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Seminário: A nova razão do mundo – ensaio sobre a sociedade neoliberal (Pierre Dardot1 e
Christian Laval2).
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1. Prefácio (um cotejo entre a edição brasileira – 2016 e a edição inglesa – 2014)
1 Pierre Dardot é filósofo e pesquisador da universidade Paris-Ouest Nanterre-La Défense, especialista no pensamento de Marx
e Hegel. Desde 2004, com Christian Laval, coordena o grupo de estudos e pesquisa Question Marx, que procura contribuir com
a renovação do pensamento crítico.
2 Christian Laval é professor de sociologia da universidade Paris-Ouest Nanterre-La Défense. É autor de L’Homme économique:
Essai sur les racines du néoliberalisme (Gallimard, 2007) e também de um volume de história da sociologia, L’ambition
sociologique (Gallimard, 2012). Após A nova razão do mundo, Dardot e Laval publicaram juntos Marx, prénom: Karl (Gallimard,
2012) e Commun: Essai sur la révolution au XXIe siècle (La Découverte, 2014). Atualmente estão escrevendo sobre a
radicalização do neoliberalismo após a crise de 2008.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA
1. PREFÁCIO (um cotejo entre a edição brasileira – 2016 e a edição inglesa – 2014)
- De início, os autores ressaltam que a obra foi construída no contexto da crise mundial de 2008.
Explicando: em resumo, a crise financeira de 2008 foi causada pela “bolha imobiliária” nos Estados
Unidos, causada pelo aumento nos valores imobiliários, que não foi acompanhado por um aumento de
renda da população, de modo que a grande população de baixa renda não conseguiu mais quitar seus
financiamentos imobiliários, quebrando vários bancos, como foi o caso do Lehman Brothers, seguido
por uma enorme queda das bolsas mundiais. Esse foi o início de uma das maiores crises econômicas
que o mundo já conheceu.
- Segundo eles, a compreensão política do neoliberalismo depende que se compreenda a natureza do
projeto social e político que ele representa e promove desde os anos 1930, quando ganhou força
como uma nova doutrina econômica de liberais europeus, numa tentativa de evitar os erros que
deram origem à crise de 1929 e que foi atribuída à política do liberalismo clássico.
- Todavia, os autores perceberam que a crise não foi suficiente para fazer o neoliberalismo
desaparecer e, muito pelo contrário, a crise apareceu para as classes dominantes como uma
oportunidade inesperada ou um verdadeiro modo de governo. Assim, constatou-se que o
neoliberalismo, apesar dos desastres que causa, possui uma notável capacidade de
autofortalecimento.
- Isso porque, para eles, “o neoliberalismo não é apenas uma ideologia, um tipo de política
econômica”, construído na crença ontológica de que o mercado tem uma realidade natural, de
modo que o teria vida própria, com condições de alcançar equilíbrio, estabilidade e crescimento sem
qualquer intervenção do governo.
- O neoliberalismo seria, então, muito mais. Ele também produz certos tipos de relações sociais,
certas maneiras de viver, certas subjetividades, ou seja, tem relação com a nossa própria
existência, com a forma como somos levados a nos comportar e nos relacionar com os outros
e com nós mesmos.
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“[...] governar é conduzir a conduta dos homens, desde que se especifique que
essa conduta é tanto aquela que se tem para consigo mesmo quanto aquela que
se tem para com os outros. É nisso que o governo requer liberdade como
condição de possibilidade: governar não é governar contra a liberdade ou a
despeito da liberdade, mas governar pela liberdade, isto é, agir ativamente no
espaço de liberdade dado aos indivíduos para que estes venham a conformar-se
por si mesmos a certas normas.”
- Os autores defendem a tese de que o neoliberalismo, antes de ser uma ideologia ou uma política
econômica, é fundamentalmente uma racionalidade e, como tal, tende a estruturar e
organizar não apenas a ação dos governantes, mas até a própria conduta dos governados. Essa
tese é fundamentada nos trabalhos de Michel Foucault (década de 1970), que trouxe o conceito de
“racionalidade política”.
- Segundo os autores, é necessário abordar a questão do neoliberalismo pela via de uma reflexão
política sobre o modo de governo modifica necessariamente a compreensão que se tem dele, pelas
seguintes razões:
2º - permite compreender que é uma mesma lógica normativa que rege as relações de poder
e as maneiras de governar em níveis e domínios muitos diferentes da vida econômica, política
e social.
- Os autores chamam atenção que o neoliberalismo tem uma história e uma coerência. Combatê-
lo exige não se deixar iludir, fazer uma análise lúcida dele, de modo a criticar um suposto discurso
da “esquerda radical”, defendida por Marx, que costuma reduzir o neoliberalismo à expansão
espontânea da esfera mercantil e do campo de acumulação do capital.
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- Em vez de um modo econômico de produção cujo desenvolvimento é comandado por uma lógica
que age à maneira de uma “lei natural” implacável, o capitalismo é um “complexo econômico-
jurídico” que admite uma multiplicidade de figuras singulares.
- Segundo eles, é perceptível que a sociedade neoliberal em que vivemos é fruto de um processo
histórico que não foi integralmente programado por seus pioneiros; os elementos que a compõem
reuniram-se pouco a pouco, interagindo uns com os outros, fortalecendo uns aos outros. Da mesma
forma como não é resultado direto de uma doutrina homogênea, a sociedade neoliberal não é reflexo
de uma lógica do capital que suscita as formas sociais, culturais e políticas que lhe convém à medida
que se expande.
- O neoliberalismo não é apenas uma resposta a uma crise de acumulação, ele é uma resposta
a uma crise de governamentalidade.
- Nesse ponto da obra expõe-se que várias crises dos séculos XX e XXI, taxadas como “monetária”,
“de excesso de finanças” ou “de orçamento”, foram, na essência, “uma crise global do
neoliberalismo como modo de governar as sociedades”, isto é, de um modo de governo das
economias e das sociedades baseado na generalização do mercado e da concorrência.
- Os autores anunciam que obra se propõe a examinar os caracteres diferenciais que especificam a
“governamentalidade” neoliberal. Então, não se busca restabelecer uma simples continuidade entre
liberalismo e neoliberalismo, como se costuma fazer, mas sim demonstrar o que o neoliberalismo
traz de novidade.
- Os autores definem o liberalismo como um mundo de tensões. Havia tensão entre os reformistas
sociais e os partidários da liberdade individual.
- Os autores datam a crise do liberalismo entre os anos 1880 e 1930. Nesse período, pouco a pouco
foi possível perceber a revisão dos dogmas em todos os países industrializados onde os reformistas
sociais ganham terreno, revisão esta que parecia conciliar com as ideias socialistas sobre a direção
da economia, originando o contexto intelectual e político do nascimento do neoliberalismo na
primeira metade do século XX.
- Na visão de Michel Foucault, o que se costuma chamar de “crise do liberalismo” é uma crise da
governamentalidade liberal, ou seja, uma crise que apresenta essencialmente o problema prático
da intervenção política em matéria econômica e social e o da justificação doutrinal dessa
intervenção.
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“Muito antes da Grande Depressão dos anos 1930, a doutrina do livre mercado
não conseguia incorporar os novos dados do capitalismo tal como este se
desenvolvera durante a longa fase de industrialização e urbanização, ainda que
alguns “velhos liberais” não quisesse desistir de suas proposições mais
dogmáticas”.
- Para os autores, o liberalismo clássico não incorporou adequadamente o fenômeno da empresa, sua
organização, suas formas jurídicas, a concentração de seus recursos e as novas formas de competição.
- Paralelamente, eles acreditavam que o surgimento dos grandes grupos cartelizados marginalizava
o capitalismo de pequenas unidades, os acordos e as práticas dominadoras e manipuladoras dos
oligopólios e dos monopólios sobre os preços destruíam as representações de uma concorrência leal,
que beneficiava a todos. Dessa forma, a "mão invisível" dos empresários, financistas e políticos,
trouxe descrédito a crença na "mão invisível" do mercado.
- A inadequação das fórmulas liberais às necessidades de regulação da condição salarial e sua própria
incompatibilidade com as tentativas de reformas sociais realizadas aqui ou ali constituíram outro
fator de crise no liberalismo dogmático.
- Os liberais não dispunham de uma teoria das práticas governamentais. Eles se isolavam, parecendo
conservadores obtusos e incapazes de compreender a sociedade de seu tempo, embora
pretendessem encarnar seu movimento.
“Essa “crise do liberalismo” no fim do século, que foi chamada por alguns de
sentimento de “paraíso perdido do liberalismo”, não estourou de repente. À parte
socialistas ou defensores declarados do conservadorismo, houve, no próprio
interior da grande corrente liberal, espíritos suficientemente preocupados para
desde cedo pôr em dúvida a crença nas virtudes da harmonia natural dos
interesses e no livre desabrochar das ações e das faculdades individuais.”
- Os autores citam que, entre ainda na primeira metade de 1800, Alexis de Tocqueville e John Stuart
Mill já manifestam preocupação com os dogmas do liberalismo.
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- Mill, conhecido como liberal utilitarista ou liberal progressista, acreditava que se o novo estado da
sociedade é marcado pelo irreversível poder das massas e pela extensão das interferências políticas,
então é preciso examinar quais poderiam ser os meios de remediar a impotência do indivíduo. Assim,
Mill vislumbrou dois meios de remediar essa impotência: um é a “combinação” dos indivíduos
formando associações para adquirir a força que falta a cada átomo isolado (como proposto por
Tocqueville); o outro é uma educação concebida para revigorar o caráter pessoal a fim de resistir à
opinião da massa.
- Foi nessa visão utilitarista que se justificou a relativização do direito de propriedade, de modo a não
o ver mais como algo sagrado do indivíduo, mas sim de acordo com os efeitos que tem sobre a
felicidade do maior número de indivíduos, isto é, segundo sua utilidade relativa.
- Herbert Spencer foi um dos grandes críticos do “utilitarismo empírico”, no final do século XIX.
- Spencer procura, na verdade, enfraquecer ou até anular a “traição” dos reformadores (ditos falsos
liberais) que querem cada vez mais tomar medidas coercitivas pelo bem do povo.
- Sua teoria, conhecida como spencerismo, defendia o livre mercado e acusava os liberais defensores
das reformas sociais que visavam o bem-estar da população de praticarem o socialismo.
- O seu pensamento tem influência na "lei de evolução" na qual ele vê as disposições legislativas e as
instituições públicas do Estado, que estendem as proteções de lei aos mais fracos como ingerências
que atravancam a vida dos cidadãos. Desse modo, Spencer enxerga a concorrência econômica como
uma luta vital geral em que os fatores sociais atuam como impedimento de sua evolução.
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“A função do liberalismo no passado foi pôr um limite aos poderes dos reis. A
função do liberalismo no futuro será limitar o poder de parlamentos submetidos
à pressão impaciente das massas incultas. [...] Spencer vai à raiz teórica das
tendências intervencionistas do liberalismo e do radicalismo inglês oriundo do
utilitarismo. Ele ataca uma interpretação que consiste em fazer do bem-estar do
povo o fim supremo da intervenção do Estado, sem levar suficientemente em conta
as leis naturais, isto é, as relações de causalidade entre os fatos”. (DARDOT,
LAVAL, 2016)
- Ainda sobe a ótica de Spencer, expõe-se que um dos fundamentos da deriva socialista do
utilitarismo empírico é a crença “falaciosa” (de outros) que o Estado é, na essência, uma
instância soberana (um direito quase divino), sem, contudo, que os adeptos dessa crença
justifiquem a função da existência dessa soberania.
- Spencer reivindica um utilitarismo que ultrapassa questões jurídicas e econômicas, sendo muito
mais evolucionista e biológico (assim como organismos biológicos podem se desenvolver
naturalmente, os indivíduos e a sociedade também podem). É uma espécie de pensamento darwinista
da evolução social.
- Spencer concebia a concorrência econômica como uma luta vital de todos, que é preciso deixar
que se desenvolva para que a evolução não seja interrompida. Essa ideia, segundo os autores, é
que trazia severas consequências para a sociedade, em especial quanto aos mais necessitados,
que deveriam ser abandonados à própria sorte.
- Os autores, citando Karl Polanyi, versam que o Estado liberal conduziu uma ação com sentidos
contrários no século XIX. De um lado, agiu em favor da criação dos mecanismos de mercado e, de
outro, implantou mecanismos que o limitaram. Polanyi afirma que todo desequilíbrio ligado ao
funcionamento do mercado ameaça a sociedade submetida a ele.
- De acordo com a fórmula proposta por Karl Polanyi, a crise dos anos 1930 resultou numa
necessidade de readequação do mercado em disciplinas regulamentares, quadros legislativos e
princípios morais.
- Defendeu, também, que o laissez-faire não tinha nada de natural, os mercados livres nunca poderiam
ter nascido se as coisas tivessem sido simplesmente abandonadas a si mesmas.
- Contrariando muitos filósofos, Polanyi defende que o liberalismo econômico não se confunde com
o laissez-faire e não é contrário ao intervencionismo, como ainda se pensa com frequência.
- O “novo liberalismo” consistiu em reexaminar o conjunto dos meios jurídicos, morais, políticos,
econômicos e sociais que permitiam a realização de uma “sociedade de liberdade individual”, em
proveito de todos. Duas propostas poderiam resumi-lo:
1) as agendas do Estado devem ir além dos limites que o dogmatismo do laissez-faire impôs
a elas, se se deseja salvaguardar o essencial dos benefícios de uma sociedade liberal;
2) essas novas agendas devem pôr em questão, na prática, a confiança que se depositou até
então nos mecanismos autorreguladores do mercado e a fé na justiça dos contratos entre
indivíduos supostos iguais.
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- O Neoliberalismo traz consigo uma ideia muito particular da democracia, que, sob muitos
aspectos, deriva de um antidemocratismo, marcada de algumas características:
Abstenção eleitoral;
Dessindicalização;
Racismo
- Por fim, os autores alertam que a esquerda só conseguirá ultrapassar o neoliberalismo se conseguir
se “reinventar”, se conseguir desenvolver a ideia de uma “nova razão do mundo”, construída a partir
da capacidade coletiva de trabalhar o princípio do comum enquanto princípio político, por meio
das experimentações e das lutas do presente.
- Esse princípio do comum seria pautado pelo autogoverno, livre da dominação estatal e econômica,
em especial do modelo neoliberal. Seu ordenamento seria plural e não central, uma estrutura
que demanda uma democracia radical, em oposição, a lógica do soberano estatal que é marcada
pela centralidade, pois pressupõe uma fonte única de poder.