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Pós-neoliberalismo?
Surge, então, novas perguntas que a autora faz para que se possa pensar e
desenvolver a temática, sendo elas: a) “como conceituar essa racionalidade e afetividade
coletiva que se desenvolvem para além do neoliberalismo puro e duro, uma vez que elas
colocaram esse projeto em uma crise política ao mesmo tempo que incorporaram boa
parte das suas características, diante do fato de que disputam e usam a ideia de liberdade
e subvertem e englobam certos modos atuais de obediência?”; b) “Onde atua essa
racionalidade-afetividade?”; c) “Que tipo de política protagoniza?”; d) “Quais
economias são sustentadas por ela?”; e) “Que uso faz do espaço urbano?”; f) “Que
conflituosidade é desenvolvida?”; g) “Que institucionalidade própria é capaz de
construir?”; h) “Como negocia com a autoridade público-estatal em suas diversas
escalas?”; i) “Exibe que tipo de composição social?”
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Nesse tocante, a autora resgata a compreensão de Foucault o qual define o neoliberalismo como “uma
política ativa e sem dirigismo”, caracterizando-se por objeto de intervenções diretas aptas a propiciarem
a sua dinâmica.
Neoliberalismo: a leitura de Foucault
Em face disso, a autora frisa que não é somente uma ideologia, mas
principalmente de uma tecnologia de poder, isto é, a forma que o poder é operado e
direcionado à regulação da liberdade2. Logo, Foucault define o liberalismo econômico
como uma arte de governar em meio a uma dicotomia formada entre possibilidade de
restringir condutas em prol de uma ordem e viabilização de uma obediência
relativamente duradoura; onde a sua eficácia é concentrada em liberar a interação de
uma pluralidade de fins específicos aptos a caracterizar a naturalização desses aspectos.
O papel do estado
É dito que Foucault atribui a invenção dessa nova arte de governar aos
economistas, fazendo com que a razão econômica possa designar “novas formas de
racionalidade estatal”. Em razão disso, esclarece a autora, Foucault distinguirá o
liberalismo do século xviii do pós-nazismo na Alemanha onde terá a liberdade como o
centro do problema de governo, tendo em vista que os seus paradoxos vão impor uma
“reelaboração” da doutrina liberal de governo. Surgirá nesse contexto pós-nazismo o
pensamento “ordoliberal” dos alemães que se baseará em radicalizações, conforme
advertidas por Foucault: i) passagem de um mercado vigiado pelo estado a um estado
sob vigilância do mercado; e ii) verificação do limite de funcionamento da economia
como princípio formal de organização do social, do político, do estatal. Sujeição e
Subjetivação. A par dessas radicalizações, se compreenderá que a radicalização máxima
é a forma como toda a sociedade se personificará em empresa em decorrência da
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Governar passa a ser uma “arte de exercer o poder na forma de economia”.
crescente necessidade de liberdade e segurança. O conceito de soberania recai, portanto,
no corpo de cada um. É no corpo onde o controle, a organização e a produção estão
territorializados. Singularização e Universalização.
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É válido lembrar que o termo é dotado de uma gama de variações e sujeito, ao mesmo tempo, de
novas composições/significações.
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Sentido empregado pela filosofia desenvolvida por Spinoza a qual a autora se filiará mais em virtude
deste sentido englobar uma maior variação e desenvolvimento pluralístico.
Já no contexto político, em apartada síntese, a fórmula elaborada pela autora
recai na ideia de se aceitar as regras de cálculo ligadas a uma subjetividade que
possibilite oportunidades de “se salvar”, de buscar melhores condições de vida. O
cálculo se direciona para uma autodesenvolvimento do conatus coletivo.
Quanto ao sistema de finanças por baixo que funcionou como recurso na crise
proveniente da mencionada economia migrante e da rede de microempreendimentos,
ambos trouxeram novas formas de contratação e assalariamento informal e, em
consequência da experiência que alcançaram, se expandiram ainda mais por gerar
consumo e reativação de setores tradicionais que movimentam a circulação do capital.
Tornou-se muito atrativo e valorativo mesmo em se tratando de economias antes vistas
como insignificantes e meramente subsidiárias. Mudou-se a realidade.
Pelas perspectivas dos discursos políticos, a expansão do crédito fez com que a
opinião pública e midiática fixasse no ponto de que os pobres saqueiam não por
necessidade ou fome, mas para se apropriarem de produtos eletrônicos “supérfluos” em
descompasso com as “reais necessidades”; “a inflação das necessidades dos pobres
acostumados ao consumo, graças aos subsídios estatais e ao crédito fácil e caro”. A
relação entre saque e consumo é de exasperação, afirma a autora. Em se tratando dos
setores pobres, o consumo é propiciado a partir de cima na ideia de uma realidade
paliativa e é impulsionado para baixo pelo dinamismo informal que agencia
modalidades de trabalho heterogêneas, desde exemplos informais até ilegais5). As forças
policiais são as responsáveis pela regulação entre os tipos de trabalhos formais ou
informais e, em dezembro de 2013 na Argentina, as protagonistas das greves e saques
realizados. É importante destacar que a experiência inflacionária tem um efeito de
desmistificação do dinheiro. Ainda, é pertinente apontar que o saque se apresenta como
a continuidade de consumo por outros meios.
Mapear o neoliberalismo
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A autora traz os exemplos de pirataria do asfalto, do narcotráfico, dos empreendimentos feirantes, das
vendas ambulantes, do empreendedorismo informal (“cuentapropismo”) e das oficinas clandestinas.
Mapeando as economias populares é, de um certo modo, mapear o
neoliberalismo como um terreno de disputa, pois se permite pensar o modo em que o
capital busca incorporar novos territórios, novos espaços. Esses territórios possibilitam
a conexão entre o neoliberalismo sendo deslegitimidado como política macroestrutural
e, concomitantemente, como sendo incorporado nas formas de saber-fazer popular em
resultado das reformas estruturais pretéritas. Caráter estrutural e dinâmico do
neoliberalismo. Realça, então, a perspectiva da ideia de “neoliberalismo vindo de baixo”
a partir da própria ideia de cálculo praticado pelas economias populares, seguindo o
pensamento da autora para o “oportunismo de massas” correspondente aos processos de
socialização da força de trabalho.
Nesse ponto da obra, se menciona a villa 1-11-14 a qual traz para Buenos Aires
o que a autora denomina por “pedaço da Bolívia, de El Alto” em razão do
impulsionamento da migração boliviana (mais marcante) e paraguaia em termos mais
estatísticos. Os traços da 1-11-14 traz um vermelho alaranjado, construções nas alturas
(com construções de até cinco andares; piso/piso), tijolos sem reboco, bem como
assentamentos de chapa e papelão, os quais possibilitam o crescimento vertical já que o
crescimento horizontal não encontra concretude.
Por oportuno, a autora faz menção de Beatriz Sarlo em que traz a seguinte
explanação: “Tudo exibe, cruamente, com o ar confiante do natural em expansão, uma
espécie de monstruosidade precária destinada a permanecer, já que a construção é de
alvenaria e está ali para ficar”. Nesse sentido, tem-se que a villa 1-11-14 demonstra a
“cidade dos pobres” com distinções feitas por Sarlo que traz discussões entre o público
e o privado, entre o humano e a natureza e os rumos para o civilizatório. A discussão
sobre a “cidade futura”.
Dispersão e aglomeração
1-11-14
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Característica atribuída para a villa que expressa toda a complexidade e amplitude do termo. É válido
apontar os métodos “paralegais” que vigoram nas tratativas (internas) envolvendo a villa. Tanto o
governo local quanto o nacional devem essa “prestação de contas” para a população villera.
A questão econômica – de atividades econômicas desenvolvidas na villa –
repercute de maneira significativa os discursos referentes ao “exercício de cidadania” e
capacidade de se assemelharem aos demais bairros sem que prepondere essa imagem de
“subsidiada”. A população da villa não é exatamente “pobre”, tem-se possibilidades de
arcar com os custos, especialmente quando for constatado que numa villa o consumo
correspondente a uma moradia é de até quatro vezes superior que de uma propriedade
média em bairros “urbanizados” como Palermo, Villa del Parque ou Belgrano. A
clandestinidade e o obscuro é uma forma de vida bastante cara e polêmica que gera
discussões sobre desequilíbrio entre partes da cidade, recaindo mais precisamente na
ideia-pergunta “como os que menos têm são os que mais consomem? ”. A villa, para a
cidade, aparece como “espaço de vagabundagem, de ociosidade, de vida gratuita”.
Viver bem
A língua da pátria
Democracia sensível
O canto seja do hino seja das festas que se faziam era percebida pela população
como uma forma de luta. As festividades (religiosas), em especial, transpareciam
também um caráter simultâneo ao religioso, isto é, transpareciam “as necessidades” e a
realidade da villa 1-11-14. Logo, os padres católicos desempenharam um grande papel
na villa quanto ao sincretismo político por meio do religioso. Os movimentos gerados
pelas festividades religiosas na 1-11-14 como epicentros da reunião de pluralidades e
diversidades ocasionaram migrações e incorporações de línguas, culturas, costumes e
movimentos os quais criam novidades e inovações marcantes. “Uma sociedade só é ela
mesma nos momentos em que está fora de si. E a festa é um dos momentos diletos e
mais propícios para encontrar esse exterior”. Por fim, a festa é financiada por uma
economia crescente e produtiva, sendo a economia da oficina têxtil.
A villa transnacional
Considerando que a villa 1-11-14 tem ligação intrínseca com a política boliviana
e paraguaia, conforme a autora discorre, torna-se factível estabelecer uma lógica que o
exemplo do corpo de delegados da villa permita analisar até que ponto a localização é
plano de projeção e ampliação da capacidade de diálogo político. Além disso, (re)
pensar formas organizacionais e momentos de comunidade a partir de uma
transnacionalização a qual se desdobra em múltiplas experiências e conexões.
Mapear o território
A selva e a pólis
As fronteiras da política
A autora coleciona uma experiência de uma delegada a qual expressa que o fato
de ter incorporado esse ofício foi suficiente para afastar o sentimento de “ser
estrangeira”, isto é, surgiu um sentimento de habitante que gerou um ímpeto de
demonstrar para a Legislatura o quão desafiador é a vivência da villa e,
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A autora sustenta que o corpo de delegados, isto é, os delegados e as delegadas “parecem ser os
únicos capazes de medir e traduzir essa complexidade barroca que mistura bonança econômica,
crescimento populacional, proliferação de moradias nas alturas e novos negócios”.
simultaneamente, o quão ineficiente era esta Legislatura e o governo. O saber-fazer do
corpo de delegados8 junto de suas conquistas concretas e capacidade de negociação com
as autoridades foram os elementos responsáveis da criação de confiança entre vizinhos e
vizinhas.
A economia da inclusão/exclusão
Um ponto chave que a autora levanta está numa constatação de Butler acerca dos
“sem-estado” em que “esses humanos espectrais, desprovidos de peso ontológico e
reprovados nos testes de inteligibilidade social exigidos para reconhecimento mínimo,
incluem aqueles cuja idade, gênero, raça, nacionalidade e situação trabalhista não
apenas os desqualificam para a cidadania, mas também os ‘qualificam’ ativamente para
a condição de sem-estado”. Para a autora, trata-se de uma população não só excluída,
mas produzida em sua exclusão.
Entre diálogos criados a partir de pontos levantados por Butler e por Arendt
sobre as complexidades da política e da cidadania, a autora se depara com a
possibilidade oferecida pela condição de “sem-estado” remeter para uma imagem de
populações governadas que se situam num estado aquém da cidadania, ou seja, o
funcionamento da cidadania como síntese de incluir excluindo e excluir incluindo9. Essa
reflexão se desdobra na medida em que é constatado o fato de estarmos diante
pretensões defensivas referente a autonomia do político como âmbito ativo do humano
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Esse saber-fazer está intimamente ligado com a multiplicidade de saberes e competências que os
delegados e delegadas possuíam, bem como os respectivos feitos e as conexões que essa multiplicidade
agregava à villa. A própria interação do corpo de delegados consigo mesmo imprime esta ótica.
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É no espaço político que se fertiliza essa inclusão excludente e exclusão inclusiva na medida que há o
reconhecimento e catalogação de sujeitos não políticos, na perspectiva complexa de produtividade
política a qual a autora desenvolve raciocínio.
frente aos automatismos da racionalidade econômica, especialmente quando há o
transbordamento dos limites do pensamento político ordenado que analisa os
dispositivos de governamentalidade intervencionistas nas questões de gênero, mão de
obra não qualificada e reprodução como políticas da vida (ação política). Ir além do
pensamento sobre a soberania.
El Alto: os inquilinatos
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Ambos os termos são muito difundidos na Bolívia onde há uma clarividente participação da língua
como meio apto a gerar dinâmicas sociais e individuais voltadas para o crescimento. É possível até
mesmo pensar no termo “ubuntu” para continuidade dessas reflexões tão marcantes nas dinâmicas
individuais, sociais e culturais.
durante o dia pelas atividades dos delegados (fulltime) e durante a noite onde os
vizinhos e as vizinhas podiam participar de reuniões e discussões da organização.
Festa e confinamento
Há um ponto tratado pela autora o qual aduz que os setores populares (os de
baixo) se preocupam mais com a forma de serem governados onde a política dos
governados propõe uma circunstância paradoxal: é assumido um grau de negociação
permanente com o governo e, ao mesmo tempo, estimula uma reapropriação a partir de
baixo, com base nos seus próprios recursos e linguagens. Elucida ainda que é
encontrado ambiguidade na posição de Chatterjee, tendo em vista, que para a autora, ele
aceita a impregnação do neoliberalismo e todo seu aparato de governo como campo de
disputas dos pobres, isto é, na medida que aceitam a condição de governados o autor
sugere uma fase de resistência política no interior desta racionalidade neoliberal.
Todavia, a autora encara o desafio de pensar em superação dessa compreensão e
aceitação.
Ainda com base nas lições de Chatterjee, se constata que a política dos pobres é
representativa do confinamento desses indivíduos como população; como sociedade não
civil na perspectiva de serem incivilizados. Adiante, a sociedade civil e a sociedade
política geram duas imagens divergentes do sujeito político por meio da antinomia entre
o nacional homogêneo e o social heterogêneo. A governamentalidade opera exatamente
como saber e tecnologia perante um corpo social heterogêneo e a possibilidade
democrática encontra lugar na política dos governados, pois esta é propícia para encarar
a heterogeneidade social. Em atenção a toda complexidade que envolve o tema, a autora
sustenta que a sociedade política ganharia potência se direcionada para além de uma
norma capitalista concatenada e progressiva, ou seja, está em lidar com âmbitos
capitalistas e promover confrontos com dinâmicas não capitalistas.
O tempo heterogêneo
Povo e população
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Conforme o raciocínio de Spinoza, a autora aduz que “o corpo político supõe uma dimensão material,
afetiva, de hábitos comuns, que determina o espaço político-jurídico”.
população existe, se mantém e subsiste num nível ótimo”; em completa oposição à
população. A autora levanta alguns questionamentos como, por exemplo, até que ponto
a noção de comunidade permite, atualmente, ir além da ideia de população e povo?
Como a comunidade foi redefinida diante da dinâmica neoliberal?
Em suma, o neoliberalismo não é surgido apenas “de cima” (tese advogada por
antiestados e a favor do mercado), mas também “de baixo para cima” a partir das
tensões ligadas a capacidade polimórfica do neoliberalismo em “recuperar” inúmeros
postulados libertários. As lógicas barrocas são entendidas como dinâmica expressiva de
uma contemporaneidade social-política-econômica onde ao mesmo tempo se recupera
memórias e se adapta para fazer política, negócios, cidades a fim de desenvolver a ideia
de progresso. As experiências das economias populares latino-americanas são relevantes
neste ponto. Por sua vez, a pragmática popular como pragmática vitalista se desdobra
pela não correspondência do cálculo para com o homo economicus, isto é, o cálculo é
um conatus – modo de conquista de espaço-tempo onde economias populares desafiam
lógicas extrativista e expulsivas. É a contraposição (política) à moralização das classes
populares. Por fim, o comum é compreendido como espaço além do público e privado,
bem como campo de disputas e tensões.