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Resumo

A presente dissertação visa uma compreensão analítica da relação entre coerção e direito a partir
de um prisma multidisciplinar, identificando no esgotamento do modelo de welfare state e nas
recentes crises de legitimação institucional a possibilidade de ruptura do sistema Vigente.
Também investigaremos se tecnologias como bitcoin possibilitariam o intento criptoanarquista
de uma rebelião fiscal generalizada. Essa hipótese será estimada a partir da dimensão factual
do direito, para inquirir se as limitações econômicas, tecnológicas e sociais do Estado
contemporâneo poderiam comprometer a existência da ordem jurídica positiva. Buscaremos
analisar a hipótese de substituição do atual modelo estatal por um paradigma alternativo
baseado em pressupostos liberais e libertários de Justiça, compreendidas pelo direito à
propriedade privada e a obrigatoriedade de cumprimento dos contratos. Para isso, procuraremos
antecipar a viabilidade de filosofias de organização social baseadas no paradigma voluntarista,
que tenham por base principalmente o Homestead principle de John Locke e relações negociais
estruturadas em smart contracts, conjugadas com concepções anarquistas como o Vale de Galt
na filosofia objetivista, o agorismo e outras teses equivalentes, em busca de reconhecer quais
dessas propostas demonstra melhores condições de viabilidade e justificação ética.

Introdução:

No último século a humanidade viu surgir um tipo de estado diferente de todos os outros que
vieram antes dele: o welfare state, também conhecido como estado de bem-estar social.
Segundo o Oxford Advanced American Dictionary (2023), as características distintivas do
welfare state compreendem uma gama de serviços gratuitos oferecidos pelo governo, tais como
cuidados médicos, auxílio pecuniário para pessoas desempregadas e oferta de cuidados
especiais na velhice.

Esse modelo de gestão político-econômico foi o sucessor do modelo político liberal, que teve
em Smith e Ricardo seus expoentes mais célebres.

De forma concomitante, o pensamento liberal viu-se desafiado por outro projeto filosófico de
grande escala: o socialismo de Karl Marx.

A corrente mais célebre do socialismo do século XX foi liderada por Lenin, cuja visão
sustentava que o trabalho das lideranças partidárias era imprescindível para infundir nas massas
a adesão aos valores revolucionários (Lênin, 1978).
Em contrapartida, outros estudiosos do socialismo como Eduard Bernstein anteviram os
problemas da profetizada revolução proletária, e trabalharam com as limitações da proposta
socialista para elaborar o modelo de socialismo evolucionário (Bernstein, 1961).

Assim, ao mesmo tempo em que movimentos revolucionários ganhavam terreno nos países da
cortina de ferro, na maior parte do ocidente o ativismo socialista procurou usar da própria
democracia para suas finalidades sociais. Assim, havia de um lado o liberalismo, com sua ênfase
no indivíduo, e de outro lado os socialistas e desenvolvimentistas, que convergiam no propósito
de ampliar a atuação estatal.

Não obstante, há que se reconhecer que essa tese atrai controvérsias, como podemos constatar
da própria definição de welfare state do dicionário de conceitos políticos de Any Ortega e
Stanley Plácido da Rosa Silva (2020). No trabalho supracitado, o Estado de Bem-Estar não se
contrapõe ao estado liberal, antes serve para universalizar os direitos individuais ali previstos,
permitindo seu usufruto por toda a sociedade.

Assim, embora caracterizado pelos direitos fundamentais de segunda geração, o sistema welfare
é mais frequentemente visualizado como uma evolução do estágio liberal anterior.

Ainda que diante de tal controvérsia, consideramos que ao longo do presente trabalho
poderemos ofertar algumas evidências da ocorrência de uma síntese entre o socialismo e o
liberalismo, culminando no atual dogma do estado provedor.

Cita-se, a título introdutório, o programa de dez pontos trazidos por Karl Marx em seu manifesto
comunista, posto que esse conteúdo delineia de forma bastante específica como Marx
compreendia a adesão gradual das nações à plataforma socialista, antevendo passos que
coincidem de forma marcante com nosso atual momento político.

No manifesto, Marx previu que o empreendimento revolucionário passaria por várias fases,
“para arrancar a pouco e pouco todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos
de produção na mão do Estado”.

Na sequência, reconhecendo que esse projeto apenas seria alcançado por meio de intervenções
despóticas nos direitos da burguesia, Marx aponta para um projeto de dez pontos que deveriam
ser consumados para possibilitar o revolucionamento de todo o modo de produção.

Merecem destaque os seguintes elementos: Um pesado imposto progressivo; Centralização do


crédito nas mãos do Estado, através de um banco nacional com capital de Estado e monopólio
exclusivo; centralização dos sistemas de transporte nas mãos do Estado.
Lançada a devida luz sob o programa marxista, fica evidenciado o distanciamento entre a
concepção liberal e as políticas de estado atualmente operantes, ao mesmo tempo em que o
padrão marxista e o padrão de welfare state vão gradualmente convergindo na história recente.

Também convergindo com o programa do manifesto, pode-se constatar que atualmente o


próprio direito de herança é alvo constante de iniciativas políticas visadas por lideranças
socialistas, a exemplo do PLP 277/08, apresentado pelos deputados Luciana Genro (RS), Ivan
Valente (SP) e Chico Alencar (RJ), todos do partido socialismo e liberdade - PSOL.

Assim, embora o capitalismo tenha prevalecido contra o socialismo leninista na guerra fria, ao
mesmo tempo a ala gradualista que correspondia à social-democracia de Edward Bernstein não
apenas permaneceu viva, como suplantou aos poucos a confiança no modelo Laissez-faire.

O fortalecimento do viés intervencionista foi ainda aumentado pela escolha política das teses
de Keynes como fundamento econômico para políticas de enfrentamento de crises desde 1929.
Tais teorias também acarretaram um fenomenal embate entre Lorde Keynes e economistas da
escola austríaca, principalmente Friedrich August von Hayek.

Esse debate continua a ser relevante até os dias de hoje, sendo recentemente detalhado na obra
de Nicholas Wapshott, Keynes Hayek: The Clash That Defined Modern Economics.

Constatado esse gradual processo de agigantamento estatal, há que se inquirir se as barreiras


que impediram o sucesso do gigantesco Estado soviético poderão representar o mesmo grau de
desafio aos gestores do Estado moderno.

No mesmo sentido do raciocínio já delineado, buscaremos aplicar a teoria austríaca dos ciclos
econômicos (TACE) a qual tem sido o escopo da crítica de muitos pesquisadores que apontam
para a necessidade de repensar o papel onipotente hoje atribuído ao Estado.

Ademais, faremos a devida investigação do modelo político vigente, confrontando essa


alternativa com a tese misesiana da impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo,
indispensável na compreensão das limitações do planejamento econômico estatal.

Embora tais argumentos possuam uma denotação eminentemente econômica, é importante


notar que a presente investigação se propõe a tarefa de ser multidisciplinar. Além disso, se o
diagnóstico do programa é de natureza econômica, as possibilidades de sua superação, bem
como a discussão ética de modelos de organização social alternativos se alinham imediatamente
com as razões de ser da filosofia política.
Como não poderia deixar de ser, também havemos de destacar a prevalência da filosofia em
matéria de discussão das teorias de valor, pois embora inseridas no âmbito da economia, é certo
que questões como o embate entre a teoria do valor trabalho de Marx e a teoria marginalista
dos austríacos possuem uma dimensão marcadamente filosófica, e inclusive epistemológica.

Há também uma série de repercussões sociais que geralmente escapam à análise meramente
matemática, pois no contexto do advento do Estado provedor, algumas instituições que antes
concorriam para prover bens materiais e espirituais à sociedade também foram aos poucos
sendo eclipsadas.

Portanto, ainda que existam argumentos em prol do agigantamento estatal, (principalmente pelo
viés assistencialista) a questão que continua a representar o maior desafio é de ordem técnica,
pois a hipótese de que o Estado de bem-estar social seja sustentável não parece ser suportada
pelas evidências, principalmente levando-se em conta a praxeologia de Mises (1949) e a questão
dos incentivos, além dos ciclos econômicos explicados por Huerta de Soto (2012).

Delineados estes pontos, podemos reconhecer como desdobramentos necessários da presente


investigação dois questionamentos que se ramificarão em direções distintas no decorrer do
presente trabalho, sendo a primeira delas a discussão jurídico-filosófica sobre o papel do
Estado, a natureza do intervencionismo e os efeitos esperados sobre a população em termos
éticos e de preferência temporal. O segundo questionamento pretende analisar o
intervencionismo por uma perspectiva utilitária, apontando os possíveis problemas de
viabilidade e efetividade do planejamento econômico centralizado no ente estatal.

Em momento posterior devemos abordar as possíveis alternativas ao modelo político vigente,


buscando indagar quais modelos concorrentes possuem melhores condições de lidar com as
falhas inerentes à economia centralizada e ao welfare state, o que nos levará em direção do
argumento de Hayek da Desestatização do dinheiro (2017) e da evidência empírica fornecida
pelo bitcoin como alternativa ao modelo estatal (AMMOUS, 2020).

Como corolário, veremos também a hipótese libertária, cujo modelo ético e jurídico pretende
ser uma alternativa ao sistema coercitivo estatal.

Problema do trabalho

Esse projeto se propõe a investigar o diagnóstico ofertado pelos teóricos da escola austríaca de
economia para a insustentabilidade do sistema financeiro moderno, o qual se baseia sobretudo
em expansão da base monetária, endividamento e planejamento centralizado. O intuito é
identificar e demonstrar as circunstâncias que propiciaram o surgimento das principais crises
econômicas recentes, como a crise de 1929 e a crise do sub-prime de 2007-2008.

Dessa forma busca-se responder a seguinte questão: seria prudente permitir que o Estado tenha
a primazia na condução da economia? Ou deveria o Estado recuar a fim de possibilitar que a
livre iniciativa busque atender as demandas sociais de forma descentralizada e distribuída?

Por fim, quais as consequências esperadas caso esse modelo de Estado se revele inviável?

Hipóteses ou pressupostos

Visualizando a crise de confiança nas instituições, dada a conhecer pela ascensão de candidatos
outsiders, além do decréscimo de interesse pelo processo democrático manifestado pelas
crescentes abstenções eleitorais, foi possível antever que a atuação do Estado se encontra
atualmente em cheque, fato este corroborado pela ótica de pensadores como Steven Levitsky e
Daniel Ziblatt (2018).

Nesse mesmo sentido, podemos apontar para a figura de Donald Trump como o exemplo mais
conhecido de um presidenciável que se beneficiou na esteira do discurso outsider. Também deve
ser recordado o exemplo de Javier Milei, que fornece a evidência mais gritante de um libertário
como candidato viável numa corrida presidencial. Acrescente-se aos já citados o caso de Nayib
Bukele de El Salvador, bastante famoso pela adoção do bitcoin no país.

A tais fatos se somam outros de igual importância, como a inversão da pirâmide demográfica
(questão amplamente observada em países emergentes como Brasil e China), a insatisfação
cidadã advinda da simbiose entre Estado e grandes corporações, e da constatação de
dependência destas mesmas corporações do dinheiro de tributos em momentos de crise (vide
Occupy Wall Street e a revolta contra o 1%), além de uma percepção cada vez maior de que o
processo eleitoral acirra os ânimos e divide os indivíduos, em lugar de promover coesão social.

Tais evidências fornecem um ponto de partida para a discussão da crise de legitimidade das
instituições, o que pretendemos elucidar de forma mais pormenorizada na justificativa desse
projeto.

Objetivos
Objetivo geral

Analisar as crises sistêmicas do sistema monetário pós padrão ouro, buscando antever os
desdobramentos de desafios como o endividamento ascendente das grandes economias
nacionais.

Objetivos específicos

Evidenciar o cenário de crise sistêmica, perpassado pelas esferas jurídicas, políticas e


ideológicas.

Investigar o cenário de impotência estatal frente à possibilidade de colapso da economia


fiduciária e da moeda sem lastro.

Identificar ferramentas filosóficas e tecnológicas que possibilitem uma organização social,


política e jurídica não dependente dos planejadores centrais e que sirvam como alternativa à
moeda de curso forçado.

Compreender como concepções como o libertarianismo, a criptoanarquia e o bitcoin podem


representar uma alternativa quando as fragilidades do planejamento central estiverem
evidenciadas.

Descrever de que forma o bitcoin foi especificamente projetado como resposta às políticas de
manipulação financeira que desencadearam a crise de 2008.

Apresentar as soluções inseridas no projeto do bitcoin como proof of work para contra atacar
qualquer desafio que o estado pudesse projetar contra a viabilidade da criptomoeda.

Buscar identificar os desdobramentos esperados do declínio da ordem estatal, antecipando seus


efeitos positivos ou deletérios.

Trabalhar com a hipótese de substituição das funções tradicionais do Estado por arranjos
contratuais em regime de concorrência, tais como tribunais privados orientados por postulados
jus naturais, cidades privadas e contratos inteligentes em blockchain.

Metodologia
A princípio havemos de realizar uma revisão bibliográfica dos temas aqui discutidos e das
temáticas em que tais discussões estão inseridas: história econômica; o ethos do capitalismo;
libertarianismo e anarco capitalismo; tecnologia bitcoin e blockchain. Nessa fase se priorizará
a catalogação dos principais eventos que servirão como pano de fundo na construção de um
raciocínio de causa e efeito na fundamentação de uma hipótese condizente com a Ética e
Filosofia Política.

Sem prejuízo de outras obras citadas neste projeto, o presente programa de pesquisa inclui: No
aspecto econômico, as contribuições de Rothbard (2022), Hayek (2017), Mises (1990) e De
Soto (2012); para estudo do fenômeno bitcoin faremos uso das contribuições de Ammous
(2020), Champagne (2017) Ulrich (2017) e Fergunson (2021); no desenvolvimento do
argumento ético revisitaremos as obras de Rand (2010), Konkin (2006) e Rothbard (2022).

Também buscaremos reforçar a pesquisa através de contribuições empíricas, agregando à


discussão o histórico de ações judiciais de tentativa de confisco de bitcoins e a aplicação de
ferramentas criptográficas que permitiram a blindagem patrimonial dos usuários.

Por tratar-se de uma questão com um debate ainda insipiente, a coleta de dados far-se-á de
forma predominantemente qualitativa, através de critérios de impacto na mídia e na comunidade
libertária, considerando, inclusive, o quanto tais episódios resultaram em discussões nos grupos
de debate de criptoanarquia.

Justificativa

O cenário de crise do padrão fiduciário foi bastante evidenciado por obras como Desestatização
do dinheiro de Hayek, A ascensão do dinheiro: A história financeira do mundo, de Nial
Ferguzon (2021), O que o governo fez com nosso dinheiro, de Murray Rothbard (2022), e
Moeda, crédito bancário e ciclos econômicos, de Huerta de Soto (2012).

Buscando uma alternativa ao cenário delineado, alguns economistas como Hayek buscaram
trabalhar com hipóteses de retorno ao padrão ouro, e mais recentemente, outros pensadores vem
reconhecendo no bitcoin uma possível alternativa para as falhas inerentes ao sistema fiduciário,
como a expansão da base monetária e a carestia.

Evidentemente nem todos os autores trabalhados na presente pesquisa são contemporâneos ao


bitcoin, fato este que já é indicativo do ineditismo da temática escolhida. Todavia, vale
mencionar que em virtude da relevância da inovação tecnológica representada pelas
criptomoedas, nas últimas edições Ferguson fez questão de atualizar sua obra supracitada, para
dar o devido tratamento intelectual que a hipótese do bitcoin demandava. Além disso, hoje
temos à disposição a obra de Saifedean Ammous: O Padrão Bitcoin: A alternativa
descentralizada ao banco central (2020), reconhecidamente a mais abrangente e concisa para
uma compreensão do que o bitcoin realmente é, e que tipo de problema ele se propôs a resolver.
Outras contribuições bibliográficas podem ser encontradas em obras como Bitcoin - a moeda
na era digital, da lavra de Fernando Ulrich (2017), estudioso com mestrado em Economia da
Escola Austríaca pela URJC (Madri, Espanha). Além disso, o clássico cypherpunk The
Sovereign Individual, de autoria de William Rees-Mogg (1997), também é um marco histórico
por ter sido publicado na década de noventa, mas já antecipar diversas das características que o
bitcoin apresentaria uma década depois.

Enquanto escrevemos, o bitcoin já deixou de ser um artigo restrito a entusiastas em fóruns de


internet, e atualmente já se encontra inserido no portifólio de inúmeros agentes financeiros.
Para uma perspectiva de escala, o market cap do bitcoin foi de US$ 1,2 trilhão em 2021, valores
que equiparam o bitcoin ao valor de mercado da prata. E esta, devemos recordar, tem
desempenhado um relevante papel como dinheiro ao longo dos últimos milênios.

Desse modo, ao constatar que após pouco mais de dez anos o bitcoin já alcançou o valor de
uma commoditie historicamente tão relevante quanto a prata, então havemos de reconhecer que
estamos diante de uma inovação da qual temos realmente muito a aprender.

Assim, já não causa espanto que as entidades estatais estejam ávidas para controlar o fluxo de
bitcoin, e inclusive tributá-lo.

O principal alvo das intervenções governamentais são as corretoras de criptomoedas, tais como
Binance e Coinbase, que por centralizarem diversas transações em escala global, também estão
sujeitas a um nível totalmente diferente de pressão estatal.

Por outro lado, compreendendo melhor a tecnologia do bitcoin poderemos reconhecer que tais
instituições centralizadas não são parte inerente do projeto do bitcoin, e usuários que prefiram
utilizar-se da rede bitcoin com maior grau de privacidade podem optar por transacionar de modo
completamente alheio às corretoras, dificultando sobremaneira o controle governamental.

Por isso vigora na cultura bitconheira o seguinte jargão: Not Your Keys, Not Your Coins. Tal
expressão em inglês sintetiza a necessidade de gerir suas próprias chaves com substanciais
medidas de segurança, o que pode ser alcançado a partir de carteiras Multisig, acesso via VPN
e rede TOR, a instalação de carteiras de código aberto, o uso de mixers, pseudônimos, sistemas
operacionais como tails, dentre outras alternativas.

Em apertada síntese, busca-se com tais ferramentas preservar o anonimato, ocultar a localização
do computador do usuário, evitar o comprometimento da chave privada por instruções
maliciosas em softwares proprietários e embaralhar as informações de entrada e saída na
blockchain, dificultando o conhecimento da destinação final dos saldos de carteiras específicas.

Sabemos que cada um desses conceitos necessita ser mais bem trabalhado, mas consignamos
que a exploração de cada um desses elementos compõe a meta a ser alcançada na versão final
deste trabalho.

É certo que nem todos os usuários de bitcoin fazem uso das mesmas soluções de privacidade,
por não compartilharem os mesmos objetivos anárquicos professados pelos usuários mais
entusiastas.

Tais distinções fazem surgir dentre os operadores de bitcoin duas classes distintas de indivíduos:

Os especuladores, que são aqueles que buscam apenas operações lucrativas comprando e
vendendo ativos digitais em corretoras;

Os Cypherpunks, libertários e sobrevivencialistas, que identificam o potencial político e


filosófico da criptomoeda bitcoin, e que tratam seus respectivos saldos como ferramenta de
resistência contra a coerção estatal.

Para o senso comum, tais medidas de privacidade podem soar desproporcionais, mas o projeto
de um dinheiro descentralizado criado por Satoshi Nakamoto visava justamente impedir a
intervenção despótica no patrimônio dos indivíduos.

Vale pontuar que Satoshi Nakamoto também é um pseudônimo, pois o criador do bitcoin desde
sempre teve o objetivo de ocultar sua real identidade. Assim, as poucas informações que temos
disponíveis sobre Nakamoto vem das suas postagens no P2P Foundation e no próprio código
fonte de seu software. ainda assim, mesmo com informações escassas, as postagens de
Nakamoto oferecem um precioso material para compreender corretamente o bitcoin, e
principalmente, que tipo de problemas a tecnologia visa solucionar. convém registrar também
que a pesquisa na fonte de dados foi extremamente facilitada graças ao trabalho de Phil
Champagne que reuniu tais informações em formato de livro denominado "The Book of
Satoshi: The Collected Writings of Bitcoin Creator Satoshi Nakamoto" (2014).
De posse de tais conhecimentos, é possível atestar que o bitcoin estava destinado a ser um
projeto de concretização de valores libertários, e não simplesmente mais uma forma de pagar
por produtos e serviços na internet.

Há boas evidências nesse sentido. a mais conhecida vem da mensagem eternizada por
Nakamoto no bloco gênese da blockchain do bitcoin, que consignava o seguinte: The Times
03/Jan/2009 Chancellor on brink of second bailout for banks.

A mensagem dizia respeito à crise financeira e aos pacotes de socorro governamental


empregados para salvar da quebradeira diversas das instituições bancárias que haviam se
envolvido em operações de risco com títulos podres.

A intervenção estatal que Nakamoto buscava contrabalancear pode se dar de várias formas
diferentes, sendo os principais exemplos a emissão de novas moedas, a tributação e o confisco.

A emissão de novas moedas corresponde ao conceito clássico de inflação. Para o criador do


bitcoin, o poder ilimitado que os governos possuem de expandir a base monetária expunha
qualquer pessoa a um risco injustificado. Esse ponto ficará mais bem esclarecido quando
tratarmos da expansão financeira americana como causa primordial da crise de 2008.

Como antecipamos na introdução, a transformação na gestão econômica do Estado trouxe ao


leviatã inúmeras vantagens, pois ao tutelar de forma centralizada as finanças do país, o governo
obteve a prerrogativa de tributar os indivíduos direto na fonte, prerrogativa já bem explorada
no Brasil e em países mais ricos. Na maioria dos países da OCDE, tanto o empregador quanto
o empregado pagam impostos sobre a folha de pagamento (ENACHE, 2021).

Por conta desse conjunto de prerrogativas estatais, a chance de termos à disposição uma moeda
que não depende de um ente central é realmente uma hipótese intrigante.

Nesse escopo, qualquer pagamento realizado pela rede bitcoin depende da colaboração ativa do
detentor dos fundos, pois apenas o possuidor da chave privada pode assinar uma transação na
blockchain.

Em contrapartida, o mesmo não ocorre com o sistema de pagamentos baseado na moeda estatal
de curso forçado, já que o ônus é mínimo para que o Estado realize o bloqueio da totalidade de
nossos fundos financeiros. Tais medidas demandarão uma decisão judicial motivada, mas os
meios técnicos estão fartamente à disposição do poder estatal.
portanto, uma vez que o bitcoin restitui ao indivíduo a soberania sobre suas finanças, alguns
criptoanarquistas já anteveem um cenário em que os decretos estatais poderão perder
completamente sua coercibilidade.

É especialmente nesse ponto que visualizamos a importância de uma pesquisa filosófica que
aborde essa possibilidade, a fim de propiciar um parecer consistente sobre questões de amplo
interesse geral, como cenários de instabilidade política e dilemas éticos.

Diante dos fatos narrados, existe uma preocupação justificada quanto as consequências sociais
esperadas do hipotético dia em que o governo não tivesse mais o poder de intervir diretamente
em nossos saldos bancários e tributá-los.

O quanto esse cenário comprometeria a entrega de serviços públicos? Será que o Estado ficaria
reduzido apenas às atividades que os indivíduos quisessem pagar de forma voluntária?

Quando falamos nas possibilidades do bitcoin, esse é um dos desdobramentos especulados.

Como o bitcoin também funciona como uma ferramenta contra confiscos, episódios como o
confisco da poupança do governo Collor e os congelamentos de dólares na Argentina também
passam a não ameaçar aqueles que encontram-se bitcoinizados.

No longo prazo, a hiperbitcoinização é o cenário mais otimista defendido pelos entusiastas do


bitcoin, principalmente libertários. Esta não é, na verdade, a única hipótese a ser considerada,
mas é uma das mais intrigantes.

O próprio termo hiperbitcoinização supracitado já revela um obstáculo semântico, e que


demanda uma pesquisa multidisciplinar, dado que a própria conceituação não é objeto próprio
da economia, da história ou do direito, mas pode perpassar todas estas disciplinas.

Hiperbitcoinização, no sentido empregado neste trabalho, tem o sentido de uma adoção em


massa do bitcoin e de suas possíveis soluções de segunda camada, como a rede lightining. E
nesse caso, se tais fatos implicarem na impossibilidade de tributação pelos governos, então a
queda do Estado pode repercutir de duas formas diferentes:

No cenário otimista, as funções do Estado seriam substituídas por novos mecanismos


organizacionais privados, de forma que as consequências dessa mudança de paradigma seriam
majoritariamente benéficas.

Porém, o cenário pessimista poderia significar instabilidade, promoção da violência e um


sensível prejuízo humano.
Assim, será que esta última possibilidade, ainda que considerada teoricamente remota, não
deveria servir de argumento suficiente para que seus desdobramentos sejam evitados?

Ou ainda, será que a opção de parar o bitcoin realmente se encontra em nossas mãos?

É no afã de elucidar tais possibilidades que acreditamos na pertinência da presente pesquisa.

Resultados e impacto social

Como corolário dos argumentos já citados, espera-se introduzir a temática criptolibertária nas
discussões acadêmicas, além de avaliar as expectativas sociais da adoção do bitcoin a partir de
uma fundamentação lógica consistente, proporcionando um ponto de partida para futuras
pesquisas na área.

7 Cronograma

PERÍODO 2024 2025


ETAPAS 1º SEM 2º SEM 1º SEM 2º SEM
Organização temática X
Revisão da bibliografia e X X X X
fichamento
Cursar as disciplinas do X X
programa
Coleta de dados econômicos X X X X
e empíricos
Redação dos capítulos de X
fundamentação
Redação dos capítulos X X
descritivos e analíticos
Participar de eventos X X X
científicos
Exame de qualificação X
Apresentação e defesa da X
Dissertação
8 Referências

- AMMOUS, S., O Padrão Bitcoin: a alternativa descentralizada ao banco central.


Konsensus Network, 2020.

- BERNSTEIN, Edward. (1961), Evolutionary socialism: a criticism and an affirmation Nova


York, Schocken Books.

- CHAMPAGNE, P., The book of Satoshi: the collected wriyings of Biticoin Creator Satoshi
Nakamoto. E53 Publishing. 2014.

- DAVIDSON, J. D.; REES-MOGG, W., The Sovereign individual. Touchstone, 1997.

- DE SOTO, J. H., Moeda, crédito bancário e ciclos econômicos. LVM Editora, 2012.

- ENACHE, C., A Comparison of the Tax Burden on Labor in the OECD, 2021. Tax Foundation,
19 mai. 2021. Disponível em: https://taxfoundation.org/data/all/global/tax-burden-on-labor-
oecd-2021/ . Acesso em 20 out. 2023.

- FERGUSON, N. A ascensão do dinheiro: a história financeira do mundo. Planeta


Estratégia, 2021.

- HAYEK, F. A., Desestatização do dinheiro. LVM Editora, 2017.

- KONKIN, S. E.; CONGER, W.; SEELY, C., New libertarian manifesto. KoPubCo, 2006.

- LÊNIN, Vladimir Ulianov. Que fazer?, 2ª ed. , Lisboa/Portugal: Editorial Avante, 1978.
“Discurso na conferência de toda a Rússia dos comitês de instrução política das seções de
Gubérnia e Uezd da instrução pública”, in Obras Escolhidas, Tomo 3, Lisboa/Portugal: Edições
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- LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D., Como as democracias morrem. Editora Schwarcz-


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- MISES, L. Von., Ação Humana. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990 [1949]

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https://www.al.sp.gov.br/repositorio/bibliotecaDigital/24369_arquivo.pdf. Acesso em 19 out.
2023.
- RAND, A., A revolta de Atlas. Sextante, 2010.

- ROTHBARD, M. N. A ética da liberdade. LVM Editora, 2022.

- ROTHBARD, M. N. O que o Governo Fez com o Nosso Dinheiro?. LVM Editora, 2022.

- ULRICH, F., Bitcoin: a moeda na era digital. LVM Editora, 2017.

- WELFARE STATE. In: OXFORD learner’s dictionaries. Oxford: OUP, 2023. Disponível em:
https://www.oxfordlearnersdictionaries.com/definition/american_english/welfare-state Acesso
em: 24 out. 2023.

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