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Revista gratuita | Ano XXII - Nº 70 | Janeiro > Junho 2021 | Publicação Semestral

EDIÇÃO ESPECIAL
CONREA’21
&Cal
Conservação & Reabilitação
Pedra
PRÉMIO
IHRU 2016
Intervenção
distinguida na
categoria de
“reabilitação
de edifício”

A Monumenta é vocacionada para a execução de intervenções no edificado


antigo e, em particular, no património arquitectónico. A sua vocação apoia-
-se no conhecimento das construções antigas e no domínio das tecnologias

Empreitada “Consolidação das Muralhas de Monsaraz e Reabilitação do Caminho da Barbacã”


Dono de Obra Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz
e materiais, quer tradicionais, quer resultantes da inovação.
A Monumenta é vocacionada para a execução de intervenções no edificado
antigo e, em particular, no património arquitectónico. A sua vocação apoia-
Empreiteiro Consórcio STAP, S.A. e Monumenta, Lda.
Empreitada Recuperação da Igreja e Convento de S. Francisco, em Évora
Dono de obra Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de S. Pedro

-se no conhecimento das construções antigas e no domínio das tecnologias


Lda. Matriz de Oeiras”
Dono de ObraFábrica da Igreja Paroquial de Oeiras

e materiais, quer tradicionais, quer resultantes da inovação.


Restauro da Igreja
Empreitada Recuperação da Igreja e Convento de S. Francisco, em Évora
Dono de obra Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de S. Pedro
Empreitada “Beneficiação,
Empreiteiro STAP, S.A. e eMonumenta,
Consórcio Conservação

PRÉMIO
IHRU 2016
Intervenção
distinguida na
categoria de
“reabilitação
de edifício”
MONUMENTA - Reabilitação do Edificado e Conservação do Património, Lda.
PRÉMIO
IHRU 2016 Rua General Ferreira Martins, 8 - 9.º B, 1495-137 Algés
Intervenção T. +351 213 593 361 | monumenta@monumenta.pt
www.monumenta.pt
distinguida na
categoria de
“reabilitação
de edifício” Alvará de construção n.º 28 883
MONUMENTA - Reabilitação do Edificado e Conservação do Património, Lda.
Rua General Ferreira Martins, 8 - 9.º B, 1495-137 Algés
T. +351 213 593 361 | monumenta@monumenta.pt
www.monumenta.pt
Alvará de construção n.º 28 883

2 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


Sumário Ficha técnica

Pedra
&Cal
Conservação e Reabilitação

Nº 70 | 1º Semestre
Janeiro > Junho 2021

06.
Pedra & Cal, Conservação e Reabilitação é reconhecida
CONREA’21
O desafio da preservação de valores
culturais da Arquitetura vernácula
27. CONREA’21
Livraria Lello
pelo Ministério da Cultura como publicação de manifesto
interesse cultural, ao abrigo da Lei do Mecenato.

das Casas Gandaresas Inspecção e diagnóstico estrutural


Valter Lopes, Tiago Ilharco, Nuno PROPRIETÁRIO
Alice Tavares, Aníbal Costa,
Monteiro, Alexandre A. Costa GECoRPA – Grémio do Património
Inês Pereira, Maria José Feitosa

www.gecorpa.pt | info@gecorpa.pt
www.pedraecal.org | revista@pedraecal.org

FUNDADOR Vítor Cóias

DIRETORA Inês Flores-Colen

COORDENAÇÃO Joana Morão

76. BOAS PRÁTICAS


A importância das opções da
82. ESTUDO DE CASO
Palácio Nacional de Mafra. CONSELHO EDITORIAL Alexandra de Carvalho
arquitectura na reabilitação do Conceção e reabilitação dos Antunes, André Teixeira, Catarina Valença Gonçalves,
património edificado carrilhões e das torres sineiras Clara Bertrand Cabral, Fátima Fonseca, João Appleton,
Joana Leandro Vasconcelos Augusto de Oliveira Ferreira & C.ª, Lda. João Mascarenhas Mateus, Jorge Correia, José Aguiar,
José Maria Amador, José Maria Lobo de Carvalho, Luiz
Oosterbeek, Maria Eunice Salavessa, Mário Mendonça
de Oliveira, Miguel Brito Correia, Paulo Lourenço,

04 EDITORIAL
Inês Flores-Colen
55 Análise do comportamento de argamassas
de cal aérea aplicadas em suportes de tijolo
Soraya Genin, Teresa de Campos Coelho

COLABORADORES Alexandre A. Costa, Alexandre


maciço e pedra calcária Soares dos Reis, Alice Tavares, Aníbal Costa, António
CONREA’21
Isabel Torres, Inês Flores-Colen,
06
Santos Silva, António Sousa Gago, Catarina P. Mouraz,
João Braz, Poliana Bellei Eduarda Vieira, Eduardo Júlio, Hugo Costa, Inês
O desafio da preservação de valores culturais Flores-Colen, Inês Pereira, Isabel Torres, Joana Leandro
da Arquitetura vernácula das Casas Gandaresas Vasconcelos, Jónatas Valença, J. Mendes Silva, João
Alice Tavares, Aníbal Costa, Inês Pereira, 61 Conservação do património em betão.
Definição de argamassa de restauro para
Braz, João Rei, Jorge Fonseca, José Mirão, Judite
Miranda, Juliano Ribas, Luís Almeida, Maria do Rosário
Maria José Feitosa
a Piscina das Marés, em Leça da Palmeira, Veiga, Maria José Feitosa, Marta Ferreira Dias, Martha
de Álvaro Siza Tavares, Nuno Monteiro, Nuno Valentim, Petra Vaquero,

13 Estratégias e técnicas de observação e


caracterização de coberturas tradicionais.
Judite Miranda, Jónatas Valença,
Hugo Costa, Eduardo Júlio
Poliana Bellei, Rebecca Reis, Ricardo M. S. F. Almeida,
Tiago Ilharco, Valter Lopes

Caso de estudo em Viseu PRODUÇÃO EDITORIAL Canto Redondo


Catarina P. Mouraz, J. Mendes Silva,
Ricardo M. S. F. Almeida 67 Reabilitação adaptativa de caixilharias.
Três projectos
REDAÇÃO Daniel Gomes, Lia Nunes

Juliano Ribas, Nuno Valentim


21 Reabilitação
PAGINAÇÃO Joana Torgal
de edifício de habitação
no centro histórico do Porto. SECRETARIADO Rosa Fernando
Calibração do modelo de simulação dinâmica com base 76 BOAS PRÁTICAS
A importância das opções da arquitectura
na monitorização térmica para a reabilitação e restauro PUBLICIDADE GECoRPA – Grémio do Património
Alexandre Soares dos Reis, Petra Vaquero, Alice Tavares, na reabilitação do património edificado
SEDE DO EDITOR / REDAÇÃO
Marta Ferreira Dias, Aníbal Costa, Jorge Fonseca Joana Leandro Vasconcelos
GECoRPA – Grémio do Património
Avenida Conde Valbom, 115 - 1 Esq.º
82 Palácio Nacional de Mafra.
27 Livraria Lello. 1050-067 Lisboa
Projeto e reabilitação dos Tel.: +351 213 542 336
Inspecção e diagnóstico estrutural
carrilhões e das torres sineiras
Valter Lopes, Tiago Ilharco, Nuno Monteiro, DEPÓSITO LEGAL 128444/00
Filipe Ferreira, Belmiro Xavier,
Alexandre A. Costa
Inês Menezes REGISTO NA ERC 122549

35 Estudo do comportamento estrutural de “abobadilhas”


alentejanas através de ensaios de carga 88 AGENDA
ISSN 1645-4863

João Rei, António Sousa Gago NIPC 503980820

90 LIVRARIA / CENTRO DE Publicação Semestral

42 Revestimentos de edifícios do século XX


premiados com o Prémio Valmor de Arquitetura.
DOCUMENTAÇÃO GECoRPA
Os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos
Caracterização e diagnóstico 92 NOTÍCIAS seus autores, pelo que as opiniões expressas podem não
coincidir com as do GECoRPA.
com vista à sua conservação
Luís Almeida, António Santos Silva,
Maria do Rosário Veiga, José Mirão
95 VIDA ASSOCIATIVA CAPA: Fotografias de obras dos associados GECoRPA
© GECoRPA e Associados

100 Associados GECoRPA

49 Tipologias estruturais dos tetos em estuque portugueses


Estado da arte e relevância para a reabilitação e restauro
– Grémio do Património

Rebecca Reis, Martha Tavares, Eduarda Vieira


100 Estatuto Editorial da Pedra & Cal

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Editorial

Mudança na
continuidade
Inês Flores-Colen | Diretora da Pedra & Cal

A
todos os leitores: tram a importância da multidisciplinaridade
nos estudos e trabalhos de reabilitação e
angariação de novos associados (até 30 de
setembro). Estou certa que, com o apoio de
É com redobrado orgulho que inicio este tiveram por base o envolvimento de vários todos, o GECoRPA aumentará o seu dinamis-
desafio na Presidência do GECoRPA e por tipos de “saber”. mo e juntos tudo faremos para que continue a
inerência na Direção da revista Pedra &Cal, desempenhar um papel relevante na socieda-
uma referência incontornável na defesa das A revista é de acesso livre, encontrando-se de em que vivemos.
boas práticas da reabilitação do edificado e disponível online, na página do GECoRPA.
conservação do património desde o seu pri- Deste número especial foi feita uma tiragem Num mundo em constante mudança, novos
meiro ano de publicação, em 1998. em papel para distribuir aos participantes desafios estão lançados e o enquadramento
do congresso. A saber, a versão impressa adequado das políticas de reabilitação é uma
Esta revista tem sido fiel às diretivas que apresenta versões resumidas dos artigos preocupação essencial, como o é a preserva-
sempre se propôs prosseguir, incluindo do CONREA’21, sendo o acesso às versões ção do património. Com os olhos postos nos
importantes contributos da academia, com completas facilitado através de um código QR valores da sustentabilidade ambiental, social,
papel deveras assinalável na divulgação das localizado no fim de cada artigo. cultural e económica, naturalmente.
boas práticas e na partilha de conhecimentos
na área da reabilitação. Ao longo destes anos, o GECoRPA tem Finalmente, uma palavra de agradecimento a
procurado a promoção da qualidade das todos os que se empenharam e contribuíram
Dedicamos a primeira edição de 2021 ao intervenções de reabilitação, e da formação para esta edição, em particular à arquiteta
CONREA’21 – Congresso da Reabilitação, e qualificação dos profissionais e empresas, Alice Tavares que serviu de elo de ligação
organizado pela Universidade de Aveiro e contribuindo para a sensibilização junto dos entre a revista e o CONREA’21.
que acontece de 29 de junho a 1 de julho, organismos e cidadãos para a importância de
contando com o apoio institucional da nossa políticas e estratégias sustentáveis de preser- Envidaremos todos os esforços para a con-
associação. vação do património. tinuação da qualidade da revista, pela qual
o seu fundador e anterior diretor, engenheiro
Esta edição especial integra dez artigos Aos nossos associados, que são o pilar fun- Vítor Cóias, sempre zelou.
selecionados pela comissão científica do damental para a concretização deste projeto
congresso, abrangendo várias áreas: prin- associativo, uma agradecida palavra. A eles é Nesta fase, ainda em pandemia, desejo a
cípios da preservação; conhecimento das dedicada a capa da revista. todos saúde e espero que gostem desta edi-
tipologias construtivas; técnicas de inspe- ção. Quaisquer comentários são bem-vindos!
ção e caracterização; e reabilitação, de Um dos primeiros objetivos desta nova Direção
vários materiais e soluções estruturais e é fomentar o crescimento do GECoRPA, estan- Boas leituras. E fiquem bem!
não-estruturais. Estes conteúdos demons- do em curso uma campanha promocional de

Congresso de Reabilitação
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Fórum do Património 2019, Visita “Estaleiro Aberto” à sede Grupo de trabalho realizado SRU Porto
em Aveiro da Secção Regional Norte da em Lisboa, para elaboração (15 de novembro de 2019)
Ordem dos Arquitetos do documento “Conservação
e Reabilitação do Património -
Estratégias e Potencialidades

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CONREA’21

O desafio da preservação
de valores culturais da
Arquitetura vernácula
das Casas Gandaresas
Alice Tavares CICECO, RISCO – Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro, tavares.c.alice@ua.pt

Aníbal Costa RISCO – Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro, agc@ua.pt

Inês Pereira Colaboradora da P3R, Lda., inesvp@ua.pt

Maria José Feitosa Universidade de São Paulo, mj.feitosa@uol.com.br

resumo
As Casas Gandaresas são uma das tipologias da Arquitetura vernácula em Terra mais conhecidas da
região Litoral Centro de Portugal, existindo no presente várias centenas, mas em rápido processo de
desaparecimento, representando na área de estudo de Ílhavo, Oliveira do Bairro e Mealhada, sensivelmente
5% do edificado. A Casa Gandaresa é uma casa-pátio rural, predominantemente de um piso e construída
sobretudo com materiais naturais da região: alvenarias de adobe e estruturas de madeira para pavimentos
e cobertura. Trata-se de uma das poucas tipologias que ainda tem no presente o conhecimento ao nível das
suas tradições construtivas com forte ligação às comunidades. No entanto, as operações de reabilitação,
sobretudo desde 1960, demonstram uma elevada alteração deste Património, com consequente perda de
autenticidade do mesmo.
O presente estudo inventariou e quantificou esta tipologia de edifícios, apresenta o levantamento do
estado geral de conservação e as principais alterações ocorridas, subdivididas por categorias. Da análise
dos documentos internacionais promovidos pela UNESCO, ICOMOS e Conselho da Europa dirigido ao
Património rural verifica-se uma valorização de medidas que conciliem simultaneamente a defesa da
paisagem, dos conjuntos, das técnicas construtivas tradicionais e de um controlo do desenvolvimento urbano
com grande enfoque nos instrumentos de ordenamento e gestão territorial. Tendo estes como referência,
foram analisados os documentos municipais de gestão do território, destacando-se os PDM e as ARU que
poderiam ter subjacentes medidas de salvaguarda ou orientações para a reabilitação deste Património.
Contudo, a sua análise permitiu identificar lacunas a vários níveis, desde o uso do solo ao desenho urbano e
à falta de transposição de conhecimento científico para a prática construtiva de reabilitação e de promoção
de boas práticas, o que urge reverter e solucionar, apresentando-se algumas orientações.

palavras-chave Casa Gandaresa . arquitetura de terra . adobe . instrumentos de gestão territorial . reabilitação

1. INTRODUÇÃO especificamente, em regiões mais afastadas ções nas fachadas e na morfologia urbana.
dos grandes centros urbanos e por isso com Compreendendo as causas das alterações
O presente estudo teve como objetivo inven- menos acessibilidade a apoios financeiros. procurou-se contribuir para a identificação dos
tariar / quantificar a tipologia arquitetónica da Para o efeito foram escolhidos os concelhos instrumentos de gestão rubana que mais se
Casa Gandaresa, aferir da sua abrangência de Ílhavo, Oliveira do Bairro e Mealhada, na adequam para contrariar a tendência de perda
territorial, sendo uma das mais emblemáticas continuidade de um outro estudo que envol- total numa área de estudo com 271,46 km2 e
casas-pátio rurais conhecidas da região Cen- veu Mira, Vagos e Cantanhede [1]. Foram 83 054 habitantes [2].
tro de Portugal, entender a sua inserção no consideradas todas as alterações posterio-
contexto urbano-rural, identificar e sistemati- res à construção, incidentes sobre a auten- Analisaram-se previamente os documentos in-
zar as alterações ocorridas neste edificado e ticidade do edifício com impacto no contexto ternacionais do Conselho da Europa, UNESCO
avaliar as causas que estão na base da per- de reabilitação urbana/qualidade urbana, e ICOMOS que abordam a proteção do Pa-
da deste Património da Arquitetura de Terra, sendo por este motivo analisadas as altera- trimónio rural, para uma melhor perceção do

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instrumentos que podem ter reflexo na salva-
guarda da autenticidade destas Casas rurais,
já que não são edifícios classificados (com
raríssimas exceções) e têm de ser entendidos
conjuntamente com a sua leitura territorial e
de paisagem.

2. CARACTERIZAÇÃO DAS CASAS


GANDARESAS DA ÁREA DE ESTUDO

A Casa Gandaresa é uma tipologia arquitetó-


nica que se caracteriza por ser uma casa-pátio
térrea rural, sobretudo residencial, com parte
para armazenamento de produtos e alfaias
agrícolas e outra para pecuária (figura. 1). Tem
a fachada principal confinante com a rua, mui-
tas vezes sem passeio, mas com vala de dre-
nagem de águas pluviais. A Casa tem os com-
partimentos mais representativos fronteiros à
rua – a sala e a meia-sala – tendo a sala entra-
da direta da rua. Os restantes compartimentos
localizam-se num corpo perpendicular a este,
sendo constituído por quartos de reduzidas
dimensões, a sala de estar e de jantar (quan-
do existiam), a cozinha e por vezes a casa do
forno ou uma segunda cozinha e a salgadeira.
1 A localização da cozinha para o tardoz tem
duas razões, uma, o ser um espaço de uso
diário de confeção das refeições próximo da
área agrícola, com entrada direta pelo exterior,
1 | Alçado principal tipo e vista do com algumas alterações ao modelo original, apesar de ser também um espaço de estar, a
logradouro de uma Casa Gandaresa
© Alice Tavares
pelo maior afastamento à auto-construção, à outra, o maior risco de incêndio deste espaço,
inserção de elementos de betão armado e à ditavam esta localização. Na lateral oposta ao
maior integração dos técnicos no processo de espaço habitacional desenvolvia-se a área de
licenciamento, fazendo-se corresponder os armazenagem dos cereais, hortículas e alfaias
dados do presente estudo igualmente a estes agrícolas, por vezes adega, bem como o espa-
enquadramento internacional do problema. três períodos para melhor enquadramento da ço para os animais e arrecadações. Pode ter
O que permitiu estabelecer comparações en- situação atual. ainda um desvão de telhado utilizável sobretu-
tre as recomendações e os instrumentos de do para armazenamento de cereais.
gestão territorial ao nível dos municípios da Nos últimos anos assistimos à implementação
base de estudo. Para além disso, analisaram- de medidas de apoio à reabilitação urbana, O levantamento realizado do número de ca-
-se os dados dos censos de 2001 e 2011 [2], nomeadamente através da definição das ARU sas térreas com uma morfo-tipologia do tipo
no que se refere a casas térreas de um piso, – Áreas de Reabilitação Urbana conjugadas Casa-pátio rural, realizado para os três cone-
para os períodos anteriores a 1919 e entre com outros instrumentos como os planos es- lhos (Ílhavo, Oliveira do Bairro e Mealhada)
1919 e 1945, períodos estes que congregam tratégicos, os PDM – plano diretor municipal durante 2020, totalizou 1713 edifícios, tendo
os modelos mais originais de Casas Ganda- [3, 4] e outros planos, bem como legislação sido selecionados 560, como os mais apro-
resas, incluindo ainda o período de 1946 a técnica específica para a reabilitação de edi- ximados à tipologia original da Casa Gan-
1960, correspondendo a uma segunda vaga fícios residenciais (Decreto-Lei 95/2019) apli- daresas. A comparação entre os dados do
de construção de casas Gandaresas, mas já cável a estas Casas. São sobretudo estes os estudo e os dos censos de 2001 e 2011 [2],

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CONREA’21

Tabela 1 | Levantamento do número de Casas térreas e de Casas Gandaresas


(estudo 2020) e dos censos de 2001 e 2011 construídas até 1960 (INE)

N.º CASAS TÉRREAS N.º CASAS GANDARESAS N.º CASAS TÉRREAS (INE)
CONCELHO
(estudo 2020) (estudo 2020) (INE 2001 / INE 2011)

ÍLHAVO 918 286 6763 / 6351


OLIVEIRA DO BAIRRO 728 244 3901 / 4118
MEALHADA 67 30 2597 / 2948
TOTAL 1713 560 13261 / 13417

Tabela 2 | Configuração geral de implantação da Casa Gandaresa em Ílhavo,


Oliveira do Bairro e Mealhada de 2001 e 2011 construídas até 1960 (INE)

% em relação ao
CONFIGURAÇÃO ÍLHAVO OLIVEIRA DO BAIRRO MEALHADA
total (50)

L 50,2% 53% 49% 63%


U 33,1% 34% 35% 30%
0 16,7% 13% 16% 7%

considerando o período de construção até configurações apresentam um pátio interno a com motivos contemporâneos da Arte Nova
1960, tabela 1, permitiu verificar a redução descoberto, envolvido por construção ou por na região. As caixilharias eram de madeira,
do número de casas térreas entre os dois muros, havendo uma ligação, livre ou murada com vidro simples e complementadas por
censos e a comparação com a já reduzida com portão, para o terreno agrícola contíguo portadas de madeira pelo interior. As por-
expressão em cada concelho do número no tardoz. tas interiores normalmente apresentavam
de Casas Gandaresas identificadas pelo bandeira, por vezes com vidros coloridos.
estudo que, considerando o total de casas Na área de estudo, segundo os dados reco- Os tetos tinham com frequência forros de
térreas em 2011 [2], representa em Ílhavo lhidos das 560 Casas, apresenta-se como madeira e em alguns casos eram estucados
4,5% desse total, 5,9% em Oliveira do Bair- maioritária a configuração em “L” com apro- com alguns elementos em gesso.
ro e apenas 1% na Mealhada. Valores que ximadamente 50% do total existente nos três
em si representam a expressão da extinção concelhos, seguindo-se a configuração em “U” 3. O ESTADO DE CONSERVAÇÃO DAS
desta tipologia nestes concelhos. com sensivelmente 33% e a restante a configu- CASAS GANDARESAS DA ÁREA DE
ração em “O”, conforme a tabela 2, onde cons- ESTUDO
A Casa Gandaresa expressa a sua ruralida- tam também os parciais de cada concelho.
de, sendo na maior parte dos casos simples, O estado de conservação das Casas Ganda-
sem grandes elementos decorativos, com um Do ponto de vista do sistema construtivo e resas avaliado durante o estudo realizou-se
uso de contrastes de cores próprio entre os revestimentos, a Casa Gandaresa caracte- de forma geral, com base no que foi possível
elementos construtivos, que está a desapare- riza-se por ter uma estrutura de alvenarias aferir através da observação das fachadas, do
cer de forma acelerada. Esta arquitetura des- portantes de adobe, com uma estrutura de estado de uso e de vistas aéreas. Foram esta-
pojada, com o adobe [5] como material base madeira, quer para os pavimentos, quer belecidas quatro categorias com base no nível
de construção, encontra-se simultaneamente para a cobertura, paredes interiores de tabi- de intervenção exigível para o uso do edifício,
ligada às memórias de tempos difíceis, mas que e um desvão sanitário em quase toda a a saber:
também de tempos de laços de solidariedade, construção, podendo, em alguns casos, este
sendo em si a expressão da resiliência das não existir na cozinha. Em algumas regiões · Ruína – Casos em que se apresentam ape-
comunidades locais [6]. a alvenaria é mista com alvenaria ordinária nas as fachadas, sem cobertura e exigindo
de pedra calcária. Nas argamassas e nos re- uma reconstrução extensa;
A Casa Gandaresa era construída sobretu- bocos é usada a cal aérea e a pintura era
do segundo uma implantação em “L”, que ia normalmente a caiação à qual juntavam · Fraco – Casos em que existem anomalias
crescendo de forma orgânica para configura- pigmentos para as cores rosa, azul cobalto, estruturais, coberturas com danos, caixilha-
ções em “U” ou em “O”, ao longo do tempo, amarelo e verde. O uso dos azulejos como rias danificadas e / ou com danos que envol-
acompanhando o crescimento do agregado revestimento das fachadas não era predo- vem um razoável investimento para repor a
familiar ou a melhoria da sua capacidade eco- minante, mas existem Casas Gandaresas casa em uso. Aplicado em casos de abandono
nómica. As configurações em “U” ou em “O”, com fachadas azulejares de boa qualidade ou devolutos;
em alguns casos são de origem. Todas as ou com frisos com azulejos pintados à mão

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1

2 | Estado de conservação das Casas 4. ANÁLISE DOS NÍVEIS DE do território. Por escala de competências
Gandaresas na área de estudo.
TRANSFORMAÇÃO DAS CASAS e obrigações, o papel dos municípios nes-
GANDARESAS ta defesa, incluindo-a nos instrumentos de
planeamento às mais variadas escalas até
· Razoável – Casos em que a intervenção de 4.1 A defesa da autenticidade do ao desenho urbano, é imprescindível. Aqui
reabilitação é pontual, sem danos estruturais Património rural nos documentos reside a maior dificuldade de preservação e
aparentes, sem danos relevantes na cobertu- internacionais complexidade na gestão de responsabilida-
ra. Normalmente em uso ou a necessitar de des (desde o Estado às autarquias), com a
poucas reparações; A salvaguarda do Património rural revela- definição de meios financeiros e administra-
-se um dos desafios do presente, já que na tivos adequados.
· Bom – Para os casos que foram alvo de prática os decisores tendem a reconhecer
reabilitação (recente ou não) ou de ações de e a implementar medidas apenas dirigidas Os documentos internacionais da UNESCO,
conservação / manutenção, tendo os reves- ao Património classificado, um risco cedo ICOMOS e Conselho da Europa abordam
timentos em bom estado não denunciando identificado por organismos internacionais no contexto geral do Património imaterial a
anomalias e estando em uso. (ICOMOS, 1964). A acelerada perda do necessidade do reconhecimento da auten-
Património rural decorrente de modelos de ticidade e integridade. Considerando que a
O levantamento sumário realizado do estado desenvolvimento com lacunas graves de autenticidade se refere às características dis-
de conservação permitiu verificar que ape- proteção levou a UNESCO e o Conselho tintivas do edifício, englobando a sua condi-
sar do número de Casas Gandaresas estar Europeu a lançar novos entendimentos da ção estética, construtiva, modos de construir,
a decrescer, a maior parte está em situação defesa do património, nomeadamente a pro- morfologia e relação com o entorno. Repor-
habitável com reduzida necessidade de inter- teção de conjuntos (UNESCO, 1972 e 1976, tando-se a integridade à garantia da preser-
venção, contrariando a perceção que se tem. Conselho da Europa – CE, 1975 e 1985), vação de todos os elementos que o consti-
No entanto, há a considerar que os estados de aldeias (CE, 1985) e da paisagem, com tuem. Estes são aspetos críticos em relação
de ruína e fraco para os edifícios anteriores a um forte enfoque da integração dessa de- ao Património rural, já que não sendo edifí-
1945 representam cerca de 50% em relação fesa nos instrumentos de ordenamento do cios de autor se encontram mais vulneráveis
ao número total nestas categorias (figura 2). território. A salvaguarda do Património rural à transformação. Por este motivo se justifi-
O que permite concluir que a idade do edifício não se atinge defendendo apenas uma uni- cam os contantes alertas internacionais, no
pode não estar diretamente relacionada com dade / casa, mas antes através da preserva- sentido de se atuar de forma preventiva, de
os piores estados de conservação e outros fa- ção da leitura do desenvolvimento histórico se procederem a inventários, de se intervir
tores, como o da transmissão de propriedade e cultural de um lugar e da sua ligação ao de forma integrada na procura do equilíbrio
e a continuidade de uso podem justificar esta espaço circundante / paisagem, sendo em entre os aspetos sociais, de desenvolvimen-
circunstância, devendo isso ser refletido nas primeiro lugar uma competência do Estado, to económico não globalizado mas dirigido a
estratégias de salvaguarda e promoção da enquanto principal responsável pelos mode- populações específicas e da reabilitação com
reabilitação. los de desenvolvimento e de ordenamento suporte científico e técnico.

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CONREA’21

4.2 Categorias de alterações das Casas 4.2.4 Lacunas ou falhas tes para a preservação do Património rural,
Gandaresas na área de estudo na gestão urbana consubstanciado nos objetivos definidos nas
alíneas d), e) e g) do artigo 3.º da republi-
O estudo procedeu à identificação das altera- Nesta categoria foram consideradas as altera- cação do DL nº 307/2009, nomeadamente a
ções ocorridas nas Casas Gandaresas, a sua ções que decorrem da gestão urbana que não garantia de proteção e valorização do Patri-
abrangência (tabela 3) para avaliar os fatores antecipa as intervenções desqualificadas nem mónio cultural, a afirmação dos valores patri-
que estão a contribuir para a perda de auten- acautela problemas na construção derivados moniais, materiais, simbólicos como fatores
ticidade com impacto à escala urbana. Assim, do desenho do espaço público, como a falta de identidade, diferenciação e promoção da
foram identificadas as alterações ao nível das de passeios ou de valas limpas de drenagem sustentabilidade cultural. Já o PDM enquanto
fachadas e da implantação do edifício, tendo periférica de águas pluviais, a saber: amplia- instrumento de referência para a elaboração
sido definidas categorias: ção do edifício de fraca qualidade construtiva dos diferentes planos e que define o quadro
e de arquitetura; corte parcial de edifício; de- estratégico de desenvolvimento territorial
A. Desvalorização estética molições; aplicação de lambrins de ladrilho no de cada município, com base no Decreto-lei
B. Reuso ou ampliações desqualificadas embasamento da casa; beirais partidos. n.º 80/2015, de 14 de maio – Regime Jurídi-
C. Eficiência energética co dos Instrumentos de Gestão do Território,
D. Lacunas ou falhas na gestão urbana 4.2.4 Soluções construtivas apresenta a necessidade de um fundamento
E. Soluções construtivas tecnicamente não tecnicamente não avalisadas técnico a explicitar de forma clara, com base
avalisadas (controlo de humidade) (controlo de humidade) num conhecimento sistemático adquirido dos
recursos do património arquitetónico (alínea
4.2.1 Desvalorização estética Nesta categoria integram-se as intervenções b) do artigo 4.º, Secção I) para sustentar as
que procuram resolver o excesso de humida- opções dos programas e dos planos territo-
Intervenções que alteraram elementos da fa- de nas paredes, mas que por falta de orien- riais. Já na Secção II, o artigo 17.º Património
chada de forma lesiva para a sua imagem, a tações técnicas adequadas contribuem para arquitetónico, arqueológico e paisagístico,
saber: alteração da dimensão dos vãos (redu- a descaracterização do edifício e a perda de referencia de forma explícita que os elemen-
ção ou ampliação); substituição e alteração valor deste, a saber: aplicação de azulejos tos e conjuntos construídos representam tes-
da configuração das caixilharias; alteração da de fraca qualidade na fachada; aplicação de temunhos da história da ocupação, do uso
posição das caixilharias na parede; alterações rebocos cimentícios (dos quais foram regis- do território, com interesse relevante para a
de elementos da fachada ou inserção de re- tados apenas os que revelam danos); pintura memória e identidade das comunidades, que
vestimentos alheios à tipologia. ou reboco aplicado por cima das guarnições devem ser identificados nos programas e nos
de pedra; colocação de caleiras na fachada. planos territoriais e estes devem estabelecer
4.2.2 Reuso ou ampliações as medidas indispensáveis à proteção e à
desqualificadas 4.3 Breve análise dos instrumentos de valorização desse património e do uso dos
gestão territorial e urbana dos municípios espaços envolventes.
Nesta categoria foram consideradas as que
decorrem de alterações na organização inter- Para uma melhor compreensão do fenóme-
na ou de aumento de área impermeável: aber- no de transformação do Património rural dos 5. ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE
tura de novos vãos na fachada; cobertura total municípios de Ílhavo, Oliveira do Bairro e da OS RESULTADOS DAS ALTERAÇÕES
ou parcial do pátio. Mealhada foram analisados os documentos NO EDIFICADO E OS INSTRUMENTOS
de gestão territorial e urbana, nomeada- DE GESTÃO E ORDENAMENTO DO
4.2.3 Eficiência energética mente o Plano Municipal de Ordenamento TERRITÓRIO DA ÁREA DE ESTUDO
do Território (PMOT), o Plano Diretor Muni-
Intervenções nas fachadas com implica- cipal (PDM), o Plano de urbanização (PU), Na análise dos diferentes instrumentos de
ções diretas na perda de autenticidade do os planos das Áreas de Reabilitação Urba- gestão territorial dos municípios da área de
edifício que têm subjacente expectativas de na (ARU), o Plano Estratégico do Município estudo [7, 8, 9] a caracterização do Patrimó-
melhoria de conforto térmico e economia de (PEM), regulamentos e relatórios. Efetiva- nio municipal é entendida de forma restrita,
energia: colocação de estores ou portadas mente a promoção dos PEM e das ARUs sob quase exclusiva a edifícios ou estruturas
de alumínio por fora; substituição das cai- o enquadramento legal da Lei nº. 32/2012,de classificadas, sendo omissos em relação ao
xilharias de madeira por alumínio ou PVC; 14 de agosto que altera e republica o D.L. Património rural identitário da região, quer
colocação de estores por dentro em substi- n.º 307/2009, de 23 de outubro conferiu uma nos planos estratégicos, quer na caracteri-
tuição das portadas; aplicação de sistema oportunidade a nível nacional e regional zação do edificado, quer ainda nas medidas
ETICS. para se estabelecerem medidas convergen- previstas nos planos de condicionantes e

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Tabela 3 | Síntese das alterações mais representativas nas Casas Gandaresas

OLIVEIRA DO
TIPO DE ALTERAÇÕES ÍLHAVO MEALHADA
BAIRRO

alteração da dimensão dos vãos 4% 2% 9%


4.2.1 alteração radical do desenho das caixilharias 13% 5% 3%
alteração da posição das caixilharias na parede 3% 2% -
abertura de novo vão na fachada 11% 1% 3%
4.2.2 cobertura total ou parcial do pátio interno (24%) 26% 28% 3%
ampliações desqualificadas (25%) 30% 19% 23%
colocação de estores por fora 29% 24% 24%
4.2.3 substituição das caixilharias de madeira por caixilharias de alumínio ou PVC 48% 30% 18%
colocação de portadas de alumínio por fora 3% 1% -
4.2.4 aplicação de lambrins de ladrilho no embasamento da Casa 7% 4% -
aplicação de azulejos de fraca qualidade na fachada 18% 3% -
4.2.5 aplicação de rebocos cimentícios (já com dano) 5% 3% 9%
colocação de caleiras na fachada 3% 9% 15%

ordenamento, com exceção do município de terizadoras que permitam servir de base à · nos instrumentos de gestão territorial, respe-
Oliveira do Bairro que apresenta a menção à identificação de valores culturais e patrimo- tiva regulamentação e desenho urbano - que
construção tradicional e apresenta algumas niais e consequentemente suportem opções justificam as alterações com desvalorização
medidas no âmbito das ARUs que a serem de programas de valorização e de planea- estética, as funcionais e de reuso, as de gestão
implementadas podem contribuir para a pre- mento conforme poderiam estar ao nível dos urbana e as construtivas ao nível do controlo
servação do Património rural. Ao contrário, o planos estratégicos, dos PDM, inseridos ou das humidades e de segurança estrutural;
município da Mealhada apresenta nos seus não em Cartas patrimoniais e respetivas di-
instrumentos de gestão urbana um conceito nâmicas territoriais bem como uma apriorís- · a falta de informação técnica apoiada em da-
de revitalização urbana com apoios ao nível tica avaliação de funções compatíveis com dos científicos dirigidos ao sistema tradicional
de taxas para a substituição do edificado an- a preservação deste Património. Dada a ex- de construção em adobe (a mais representati-
tigo, podendo equacionar-se se a baixa pre- tensa omissão nos instrumentos que regem va do edificado antigo destas regiões); a falta
sença de casas-pátio térreas decorre desta o território verifica-se uma discricionária e de formação técnica adequada e atualizada
promoção. O município de Ílhavo é quase incontrolada alteração da imagem urbana, dos técnicos municipais responsáveis pela
omisso em relação à análise do seu edifi- com elevada variedade de alterações das implementação de medidas / ações e fiscali-
cado antigo rural e não apresenta medidas fachadas com impacto negativo ao nível da zação de obras municipais e de privados;
concretas nos diferentes planos que possam autenticidade e integridade do Património e
ser entendidas como garantia da sua preser- que prejudica seriamente uma salvaguarda · a falta de sensibilização e de valorização do
vação, embora mencione uma eventual in- com base em conjuntos ou lugares, como Património rural dirigida à população, com fal-
ventariação de edificado, sem o caracterizar recomendado pelas entidades internacio- ta de divulgação de boas práticas e de apoio
e portanto inócua para essa preservação. nais, exigindo um esforço acrescido para técnico que reverta as demolições e as inter-
Assim, apenas Oliveira do Bairro apresenta a reversão deste dano ao nível da imagem venções descaracterizadoras, eventualmente
algumas medidas de sensibilização pública urbana e de conjunto. com apoio de melhores regulamentos munici-
e técnica, de promoção de boas práticas de pais ou manuais de boas práticas.
intervenção, de conhecimento do edificado Considerando as categorias de alteração das
antigo, como estratégia. No entanto, ne- casas-pátio do tipo Casa Gandaresa identifi- Sendo necessária a integração de uma po-
nhum dos municípios apresenta nos diferen- cadas pelo estudo conclui-se que apresentam lítica ativa de conservação e da integração
tes documentos uma inventariação georefe- relações diretas com lacunas a três níveis, efetiva da proteção e valorização do Patri-
renciada deste edificado, com fichas carac- nomeadamente: mónio rural nos diferentes planos – plano de

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CONREA’21

Versão resumida do artigo

ordenamento, plano de condicionantes, pla- 6. CONCLUSÕES AGRADECIMENTOS


no diretor municipal, plano de urbanização,
plano de pormenor – com medidas concre- O estudo realizado sobre as casas-pátio com A autora Alice Tavares agradece o apoio finan-
tas que fixem condições de uso do solo ade- características de Casa Gandaresa nos con- ceiro através de bolsa de pós-doutoramento à
quadas, nomeadamente na definição preli- celhos de Ílhavo, Oliveira do Bairro e Mea- FCT, ao MCTES, ao FSE através do Progra-
minar das funções possíveis e adequadas lhada procedeu à sua inventariação /quan- ma Operacional Regional Centro e à UE, bem
para o Património rural, com definição de tificação tendo concluído que representam como ao CICECO e ao RISCO da Universida-
perfis rodoviários e densidades de constru- sensivelmente menos de 5% do edificado de de Aveiro
ção adequados, não esquecendo as orienta- destes concelhos. Apesar da maioria estar
ções para a integração de nova arquitetura, em razoável estado de conservação e por- REFERÊNCIAS
como são o respeito pelo contexto, pelo en- tanto com capacidade de reuso para fins re- [1] Tavares A., Costa A. (2020). A Casa Gandaresa
quadramento, pelas proporções, as formas sidenciais, os principais documentos de ges- de Vagos, Mira e Cantanhede, ISBN: 978-989-33-
1101-1.
e as escalas existentes, bem como os ma- tão urbana e de planeamento – planos estra-
teriais e as cores, para se atingir a preser- tégicos, planos diretores municipais, planos [2] INE (Instituto Nacional de Estatística), Constru-
ção e Habitação, Censos habitação, https://www.ine.
vação de um todo coerente; programando de urbanização, planos das áreas de reabi- pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_base_dados
medidas preventivas e corretivas, de inventa- litação urbana – são omissos em relação à (acedido Fev 10, 2021).
riação e monitorização da transformação, de caracterização deste Património rural e con-
[3] Ministério do Ambiente (2015-17), Ordenamento
documentação acessível e de promoção de sequentemente ao estabelecimento de medi- do Território e Energia (2015). Decreto-lei n.º 80/2015,
de 14 de maio – Regime Jurídico dos Instrumentos de
medidas coerentes para se atingirem equilí- das concretas para a sua preservação. Com
Gestão do Território.
brios. De entre muitas, podem ser destaca- exceção do Município de Oliveira do Bairro
das as que incidem sobre a responsabilidade que apresenta alguma informação e medidas [4] Presidência do Conselho de Ministros, «Decre-
to-Lei 95/2019, 2019-07-18», Diário da Repúbli-
exclusiva dos municípios ao nível dos instru- no contexto das ARUs, que podem alicerçar ca Eletrónico, Jul. 18, 2019. https://dre.pt/home//
mentos de gestão do território, planeamento boas práticas de reabilitação, enquanto o dre/123279819/details/maximized

urbano e desenho urbano, mas também de Município da Mealhada apresenta medidas [5] Fernandes M., Tavares A. (2016). O Adobe. Edi-
regulamentos e de promoção da interopera- para substituição deste edificado antigo e o tora Argumentum, setembro 2016. ISBN 978-972-
8479-95-4.
bilidade dos diferentes agentes que atuam no Município de Ílhavo refere de forma muito ge-
território. Contudo, não se pode esquecer que ral a presença de um edificado antigo, sem [6] Tavares A., Costa A. (2019). Adobe de cal – ma-
terial e técnica a redescobrir no rasto da sustentabili-
a legislação de base e suporte da criação dos contudo estabelecer medidas concretas para dade. O Barreiro, redescobrir a prática comunitária e
PDM e das ARU apresenta igualmente lacu- a sua salvaguarda. O desenho urbano, a de- a importância do adobe de cal, Direção Regional de
Cultura do Centro, M. Mira, ACCG, pp.88-101. ISBN:
nas na obrigatoriedade de caracterização do finição de cérceas, alinhamentos, a gestão 9789892099545.
edificado antigo e sistemas construtivos, bem do tráfego rodoviário, a promoção de medi-
[7] Município Ílhavo (2014-18). Plano Diretor Mu-
como no reconhecimento do Património rural, das de boas práticas e sensibilização técnica nicipal, PEMI, PEDU e restantes documentos de
por se apresentar inconsequente ao que deve com base científica são aspetos concretos ordenamento do território e relatórios, https://www.
cm-ilhavo.pt/viver/planeamento-ordenamento-e-mo-
ser avaliado e das formas como se estrutura a melhorar para reverter as causas de dano bilidade/planos/planos-municipais/pdm-plano-dire-
essa avaliação, o que já se apresenta mais de forma a que ações descaracterizadoras tor-municipal.
estruturado em relação às questões de impac- do edificado antigo não ocorram. O estudo [8] Município da Mealhada. Plano Diretor Munici-
to ambiental, nomeadamente no contexto da aponta medidas que podem estar enquadra- pal e restantes documentos de ordenamento do
território e relatórios, https://www.cm-mealhada.pt/
REN e RAN, mas que para o Património rural das a diferentes níveis da gestão e planea- menu/597/pdm.
não classificado não tem interlocutor formali- mento urbano para esse fim.
[9] Município de Oliveira do Bairro (2015-18). Plano
zado para a apreciação dessa caracterização, Diretor Municipal e restantes documentos de orde-
relação intermunicipal e avaliação. namento do território e relatórios, https://www.cm-
-olb.pt/pages/424.

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Estratégias e técnicas de
observação e caracterização
de coberturas tradicionais
Caso de estudo em Viseu
Catarina P. Mouraz Universidade de Coimbra, Departamento de Engenharia Civil, catarinamouraz@hotmail.com

J. Mendes Silva Universidade de Coimbra, ADAI, Departamento de Engenharia Civil, raimundo@dec.uc.pt

Ricardo M. S. F. Almeida Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu,
Departamento de Engenharia Civil, ralmeida@estgv.ipv.pt

resumo
As coberturas de telha cerâmica são, desde há muitos séculos, uma solução construtiva eficaz, que concilia,
de forma otimizada, as disponibilidades de materiais e a tecnologia para os transformar, de modo a
responder a um conjunto de exigências que, apesar de evoluírem ao longo do tempo, mantêm um grande
objetivo comum: proteger.
As coberturas dos centros antigos das cidades não apresentam muitas vezes um padrão uniforme,
verificando-se uma grande diversidade de soluções, geometria e materiais. Esta diversidade não é, todavia,
suficiente, para lhes quebrar o laço tecnológico e identitário entre elas. Assim, é fundamental compreender
e estudar a constituição e funcionamento destes sistemas antes de proceder a uma intervenção, de forma
a que esta se adeque às várias realidades construtivas encontradas, dentro de um quadro estruturado de
conhecimento e de ação.
No âmbito do projeto “Viseu Património” foi feita a caracterização de 299 coberturas de edifícios tendo
em vista a definição de estratégias de intervenção. Para atingir esse objetivo foram definidas estratégias de
observação e registo segundo diferentes níveis de inspeção, que são o principal objeto deste artigo. Inclui-se,
também, uma breve referência aos resultados preliminares obtidos através de um dos níveis de inspeção. É
também feita referência às ferramentas de suporte, nomeadamente a utilização de drones para a inspeção
zenital exterior, bem como às suas potencialidades e limitações.

palavras-chave reabilitação de coberturas . telhados tradicionais . inspeção de coberturas . Viseu Património

1. INTRODUÇÃO No caso específico das coberturas tradicio- 2. OBJETO DE ESTUDO E OBJETIVOS


nais, estas são um dos principais elementos
Reabilitar edifícios com qualidade pressupõe de proteção dos edifícios, razão pela qual se O objeto de estudo deste artigo consiste nas
sempre um conhecimento prévio detalhado revestem da maior importância no processo coberturas de um conjunto de edifícios do
dos seus componentes, de forma a que a so- de intervenção. No entanto, a sua diversidade centro histórico de Viseu. Embora tenha sido
lução final possa conciliar preocupações de intrínseca e específica faz com que a adoção feita a análise do estado de conservação de
desempenho técnico, sustentabilidade am- de soluções padronizadas seja particularmen- grande parte destes edifícios, este artigo fo-
biental e valorização da pré-existência. Para te complexa, face à diversidade de elementos, ca-se na caracterização das suas coberturas.
isso, é fundamental que sejam desenvolvidas materiais e geometrias. Não obstante, esta di-
campanhas de inspeção e análise dos ele- versidade requer uma abordagem atenta que, A cidade de Viseu é atualmente a segunda
mentos a reabilitar, tendo em atenção não só independentemente de se tratar de uma análise maior cidade da Região Centro de Portugal
as suas principais características construtivas individual ou coletiva, permita ter em conta as Continental, com cerca de 60 000 habitantes [1].
e arquitetónicas, mas também as suas ano- suas características identitárias, a procura de O seu centro histórico remonta à época me-
malias e limitações de desempenho. soluções sustentáveis e a manutenção, ou me- dieval, sendo que os edifícios que o compõem
lhoria, do seu desempenho técnico e funcional. foram construídos, na sua maioria, entre o

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CONREA’21

século XVI e XX [2] (figura 1). A Área de Rea- No caso específico das coberturas dos edifícios 1 | Planta da zona histórica de Viseu
(© Google Maps) e fotografia do Largo
bilitação Urbana (ARU) da cidade de Viseu é do centro histórico de Viseu, foram já publica-
Pintor Gata.
composta por cerca de 630 edifícios, tendo dos alguns trabalhos de investigação relativos
resultado de um amplo processo de reflexão à sua caracterização e análise [5, 6, 7]. No
estratégica, na sequência do qual foi defini- entanto, face ao volume de trabalho desenvol-
do um plano para a revitalização do centro vido no âmbito do projeto “Viseu Património”,
histórico. Neste âmbito, a zona histórica da faz-se, neste artigo, a consolidação da informa-
cidade tem sido alvo de um conjunto signifi- ção, incluindo a apresentação dos vários tipos
cativo de ações estratégicas de intervenção de estratégias e técnicas de observação que
resultado da definição de políticas de revita- constituíram a principal metodologia de traba-
lização da ARU. lho para a caracterização das coberturas.

No âmbito das iniciativas municipais para a Os objetivos deste artigo são, assim:
revitalização do centro histórico destaca-se o
projeto “Viseu Património”, desenvolvido ao • Apresentação da metodologia de observa-
longo de três anos pelo Instituto Pedro Nunes ção, registo e análise das coberturas do cen-
para a Câmara Municipal de Viseu. Este ar- tro histórico de Viseu;
tigo insere-se no âmbito da investigação de-
senvolvida nesse projeto, cuja primeira fase • Apresentação das principais ferramentas de
teve como principal objetivo iniciar um pro- apoio à metodologia desenvolvida;
cesso de conhecimento e reconhecimento do
valor patrimonial da cidade de Viseu, tanto • Descrição dos principais resultados obtidos
ao nível técnico-científico, como por parte da relativamente à caracterização do objeto de
população [3]. Para esse efeito, procedeu-se estudo;
a um extenso processo de levantamento e
caracterização dos edifícios do centro his- • Síntese de conclusões e indicação de estra-
tórico da cidade, tendo sido já publicados tégias futuras para aprofundamento do traba-
diversos trabalhos científicos com base na lho realizado.
investigação realizada [4].

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3. METODOLOGIA Posteriormente, o trabalho de gabinete con-
sistiu na observação das fotos e no preenchi-
A metodologia adotada para a observação, mento da ficha de caracterização correspon-
registo e análise das coberturas do centro dente a cada edifício. Uma vez que as cober-
histórico de Viseu teve como passo inicial a turas foram observadas de forma aérea, foi
definição de possíveis níveis de inspeção que possível observar claramente características
simultaneamente permitissem a otimização que, de outra forma, não seriam observáveis,
do processo de análise e registo das caracte- face às dimensões estreitas dos arruamentos
rísticas das coberturas, e promovessem a ob- do centro histórico de Viseu, que dificultam a
servação do maior número dos componentes observação dos telhados.
que as compõem. Assim, cada nível de ins-
peção deve permitir a obtenção de informa- A ficha de caracterização de coberturas rela-
ção distinta mas complementar, possibilitando tiva ao nível de inspeção 1 incluiu a seguinte
uma caracterização exaustiva, sob diferentes informação:
pontos de vista, das coberturas a observar.
• Geometria da cobertura (ex.: inclinada, ine-
Os níveis de inspeção definidos, adiante des- xistente / em ruína, águas com plano único,
critos em detalhe, foram os seguintes: águas com inclinição muito distinta da envol-
vente, existência de diferentes “blocos” autó-
• Nível de inspeção 1: Vista exterior obtida nomos de cobertura);
com apoio de drone;
• Número de águas e número de blocos autó-
• Nível de inspeção 2: Vista exterior obtida nomos (se aplicável);
por observação direta ao nível da rua;
• Revestimento da cobertura (ex.: telha cerâ-
• Nível de inspeção 3: Vista interior obtida mica canudo, marselha ou lusa, chapa metá-
através de visita ao desvão da cobertura. lica, telha de betão, chapa de fibrocimento);

Para cada nível de inspeção foram desenvol- • Caracterização da caleira (ex.: interior, in-
vidas fichas de registo e caracterização em terior com platibanda, exterior, interior entre
formato Excel em que, para cada edifício (ao duas águas);
qual corresponde um código interno especí-
fico), é possível registar as características • Existência de singularidades (ex.: trapeiras,
observáveis nesse nível. A informação cons- claraboias, outros tipos de iluminação natural)
tante em cada ficha é apresentada abaixo, na
descrição do nível correspondente. • Caracterização do beirado a partir da vista
da face superior (ex.: beirado simples, beira-
O nível de inspeção 1 tem como base a re- do à portuguesa, beirado com revestimento
colha de imagens aéreas das coberturas dos diferente do telhado);
edifícios a observar com recurso a um drone.
Para esse efeito, utilizando plantas geográfi- • Pontos singulares e remates (ex.: caracte-
cas da zona a caracterizar, foram definidos e rização da cumeeira, juntas cumeeira-telha,
numerados 35 quarteirões de edifícios, bem rincão, remates cobertura-parede emergen-
como um guião de percursos de voo ótimos a te, transição entre telhados confinantes).
efetuar pelo drone, de forma a que pudesse
ser observado o maior número de edifícios O nível de inspeção 2 tem como base o regis-
com o menor número de movimentos. Poste- to de informação relativa a características das
riormente, a equipa técnica responsável por coberturas que são observáveis através de
esta tarefa procedeu ao trabalho de campo uma inspeção de rua. Para esse efeito, proce-
sistemático de filmagem dos quarteirões, ten- deu-se a um trabalho de campo de inspeção
do como resultado um conjunto de 30 vídeos, e registo destas características, bem como da
que permitiram a captação de fotografias de fotografia sistemática das mesmas (figura 3).
alta resolução de cada uma das coberturas a Posteriormente, o trabalho em gabinete con-
analisar [7] (figura 2). sistiu no preenchimento da ficha respetiva.

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CONREA’21

2 | Exemplos de características
de coberturas observáveis no
nível de inspeção 1.

Exemplo de revestimento de telha


canudo (1) e telha marselha (2).

Exemplos de coberturas com


blocos autónomos de telhado.

Exemplos de caleira exterior (1)


e caleira interior com platibanda (2).

Exemplos de claraboia (1)


e trapeiras (2).

Exemplos de cumeeiras
horizontais simples (1)
e cumeeira irregular (2). 2

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3 | Exemplos de características
de coberturas observáveis nos
níveis de inspeção 2 e 3.

Nível de inspeção 2 (vista exterior


de rua): exemplos de beirado
em madeira ventilado (1)
e beirado em pedra (2).

Nível de inspeção 2 (vista exterior


de rua): exemplos de caleira exterior
em material metálico liso (1) e tubo
de queda em PVC (2).

Nível de inspeção 3
(vista interior do desvão):
exemplos de estruturas em madeira.

Nível de inspeção 3 (vista interior


do desvão): exemplos de estrutura
de betão (1) e frechal (2).

Nível de inspeção 3 (vista interior


3 do desvão): exemplos de forro.

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CONREA’21

Este nível de inspeção tem como principal A ficha de caracterização de coberturas re- 4. RESULTADOS OBTIDOS NO NÍVEL DE
vantagem a proximidade física aos elementos lativa ao nível de observação 3 incluiu a se- INSPEÇÃO 1 (VISTA EXTERIOR OBTIDA
a observar, o que facilita a observação e o re- guinte informação: COM APOIO DE DRONE)
gisto claro das suas características. No entan-
to, elementos interiores, como caleiras, não • Existência de desvão útil e caracterização, Como já foi referido, a metodologia apresen-
são por vezes observáveis, o que pode levan- se aplicável (ex.: sim, não, altura do desvão); tada foi posteriormente utilizada para a carac-
tar questões relativamente à sua inexistência. terização de coberturas de edifícios no centro
• Caracterização da estrutura de suporte (ex.: histórico de Viseu. Neste artigo, apresentam-
A ficha de caracterização relativa ao nível de betão armado (estrutura contínua), betão -se apenas os resultados relativos à inspeção
observação 2 incluiu a seguinte informação: armado (asnas), madeira (asnas simples), de nível 1 (vista de drone) de 299 edifícios (fi-
madeira (asnas tesoura), madeira (asnas de gura 4). Este universo de análise correspon-
• Caracterização do beirado a partir da vista da mansarda), estrutura metálica, estrutura mis- de a zonas específicas de coesão na área
face inferior: revestimento (ex.: beirado sim- ta, existência de muretes de alvenaria); histórica da cidade, nomeadamente em torno
ples, duplo ou triplo, beirado à portuguesa com das suas principais artérias e praças mais
cornija, existência de orifícios para ventilação); • Existência de outros elementos (ex.: frechais, centrais. Apresentam-se de seguida alguns
cintas perimetrais, tirantes); dos resultados obtidos. Informação adicional
• Caracterização do beirado a partir da vis- pode ser consultada em [8].
ta da face inferior: estrutura (ex.: beirado de • Existência de singularidades (ex.: guarda-
madeira ventilado, beirado de madeira não- -pó, laje de esteira, forro).
-ventilado, beirado de pedra, beirado de be-
tão, beirado metálico);

• Caracterização da caleira (exterior em PVC,


exterior em material metálico liso, exterior em
material metálico corrugado, não observável
/ interior);

• Caracterização do tubo de queda (tubo me-


tálico liso, tubo metálico corrugado, tubo em
PVC, inexistente).

O nível de observação 3 corresponde à vista


interior obtida através de visita ao desvão da
cobertura, o que implica uma inspeção com
acesso ao interior do edifício, o que apenas
foi possível em alguns casos, face a razões
de propriedade. No entanto, nos casos em
que esta observação foi possível a equi-
pa acedeu à zona de desvão da cobertura
e procedeu ao registo e fotografia dos seus
elementos (figura 3). A principal vantagem
deste nível de observação é a proximidade
da observação destes elementos e da sua
caracterização exaustiva. À semelhança dos
casos anteriores, o trabalho de gabinete cor-
respondeu ao preenchimento da ficha de ca-
racterização respetiva.

4 | Mapa das 299 coberturas inspecionadas


com drone no Centro histórico de Viseu. 4

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Opinião

70%

58,5%
60%

Telha de Betão
50%
Painel de Poliuretano

Telha cerâmica Canudo (só capa sobre sub-telha)


40% 39,1%
Outro

Chapa de fibrocimento
30%
Telha cerâmica Canudo (capa e canal)
25,1%
Chapa metálica
20% Telha de vidro

11,7% Telha cerâmica Marselha


10% Telha cerâmica Lusa (aba e canudo)
5,7%
4,3%
1,7% 2,0% 2,0%
0,7%
0%

5 | Tipos de revestimento aos casos em que o telhado apresenta blo- apresentou caleira interior entre duas águas.
presentes nas coberturas
cos autónomos ou uma geometria comple- Sublinha-se, mais uma vez, a existência de
inspecionadas.
xa, com zonas de diferentes tipos de águas. casos com mais do que um tipo de caleira.
As várias águas de uma mesma cobertura
apresentam, por norma, a mesma inclinação Registou-se um elevado número de singulari-
(77%), sendo que em cerca de 9% dos casos dades nas coberturas observadas, nomeada-
Relativamente à geometria das coberturas, a inclinação é muito distinta da envolvente. mente mansardas (28%), calaraboias (22%)
foi possível verificar que estas são, quase ou trapeiras (16%), entre outros tipos de ilu-
na totalidade, inclinadas (97%), com apenas Relativamente ao revestimento da cobertura, minação. Os beirados são simples em 78%
3% dos casos relativos a situações de ruína. verificou-se que existe uma grande variedade dos casos, e 26% consistem em beirados à
Relativamente à sua tipologia, observou-se de materiais utilizados, bem como situações portuguesa, executados com telha de capa e
que são caracterizadas por uma grande em que, na mesma cobertura, são utilizados bica. Foram também registados casos com
heterogeneidade, tendo-se verificado que revestimentos diferentes (figura 5). O revesti- mais do que um tipo de beirado.
cerca de 47% apresentam uma geometria mento mais comum é a telha cerâmica Lusa
tradicional embora com variações não con- (59%), seguida da telha Marselha (39%) e te- Relativamente a pontos singulares e rema-
vencionais (como a existência de blocos lhas de vidro (25%), existindo também casos tes, no caso das cumeeiras, por exemplo,
autónomos de telhado), face a situações significativos com outros materiais. verificou-se que, apesar de 92% serem ho-
tipicamente mais simples. rizontais e 75% apresentarem um formato
Relativamente aos sistemas de drenagem, linear, 22% são situações de formato com-
Também no âmbito da geometria, foi possível observou-se que as caleiras são maioritaria- plexo e 7% inclinadas. Foram também ca-
observar que a maioria das coberturas apre- mente exteriores (78%), existindo também racterizados elementos como rincões, larós
senta duas águas (42%), seguida das tipolo- alguns casos em que este elemento não foi ou juntas, bem como remates e zonas de
gias de três (11%), uma (7%), quatro (5%) ou visível (20%), seja pela dificuldade na sua transição entre os telhados ou ligações com
mais águas (1%), embora haja uma percen- observação ou pela sua inexistência. Apenas paredes emergentes. Em todos os elementos
tagem significativa (35%) com várias tipolo- 3% dos casos apresentam caleiras interio- verificou-se uma grande variedade de solu-
gias na mesma cobertura. Isto corresponde res com platibanda, e apenas 1% dos casos ções, indicadora da heterogeneidade das

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CONREA’21

Versão resumida do artigo

coberturas do centro histórico de Viseu e, enquanto conjunto edificado, bem como di- [3] Município de Viseu (2017). Projeto “Viseu Pa-
trimónio”. http:// viseupatrimonio.pt/.
consequentemente, da riqueza dos edifícios ferenças significativas que sublinham a sua
que o compõem, indicadoras da importância heterogeneidade e valores indentitários sin- [4] Viseu Património – a agenda de investigação.
Disponível em: https://viseupatrimonio.pt/agenda-in-
do processo de caracterização prévio à inter- gulares, que importa analisar e respeitar. vestigacao.php.
venção em edifícios e da sua relevância em
[5] Carrera Junior, M.C. (2019). Reabilitação de co-
reabilitações conscientes e com qualidade. O desenvolvimento de estudos desta na-
berturas de madeira e telha cerâmica nos centros
tureza é fundamental para promover o co- históricos, numa perspetiva integrada de desempe-
nho, valor patrimonial e sustentabilidade: caso de
5. CONCLUSÕES nhecimento detalhado das realidades cons-
estudo em Viseu. Faculdade de Ciências e Tecnolo-
truídas que compõem os centros históricos, gia da Universidade de Coimbra, Tese de Mestrado.
O trabalho apresentado teve como principal constituindo o primeiro passo no que deve
[6] Fonseca, J.A.T.F. (2017). Soluções de interven-
objetivo apresentar uma metodologia de ob- ser o debate e reflexão relativamente ao pa- ção em coberturas inclinadas em edifícios antigos:
servação e registo de coberturas em núcleos trimónio construído das cidades. A procura Caso de estudo no Centro histórico de Viseu. Facul-
dade de Ciências e Tecnologia da Universidade de
históricos, desenvolvida e aplicada no contexto de outras metodologias e ferramentas que Coimbra, Tese de Mestrado.
da cidade de Viseu. Esta metodologia inclui 3 complementam as apresentadas neste artigo
[7] Silva, J.M., Cunha, I., Mouraz, C. (2018). Ca-
níveis de observação distintos mas comple- é um passo futuro crucial na valorização do racterização sistemática de telhados no Centro his-
mentares, cada um com vantagens específicas patimónio construído corrente tórico de Viseu, com recurso a drones: critérios de
análise e resultados. Proc. Of REHABEND 2018,
mas também limitações. Não obstante, todos (221479), pp. 784–800.
contribuem para o conhecimento exaustivo dos
[8] Viseu Património – brochura informativa de ca-
telhados e elementos que os compõem, passo racterização de coberturas. Disponível em: https://
fundamental para a sua caracterização e aná- REFERÊNCIAS viseupatrimonio.pt/source/mmbj83cn0q8sssk8ko.pdf

lise como elemento prévio à definição de inter-


[1] Instituto Nacional de Estatística (2013). Popu-
venções conscientes e adaptadas. lação residente em cidades (N.º) por Local de resi-
dência. https://bit.ly/3n8Fvl6.

Este processo evidenciou uma matriz de ca- [2] Castilho, L.A.M. (2013). A cidade de Viseu nos
racterísticas comuns aos edifícios analisa- séculos XVII e XVIII: Arquitetura e Urbanismo. Fa-
culdade de Letras da Universidade do Porto, Tese
dos, indicadora da sua coerência e coesão de Doutoramento.

20 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


Reabilitação de edifício
de habitação no centro
histórico do Porto
Calibração do modelo de simulação dinâmica
com base na monitorização térmica
Alexandre Soares dos Reis Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP),
Universidade de Aveiro, alexandre.soares.reis@ua.pt

Petra Vaquero Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP),


Universidade de Aveiro, pvaquero@ua.pt

Marta Ferreira Dias Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP),
Universidade de Aveiro, mfdias@ua.pt

Alice Tavares Centro de Investigação em Riscos e Sustentabilidade na Construção (RISCO),


Laboratório Associado CICECO – Instituto de Materiais de Aveiro, Universidade de Aveiro, tavares.c.alice@ua.pt

Aníbal Costa Centro de Investigação em Riscos e Sustentabilidade na Construção (RISCO), Universidade de Aveiro, agc@ua.pt

Jorge Fonseca Centro de Investigação em Riscos e Sustentabilidade na Construção (RISCO), Universidade de Aveiro, jfonseca@ua.pt

resumo
A reabilitação de edifícios nos ccntros históricos ou centros urbanos tem sido e continuará a ser um desafio
face aos condicionalismos de natureza estética, funcional e regulamentar, nomeadamente, nas exigências
ao nível dos requisitos de qualidade térmica da envolvente. Porém, a diferença entre os consumos teóricos,
resultantes da metodologia de cálculo proposta pela legislação, e os consumos reais pode ser muito
significativa, em especial quando, na realidade portuguesa os edifícios ou não são aquecidos ou, se forem,
será de forma intermitente, no entanto, a referida metodologia assume que o aquecimento existe e é
contínuo.
O principal objetivo deste estudo é avaliar o efeito, no conforto térmico dos ocupantes, resultante da
aplicação de isolamento térmico nas paredes exteriores de edifícios a reabilitar no Centro Histórico do Porto,
pelo que se desenvolveu um modelo de simulação dinâmica multizona, no software TRNSYS. De forma a
validar os resultados obtidos na simulação, procedeu-se à calibração do modelo, procurando aproximar os
valores teóricos das temperaturas interiores obtidas no cálculo, aos valores reais registados num edifício
residencial localizado no Centro Histórico do Porto e, recentemente, reabilitado. Sendo o objetivo principal
da intervenção a minimização do desconforto térmico dos ocupantes, foram efetuadas intervenções
criteriosas, apenas nos elementos com influência nesse desconforto. O edifício foi instrumentado, existindo,
à data, dados de temperatura e humidade interior dos diferentes espaços. Tendo o modelo devidamente
calibrado através da análise da incerteza dos resultados, o edifício foi simulado, em regime free float, sem
qualquer isolamento térmico nas paredes exteriores e com espessuras de 2 cm e 8 cm de isolamento na face
interior das paredes exteriores. Os resultados sugerem que o impacte, nas condições de conforto térmico no
inverno, é bastante reduzido quando se isolam as paredes exteriores e, ao isolar pela face interior, o conforto
no verão também é penalizado uma vez que ocorre um aumento do número de horas de sobreaquecimento.

palavras-chave conforto térmico . edifícios residenciais . centros históricos . reabilitação . simulação dinâmica

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CONREA’21

1. INTRODUÇÃO (Piso 0 – P0) e outra de tipologia T2 ocupando


os restantes pisos (Piso 1 – P1, Piso 2 – P2 e
O Centro Histórico do Porto apresenta uma Piso 3 – P3).
arquitetura que testemunha várias épocas,
nomeadamente, romana, medieval, renas- O edifício tem como elemento caracterizador
centista, barroca e neoclássica [1]. Em 1979, uma escada centralizada, posicionada trans-
Portugal aderiu à Convenção para a Proteção versalmente, que define a compartimentação
do Património Mundial, Cultural e Natural, interior, com um compartimento para a frente
adotada em 1972 pela Conferência Geral da e outro para o tardoz. A escada interior é enci-
Organização das Nações Unidas para a Edu- mada pela tradicional claraboia. Em termos de
cação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que exposição solar e condições para iluminação
fixa os deveres dos Estados Membros quanto natural, a fachada principal está virada a nas-
à preservação e proteção do património [2]. cente e a de tardoz a poente. Porém, a fachada
A responsabilidade de salvaguardar a iden- a poente encontra-se, permanentemente, som-
tidade do Centro Histórico do Porto, reco- breada pelo edifício da Sé de quem está sepa-
nhecido pela UNESCO como Património da rada por uma estreita viela. O sistema constru-
Humanidade, desde 1996, representa, para tivo é o tradicional do Porto para a época, com
o Estado Português, um enorme desafio face paredes de alvenaria de granito, quer para as 1
aos constrangimentos legais motivados por fachadas (cerca de 0,60 m de espessura) quer
legislação diversa, nomeadamente, a asso- para as paredes meeiras (cerca de 0,30 m de
1 | Casa 10 da Rua D. Hugo, Porto.
ciada à transposição para o direito nacional espessura) sendo estas comuns aos edifícios
da diretiva europeia para o desempenho ener- contíguos. As paredes interiores eram de tabi-
gético dos edifícios, a Energy Performance of que simples, existindo algumas de tijolo cerâ-
Buildings Directive (EPBD) [3]. De facto, fazer mico furado de 7 cm decorrentes de alterações
cumprir os requisitos mínimos do coeficiente na compartimentação original. A restante estru-
de transmissão térmica superficial dos ele- tura de pavimentos era de madeira, com vigas
mentos construtivos, conforme está preconi- de secção redonda (20 cm), na maior parte dos
zado na transposição da diretiva, pode não casos não retilíneas, demonstrando a antigui-
ser compatível com uma arquitetura milenar dade do edifício. As vigas de pavimento per-
a preservar e, paradoxalmente, poderá ter faziam toda a largura do edifício e apoiavam
um impacte muito reduzido no conforto dos nas paredes meeiras. A estrutura de cobertura
ocupantes, face ao funcionamento dos edi- era de madres, onde se apoiavam varas inter-
fícios em regime de free float, ou seja, sem rompidas na zona do corpo da claraboia, ten-
qualquer tipo de aquecimento ambiente. do o ripado e as telhas marselha e havendo
ainda uma única janela, do tipo trapeira, que
2. ESTUDO DE CASO assegurava a iluminação natural deste espaço.
Todos os vãos envidraçados existentes no edi-
O edifício em estudo, localizado junto à Sé fício apresentavam vidro simples com 2,5 mm
do Porto, na Rua D. Hugo, casa 10 (figura 1), de espessura, aros de madeira e portadas de
representa uma tipologia típica do Centro His- madeira pelo interior em alguns vãos.
tórico do Porto, com frente estreita (4,94 m)
e uma profundidade de 7,70 m, integrado no A intervenção de reabilitação teve como prin-
meio de um quarteirão, com um piso térreo cípio orientador a preservação de todos os
semienterrado uma vez que a frente confronta elementos arquitetónico-construtivos originais
com a rua, mas o tardoz possui, aproximada- do edifício e um compromisso de equilíbrio
mente, 3 m enterrados. Possui 4 pisos (P0, P1, em relação às melhorias do conforto térmi-
P2 e P3) e duas frações de habitação indepen- co interior com a menor intrusividade possí-
dentes, uma de tipologia T0 no rés-do-chão vel. Neste sentido, a solução de reabilitação

22 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


2 | Modelo 3D do edifício,
assinalando-se o T0 (à esquerda)
e o T2 (à direita).

3 | Modelo 3D do edifício,
cortes exemplificativos do
zoneamento utilizado.

procurou otimizar o comportamento passivo


do edifício e introduzir melhorias sem colocar
o utente excessivamente dependente de equi-
pamentos para climatização ou, pelo menos,
podendo controlar os momentos em que os
pretende utilizar ou ter custos de manuten-
ção, face à sua capacidade económica. Por
este motivo, foram valorizados os aspetos as-
sociados ao aproveitamento dos ganhos so-
lares no inverno, bem como a inércia térmica
das paredes de alvenaria de granito. Assim,
apenas foi isolada a cobertura, com 12 cm
de aglomerado negro de cortiça expandida,
não tendo sido aplicado qualquer isolamen-
to térmico nas paredes exteriores uma vez
que, pelo exterior iria interferir na demarcação
2 existente das orlas em granito dos vãos e pelo
interior comprometeria a inércia térmica. Os
vãos envidraçados da fachada principal foram
reabilitados, mantendo-se a madeira e o vidro
simples. Face ao elevado estado de degrada-
ção dos vãos envidraçados da fachada tar-
doz, os mesmos foram substituídos por uma
nova caixilharia de madeira com vidro duplo.
Os vãos envidraçados representam 17% (vi-
dro simples) e 7% (vidro duplo) da área total
correspondente à envolvente vertical exterior.

3. CONSTRUÇÃO E CALIBRAÇÃO DO
MODELO DE SIMULAÇÃO DINÂMICA

Utilizando uma ferramenta de simulação dinâ-


mica multizona, o TRNSYS, auxiliado por uma
ferramenta de modelação 3D de edifícios, o
SKETCHUP, desenvolveu-se o modelo de si-
mulação dinâmica que serviu de base ao pre-
sente estudo, tendo-se considerado um fator
de redução de perdas de 0,6 para os imóveis
que confinam com o imóvel analisado [4]. Na
figura 2 e na figura 3, a título exemplificativo,
3 apresentam-se algumas imagens do modelo

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CONREA’21

Tabela 1 | Calibração do modelo de simulação dinâmica multizona

NMBE CV(RMSE) R2

ASHRAE ±10% <30%


>75%
IPMVP ±5% <20%
T0 | P0
-9% 14% 83%
Sala frente
T2 | P1
-1% 12% 71%
Sala Frente
T2 | P2
0% 11% 78%
Quarto Frente
T2 | P2
-2% 11% 76%
Quarto Tardoz

tridimensional desenvolvido e no qual o edi- através da comparação dos resultados reais 4. SIMULAÇÃO E RESULTADOS
fício foi dividido em 13 zonas de simulação. com os resultados obtidos através do mode-
lo de simulação para a Sala Frente (T0 | P0), Com o modelo calibrado procedeu-se a uma
As soluções construtivas utilizadas na simula- Sala Frente (T2 | P1), Quarto Frente (T2 | P2) análise do impacte da aplicação de isolamen-
ção tiveram por base a publicação ITE 50 [5] e Quarto Tardoz (T2 | P2). Foram tidas em to térmico nas paredes exteriores, que repre-
do Laboratório Nacional de Engenharia Civil conta as orientações da Guideline 14-2014 sentam 17% da área total da envolvente, no
(LNEC) e o Despacho (extrato) n.º 15793- da ASHRAE bem como do documento Con- conforto térmico dos ocupantes. Salienta-se
K/2013 [4]. cepts and Options for Determining Energy que, dentro do espírito associado à reabilita-
and Water Savings, Volume I do Internatio- ção do edifício, não foram isoladas as paredes
Quanto aos dados climáticos, recorreu-se nal Performance Measurement and Verifica- exteriores pelo que a primeira simulação reali-
aos ficheiros de referência utilizados no Sis- tion Protocol (IPMVP) [10] que consideram zada (base) teve em conta o edifício ocupado,
tema de Certificação Energética dos Edifícios os seguintes índices para a análise da in- respeitando as soluções construtivas atuais e
(SCE) [6], disponibilizados pela Direção-Geral certeza dos resultados de um modelo de em regime free float. A segunda e a terceira
de Energia e Geologia (DGEG) [7]. simulação: simulação foram em tudo semelhantes à pri-
meira, mas admitindo a aplicação, pelo inte-
A precisão dos modelos de simulação di- • Erro de enviesamento médio normalizado, rior das paredes exteriores, de 2 cm e 8 cm
nâmica é importante uma vez que, após a Normalized Mean Bias Error (NMBE); de aglomerado negro de cortiça expandida,
validação do modelo através de um procedi- • Coeficiente de variação do erro quadrático barreira pára-vapor e gesso cartonado com
mento de calibração, este pode ser utilizado médio, Coefficient of Variation of the Root 1,3 cm. A solução com 2 cm de isolamento
para prever vários cenários que conduzam à Mean Square Error (CV(RMSE)); (PextI2cm) está de acordo com o previsto no
redução dos consumos energéticos e da me- • Coeficiente de determinação, R2. Decreto-Lei n.º 95/2019 [11], a legislação mais
lhoria das condições de conforto no interior recente no âmbito da reabilitação de edifícios
dos edifícios. Tendo em conta a Guideline Analisando a tabela 1 constata-se que os va- residenciais, em conformidade com os coefi-
14-2014 [8] da American Society of Heating, lores de NMBE e de CV(RMSE) se encontram cientes de transmissão térmica superficiais
Refrigerating and Air-Conditioning Engineers dentro dos limites propostos pela ASHRAE e máximos admissíveis estipulados pela Porta-
(ASHRAE), a calibração é o processo de re- pelo IPMVP, exceto a Sala Frente (T0 | P0), ria n.º 297/2019 [12]. A solução onde se prevê
dução da incerteza dos dados de saída de na qual o NMBE excede, em alguns pontos a aplicação de 8 cm de isolamento (PextI8cm)
um modelo mediante determinadas condi- percentuais, o intervalo de ± 5% proposto pelo tem por base o Decreto-Lei n.º 118/2013 [6] e
ções, face aos resultados reais medidos nas IPMVP, cumprindo o intervalo de ± 10% pro- os requisitos para edifícios novos ou interven-
mesmas condições. Um modelo calibrado é posto pela ASHRAE. ções em componentes de edifícios definidos
aquele que, sob o mesmo conjunto de condi- pela Portaria n.º 379-A/2015 [13].
ções, consegue reproduzir as monitorizações No caso do coeficiente de correlação, R2, não
realizadas, sendo a sua precisão avaliada se trata de um valor prescritivo, mas apenas Os resultados sugerem que o isolamento tem
através de uma análise de incerteza [9]. de uma recomendação, coincidente em ter- um impacte reduzido nas temperaturas inte-
mos de valores, na ASHRAE e IPMVP, que riores dos compartimentos principais, durante
Entre 1 de março de 2020 e 21 de dezem- aconselham R2 > 75%. Apenas um dos com- o seu período de ocupação, conforme se pode
bro de 2020, com o edifício ainda desocu- partimentos apresenta um valor inferior, no constatar nos histogramas das figuras 4 a 7,
pado, foram recolhidos dados provenientes entanto, bastante próximo (71%), pelo que que representam o número de horas de ocor-
de uma campanha de monitorização das se considerou que o modelo se encontrava rência de temperaturas interiores, nos meses
temperaturas interiores de vários espaços calibrado. de novembro a fevereiro, em diferentes ga-
do edifício. A calibração foi concretizada mas de temperatura.

24 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


4 | Número de horas de ocorrência de gamas
de temperaturas – Sala Frente (T0 | P0).

5 | Número de horas de ocorrência de gamas


de temperaturas – Sala Frente (T2 | P1).

6 | Número de horas de ocorrência de gamas


de temperaturas – Quarto Frente (T2 | P2).

7 | Número de horas de ocorrência de gamas


de temperaturas – Quarto Tardoz (T2 | P2).

4
Verifica-se que a colocação de isolamento,
pelo interior das paredes exteriores do edi-
fício, reduz o número de horas com tempe-
raturas mais baixas e aumenta as horas com
temperaturas mais altas. No entanto, cons-
tata-se que a alteração não é significativa,
mesmo aumentando a espessura do isola-
mento de 2 cm para 8 cm (tabelas 2 e 3).
Em contrapartida, a colocação deste material
pelo lado interior das paredes exteriores pro-
voca o sobreaquecimento dos espaços nos
meses de verão tendo-se verificado diferen-
ças entre 19% e 36% e entre 30% e 61%, re-
lativamente à situação sem isolamento, para
os isolamentos de 2 cm e 8 cm, respetiva- 5
mente. Salienta-se que não foi equacionada
a aplicação de isolamento pelo exterior uma
vez que tal intervenção iria descaracterizar o
edifício em virtude da demarcação das orlas
em granito dos vãos.

5. CONCLUSÕES

Este trabalho de investigação baseou-se


num edifício, recentemente reabilitado, no
Centro Histórico do Porto e que, ainda deso-
cupado, foi sujeito a uma campanha de mo-
nitorização das temperaturas interiores. Com
os dados desta monitorização foi possível
efetuar a calibração de um modelo de simu- 6
lação dinâmica multizona, de acordo com os
critérios da ASHRAE e do IPMVP. Feita a ca-
libração, simularam-se dois cenários. Um pri-
meiro cenário em que se simulou a ocupação
do edifício, tal como está, ou seja, reabilitado
respeitando a preservação dos elementos ar-
quitetónico-construtivos originais com a me-
nor intrusividade possível. Um segundo ce-
nário em que se simulou o edifício cumprindo
os pressupostos da legislação atual para a
reabilitação de edifícios residenciais [13, 14].
Por fim, um terceiro em que se seguiram os
requisitos mínimos previstos para edifícios
novos ou intervenções em componentes de
edifícios [6, 15]. Compararam-se as tempe-
raturas interiores registadas nos comparti-
mentos principais, de novembro a fevereiro, 7

P&C 70 | Janeiro > Junho 2021 | 25


CONREA’21

Versão resumida do artigo

Tabela 2 | Redução do número de horas com temperaturas inferiores a 16 °C (em relação à base)

T0 | P0 T2 | P1 T2 | P2 T2 | P2
novembro a fevereiro
Sala Frente Quarto Frente Quarto Tardoz

PextI2cm -11% -13% -14% -14%


T < 16 °C
PextI8cm -17% -20% -24% -23%

Tabela 3 | Aumento do número de horas com temperaturas superiores a 27 °C (em relação à base)

T0 | P0 T2 | P1 T2 | P2 T2 | P2
junho a setembro
Sala Frente Sala Frente Quarto Frente Quarto Tardoz

PextI2cm 21% 28% 19% 36%


T > 27 °C
PextI8cm 30% 40% 30% 61%

[7] Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG),


no período ocupado de cada espaço e con- Este trabalho foi apoiado pela Unidade de
«Ficheiros climáticos de referência do SCE», 2016.
cluiu-se que a alteração no número de ho- Investigação em Governança, Competiti- https://www.dgeg.gov.pt/pt/areas-setoriais/energia/
energias-renovaveis-e-sustentabilidade/sce-er/
ras com temperaturas inferiores a 16 °C não vidade e Políticas Públicas (projeto POCI-
(acedido Abr. 14, 2021).
é significativa e a colocação de isolamento -01-0145-FEDER-008540), financiada pelos
térmico nas paredes exteriores neste tipo de fundos FEDER, através do COMPETE2020 [8] D. R. Landsberg, J. A. Shonder, K. A. Barker, C. R.
L. Hall, e D. T. Reindl, «ASHRAE Guideline 14-2014».
edifícios, por uma questão meramente legis- – Programa Operacional Competitividade e 2014.
lativa, não faz sentido pelo reduzido impacte Internacionalização (POCI) – e por fundos
[9] G. R. Ruiz e C. F. Bandera, «Validation of calibra-
que lhe está associado, com a agravante de nacionais através da FCT – Fundação para a ted energy models: Common errors», Energies, vol. 10,
se aumentar o risco de sobreaquecimento no Ciência e a Tecnologia n. 10, 2017, doi: 10.3390/en10101587.

verão uma vez que se constatou que o nú- [10] International Performance Measurement and
mero de horas com temperaturas superiores Verification Protocol (IPMVP), «Concepts and Op-
tions for Determining Energy and Water Savings,
a 27 °C aumentou. Volume I». 2002.

[11] Presidência do Conselho de Ministros, «Decreto-Lei


A responsabilidade por parte do Estado Por- 95/2019, 2019-07-18», Diário da República Eletrónico,
REFERÊNCIAS
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Centro Histórico do Porto, Ponte Luiz I e Mosteiro da
mesmo que não classificados, não deveria Serra do Pilar». http://www.patrimoniocultural.gov.
[12] Ministério do Ambiente e Transição Energética,
«Portaria 297/2019, 2019-09-09», Diário da Repú-
estar tão condicionada pelas exigências re- pt/pt/patrimonio/patrimonio-mundial/portugal/centro-
blica Eletrónico, Set. 09, 2019. https://dre.pt/home/-/
-historico-do-porto/ (acedido Abr. 11, 2021).
gulamentares em termos da eficiência ener- dre/124539913/details/maximized (acedido Fev. 07,
2021).
gética uma vez que, em regime de free-float, [2] Direção-Geral do Património Cultural, «DGPC |
Património | Património Mundial em Portugal». http://
a aplicação de isolamento térmico em pare- [13] Ministério do Ambiente, Ordenamento do Terri-
www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimo-
tório e Energia, «Portaria 379-A/2015, 2015-10-22»,
des exteriores tem um impacte reduzido nas nio-mundial/ (acedido Abr. 11, 2021).
Diário da República Eletrónico, 2015. https://dre.pt/
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pantes, sendo um investimento com impacte [14] Ministério do Ambiente e Transição Energética,
«Portaria 297/2019, 2019-09-09», Diário da Repú-
negativo na preservação da autenticidade do [4] Ministério do Ambiente, Ordenamento do Territó-
blica Eletrónico, Set. 09, 2019. https://dre.pt/home/-/
património edificado. rio e Energia – Direção-Geral de Energia e Geologia,
dre/124539913/details/maximized (acedido Fev. 07,
«Despacho (extrato) 15793-K/2013, 2013-12-03»,
2021).
Diário da República Eletrónico, 2013. https://dre.
pt/home/-/dre/2975224/details/maximized (acedido
AGRADECIMENTOS Abr. 14, 2021).
[15] Ministério do Ambiente, Ordenamento do Terri-
tório e Energia, «Portaria 379-A/2015, 2015-10-22»,
Diário da República Eletrónico, 2015. https://dre.pt/
A autora Alice Tavares agradece o apoio finan- [5] SANTOS, Pina dos; MATIAS, Luís, ITE 50 – Coefi-
web/guest/pesquisa/-/search/70789581/details/ma-
cientes de transmissão térmica de elementos da envol-
ximized (acedido Abr. 18, 2021).
ceiro através de bolsa de pós-doutoramento à vente dos edifícios. Versão actualizada 2006. LNEC.
FCT, ao MCTES, ao FSE através do Progra-
[6] Assembleia da República, «Lei 52/2018, 2018-08-
ma Operacional Regional Centro e à UE, bem 20», Diário da República Eletrónico, Ago. 20, 2018.
como ao CICECO e ao RISCO da Universida- https://dre.pt/pesquisa/-/search/116108098/details/
maximized (acedido Fev. 07, 2021).
de de Aveiro.

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CONREA’21

Livraria Lello
Inspecção e diagnóstico estrutural
Valter Lopes NCREP Lda., valter.lopes@ncrep.pt

Tiago Ilharco NCREP Lda., tiago.ilharco@ncrep.pt

Nuno Monteiro NCREP Lda., nuno.monteiro@ncrep.pt

Alexandre A. Costa NCREP Lda./ISEP, alexandre.costa@ncrep.pt

resumo
Inaugurada em 1906 e com projecto do engenheiro Francisco Xavier Esteves, a histórica Livraria Lello
constitui um dos mais icónicos edifícios da cidade do Porto, tendo sido classificada como Monumento de
Interesse Público em 2013.
No âmbito de uma intervenção mais alargada, a NCREP realizou em 2016 a primeira fase de um trabalho
que consistiu na inspecção e diagnóstico da estrutura da cobertura, dos pavimentos e da estrutura de
suporte de tectos, incluindo a definição de medidas de intervenção. Foi feito um levantamento rigoroso
da estrutura, maioritariamente de madeira, recorrendo-se a um conjunto de ensaios complementares de
diagnóstico (resistógrafo, higrómetro e videoscópio). A presença de elementos decorativos valiosíssimos fez
com que toda esta acção fosse cirúrgica no sentido de minimizar o impacto nestes elementos. Nesta fase,
toda a estrutura foi mantida, tendo-se promovido acções de tratamento das madeiras estruturais, bem
como reforços pontuais com o intuito de melhorar o seu comportamento.
Numa segunda fase, com início em 2020, foi realizada a inspecção e diagnóstico da escada central, elemento
notável no interior da livraria. Nesta avaliação foram igualmente utilizados alguns ensaios complementares
de diagnóstico (ultra-sons, pacómetro, termografia e ensaios de identificação dinâmica com recurso a
vibração ambiental). Toda esta informação serviu para calibrar um modelo numérico desenvolvido para
a análise da escada, tendo-se concluído que esta se encontra actualmente com uma resposta estrutural
adequada. Ainda assim, e face à grande afluência de visitantes e à consequente utilização da escada, foi
decidido implementar um sistema de monitorização dinâmica que permitirá avaliar, ao longo dos próximos
anos, a evolução da sua resposta dinâmica, permitindo ainda a identificação de eventuais danos com
impacto nos parâmetros modais da resposta.

palavras-chave alvenaria . madeira . betão armado . conservação, inspecção e diagnóstico

1. INTRODUÇÃO 2. FASE 1 – COBERTURA, 2.2 Cobertura


PAVIMENTOS E ESTRUTURA
A importância de um bom trabalho de inspec- DE SUPORTE DE TECTOS Verificou-se que a estrutura resistente da cober-
ção e diagnóstico num processo de reabilitação tura é constituída por um conjunto de sete asnas
é inegável, sendo particularmente relevante em 2.1 Enquadramento apoiadas nas paredes de alvenaria de pedra,
casos como o da Livraria Lello, um dos mais vencendo um vão de aproximadamente 7,2 m,
interessantes e icónicos edifícios da cidade do A primeira fase de intervenção na estrutura e servindo de suporte às madres e à cumeeira.
Porto (figura 1.1). A intervenção da NCREP foi da Livraria Lello consistiu na inspecção e Tal como é representado na figura 2.1, existem
dividida por duas fases: numa primeira fase diagnóstico da estrutura da cobertura, pavi- dois tipos de asnas na zona da cobertura em
foram abordados a cobertura, os pavimentos mentos e estrutura de suporte do tecto do análise – asnas tipo A1 e A2.
e os elementos de suporte de tectos; numa piso 1. Para isso foi realizado o levantamen-
segunda fase, foi analisada a escada, o mais to estrutural dos vários elementos de cada As asnas do tipo A1 são asnas simples em
notável elemento no interior da livraria. Procu- zona, a inspecção visual e mapeamento de madeira de folhosa, constituídas por duas per-
rou-se desde o início que a intervenção fosse anomalias, tendo-se igualmente realizado nas, uma linha, um pendural e duas escoras.
tão minimalista quanto possível, respeitando o um conjunto de ensaios não destrutivos de
elevado valor do edifício ao mesmo tempo que modo a complementar a informação anterior- A asna do tipo A2 trata-se de um elemento sin-
garantisse a sua segurança [1]. mente referida. gular, existente na zona do vitral e da clarabóia,

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CONREA’21

1.1 2.2

2.1

que permite a compatibilização de cotas nessa apoiadas nas linhas das asnas A1 e servem de 1.1 | Peças desenhadas da licença de obra
original. © Casa do Infante, Porto
zona. Esta asna difere das asnas A1 pelo fac- suporte ao referido elemento (figura 2.2).
to de apresentar uma linha constituída por um 2.1 | Planta da cobertura com alçados das
asnas tipo (A1 e A2).
tirante metálico e por não apresentar escoras. Os resultados obtidos na inspecção visual, nas
sondagens e nos ensaios realizados permiti- 2.2 | Vitral / clarabóia.
Na zona mais próxima da fachada principal, ram a caracterização construtiva, a identifica-
a terceira água da cobertura é materializada ção, a interpretação dos danos existentes e a
por dois rincões que apoiam na primeira asna avaliação da intensidade e extensão de even-
(ver planta). Note-se que esta água apresenta tuais ataques de agentes bióticos, nomeada-
uma inclinação bastante acentuada, fruto da mente fungos xilófagos, insectos de ciclo larvar
geometria da cobertura nesta zona. (caruncho) e insectos sociais (térmitas). Real-
ça-se os ensaios realizados com resistógrafo
Finalmente, de referir a existência de duas vi- [2], que permitiram avaliar com maior rigor o
gas de betão, apoiadas nas asnas do tipo A1 estado de conservação das peças de madeira,
que delimitam a zona do vitral /clarabóia (mar- em particular no seu interior (figura 2.3), assim
cação a tracejado em planta). Estas vigas, com como as medições do teor de humidade, quase
secção de cerca de 10x30 cm2, encontram-se sempre inferiores a 15%.

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2.3

2.4

Das acções realizadas concluiu-se que os vigas apoia o soalho de madeira com cerca 2.3 | Ensaio de resistógrafo.
principais danos se verificavam em elementos de 3,0 cm de espessura, não existindo tecto 2.4 | Plantas estruturais do piso 0 e piso 1,
secundários, nomeadamente varas e ripas, falso, o que permitiu que a inspecção visual respectivamente.

onde foram encontrados alguns ataques de fosse feita sem grandes constrangimentos a
térmitas e de caruncho [3]. partir da face inferior do pavimento.
O pavimento deste piso é constituído por vigas
2.3 Pavimentos e tecto do piso 1 Relativamente ao pavimento do piso 1, este de madeira de secção circular com diâmetro
encontra-se oculto na sua face superior médio de aproximadamente 20 cm e espaça-
A estrutura resistente do pavimento do piso 0 pelo soalho e na sua face inferior pelo tecto mento médio de 0.50 m, que dão suporte ao
é constituída por um conjunto de vigas de ma- com inúmeros e valiosos elementos deco- soalho com espessura de cerca de 3,0 cm (nal-
deira de secção circular variável com diâme- rativos. Assim, o levantamento estrutural do guns casos através de calços com 5,0 cm de
tros entre 10 cm e 18 cm e com espaçamento pavimento do piso 1 foi realizado de forma altura). Aparentemente as vigas de pavimento
médio de 0.55 m (figura 2.5). As vigas apoiam indirecta através de ensaios com equipa- não encastram na parede, sendo suportadas
nas paredes de empena do edifício e numa mentos não destrutivos como o caso do de- em vigas de madeira transversais apoiadas
parede interior de alvenaria de pedra existen- tector de metais, resistógrafo e videoscópio nos contrafortes em alvenaria de pedra exis-
te na cave (figura 2.4). Directamente sobre as (figura 2.6). tentes nas paredes de empena (figura 2.4).

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2.5

2.6

2.7

O tecto do piso 0, constituído por uma cama- anteriormente, apoiadas nas asnas do tipo 2.5 | Estrutura de suporte do piso 0.
da de argamassa/betonilha com espessura de A1 que delimitam a zona do vitral/clarabóia
2.6 | Elementos decorativos do tecto do piso 1;
cerca de 10 cm, é suportado por vigas de ma- (figura 2.1). observação com recurso a videoscópio.
deira colocadas entre as vigas de pavimento, 2.7 | Ataques de térmitas em vigas de madeira.
com secção ligeiramente inferior à das vigas Os resultados obtidos na inspecção visual,
de pavimento. complementados pelos ensaios realizados
com resistógrafo, permitiram identificar al-
As vigas de madeira de suporte do tecto do guns pontos com ligeiros ataques de agen-
piso 1 têm uma secção transversal circular tes bióticos. Estes ataques são mais notó-
variável entre 15 cm e 20 cm e encontram- rios em elementos de revestimento, nomea-
-se espaçadas entre 0,80 m e 1,0 m. A li- damente soalho e rodapés, mas afectam
gar estas vigas existem dois alinhamentos também algumas vigas de pavimento ainda
de tarugos com menor secção transversal. que, na maioria dos casos, de forma superfi-
Tanto as vigas como os tarugos têm uma cial (figura 2.7). No piso 1 foram observados
parte embebida no tecto. Refere-se ainda a menos indícios deste tipo de ataque.
existência das duas vigas de betão referidas

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3.1

2.4 Intervenção recurso a empalmes com chapas metálicas 3.1 | Vistas em alçado da escada central com
registo fotográfico da escada central.
ligadas através de varões roscados.
As medidas de intervenção foram determina-
das com base nos dados recolhidos durante No que diz respeito ao tecto do piso 1, cons-
a inspecção, nomeadamente no levantamento tatou-se que a estrutura de madeira se en-
prévio exaustivo dos elementos construtivos e contra em bom estado de conservação,
dos danos existentes e procuraram minimizar sendo viável a sua manutenção recorrendo
o impacto no edifício, preservando e valori- apenas tratamentos preventivos e a reforço
zando as suas características originais. Op- com a introdução de novas vigas de madeira
tou-se, sempre que possível, pela reabilitação paralelas às existentes.
dos elementos construtivos existentes e pela
utilização de soluções baseadas em materiais 3. FASE 2 – ESCADA CENTRAL
e técnicas tradicionais.
Numa segunda fase da intervenção, foi es-
No caso das coberturas, as intervenções visa- tudada em maior detalhe a escada central
ram a reabilitação pontual de elementos, ou da livraria [4]. A estrutura da escadaria des-
zonas que se encontravam degradadas, ga- taca-se dos restantes elementos do edifício
rantindo as condições de segurança. A avalia- pelo uso de betão armado como material
ção efectuada permitiu verificar o bom estado estrutural, pouco comum à época. A estru-
de conservação estrutural dos elementos de tura é assim composta por três vigas que
madeira da cobertura. Do ponto de vista do es- seguem a forma geométrica da escada,
tado de conservação, conclui-se ser possível responsáveis em parte pela transmissão
manter todos os elementos da estrutura prin- dos esforços atuantes na laje de escada
cipal da cobertura, nomeadamente as asnas, para os apoios no piso 0 e piso 1, além do
madres, cumeeiras e rincões. Por outro lado funcionamento em casca dos patins e es-
foi prevista a substituição da estrutura secun- pelhos (figura 3.1). Existem ainda dois pi-
dária (varas e ripado) por novos elementos de lares alinhados com o arranque da escada
madeira. Foi ainda preconizada a limpeza e que suportam parte das cargas existentes
tratamento preventivo de todos os elementos nas vigas superiores.
de madeira através da aplicação, por pincela-
gem ou aspersão, de um produto de tratamen- Para além dos pilares, a estrutura da escada
to contra insectos e fungos xilófagos, aumen- é suportada em mais três apoios: o apoio do
tando assim a sua durabilidade [3]. piso 0 é assegurado por paredes de alvenaria
situadas na cave e alinhadas com o arranque
Relativamente aos pavimentos, concluiu-se da escada; já no piso 1, a escada apresenta
também que a estrutura de madeira existen- duas zonas de entrega nas vigas existentes
te poderia ser mantida, através de acções de no pavimento da galeria.
limpeza e tratamento, semelhantes às pro-
postas para a cobertura [3]. Foi ainda previs- No que à geometria diz respeito, a escada
to o reforço pontual dos apoios das vigas de vence o pé-direito de cerca de 5,65m, atra-
pavimento do piso 0 mais degradados com vés de 28 degraus. É de realçar a geometria

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CONREA’21

3.2

3.3

peculiar da escada que se desenvolve numa Foram ainda realizados ensaios de identifica- 3.2 | Ensaios de Ferroscan® PS200 e ultra-som
bifurcação a meia altura, voltado a unir-se ção dinâmica in situ, recorrendo à vibração am- 3.3 | Plantas com localização dos setups do
no patamar intermédio (figura 3.1). As vigas biental. Tal como o nome indica, neste método ensaio de Identificação Dinâmica.

laterais possuem uma dimensão aproxima- a excitação dinâmica imposta à estrutura é a


da de 0.12x0.45 m2, sendo revestidas por que deriva de factores ambientais, tais como o
elementos decorativos em gesso, pintados, vento, o tráfego urbano, maquinarias etc. Com
garantindo também o suporte das guardas a colocação de sensores (acelerómetros) em
em madeira. Já os pilares apresentam uma posições criteriosamente definidas é então re-
secção variável, com 15 cm de diâmetro na gistada a resposta dinâmica da estrutura em
sua base e cerca de 11,5 cm de diâmetro termos de acelerações. De seguida os dados
no capitel. registados são numericamente tratados com
recurso a técnicas de análise espectral, deter-
Com o intuito de caracterizar estrutural- minando assim caraterísticas dinâmicas da es-
mente a escada, foi realizada uma campa- trutura como as suas frequências, modos de vi-
nha de ensaios não destrutivos. O Ferros- bração fundamentais e deformadas modais [5].
can® PS200 foi usado nos dois pilares da
escada, bem como no patamar intermédio Foram então colocados acelerómetros nos
da escada (figura 3.2), de modo a caracte- pontos mais caracterizadores do comporta-
rizar as suas armaduras. Foram ainda rea- mento dinâmico da escada. Foram utiliza-
lizados ensaios de ultra-som nos pilares, dos um total de 9 acelerómetros, agrupados
que tiveram como objetivo avaliar a homo- 3 a 3 para medição das 3 direções principais
geneidade do betão e estimar propriedades (x, y e z) que permitiram a execução de 3
do material (figura 3.2). setups distintos (figura 3.3).

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Tabela 3.1 | Principais frequências de vibração identificadas

Modo Frequência [Hz] Comentário

1 11.37 Modo principal Y (translação) Versão resumida do artigo

2 16.81 Modo principal X (translação)


3 22.58 Modo principal Z (translação)

3.4

A partir dos picos identificados no domínio da metros como a rigidez, massa e condições de 3.4 | Vista isométrica do modelo gerado no
software SAP2000.
frequência e as respectivas deformadas mo- apoio da estrutura. Foi obtido um valor sem-
dais, foram detectadas as frequências corres- pre superior a 0.79 para o critério MAC (Modal 3.5 | Análise do modelo numérico com
localização de cenários de dano.
pondentes aos três modos principais de vibra- Assurance Criterion [5]) que mede o grau de
ção da estrutura (tabela 3.1). correlação entre a deformada modal experi-
mental e numérica, bem como um desvio má-
Posteriormente foi desenvolvido um mode- ximo de 3.85% entre frequências (tabela 3.2).
lo de cálculo automático com recurso ao
SAP2000, tendo-se considerado: (i) mode- Após a calibração do modelo, verificou-se
lação das vigas de suporte e laje de escada que a escada apresentava um comporta-
através de elementos finitos do tipo “casca”; mento adequado, sendo a sua manutenção
(ii) modelação dos pilares através de elemen- possível apenas com recurso aos trabalhos
tos finitos do tipo “barra”; (iii) malha gerada já previstos de conservação e restauro. Ain-
em facetas triangulares devido à complexida- da assim, dada a sua utilização, foi prevista
de da geometria da escada; (iv) propriedades a monitorização com recurso a um sistema
materiais e mecânicas estimadas com base semelhante ao utilizado para a identificação
no conhecimento adquirido. dinâmica. De modo a ensaiar a identificação
de anomalias no funcionamento estrutural
O processo de calibração do modelo numé- da escada na futura fase de monotorização,
rico é feito de forma indirecta, seguindo-se foram simulados no total nove eventuais
um processo iterativo de tentativa e erro até à cenários de dano associados a possíveis
convergência dos resultados numéricos e ex- deteriorações nos elementos estruturais de
perimentais, através da manipulação de parâ- betão armado. Estas simulações consistem

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Tabela 3.2 | Comparação entre os valores de frequências de vibração natural experimentais e numéricos e parâmetro MAC

Modos de Frequências de vibração natural


Deformada modal
vibração Valor experimental [Hz] Valor numérico [Hz] Diferença MAC
Modo 1 Translação em y 11.37 11.58 1.89% 0.87
Modo 2 Translação em x 16.81 16.28 3.13% 0.99
Modo 3 Translação em z 22.58 23.45 3.85% 0.79

3.5

principalmente na representação da fendi- complementadas pela inspecção visual, foi REFERÊNCIAS


lhação em pontos críticos da estrutura (figu- possível preconizar medidas de intervenção
[1] ICOMOS (2004) – Recomendações para a Análise,
ra 3.5), tais como pontos de maior deforma- pontuais, de cariz essencialmente preventivo, Conservação e Restauro Estrutural do Património
Arquitetónico do ICOMOS.
ção e ligações entre elementos. salvaguardando assim o elevado valor patri-
monial do edifício. [2] ILHARCO, T. (2008) – Pavimentos de madeira em
O sistema de monitorização medirá as fre- edifícios antigos. Diagnóstico e intervenção estrutural.
Porto: Faculdade de Engenharia da Universidade do
quências e permitirá avaliar as configurações Foi ainda prevista uma monitorização da esca- Porto. Tese de mestrado.
modais, permitindo identificar potenciais ce- da central, que será sustentada pela avaliação
[3] NCREP (2016) – Relatório de Inspeção e
nários de dano, de acordo com as simulações numérica previamente desenvolvida e que per- Diagnóstico Estrutural – Cobertura e Pavimentos
anteriormente descritas. mitirá detectar antecipadamente fenómenos de Livraria Lello, Porto.

degradação da estrutura da escada [4] NCREP (2020) – Relatório de Inspeção e


CONCLUSÕES Diagnóstico Estrutural – Escadaria Central da Livraria
Lello, Porto.

A intervenção da NCREP na Livraria Lello re- [5] LOPES, V. (2009) – Identificação Mecânica e
Avaliação do Comportamento Sísmico de Chaminés
vestiu-se de bastantes desafios, resultantes em Alvenaria. Porto: Faculdade de Engenharia da
dos variados e valiosos elementos decorati- Universidade do Porto. Tese de mestrado.
vos no seu interior. Com recurso a diversas
técnicas de ensaio não destrutivo, sempre * Artigo escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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Estudo do comportamento
estrutural de “abobadilhas”
alentejanas através de
ensaios de carga
João Rei Academia Militar (CINAMIL & CERIS), jcmrei@gmail.com

António Sousa Gago Instituto Superior Técnico (CERIS), Universidade Técnica de Lisboa, antonio.gago@tecnico.ulisboa.pt

resumo
Até meados do século XX era habitual o recurso a abobadas de alvenaria na execução de coberturas e
pavimentos em edifícios. Nas regiões contíguas com a Estremadura Espanhola era prática corrente o uso
de abóbadas finas, executadas com tijoleiras de três a cinco centímetros de espessura, assentes ao baixo
com argamassa de presa rápida, à base de gesso. A colocação das tijoleiras ao baixo (resultando num menor
peso por unidade de superfície) e a utilização da argamassa de presa rápida permitiam a execução deste
tipo de abóbadas sem recurso a cimbres, ou, quanto muito, com sistemas ligeiros de guiamento e suporte.
Foi uma técnica muito usada na bacia do Mediterrâneo, particularmente nas regiões espanholas da Catalunha
e Estremadura, e no Alentejo, do lado português, onde é tradicionalmente conhecida por “abobadilha”
alentejana. Em 1892 a técnica foi patenteada nos Estados Unidos da América pelo arquiteto catalão Rafael
Guastavino, onde a utilizou em obras de referência, como é o caso da abóbada do cruzeiro da Catedral de S.
João, o Divino, na cidade de Nova Iorque.
Para além da curiosidade histórica e do interesse desta técnica construtiva para uso em intervenções de
reabilitação do património construído, a técnica tem um enorme potencial construtivo e estrutural, sendo
possível a sua utilização em novas aplicações, muitas delas fora do seu âmbito tradicional. Justifica-
se, portanto, um estudo mais aprofundado e quantitativo das capacidades estruturais das abobadilhas
alentejanas, que, entre outros aspetos, permita a avaliação da capacidade estrutural destas construções.
No presente artigo apresentam-se os resultados de ensaios experimentais e de ensaios numéricos (através
de modelos de elementos discretos tridimensionais) recentemente realizados. Os estudos descritos no artigo
visam contribuir para a quantificação da capacidade resistente da solução em “abobadilha” alentejana e
integram-se numa investigação mais alargada, em curso, sobre esta técnica construtiva.

palavras-chave “abobadilha” alentejana . abóbada . alvenaria . ensaios . resistência

1. INTRODUÇÃO maior durabilidade. A alvenaria, usada nos riormente com os Romanos [1], o homem
elementos estruturais verticais, era o mate- descobriu1 o “arco”, geometria que permitia
Desde sempre, o maior desafio da constru- rial que cumpria as exigências pretendidas, vencer vãos com elementos sujeitos apenas
ção foi o de vencer vãos sob os quais o ho- apresentando uma elevada durabilidade e a esforços de compressão, isto é, sem que
mem se pudesse abrigar, ou para permitir a uma excelente resistência para solicitações se gerem tensões de tração e de flexão nos
ligação entre margens de rios ou de outros de compressão. Contudo, a sua diminuta elementos estruturais. O entendimento do
obstáculos. Inicialmente, tal era conseguido resistência à tração e, consequentemente, funcionamento estrutural do arco e a gene-
recorrendo a elementos em madeira, mas fraca resistência a esforços de flexão, impe- ralização da utilização da forma arqueada
devido à sua fraca durabilidade e o mau dia a sua utilização em elementos lineares nas construções foi um marco na história da
comportamento ao fogo os construtores horizontais, sujeitos a esforços de flexão. construção, quase tão importante na histó-
ambicionavam elementos em materiais com Só com os Etruscos (900-27 A.C.) e poste- ria da civilização, como o foi a descoberta

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1a 1b 1c

Carga Distribuída Carga Linear Rótula no colapso

da roda. Ao longo dos séculos, o homem foi Catalunha, Rogelio Salmona (1927-2007), 1 | Ensaio ES8: “abobadilha”
extradorsada com sacos de areia.
aperfeiçoando as técnicas construtivas das na Colômbia, Eduardo Sacriste (1905-99),
estruturas arqueadas em alvenaria, desen- na Argentina, Antonio Bonet (1913-89), na
volvendo diversas alternativas (arco, abó- Argentina e Uruguai, e Le Corbusier (1887-
bada, cúpula) e dentro delas, múltiplas va- 1965), em França, na Suíça e na Índia.
riantes. As abóbadas finas executadas com Contudo, com o aparecimento dos mate-
tijoleiras cerâmicas (de três a cinco centí- riais modernos (o aço estrutural e o betão
metros de espessura) assentes ao baixo armado) a construção de abóbadas e arcos capacidade estrutural. Este artigo pretende
com argamassa de secagem rápida à base em alvenaria foi perdendo espaço e no fi- contribuir para o conhecimento das capaci-
de gesso, constitui uma das mais notáveis nal do século XX existiam poucos mestres dades estruturais das “abobadilhas alente-
variantes, por permitir estruturas de elevada pedreiros capazes de conceber e construir janas” (doravante designadas apenas por
esbelteza, executadas sem o recurso a cim- abóbadas em alvenaria, e, menos ainda, uti- “abobadilhas”), através da apresentação
bres ou estruturas de suporte temporárias2. lizando a técnica das abobadilhas alenteja- dos resultados de ensaios experimentais e
Essa variante foi largamente usada na bacia nas. Nos tempos mais recentes, a curiosida- numéricos levados a cabo sobre protótipos
do Mediterrâneo, desconhecendo-se a sua de histórica sobre esta técnica construtiva de “abobadilhas”.
origem exata, sendo no entanto possível e a atividade de reabilitação do património
identificar uma importante influência Espa- construído deram origem a diversos traba- 2. CAMPANHA DE ENSAIOS
nhola (sobretudo das regiões da Catalunha lhos de investigação [6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, EXPERIMENTAIS
e da Estremadura) [2, 3]. Esta solução é 13, 14, 15, 16, 17] que contribuíram para a
identificável noutras regiões da Europa me- utilização das “abóbadas finas de tijoleiras 2.1 Introdução
ridional e em Portugal existe sobretudo no cerâmicas assentes ao baixo” em novas
Alentejo [4], onde é conhecida por “abobadi- aplicações, muitas delas fora do seu âmbito Na presente investigação levou-se a cabo
lha alentejana”3. Mais recentemente, no final tradicional [18, 19]. Por outro lado, o bom um conjunto de ensaios experimentais sobre
do século XIX, a eficiência estrutural desta desempenho e eficiência estrutural e a pos- “abobadilhas” de berço à escala real com o
solução e as suas vantagens do ponto de sibilidade de aproveitamento de recursos objetivo de identificar capacidades estrutu-
vista da economia do processo construtivo locais, materiais e humanos, fez ressurgir a rais e de calibrar modelos computacionais
resultaram na disseminação desta técnica solução no contexto de habitações de bai- que possibilitem a verificação da segurança
no continente americano, em particular nos xo custo para uso em países africanos em estrutural de situações não estudadas expe-
Estados Unidos da América4. Rafael Guas- desenvolvimento [20, 21]. Porém, o conhe- rimentalmente. Do trabalho experimental já
tavino (1842-1908), um arquiteto e constru- cimento estrutural das “abóbadas finas de realizado, o presente artigo descreve os en-
tor Catalão, patenteou nos EUA, em 1892, tijoleiras cerâmicas assentes ao baixo” é saios executados em cinco protótipos de abo-
a técnica construtiva de abóbadas com ainda limitado e são raras as investigações badilhas de berço à escala real, com 2.45 m
tijoleiras assentes ao baixo com argamas- que contribuíram para a quantificação das de vão, uma flecha de 0.35 m, 3 cm de es-
sas à base de cal e erigiu algumas obras suas capacidades resistentes. Justifica-se, pessura e 1 m de largura. Os protótipos fo-
de referência [5]. Outros arquitetos de reno- portanto, aprofundar o estudo das capacida- ram submetidos a carregamentos uniformes
me utilizaram esta solução, sendo de referir des estruturais dessas abóbadas, que, entre até um nível de carga de 2.40 kN/m2 (ES8:
os casos de Antoni Gaudi (1856-1926), na outros aspetos, permita a avaliação da sua 3.20kN/m2) e, posteriormente, a uma carga

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2a 2b 2c

Carga Distribuída Carga Linear Colapso: formação das rótulas plásticas (Carga Linear)

linear (ou de faca) aplicada a 1/3 do vão su- das forças instaladas nos tirantes. Foi efe- 2 | Ensaios EI8 e EI12:
“abobadilha” não extradorsada.
cessivamente crescente até ao colapso do tuado um procedimento de transferência de
protótipo. Os protótipos foram permanente- carga e os novos tirantes ficaram sujeitos a
mente monitorizados durante os ensaios e um esforço axial semelhante ao dos tirantes
foram registadas as intensidade das cargas e originais. Estes esforços axiais foram regis-
dos “empuxos”5, bem como as deformações. tados e designam-se no presente documento
por “esforços axiais iniciais” dos tirantes. Os
2.2 Configuração experimental deslocamentos verticais dos protótipos foram Para se identificar o efeito dum eventual en-
medidos através de 2 defletómetros coloca- chimento do extradorso da “abobadilha”, o
Os protótipos foram executados com tijolos dos no seu extradorso, posicionados a meio extradorso do protótipo ES8 foi previamen-
furados de dimensões de 24x12x3 cm3, as- vão e a um terço de vão. te carregado com sacos de areia, cada um
sentes com argamassa à base de gesso de com uma massa de 25 kg. Os sacos de areia
secagem rápida. As nascenças das “aboba- 2.3 Ensaios experimentais e resultados pretendiam simular um enchimento de nive-
dilhas” foram construídas sobre perfis metá- lamento do extradorso e foram colocados em
licos UNP 140 suportados por dois apoios: Cada um dos cinco protótipos foi submetido cada um dos lados do extradorso sete sacos
um apoio fixo numa das extremidades e a dois ensaios de carga, nos quais o carrega- de areia (densidade de 1450 kg/m3), corres-
um apoio móvel, na outra extremidade. Os mento foi materializado por lajetas de betão, pondendo a um total de 1.71 kN. Esses sa-
apoios foram ligados através de dois tirantes com dimensões de 60x40x5 cm3 e massa de cos que se mantiveram durante a aplicação
em aço de diâmetros de 8 mm (protótipos 25 kg (245 N). No primeiro ensaio de carga do carregamento distribuído, correspondem
ES8, EI8.1 e EI8.2) e de 12 mm (protótipos as “abobadilhas” de 2.45 m de vão livre, 3 cm a um enchimento do extradorso até a uma al-
EI12.1 e EI12.2). A introdução de um apoio de espessura e 1 m de largura foram sujeitas tura de 0.32 m na zona central, aproximada-
móvel numa das extremidades da “abobadi- a uma carga distribuída, aplicada no seu ex- mente, 90% da flecha. No segundo ensaio de
lha” possibilitou a monitorização do “empu- tradorso (figura 1 e figura 2), crescente até carga do protótipo ES8 alguns desses sacos
xo”, tendo-se utilizado pares de tirantes com um valor máximo 3.20 kN/m2 (quatro fiadas foram removidos porque impediam a aplica-
diâmetros diferentes (8 e 12 mm) para simu- de oito lajetas – 800 kg numa área horizontal ção da carga linear. Foram removidos quatro
lar o efeito da rigidez horizontal dos apoios de 2.45 m2) na variante ES8 (Fig. 1), e de sacos de areia na zona central do protótipo,
na resposta da “abobadilha”. Antes da exe- 2.40 kN/m2 (três fiadas de oito lajetas - 600 dois de cada lado (figura 1b). Assim, o carre-
cução da “abobadilha” os tirantes metálicos kg numa área horizontal de 2.45 m2) nas va- gamento com a carga linear foi realizado com
foram ligeiramente tensionados para eliminar riantes EI8 e EI12 (figura 2). No segundo en- apenas dez sacos no extradorso do protótipo
folgas6. Assim, no final da execução da “abo- saio, sujeitaram-se os protótipos a uma carga (cinco em cada lado), correspondente a um
badilha”, os tirantes ficaram sujeitos a um es- linear aplicada a um terço do vão, crescente enchimento do extradorso até 0.22 m, aproxi-
forço axial correspondente a essa tensão ini- até ao colapso do protótipo. A carga linear foi madamente, 2/3 da flecha7. Nos ensaios EI8
cial e ao “empuxo” transmitido pela “aboba- aplicada pela colocação das referidas laje- e EI12, os protótipos apresentaram defor-
dilha” aos apoios. Previamente à execução tas na largura (1 m) do protótipo, sobre um mações a meio vão próximas de 1 mm para
do ensaio de carga, os tirantes foram subs- enchimento nivelador em argamassa (figura carregamentos uniformes correspondentes a
tituídos por outros, idênticos, mas ligados a 1c). O protótipo ES8 teve algumas particu- 2.40 kN/m2, tendo-se interrompido o ensaio
células de carga que possibilitaram o registo laridades em relação aos restantes ensaios. nesse nível de carga para prevenir o colapso

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CONREA’21

Tabela 1 | Resultados experimentais – carga distribuída

Deslocamento Deslocamento Esforço Axial Força nos


Carga Vertical (mm) horizontal (mm) Inicial (kN) Tirantes (kN)
(kN/m2) D1 D2
D3 D4 Tirante 1 Tirante 2 Tirante 1 Tirante 2
1/3 vão 1/2 vão
2.40 0.83* (0.60**) 0.97* (0.79**) - - 2.14 2.12 4.44 3,93
ES8
3.20 1.02* (0.79**) 1.23* (1.05**) - - 2.14 2.12 5.08 4.35
EI8.1 0.96 1.04 0.75 0.54 2.67 1.34 4.41 3,43
EI8.2 0.95 1.31 0.68 0.41 1.69 0.99 3.43 3.00
2.40
EI12.1 0.73 0.78 0.01 0.83 1.35 1.10 3,13 3,29
EI12.2 0.93 0.94 0.53 0.50 1.94 1.71 3.75 3.92

(*) inclui a deformação causada pelo enchimento do extradorso (com 14 sacos de areia).
(**) excluindo a deformação causada pelo enchimento do extradorso (com 14 sacos de areia).

Tabela 2 | Resultados experimentais – carga linear

Deslocamento Deslocamento Esforço Axial Força nos


Carga Carga Pré Vertical (mm) horizontal (mm) Inicial (kN) Tirantes (kN)
Colapso Colapso
(kN/m2) (kN/m2) D1 D2
D3 D4 Tirante 1 Tirante 2 Tirante 1 Tirante 2
1/3 vão 1/2 vão
ES8 4.17 3.68 1.23* 0.49* - - 2.14 2.12 3.55 3.50
EI8.1 3.68 3.19 1.75 0.74 0.59 0.47 2.67 1.34 3.75 2.71
EI8.2 2.94 2.70 1.57 0.64 0.49 0.34 1.69 0.99 2.72 2.26
EI12.1 2.70 2.21 1.69 0.29 0.01 0.34 1.35 1.10 2.20 2.21
EI12.2 3.19 2.70 1.68 0.65 0.41 0.50 1.94 1.71 2.92 1.26

(*) excluindo a deformação causada pelo enchimento do extradorso (com 10 sacos de areia).
Nota: Entende-se como Carga Pré Colapso, a carga correspondente ao nível de carregamento imediatamente anterior ao carregamento que
causou o colapso (no qual não foi possível registar resultados).

dos protótipos. Dado que o carregamento do 2.4 Análise de resultados ca de 1/3 menor que a deformabilidade das
extradorso tornou a “abobadilha” mais está- soluções equivalentes não “extradorsadas”.
vel8 foi possível aplicar no protótipo ES8 um Os ensaios revelaram que, não obstante uma No que diz respeito à capacidade estrutural
carregamento mais intenso que o conside- elevada esbelteza (t/L = 0.012), as “aboba- das “abobadilhas” quando sujeitas a carre-
rado nos outros ensaios (mais uma fiada de dilhas” apresentam boa capacidade estru- gamentos lineares localizados a 1/3 de vão9,
lajetas de betão), tendo-se atingido o mesmo tural para cargas verticais, sobretudo para os protótipos não “extradorsados” apresenta-
nível de deformação (ca. 1 mm) para uma solicitações uniformes. Todas as soluções ram cargas de colapso da ordem dos 3 kN/m
carga uniforme ligeiramente superior (3.20 suportaram sem danos e com reduzida de- para os vários níveis de “esforço axial inicial”
kN/m2). De referir, ainda, que no protótipo formabilidade (deslocamentos da ordem de 1 nos tirantes (3.68-3.19 kN/m para um nível
ES8 o apoio fixo era um pouco mais rígido mm; aprox. L/ 2450) a ação duma carga uni- médio de “esforço axial inicial” nos tirantes
que o correspondente apoio nos protótipos formemente distribuída de 2.40 kN/m2. Como próximos de 2.00 kN e 2.70-2.94 kN/m para
EI8 e EI12. No protótipo ES8 o apoio fixo era esperado, a solução “extradorsada”, isto é, um nível mais baixo, próximo de 1.30 kN).
constituído por uma base em betão, ao passo com nivelamento do extradorso, apresentou No protótipo “extradorsado”, no qual foi in-
que nos outros essa base foi substituída por um comportamento mais estável, tendo sido troduzido um “esforço axial inicial” nos tiran-
dois perfis metálicos HEA 200. As grandezas possível aplicar uma carga uniforme de 3.20 tes semelhante ao dos protótipos EI8 e EI12
registadas nos ensaios estão resumidas nas kN/m2, sem danos e com o mesmo nível de mais resistentes, registou-se uma carga de
tabelas 1 e 2. Os deslocamentos indicados deformação. De referir que, descontando a colapso de 4.17 kN/m, cerca de 20% supe-
são medidos em relação à situação da “abo- deformabilidade inicial devida ao carrega- rior à carga de colapso dos correspondentes
badilha” após a aplicação das tensões ini- mento do extradorso com sacos de areia, a modelos EI8 e EI12. O efeito favorável do
ciais nos tirantes, mas antes de qualquer tipo deformabilidade da “abobadilha” “extradorsa- enchimento do extradorso dos arcos identifi-
de carregamento. da” é, para um mesmo nível de carga, cer- cado nos ensaios experimentais é conhecido

38 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


3

[26, 27, 28] e deve-se [22] ao facto desse en- sentir. De facto, mais importante que a sec- 3 | Modelo numérico: posição indeformada e
em colapso sob a ação da carga linear.
chimento i) produzir uma linha de pressões ção transversal dos tirantes é o efeito do “es-
com perfil próximo do eixo do arco, atrasan- forço axial inicial” nos tirantes.
do os efeitos que possam tender a modificar
o perfil da linha de pressões para situações 3. MODELAÇÃO NUMÉRICA
instáveis; ii) aumentar o nível de compressão
nas aduelas e, consequentemente, o atrito 3.1 Modelos e resultados
nos contactos, prevenindo o deslizamento; 3.2 Análise de resultados
iii) possibilitar, desde que o enchimento apre- Com o intuito de generalizar os resultados
sente consistência suficiente, que a linha de obtidos na campanha experimental, construí- Os resultados numéricos são próximos dos
pressões se posicione fora da espessura do ram-se modelos numéricos para simulação de resultados experimentais, podendo conside-
arco e iv) introduzir restrições ao movimento situações de carga e geometrias não explici- ra-se que a calibração dos modelos é sufi-
horizontal do arco ou abóbada. No presente tamente testadas experimentalmente. Os mo- cientemente boa. Assim, será possível mo-
estudo experimental, constatou-se o efeito delos basearam-se no método dos elementos delar situações não especificamente simula-
benéfico do enchimento, não obstante os re- discretos [23, 24] que se mostrou adequado na das experimentalmente, como por exemplo,
levantes efeitos referidos em iii) e iv), não se simulação deste tipo de estruturas em trabalhos apoios rígidos que impeçam qualquer tipo
fizessem sentir. De notar que, uma vez que anteriores [12, 25]. Os modelos reproduziram a de deslocamento. Nesse caso, o modelo nu-
o enchimento com sacos de areia não é rígi- geometria dos protótipos e as respetivas condi- mérico indica que a “abobadilha” em estudo
do e as condições de fronteira dos protótipos ções de fronteira (figura 3) e foram construídos (vão de 2.45 m e espessura de 3 cm), sem
não impediram o deslocamento horizontal, é com blocos rígidos. Os danos e toda a defor- enchimento no extradorso, apresentará para
de esperar que os efeitos benéficos do enchi- mabilidade foi concentrada nos contactos entre uma carga uniforme de 2.40 kN/m2 uma de-
mento sejam superiores em condições reais. blocos. Os valores adotados para as caracterís- formação a meio vão de 0.29 mm e colapsará
Verificou-se que o efeito da secção transver- ticas mecânicas dos contactos (ângulo de atrito para uma carga linear aplicada a um terço
sal dos tirantes é pouco relevante em termos = 35◦, constantes de rigidez normal e tangencial de vão de 2.94 kN/m, com uma deformação
de deformabilidade e de resistência, desde de 10 GPa/m, coesão = 0.47 MPa, resistência pré-colapso sob o ponto de aplicação da car-
que (como foi o caso) os tirantes apresentem à tração = 0.04 MPa) resultaram da calibração ga de 0.70 mm. Na hipótese da “abobadilha”
rigidez e resistência suficientes para se opor experimental. Os tirantes foram simulados com com enchimento no extradorso (apenas efei-
à abertura do vão da abobadilha. Seria de os diâmetros respetivos e admitindo comporta- to de carga), o colapso ocorrerá para uma
esperar que os protótipos EI12 apresentas- mento elástico linear (E = 200 GPa). carga linear a um terço do vão de 3.19 kN/m.
sem resistência ligeiramente superior à dos
protótipos EI8 (tirantes de maior diâmetro Os resultados estão resumidos nas tabelas CONCLUSÕES
introduzem maior restrição ao deslocamento 3 e 4. Os deslocamentos indicados são me-
do apoio móvel), mas como os valores dos didos em relação à situação da “abobadilha” Dos resultados obtidos, destaca-se a extraordi-
“esforço axial inicial” nos tirantes dos protó- após a aplicação das tensões iniciais nos nária eficiência estrutural das “abobadilhas”, le-
tipos EI8 foram ligeiramente superiores aos tirantes, mas antes de qualquer tipo de car- vando em linha de conta a sua reduzida espes-
dos protótipos EI12, esse efeito não se fez regamento. sura. Os protótipos, com 3 cm de espessura,

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CONREA’21

Tabela 3 | Resultados numéricos – carga distribuída

Deslocamento Deslocamento Esforço Axial Força nos


Carga Vertical (mm) horizontal (mm) Inicial (kN) Tirantes (kN)
Protótipo Colapso
(kN/m2) D1 D2
D3 D4 Tirante 1 Tirante 2 Tirante 1 Tirante 2
1/3 vão 1/2 vão
2.40 1.23* 1.35* 0.78 0.78 3.72 3.69
ES8 2.14 2.12
3.20 1.53* 1.71* 0.97 0.97 4.48 4.46
EI8.1 0.94 1.08 0.57 0.57 2.67 1.34 3.29 2.45
EI8.2 0.92 1.05 0.56 0.56 1.69 0.99 3.11 2.41
2.40
EI12.1 0.56 0.65 0.26 0.26 1.35 1.10 2.98 2.73
EI12.2 0.57 0.65 0.26 0.26 1.94 1.71 3.01 2.78

Nota: os deslocamentos são medidos em relação à posição da “abobadilha” após a aplicação das tensões iniciais nos tirantes, mas antes
de qualquer tipo de carregamento.
(*) inclui a deformação causada pelo enchimento do extradorso (com 14 sacos de areia).

Tabela 4 | Resultados numéricos – carga linear

Deslocamento Deslocamento Esforço Axial Força nos


Carga Vertical (mm) horizontal (mm) Inicial (kN) Tirantes (kN)
Protótipo Colapso
(kN/m2) D1 D2
D3 D4 Tirante 1 Tirante 2 Tirante 1 Tirante 2
1/3 vão 1/2 vão
ES8 2.70 1.20* 0.77* 0.46 0.46 2.14 2.12 2.41 2.38
EI8.1 2.94 1.18 0.72 0.38 0.38 2.67 1.34 2.54 1.69
EI8.2 2.70 1.07 0.63 0.35 0.35 1.69 0.99 2.23 1.54
EI12.1 2.70 0.84 0.39 0.16 0.16 1.35 1.10 2.05 1.80
EI12.2 2.70 0.85 0.39 0.16 0.16 1.94 1.71 2.07 1.84

Nota 1: os deslocamentos são medido em relação à posição da “abobadilha” após a aplicação das tensões iniciais nos tirantes, mas antes
de qualquer tipo de carregamento.
Nota 2: Os valores indicados referem-se ao valor da carga imediatamente antes do colapso do modelo numérico.
(*) inclui a deformação causada pelo enchimento do extradorso (com 10 sacos de areia).

suportaram níveis de carga uniforme supe- tratando-se dum colapso relacionado com um trabalhos futuros simular outras situações não
riores a 2 kN/m2 sem danos e com reduzidas fenómeno de instabilidade10 não são detetá- testadas experimentalmente, sendo objetivo
deformações. Como esperado, os protótipos veis esmagamentos, fraturas e deformações da presente investigação utilizar esses resul-
apresentaram menor eficiência para carre- relevantes imediatamente antes do colapso, tados no desenvolvimento de tabelas para na
gamentos assimétricos, nomeadamente para o qual ocorre de forma súbita e repentina. conceção segura de estruturas deste tipo.
os carregamentos lineares a 1/3 do vão. Os O comportamento frágil destas estruturas é
carregamentos lineares foram aplicados de uma característica que deve ser tomada em AGRADECIMENTOS
forma crescente, tendo-se levado os protóti- consideração, por exemplo na avaliação da
pos ao colapso nessas situações de carga. O segurança estrutural de exemplares danifica- Os autores agradecem o apoio do enge-
efeito favorável do enchimento no extradorso dos, ou em eventuais (não recomendáveis) nheiro José Vieira de Lemos na construção
das abobadilhas foi identificado nos ensaios ensaios de carga. Os modelos numéricos ele- e calibração dos modelos de elementos dis-
experimentais e devidamente simulado pelos mentos discretos constituem uma ferramenta cretos. Os autores agradecem ao Comando
modelos numéricos. Não obstante, é de refe- a ter em conta na simulação do comporta- da Academia Militar ao Laboratório LERM
rir que o enchimento foi realizado através da mento mecânico das “abobadilhas”, uma vez do IST o apoio e a disponibilização de equi-
aplicação de sacos de areia, pelo que apenas que, de modo geral, os resultados numéricos pamentos / infra-estruturas que permitiram a
se simulou o efeito favorável respeitante ao corroboram os resultados experimentais (em realização da parte experimental subjacente
peso do enchimento. Outros efeitos, como a termos de capacidades resistentes e deforma- ao presente artigo
rigidificação lateral, não foram simulados ex- bilidade). Aproveitando a calibração do mode-
perimental ou numericamente. Finalmente, lo numéricos com os resultados experimen-
as “abobadilhas” cerâmicas apresentaram tais, foi possível simular o comportamento do
um comportamento extremamente frágil: de- protótipo numa situação de apoios totalmente
formações relativamente reduzidas com um fixos, confirmando-se um acréscimo de resis-
colapso súbito, sem aviso prévio. De facto, tência. Os modelos numéricos permitirão em

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Versão resumida do artigo

REFERÊNCIAS [16] Mateus, J. (2002) Técnicas tradicionais de


NOTAS
construção de alvenarias. Livros Horizonte, Lda.,
[1] Addis, B. (2007) Building 3000 years of Design pp. 94-95 e 135-136.
1 Não obstante seja reconhecido que o império ro-
Engineering and Construction, Phaidon Press.
mano foi essencial para o desenvolvimento e gene-
[17] Gulli R.; Mochi G. (1995) Bóvedas tabicadas:
ralização do arco, há registo da utilização pontual de
[2] Fortea Luna, M (2008) Origen de la bóveda architettura e costruzione, CDP, Roma.
arcos em civilizações anteriores, como é o caso do
império Persa [1]. tabicada, Centro de Oficios de Zafra.
[18] Davis, L.; Rippmann, M; Pawlofsky, T., Block,
2 A colocação das tijoleiras ao baixo (menor peso por [3] Nicolás, L. (1639) Arte y uso de arquitectura. P. (2012) Innovative funicular tile vaulting: A pro-
unidade de superfície), juntamente com argamassa Juan Sánchez, Madrid. totype vault in Switzerland. The structural engineer,
de presa rápida permite a execução sem cimbres, ou, pp. 46-56.
quanto muito, com sistemas ligeiros de guiamento e [4] Oliveira, V. (1757) Advertências aos modernos
suporte. que aprendem o ofício de pedreiro e carpinteiro, [19] Dessi-Olive, J.; Krouwel, N.; West, M.;
3 Por facilidade, em alternativa a uma designação Sylviana, Lisboa. Ochsendorf, J. (2018) Tile vaulting with lightweight
mais completa, como “abóbada fina de tijoleiras concrete and fiberglass spline formwork. Proc. of
cerâmicas assentes ao baixo”, considerou-se no [5] Guastavino, R. (1893) Essay on the theory and the IASS Symposium.
presente documento a popular designação de history of cohesive construction applied especially
“abobadilha alentejana”. to the timbrel vault. 2nd ed. Ticknor and company, [20] Ramage, M; Ochsendorf J.; Rich, P. (2009)
4 Embora com menor divulgação, são conhecidos Boston. Sustainable shells: New african vaults built with soil-
casos de utilização em diversos países da América -cement tiles. Proc. of the International Association
Latina. [6] Huerta, S. (2003) The mechanics of timbrel for Shell and Spatial Structures (IASS) Symposium,
vaults: a historical outline, Essays on the History of pp. 1512-1520.
5 Entende-se por “empuxo” a força horizontal que a Mechanics, pp. 89-134.
abóbada transmite a cada um dos seus apoios. [21] Block, P.; DeJong, M.; Ochsendorf, J. (2010)
6 Para permitir a introdução de tensão inicial nos [7] Fortea, M.; Bernal, V. (2001) Bóvedas de ladrillo: Tile vaulted systems for low-cost construction in
tirantes antes da execução da “abobadilha”, o apoio proceso constructivo y análisis estructural de bóve- Africa. ATDF Journal. 7 (1/2), pp. 4-13.
móvel encostava-se a dois batentes previamente das de arista, Editorial de los Oficios S.L.
montados que impediam o seu movimento para o [22] Gago, A.; Alfaite, J.; Lamas, A. (2011) The
interior. [8] Martínez, E. (2013) La bóveda tabicada en Effect of the Infill in Arched Structures: Analytical
7 O enchimento da “abobadilha” até uma altura de España en el siglo XIX: la transformación de un and Numerical Modelling, Engineering Structures,
2/3 da flecha é relativamente frequente em esteiras, sistema constructivo, Universidad Politécnica de Volume 33, Issue 5, May 2011, pp. 1450-1458.
isto é, tetos dos últimos pisos. Madrid, Tesis Doctoral.
[23] Cundall, P. (1971) A computer model for simu-
8 O carregamento do extradorso tem efeito
[9] Moya, L. (1947) Bóvedas tabicadas, Dirección lating progressive large scale movements in blocky
estabilizador em arcos de perfil circular [22].
General de Arquitectura, Madrid. rock systems. Symposium of the International
9 A posição mais desfavorável na aplicação de uma Society of Rock Mechanics.
carga linear num arco ou numa abóbada cilíndrica é [10] Truñó, A. (2004) Construcción de bóvedas tabi-
a, aproximadamente, 1/3 do vão [26]. cadas, Instituto Juan de Herrera, Madrid. [24] Itasca Consulting Group (2003) 3DEC – 3
10 O colapso de estruturas arqueadas ocorre quando Dimensional Distinct Element Code, User’s Guide,
a designada “linha de pressões” (linha de ação das [11] López, D. (2013) Structural analysis of tile Itasca Consulting Group, Inc., Minneapolis,
resultantes das compressões nas seções transversais) vaults: methods and variables, Universidade do Minnesota.
toca os limites da seção transversal em quatro pontos Minho, Master Thesis.
(para mais informações sobre o comportamento [25] Sarhosis, V.; Bagi, K.; Lemos, J.V.; Milani, G.
estrutural de arcos consultar [26, 27, 28]). [12] Santos, J. (2014) Estudo Construtivo e (Eds) (2016) Computational modeling of masonry
Estrutural de Abóbadas Alentejanas, Academia structures using the discrete element method,
Militar & Instituto Superior Técnico Dissertação de Advances in Civil and Industrial Engineering (ACIE)
mestrado. Book Series.

[13] Rei, J.; Gago, A.; Santos, J (2014) Abobadilha [26] Gago, A. (2004) Análise Estrutural de Arcos,
alentejana, uma técnica de construção imemo- Abóbadas e Cúpulas - Contributo para o Estudo
rial. 5as Jornadas Portuguesas de Engenharia de do Património Construído, Tese de Doutoramento,
Estruturas. Lisboa, pp. 1-16. Instituto Superior Técnico, Lisboa.

[14] Rodrigues, M. (1954) Nota sobre estruturas de [27] Heyman, J. (1995) The stone skeleton,
“abobadilha” de tijolo. Relatório Tirocínio. LNEC. Cambridge University Press.

[15] Fidalgo, C. (1994) As abobadilhas alentejanas. [28] Roca, P.; Lourenço, P.; Gaetani, A. (2019)
2.º Encore, LNEC. Historic Construction and Conservation: Materials,
Systems and Damage, Routledge, New York.

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CONREA’21

Revestimentos de edifícios do
século XX premiados com o
Prémio Valmor de Arquitetura
Caracterização e diagnóstico
com vista à sua conservação
Luís Almeida Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa; Laboratório HERCULES, Universidade de Évora, lalmeida@lnec.pt

António Santos Silva Laboratório Nacional de Engenharia Civil, ssilva@lnec.pt

Maria do Rosário Veiga Laboratório Nacional de Engenharia Civil, rveiga@lnec.pt

José Mirão Laboratório HERCULES, Universidade de Évora, jmirao@uevora.pt

resumo
Nos últimos anos tem-se assistido a uma preocupação crescente na conservação e na valorização do
património construído no século XX. Nesse contexto, foi realizado um trabalho de caracterização e
diagnóstico de revestimentos de edifícios premiados com o Prémio Valmor de Arquitetura em Lisboa.
Com este trabalho procurou-se aprofundar o conhecimento dos materiais aplicados e avaliar o seu estado
de conservação. Este estudo contribuirá para a definição de critérios de compatibilidade com os materiais
existentes dos materiais a usar, quando vierem a ser realizadas intervenções de conservação ou reabilitação.
Neste artigo serão apresentados resultados fundamentais para o conhecimento das argamassas aplicadas
num conjunto de edifícios premiados ao longo do século XX, bem como as suas principais propriedades
resultantes da caracterização petrográfica, mineralógica, química e microestrutural, as quais permitirão
estabelecer os referidos critérios de compatibilidade.

palavras-chave revestimentos . diagnóstico . conservação . século XX . Prémio Valmor

1. INTRODUÇÃO o Prémio Valmor de Arquitetura. O Prémio Val- soluções adotadas e avaliar o seu estado de
mor foi instituído em 1902 e a sua atribuição conservação, contribuindo também para a
O século XX caracteriza-se por se tratar de é da responsabilidade da Câmara Municipal definição de critérios de compatibilidade dos
um período no qual se assistiu à mudança de de Lisboa. materiais a usar nas intervenções com os ma-
paradigma construtivo com a introdução maci- teriais existentes. Os edifícios estudados foram
ça de materiais como o cimento Portland, per- Atendendo à necessidade constante de reno- premiados entre 1903 e 2002. Os resultados
mitindo responder a desafios de maior com- vação dos centros urbanos e procurando man- apresentados dizem respeito aos revestimen-
plexidade construtiva. É também um século ter as características que conferem valor cul- tos originais de onze desses edifícios.
onde a atividade construtiva assistiu a uma tural e arquitetónico a estes edifícios, patentes
expansão, a qual ditou o crescimento dos nú- nos materiais que os revestem, é fundamental 2. MATERIAIS E MÉTODOS
cleos urbanos. caracterizá-los e diagnosticar eventuais pro-
cessos de degradação para melhor responder 2.1 Casos de estudo e amostragem
Este trabalho insere-se no contexto da valori- a intervenções de conservação e reabilitação
zação e preservação do património construí- que possam vir a ser necessárias [1]. Assim, Previamente aos trabalhos de amostragem,
do no século XX, procurando contribuir para a são objetivos deste trabalho aprofundar o co- realizou-se uma inspeção ao estado de con-
salvaguarda de edifícios de valor patrimonial nhecimento dos materiais aplicados, em par- servação dos revestimentos, avaliando as
único, como são os edifícios galardoados com ticular as argamassas de revestimento, nas principais anomalias presentes (tabela 1).

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Tabela 1 | Identificação e localização dos casos de estudo e principais anomalias detetadas

Caso de estudo Edifício Anomalias detetadas nos revestimentos

Infiltrações, ascensão capilar,


1903 (CVT) Edifício Ventura Terra, Rua Alexandre Herculano, n.º 57
eflorescências salinas, destacamentos

Infiltrações, ascensão capilar, eflorescências salinas,


1923 (AR49) Edifício Luiz Rau, Av. da República, n.º 49
fissuração, destacamentos

1938 (IRF) Igreja do Rosário de Fátima, Av. de Berna, n.º 26 Infiltrações, fissuração, destacamentos

Moradia de Bernardo da Maia, Infiltrações, ascensão capilar, eflorescências salinas,


1939 (CBP)
Av. Columbano Bordalo Pinheiro, n.º 52 fissuração, destacamentos

1940 (DN) Edifício do Diário de Notícias, Av. da Liberdade, n.º 266 Infiltrações, fissuração, manchas, destacamentos

Moradia da família Cristino da Silva, Manchas, ascensão capilar, eflorescências salinas,


1944 (AAC)
Av. Álvares Cabral, n.º 67 fissuração, colonização biológica, erosão, destacamentos

Edifício dos Laboratórios do Instituto Pasteur de


1958 (LIP) Fissuração, destacamentos
Lisboa, Av. Marechal Gomes da Costa, Lte. 9

1970 (EUA) Edifício América, Av. EUA, n.º 53 Fissuração

Edifício Sede e Museu da Fundação Calouste


1975 (FCG) Não inspecionado
Gulbenkian, Av. de Berna n.º 45A

Instituto Jacob Rodrigues Pereira, Casa Pia de Lisboa,


1987 (JRP) Infiltrações, manchas, destacamentos
R. Dom Francisco de Almeida, n.º 1

Reitoria da Universidade Nova de Lisboa,


2002 (UNL) Não foram detetadas anomalias
Campus de Campolide

A amostragem foi realizada maioritariamente microanálise de raios X (EDS), foi realizada massas de cal aérea com areia siliciosa foi
no interior dos edifícios, dado que nem sem- em superfícies polidas das amostras. Esta considerada a perda total de CO2, transfor-
pre foi possível recolher amostras no exterior. análise permitiu obter informações sobre a mada em CaCO3 e seguidamente em cal
As amostras foram extraídas em zonas onde composição do ligante, dos agregados e de hidratada. No caso das argamassas com ci-
existisse destacamentos ou de que não resul- eventuais compostos de neoformação ou mento, este teor foi determinado através do
tasse um impacto visual negativo. As amos- alteração. método dos inertes [2].
tras, maioritariamente multicamada, têm fre-
quentemente acabamentos de estuque e de 2.2.2 Análise mineralógica por DRX 2.2.4 Análise química. Determinação dos
argamassas de imitação de pedra. teores de areia, sílica solúvel, álcalis, sul-
A composição mineralógica por DRX (radia- fatos e cloretos
2.2 Análise experimental ção Cu Kα, 0.05°/s e 2θ variando de 3° a 75°)
foi realizada em duas frações: fração global Separou-se a areia do ligante por ataque com
2.2.1 Análise petrográfica resultante da desagregação e moagem da ácido nítrico a frio. O resíduo (areia) do ata-
e microestrutural ao MEV/EDS amostra total; e a fração fina obtida após se- que ácido – resíduo insolúvel (RI) – foi calci-
paração da maior parte do agregado sendo, nado a 1000 °C [2]. Nas soluções resultantes
A análise petrográfica das amostras de ar- portanto, mais rica em ligante. do ataque com ácido nítrico efetuaram-se as
gamassas foi efetuada por observação em determinações dos teores de álcalis (sódio e
lâmina delgada ao microscópio ótico de luz 2.2.3 Análise termogravimétrica e térmica potássio) por absorção atómica (adaptado de
transmitida. Esta observação permitiu iden- diferencial (ATG/ATD) [3]), sílica solúvel pelo método do óxido de
tificar a natureza dos agregados e aspetos polietileno [3], sulfatos pelo método gravimé-
texturais destes materiais. Foi ainda realiza- A análise foi realizada na fração global uti- trico com cloreto de bário [3] e cloretos por
da a contagem de pontos, para a quantifica- lizando uma balança térmica com fluxo de potenciometria. Estas determinações tiveram
ção de agregados carbonatados em amos- árgon de 3 L h−1 e com uma velocidade de como objetivo detetar compostos provenien-
tras de argamassas de imitação de pedra. aquecimento constante de 10 °C/min desde tes de reações de degradação (sulfatos e
A observação ao microscópio eletrónico de a temperatura ambiente até 1000 °C. Para cloretos) e confirmar a eventual utilização de
varrimento (MEV) complementada com a a quantificação do teor de ligante nas arga- ligante hidráulico (sílica solúvel e álcalis).

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CONREA’21

Tabela 2 | Compostos identificados através da perda de massa por ATG/ATD e por DRX

ATG/ATD (% em massa) DRX (fração global)


Caso
de Amostra Cal Gesso
estudo G:C* Portlandite Dolomite Calcite Gesso Bassanite Anidrite Quartzo
Ca(OH)2 CaCO3 CaSO4.2H2O
CVT1A - 74,60 1,48 1:50,4 - - +++ vtg - - ++
1903 CVT2A - 55,95 35,88 1:1,6 - + ++ +++ vtg vtg ?/vtg
(CVT)
CVT3A - 35,02 60,53 1:0,6 - - ++ +++ - vtg ?/vtg
AR49-2A - 59,49 32,92 1:1,8 - - +++ +++ - - vtg
1923 AR49-11A - 55,72 28,48 1:2,0 - - +++ ++/+++ - - vtg
(AR49)
AR49-15A - 62,45 30,39 1:2,1 - - +++ +++ - - -
CBP4A 4,87 39,39 43,38 1:0,8 ++ - ++/+++ +++ - + vtg
1939 CBP6A 1,75 65,25 16,96 1:2,9 + - +++ +/++ - - +
(CBP) CBP7A1 3,45 50,94 37,17 1:1,1 +/++ - ++/+++ ++ - vtg -
CBP7A2 2,85 57,95 31,10 1:1,5 +/++ - ++/+++ ++ - vtg -
1940
DN19A - 11,37 52,60 1:0,2 - - +/++ +++ vtg ++ +
(DN)

? – dúvida; vtg – vestigial; + – fraca proporção; ++ – proporção média; +++ – Composto predominante (-) não identificado; * – razão ponderal
gesso:cal hidratada

Tabela 3 | Teores de compostos por ATG/ATD, por análise química e contagem de pontos das argamassas de imitação de pedra

ATG/ATD (% em massa) AC* Análise química (% em massa) Sais


Caso de Reves-
Id. % Teor de SiO2 Na2O por TP
estudo timento CO2 PF CaCO3 RI Cloretos Sulfatos
vol. cimento DRX
solúvel equivalente

AAC2A Exterior 30,41 36,45 69,16 13,00 15,71 10,49 1,45 0,34 0,01 0,10 G 1:3
1944
(AAC) AAC3A Interior 33,29 37,98 75,71 39,22 4,04 16,97 3,62 0,12 0,03 0,34 n.d 1:2
AAC4A Interior 30,70 35,03 69,82 37,84 2,80 24,45 4,99 0,13 0,01 0,47 n.d 1:2
EUA53-2A Interior 11,48 12,81 26,11 n.d 57,33 16,55 1,53 0,04 0,00 0,29 n.d 1:3
1970 EUA53-3A Exterior 40,54 42,08 92,20 55,69 4,13 3,57 0,30 0,08 0,01 0,26 G? 1:16
(EUA53)
EUA53-4A Interior 39,17 41,44 89,08 57,55 3,74 6,35 1,31 0,05 0,00 0,22 n.d 1:9

*AC – Agregados calcários estimados por contagem de pontos; PF – perda ao fogo; RI – Resíduo insolúvel; (n.d) – não detetados; G – gesso;
TP – Traço ponderal em massa (cimento:areia), proporção determinada através da razão RI/cimento

3. RESULTADOS OBTIDOS 3.2 Argamassas de imitação de pedra sa forma foi necessário recorrer à contagem
de pontos em lâmina delgada para estimar
Uma vez que a maior parte das amostras re- As argamassas de imitação de pedra, lo- o teor em agregado calcário, de modo a dis-
colhidas são multicamada, atribuiu-se uma calizadas nos edifícios 1944 (AAC) e 1970 tinguir o teor de CaCO3 correspondente aos
sequência de ordem alfabética para distin- (EUA53), são na maioria constituídas por agregados do correspondente ao ligante car-
guir a sua posição estratigráfica, sendo atri- marmorite, cujo acabamento deixou à vista bonatado. A figura 1 mostra aspetos texturais
buída a letra A à amostra da camada mais agregados principalmente de natureza calcá- de duas amostras de argamassa de imitação
superfícial do conjunto. ria, através de uma técnica de lavagem ou de pedra.
de polimento [4]. Há a registar ainda a ocor-
3.1 Estuques rência de uma amostra de imitição de pedra Confirmou-se pelas análises microscópicas e
(AAC2A), no edifício 1944 (AAC), com agre- mineralógica a presença nestas amostras de
Os estuques analisados, maioritariamente li- gados calcários projetados. silicatos anidros do clinquer Portland. Para o
sos de cor branca com espessuras na ordem cálculo do teor de agregado, contabilizou-se o
dos 5 mm, são essencialmente de gesso e Como se pode observar na tabela 3, o teor somatório do teor de areia siliciosa (RI) obtida
cal, na maioria dos casos com uma prevalên- em carbonatos resultante da carbonatação pela análise química com o teor de agrega-
cia de cal em relação ao gesso. Na tabela 2 do ligante, dos agregados e de um filler de do carbonatado, este convertido para massa
apresentam-se os resultados obtidos através rocha carbonatada (cuja utilização permitia a após a sua contabilização por contagem de
das referidas análises. redução do teor de ligante), é elevado. Des- pontos em lâmina delgada.

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1a 1b

As amostras que apresentam traços muito ri- portlandite. Quanto aos agregados, a DRX re- 1 | (1b) Pormenor da amostra AAC4A em
microscopia ótica e nicóis cruzados. C – Agregados
cos em agregado, i.e. teores de CaCO3>85%, velou a prevalência de minerais de natureza calcários de textura microsparítica; Pc – nódulos de
apresentam uma forte presença de pó de siliciosa, entre eles o quartzo, feldspatos, mi- clíquer Portland. (1a) Microestrutura da amostra
EUA53-3A por MEV.
pedra calcária. No geral, a argamassas com cas brancas (moscovite) e ainda argila (cau-
Legenda: Pc – Nódulos de clíquer Portland no
maior teor de cimento correspondem os teo- linite). seio de uma matriz constituída essencialmente por
res mais elevados de sílica solúvel, facto agregados carbonatados de diversas dimensões.

considerado expetável. Os baixos teores de Para despistar a presença de compostos 2 | Difractogramas da fração fina de amostras de
sulfatos e de cloretos não indiciam existir de- de características hidráulicas nos edifícios reboco de vários casos de estudo.
Legenda: C – calcite; Q – quartzo; M – moscovite;
gradação nestas amostras. anteriores a 1938 (IRF) procedeu-se ainda G/Mc – gesso/monocarboaluminato de cálcio;
à análise petrográfica e microestrutural por K – caulinite; Kf – feldspato potássico; Cp – silicatos
anidros do clinquer Portland; naf – plagioclase;
3.3 Argamassas de reboco MEV. Nas amostras dos edifícios até 1923
Ha – Halite; Alh – aluminato de cálcio hidratado;
(AR49) só foi detetado ligante aéreo (cal), A – aragonite; E – etringite; P – portlandite.
A análise mineralógica por DRX revelou a pre- o qual foi também encontrado em amostras
sença de compostos hidráulicos nos rebocos dos edifícios 1938 (IRF) e 1939 (CBP). Nos
de edifícios a partir de 1938 (IRF) (figura 2). edifícios a partir de 1938 foi detetada pre-
Destes compostos destacam-se a etringite, si- sença de ligante com características hidráu-
licatos de cálcio anídros do clinquer Portland, licas.
aluminatos de cálcio hidratados e ainda a

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CONREA’21

Nas figuras 3 a 5 apresentam-se imagens obti- a estabelecer a razão ponderal ligante/agre- de acordo com o expetável com base na lite-
das por microscopia ótica e ao MEV que mos- gado. Para efetuar uma análise ao estado de ratura [5]. Na maioria dos casos verificou-se
tram os aspetos texturais e microestruturais de conservação dos revestimentos estudados, uma maior proporção de cal em relação ao
amostras de alguns casos de estudo. As figu- apresentam-se ainda os teores em cloretos e gesso. As amostras do caso de 1939 (CBP),
ras 4 e 5 evidenciam em particular aspetos na sulfatos, que serão relacionados com a pre- apresentam ainda portlandite (Ca(OH)2) ao
pasta que permitiram confirmar a existência de sença de sais identificados por DRX, cujos contrário dos restantes casos, revelando ca-
compostos de características hidráulicas. As dados são também incluídos nas referidas racterísticas distintas de fabrico ou terem sido
argamassas aplicadas nos edifícios entre 1938 tabelas. aplicadas em épocas diferentes.
(IRF) e 1944 (AAC), apresentam com frequên-
cia nódulos de cal, sendo estes um excelente 4. APRECIAÇÃO DOS RESULTADOS 4.2 Argamassas de imitação de pedra
indicador da utilização da cal aérea.
4.1 Estuques As argamassas de imitação de pedra foram
As tabelas 4 a 6 apresentam os teores dos recolhidas nos casos de estudo 1944 (AAC)
compostos obtidos por diferentes técnicas A maioria dos estuques analisados são cama- e 1970 (EUA53). Os agregados são maiorita-
analíticas que permitiram o cálculo dos teo- das de acabamento liso de cor branca. Todos riamente de natureza calcária, com texturas
res em cal hidratada e em cimento, de modo os estuques são de gesso e cal, o que está típicas de calcários cristalinos. Apenas uma

3 | Aspeto microestrutural de argamassa


3a 3b
de cal aérea (amostra CVT3B).
Imagens em microscopia ótica com
nicóis cruzados (3a) onde se observam
agregados de natureza siliciosa no seio
de matriz carbonatada e ao MEV (3b)
onde se observa porosidade relacionada
com microfraturação.

4 | Aspeto microestrutural de
argamassa de cal aérea e cimento
Portland (amostra IRF7B). Imagens em
microscopia ótica com nicóis cruzados
(4a) onde se observam agregados de
natureza siliciosa no seio de matriz
carbonatada com visíveis nódulos de
cimento (Pc) e ao MEV (4b) onde se
observa um nódulo de cimento (Pc)
e um outro de cal (Nc) com análise
4a 4b elementar por EDS confirmando a sua
natureza.

5 | Aspeto microestrutural de argamassa


de cimento Portland (amostra LIP9A).
Imagens em microscopia ótica com
nicóis cruzados (5a) onde se observam
nódulos de cimento (Pc) e ao MEV (5b)
onde, para além dos nódulos de cimento
(Pc), se observa alguma porosidade na
interface agregado/pasta e na pasta.

5a 5b

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Tabela 4 | Teores de compostos por ATG/ATD, análise química e DRX em rebocos de cal aérea

ATG/ATD (% em massa) Análise química (% em massa)


Caso
Revesti- Sais por
de Amostra Cal SiO2 Na2O TP
mento CO2 CaCO3 RI Cloretos Sulfatos DRX
estudo hidratada (solúvel) equivalente

CVT1B Interior 7,99 18,17 13,45 72,78 0,19 0,07 0,03 3,60 G 1:5
1903
CVT1C Interior 6,13 13,94 10,32 80,16 0,35 0,87 0,54 0,08 Ha; G 1:8
(CVT)
CVT3B Interior 10,48 23,83 17,64 75,66 0,19 0,48 0,07 0,10 Ha; G 1:4
AR49-6C Exterior 7,53 17,13 12,68 73,54 0,41 0,45 0,09 2,93 Ha?; G 1:6
AR 49-7B Exterior 12,42 28,25 20,91 62,62 0,37 0,94 0,37 0,89 Ha; G 1:3
1923 AR49-8A Exterior 12,86 29,25 21,65 62,40 0,20 0,08 0,02 0,13 n.d 1:3
(AR49) AR49-8B Exterior 4,46 10,14 7,51 83,86 0,44 0,06 0,03 0,08 n.d 1:11
AR49-11B Interior 7,19 16,35 12,10 80,53 0,24 0,84 0,10 0,11 Ha 1:7
AR49-15B Interior 5,85 13,30 9,85 69,81 0,09 0,31 0,06 0,14 n.d 1:7
1923 AR49-
Interior 6,21 14,12 10,45 82,38 0,15 0,33 0,06 0,15 n.d 1:8
(AR49) 15C
IRF2A Interior 10,17 23,13 17,12 74,34 0,47 0,61 0,02 0,47 n.d 1:4
1938
IRF2B Interior 5,11 11,62 8,60 85,43 0,35 0,36 0,05 0,10 n.d 1:10
(IRF)
IRF3A Interior 10,53 23,95 17,73 74,07 0,26 0,06 0,06 0,16 n.d 1:4
CBP1A Interior 5,92 13,46 9,97 83,70 0,10 0,07 0,06 0,24 n.d 1:8
1939
CBP6B Interior 5,88 13,37 9,90 85,89 0,25 0,06 0,04 0,21 G 1:8
(CBP)
CBP7C Interior 4,66 10,60 7,85 87,87 0,21 0,06 0,11 0,10 G 1:11

RI – Resíduo insolúvel; Ha – Halite (NaCl); G – Gesso (CaSO4.2H2O); (n.d) – não detetados; TP – Traço ponderal em massa (cal aérea:areia)

Tabela 5 | Teores de compostos por ATG/ATD, análise química e DRX em rebocos de cal aérea+cimento Portland

Caso ATG/ATD (% em massa) Análise química (% em massa) Sais


Revesti- Teor de Cal:Cim:
de Amostra Cal SiO2 Na2O por
mento CO2 CaCO3 RI Cloretos Sulfatos cimento Areia
estudo hidratada Solúvel equiva-lente
DRX

IRF1B Interior 6.97 15,85 5,16 82,57 0,47 0,07 0,02 0,08 G 1,42 1 : 0,3 : 16,0
IRF3B Interior 6,19 14,08 4,58 83,70 0,47 0,32 0,04 0,20 n.d 2,07 1 : 0,5 : 18,3
1938
IRF4A Interior 8,28 18,83 6,13 74,73 0,80 0,12 0,02 0,12 G 5,30 1 : 0,9 : 12,2
(IRF)
IRF7A Interior 10,65 24,22 7,88 67,30 1,16 0,15 0,01 0,19 n.d 6,75 1 : 0,9 : 8,5
IRF7B Interior 8,38 19,06 6,20 74,85 0,97 0,12 0,00 0,09 n.d 5,04 1 : 0,8 : 12,1
1939
CBP4B Interior 3,35 7,62 2,48 87,76 0,67 0,10 0,06 0,20 G 4,33 1 : 1,7 : 35,4
(CBP)
DN2B Interior 5,02 11,42 3,72 82,39 0,61 0,17 0,00 0,04 n.d 5,51 1 : 1,5 : 22,2
DN12A Interior 3,75 8,53 2,78 83,73 1,12 0,07 0,01 0,05 G 6,50 1 : 2,3 : 30,2
DN12B Interior 3,02 6,87 2,24 76,74 2,63 0,04 0,01 0,03 G? 10,49 1 : 4,7 : 34,3

1940 DN12C Interior 3,95 8,98 2,92 69,60 2,11 0,17 0,04 0,49 G? 16,61 1 : 5,7 : 22,8
(DN) DN12D Interior 9,4 21,47 6,99 72,57 1,25 0,76 0,01 0,09 n.d 5,24 1 : 0,8 : 10,4
DN19B Interior 6,81 10,26 5,04 83,13 1,02 0,12 0,00 0,15 n.d 3,30 1 : 0,7 : 16,5
DN19C Interior 7,05 15,49 5,22 74,55 1,30 0,17 0,02 0,28 n.d 8,37 1 : 1,6 : 14,3
DN19D Interior 7,75 16,03 5,74 77,83 1,04 0,06 0,02 0,19 n.d 4,39 1 : 0,8 : 13,6
AAC1A Exterior 7,75 17,63 5,74 79,56 0,19 0,08 0,00 0,07 n.d 2,32 1 : 0,4 : 13,9
1944
AAC1B Exterior 6,94 15,78 5,14 81,37 0,25 0,06 0,00 0,05 n.d 2,62 1 : 0,5 : 15,8
(AAC)
AAC2B Exterior 9,09 20,67 6,73 74,67 0,62 0,21 0,01 0,33 G 3,05 1 : 0,5 : 11,1

RI – Resíduo insolúvel; G – Gesso (CaSO4.2H2O); (n.d) – não detetados; Cal: Cim: Areia – Traço cal/cimento/areia

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CONREA’21

Versão resumida do artigo

Tabela 6 | Teores de compostos por ATG/ATD, análise química e DRX em rebocos de cimento Portland

ATG/ATD
Análise química (% em massa)
(% em massa)
Caso de Revesti- Sais Teor de Cim:
Amostra
estudo mento SiO2 Na2O (DRX) cimento Areia
CO2 CaCO3 RI Cloretos Sulfatos
solúvel equivalente

1944 (AAC) AAC4B Interior 13,82 31,43 46,84 2,10 0,16 0,01 0,53 n.d 18,94 1:3
LIP1A Exterior 5,89 13,40 75,50 0,59 0,02 0,03 0,08 n.d 9,93 1:8
1958 (LIP)
LIP9A Exterior 6.97 15,85 72,13 1,79 0,00 0,04 0,19 n.d 10,88 1:7
1970 EUA53-2B Interior 4,85 11,03 76,65 1,12 0,17 0,01 0,31 n.d 11,51 1:7
(EUA53) EUA53-3B Exterior 9,11 20,72 64,27 0,81 0,20 0,01 0,38 n.d 13,07 1:5
1970
EUA53-4B Interior 6,21 14,12 78,39 2,19 0,13 0,01 0,11 n.d 6,82 1:11
(EUA53)
1975 (FCG) FCG4A Exterior 6,47 14,71 77,50 0,51 0,44 0,00 0,15 n.d 7,59 1:10
1987 (JRP) JRP2A Exterior 2,64 6,00 74,74 3,17 0,06 0,01 0,51 n.d 15,30 1:5
UNL2A Interior 6,79 15,44 69,90 1,48 0,08 0,00 0,15 n.d 12,64 1:6
2002 (UNL)
UNL3A Interior 8,39 19,08 73,15 3,04 0,12 0,00 0,36 n.d 7,14 1:10

RI – Resíduo insolúvel; (n.d) – não detetados; Cim: Areia – Traço cimento/areia

amostra (EUA53-2A) é constituída por agre- 5. CONCLUSÕES AGRADECIMENTOS


gados quartzíticos. Todas as amostras têm li-
gante de cimento Portland e os traços ponde- As análises realizadas permitiram caracterizar Os autores agradecem à Fundação para a Ciên-
rais traduzem a abundância de areia calcária a natureza dos agregados e a composição cia e Tecnologia o apoio concedido através da
e também de pó de pedra calcária, como é dos ligantes das várias tipologias de amostras bolsa de doutoramento SFRH/BD/112809/2015
típico das marmorites [6]. Os baixos teores de recolhidas nos edifícios premiados. e dos Projetos DB-HERITAGE, ref. PTDC/EPH-
cloretos e de sulfatos não indiciam que exista -PAT/4684/2014 e CEMRESTORE, ref.: POCI-
degradação por sais. Os principais resultados obtidos foram: (1) Os -01-0145-FEDER-031612 e ao LNEC através
estuques são de cal e gesso, com predomi- dos Projetos DUR-HERITAGE e PRESERVe
4.3 Argamassas de reboco nância da cal; (2) As argamassas de interior e
de imitação de pedra, que são na sua maioria
As argamassas de reboco são em grande de marmorite, têm agregados essencialmente REFERÊNCIAS

parte constituídas por várias camadas. Os calcários e o ligante é de cimento Portland; [1] Veiga, M. R, Aguiar, J. (2003) Definição de estra-
agregados são essencialmente de nature- (3) As argamassas de reboco até 1923, apli- tégias de intervenção em revestimentos de edifícios
antigos. Atas do 1.º Congr. Português de patologia e
za siliciosa e os ligantes utilizados foram: cadas tanto no interior como no exterior, são reabilitação de edifícios. FEUP.
(1) cal aérea cálcica em todas as amostras de cal aérea cálcica. Entre os anos 1923 e
[2] Arliguie, G., Homain, H. (2007) Grandubé –
dos casos 1903 (CVT) e 1923 (AR49) e em 1944 o ligante é uma mistura de cal aérea Grandeurs associeés à la durabilité des bétons,
algumas amostras dos casos 1938 (IRF) e com cimento Portland, em proporções variá- Paris, Presses de l’Ecole Nationale des Ponts et
Chaussées, 437 p., ISBN 978-2-85978-425-6.
1939 (CBP); (2) mistura de cal aérea cálcica veis mas, em geral, com predominância do
e cimento Portland em amostras dos casos cimento. A partir de 1944 o ligante já é exclu- [3] NP EN 166-2 (2014) Métodos de ensaio de cimen-
tos; pt. 2: Análise química dos cimentos. IPQ.
entre 1938 (IRF) e 1944 (AAC); (3) apenas sivamente de cimento Portland.
cimento Portland em amostras do caso de [4] Martinho, C., Veiga, R., and Faria, P. (2018)
Marmorite – contributo para a correta conservação
1944 (AAC) e posteriores. Os traços ponde- Com base nos dados apresentados pode-se deste durável revestimento de paredes, Conservar
rais variam entre 1:3 e 1:11 (cal cálcica:a- concluir que as amostras de revestimento Património, 28: 31-38.
reia), entre 1:0,3:16 e 1:5,7:23 (cal:cimento apresentam um bom estado de conservação.
[5] Freire, T., Santos Silva, A., Veiga, R., de Brito, J.
Portland:areia), com maior proporção de ci- Exceção feita a algumas amostras retiradas (2019) Studies in ancient gypsum based plasters
towards their repair: Mineralogy and microstructure.
mento nas amostras de 1939 (CBP) e 1940 de zonas degradadas nos casos de estudo
Construction and Building Materials 196, p. 512-529.
(DN), e entre 1:3 e 1:11 (cimento Portlan- 1903 (CVT) e 1923 (AR49) que apresentam
d:areia). Quanto à presença de compostos contaminação por sais. [6] Veiga, R., Santos Silva, A., Martinho, C., Faria,
P. (2019) Decorative renders simulating stone of
associados a processos de degradação, middle 20th century in the region of Lisbon. In HMC
apenas nas amostras das zonas mais de- 2019 – 5th Historic Mortars Conference, University of
Navarra, 19-21 June, 2019, Pamplona.
gradadas dos edifícios mais antigos, 1903
(CVT) e 1923 (AR49), se registaram teores
de cloretos e de sulfatos elevados.

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Tipologias estruturais dos
tetos em estuque portugueses
Estado da arte e relevância
para a reabilitação e restauro
Rebecca Reis Universidade Católica Portuguesa, Escola das Artes, CITAR, reis.leal.rebecca@gmail.com

Martha Tavares Universidade Católica Portuguesa, Escola das Artes, CITAR, tavares.martha@gmail.com

Eduarda Vieira Universidade Católica Portuguesa, Escola das Artes, CITAR evieira@porto.ucp.pt

resumo
O estuque foi uma arte considerada, por muitos anos, como “arte menor”. Segundo Cotrim [1], da depre-
ciação desta arte decorativa resultou um reduzido número de trabalhos produzidos, influenciando o estado
de degradação em que se encontram os elementos estucados em edifícios antigos. Só recentemente o tema
começou a conquistar espaço no meio científico e académico, [2, 3, 4] traduzindo-se no aumento de pesqui-
sas voltadas para o estudo destes elementos decorativos integrados, os quais se têm sobretudo focado nos
estuques de ornatos e revestimentos, subsistindo, ainda, lacunas relativas às estruturas que os suportam,
com especial enfoque para os tetos.
Este artigo tem por objetivo fazer a análise do estado da arte, acerca das informações recolhidas na
bibliografia existente do conhecimento disponível sobre as tipologias estruturais dos tetos estucados [5],
produzidas em Portugal entre os séculos XVII-XIX, ponto-chave para sua conservação e que nem sempre
recebe o destaque que merece.
A investigação procura compreender as diversas soluções construtivas dos tetos em estuque, as distintas
tipologias estruturais existentes nos vários períodos, os materiais, as técnicas utilizadas e as principais
causas de deterioração dessas estruturas. Trata-se de um estudo indispensável para compreender o atual
estado das informações a respeito dos suportes dos forros de estuque e destacar as lacunas sobre o tema.
Assim, espera-se que o presente estado da arte possa contribuir com as novas produções que abordem o tema
das estruturas dos tetos em estuques para reafirmar sua relevância nas discussões académicas.Esse estudo
insere-se num projeto de doutoramento em andamento na Universidade Católica do Porto; Escola das Artes
e CITAR, intitulado Tipologias Estruturais dos Tetos em Estuques Portugueses dos séculos XVII e XIX.

palavras-chave estuque . tetos . estrutura . sistema construtivo . reabilitação . restauro

1. INTRODUÇÃO talha e o azulejo. [1, 6-8] Esta desvaloriza- dade destina o material a ambientes secos.
ção restringiu a produção de trabalhos nessa Ainda assim, a autora Eduarda Vieira (2002)
O estuque é uma arte milenar, praticado por área e os investimentos no restauro desses acrescenta que, o estuque “apesar desta
diversos povos ao longo da história. Em Por- elementos decorativos, ao ponto de as inter- dependência da arquitetura, desenvolveu-se
tugal, segundo o autor Helder Cotrim, o estu- venções de reabilitação em edifícios antigos, de modo independente, traduzindo diferen-
que teve seu auge durante os séculos XVIII e muitas vezes, ocultarem qualquer vestígio dos tes correntes artísticas, sendo frequente que
XIX, [1] mas é do século XVI que data a obra estuques, “como se fosse um estigma que os corresponda à posição estética dominante na
de estuque portuguesa mais antiga. [4] Ainda espaços de serviços contemporâneos apre- época da sua feitura, o mesmo nem sempre
assim, apesar do valor histórico e artístico sentassem decorações antigas”. [1] se verificando com a estrutura arquitetónica
desses revestimentos, o conhecimento sobre onde se insere.” [2]
os estuques se encontra bastante dificultado, Utilizados para esconder as estruturas das
tanto pela ausência de informações sobre a coberturas, dos pavimentos superiores e pa- Esclarecendo, ainda, que “o estuque é um
produção dos estuques anteriores ao século redes, os elementos decorativos de gesso ou material versátil, robusto e duradouro (quando
XVIII, como pela desvalorização dos revesti- gesso e cal são indissociáveis das edifica- realizado devidamente), podendo a sua apli-
mentos de estuque, em comparação com a ções, sua vulnerabilidade em relação à humi- cação ser feita sobre construções em tijolo,

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CONREA’21

pedra e madeira. A sua aplicação tanto se as- para auxiliar nas intervenções de conserva- compreensão dos revestimentos de estuque,
socia a paredes e tetos planos como curvos”. ção e restauro e contribuir com a produção [17] é que se consegue encontrar informações
[5] Dentro do vasto universo dos estuques, o de novas pesquisas que contemplem o co- mais aprofundadas sobre as estruturas dos
presente artigo tem como foco o conhecimen- nhecimento histórico, técnico e construtivo forros. [18] Mesmo quando o foco das pes-
to produzido acerca das estruturas dos estu- que ainda falta. quisas é a preservação dos estuques, tanto
ques dos tetos, sejam eles dependentes ou as informações sobre os danos como as téc-
não das estruturas da cobertura ou pavimen- 2. CONSIDERAÇÕES SOBRE nicas para intervenção no sistema estrutural
tos superiores, curvos ou planos, em constru- O ESTADO DA ARTE são abordadas de forma superficial, [1, 5, 14-
ções de madeira, pedra ou alvenaria. 16] demandando uma investigação que tenha
Em Portugal, o tema dos estuques começou a como principal interesse a compreensão da
A estrutura é um ponto-chave para qualquer ser estudado por Flórido de Vasconcelos em estrutura dos revestimentos em estuques.
construção ou elemento construtivo, motivo 1959, que chamou atenção para a relevância
pelo qual é fundamental dominar suas proprie- dessa arte decorativa.[6] Contudo, os seus 2.1 Abordagem sobre as estruturas
dades física e químicas, estruturais e mecâni- trabalhos permaneceriam isolados até aos fi- nas diversas publicações
cas, para garantir sua preservação. Na opinião nais da década de 90 do século passado, altu-
de Pereira, parte do motivo para a técnica dos ra em o tema desperta o interesse dos investi- O sistema estrutural que suporta e estabiliza
estuques se ter tornado uma técnica em desu- gadores. Tal, possibilita encontrar atualmente os forros em estuque desenvolveu diferentes
so, ocorre pela falta de mão-de-obra especiali- diversos trabalhos nessa área voltados para tipologias ao longo de sua história. Segundo
zada, mas também pelas deformações que as questões como o estudo histórico-artístico Hélia Silva (2006), na Europa, “entre os sécu-
peças em madeira da estrutura sofrem, desta- dos estuques, [2, 6, 7, 9] técnicas de execu- los XVI e XVIII, o estuque ganha um grande
cando assim a relevância em estudos voltados ção, [3, 8, 10, 11] agentes patológicos [12, 13] valor como complemento da cenografia arqui-
para a compressão dos sistemas estruturais e preservação [1, 14-16]. Dos trabalhos ana- tectónica. Se até ai os esquemas decorativos
dos revestimentos estucados. [5] lisados, referentes a estucaria portuguesa, eram muito regulares, agora ganham técnicas
uma quantidade considerável aborda a produ- de modelação mais complexas, com estru-
Por fim, tendo em vista o aumento significa- ção de estuques em Portugal como um todo, turas que suportam as arrojadas formas que
tivo no interesse pela preservação de edifi- [1, 3, 5, 6, 11-16] porém, há também trabalhos são criadas”. [8]
cações históricas, em que frequentemente que evidenciam produções regionais como
é possível encontrar revestimentos de estu- as de Lisboa, com destaque aos trabalhos de O desenvolvimento dos estuques em Portu-
que, destaca-se a relevância em investigar Giovanni Grossi, [4, 7, 8] Porto, destacando a gal, tem início em momentos diferentes em
essa arte decorativa visando sua conserva- produção de Nicolau Nasoni, [2, 8, 9] além de Lisboa e no Norte do país. O Norte iniciou
ção. O próprio aumento do interesse aca- algumas menções aos estuques do Alentejo sua produção de revestimentos em estuques
dêmico nesse tema, provem da necessida- e Algarve. [7] No entanto, independentemente mais tarde em comparação a Lisboa, devido
de em compreender o patrimônio estucado da região estudada, são poucas as investiga- a uma forte tradição na produção de tetos em
para auxiliar nas intervenções de restauro, ções que abordam questões relativas às es- madeira, pautada na abundância e excelente
porém, apesar das pesquisas que já existem truturas dos tetos em estuques. qualidade desse material, na região. [8] Nota-
sobre o tema, ainda persistem lacunas como -se assim, uma possibilidade de que esta prá-
o conhecimento sobre os sistemas estrutu- Ao longo da investigação constatou-se que tica, advinda da execução de estruturas para
rais dos tetos estucados. Dessa forma, esse autores vêm abordando diferentes aspectos forros em madeira, com formato de caixotões
estudo visa fornecer uma revisão bibliográ- sobre a produção desses revestimentos, po- ou simplesmente em tabuado de “camisa e
fica abrangente sobre o conhecimento dis- rém, independentemente do enfoque dos tra- saia”, possa, de alguma forma, ter influen-
ponível atualmente, que aborde a temática balhos, nota-se uma tendência nas pesquisas ciado na execução das estruturas dos forros
das tipologias das estruturas dos tetos em em abordar conteúdos referentes às camadas em estuque, promovendo diferenças entre os
estuques portugueses produzidos entre os de gesso e cal. [2, 3, 5, 8, 10] Apenas em suportes dos tetos estucados produzidos na
séculos XVII-XIX, uma vez que esses conhe- trabalhos voltados para o estudo das estru- região Norte ou em Lisboa, comparação esta
cimentos podem fornecer aos historiadores turas de madeira dos tetos ou em manuais que não foi identificada em qualquer um dos
e conservadores informações importantes da construção civil, que não têm como foco a textos estudados.

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Notam-se assim, dois principais focos de rem, o estudo da parte decorativa, que envolve narem quaisquer dúvidas sobre as estruturas
produção dos estuques, com diferenças de- a compreensão das argamassas de estuque, dos estuques, apresentam um indicativo da
correntes tanto da introdução da técnica em vem sendo muito mais investigado, em compa- necessidade de investigar e compreender as
diferentes momentos, como pelos principais ração as demais seções componentes dos re- estruturas, dada a necessidade de conheci-
artistas da época, que apresentam linguagem vestimentos de estuque, fato este que se con- mento para intervir nesta zona dos estuques,
decorativas distintas. No Norte, Nicolau Naso- firma pelos trabalhos, mencionados anterior- visto as dificuldades que a envolvem.
ni, apresenta uma linguagem bastante carac- mente, [2, 8, 10, 11] cujo estudo é voltado para
terística, misturando elementos italianos à ele- a investigação das argamassas dos estuques, Apenas três trabalhos voltadas para o estudo
mentos românticos e manuelinos, “suas obras bem como por tratados como “Il Libro Dell’Arte” e compreensão dos estuques descrevem al-
têm um suporte cenográfico extremamente escrito por Cennino Cennini, que descreve a gumas das tipologias estruturais dos forros de
forte que se reflecte quer na arquitectura quer composição das argamassas dos estuques de estuque. [5, 6, 7] Porém, os capítulos que se
na decoração”. [8] Já em Lisboa, a linguagem teto, destacando assim um interesse despro- referem ao tema sobre os suportes dos forros
simples e formal de Giovanni Grossi adaptou- porcional entre diferentes partes constituintes de estuque contêm essencialmente mesma
-se perfeitamente aos gostos da sociedade, [8] dos revestimentos de estuque. informação, devido a terem utilizado a mesma
mas também destacam-se outras produções, fonte de referência [9] sem expandir a inves-
que infelizmente não se sabe ao certo a auto- Mesmo nos casos de trabalhos voltados para tigação para complementar a informação. Os
ria, mas que ostentam muito conhecimento e as patologias dos estuques, como o de Hel- três trabalhos apenas diferem quanto a infor-
técnica, inclusive na execução das estruturas, der Cotrim, a menção aos suportes foca-se mação referente aos suportes de estafe, em
como é possível constatar no texto de isabel nos danos de acordo com os materiais e suas que Ricardo Santos desenvolve um pouco
Mendonça, onde a autora diz, “o salão nobre, a propensões patológicas. “A madeira sofre mais a informação em comparação aos outros
maior das divisões do palácio, a configuração uma série de ações de degradação provoca- trabalhos. [6]
rara do teto, em duplo sanqueado, só é pos- das pelo ataque de insetos e pela humidade,
sível graças à sua estrutura de fasquiado”. [4] que propiciam o desenvolvimento de agentes De todos os trabalhos estudados, o que me-
biológicos e provocam variação dimensional. lhor esclarece noções a respeito das tipolo-
Percebe-se então, que os trabalhos mencio- Importa, por isso, conhecer exaustivamente, gias dos suportes é a pesquisa de João Car-
nados abordam noções referentes a estrutura desde a fase de levantamento, as condições los Martins (2008). [17] O autor, ao trabalhar
dos estuques sem grande aprofundamento, em que se encontram as estruturas de madei- o tema dos tetos, desenvolve noções sobre a
apenas como uma ferramenta de caracteri- ra”. [1] Ainda assim, neste mesmo trabalho é estrutura como um todo, tanto a estrutura dos
zação e contextualização. O mesmo pode ser possível encontrar breves referências a possí- forros como a dos telhados, que em diversos
notado em trabalhos como o de Vieira (2002), veis variações tipológicas dos suportes, como casos suporta também os elementos deco-
cujo enfoque da pesquisa é o esclarecimento por exemplo no trecho “as fasquias podem en- rativos. O trabalho esclarece, de forma bas-
de questões técnicas da produção das arga- contrar-se diretamente pregadas às estruturas tante aprofundada, cada tipologia construtiva
massas dos estuques, porém, a investigação de suporte, tanto dos telhados como do pavi- das diferentes coberturas, assim como suas
também apresenta uma vertente histórico-ar- mento do piso superior ou a estruturas secun- técnicas de execução e cria um sistema para
tística, em que são mencionadas algumas dárias, por sua vez fixadas às primeiras” [1], e categorizar os diferentes tipos, apresentando
tipologias estruturais, destacando o período desta forma, mesmo sem explorar e esclare- diversas possibilidades volumétricas de acor-
em que tiveram início, de maneira a escla- cer suas características, o autor levanta uma do com o número de planos, seus formatos,
recer historicamente parte da evolução dos questão relevante, referente à dificuldade de tamanhos, inclinações e curvaturas. Quando
estuques, como pode-se constatar no trecho intervir nas estruturas devido ao fato de que, o autor aprofunda a descrição dos suportes
“assim, o teto fasquiado cedeu lugar ao teto “nos tetos, esta situação é agravada pelo fato dos forros de estuque, propriamente ditos,
de estafe, o que surgiu pela primeira vez na de o próprio estuque se destinar a ocultar as as noções apresentadas também são pau-
exposição de Paris de 1889”. [2] estruturas de suporte. A necessidade de ob- tadas na enciclopédia de Costa, [18] sem,
servação dos suportes é, assim, uma situação contudo, aprofundar à classificação básica,
Segundo Cristina Rozisky (2014), “é possível algo paradoxal, pelo que importa resolvê-la feita pelos demais autores entre estruturas
dividir a técnica da estucaria em três catego- desde a fase de projeto”. [1] Estas questões dependentes e independentes das estrutu-
rias: estrutura, suporte e decorativo” [10], po- apresentadas por Cotrim, apesar de não sa- ras dos pavimentos superiores e coberturas.

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CONREA’21

Mas diferentemente dos demais trabalhos quiado e sobre o fasquio receber o estuque no caso dos tetos sanqueados, essas vigotas
que descrevem as tipologias dos suportes ou, em casos mais modernos, utilizar direta- têm formato arqueado da face voltada para o
dos estuques, este acrescenta tipologias que mente as placas de estafes. Justamente por interior do cômodo e, por fim, existem também
não haviam sido comentadas, como a estei- utilizar a estrutura pré-existente dos tetos ou os tetos de esteira engradada, utilizada para
ra sanqueada circular, que deriva da tipolo- pavimentos superior, constituem um tipo de casos em que não era possível a utilização de
gia de esteira sanqueada, ou a tipologia de solução mais económica e de mais fácil exe- grandes vigas. [3, 5, 18]
estruturas mistas, dentre outras descrições cução. [3, 5, 18]
muito mais aprofundadas em comparação Tais definições até descrevem algumas carac-
aos demais trabalhos. [17] Dentre as tipologias de caráter Solidária, são terísticas físicas dos elementos, mencionando
apresentadas variações como os tetos de as dimensões das peças e descrevendo téc-
Por fim, nota-se que apesar da existência abobadilha, que alguns autores apresentam nicas de execução. Porém, como já foi dito,
de trabalhos que esclarecem características como sendo de estrutura simplificada. [3, 5, essas informações são reproduções das infor-
referentes as diversas tipologias estruturais 18] Mas também há autores que descrevem mações apresentadas na enciclopédia de F.
dos forros de madeira, falta aqui uma ligação, suportes bastante complexos para atender Pereira da Costa (1955), que se comparadas
com as investigações voltadas para os forros esse tipo de formato. [19] Em seguida há os com as informações apresentadas no trabalho
de estuque propriamente ditos. Ou seja, uma tetos com estrutura de estafe, além dos tetos, de Martins, que é voltado para a compreensão
pesquisa que relacione as tipologias estrutu- já mencionados, sobre fasquio. das estruturas de madeira dos tetos portugue-
rais catalogadas nesses trabalhos com as téc- ses, este segundo trabalho encontra-se mais
nicas de produção dos estuques, permeando Já, no que consiste às variações tipológicas completo, visto todas as tipologias a mais, que
assim os temas desses dois grupos de traba- de caráter Desligado, o sistema de fasquiado foram descritas por Martins. [17]
lhos. Nota-se que os trabalhos voltados para era fixado a uma estrutura de madeira inde-
o estudo das estruturas não são menciona- pendente do vigamento do piso ou da cober- A essas tipologias, podemos acrescentar mais
dos em nenhum dos trabalhos que incidem tura. [3, 5] A vantagem desses casos era im- algumas, mencionadas por Martins em sua
nos estuques, mesmo aqueles que incluem pedir ou atenuar a transmissão de vibrações, pesquisa, mas que são classificadas de forma
descrições sobre as tipologias dos forros de ruídos ou cargas do piso superior, garantindo diferente. As estruturas dos estuques são de-
estuque. uma maior preservação do suporte, além de finidas como estruturas semelhantes às das
facilitar a ventilação. Trata-se de uma tipolo- coberturas, porém, sem função de suporte,
2.2 Tipologias estruturais gia mais comumente empregada em edifícios apenas como decoração e que, de acordo
de maior qualidade, até por ser mais dispen- com o autor, podem ser consideradas como
Sendo assim, e de forma mais pontual, as in- diosa, visto o gasto com mais materiais para sucessoras das chamadas estruturas “Mudé-
formações voltadas para a compreensão dos elaboração de uma estrutura própria para o jares” de rincão singelo, porém com variações
suportes dos tetos em estuques, apresenta- forro. [5] simplificadas, em que, ainda segundo Mar-
das nos trabalhos voltados especificamente tins, esta simplificação teria, portanto, levado
para o estudo dos revestimentos de estuque, As tipologias que esses trabalhos apresentam a uma rudimentarização de todas as uniões
nos levam a perceber que a noção mais co- como sendo de caráter Independente [3, 5] e mesmo do nível de acabamento da estru-
mumente mencionada em diversas publica- são os tetos de vigamento em esteira ordiná- tura. A categorização das tipologias estrutu-
ções refere-se à dependência (solidárias) ou ria, onde as vigas são dispostas na direção rais dos estuques não classifica as variantes
independêcia (desligadas) das estruturas dos dos menores vãos com menor compartimen- tipológicas entre solidárias ou desligadas. A
forros estucados, em relação aos pisos ou to, com algum afastamento entre elas e taru- organização é feita de acordo com o forma-
coberturas. Introduzindo assim, uma classifi- gadas de maneira a prevenir deformações. to, entre as que são estruturas divididas por
cação para as tipologias estruturais. [3, 5, 18] Em seguida são mencionadas tipologias de número de águas, abobadadas, cúpulas, de
masseira e sanqueados, que apenas diferem esteira e mistas. A descrição das mesmas é
No caso das estruturas Solidárias, o revesti- das esteiras ordinárias no encontro entre o feita abordando a composição dos elementos
mento do teto é aplicado diretamente sob a forro e a parede, onde são aplicadas vigotas, estruturais e, em seguida, a explicação das
estrutura do pavimento do piso superior, po- que conferem a esses tetos um acabamento técnicas de execução para fabricação dessas
dendo, em casos mais tradicionais, ser fas- chanfrado no caso dos tetos de masseira ou, estruturas estucadas. [17]

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Acrescenta-se, assim, tipologia como a de- abatido, que se caracterizam por serem feitas O autor também descreve e caracteriza as
nominada “teto de masseira quadrangular”, com arcos menores de 180º de curva perfeita. tipologias de tetos estucados com estruturas
que é feita com quatro águas e rincão singelo, “Contrariamente aos dois anteriores, as vigas de esteira, como esteiras simples, de mas-
aplicando frechais sobre os lados mais longos curvas encontram-se adossadas à parte infe- seira e sanqueada, mas também descreve
da divisão, travados por outros, com juntas à rior das pernas e dos níveis, sendo as suas tipologias como a de esteira sanqueada
meia madeira no sentido mais estreito. Se- extremidades fixas às pernas através de pe- circular, que segue as técnicas e caracte-
guidamente montam-se sobre estes frechais ças de madeira pregadas de par. É também rísticas da esteira sanqueada tradicional,
as asnas de nível, com encaixes de boca de com peças semelhantes que se fixam as vigas mas é aplicada sobre um cômodo de planta
lobo, sendo a distância da primeira asna ao às asnas”. [17] Por fim, as abóbadas de ares- circular, apresentando para isso pequenas
canto da sala dada por metade da largura da ta, que “resultam da intersecção de duas abó- alterações, como o frechal em que a estru-
sala. Uma derivação dessa tipologia, em que badas de berço, no entanto, a situação que se tura assenta, assim como as vigas que cir-
a única diferença é que leva, na sua parte in- encontra com mais frequência é uma variação cundam a esteira plana, que apresentam a
ferior, uma segunda estrutura composta por destas, em que as abóbadas são geradas por forma circular. [17]
pernas com dupla curvatura. Existem também falsos arcos abatidos, isto é, arcos de círculo
os suportes do tipo “tetos de masseira oita- com menos de 180º”. [17] A última tipologia para forros descrita por Mar-
vados”, os quais, como o próprio nome leva tins, é na realidade uma combinação das an-
a crer, possui oito águas. “Estes tectos cons- Em seguida são apresentadas, também, tipo- teriores, denominada Esteira Mista. Os siste-
troem-se com qualquer inclinação, sendo, no logias de cúpulas. Estas “surgem como uma mas construtivos apresentados anteriormen-
entanto, normalmente até 45º”. [17] variação construtiva das abóbadas, mas apli- te, possibilitam através da sua combinação,
cadas normalmente sobre divisões circulares, inúmeras possibilidades de concepção de
Referente às tipologias abobadadas, Martins hexagonais, octogonais, etc. Isto é, plantas novas estruturas para tetos. Como por exem-
subcategoriza em quatro outras classes, defi- que tem por base um círculo”. [17] plo uma mistura entre teto plano, sanqueado
nindo tipologias diferentes para cada uma, po- e circular. [17]
rém é importante ressaltar que se trata de abó- “A sua construção, numa dependência circu-
badas falsas, ou seja, “abrange apenas aquelas lar, tem por base quatro vigas curvas que se Cabe, por fim, destacar apenas que, apesar
que sustentam apenas o seu peso, não tendo apoiam em frechais e que convergem para um de a investigação sobre os tetos portugueses
qualquer função estrutural no edifício”. [17] ponto no centro da divisão a cobrir, juntando-se de Martins complementar as tipologias estru-
num pendural. São em seguida aplicadas varas turais, que nos demais trabalhos sequer são
Dentre as variações abobadadas são defini- com a mesma curvatura mas de menor secção indicadas, e descrever as técnicas de exe-
das as abóbadas de berço, onde, na “constru- entre as pernas. As peças curvas horizontais cução desses suportes, não é feita qualquer
ção são utilizadas vigas curvas, constituídas que ligam as varas e as pernas denominam- relação com o sistema de revestimento do
por vários elementos ligados a topo entre si, -se madres, à semelhança das empregadas estuque presente no teto. [17] A compreen-
com uniões à meia-madeira. Estas vigas são nas estruturas de cobertura. Quanto maior for são da estrutura dos tetos em estuque só é
assentes em sancas de madeira ou pedra que o número de varas, melhor será a perfeição da realmente alcançada quando percebemos
se encontram adossadas às paredes laterais superfície hemisférica que se obtém no intra- como esta estrutura se liga, não apenas en-
do espaço a cobrir. Para assegurar a estabi- dorso da estrutura. (…) Para as cúpulas, exis- tre os próprios elementos que a constituem,
lidade, basta normalmente o forro que lhes é te ainda uma outra variação, as cúpulas com mas também com as camadas de gesso
fixo pelo intradorso, embora frequentemente lanternim, aqui as pernas vão ligar na estrutura que suporta. O autor destaca em diversos
sejam aplicadas escoras, normalmente prega- do lanternim e não num frechal. Para evitar momentos que tratam-se de estruturas sem
das de par das vigas curvas para as pernas esforços, o lanternim é sustentado por vigas função de resistência, que seriam apenas
das asnas e para os níveis”. [17] Há também encastradas nas paredes”. [17] Enquanto, no autoportantes, porém, o peso das camadas
as abóbadas de arco abatido que seguem a caso de dependências hexagonais octogonais de gesso, apesar de não ser elevado, ainda
mesma técnica construtiva da anterior, varian- etc., “este esquema é simplificado, utilizando- deve ser considerado, assim como as técni-
do apenas o tipo de arco, que, neste caso, -se apenas as pernas curvas, cada uma apoia- cas de fixação do gesso nos suportes, para
tende a ser um arco abatido de três centros. da num vértice da dependência. A ligação entre compreender inclusive possíveis danos que
Outra tipologia é a das abóbadas de falso arco elas é efectuada por madres rectas”. [17] poderiam decorrer.

P&C 70 | Janeiro > Junho 2021 | 53


CONREA’21

Versão resumida do artigo

3. CONCLUSÕES te contextualizadas segundo um documento [6] Mendonça, I. (S.D.). Estuques Decorativos em


Portugal – do Manuelino ao Neoclássico. S.L.: Ins-
anterior em particular. As investigações pare- tituto de História da Arte, Faculdade de Ciências So-
A estrutura, desempenha um papel essencial cem, em alguns casos, ignorar oportunidades ciais da Universidade Nova de Lisboa.
na construção, em todas as suas etapas, des- de compreender as estruturas dos estuques [7] Silveira, P., Veiga, R., Brito, J. (2001). Estuques
de a fundação até a decoração. Tudo aquilo que estão sendo estudados. Visto que, qual- Antigos – Evolução Histórica. S.L.: S.N.
que está atrelado ao imóvel faz parte de um quer temática dentro do estudo sobre reves-
[8] Silva, H. (2006) Giovanni Grossi e a Evolução
sistema, o qual considera fatores como peso timentos estucados, têm ligação com os ele- dos Estuques Decorativos no Portugal Setecentista.
Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lis-
e material, para atribuir um suporte e/ou um mentos portantes em algum nível, de maneira
boa. Dissertação de Mestrado em Artes, Património
ligante de forma a unir esse elemento ao res- que algumas informações sobre as estruturas e Restauro.
tante do edificado. Anteriormente foi mencio- pudessem ser abordadas, diminuindo assim,
[9] Costa, L. (2014). Património Escondido: Preser-
nado que o estuque é indissociável da arquite- a escasses de informações sobre os suportes vação dos Estuques do Porto. Porto: Universidade
tura e, desta forma, a existência desse reves- dps revestimentos estucados. Lusíada. Dissertação de Mestrado em Arquitetura.

timento é possível, única e exclusivamente, [10] Rozisky, C. (2014). Arte Decorativa: Forros de
devido à existência de um suporte. Como já mencionado, identifica-se assim, Estuque em Relevo. Pelotas: Instituto de Ciências
Humanas, Universidade Federal de Pelotas. Disser-
uma carência quanto a um trabalho que con- tação de Mestrado em Memória Social e Patrimônio
O sistema estrutural de um teto em estuque, temple noções sobre os suportes dos tetos Cultural.

quando bem feito e em bom estado de preser- estucados, que se debruce na identificação [11] Santos, R. (2017). Caracterização de Revesti-
vação, garante estabilidade ao revestimento e de suas características, e compreenda a dinâ- mentos de Tetos antigos com base em gesso con-
tributo para sua conservação. Lisboa: Faculdade de
sua morfologia permite volumetrias complexas e mica do sistema estrutural, a relação entre os Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lis-
variadas no que consiste ao produto final de for- elementos e materiais que o constituem, bem boa. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre
em Engenharia Civil.
ros elaborados. Assim sendo, é importante ter como os tipos de ligação entre os suportes e
um conhecimento minucioso dessas estruturas, as camadas de gesso, além de esclarecer e [12] Silveira, P., Veiga, R., Brito, J. (2002). Patologias
de Estuques Antigos. S.L.: S.N.
com descrição técnica, caracterização das tipo- sistematizar as principais anomalias. Este co-
logias, detalhamentos dos diferentes tipos de nhecimento sobre o sistema construtivo dos [13] Silveira, P., Veiga, R., Brito, J. (2002). Eflores-
cências em Estuques Antigos. S.L.: S.N.
encaixe, compreensão de possíveis danos de- tetos estucados é sem dúvida de grande im-
vido a diferentes patologias e como isso influen- portância para a reabilitação e o restauro des- [14] Cotrim, H. Veiga, R., Brito, J. (2005). Reabilita-
ção de Tectos Estucados. S.L.: S.N.
cia no sistema como um todo. A compilação dos sa arte decorativa
resultados obtidos com essa investigação, irá [15] Cotrim, H. Veiga, R., Brito, J. (2003). Metodo-
logia para Internvenção de Estuques Antigos. S.L.:
contribuir para identificar os melhores métodos S.N.
de intervenção sendo também informações cru-
REFERÊNCIAS
[16] Tavares, M. (2009). A Conservação e o Restau-
ciais para o projeto de restauro.
ro de Revestimentos Exteriores de Edifícios Antigos.
[1] Cotrim, H. (2004). Reabilitação de Estuques Anti- Lisboa: Faculdade de Arquitetura da Universidade
gos. Lisboa: Instituto Superior Técnico, Universidade do Porto. Tese de Doutoramento em Arquitetura.
Tendo em vista o que acabou de ser mencio- Técnica de Lisboa. Dissertação para Obtenção do
nado, e as informações abordadas ao longo Grau de Mestre em Costrução.
[17] Martins, J. C. (2008). Tectos Portugueses do
do texto, nota-se que, no que consiste o co- sec. XV ao sec.XIX. Lisboa: Universidade Tecnica de
[2] Vieira, E. (2002). Técnicas tradicionais de estu- Lisboa - Instituto Superior Técnico.
nhecimento referente às estruturas dos estu- ques e de pintura de Fingidos no norte de Portugal:
contributo para o seu estudo e conservação. S.L.:
ques, o tema ainda carece de muita investi- [18] Costa, F. (1955). Enciclopédia Prática da Constru-
Universidade de Evora. Dissertação de Mestrado em
ção Civil - Tetos Diversos. Lisboa: Potugália Editora.
gação. Muitos trabalhos reconhecem a im- Recuperação do Património Arquitetónico e Paisa-
gístico.
portância dos suportes, reconhecem também [19] Quagliarini, E., Lenci, S., Seri, E. (2011). On
the damage of frescoes and stuccoes on the lower
[3] Silveira, P. (2002). Tectos Estucados Sob Fas-
que a preservação dos tetos em estuque é surface of historical flat. Ancona: Journal of Cultural
quias ou Abóbadas em Edifícios Antigos: Caracteri-
condicionada pela integridade do seu sistema Heritage.
zação Construtiva. S.L.: S.N.
estrutural, mas, ainda assim, são escasos os
[4] Mendonça, I. (2014). Estocadores de ticino na
estudos nessa área. Lisboa Joanina. Lisboa: S.N.

[5] Pereira, M. E. (2010). Reabilitação de Tetos Es-


Mesmo nas pesquisas com foco em conser- tucados Antigos. Porto: Faculdade de Engenharia da
vação e restauro, as estruturas são meramen- Universidade do Porto.

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Análise do comportamento
de argamassas de cal aérea
aplicadas em suportes de tijolo
maciço e pedra calcária
Isabel Torres DECivil, Itecons, ADAI; LAETA – Universidade de Coimbra, itorres@dec.uc.pt

Inês Flores-Colen CERIS, DECivil, IST – Universidade de Lisboa, ines.flores.colen@tecnico.ulisboa.pt

João Braz DECivil, Universidade de Coimbra, joaobraz18@gmail.com

Poliana Bellei DECivil, Itecons, ADAI; LAETA – Universidade de Coimbra, poliana.bellei@itecons.uc.pt

resumo
A maior parte do património edificado português possui paredes de pedra natural ou de tijolo maciço
revestidas com reboco à base de argamassas de cal aérea. Como elementos pertencentes à envolvente
exterior das construções, estão muito expostos a ações variadas tais como as climáticas ou as mecânicas,
tornando-se assim os primeiros elementos construtivos a necessitar de intervenção.
As intervenções necessárias podem envolver a complexa escolha de uma argamassa, que tem que ser compatível
com a existente. A compatibilidade das argamassas é analisada em laboratório através da determinação de
diversas propriedades, executada de acordo com as normas aplicáveis. Porém, as dimensões dos provetes
laboratoriais e as condições de cura a que ficam sujeitos são muito diversas das dimensões e condições de cura
das argamassas aplicadas sobre os suportes, o que induz a comportamentos diferentes para argamassas com
a mesma formulação. Este diferente comportamento pode comprometer, de algum modo, o bom desempenho
da solução de reabilitação e a sua compatibilidade com os materiais existentes.
Se for possível, a partir das características das argamassas determinadas em laboratório, prever qual
irá ser o seu comportamento após aplicação no suporte, a decisão da ação de reabilitação será mais
suportada e consciente.
Neste artigo pretende-se apresentar uma pequena parte de um projeto de investigação em curso (IF_MORTAR),
cujo objetivo é comparar as características das argamassas (cal aérea) moldadas em moldes laboratoriais com o
comportamento das mesmas após aplicação sobre suportes reais (tijolo maciço e pedra calcária).

palavras-chave comportamento . argamassa de cal aérea . tijolo maciço . pedra calcária

1. INTRODUÇÃO Neste contexto, as argamassas de cal aérea Porém, é também importante analisar as suas
são muito utilizadas, e continuamente inves- características em serviço, ou seja, induzir
As intervenções nas envolventes de edifícios tigadas, de forma a se obter um melhor co- condições próximas às de uma construção
antigos podem ir de uma simples ação de con- nhecimento das suas características e assim com necessidade de reabilitação. De forma
servação até à substituição total dos revesti- se poder proceder a uma escolha mais ade- a simular estas condições, as argamassas de
mentos, envolvendo frequentemente a utiliza- quada para a preservação do património [1, cal aérea podem ser aplicadas em diferentes
ção de argamassas compatíveis. A escolha 2, 4]. No entanto, o estudo das argamassas tipos de suportes e posteriormente ensaiadas,
de uma argamassa compatível é uma tarefa é normalmente desenvolvido em laboratório podendo assim fornecer dados mais adequa-
complexa e que envolve necessariamente o através da determinação de diversas proprie- dos sobre a compatibilidade e interação entre
conhecimento tão rigoroso quanto possível da dades, de acordo com as normas aplicáveis, os dois materiais: argamassa e suporte.
argamassa existente, da sua composição, das que preconizam a execução de provetes nor-
suas características e ainda das característi- malizados, moldados em moldes metálicos e
cas do suporte existente [1, 2, 3]. sujeitos a condições de cura especificas.

P&C 70 | Janeiro > Junho 2021 | 55


CONREA’21

1 | Tipos de suportes em estudo.

2 | Argamassa aplicada nos suportes.

O suporte é um dos componentes das pare-


des que mais pode alterar o comportamento
das argamassas de revestimento [5] e, inves-
1 2
tigar principalmente as argamassas de cal
aérea aplicadas na sua base, pode promover
uma melhoria na interação entre esses dois
Tabela 1 | Ensaios nos suportes e na argamassa pré-doseada de cal aérea
materiais, bem como na escolha mais acerta-
da para obras de reabilitação. Ensaios Propriedade Norma

Considerando os tipos de materiais mais uti- Consistência EN 1015-3 [7]


Estado fresco
lizados em edifícios antigos, o objetivo deste
Massa volúmica EN 1015-6 [8]
estudo é analisar o comportamento de arga-
massas de cal aérea aplicadas sobre suportes Massa volúmica e porosidade aberta NP EN 1936 [9]
de tijolo maciço e pedra calcária e compará-lo Coeficiente de absorção de
ISO 15148 [10]
com o comportamento das mesmas argamas- água por capilaridade
Estado
sas moldadas em moldes de laboratório (de endurecido e Índice de secagem EN 16322 [11]
acordo com as normas). suporte
EN 1015-19 [12]
Permeabilidade ao vapor de água
e ISO 12572 [13]
O trabalho apresentado foi desenvolvido no
Resistência à flexão e à compressão EN 1015-11 [14]
âmbito de um projeto de investigação finan-
ciado pela FCT, denominado “IF_MORTAR”,
que resultou de uma parceria entre o Itecons
e o IST. Procedeu-se ainda à aplicação de uma ca- Imediatamente antes da aplicação da camada
mada de 1,5 cm da mesma argamassa sobre de revestimento, cada tijolo maciço e pedra
2. MATERIAIS E MÉTODOS uma das faces dos suportes de tijolo maciço calcária foram pulverizados com 33 e 75 ml
e pedra calcária. Para garantir a uniformidade de água, respectivamente, com auxílio de
A campanha experimental apresentada pre- e espessura do revestimento no momento da borrifador, para simular as condições reais
tende simular suportes e argamassas fre- aplicação foi utilizado um molde de madeira. normais de aplicação. Essas quantidades de
quentemente utilizadas em intervenções de água foram estabelecidas por não saturarem
reabilitação de edifícios antigos, nomeada- Após cura, essa camada de revestimento foi os suportes, e ainda considerando uma maior
mente argamassas (neste caso pré-doseada) destacada do respetivo suporte e foram cortados área superficial da pedra calcária em relação
de cal aérea aplicadas sobre suportes de tijolo provetes com as dimensões de 4 × 4 × 1,5 cm e ao tijolo maciço.
cerâmico maciço (21,6 × 10,2 × 5 cm) e pedra círculos de 1,5 × 10 cm. Desta forma, foi pos-
calcária (30 × 20 × 3,2 cm). Os tipos de supor- sível realizar a comparação do comportamento O procedimento de cura de todos os provetes
tes podem ser visualizados na figura 1. entre as diferentes condições impostas para as (moldados em moldes e aplicados nos supor-
argamassas. tes) obedeceram às condições referidas na
A produção da argamassa realizou-se de acor- EN 1015-11 [14], tendo sido armazenados em
do com a EN 1015-2 [6]. Seguidamente foram Em relação à preparação do suporte, proce- ambiente de laboratório a 20 ºC e 95% de HR
executados ensaios no estado fresco e foram deu-se à introdução de uma rede de fibra de durante 7 dias e os restantes dias a 20 ºC e
moldados provetes prismáticos de laboratório vidro com malha de 5 × 5 mm (Therm160, 65% HR até à data de ensaio. Os ensaios no
nas dimensões de 4 × 4 × 16 cm e provetes 158 g/m³) na superfície, como forma de au- estado endurecido foram realizados quando
circulares com espessura de 1,5 cm e 10 cm de xiliar o destacamento da camada de arga- completados 90 dias de idade.
diâmetro, para a avaliação das suas caracterís- massa aplicada. Foram também produzidos
ticas no estado endurecido. Os procedimentos suportes sem a utilização da rede, para pos- Para o caso dos ensaios de resistência à com-
utilizados nos ensaios estão apresentados na sibilitar a comparação dos resultados obtidos pressão foi realizado o capeamento nas faces
tabela 1. Salienta-se que a caracterização dos em ambas as situações, e verificar se os dos provestes destacados dos suportes (4 × 4
suportes foi executada seguindo os mesmos mesmos foram influenciados pela presença × 1,5 cm) com uma pasta de cimento contendo
procedimentos laboratoriais. Para a caracte- da rede. Na figura 2 apresenta-se a pedra 300 g de água e 700 g de cimento, para regu-
rização dos suportes foram realizados os se- calcária com a utilização da rede e aplicação larização das superfícies. Foram também pro-
guintes ensaios: massa volúmica e porosidade da argamassa de cal aérea, e o tijolo maciço duzidos provetes com as mesmas dimensões
aberta, absorção de água por capilaridade e sem a utilização da rede, demonstrando as destes (4 × 4 × 1,5 cm) a partir do corte de pris-
permeabilidade ao vapor de água. duas configurações referidas. mas, para melhor comparação dos resultados.

56 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


Seguidamente, apresentam-se os resultados menor (56%). Em relação à absorção de água 3.3 Argamassa no estado endurecido
obtidos nos ensaios de caracterização dos su- por capilaridade, o coeficiente apresentado
portes, e nos ensaios de caracterização das pelo tijolo maciço é 4,5 vezes maior que o da Para o estado endurecido foram determina-
argamassas, quer para os provetes produzi- pedra calcária. Por fim, a permeabilidade ao dos os parâmetros já referidos (tabela 1).
dos nos moldes normalizados de laboratório, vapor de água da pedra calcária, é 25% maior Foram ensaiados três provetes para cada
bem com para os provetes destacados dos que a do tijolo maciço. parâmetro. Na figura 3 ilustram-se alguns
respetivos suportes. dos procedimentos realizados nos ensaios
3.2 Argamassa no estado fresco dos provetes.
3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE
DOS RESULTADOS Após a produção da argamassa de cal aé- Na tabela 3 apresentam-se os resultados de
rea, foi medido o seu espalhamento e encon- massa volúmica e porosidade aberta para to-
3.1 Suportes trado um valor igual a 159 mm na mesa de dos os provetes ensaiados.
consistência. Esse valor está abaixo do que
Apresentam-se na tabela 2 os resultados obti- recomenda a EN 1015-3 (175 ± 10 mm para
dos nos ensaios de caracterização dos supor- massa volúmica superior a 1200 kg/m³) [7],
tes de tijolo maciço e pedra calcária. tendo em conta a massa volúmica encontra-
da no estado fresco de 1677 kg/m³. Porém,
Conforme observado, a pedra calcária possui ao realizar a amassadura, a consistência
3 | Ensaios de: absorção de água por capilaridade (a),
uma massa volúmica superior à do tijolo ma- indicada já apresentava condições de boa permeabilidade ao vapor de água (b) e resistência
ciço (22%), bem como uma porosidade aberta trabalhabilidade. à compressão (c).

3a 3b 3c

Tabela 2 | Caracterização dos suportes

Massa volúmica aparente Coeficiente de capilaridade Permeabilidade ao vapor de


Porosidade aberta (%)
(kg/m³) (kg/(m².s0.5)) água (kg/(m.s.Pa))
Suporte
Desv. Coef. Desv. Coef. Desv. Coef. Des. Coef.
Média Média Média Média
Pad. Var. (%) Pad. Var. (%) Pad. Var. (%) Pad. Var. (%)

Tijolo
1976,2 7,988 0,4 20,9 0,197 0,9 0,162 0,006 3,9 4,766E-12 1,932E-13 4,05
maciço

Pedra
2407,9 12,467 0,5 9,1 0,197 2,2 0,036 1E-03 2,8 5,963E-12 3,117E-13 5,23
calcária

P&C 70 | Janeiro > Junho 2021 | 57


CONREA’21

Tabela 3 | Ensaios de massa volúmica e porosidade aberta das argamassas

Massa volúmica aparente (kg/m³) Porosidade aberta (%)


Condição de ensaio
Rede
da argamassa
Média Desv. Pad. Coef. Var. (%) Média Desv. Pad. Coef. Var. (%)

Prisma - 1490,0 15,133 1 32,5 0,700 2,2

Prisma cortado - 1481,0 0,000 0 31,7 0,100 0,3

X* 1647,3 8,290 0,5 23,6 1,173 5


Tijolo maciço
- 1605,2 8,956 0,6 23,6 0,161 0,7

X* 1631,2 23,268 1,4 23,5 0,331 1,4


Pedra calcária
- 1618,8 15,032 0,9 19,0 0,201 1,1

*foi possível destacar 4 provetes dos suportes com rede.

A partir dos resultados obtidos para a mas- pos de provetes com rede e sem rede, para Avaliando os valores encontrados é possí-
sa volúmica aparente e porosidade aberta a porosidade aberta (17%). vel perceber a influência dos suportes de
pode-se perceber a semelhança entre os tijolo maciço e pedra calcária na argamas-
valores dos provetes das argamassas mol- Segundo Farinha et al. [15] a superficie do su- sa, onde os mesmos provocaram uma di-
dadas nos moldes prismáticos (1490 kg/m³ porte detentora de poros tende a absorver a minuição considerável dos coeficientes de
e 32,5%, respetivamente), e os que, embo- água de amassadura presente na composição absorção nos provestes de argamassa des-
ra moldados nos moldes prismáticos foram da argamassa fresca aplicada, tornando as tacados, quando comparados com os pro-
cortados nos tamanhos idênticos dos prove- argamassas mais compactas. Isso explica os vetes normalizados. Esta constatação res-
tes destacados (1481 kg/m³ e 31,7%, res- maiores valores encontrados de massa volú- salta o que já foi observado nos parâmetros
petivamente). A semelhança nos resultados mica aparente, bem como menor porosidade de massa volúmica e porosidade aberta.
também pode ser observada a respeito dos aberta nos provetes destacados dos suportes. Assim, quanto menor a porosidade aberta,
provetes destacados dos suportes. Verifica- Pode-se afirmar, que o suporte contribui para normalmente, menor será também o coefi-
-se ainda que o uso da rede para facilitar o uma alteração dessas propriedades. ciente de absorção de água capilar, embora
destacamento da camada de revestimento, este parâmetro seja também muito influen-
tem pouca influência nos resultados. Pode- Os resultados dos ensaios de absorção de ciado devido as características de porosi-
-se referir que foi na pedra calcária que se água por capilaridade e índice de secagem metria. A mesma tendência foi observada
verificaram maiores diferenças entre os ti- encontram-se na tabela 4. nos estudos de Torres, et al. [16].

Tabela 4 | Ensaios de absorção de água por capilaridade e índice de secagem das argamassas

Coeficiente de capilaridade (kg/(m².s0.5)) Indice de secagem


Condição de ensaio
Rede Desv. Coef. Var.
da argamassa Média Desv. Pad. Coef. Var. (%) Média
Pad. (%)
Prisma - 0,038 0,0022 5,8 0,253 0,0119 5

Prisma cortado -* 0,025 0,0016 6,4 0,206 0,0120 6

X* 0,007 0,0008 11,9 0,198 0,0107 5


Tijolo maciço
- 0,011 0,0016 14,9 0,155 0,0024 1,5

X 0,005 0,0002 2,9 0,193 0,0191 10


Pedra calcária
- 0,006 0,0004 6 0,137 0,0140 10

* e X* = 4 provetes.

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Tabela 5 | Ensaios de permeabilidade ao vapor de água das argamassas

Condição de ensaio
Rede Média (kg/(m.s.Pa)) Desv. Pad. Coef. Var. (%)
da argamassa

Circulos - 1,312E-11 4,757E-13 3,63

X 9,533E-12 5,167E-13 5,42


Tijolo maciço
- 1,161E-11 2,868E-13 2,47

X 1,278E-11 6,285E-13 4,92


Pedra calcária
- 1,363E-11 3,577E-13 2,6

A partir do ensaios de permeabilidade ao va- Essa tendência já era esperada, pois uma como: tipo de suporte, tipo de ligante, tipo de
por de água foi possível obter a tabela 5. maior massa volúmica e menor quantidade de agregado, superfície do suporte, ambiente de
poros induzem a uma maior resistência me- cura, idade de ensaio, entre outros.
Ao analisar o coeficiente de permeabilidade cânica, devido a porosidade apresentada pelo
ao vapor de água constata-se novamente que suporte [18, 19]. Como visto, após a aplicação da argamassa
argamassas aplicadas nos suportes, destaca- fresca em uma das faces do suporte, o mes-
das e posteriormente ensaiadas são influen- 4. CONCLUSÕES mo inicia o processo de sucção da água de
ciadas pelos suportes. Neste caso, os prove- amassadura e das partículas de menores
tes destacados do suporte de tijolo maciço Conforme observado nos resultados expostos, dimensões nela dissolvidas, e consequente-
obtiveram os menores valores nos ensaios. confirmam-se as alterações no comportamento mente a tendência de melhorar o seu compor-
Isso pode estar a ocorrer devido à maior mas- da camada de revestimento aplicada na super- tamento através de: maior densidade, imper-
sa volúmica apresentada por esses provetes, cíficie do suporte. Os resultados demonstraram meabilidade e resistência.
conforme verificado anteriormente. que as argamassas aplicadas nos suportes au-
mentaram a sua massa volúmica, diminuíram a O suporte de tijolo maciço tem maior porosi-
O resultado médio de resistência à flexão e porosidade aberta, coeficiente de capilaridade, dade e apresentou um maior coeficiente de
à compressão encontra-se representados na bem como sua permeabilidade ao vapor de capilaridade, ou seja parece provocar o efeito
tabela 6. O resultado médio de resistência à água, quando comparados com os provetes de sução maior. Porém, no caso da argamas-
flexão encontrado (0,7 MPa) está de acordo normalizados moldados em moldes metálicos. sa aplicada, a pedra calcária aparenta maior
com o que Veiga [17], definine como requisito influência nos provetes, principalmente no en-
para substituir argamassas de cal aérea em A campanha experimental produzida, sem o saio de resistência à compressão. Esta situa-
edifícios antigos (0,2 MPa a 0,8 MPa). uso da rede, permitiu confirmar a pouca in- ção poderá ficar a dever-se às dimensões dos
fluência do material que foi utilizado para facili- poros que podem influenciar a capacidade de
Em relação ao ensaio de resistência à com- tar o destacamento das argamassas dos seus absorção dos suportes. Esta situação irá ser
pressão, o valor médio encontrado neste estu- respetivos suportes. A partir dos resultados foi analisada brevemente com a execução de en-
do (3,4 MPa) está acima do encontrado pelos realizado um tratamento estatístico dos valo- saios de porosimetria.
autores Torres, et al. (2,9 MPa) [18]. res, porém não apresentado neste estudo, em
função de não ser o objetivo do mesmo. Nesta investigação o foco foi analisar o com-
Ao analisar os resultados do ensaio de resis- portamento de argamassa de cal aérea pré-
tência à compressão são notórios os valores Estas mesmas tendências foram já observa- -doseada aplicada em suportes de tijolo maci-
mais elevados encontrados nos provetes que das em campanhas anteriormente realizadas, ço e pedra calcária, destacando a importância
foram destacados dos suportes. Verifica-se pois este trabalho é a parcela de um projeto dessas evidências, para o caso de interven-
ainda que o suporte de pedra calcária apre- de investigação de maior amplitude, denomi- ções em edifcíos antigos, sendo este tipo de
sentou maior influência nos provetes, ele- nado por “IF_MORTAR”, em que o Itecons e construção existente em maior porporção no
vando ainda mais os valores da resistência à o IST são parceiros. O projeto tem como ob- país. O que se pode desde já concluir é que
compressão (21,8 MPa), quando comparados jetivo geral analisar a influência dos suportes se verificam alterações nas propriedades das
com os obtidos para o suporte de tijolo maci- no comportamento das argamassas. Logo, argamassas e que essas alterações depen-
ço. Essas diferenças atingem cerca de 41%. diferentes condições estão a ser analisadas dem do tipo de suporte.

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CONREA’21

Versão resumida do artigo

Tabela 6 | Ensaios de resistência à flexão e à compressão

Resistência à flexão Resistência à compressão


Condição de ensaio
da argamassa Rede Média Desv. Pad. Coef. Var. (%) Média Desv. Pad. Coef. Var. (%)

Prisma** - 0,7 0,038 5 3,4 0,614 18


Prisma cortado -* - - - 10,5 4,328 41
X* - - - 15,5 10,388 67
Tijolo maciço
- - - - 10,9 5,381 49
X - - - 21,8 6,588 30
Pedra calcária
- - - - 11,1 3,523 32

Prisma** = para compressão foram 6 provetes (metades); -* e X* = Prisma cortado e Tijolo maciço com rede: 4 provetes.

AGRADECIMENTOS REFERÊNCIAS [11] EN 16322. 2013, Conservation of Cultural Heri-


tage; Test methods; Determination of drying proper-
[1] Veiga, R. (2017). Air lime mortars: what else do ties. Brussels: CEN.
O estudo apresentado foi realizado no âmbito we need to know to apply them in conservation and
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do projeto IF MORTAR (POCI-01-0145-FE-
Build. Mater., 157, pp. 132-140, 10.1016/j.conbuild- for masonry – Part 19: Determination of water vapour
DER-032223 /PTDC / ECI-EGC / 32223/2017), mat.2017.09.080. permeability of hardened rendering and plastering
no âmbito do programa Portugal 2020, financia- mortars. Brussels: IPQ.
[2] Veiga, R.; Fragata, A.; Velosa, A.L. et al. (2010).
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Os autores agradecem ao CERIS , unidade de renders in historical buildings. Int. J. Architect. Herit., formance of building materials and products – De-
4, pp. 177-195, 10.1080/15583050902914678. termination of water vapor transmission properties.
investigação do IST. O agradecimento esten- Brussels: ISO.
de-se à FCT pelo apoio financeiro com a Bolsa [3] Fang, S.; Zhang, K.; Zhang, H.; Zhang, B. (2015).
A study of traditional blood lime mortar for resto- [14] EN 1015-11. 2019, Methods of test for mortar
de Investigação de referência BI/01/2021/IF ration of ancient buildings Cement Concr. Res., 76, for masonry – Part 11: Determination of flexural and
MORTAR pp. 232-241, 10.1016/j.cemconres.2015.06.006. compressive strength of hardened mortar. Brussels:
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[4] Faria, P.; Henriques, F.; Rato, V. (2008). Compar-
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Isaia. Materiais de Construção Civil e Princípios de Civil, UM, Número 53.
Ciência e Engenharia de Materiais, (3.ª Ed.). São
Paulo: IBRACON, v. 2, cap. 28, p. 922-966. [16] Torres, I.; Flores-Colen, I., Braz, J. (2020). Com-
portamento de argamassas de cal aplicadas sobre
[6] EN 1015-2. 1998, Methods of test for mortar for tijolo maciço e pedra calcária. ENCORE 2020 4.º
masonry – Part 2: Bulk sampling of mortars and Encontro de conservação e reabilitação de edifícios.
preparation of test mortars. Brussels: CEN. Lisboa e LNEC.

[7] EN 1015-3. 1999, Methods of test for mortar for [17] Veiga, M.R.; Aguiar, J.G.; Santos Silva, A.
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Caparica: IPQ.
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of water absorption coefficient by partial immersion. nal of Building Engineering. https://doi.org/10.1016/j.
Brussels: ISO. jobe.2020.101806.

60 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


Conservação do
património em betão
Definição de argamassa de restauro para a
Piscina das Marés, em Leça da Palmeira,
de Álvaro Siza
Judite Miranda CERIS, Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, DECivil, judite.botas@tecnico.ulisboa.pt

Jónatas Valença CERIS, Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, DECivil, jonatas.valenca@tecnico.ulisboa.pt

Hugo Costa CERIS, Instituto Politécnico de Coimbra, Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, hcosta@isec.pt

Eduardo Júlio CERIS, Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, DECivil, eduardo.julio@tecnico.ulisboa.pt

resumo
A comunidade técnica começa a ficar sensibilizada para a necessidade de conservar o património em
betão. Com efeito, todas as reparações devem ser realizadas com exigências de restauro. Uma das
principais dificuldades consiste em atingir compatibilidade cromática e de textura e acabamento entre as
argamassas aplicadas e as superfícies a restaurar. Os casos em que essas intervenções são bem sucedidas
têm sido alcançados graças ao conhecimento empírico dos técnicos que as realizam. Assim, a definição
e sistematização de métodos de restauro, recorrendo à tecnologia atualmente disponível, deve ser um
objetivo, ao qual se deve dar especial atenção.
Este trabalho apresenta um método de restauro de superfícies em betão aparente que contempla as seguintes
etapas principais: (i) caracterização cromática das superfícies, através de processamento de imagem; (ii)
formulação de argamassas de restauro, adicionando pigmento a uma argamassa de referência, para atingir
compatibilidade cromática; (iii) aplicação das argamassas de restauro, de forma a atingir a compatibilidade
de textura e de acabamento. Este método foi inicialmente calibrado e validado em laboratório, estando
atualmente a ser aplicado a construções existentes, consideradas como casos de estudo. A título de exemplo,
são apresentados os resultados alcançados no caso da Piscina das Marés, em Leça da Palmeira, da autoria
do arquitecto Álvaro Siza Vieira.

palavras-chave património em betão . argamassa de restauro . cor . textura

1. INTRODUÇÃO deve dar especial atenção. Adicionalmente, dagens mais específicas, o Color Concrete
importa também caracterizar o comporta- Restoration (CCR) Method, para a caracteri-
A conservação do património em betão é mento do restauro ao longo do tempo. Nes- zação cromática e aplicação de argamassas
uma preocupação actual. Com efeito, todas te sentido, as intervenções de restauro de de restauro em superfícies de betão colorido
as reparações devem ser realizadas com Património em Betão podem beneficiar do [9], e o Gray Concrete Restoration (GCR)
exigências de restauro. Uma das principais conhecimento consolidado das técnicas de Method, para definir e aplicar argamassas de
dificuldades consiste em atingir compatibili- restauro aplicadas noutras áreas, como na restauro em superfícies de betão cinzento
dade cromática e de textura e acabamento pintura de cavalete, escultura, pintura mu- [10]. As duas abordagens referidas aplicam
entre as argamassas aplicadas e as super- ral e pedra [1-4], as quais podem servir de processamento de imagens para a caracteri-
fícies a restaurar. Os casos em que essas ponto de partida para o desenvolvimento e zação cromática das superfícies.
intervenções são bem sucedidas têm sido definição de procedimentos a aplicar. Desde
alcançados graças ao conhecimento empí- o início do século XXI têm surgido algumas Neste artigo, o GCR-method, anteriormente
rico dos técnicos que as realizam. Assim, a metodologias e abordagens para intervenção calibrado e validado em laboratório, foi aplica-
definição e sistematização de métodos de em Património em Betão [5-7]. Mais recente- do no restauro de uma superfície da Piscina
restauro, recorrendo à tecnologia atualmente mente, foi desenvolvido um novo conceito de das Marés, em Leça da Palmeira, Matosinhos.
disponível, deve ser um objetivo ao qual se Patch Restoration Method [8] e duas abor- A Piscina das Marés, construída na década de

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CONREA’21

1a 1b

2a 2b 2c

1960, e inaugurada em 1966, foi projectada ainda ser personalizada consoante a classe 1 | (a) Argamassas teste; (b) evolução do
brilho (V) das argamassas teste.
pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira, tendo sido de exposição ambiental em que está inserida.
classificada em 2006 como Monumento Na- 2 | Validação GCR-method em laboratório:
(a) painel danificado; (b) aplicação da
cional. Os resultados obtidos evidenciaram a 3. Aplicação de argamassas de restauro
argamassa de restauro definida; (c) resultado
capacidade do método proposto para a defi- A aplicação das argamassas implica a repro- final após acabamento com reintegração
nição cromática da argamassa de restauro, dução do acabamento da superfície adjacente cromática.

permitindo intervenções de elevada qualidade ao restauro. Este pode ser atingido com recur-
em superfícies de betão cinzento. so a várias técnicas, cuja aplicação deve ser
avaliada caso a caso.
2. METODOLOGIA
4. Avaliação cromática do restauro, por 3. PISCINA DAS MARÉS
O GCR-method, desenvolvido para o restauro processamento de imagem
de superfícies de betão aparente, está dividi- Esta etapa permite a caracterização cromáti- 3.1 Descrição da estrutura
do nas seguintes etapas principais [10]. ca do restauro efectuado e da superfície origi-
nal, comparando os parâmetros de cor entre A ‘Piscina das Marés’ situa-se na linha costei-
1. Caracterização cromática da superfície as duas superfícies. ra do Atlântico, em Leça da Palmeira, Matosi-
a restaurar, por processamento de imagem nhos. A memória descritiva do primeiro projeto
Esta etapa permite a caracterização cromática 5. Reintegração cromática nas áreas de in- data de 1960, fazendo parte do ‘Plano de Valo-
das superfícies, para que se possa relacionar tervenção rização da Orla Marítima’, sendo o projecto da
os parâmetros de cor com a percentagem de Esta última etapa aplica técnicas específicas autoria do prémio Pritzker Álvaro Siza Vieira.
pigmentos a adicionar à argamassa de refe- para reintegração da superfície restaurada e
rência para produzir a argamassa de restauro. da zona de transição entre a superfície original Classificada como Monumento Nacional, a
A calibração desta etapa requer o cálculo da e a restaurada. As técnicas a aplicar devem ser ‘Piscina das Marés’ inclui duas piscinas de
correlação entre esses parâmetros, como no selecionadas consoante o caso. água salgada, vestiários e balneários e um
exemplo apresentado na figura 1. bar, todos em estrutura de betão aparente (fi-
O GCR-method foi inicialmente calibrado e gura 3a), exibindo a sua superfície as tábuas
2. Formulação das argamassas de restauro validado em laboratório em painéis de facha- de madeira da cofragem (figuras 3b-d). A es-
A argamassa de restauro é produzida adicio- da que foram previamente danificados, for- trutura integra-se harmoniosamente na pai-
nando pigmentos a uma argamassa de repa- mando uma região assimétrica para restauro. sagem marcada pelas rochas nas quais se
ração cinzenta de referência. A argamassa de Para exemplificar o método acima descrito, na insere (figura 3b). As coberturas são consti-
referência é especificada e apresenta todas figura 2 são apresentadas algumas das eta- tuídas por estruturas de madeira, revestidas
as características mecânicas e de durabili- pas principais para o restauro dos referidos com chapas de cobre, aplicadas sobre telas
dade de uma argamassa de reparação. Pode painéis. asfálticas.

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3a

3b

3c 3d

3.2 Superfície a intervencionar 3.3 Aplicação do GCR-method 3 | Piscina das Marés: (a) vista geral;
(b) e (c) estrutura em betão aparente;
(d) acabamento com cofragem de madeira.
A zona selecionada para restauro através do 3.3.1 Caracterização da
GCR-method está localizada no corredor de superfície a restaurar
acesso aos vestiários (figura 4). Esta apre-
sentava destacamento do betão, provocada A caracterização cromática das superfícies
pela corrosão das armaduras, bem como foi realizada através de processamento de
armaduras expostas já fortemente corroídas imagem utilizando os espaços de cores HSV
(figura 4c). Apresentava ainda manchas de (Hue (Matiz), Saturation (Saturação), Light-
diversas origens, como sujidade, humidade ness (Brilho)) e CIELAB de acordo com o
e escorrências de corrosão. A variação cro- procedimento descrito em [10]. No caso de
mática da superfície do betão é condicionada betão cinzento, é considerado o parâmetro
pela presença dessas manchas (figura 4c). cromático V (brilho) para correlacionar com a paração de referência, permitiu estimar a
Sendo uma zona com elevada exposição aos percentagem de pigmento a adicionar (figura percentagem de pigmento a utilizar na arga-
cloretos provenientes do mar, a argamassa 5a). A curva de tendência, que representa a massa de restauro a aplicar na zona a inter-
de restauro foi especificada e formulada para evolução dos tons de cinza das argamassas vencionar. O valor de V medido indica a pro-
obter os adequados desempenhos mecâni- teste de restauro, em função da percentagem dução de uma argamassa de restauro com
cos e de durabilidade. de pigmento adicionada à argamassa de re- adição de 4% de pigmento preto (figura 5b).

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CONREA’21

4a 4b 4c

5a 5b

3.3.2 Definição e produção tração de cloretos, a argamassa foi formulada 4 | Piscina das Marés: (a) localização da
zona a intervencionar; (b e c) patologias da
da argamassa de restauro com a relação A/C de 0,5 e com adição de po-
superfície a restaurar.
zolana natural moída e de microfiller calcário,
A correlação obtida para a calibração do mé- por substituição parcial de cimento, promo- 5 | Caracterização cromática: (a) zona a
intervencionar; (b) correlação entre parâmetro
todo (figura 1b), tendo em consideração o vendo a pozolana comprovados aumentos na cromático V e a percentagem de pigmento
brilho (V), foi a utilizada para ajuste da cor da resistência à penetração de cloretos [11]. adicionada.
argamassa de restauro. Dado que na adição
de pigmento preto, entre as proporções de 3.3.3 Validação da argamassa de restauro
2.5% a 4%, existe uma variação reduzida do
parâmetro V, optou-se por incorporar 3% de A validação da argamassa de restauro foi
pigmento na argamassa de restauro. Assim, realizada através da comparação cromática
no caso da compatibilidade cromática não ser realizada entre a superfície a intervencionar
perfeita, a argamassa de restauro será mais e a argamassa de restauro selecionada (figu-
clara do que a superfície a restaurar. Este ra 6). Os resultados obtidos estão resumidos
procedimento permite realizar eventuais cor- na tabela 1. O brilho (V) apresenta valores
recções pontuais, dificilmente aplicáveis se a de cerca de 57% em ambas as superfícies,
cor da argamassa ficar mais escura do que com diferenças entre a superfície e a amostra
a superfície a restaurar. Adicionalmente, faci- de 0,56 %. A diferença de cor (ΔE00) entre a
lita a aplicação de velaturas para replicar as superfície e a argamassa produzida foi igual-
manchas existentes na superfície envolvente. mente medida no espaço de cor CIELAB [10].
Neste caso, foi aplicada posteriormente uma Neste âmbito, importa referir o valor JND (Just
velatura com pigmento amarelo para que a cor Noticeable Difference) de 2,3, que representa humano (tabela 1). De acordo com os re-
ficasse uniforme com as manchas da superfí- o limite para o qual as diferenças de cor não sultados da avaliação (V) no espaço de cor
cie. O acabamento da amostra foi realizado a são perceptíveis ao olho humano. [12-15]. HSV, e a diferença de cor ΔE00 no espaço
pincel, mas na aplicação final o mesmo será CIELAB, pode afirmar-se que não é precep-
efectuado com cofragem de madeira de pinho A diferença de cor ΔE00 medida entre a su- tivel nenhuma variação de cor entre a super-
não aparelhada para, reproduzir a textura da perfície e a argamassa de restauro foi de fíciede betão e a argamassa proposta para o
superfície. Devido à forte exposição à pene- 1,24, ou seja, não detectável para o olho seurestauro (figura 5).

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6a 6b

Tabela 1 | Avaliação cromática de comparação e classificação

3.3.4 Preparação do subtrato restauro específica, conseguida através da 6 | Comparação entre superfície a restaurar
e argamassa de restauro: (a) vista global;
e proteção e reforço das armaduras adição de pigmentos a uma argamassa de
(b) pormenor.
restauro cinzenta de referência. O método
Definiu-se uma zona rectangular para remo- garante que a argamassa é aplicada de for-
ção da camada de betão fendilhado, des- ma a ficar com compatibilidade cromática e
tacado e manchado pela corrosão. Após a com um acabamento idêntico à superfície
remoção do betão, a armadura do betão foi envolvente, comprovada em amostras de
escovada com escova de aço e foi aplicada validação. Neste caso, optou-se por execu-
uma pintura de protecção contra a corrosão. tar a textura através de cofragem provisória,
Adicionalmente foram preparados varões de composta por tábuas de madeira serrada.
reforço longitudinais e transversais em aço As técnicas de reintegração cromática apli-
A500 NR SD com banho de galvanização, os cadas na zona de transição permitem ate-
quais foram aplicados ao suporte através de nuar a diferença cromática entre a argamas-
furação e de fixação com resina epoxídica (fi- sa aplicada e a superfície de betão, aplican- Os resultados alcançados na obtenção da
gura 6). A formulação de uma argamassa de do técnicas de velaturas com pigmentos na solução da superfície avaliada na Piscina
elevada resistência à penetração de cloretos, argamassa de restauro. O método permite das Marés demonstram que o GCR-method
combinada com a protecção das armaduras obter a desejada compatibilidade cromática permite realizar a caracterização cromáti-
existentes e adicionadas contra a corrosão, e de textura de acabamento, de forma a que ca da superfície a intervencionar e definir a
garantem elevada protecção e promovem o as intervenções não sejam perceptíveis ao argamassa de restauro a aplicar. Adicional-
aumento da durabilidade. olho humano. A caracterização cromática mente, importa referir que as argamassas
é realizada através do processamento de produzidas apresentam todos os requisitos
4. CONCLUSÕES imagem, utilizando o sistema de cores HSV, mecânicos e de durabilidade de uma arga-
que permite medir a cor em três componen- massa de restauro, além de cumprirem com
O trabalho apresenta um método inovador tes: Matiz (H), Saturação (S) e Brilho (V). exigentes requisitos cromáticos e estéticos
de restauro de superfícies de betão aparen- Esses parâmetros permitem, através de cor- requeridos no caso da Piscina das Marés.
te, que consiste na caracterização cromática relações do método desenvolvido, estimar o O GCR-method demonstra assim ser uma
da superfície a ser restaurada, consequente acerto da cor na matriz de argamassa, adi- ferramenta extremamente útil e eficaz para o
definição, produção de uma argamassa de cionando pigmentos. restauro de património em betão.

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CONREA’21

Versão resumida do artigo

AGRADECIMENTOS [6] Gaudette, P. (2000). Special considerations in [13] Robertson, A.R. (2007). Historical development
repair of historic concrete-concrete repair Bulletin, of CIE recommended color difference equations.
January/February 12-13. Color Res. Appl., 15(3) pp. 167–170.
Os autores agradecem o apoio dado pela
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FCT, através da bolsa de doutoramento ref. servation-the Baha’i house of worship, Construção- Farbmetrische Bestimmung von Farbabstanden bei
SFRH/BD/118428/2016 e do projecto CEE- -Mag. 44, pp10-16. Korperfarben nach der CIELAB-Formel, Beuth Ver-
lag, Berlim und Koln, 1979.
CIND/04463/2017 [8] Valença, J. et al. (2015) Patch restoration me-
thod: A new concept for concrete heritage. Cons- [15] M. R. Luo, G. Cul, B. Rigg. (2000). The deve-
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http://www.ge-iic.com/ojs/index.php/revista/article/ properties.74th Rilem Annual Week e 40th cement
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chnical Report.

66 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


Reabilitação adaptativa
de caixilharias
Três projectos
Juliano Ribas Nuno Valentim Arquitectura e Reabilitação, Lda., juliano.ribas.silva@gmail.com

Nuno Valentim Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto/CEAU, nunovalentim@arq.up.pt, Nuno Valentim Arquitectura e
Reabilitação, Lda., mail@nunovalentim.com

resumo
Nos projetos de reabilitação em contexto patrimonial a intervenção nos vãos envidraçados é um desafio ao
conhecimento arquitectónico e construtivo. As caixilharias existentes a reabilitar possuem uma diversidade
de tipo, de funcionamento, de geometria e de valor patrimonial a considerar nas decisões de projecto.
A crescente consciência energético-ambiental surge frequentemente como uma problemática inconciliável
com o desígnio de manutenção e preservação destes elementos identitários do edificado existente das
cidades consolidadas.
O presente artigo regista três estratégias de actuação, a partir do cruzamento de três projectos, com
o objectivo de documentar princípios de reabilitação adaptativa – onde, num único projecto para um
mesmo edifício, poderão considerar-se diferentes formas de actuação, consoante a natureza do vão, o seu
funcionamento, a orientação solar, as exigências ligadas ao uso do espaço contíguo, o valor patrimonial em
causa e o estado de conservação do mesmo.
A análise crítica da situação existente – do levantamento ao diagnóstico e a sua interpretação – é o suporte
para o processo de decisão de projecto nos presentes casos de estudo. Documentam-se os processos de
reabilitação dos vãos exteriores em madeira num conjunto de prédios de rendimento da Fundação Instituto
Marques da Silva, assim como a reabilitação dos vãos exteriores do Mercado do Bolhão e a reabilitação dos
vãos exteriores da Casa Ricardo Severo.
As referidas propostas de intervenção sintetizam uma diversidade de estratégias, decorrentes da
compreensão do valor das caixilharias no interior do projecto, percorrendo um gradiente que vai do
restauro/repristino ao redesenho em analogia de uma nova caixilharia.

palavras-chave reabilitação adaptativa . projecto . FIMS . Casa Ricardo Severo . Mercado do Bolhão

1. INTRODUÇÃO – CONCILIAR A complexidade desta questão aponta para mento durável, pela preservação de recursos
O DIVERGENTE valores aparentemente inconciliáveis – a pre- naturais e culturais insubstituíveis” [1].
servação do património e a resposta energé-
Qual o nível de transformação aceitável de um tico-ambiental. No entanto, o presente artigo O reconhecimento de valor sugere a necessida-
elemento que poderá ter valor, perante uma procura documentar soluções de conciliação: de de desenvolver “as possibilidades e os meios
exigência regulamentar/programática (saben- de pesar caso a caso os interesses públicos às
do que esta exigência está em permanente “O desafio patrimonial e o desafio energético vezes divergentes entre os dois domínios en-
actualização/avaliação e que depende do nível são ambos legítimos, respondem fundamen- contrando soluções construtivas” [1]. A definição
cultural de cada país e da hierarquia de valores talmente, à mesma preocupação e perse- de “um pensamento-síntese que transcenda os
que aceita)? guem o mesmo objectivo: suster o desenvolvi- pontos de vista habitualmente inconciliáveis” [2].

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CONREA’21

2. ENQUADRAMENTO É no interior da definição de património apre- proposta procura conciliar e sintetizar a multi-
sentada que se enquadram os casos de estu- plicidade de conceitos (como a autenticidade,
2.1 Sobre o valor patrimonial do que compõem o artigo a reabilitação dos a memória, história, intrusividade, programa,
das caixilharias existentes vãos exteriores num conjunto de prédios de referências) que instruem o processo de de-
rendimento da Fundação Instituto Marques cisão do projecto nos presentes casos de es-
A preocupação e actuação para recuperar da Silva (FIMS); a reabilitação dos vãos exte- tudo [5].
valores do passado fazem parte de um pro- riores da Casa Ricardo Severo; a reabilitação
cesso de séculos que progrediu e ganhou dos vãos exteriores do Mercado do Bolhão. Como refere Martin Boesch “cada projeto de-
corpo através do pensamento e da prática de mostrará a necessidade de uma abordagem
arquitectos, historiadores, filósofos, políticos... 2.2 Estudo de casos ‘caso a caso’; cada edifício existente constitui
A partir do século XIX a noção de valor trans- um ‘ponto de partida’ específico, apesar da
cende o património erudito, monumental e da São analisadas três estratégias de intervenção, idade ou valor histórico, a riqueza do projecto
obra isolada para passar a valorizar os con- cruzando três projectos – distintos em escala, vem da habilidade do arquitecto evitar estra-
juntos edificados e a cidade antiga, posta em exigência programática, estado de conserva- tégias dogmáticas ou pré-concebidas, com-
causa pela revolução industrial [3]. ção e nível de protecção patrimonial – com o preendendo as qualidades e regras das cons-
objectivo de demonstrar princípios de reabilita- truções existentes, procurando a continuidade
Para o presente estudo importa definir, que ção adaptativa. Este principio considera para o ou reinterpretando-as cuidadosamente” [6].
hoje, à luz da evolução do conceito de patrimó- mesmo edifício, diferentes formas de actuação,
nio, podemos afirmar inequivocamente que no dentro do mesmo projecto, consoante a nature-
edificado urbano corrente reconhecem-se va- za do vão, o seu funcionamento, a orientação
lores patrimoniais que exigem um enquadra- solar, as exigências ligadas ao uso do espaço
mento específico face à construção de raiz e contíguo, o valor patrimonial em causa e o es-
face ao património monumental e classificado. tado de conservação do mesmo.
Assim, torna-se essencial a compreensão dos
valores pré-existentes e determinantes para a A análise crítica da situação existente – do
solução de projecto. Só com a capacidade de levantamento ao diagnóstico e a sua interpre-
identificar o valor face a um novo programa se tação – identificando valores (e não-valores)
poderá, como Chemillier afirma, estabelecer o existentes é determinante para as interven- 1 | Nível de protecção legal associado aos
limite da aproximação regulamentar nas ques- ções neste contexto patrimonial. A abordagem três casos de estudo seleccionados.
tões culturais [4].

Podemos assim considerar que as caixilharias


e portas existentes são elementos arquitectó-
nicos e construtivos de enorme importância e
valor, seja na leitura do edifício, seja na leitura
de conjunto da cidade consolidada. Estes ele-
mentos são o prolongamento natural do dese-
nho da própria fachada, corolário lógico de um
sistema construtivo coerente e identitário, de
grande repetição nos seus componentes, mas
com variantes (ligadas, por exemplo, ao tipo
de madeira e aos elementos decorativos) [5]. 1

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2

Os projectos em análise sintetizam estratégias, 1. O conjunto dos três edifícios apresenta so- 2 | Excerto do diagnóstico
resolutivo dos edifícios da FIMS.
decorrentes da compreensão do valor das cai- luções de caixilharia de madeira diferenciadas
xilharias no interior do projecto, um gradiente – estimamos cerca de 12 vãos tipo, num con-
que vai do restauro/repristino ao redesenho em junto de 110 vãos a intervencionar (excluindo
analogia de uma nova caixilharia e que pode os vãos térreos).
ser resumido em três acções gerais, que com-
portarão matizes e cruzamentos entre si: 2. O estado de degradação e programa inte-
rior é muito diverso (habitação, alojamento lo-
A. Reabilitar as portas e janelas existentes cal, escritórios, arquivos, etc), corresponden-
mantendo os seus componentes e apenas do a diferentes níveis de exigência de conforto
substituindo elementos degradados – restau- que importa avaliar.
ro/reabilitação
B. Substituir caixilharia dissonante pela origi- 3. Será necessária uma solução ajustada a
nal – reposição/repristino cada uso, conciliando estado de conservação,
C. Substituir a caixilharia adaptando o de- expressão da fachada, programa em causa e
senho das janelas existentes com melhorias tipo/antiguidade do vão (que poderá ser res-
no seu desempenho – reinterpretação/rede- tauro, reabilitação, reinterpretação ou introdu-
senho em analogia ção de uma segunda caixilharia) [7].

3. CASOS DE ESTUDO O levantamento e o diagnóstico, vão a vão,


além de possibilitar a definição das exigên-
3.1 FIMS, Rua Ferreira Borges n.º 69, cias de conforto associadas a cada progra-
Porto (2015-2017) ma (figura 2), permitiu verificar que mais de
50% dos vãos a intervencionar necessitariam
A visita aos edifícios da Fundação Instituto apenas de um tratamento parcial – como a
Marques da Silva, na Rua Ferreira Borges, afinação das ferragens, a desmontagem e
após o convite para elaboração do projecto de limpeza, a substituição de peças degradadas
reabilitação dos vãos exteriores evidencia um (próteses), o tratamento de juntas de ligação
conjunto de vãos muito diversificado, quer pela com o contorno e ajustes ao aro/mata-juntas,
idiossincrasia própria, como pela exigência do traduzindo-se numa melhoria significativa
programa associado, conforme enunciado da da vedação, estanquidade e durabilidade da
proposta de trabalho apresentada à FIMS: caixilharia existente.

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CONREA’21

3 4

3 | Fotografia do conjunto – Abril 2021. A inserção do conjunto numa zona históri- rios/arquivos, mas que também se adap-
4 | Pormenor – vãos tipo C1 e C2.
ca (figura 3), a análise de valor associado ta às exigências de conforto de fracções
às caixilharias e o seu estado de conser- destinadas ao alojamento local, através da
5 | Plantas de quatro dos vãos tipo.
Esquema com cores convencionais. vação permitiu uma estratégia adaptativa, adição de uma nova caixilharia pelo interior
que procura ponderar o valor patrimonial (figuras 4 e 5). Outro exemplo desta adap-
da matéria existente com as necessida- tação são os vãos C2 e C4, que respon-
des – sobretudo térmicas e acústicas – dos dem a exigências de conforto semelhantes,
vários programas no edifício. Assim pode- alterando a estratégia da nova caixilharia,
remos encontrar para o mesmo vão solu- segundo a posição da caixilharia existente
ções diferentes, como se verifica no vão (figura 5).
C1 (representativo do conjunto) (figura 5)
que admite apenas um restauro quando o
programa do espaço contíguo são escritó-

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6 7

3.2 Casa Ricardo Severo, Rua Ricardo época, o reflexo de uma vontade de “reunir 6 | Fotografia da Casa Ricardo Severo.
Início do século XX.
Severo n.º 21-83, Porto (1902-1904; 2019-) num schema do nosso tempo tudo o que suas
viagens pelo país lhe sugeriram de bello, de 7 | Parcial Fachada Sul. 2020.

A inspecção, diagnóstico e consultoria à pittoresco e de lógico” [8]. Assim, reconhe- 8 | Excerto do levantamento de ferragens.
reabilitação de caixilharias exteriores da cemos que “o ecletismo é a linguagem que
Casa Ricardo Severo surgem integrados unifica e estrutura o discurso da casa da rua
num projecto geral de conversão do mesmo do Conde (actual Rua Ricardo Severo) – nela
edifício em boutique hotel, coordenado pelo reconhece-se a polifonia” [9]. O emprego si-
arquitecto Carlos Prata. multâneo ou “colagem” das várias referências
tem especial evidência na composição das fa-
Construída entre 1902 e 1904, a casa do ar- chadas (figura 6) e na diversidade do desenho
queólogo e engenheiro Ricardo Severo, pro- dos vãos e elementos associados (como as
jectada pelo próprio, é, conforme descrito na ferragens) (figuras 7 e 8).

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CONREA’21

10

9 | Plantas da solução inicial A análise crítica – do levantamento ao diag- objectivo de garantir as exigências de confor-
para o vão tipo – batente.
nóstico resolutivo – orientada pela exigência to térmico e acústico dos espaços contíguos
10 | Desenho de trabalho da programática do projecto geral (“boutique (figura 9).
reunião com o fabricante. Perfil
original e o perfil industrial hotel”) organizou os 78 vãos exteriores em
certificado, o desenho à mão duas categorias gerais: 49 vãos ligados a zo- Esta proposta foi recusada pelo dono de obra
levantada representa a solução
de compromisso encontrada.
nas sociais e serviços, sem necessidade de devido ao espaço ocupado pela segunda cai-
cuidado acústico e térmico; 29 vãos associa- xilharia e pela necessidade de obter uma ga-
dos a quartos, com maiores exigências térmi- rantia através da utilização de uma caixilharia
cas e acústicas. A primeira categoria previa o certificada (figura 10). A reinterpretação do de-
restauro ou repristino dos vãos, conforme o senho original, com a inclusão de vidro duplo
desenho original, melhorando as vedações, e vedantes, levando ao limite as espessuras
substituindo peças degradadas e mantendo dos perfis industriais, foi a solução encontrada
o vidro simples. A segunda previa a adap- para responder às exigências programáticas e
tação da caixilharia existente, adicionando preservar a diversidade de desenho caracte-
uma segunda caixilharia pelo interior, com o rística dos vãos da Casa Ricardo Severo.

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11 12

13

3.3 Mercado do Bolhão, Porto sua função. Esta acção transformadora, mas 11 | Mercado do Bolhão, anos 20,
século XX.
(1914-1917; 2014-) atenta ao património existente, visa no que à
recuperação física do edifício concerne, devol- 12 | Rua Sá da Bandeira, 2014.
A classificação de “monumento de interesse ver-lhe a identidade e coerência, removendo 13 | Excerto do mapa de vãos
do processo de reabilitação do
público” atribuída pela Portaria 613/2013 de 20 elementos espúrios, assumindo valores e ge-
Mercado do Bolhão – restauro e
de Setembro ao Mercado do Bolhão, reconhe- rindo novas infraestruturas e valências [10]. repristino.
ce valor patrimonial a duas dimensões indis-
sociáveis – a singularidade do edifício Beaux A reabilitação dos vãos exteriores do Mercado
Arts, e a sua função como mercado tradicional. do Bolhão é parte integrante da estratégia ge-
ral supracitada e visa, neste caso específico,
A proposta de intervenção no edifício e merca- reverter o processo de degradação e as modi-
do de 1914-1917, da autoria do arquitecto An- ficações de que foram alvo, consubstanciado
tónio Correia da Silva, assenta na recuperação na substituição de quase todas as caixilharias
e valorização da matriz original do edifício e por elementos dissonantes que prejudicam a
na modernização necessária às exigências da coerência e identidade do edifício (figura 12).

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CONREA’21

14 15

14 | Vãos exteriores da galeria Deste modo foram fundamentais os docu- que oscila entre o restauro filológico ou repris-
– solução de projecto.
mentos e imagens históricas, as publicações tino e o desenho de uma solução de síntese,
15 | Caixilharia existente. sobre o edifício, os relatórios de inspecção e coerente e em continuidade com o restante
diagnóstico e o levantamento desenhado e fo- edifício [11]. A quase total adulteração das cai-
tográfico dos últimos exemplares das caixilha- xilharias de madeira originais dos espaços da
rias originais de ferro fundido (lojas exteriores) galeria – das quais restam apenas dois exem-
e de madeira (antigos talhos interiores). plares degradados – e a necessidade de uma
passagem mais franca, devido ao novo uso
No caso do Mercado do Bolhão as várias es- do espaço interior (restaurante), motivaram a
tratégias enunciadas nos restantes casos de reinterpretação do seu desenho. O redesenho
estudo – do restauro ao desenho em analogia em analogia destas caixilharias obedeceu aos
de uma nova caixilharia – coexistem em toda critérios de composição, proporção e detalhes
a extensão deste edifício, tendo como objecti- originais, sofrendo apenas uma adaptação di-
vo a reposição da unidade original, sem com- mensional para não comprometer as necessi-
prometer as exigências dos usos dos espaços dades programáticas (figuras 14 e 15).
associados a cada vão.
4. CONCLUSÃO
Nas fachadas voltadas ao exterior foi possível,
sobretudo nos pisos superiores (figuras 12 e O presente documento procurou através de
13), um grande reaproveitamento da matéria três casos de estudo, com valores e circuns-
existente, introduzindo melhorias significati- tâncias diversas, sistematizar princípios de
vas nas caixilharias de ferro a restaurar, como reabilitação adaptativa de caixilharias, exem-
vedações, aperfeiçoamento do escoamento plos de uma abordagem caso-a-caso, ou vão-
de águas e a substituição dos vidros translúci- -a-vão. O esquema apresentado (figura 16)
dos existentes por transparentes, devolvendo sintetiza as estratégias e as ocorrências em
ao edifício a transparência que originalmente cada projecto, entre a Mimesis (conservação/
o caracterizava (figura 11). restauro/repristino) e o Contraste (a selecção
de uma caixilharia de mercado). Conclui-se
Foi através do levantamento dos últimos ainda que:
exemplares das caixilharias de ferro fundido
das lojas exteriores e dos seus elementos as- Caso 1|FIMS: O estado de conservação das
sociados (ferragens, soleiras e toldos) que se caixilharias existentes na FIMS, permitiu res-
construíram os novos moldes, numa solução taurar, com substituições parciais, a grande

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Versão reduzida do artigo

16

maioria dos vãos. Esta estratégia foi comple- e mais focada no desempenho. Nos casos de 16 | Síntese dos casos de estudo e
mentada pela adição de uma segunda cai- estudo apresentados esta solução não está das várias estratégias de intervenção.

xilharia (interior ou exterior), desenhada em considerada – o que revela o reconhecimento


analogia, para responder às exigências de do valor patrimonial como limite à aproxima-
conforto dos programas de habitação e alo- ção regulamentar.
jamento local.
A ponderação entre análise crítica, o valor
Caso 2 | Ricardo Severo: A opção por uma patrimonial, o conhecimento dos sistemas
caixilharia industrial, com garantias de desem- construtivos, as exigências programáticas e a
penho acústico e térmico, motivou a substitui- crescente preocupação energético-ambiental, [4] Chemillier, Pierre (1986) Sciences et Bâtiment:
La Démarche Scientifique Appliqué à la Construction
ção de grande parte das caixilharias existentes, originaram decisões de projecto que cerzi- Paris: Presses de l’ENPC, CSTB.
sendo a solução encontrada a aproximação ram estas variáveis com a matéria existente,
[5] Valentim Lopes, Nuno (2015) Projecto, patrimó-
possível ao desenho original, em analogia. favorecendo um diálogo onde a intervenção nio arquitetónico regulamentação contemporânea.
Apenas está previsto o restauro de elementos se diluirá, sem se demitir de transformar. Es- Sobre práticas de reabilitação no edificado corrente.
Porto: FAUP. p. 23
singulares como vitrais e o repristino da gelosia. tas propostas ‘adaptativas’ de reabilitação de
caixilharias, possibilitam o prolongamento da [6] Boesch, Martin, Lupini, Laura, Machado, João F
(2017) Yellowred: On Reused Architecture, Mendri-
Caso 3 | Mercado do Bolhão: O valor patri- vida destes elementos, sem recusar o neces-
sio Academy Press. p. 10.
monial do Mercado do Bolhão implicou uma sário aggiornamento, e viabilizam também a
abordagem determinada em devolver ao edifí- preservação de recursos insubstituíveis – na- [7] Valentim Lopes, Nuno (2015) Proposta de tra-
balho - Reabilitação das caixilharias de edifícios na
cio a sua matriz original, sendo as caixilharias turais e culturais Rua Ferreira Borges n.º 69, Porto.
o corolário natural desta acção. Consequente-
[8] Barreira, João (1908) “Habitação em Portugal”, in
mente, toda a matéria existente em estado de Notas Sobre Portugal p. 170-171.
conservação adequado foi restaurada, ou re-
REFERÊNCIAS [9] MILHEIRO, Ana Vaz (2005) “A Construção do
pristinada no caso especifico das montras em Brasil - Relações com a cultura arquitectónica por-
ferro fundido das lojas exteriores. Nas caixilha- [1] OFEN/Commission fédérale monuments histori- tuguesa”, p. 176.
ques (2009), “Recommandations pour l’amélioration
rias de madeira da galeria, a exigência do novo du bilan énergétique des monuments historiques”, [10] Valentim Lopes, Nuno (2015) Projecto de Res-
programa motiva uma adaptação analógica. Berna. p.1. tauro e Modernização do Mercado do Bolhão, Me-
mória Descritiva do Projecto de Geral de Arquitec-
[2] Graf, Franz (2012) “Patrimoine, Économie, Éner- tura, Porto p. 3.
A introdução no esquema da variável ‘caixi- gie: une vision synthétique” in La cité du Lignon. Ètu-
do architectural et stratégies d’intervention TSAM/ [11] AA.VV (2013) Chiado em detalhe. Álvaro Siza:
lharia de série’ pretende atribuir ao gradiente EPFL.Lausanne. p.13. pormenorização técnica do plano de recuperação
um extremo, que representa a remoção da Lisboa: CML, p.67-69.
[3] OMA (2010) Painel da Exposição Cronocaos, Bie-
caixilharia existente e instalação de uma nova nal de Veneza 2010 – Listed Cultural Heritage * Artigo escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
solução alternativa, em contraste, exigencial

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Boas Práticas

A importância das
opções da arquitectura
na reabilitação do
património edificado
Joana Leandro Vasconcelos Atelier in.vitro, jlv@atelierinvitro.com

O Atelier in.vitro teve a oportunidade de


desenvolver, ao longo da última década,
um conjunto de projectos de arquitectura
O
s edifícios têm tipologias semelhan-
tes, apresentam entre três a quatro pisos, in-
no âmbito da reabilitação de edifícios com serem-se em lotes estreitos e compridos, com
elevado valor patrimonial. De uma forma duas frentes, e apresentavam estados de con-
servação distintos, existindo elementos cons-
geral, as opções arquitectónicas tiveram trutivos com degradação intensa e elementos
como base o respeito e a valorização das construtivos em bom estado. Alguns dos ele-
mentos construtivos dos edifícios tinham sofri-
pré-existências, com as consequentes mais- do alterações que os descaracterizavam, tor-
valias em termos patrimoniais e financeiros. nando necessária a intervenção. No entanto,
de uma forma geral, possuíam características
Uma grande parte destes projectos envolveu construtivas e arquitectónicas que importava
edifícios de habitação unifamiliar no Porto, preservar.

construídos entre meados do século XIX Nesse sentido, as opções arquitectónicas


e início do século XX, com características tiveram como base o respeito e a valoriza-
ção das pré-existências. Procurou-se rea-
típicas da Casa Burguesa desta cidade. O bilitar os elementos construtivos existentes
presente artigo abordará os casos da Casa e intervir pontualmente nas zonas mais de-
gradadas e descaracterizadas, utilizando
do Pinheiro Manso, Casa da Boavista e Casa soluções baseadas em materiais e técnicas
António Patrício, todas no Porto. Os projectos tradicionais, minimizando o impacto nos edi-
fícios, preservando e valorizando as suas
foram distinguidos com diferentes prémios características originais. A manutenção da
relacionados com reabilitação de património, maioria dos elementos construtivos, para
além de resultar na significativa valorização
nomeadamente o Prémio João de Almada, dos edifícios em termos patrimoniais, cons-
o Prémio Nuno Teotónio Pereira e o Prémio trutivos e arquitectónicos, permitiu concreti-
zar intervenções de reabilitação com custos
Nacional de Reabilitação Urbana. e tempos de intervenção consideravelmente
mais reduzidos.

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A introdução de novas infra-estruturas, no- cio Habitacional) e com o Prémio Nacional de particular no piso 0. Os pavimentos de madeira
meadamente hidráulicas, eléctricas, de tele- Reabilitação Urbana 2019 (Categoria Melhor dos pisos superiores apresentavam deforma-
comunicações e de climatização, importan- Intervenção inferior a 1000m2); e o projecto da ção e vibração, necessitando de reforço estru-
tes para melhorar os níveis de conforto dos Casa do Pinheiro Manso foi distinguido com tural. Os elementos de madeira da cobertura,
edifícios, foi pensada de forma a colidir o me- uma Menção Honrosa do Prémio Nuno Teo- asnas, madres e cumeeira, apresentavam-se
nos possível com os elementos construtivos tónio Pereira 2016 (Categoria Edifício Habi- em razoável estado de conservação, podendo
existentes. tacional). Descrevem-se, a seguir, os pontos ser preservados através de reforço. As paredes
essenciais das intervenções de reabilitação de alvenaria de pedra e de tabique encontra-
Os projectos de arquitectura tiveram como nos três edifícios. vam-se em bom estado de conservação, ne-
base uma análise detalhada às pré-existên- cessitando de consolidação pontuais.
cias realizada pelo Atelier in.vitro e um tra- CASA DO PINHEIRO MANSO
balho de inspecção e diagnóstico estrutural Pretendia-se reabilitar o edifício conjugando
realizado pelo NCREP, gabinete também A Casa do Pinheiro Manso, típica do Porto a preservação dos elementos construtivos
responsável pelos projectos de reabilitação burguês do século XIX, tem três pisos, duas existentes com a materialização de espaços
e reforço estrutural dos edifícios. A inspecção frentes e jardim nas traseiras. No piso térreo mais amplos e modernos, de forma a cum-
e diagnóstico teve como objectivo avaliar o localizavam-se as zonas comuns, nomeada- prir os objectivos principais da intervenção:
estado de conservação e a necessidade de mente a cozinha, a sala de jantar e a bibliote- respeitar o valor arquitectónico e patrimonial
intervenção estrutural. Para além de uma ins- ca; no piso 1 localizava-se uma sala de estar do edifício, tirando partido dele; apostar em
pecção visual, foi realizada uma campanha e quartos; no sótão situavam-se os restantes soluções de projecto que permitissem uma
de ensaios in situ não destrutivos e de sonda- quartos da casa; as instalações sanitárias vivência de acordo com os parâmetros de
gens, procurando não danificar os elementos localizavam-se nas traseiras. A casa foi alvo conforto actuais, preocupação desde o início
construtivos. Foi ainda feita uma pesquisa nos de algumas intervenções ao longo do tempo manifestada pelos clientes.
Arquivos Históricos Municipais. que a descaracterizaram. Refere-se em par-
ticular a alteração da zona posterior da casa, O piso térreo, em muito mau estado de con-
Em consequência das reabilitações realiza- incluindo a fachada posterior, com a introdu- servação, e com uma relação com o jardim
das, com particular atenção às pré-existên- ção de novos elementos. que se pretendia potenciar, foi alvo de uma
cias, o projecto da Casa da Boavista foi distin- maior transformação em termos de elementos
guido com o Prémio João de Almada 2017 na A inspecção realizada permitiu concluir que as construtivos e de organização espacial, tendo
categoria Residencial; o projecto da Casa de vigas de madeira de castanho dos pavimen- mantido a função social. Neste piso assumiu-
António Patrício foi distinguido com o Prémio tos possuíam alguma degradação associada -se uma linguagem marcadamente contempo-
Nuno Teotónio Pereira 2019 (Categoria Edifí- a ataques de insectos e fungos xilófagos, em rânea através de espaços mais amplos com

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Boas Práticas

1 2

portas e painéis a toda a altura. Na separação foi reabilitada, continuando a cumprir a sua 1 | Fachada posterior – pré-intervenção.
© Atelier in.vitro
da cozinha com a sala comum foi construída função de iluminação da caixa de escadas e
2 e 3 | Fachadas posterior e principal
uma porta em perfis de ferro e vidro, amplifi- dos compartimentos adjacentes.
– pós-intervenção.
cando a passagem de luz entre os espaços, e © José Campos Architectural Photography
tornando a sua relação mais fluída. A fachada principal foi reabilitada, com a
4 e 5 | Sótão e cozinha – pós-intervenção.
consolidação dos azulejos originais, tendo © José Campos Architectural Photography
Nos dois pisos superiores, que passaram a sido necessário ocultar as caixas associa-
albergar os quartos e uma sala mais privada, das às novas infra-estruturas através de
a intervenção contemplou a reabilitação da um revestimento metálico que se repete
grande maioria dos elementos construtivos depois na campainha e intercomunicador.
existentes, tais como carpintarias, tabiques, Na fachada posterior, que tinha sido alvo de
etc. O sótão, que era um espaço descaracte- alteração em meados do século XX, optou-
rizado, passou a receber dois quartos amplos -se por aumentar os vãos para garantir uma piso, através da instalação de uma janela
com uma ligação visual directa aos elementos ligação mais franca da casa com o jardim: de grande dimensão, permitindo o usufruto
de madeira da cobertura. Procurou-se impri- na sala comum, situada no piso térreo, atra- da vista do jardim.
mir um carácter mais moderno às novas insta- vés da instalação de um conjunto de portas
lações sanitárias, garantindo a sua adaptação em harmónio com cerca de 3,0m de altura, O projecto da Casa do Pinheiro Manso foi
às exigências de utilização actuais. A clara- permitindo que particularmente nos meses distinguido com uma Menção Honrosa do
bóia troncocónica, elemento típico destas mais quentes a sala se funda com o jardim; Prémio Nuno Teotónio Pereira 2016 na cate-
construções e com elevado valor patrimonial, na sala mais privada, situada no primeiro goria Edifício Habitacional.

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6 7

CASA DA BOAVISTA parede em alvenaria de tijolo rebocada. Esta 6 e 7 | Varanda, piso 0 e fachada posterior –
pré-intervenção. © Atelier in.vitro
terá sido a alteração de maior dimensão nos
A Casa da Boavista foi construída em 1915, elementos construtivos da casa ao longo da 8 a 10 | Varanda, piso 0, sótão e fachada
integra um conjunto de 5 casas iguais e apre- sua história. posterior – pós-intervenção.
© José Campos Architectural Photography
senta quatro pisos. No piso inferior situavam-
-se a cozinha, sala de jantar e zona técnica; O edifício foi adquirido em 2014, tendo sido,
no piso 0 situavam-se a sala de estar e duas até essa data, conservado cuidadosamente. Municipal do Porto permitiu complementar
divisões mais pequenas; no piso 1 situavam- Esse facto permitiu que o edifício se encon- alguma informação recolhida na fase de ins-
-se os quartos, e no sótão existiam 3 com- trasse em bom estado de conservação, pos- pecção e diagnóstico, em particular no que
partimentos. Na fachada posterior, como era suindo a maioria das características constru- diz respeito às soluções construtivas e aos
habitual, encontram-se as instalações sani- tivas e arquitectónicas originais. materiais utilizados.
tárias, embora no piso dos quartos existisse
uma outra instalação sanitária. A inspecção realizada permitiu concluir que Tendo em consideração o bom estado de
as vigas de madeira dos pavimentos e da conservação da Casa da Boavista e as ca-
Nos anos 40 do século XX, o edifício sofreu cobertura se encontravam em bom esta- racterísticas construtivas e ornamentais que
uma intervenção na fachada posterior, tendo do de conservação, com ataques pontuais importava preservar, o carácter de restauro
sido demolida a parede de tabique que ma- de insectos e fungos xilófagos. As paredes foi levado ao limite, optando-se pela preser-
terializava a zona central da fachada, prova- de alvenaria de pedra e de tabique encon- vação de tectos, soalhos, carpintarias interio-
velmente revestida a soletos de ardósia ou travam-se em bom estado de conservação. res e exteriores, revestimentos cerâmicos e
a chapa ondulada, e construída uma nova A pesquisa realizada no Arquivo Histórico algumas peças sanitárias.

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Boas Práticas

11 12

A organização interior manteve-se com ligeiras e as carpintarias interiores, tais como rodapés, 11 | Fachada posterior – pré-intervenção.
© Atelier in.Vitro
alterações no sentido de adaptar a casa às no- portas, portadas, guardas das escadas, etc.
vas exigências. Referem-se: a junção de dois foram integralmente reabilitados, sendo execu- 12 e 13 | Fachadas posterior e principal,
– pós-intervenção.
compartimentos na zona posterior do piso 0 tados enxertos pontuais. O estuque dos tectos © José Campos Architectural Photography
para criar a Sala de Estar; o aproveitamento de foi consolidado. Os mosaicos hidráulicos e os
14 e 15 | Cave e varanda, piso 0
duas zonas no sótão que se encontravam en- azulejos das instalações sanitárias foram tra- – pós-intervenção.
cerradas; a adaptação da instalação sanitária tados. Na cozinha e na zona técnica do piso © José Campos Architectural Photography
principal e a criação de duas novas instalações -1 foi executado um novo pavimento em beto-
sanitárias; a concepção de uma nova cozinha nilha, para substituir os pavimentos existentes
com mobiliário dos anos 50 e com um passa- degradados. De forma a melhorar o compor-
-pratos para a sala de jantar, no lugar da cozi- tamento da cobertura, foram instaladas uma A inspecção realizada permitiu concluir que
nha original, praticamente inexistente. camada de isolamento térmico e uma tela per- as vigas de madeira dos pavimentos se en-
meável ao vapor e impermeável à água líquida. contravam em bom estado, com ataques pon-
A fachada principal foi reabilitada, com a con- Foram ainda instalados 3 novos lanternins, em tuais de insectos e fungos xilófagos. As asnas,
solidação dos azulejos biselados típicos da substituição dos existentes, para melhorar a madres, cumeeira e restantes elementos da
época e com o restauro dos caixilhos originais iluminação natural e ventilação dos espaços do cobertura apresentavam um ataque mais in-
em madeira com vidro soprado. Na fachada sótão, tendo o lanternim principal, materializa- tenso de insectos xilófagos, necessitando do
posterior foram repostos os materiais e alinha- do originalmente por um conjunto de telhas de reforço e de substituição de alguns elemen-
mentos originais, com a aplicação de soletos vidro, sido substituído por um novo lanternim tos. As paredes de alvenaria de pedra e de
de ardósia na zona central e com a remoção constituído por um único envidraçado e canto- tabique encontravam-se em bom estado de
das caixas de estore, entretanto instaladas. neiras metálicas. conservação. Os pilares de betão armado
Este revestimento foi escolhido por se acredi- existentes ao nível da cave apresentavam al-
tar ter sido o revestimento original da fachada. O projecto da Casa da Boavista foi distinguido guma fissuração e corrosão das armaduras.
As janelas de guilhotina foram reabilitadas. com o Prémio João de Almada 2017 na cate-
goria Residencial. À semelhança do referido nos casos anterio-
Relativamente aos elementos estruturais, a res, tendo em consideração o razoável estado
intervenção passou por trabalhos de carácter CASA ANTÓNIO PATRÍCIO de conservação da Casa de António Patrício e
pontual. Em virtude do seu estado de conser- as características arquitectónicas que impor-
vação, o vigamento dos pavimentos foi integral- A Casa António Patrício foi construída no início tava preservar, o carácter de restauro foi leva-
mente mantido, com reforços estruturais em do século XX, está integrada num conjunto de do ao limite, optando-se pela preservação da
zonas específicas. Na cobertura, para além do três casas iguais e apresenta três pisos. Os dois grande maioria dos elementos construtivos.
tratamento dos elementos estruturais contra in- pisos superiores eram destinados ao uso diário
sectos e fungos xilófagos, foram substituídas al- e interligados entre si através de uma escada Os dois pisos superiores mantiveram o uso ori-
gumas varas que se encontravam degradadas. central, sendo o piso em cave destinado a uso ginal, salas e quartos respectivamente, tendo
As paredes de alvenaria de pedra foram conso- técnico, com acesso através de uma escada se- sido alvo de intervenções pontuais, decorrentes
lidadas com argamassas à base de cal. As infra- cundária. A casa sofreu algumas alterações ao de necessidades específicas, optando-se pela
-estruturas eléctricas e hidráulicas, da época de longo da sua história, referindo-se a comparti- preservação de tectos, soalhos e carpintarias
construção do edifício, foram substituídas. mentação instalada ao nível da cave e a mudan- interiores. A organização interior manteve-se
ça do sistema construtivo da fachada posterior, com ligeiras alterações no sentido de adap-
Relativamente aos elementos construtivos de envolvendo a introdução de alvenaria de tijolo e tar a casa às novas exigências. Refere-se em
revestimento, os soalhos em madeira de pinho a alteração da dimensão e localização dos vãos. particular a abertura de um vão em arco entre

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13 14 15

dois compartimentos, de forma a materializar a foram substituídas por réplicas em madeira, CONCLUSÕES
actual sala comum. Nas instalações sanitárias melhorando o comportamento térmico e acús-
e na cozinha procurou-se adoptar materiais de tico do edifício. A escada exterior existente em Das obras de reabilitação realizadas resultou
revestimento compatíveis com os existentes, betão, edificada posteriormente à construção uma significativa melhoria das condições de
como a marmorite, de forma a manter alguma original, deu lugar a uma nova escada em es- uso, sem prejuízo do carácter das constru-
continuidade entre os espaços. trutura metálica com degraus revestidos a ma- ções. A preservação e valorização das pré-
deira e guarda metálica em rede, inspirada nos -existências, com a manutenção da maioria
O piso -1, em pior estado de conservação, e desenhos originais da fachada. dos elementos construtivos, tanto de carácter
com uma relação directa com o jardim que estrutural como de revestimento, para além
se pretendia potenciar, foi alvo de uma maior Nos elementos estruturais a intervenção foi de resultar na significativa valorização dos
transformação. Neste piso assumiu-se uma pontual. As paredes de alvenaria de pedra fo- edifícios em termos patrimoniais e arquitec-
linguagem mais contemporânea através da ram consolidadas com argamassas à base de tónicos, permitiu concretizar uma intervenção
criação de um espaço único, amplo, com aber- cal. O vigamento dos pavimentos foi integral- de reabilitação com custos e tempos de inter-
turas mais francas para o logradouro, de forma mente mantido, sendo realizados apenas refor- venção consideravelmente mais reduzidos,
a conferir-lhe um carácter mais nobre. Também ços estruturais em zonas específicas. A cober- sem, no entanto, descurar forma e função. No
o acesso interior a este piso, bastante degra- tura, que apresentava uma maior degradação final, o objecto sobrepôs-se ao projecto
dado e com um carácter secundário, foi altera- associada a ataques de insectos xilófagos, foi
do, dando lugar a uma escada interior metálica alvo de substituições pontuais e de reforço de
BIBLIOGRAFIA
constituída por uma única chapa de aço pinta- elementos de madeira. Todos os elementos es-
da de branco que se desdobra e liga os dois truturais de madeira receberam um tratamento CMP, 2017 – Câmara Municipal do Porto http://www.
cm-porto.pt/cultura/programa-de-apoio/premio-joao-
pisos, agarrando-se ao piso superior através contra insectos e fungos xilófagos. -de-almada-2017_2.
de um ripado em madeira, também pintado de
IHRU, 2016 – Instituto da Habitação e Reabilitação
branco. As paredes de alvenaria de pedra fo- A grande maioria dos revestimentos, nomea- Urbana, https://www.portaldahabitacao.pt/pt/ihru/pre-
ram também caiadas de branco, contrastando damente soalhos em madeira, carpintarias mios/premio_ntp/2016_premio_ntpihru/2016_F05.
html.
com os pilares em ferro fundido instalados no interiores, estuque dos tectos e mosaicos
centro do espaço, em substituição dos pilares hidráulicos, foram integralmente reabilitados. IHRU, 2019 – Instituto da Habitação e Reabilitação
Urbana https://www.portaldahabitacao.pt/noticias/-/as-
em betão existentes, bastante degradados. A introdução das novas infra-estruturas, no- set_publisher/evbBClZv8z5H/content/pr%25C3%25A-
meadamente hidráulicas, eléctricas, de tele- 9mio-ntp-2019

A fachada principal foi reabilitada, com a con- comunicações e de climatização, foi pensada Vasconcelos, J., 2019 – A reabilitação da Casa An-
solidação dos azulejos existentes. A fachada de forma a colidir o menos possível com os tónio Patrício, Porto. Revista Pedra & Cal, n.º 66,
GECoRPA, 2019.
posterior, que se encontrava em mau estado elementos construtivos existentes. Na cave,
de conservação e que tinha sofrido muitas al- espaço com um carácter mais técnico, as in- Vasconcelos, J., 2020 – O projecto de reabilitação da
Casa António Patrício, Porto. Revista Património, n.º
terações, foi substituída por uma nova fachada fra-estruturas foram instaladas pelo exterior, 7, DGPC, 2020.
em estrutura de madeira, repondo os materiais assumindo-se a sua presença no espaço.
Vasconcelos, J; Ilharco, T., 2018 – A reabilitação da
e alinhamentos originais, com a aplicação de Casa da Boavista, Porto. Revista Pedra & Cal, n.º
chapa ondulada na zona central, rebocando O projecto da Casa de António Patrício foi 63, GECoRPA, 2018.
com uma argamassa à base de cal o volume distinguido com o Prémio Nuno Teotónio Pe- Vida Imobiliária, 2019 – https://premio.vidaimobiliaria.
lateral em alvenaria de pedra correspondente reira 2019 na Categoria Edifício Habitacional com
às instalações sanitárias e cozinha. Em ambas e com o Prémio Nacional de Reabilitação Ur-
as fachadas, as janelas, que se encontravam bana 2019 na Categoria Melhor Intervenção * Artigo escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
num estado de conservação muito precário, inferior a 1000m2.

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Boas práticas

Palácio
Nacional
de Mafra
Projeto e reabilitação
dos carrilhões e das torres sineiras
Filipe Ferreira, Belmiro Xavier, Inês Menezes AOF, geral@aof.pt

As duas torres do Palácio Nacional


de Mafra, com cerca de 68 metros
de altura, escondem um enorme
testemunho da produção sineira do
século XVIII, contendo os dois maiores
carrilhões do mundo do seu tempo,
integrando na altura 119 sinos.
São articulados com dois relógios de
torre de grandes dimensões.

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O
elevado número de sinos reflete-
-se também nas grandes dimensões como,
vés de um teclado, e também por um sistema
automático ligado a dois enormes cilindros do
rioradas e o sistema de afinadores irrecuperá-
veis. O colapso localizado das estruturas de
por exemplo, no caso dos dois sinos de ho- relógio (também existem dois na torre norte, madeira também originou danos irrecuperá-
ras, presentes nos topos das duas torres, com com as mesmas dimensões), como se de uma veis em todo o sistema.
cerca de 2,5 m de altura e 12 toneladas de enorme caixa de música se tratasse. O relógio
bronze fundido, cada um. O conjunto sineiro da torre norte funciona em modo manual, en- Os sinos, de uma forma geral, estavam em
da torre norte foi produzido em 1730 por João quanto que o da torre sul em modo automático. bom estado de conservação, com exceção de
Nicolau Levache, em Liège. Já o conjunto si- quatro badaleiras. Todos tiveram intervenção
neiro da torre sul foi produzido por Guilherme Para além da intervenção ao nível dos sinos de C&R de metais. Parte das superfícies de al-
Witlockx, no mesmo ano, na Antuérpia. e relógios foram efetuados trabalhos de con- guns sinos tinham depósitos de calcário provo-
servação e restauro (C&R) em: (i) estruturas cado por escorrimentos das juntas do material
Os relógios, embora muito idênticos, têm par- de madeira de sucupira que suportam os car- pétreo da torre e muitos salpicos de tinta provo-
ticularidades que os distinguem. O da torre rilhões e cabeçalhos; (ii) estruturas metálicas cados por intervenções de pintura anteriores.
norte é um relógio de horas litúrgicas, apre- de suporte dos sinos; (iii) elementos pétreos,
senta um mostrador para apenas seis horas. em calcário de lioz, nas duas torres; (iv) es- Ainda foi possível aproveitar parte do sistema
A primeira hora era acertada com o nascer truturas metálicas de cintagem das torres; (v) de transmissão do carrilhão automático, no-
do sol e o sistema de toque dos sinos só dá execução de novas instalações elétricas; (vi) meadamente entre a máquina do relógio e o
de um a seis toques. O relógio da torre sul sistemas de para-raios; (vii) cataventos das piso do carrilhão. Deste piso até aos martelos
apresenta mais funcionalidades que o da tor- duas torres. dos sinos o sistema de cabos foi renovado.
re norte. Simultaneamente com o toque das
horas, poderá ser acionado automaticamente ESTADO DE CONSERVAÇÃO O relógio da torre norte, apesar de não funcio-
o toque das melodias do carrilhão automático. nar, encontrava-se em bom estado, com oxida-
O sistema estrutural de sustentação dos sinos ção superficial e algumas folgas nos eixos de
ÂMBITO DA INTERVENÇÃO encontrava-se em degradação, com falta de rotação. Fruto de poucas intervenções ao lon-
estabilidade. Alguns sinos apresentavam pro- go da história, o relógio, aparentemente, ainda
O conjunto sineiro da torre norte permanece blemas físicos, necessitando da devolução da se encontrava próximo do seu estado original.
em contexto “museológico”, como um teste- dignidade estética, perdida, por negligência
munho único do que seria um objeto autêntico em intervenções anteriores. O relógio da torre sul foi objeto de interven-
da época, uma vez que estes sinos detêm em ção profunda nos anos 90. Apresenta mais
si o testemunho de técnicas, quer decorativas, Na torre norte, os sinos estavam em mau funcionalidades que o relógio da torre norte.
quer metalúrgicas, e principalmente de musi- estado, com falta de badaleiras, apresentan- É constituído pela máquina do relógio que
calidade, presumindo-se que nunca tenham do algumas asas fraturadas e com muitas aciona três martelos dos toques dos sinos
sido afinados desde a sua colocação inicial. ligações metálicas. Na torre sul, o carrilhão, das horas, e dois tambores para o carrilhão
embora em melhor estado de conservação automático. Simultaneamente com o toque
O conjunto sineiro que compõe o carrilhão (foi intervencionado nos anos 90), apresenta- das horas, poderá ser acionado automati-
da torre sul, dada a sua melhor qualidade de va algumas patologias que originaram a sua camente o toque das melodias do carrilhão
execução, foi intervencionado para poder ser paragem no início do século. O teclado não automático. Assim, cada toque das horas é
tocado na própria torre, de forma manual, atra- era o original, estava desatualizado e muito seguido pelo toque de uma melodia. As me-
deteriorado por ação da humidade no interior lodias do carrilhão automático podem ser
da cabina, e pela proliferação de pombos. O programadas alterando-se as cavilhas/pinos
1 | Vista geral das torres sineiras sistema de transmissão, embora em cabos de nos tambores. Há registos de alteração das
do Palácio Nacional de Mafra. aço inox, apresentava as suas ligações dete- melodias ao longo da história.

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Boas práticas

Utilizou-se pedra calcária de Lioz, com um INTERVENÇÃO A intervenção foi realizada e dirigida por
notável estado de conservação, ao fim de tre- técnicos da AOF. Os teclados, sistemas de
zentos anos. Uma observação das diferentes Foi seguida a deontologia de conservação, transmissão e alguns sinos, foram fornecidos
superfícies, desde os elementos escultóricos restauro e reabilitação. Os trabalhos foram e instalados pela empresa Royal Eijsbouts,
aos elementos arquitetónicos, permite-nos efetuados por uma equipa multidisciplinar, com sede nos Países Baixos, contratada
identificar as várias marcas das ferramentas seguindo o princípio da intervenção mínima, pela AOF.
de cantaria, assim como o tipo de acabamen- reversibilidade e compatibilidade e respeito
to de superfície. pelas normas e cartas internacionais e con- Conforme referido, na torre norte a interven-
venções que regem os princípios das boas ção foi mínima, sendo apenas preservado o
As principais patologias verificadas foram: co- práticas da conservação. Foi respeitada a pouco que restou do sistema de transmissão
lonização biológica; vegetação radicada em autenticidade e vivência da obra através de do carrilhão automático. A intervenção nos si-
juntas não funcionais; depósitos superficiais limpezas controladas e reforços estruturais nos foi feita no âmbito de restabelecer a sua
de todo o tipo (p. ex. concreções calcárias); quando necessário. Foi opção não remover suspensão em segurança e de conservação
depósitos de tintas; manchas de produtos de totalmente a oxidação do bronze dos sinos. e restauro de metais, com limpeza, remoção
oxidação do ferro; argamassas de cimento, de salpicos de tinta e outros detritos e crostas
entre outros. Pretendeu-se devolver às peças a sua integri- calcárias que se revelaram de difícil remoção.
dade física e química e unidade estética, com Em algumas situações, optou-se mesmo pela
Especialmente na torre norte, foram deteta- o emprego de técnicas apropriadas, de forma sua não remoção para não danificar a superfí-
das patologias graves no sistema de cintagem a garantir que as gerações futuras possam cie de bronze dos sinos.
metálica da torre, que originou uma interven- também elas implementar ações de conser-
ção adicional no âmbito da estabilidade. Com vação nestes bens agora intervencionados. A intervenção na torre sul colocou em pleno
efeito, a estrutura pétrea da torre é cintada Evitou-se a utilização de materiais ou técnicas funcionamento os carrilhões manual e auto-
com vergalhões metálicos que travam, em vá- que prejudicassem os materiais originais, pre- mático. O carrilhão manual é constituído por
rios níveis, a esbelta estrutura da torre. Parte servando a autenticidade das técnicas cons- um teclado, sistema de transmissão entre o
destas cintagens expandiram por ação da oxi- trutivas. Foi feita a identificação dos materiais teclado e os badalos/sinos. O carrilhão auto-
dação provocando tensões, originando deslo- e técnicas, o levantamento fotográfico (antes mático é acionado pela máquina do relógio,
camento e fraturas em elementos pétreos. e depois da intervenção) e gráfico (mapea- que funciona como uma caixa de música gi-
mentos de patologias), de modo a permitir o gante, com tambores rotativos, com cavilhas
Uma grande parte das patologias deve-se registo técnico do estado de conservação e que acionam um sistema de transmissão (con-
também a intervenções anteriores, em que se dos tratamentos efetuados. junto de cabos e acessórios) que acionam os
utilizaram madeiras menos nobres do que as martelos colocados na parte exterior dos si-
preexistentes e foram aplicadas tintas inade- Relativamente às cintagens das torres, em nos. Além da substituição de parte substancial
quadas. A falta de manutenção e o clima agres- corrosão, sempre que possível, colocou-se dos sistemas de transmissão, foram restaura-
te do local aceleraram a deterioração das ma- à vista os elementos metálicos para poste- dos e tratados todos os badalos e martelos e
deiras. A estrutura encontrava-se escorada por rior reparação, reforço e tratamento. Alguns colocado novo sistema de afinação do carri-
um emaranhado de tubos metálicos, também sinos encontravam-se com problemas físicos lhão manual. Por razões históricas, optou-se
muito deteriorados e em colapso. Apesar disso, que foram retificados, para devolução da dig- por manter os badalos existentes. Tentou-se
será de notar que, passados trezentos anos, nidade estética, perdida anteriormente por sempre encontrar o melhor ponto de equilíbrio
as estruturas de madeira ainda preservam uma alguma negligência proveniente de interven- entre a vertente histórica dos elementos a in-
parte dos madeiramentos originais. ções anteriores. tervir e a sua funcionalidade.

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2 | Madeiramentos da estrutura
do carrilhão apodrecidos.

3 | Construção do teclado Royal


Eijsbouts, Asten, Países Baixos.

4 | Novo sistema de transmissão,


sistema de toque e sinos
do carrilhão sul.

Foi feita a intervenção dos relógios monu-


mentais das torres, que correspondem exte-
riormente ao piso dos grandes mostradores.
Estas estruturas, com aproximadamente 50
m3 cada, revelam um extraordinário e com-
plexo trabalho de relojoaria. Mesmo tratando-
-se de estruturas de interior, sem visibilidade
a partir do exterior, apresentam uma beleza 3
única, uma vez que, para além do próprio me-
canismo em ferro, são ricamente decoradas
com esculturas em bronze, de uma técnica e
acabamento admiráveis.

Ambos os relógios fazem soar os sinos cor-


respondentes em cada torre e ainda (no caso
da torre sul) o carrilhão através da “caixa de
música”, ligando-se esta aos sinos por meio
de cabos de aço que atravessam todos os pi-
sos das torres. A intervenção nos relógios foi
realizada por uma equipa multidisciplinar com
técnicos da AOF e da empresa L’Horloger de
la Croix Rousse, com sede em França, que
desenvolveu uma aplicação 3D animada para
cada relógio, que permitiu a sua desmonta-
gem e posterior montagem.

Após o desmonte, as peças foram repara-


das e tratadas, pela AOF, compreendendo a
intervenção em peças de aço de carbono de
4
toda a estrutura de suporte do relógio e algu-
mas dos mecanismos de funcionamento, bem
como peças em bronze do sistema de fun- a imitação dos metais mais valiosos – a prata Nível 1 – Máquinas do relógio/tambores do
cionamento, mas sobretudo decorativas. Fo- e a ouro. No relógio da torre norte optou-se carrilhão automático;
ram aferidas as cores originais dos relógios, pela cor prata. Contudo, no relógio da torre sul Nível 2 – Sinos do carrilhão, 49 sinos na torre
com execução de duas janelas com cortes optou-se por manter a cor existente – verde norte, 53 sinos na torre sul. A torre sul também
estratigráficos de forma a observar todas as – provavelmente introduzida em intervenções aloja a cabina do carrilhonista;
camadas existentes. Aparentemente ambas anteriores dos anos 90 ou até anterior. Nível 3 – Sinos litúrgicos, de bamboar, 7 sinos
as estruturas dos relógios tinham uma cor na torre norte e 4 sinos na torre sul;
prateada, o que fazia sobressair os elemen- A intervenção desenvolveu-se nos seguintes Nível 4 – Sinos de toque de horas – 3 sinos
tos decorativos em bronze. Assim, tínhamos níveis, conforme ilustra a figura 4: em cada torre.

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Boas práticas

7 6

Torre sul A intervenção compreendeu as seguintes in- montagem prévia. Foram adicionadas novas
tervenções: (i) C&R dos elementos pétreos; ligações metálicas, em substituição das exis-
A intervenção na torre sul englobou, em sín- (ii) restauro e consolidação da estrutura de tentes, e colocadas novas em pontos mais
tese: (i) C&R dos elementos pétreos; (ii) C&R madeira que suporta os sinos do carrilhão e sensíveis da estrutura. Nesta fase foram apli-
e consolidação das estruturas de madeira de cabeçalhos; (iii) restauro das estruturas me- cadas também as primeiras demãos de tinta
suporte e cabeçalhos; (iii) reformulação das tálicas de suporte dos sinos de horas, e de à base de óleo, permeável ao vapor de água,
estruturas metálicas de suporte dos sinos de todas as ferragens de suspensão de todos os para permitir a preservação da madeira.
horas e ferragens de suspensão de todos os sinos; (iv) conservação, com colocação em
sinos; (iv) C&R com colocação em funciona- funcionamento do sistema de toque das ho- Os cataventos que encimam as duas torres
mento da máquina do relógio e carrilhão au- ras da máquina do relógio e conservação da têm dimensões verdadeiramente extraordiná-
tomático, com motorização das cordas para parte do carrilhão automático; (v) colocação rias para o local onde estão instalados e para
funcionamento automático; (v) colocação em em funcionamento das transmissões dos sis- as solicitações a que estão sujeitos. Os ele-
funcionamento das transmissões dos sistemas temas de toque de horas e conservação das mentos decorativos, executados em bronze,
de toque do carrilhão manual e automático e poucas transmissões existentes do carrilhão estavam em razoável estado de conserva-
sinos das horas; (vi) fornecimento e montagem automático. ção. Contudo, o fuste metálico de sustenta-
de novo teclado para o toque manual e de um ção de todo o conjunto apresentava perda de
teclado de estudo; (vii) colocação em funciona- O princípio da intervenção nas estruturas secção significativa, o que colocava a curto
mento de um sino litúrgico de bamboar. de madeira das duas torres compreendeu a prazo, em causa, a estabilidade total da peça.
substituição de todas as madeiras menos no-
Foram reproduzidos dois novos sinos para bres, aplicadas em intervenções anteriores. A intervenção compreendeu o desmonte dos
substituição de um, que se encontrava total- Apenas foram mantidas as madeiras originais elementos decorativos, “galos”, de forma a
mente fraturado, e de outro em falta que o pro- que se encontravam em bom estado sanitá- permitir intervir no fuste de sustentação. O
grama preliminar já previa executar – sinos n.º rio e estrutural. Todas as restantes madeiras fuste foi recuperado com o reforço das sec-
31 e n.º 46 respetivamente. foram substituídas por novas em madeira de ções fragilizadas e para redução de folgas,
sucupira. A estrutura existente foi mapeada, posteriormente foi tratado e lubrificado com
Torre norte com recolha das dimensões necessárias para massa consistente. Os “galos”, após inter-
a sua posterior montagem e aferição das es- venção no âmbito da C&R, foram novamente
O âmbito e filosofia de intervenção na torre pécies de madeira. De seguida, as estruturas montados. Sobre os cataventos estão tam-
norte foram diferentes, quer por razões históri- de ambas as torres foram totalmente desmon- bém montados o recetor dos para-raios.
cas, quer por razões económicas, já previstas tadas e transportadas para a oficina de car-
no programa preliminar. pintaria da AOF, em Braga, para reparação e

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5 | Pormenor de elemento
decorativo dos relógios.

6 | Identificação dos níveis


de intervenção nas torres.

7 | Sinos litúrgicos, de bamboar.

8 | Estruturas de madeira em processo


de intervenção na oficina de carpintaria
da AOF, em Braga.

9 | Pormenor do fuste de sustentação do


catavento, após desmonte do “galo”.

10 | Reforço do fuste de sustentação. 8

11 | “Galo” após intervenção.

12 | Intervenção num sino.

Estaleiro e trabalhos preliminares

O apeamento e elevação de cargas pesadas


– alguns sinos têm mais de 10 toneladas (mui-
tos apeados pela primeira vez) –, agravado
pelo peso incalculável da sua carga histórica,
foi um desafio para toda a equipa.

Foi executado um acesso ao estaleiro da obra


que originou o desmonte e posterior monta-
gem de parte da calçada do terreiro do palá-
cio para a mobilização de veículos pesados,
nomeadamente auto gruas (com capacidade
de 200 toneladas para a torre sul e de 500 9 10
toneladas para a torre norte) e camiões.

Em cada torre foi montado um elevador mon-


ta-cargas com capacidade de 1500 kg. Para
apoio a toda a intervenção foram montadas
grandes quantidades de andaimes a envolver
as duas torres, pelo exterior e interior. Foram
também montadas estruturas metálicas no in-
terior das torres para suspensão dos diferen-
ciais necessários ao apeamento e elevação
dos sinos e da estrutura de madeira. Foram
11 12
também colocadas duas estruturas metálicas,
uma em cada torre, em consola, para fora do
plano exterior da torre, de forma a possibilitar
a recolha dos sinos de maiores dimensões das
torres com auxílio da auto grua.

FICHA TÉCNICA

Dono de Obra DGPC – Direção-Geral Equipa projetista Filipe Ferreira, Belmiro Xavier, C&R Relógios L’Horloger de la Croix Rousse
do Património Cultural (representada por Inês Menezes e Eunice Costa (François Fustier)
Luís Marreiros, Albertina Rodrigues)
Coordenador geral José Amorim Faria Entidade executante / Direção de Obra AOF
Palácio Nacional de Mafra Mário Pereira (Diretor), (Filipe Ferreira, Belmiro Xavier e Inês Menezes)
Gabriela Cordeiro, Isabel Yglesias Estabilidade SOPSEC (José Amorim Faria,
Jerónimo Botelho e João Sousa) Consultores externos carrilhonistas
Consultores em C&R Antónia Tinturé, Irene carrilhonista Frank Deleu e José Rodrigues
Frazão, Maria José Moinhos, Maria Antónia Amaral Encarregado geral António Matos
Encarregado geral António Matos
Consultores externos do Dono de Obra Abel Coordenador de instalações elétricas
Chaves, João Soeiro de Carvalho e Vincent Debut SOPSEC (José Amorim) Acompanhamento de arqueologia e apoio
à empreitada Câmara Municipal de Mafra
Consultores externos LNEC Helena Cruz, Coordenadora de C&R de materiais pétreos (Marta Miranda)
José Saporiti Adélia Gomes

Fiscalização e coordenação de Segurança C&R instrumentos musicais Royal Eijsbouts


em Obra Brazão Farinha Engenharia, Lda. (Henk van Blooijs, Joep van Brussel
(Rui Araújo e Rui Oliveira) e Lambertus Augustus)

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Agenda

Setembro Janeiro
Seg Ter Qua Qui Sex Sáb Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sáb Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sáb Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sáb Dom Seg Ter Qua
28 29 30 23 24 25 26 27 28 29 30 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 24 25 26 27 28 29 30 31 01 02

23 setembro 16h00-17h30 2021


Sessão 4 do Fórum Arquitetura e
Paisagem [+ qualidade] 2030 27-28 de janeiro de 2022
Paisagens urbanas para IV Simpósio de Argamassas
responder aos novos desafios? e Soluções Térmicas de Revestimento
Universidade de Coimbra – Auditório ITECONS
Sessão online na plataforma Zoom

13, 14 e 15 de julho 2021


7.º Fórum Internacional de Património
Arquitetónico Brasil-Portugal
Museu Histórico Nacional, Paço Imperial, Palácio
Capanema e Sítio Burle Marx – Rio de Janeiro

Sessão 4 do Fórum 7.º Fórum IV Simpósio de


Arquitetura e Paisagem Internacional Argamassas e Soluções
[+ qualidade] 2030 de Património Térmicas de Revestimento
Paisagens urbanas Arquitetónico Universidade de Coimbra
Brasil-Portugal – Auditório ITECONS
para responder aos Museu Histórico Nacional,
novos desafios? Paço Imperial, Palácio
O setor da construção conhece, atualmente, um
período de crescimento de construção nova e de
Sessão online Capanema e Sítio Burle reabilitação. As argamassas, quer se destinem
na plataforma Zoom Marx – Rio de Janeiro, Brasil à execução de juntas de assentamento quer se
destinem à execução de revestimentos, continuam
a ser produtos de construção recorrentes em todo o
O processo de concentração da população O 7.º FIPA – Fórum Internacional de
tipo de edificações.
nas cidades e a sua desordenada Património Arquitetónico Brasil-Portugal
A escolha mais adequada de uma argamassa,
expansão originam gradualmente será realizado nos dias 13, 14 e 15
quer do ponto de vista das suas características
múltiplas disfuncionalidades e perda de de julho de 2021, no Museu Histórico
físicas e higrotérmicas, quer do ponto de vista
qualidade no processo de habitar. Entre Nacional, Paço Imperial, Palácio Gustavo
de compatibilidade, quer ainda do ponto de vista
as zonas periurbanas não planeadas e Capanema e Sítio Roberto Burle Marx na
da sustentabilidade, continua a ser uma tarefa
desqualificadas, e os centros históricos cidade do Rio de Janeiro.
complexa e desafiante.
gentrificados, multiplicam-se desafios. O Este evento é chancelado pelo Comité
A deposição de resíduos em aterros revela-se,
objetivo desta sessão é abordar - perante organizador da União Internacional
também, relevante face aos problemas ambientais
questões tão emergentes como a mitigação dos Arquitetos (UIA) para integrar o
associados. Neste âmbito, a incorporação de
e adaptação às alterações climáticas, calendário de eventos culturais do Rio
resíduos em argamassas de construção pode
e a necessidade da descarbonização, 2021 – Capital Mundial da Arquitetura
mitigar este problema e contribuir para melhorar
os desequilíbrios sociais ou a pandemia UNESCO UIA.
algumas das características dessas argamassas.
da covid19 – de que modo uma nova O fórum decorrerá em paralelo com o
A melhoria do comportamento energético dos
conceção de espaços públicos, de 27.º Congresso Mundial de Arquitetos
edifícios continua, ainda, a ser relevante na redução
habitações e equipamentos pode contribuir UIA2020RIO, o mais importante evento
de consumos e no aumento da sustentabilidade
para uma sociedade mais sustentável e de arquitetura mundial, programado
no setor da construção. Neste âmbito mantém-se
onde se viva melhor, introduzindo rigor na também no Rio de Janeiro e promovido
o crescimento expressivo das soluções usadas em
reabilitação urbana, incentivando o reuso e pela União Internacional dos Arquitetos e
Isolamento Térmico de Edifícios (do tipo Argamassas
a reciclagem de edifícios e zonas urbanas, pelo Instituto de Arquitetos do Brasil.
Térmicas e/ou ETICS), como solução de melhoria do
e a naturalização das cidades. O tema da sessão de 2021 é “Todos os
comportamento energético dos edifícios.
mundos – O Património que nos une”.
Face ao exposto, considera-se de grande
Moderada por Rui Serrano, da Ordem
importância a investigação para aprofundar todo
dos Arquitetos, esta sessão contará O objetivo principal do FIPA é
este conhecimento, em particular no que se refere
com a presença de um dos nossos promover debates interdisciplinares
ao comportamento das argamassas em serviço,
associados, engenheiro Vítor Cóias, e interinstitucionais a fim de que o
muitas vezes distinto do seu comportamento
como um dos oradores. conhecimento científico decorrente
laboratorial.
da investigação, da prática de
intervenção no “sítio” e da gestão
A Pedra&Cal é “media partner” deste evento. Um
e promoção do Património Cultural
Informações: consigam um espaço de diálogo e de
número especial será publicado com os artigos
Todas as sessões deste fórum serão troca de informação relevante.
selecionados no âmbito da temática da revista.
realizadas online, das 16h00 às 17h30,
através da plataforma Zoom no endereço
https://videoconf-colibri.zoom.us/j/9611385602
Informações: Informações:
Mais informações aqui. www.fipabrasil.com.br www.itecons.uc.pt/projectos/argamassas2022

88 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


Vida Associativa

Rua José Travassos 11 – B


1600-410 Lisboa
T. 211 979 805

Alvará de Construção n.º 65502

www.actia.pt . geral@actia.pt

P&C 70 | Janeiro > Junho 2021 | 89


Livraria / Centro de Documentação GECoRPA

Historic Construction and Conservation.


Materials, Systems and Damage
Autores: Pere Roca, Paulo B. Lourenço, Angelo Gaetani
Edição: Routledge

O nosso associado Professor Paulo B. Lourenço é co-autor do livro “Historic Construction and Conservation. Mate-
rials, Systems and Damage”, 1ª edição 2020, uma importante obra de apoio à intervenção no património, abordando o
conhecimento dos materiais, estruturas, história da construção, patologia e casos práticos. Pretende-se responder às
seguintes questões: O que vale a pena preservar? Como é possível? O que é importante?
Esta obra é um contributo importante para os profissionais, investigadores e estudantes na área do Património.

Disponível para consulta no centro de documentação GECoRPA.

Reabilitação estrutural de paredes


de alvenaria de pedra tradicional
Autor: Fernando F. S. Pinho
Edição: NOVA.FCT Editorial

Esta obra é dividida em duas partes. Na primeira, faz-se um enquadramento geral do tema, incluindo as principais ca-
racterísticas e anomalias estruturais das construções de alvenaria de pedra tradicional, métodos de inspeção e diag-
nóstico destas anomalias e técnicas de reabilitação estrutural.
Na segunda parte, descreve-se o trabalho de investigação realizado pelo autor relativo à análise experimental de so-
luções de reforço estrutural desta tipologia construtiva, incluindo, entre outros, o processo construtivo de 62 modelos
experimentais (muretes) de alvenaria de pedra tradicional (que tiveram como principal referência as paredes dos edi-
fícios da Baixa Pombalina em Lisboa), as soluções de reforço aplicadas numa grande parte daqueles muretes, os en-
saios realizados em dois sistemas de ensaios (de compressão axial e compressão-corte), projetados e montados para
este estudo, e a apresentação e discussão dos resultados obtidos.
O autor é coordenador do Conselho Regional Sul do Colégio de Engenharia Civil da Ordem dos Engenheiros e profes-
sor no Departamento de Engenharia Civil da NOVA School of Science and Technology | FCT NOVA.

Disponível para consulta no centro de documentação GECoRPA.

Livraria
Platibandas do Algarve
Autores: Miguel Reimão Costa, Pedro Prista, José Eduardo Horta Correia e Alexandre Arménio Tojal
Edição: Argumentum

As platibandas são uma referência marcante dos edifícios do Algarve e são um elemento de grande valor patrimonial,
com uma importância notável na imagem dos aglomerados urbanos e dos núcleos rurais.
Embora mais evidentes na região do Sotavento, a sua presença é uma constante em todo o território do Algarve e
sobressai de uma forma graciosa e colorida na valorização da paisagem de toda a região. As platibandas constituem
uma expressão muito especial da afirmação da cultura construtiva regional, tanto na arquitetura popular, como na eru-
dita. São também um testemunho do gosto de criar formas e da perícia de construir do povo algarvio.
Esta edição, ilustrada com mais de 160 imagens, é o resultado de um significativo e original levantamento fotográfi-
co, que se tornou a base de um estudo importante para a identidade da região e para os apreciadores do património
do Algarve.
Um livro que nos deixa surpreendidos, curiosos e interessados por uma realidade muito viva que apetece admirar e
compreender.

Disponível para venda na livraria GECoRPA.


€35,00

Para saber mais sobre estes e outros livros consulte a

10
Livraria em www.gecorpa.pt Os associados
GECoRPA %
O Centro de Documentação pode ser consultado mediante têm 10% desconto.
marcação prévia através do info@gecorpa.pt
90 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021
P&C 70 | Janeiro > Junho 2021 | 91
Notícias

Professor António Lamas


reconhecido no ICOMOS
Prémio Europa Nostra divulga
princípios para

O professor catedrático jubilado do
Departamento de Engenharia Civil, Arqui-
Os resultados são ilustrados pelo seu lega-
do em termos de conhecimento partilhado e
a qualidade das
intervenções no
Património
tetura e Georrecursos do Instituto Superior pelas nomeações para a administração de
Técnico viu ser reconhecido o seu trabalho algumas das mais importantes instituições
de longos anos na defesa do património públicas responsáveis ​​pelo património em
assente na combinação da sua vocação Portugal.
académica para a partilha de conhecimento
e experiência com a sua capacidade para O seu trabalho que o tornou num líder na
liderar equipas e instituições. proteção e gestão do património cultural
em Portugal e num modelo a seguir na sal-
António Lamas, desde 1985 com a criação vaguarda do património europeu foi agora
de cursos de pós-graduação em Património distinguido com a menção especial do júri do
no Instituto Superior Técnico, conseguiu com prémio Europa Nostra na categoria “Serviço
o seu talento intelectual, iniciativa criativa dedicado ao Património”.
e determinação, reunir diferentes atores do
campo da proteção e conservação do patri- Fonte: Europa Nostra
mónio no esforço de preservar os recursos do
património europeu para as gerações futuras.

Em defesa de um sítio único, de


movimento cívico a associação


O antigo movimento cívico QSintra

O ICOMOS publicou uma atuali-
zação dos seus Princípios de Qualidade
é agora uma associação. para intervenções financiadas pela UE com
potencial impacto no Património Cultural
Há três anos, um grupo de sintrenses decidiu Construído. A publicação propõe 40 reco-
agir civicamente de forma organizada, a fim mendações principais, bem como um con-
de combater as ameaças a este Património junto de critérios de seleção para avaliar a
da Humanidade e defender as característi- qualidade dos projetos com potencial impac-
cas que fazem de Sintra um sítio único. A QSintra – Em Defesa de um Sítio Único, to sobre o património cultural.
constituída por escritura pública, resulta,
A experiência de três anos de sensibiliza- assim, da transformação em associação do Com esta publicação, as instituições da UE, os
ção pública para os impactos do modelo de movimento de cidadãos com o mesmo nome Estados-Membros, os promotores e restantes
desenvolvimento vigente demonstrou ser e que reivindica que Sintra tem de continuar entidades envolvidas têm à disposição uma
essencial e urgente organizar o exercício da a ser um património vivo e habitado sem ferramenta útil para assegurar a qualidade das
cidadania, em prol da defesa de modelos de perder o que de único garantiu a sua qualifi- intervenções na nossa herança comum.
estratégia e de gestão sustentáveis de uma cação como bem de valor universal.
Fonte: Fórum do Património
zona tão sensível como a Paisagem Cultural
de Sintra. Fonte: QSintra

92 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


Carta do Porto Santo
“A cultura e a promoção da democracia:
para uma cidadania cultural europeia”

N
o contexto da Presidência Portu-
guesa do Conselho da União Europeia e
turais e educativas e aos cidadãos europeus,
como um mapa orientador dos princípios,
da realização da conferência “Da demo- das políticas, dos discursos e das práticas
cratização à democracia cultural: repensar culturais e educativas, para aplicar e desen-
instituições e práticas”, realizada em Porto volver um novo paradigma, o de democracia
Santo, nos dias 27 e 28 de abril de 2021, cultural na Europa.
foi apresentada a Carta do Porto Santo “A
cultura e a promoção da democracia: para O documento apresenta várias propostas diri-
uma cidadania cultural europeia” que já se gidas aos diferentes agentes do ecossistema
encontra disponível, para consulta online. cultural com 16 recomendações aos decisores
políticos, 14 recomendações às organizações
A Conferência do Porto Santo propõe este culturais e educativas e 8 recomendações aos
documento de orientação, nas áreas da cidadãos.
Cultura e Educação, que se destina a deci-
sores políticos europeus, organizações cul- Fonte: DGPC

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Notícias

Debate público e abraço à


Tapada das Necessidades

C om um painel composto por Paulo
Ferrero, Fernando Nunes da Silva, Elsa
Severino, António Betâmio de Almeida, e com
moderação de Luísa Schmidt, decorreu no dia
15 de maio um debate público sobre o proces-
so concessão da Tapada das Necessidades.

O grupo que organizou este debate, com o


nome de “Amigos da Tapada das Necessidades”,
opõe-se ao atual “Projeto de Reabilitação pa-
ra a Concessão e Exploração do Conjunto de
Edifícios Existentes na Tapada das Neces- obrigará a obras de construção para aces-
sidades” por considerar que a sua execução sos, estacionamentos e saneamento, em
acentuará a degradação da Tapada, transfor- nada beneficiando a Tapada, como se lê na
mando um local de silêncio e contemplação petição pública “Em defesa da Tapada das DEBATE PÚBLICO E ABRAÇO
À TAPADA DAS NECESSIDADES
da natureza num espaço de eventos que, Necessidades”, que o grupo lançou.
15-05-2021
além ser desvirtuado pelo ruído e amon-
toamento humano durante esses eventos, Fonte: Amigos da Tapada das Necessidades

Resolução do Conselho de Ministros


aprova programa de investimentos para
o Património Cultural 2021-2026


F oi publicada, em Diário da Repúbli-
ca Eletrónico, a Resolução do Conselho de
histórico e artístico, com identificação das
respetivas condicionantes patrimoniais e a
da acessibilidade à cultura, com a criação de
espaços de divulgação cultural e reforço da
Ministros n.º 49/2021, de 11 de maio, que adaptação dos equipamentos às exigências inclusão social, com o desenvolvimento de
aprova o Programa de Investimentos para o ambientais e de eficiência energética”. âncoras de oferta e procura e dinamização
Património Cultural. da atividade económica, com a alavancagem
A resolução realça que “decorrentes destes de investimento e criação de emprego, com
O diploma refere que “foi efetuado o levanta- investimentos são esperados efeitos positivos a requalificação urbana e com a atração de
mento das necessidades de intervenção no de diversa índole, não só ao nível da melhoria visitantes e sustentabilidade turística”.
património cultural imóvel público prioritárias, física dos edificados e respetivas envolven-
incidindo sobre bens da propriedade ou sob tes, mas também em dimensões relacionadas Fonte: DGCP
gestão do Estado, atento o respetivo impacto com a preservação e valorização do patrimó-
no território e valor arquitetónico, cultural, nio histórico e arquitetónico, com a melhoria

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Vida Associativa

Novos Órgãos Sociais


do GECoRPA
R
ealizou-se a 28 de janeiro deste ano
a Assembleia Geral eleitoral dos corpos sociais
- Tiago Ilharco, licenciado em Engenharia
Civil e mestre em Reabilitação do Património
No encerramento da assembleia eleitoral o
GECoRPA agradeceu aos associados que
do GECoRPA para o triénio 2021-2023, que Edificado pela Faculdade de Engenharia da deixaram de pertencer aos corpos sociais, e,
passam a ter a seguinte constituição: Universidade do Porto (FEUP). É o novo secre- em particular, ao presidente da direção ces-
tário da Assembleia Geral. sante, professor e engenheiro Vasco Peixoto
A presidência da Direção é assegurada por de Freitas, o empenhamento com que promo-
Inês Flores-Colen, engenheira civil, mestre em - João Graça, licenciado em Engenharia Civil veu a associação e conduziu os seus desti-
Construção e Reabilitação, doutorada e Pro- pela FEUP. É vogal efetivo do Conselho Fiscal. nos, ajudando-a a ultrapassar as dificuldades
fessora Associada do Departamento de Enge- e incertezas do último ano.
nharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do - Joel Claro, conservador-restaurador com
Instituto Superior Técnico (IST), Universidade formação superior pelo Instituto Politécnico
de Lisboa. de Tomar (IPT), especializado na área de
materiais pétreos, e mestrado em Gestão de
Os corpos sociais contam ainda com mais Património pela Universidade de Évora. É
três novos elementos: vogal suplente do Conselho Fiscal.

Semana da Reabilitação Urbana Seminário


internacional

O rganizada pela Vida Imobiliária, de sobre estratégias
de avaliação
11 a 13 de maio, a Semana da Reabilitação
Urbana de Lisboa foi transmitida online, de

sísmica para as
forma gratuita e contou com o apoio institu-
cional do GECoRPA.

Destacamos 2 sessões coorganizadas pelo


grémio: no dia 12, “Intervenção no Património
estruturas de
– Desafios e Casos Práticos” com participação
dos associados Atelier in.vitro; Roth Projectos,
alvenaria
AOF e NCREP; no dia 13 “Os desafios da
Arquitetura Sustentável e do Património”
com a participação do arquiteto José Borges,
Membro da Direção do GECoRPA.

A edição de 2021 da Semana da Reabilitação


INTERVENÇÃO
NO PATRIMÓNIO -

O nosso associado NCREP participou
no “Seminário internacional sobre estratégias
DESAFIOS E CASOS
Urbana contou também com um artigo de de avaliação sísmica para as estruturas de
PRÁTICOS
opinião da autoria da atual presidente do alvenaria”.
GECoRPA, intitulado: “Desafios e Estratégias
para o Património”. OS DESAFIOS DA O engenheiro Alexandre Costa partilhou
ARQUITETURA alguns estudos de caso interessantes sobre
SUSTENTÁVEL
Fonte: Público e GECoRPA a avaliação sísmica das estruturas de alfân-
E DO PATRIMÓNIO
dega em Portugal.

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Vida Associativa

Curso de Especialização
Jornadas de em Inspeção e Diagnóstico,
Reabilitação Reabilitação e Reforço
Urbana – de Edifícios
Palmela

O Centro de Estudos de Engenharia
Civil (CEEC) do Instituto Superior de
riência empresarial e contribuiu para a for-
mação de técnicos qualificados na área da
Engenharia de Lisboa (ISEL) e o Institute for inspeção e diagnóstico, reabilitação e reforço
Advanced Studies and Awareness (IASA), de edifícios, complementando a sua formação
organizaram o curso de Especialização e contribuindo para a qualidade nas respeti-
em Inspeção e Diagnóstico, Reabilitação e vas intervenções.
Reforço de Edifícios, que contou com o apoio
da Ordem dos Engenheiros – Região Sul e do A equipa formadora teve na sua composição
GECoRPA. o engenheiro Carlos Mesquita da OZ – diag-
nóstico, levantamento e controlo de qualidade
Com início a 17 de maio de 2021, o objetivo em estruturas e fundações, Lda., o engenheiro

D
foi o de dotar os profissionais da área da João Paulo Costa da Monumenta, Reabilitação
engenharia e arquitetura com as competências do Edificado e Conservação do Património,
ecorreram de 7 a 9 de junho as necessárias ao desempenho das suas funções, Lda., ambas associadas GECoRPA, e o asso-
Jornadas da Reabilitação Urbana em Palmela. independentemente do seu contexto académico ciado individual engenheiro Luís Pedro Mateus.
anterior e que é normalmente muito variado.
A iniciativa foi organizada no âmbito do Fonte: Ordem dos Engenheiros
Programa de Dinamização da Reabilitação Este curso foi lecionado por especialistas
Urbana do Centro Histórico de Palmela e altamente qualificados e com grande expe-
do Núcleo Antigo da Vila de Pinhal Novo.
O município proporcionou um momento
de reflexão e discussão sobre a reabilita-
ção urbana, em torno de três temas cen-
trais: “Reabilitação e os Núcleos Antigos”,
Fórum do
Património 2021
“Soluções para a Reabilitação de Edifícios
Antigos” e “Reabilitação e Património”.

Ao longo dos três dias deste evento desti-


nado a proprietários, moradores, profissio-

É
nais das áreas da Arquitetura, Engenharia
e Urbanismo e população em geral, foram
abordadas questões transversais da rea- no último trimestre de 2021 que comunidades, em ambiente urbano e rural,
bilitação urbana, com enfoque também na decorrerá na Central Tejo (Fundação EDP) e propõe a discussão sobre os modos em
realidade de Palmela, e questões de caráter e online, o Fórum do Património 2021 (data que o património pode ser ativado e des-
mais técnico, relacionadas com a interven- a anunciar), organizado pela Associação Por- frutado no presente, salientando o valor
ção sobre o edificado existente e os desafios tuguesa de Arqueologia Industrial (APAI), do património como bem de futuro. O tema
associados. Grémio do Património (GECoRPA), Associa- oferece uma oportunidade para trocar ideias
ção Portuguesa para a Reabilitação Urbana e partilhar práticas em torno de temáticas
Estas jornadas contaram com a participação e a Proteção do Património (APRUPP), Asso- como comunidades patrimoniais, o envol-
de um dos membros da direção do GECoRPA, ciação Portuguesa dos Amigos dos Castelos vimento da comunidade (incluindo métodos
arquiteto José Borges, da CBC – Construções (APAC), e pela Associação Portuguesa das participativos e história oral), os novos usos
Borges e Cantante, Lda. Casas Antigas (APCA). do património, as novas tecnologias e como
estas podem dar vida ao passado.
Fonte: Município de Palmela Com o tema principal “Património Vivo” a
versão de 2021 do fórum traz-nos o patri-
mónio que faz parte da vida quotidiana das

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Vida Associativa

16 associações juntam-se Entrevista de Vítor


Cóias no Conversas
para fazer uma declaração. de Património #3
Nasce a “Carta de Direitos
do Património Cultural
O nosso associado Vítor Cóias defen-

Português”
deu a reabilitação urbana em Portugal muito
antes de esta ser uma realidade. Assista à
entrevista realizada pelo museólogo André de
Soure Dores, que questiona este engenheiro

N
de estruturas sobre as oportunidades, os dile-
mas e as perspetivas futuras da reabilitação
esta carta tornada pública no urbana de património cultural em Portugal.
passado mês de maio, na véspera do Dia
Internacional dos Museus, 16 associações de O Ciclo “Conversas de património: 4 conver-
defesa do património, entre as quais consta sas sobre Gestão do Património em Portugal”
o GECoRPA, alertam para os problemas do é organizado pela patrimonio.pt com a
abandono dos bens culturais e, quando algu- Católica Business School e com a Escola das
ma atenção lhes é dada, das intervenções Artes da Universidade Católica, e aconteceu
desadequadas de que são alvo. na salvaguarda desses bens e sublinha que de Março a Junho de 2021.
devem ser tratados por todos não como
O documento sintetiza em dez pontos os passado, mas como parte do presente e 3# REABILITAÇÃO URBANA
direitos dos bens culturais no âmbito das projeções do futuro E PATRIMÓNIO CULTURAL:
boas práticas das políticas públicas, insta o PREOCUPAÇÕES COMUNS
estado a assumir o seu papel fundamental Fonte: Público
Fonte: património.pt

Apresentação da publicação “Conservação e


reabilitação do património – estratégias
e potencialidades [2020-2030]”
N
o último trimestre deste ano, com
sessões em Lisboa e Porto (datas a anun-
CO NS ER VA ÇÃ
AB IL IT AÇ
O
ÃO
E RE
ciar), será feita a apresentação da publi- DO PATR IM
Ó NI O
ES
POT ENC IALI DAD
EST RAT ÉGI AS E
cação promovida pelo GECoRPA, com um
(20 20- 203 0)
1.ª REUNIÃO
grupo de trabalho com vários especialistas DO GRUPO DE
e coordenada pelo professor e engenheiro TRABALHO
Vasco Peixoto de Freitas: “Conservação e
reabilitação do património – estratégias e
potencialidades [2020-2030]”.

COOR DENA ÇÃO


A matéria contida no documento colaborati- VASC O PEIX OTO
DE FREI TAS

vo pretende sensibilizar os decisores e ato-


CONT RIBUT OS
res que intervêm no património, apresen- Alice Tavar es, Esme
ralda Paup ério,
Marti ns Jacin to,
Filipe Ferre ira, João arida Alçad a,
r Mede iros, Marg
José Borge s, Leono
tando um conjunto de recomendações que Manu el Aranh a,
Ricar do Gonç alves
,
Freita s, Vítor Cóias
Vasco Peixo to de
incidem, principalmente, no planeamento 1

estratégico de políticas para a conservação


e reabilitação.

P&C 70 | Janeiro > Junho 2021 | 97


Vida Associativa

Dia Internacional dos Museus e Sítios 2021


Atividades dos nossos associados


A cargo do associado Atelier
Samthiago – Conservação e Restauro, os
A ACER, da qual o nosso associado Antero
Leite é presidente, celebrou o DIMS com
APRESENTAÇÃO
DOS TRABALHOS EM
CURSO NOS TETOS
DA SÉ DO FUNCHAL
trabalhos de conservação e restauro dos uma visita virtual a uma Oficina-Mostra
tetos da Sé do Funchal foram divulgados sobre o trabalho de execução de um TRABALHOS DE
em vídeo para apresentação à comunida- friso em estuque realizado pelo Mestre CONSERVAÇÃO E
de pela Secretaria Regional de Turismo e Fontaínha na Santa Casa da Misericórdia RESTAURO EM CURSO
Cultura, através da Direção Regional da de Viana do Castelo. NOS TETOS DA
SÉ DO FUNCHAL
Cultura. Foram também abertas visitas
guiadas aos trabalhos em curso no teto, na Oficina-Mostra da ACER sobre Estuques,
TETO DA SÉ
véspera do Dia Internacional dos Museus e com execução de um perfil em estuque RECUPERADO
Sítios (DIMS). orientada por Mestre Fontaínha, de 4 de ATÉ AO VERÃO
Maio de 2015 (vídeo disponibilizado como
Para assinalar o DIMS, o nosso associado visita virtual no âmbito do Dia Internacional OFICINA-MOSTRA DA
Umbelino Monteiro partilhou algumas fotos dos Monumentos e Sítios 2021. ACER SOBRE ESTUQUES
das obras com a sua assinatura na sua ORIENTADA PELO
MESTRE FONTAÍNHA
página Facebook.

Apoios ao GECoRPA estão ao abrigo do Mecenato Cultural


Os donativos e apoios ao GECoRPA – Grémio do Património, no âmbito do seu
programa de atividades, gozam dos benefícios fiscais previstos no regime do
Mecenato Cultural.
O GECoRPA – Grémio do Património submeteu o seu “Programa de Atividades
para o Triénio 2014/2016” à Secretaria de Estado da Cultura, para efeitos
de avaliação do interesse cultural, tendo sido emitida uma “Declaração de
Interesse Cultural”.
O reconhecimento do interesse cultural do Programa do Grémio permite
aos mecenas usufruir dos benefícios fiscais previstos no regime do
Mecenato Cultural.
Os donativos abrangidos pelo Estatuto dos Benefícios Fiscais/
Mecenato Cultural podem ser em dinheiro ou em espécie.
O GECoRPA – Grémio do Património é, também, uma
entidade sem fins lucrativos de utilidade pública.

98 | P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


SAlVAGUARDAR
O PATRIMÓNIO

ARQUITECTURA
DESIGN INTERIORES

WWW.LUSIADADESIGN.COM
Associados GECoRPA – Grémio do Património

ASSOCIADOS
COLETIVOS Pretensa – Equipamentos

ORDINÁRIOS OZ – Diagnóstico, Levantamento e Controlo e Materiais de Pré-Esforço, Lda.


de Qualidade em Estruturas e Fundações, Lda. Juntas de dilatação de edifícios, rodoviárias e ferroviárias;
Estudos e projetos de engenharia e arquitetura; gestão e pregagens Cintec; proteção sísmica; químicos para
fiscalização de obras; organização e gestão de empresa; construção; aparelhos de apoio; pré-esforço; reabilitação
formação. de estruturas; proteção contra explosões; barreiras
acústicas; nanoparticulas para a construção.

GRUPO I
Projeto, fiscalização e consultoria GRUPO III
Execução dos trabalhos.
Empreiteiros e Subempreiteiros
Revivis – Reabilitação, Restauro e Construção, Lda.
Obras de reabilitação, conservação e restauro e
construção civil na generalidade.

Atelier in.vitro
Consultoria e projeto na área da arquitetura, com
particular enfoque na reabilitação do património edificado.
ACTIA – Engenharia e Construções, Lda.
Obras de conservação e reabilitação de edifícios. Atelier Samthiago, Lda.
Obras de conservação e restauro do património
histórico e artístico.

Cura – Projectos
Inspeções, auditorias, estudos, peritagens, projetos e
formação, no âmbito da engenharia e da arquitetura;
ensaios, testes e medições para apoio ao diagnóstico
de anomalias construtivas; controlo de qualidade, AOF – Augusto de Oliveira Ferreira & C.ª, Lda.
fiscalização e gestão de obras públicas ou privadas. Obras de conservação e reabilitação de edifícios, STB – Reabilitação do Património Edificado, Lda.
cantarias e alvenarias. Reparação e reforço de estruturas; reabilitação de
edifícios; inspecção técnica de edifícios e estruturas;
instalação de juntas; pintura e revestimentos industriais.

Gestip – Gestão Imobiliária e de Participações, Lda.


Gestão imobiliária.
GRUPO IV
CBC – Construções Borges & Cantante, Lda.
Fabrico e/ou distribuição
Construção de edifícios. de produtos e materiais

Professor Engenheiro Vasco Peixoto de Freitas, Lda.


Patologia, reabilitação de edifícios e comportamento
higrotérmico.

S&P – Clever Reinforcement Ibérica Materiais


de Construção, Lda.
Monumenta – Reabilitação do Edificado
GRUPO II e Conservação do Património, Lda.
Fabricante de sistemas de reforço estrutural
para betão armado, alvenaria, madeira e aço
Levantamentos, inspeções e ensaios Obras de conservação e reabilitação de edifícios; com compósitos de fibra; reforço de pavimentos
consolidação estrutural; conservação de cantarias rodoviários, aeroportuários e portuários com malhas
e alvenarias. de fibra de carbono e vidro.

NCREP – Consultoria em Reabilitação do Edificado e


Património, Lda.
Consultoria em reabilitação do património edificado; Umbelino Monteiro, S.A.
inspeção e diagnóstico; avaliação de segurança Produção e comercialização de produtos e
estrutural e sísmica; modelação numérica avançada; NVE – Engenharias e Construção, S.A. materiais para o património arquitetónico e
projeto de reabilitação e reforço; monitorização. Projetos de engenharia; construção; reabilitação. construções antigas.

ESTATUTO EDITORIAL DA PEDRA & CAL

A revista Pedra & Cal é uma publicação ção, tendo como destinatários os seus asso- A Pedra & Cal propõe-se, também, sensibili-
periódica especializada, nascida em 1997, ciados, as empresas e os profissionais destas zar o público em geral para a importância do
que se dedica à conservação e restauro do áreas, de modo a contribuir para a qualidade Património Cultural Construído e constituir um
Património Cultural Construído e à reabilita- das intervenções. fórum para a crítica e a opinião, sempre com
ção do Edificado em geral. respeito pela liberdade de expressão e pelos
Para cumprir esta missão a revista propõe-se códigos da Ética e Deontologia jornalísticas.
A Pedra & Cal tem como missão prestar contribuir para a divulgação do conhecimento
informação diversificada e fidedigna sobre as nestas áreas e reforçar a interação entre os A Pedra & Cal não tem qualquer dependência
melhores práticas, ideias e projetos destes diversos intervenientes com as entidades de ordem ideológica, política ou económica.
segmentos de atividade do setor da constru- dedicadas à formação e à investigação.

100| P&C 70 | Janeiro > Junho 2021


Associados GECoRPA – Grémio do Património

ASSOCIADO
COLETIVO
EXTRAORDINÁRIO
CAMPANHA PROMOCIONAL
NOVOS ASSOCIADOS
OET – Ordem dos Engenheiros Técnicos

Associe-se ao GECoRPA ou, no caso de já pertencer


ao nosso grémio, traga um novo associado e contribua
para o fortalecimento desta associação empresarial.
ASSOCIADOS Não basta que sejamos apenas bons, é preciso que se-
INDIVIDUAIS jamos também muitos!

Para novas candidaturas até 30 de setembro, o novo asso-


Aníbal Guimarães da Costa,
engenheiro ciado usufrui da oferta da joia e de um trimestre de isenção
de pagamento da quota. Concretamente, durante o primeiro
Antero Leite,
economista
ano (e sem obrigatoriedade de continuação), desfrutará de
um conjunto de vantagens que, em condições normais, se
Diana Eibner Roth, encontram acessíveis por um valor mais elevado.
arquiteta

Esmeralda Paupério, Ao ser nosso associado terá como benefícios usufruir da ex-
engenheira
periência da associação, da sua representatividade e referên-
Inês Flores-Colen,
cia no setor, apostando na concorrência leal e na formação.
engenheira Terá ainda acesso privilegiado a informação, bem como a
técnicas de gestão da qualidade e a estratégias diferencia-
das de publicidade e marketing, que se refletirão, por exem-
João Augusto Martins Jacinto,
engenheiro
plo, em presença na Internet, nas redes sociais e na revista
Luís Pedro Monteiro Mateus,
engenheiro
Pedra & Cal. O GECoRPA possui, ainda, um centro de docu-
mentação e uma livraria onde poderá consultar/requisitar ou
Manuel Tender, comprar livros com descontos para associados.
engenheiro

Maria de Lurdes Belgas Costa, Para mais informações: info@gecorpa.pt.


engenheira

Miguel Reis Freire Cartucho,


engenheiro

Paulo Lourenço,
engenheiro

ASSOCIADO
HONORÁRIO

Vasco Peixoto de Freitas,


engenheiro
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102| P&C 70 | Janeiro > Junho 2021

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