internacionais incorporados ao direito brasileiro passam a ter eficácia
paralisante (para além de derrogatória) das demais espécies
normativas domésticas, cabendo ao juiz coordenar essas fontes
(internacionais e internas) e escutar o que elas dizem. Mas, também,
pode ainda existir o controle de convencionalidade concentrado no
STF, (...), na hipótese dos tratados de direitos humanos (e somente
destes) aprovados pelo rito do art. 5º, § 3º, da CF/1988 (uma vez
ratificados pelo Presidente, após esta aprovação qualificada). Tal
demonstra que, de agora em diante, os parâmetros de controle
concentrado (de constitucionalidade/convencionalidade) no Brasil
são a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos
ratificados pelo governo e em vigor no país.”146
146
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito
brasileiro. In: MARINONI, Luiz Guilherme; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Controle de
convencionalidade: um panorama latino-americano: Brasil, Argentina, Chile, México, Peru,
Uruguai. Cit., p. 33-4.
157
ao constitucionalismo. Seus julgados, constituintes de sólida jurisprudência,
das três Américas. Destaca-se que o trabalho até então desenvolvido tem sido
158
Unidade LGBTI147, cuja atuação centra-se, especialmente, na elaboração de
2013).
Comissão recebeu somente 7 (sete) denúncias, sendo que duas delas não
147
No âmbito do Sistema Americano de Direitos Humanos, utiliza-se a LGBTI para referir-se a
lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans (travestis e transexuais) e intersexuais. De igual
modo, refere-se às discriminações homofóbicas como as formas de violência e discriminação
enfrentadas pelas pessoas nas Américas, em virtude de sua real ou aparente orientação
sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero, ou por seu corpo se diferenciar do que é
considerado feminino ou masculino.
148
A Unidade LGBTI desenvolve suas ações a partir de quatro eixos fundamentais: (1)
elaboração de relatórios temáticos, regionais ou nacionais sobre a situação das pessoas LGBTI
nas Américas; (2) desenvolvimento de normas sobre a interpretação dos instrumentos
interamericanos de direitos humanos com respeito à orientação sexual, identidade de gênero,
expressão de gênero e diversidade corporal, por meio do sistema de casos e petições
individuais; (3) prestação de assessoramento técnico e contribuição aos Estados e órgãos
políticos da Organização dos Estados Americanos; e (4) monitoramento da situação dos
direitos humanos das pessoas LGBTI e promoção da visibilidade das violações contra seus
direitos humanos.
159
admissibilidades, uma resultou em acordo entre as partes envolvidas e o
Estado denunciado, uma foi arquivada e, por fim, três foram declaradas
Jayme Lopés Allende, sendo que desta relação nasceram três filhas. Em 2004,
ingressou com demanda judicial requerendo a guarda das filhas, alegando que
160
discriminação, bem como violação ao direito à vida privada e direito à vida
24, artigo 11(2) em paralelo com o art. 17(1), todos da Convenção Americana
de Direitos Humanos.
161
protección que el Estado debe ejercer con respecto a actuaciones y
prácticas de terceros que, bajo su tolerancia o aquiescencia, creen,
mantengan o favorezcan las situaciones discriminatorias.”149
149
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Atala Riffo y niñas Vs.
Chile. Sentencia de 24 de febrero de 2012. Disponível em:
<http://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_239_esp.pdf >. Acesso em: 27 de janeiro de
2014.
162
la orientación sexual la que no puede servir de sustento para negar o
restringir ninguno de los derechos establecidos en la Convención.”150
filhas.
150
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Atala Riffo y niñas Vs.
Chile. Sentencia de 24 de febrero de 2012. Disponível em:
<http://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_239_esp.pdf >. Acesso em: 27 de janeiro de
2014.
163
do país e a necessidade de se ampliar a proteção aos direitos humanos. Mais
ainda, colocou foco sobre o tema da diversidade sexual, até então tratado de
chileno. Abordado por um grupo neonazista após sair de uma boate destinada
violência homofóbica.
social se fez presente, por meio de mobilizações de rua e nas redes sociais.
caso Karen Atala e filhas versus Chile consolidou singular jurisprudência para
164
O conteúdo da decisão firma entendimento que assegura o respeito
agir e sua consequente atuação. Importa, sim, situar a luta política por
165
afirmação de direitos no campo real de intervenção de modo a avançar cada
LGBT impõe um dever ético de agir. Importa tirar da invisibilidade social uma
vista jurídico, não os diferencia dos demais cidadãos. Deste modo, é imperativa
sociedade.
166
CONSIDERAÇÕES FINAIS
de direitos.
dignidade de cada sujeito. Tem início, portanto, pelas ações que autonomizam
167
A afirmação da diversidade sexual partirá da retomada do corpo e o
168
deliberação, devendo esta ser realizada em observância aos princípios e
para a realização dos direitos das diferenças sexuais na medida em que sua
diversidade sexual.
impor o dever absoluto de agir, não está permitido atuar fora das linhas que
169
direitos fundamentais, no âmbito interno, atrelando-se, em igual condição de
170
instrumento de luta, retorna às mãos do Poder Judiciário local e, em último
tecido que, fio-a-fio, tem sido costurado para servir de pano de fundo de outra
171
concretização dos direitos humanos só será possível quando a dignidade de
pessoa. Por estes direitos moveram-se pessoas e moverão mais e mais, até
quanto mais eu faço amor, mais eu quero fazer revolução; quanto mais eu faço
172
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