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1 Série:

Organizadores da Série
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OS ESPAÇOS DO DIÁLOGO
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ENTRE A REQUALIFICAÇÃO

      


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palestra do Prof. Benamy Turkienicz minis-        ‡    

O DIÁLOGO DESENHADO
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(Unesp – 1o. semestre 2020)
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Organizadores

Adalberto da Silva Retto Junior


Geise Brizotti Pasquotto

Autor
Benamy Turkienicz

O Diálogo Desenhado
planos diretores e a nova agenda urbana

1 Edição

TUPÃ/ SP
ANAP
2021

1
EDITOR A ANAP CONSELHO EDITORIAL
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
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Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de Profª. Drª. Alba Regina Azevedo Arana - UNOESTE
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agenda urbana / Benamy Turkienicz (autor) Adalberto da Silva Profª. Drª. Carla Rodrigues Santos - Faculdade FASIPE
Retto Junior; Geise Brizotti Pasquotto (orgs) - Tupã: ANAP, 2021
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115 p; il.; 14,8 x 21 cm Profª. Drª. Carmem Silvia Maluf - Uniube
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Prof. Dr. Cesar Fabiano Fioriti - FCT/UNESP
ISBN 978-65-86753-39-4
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1. Desenho 2. Urbano 3. Requalificação 4. Projeto Profª. Drª. Cristiane Miranda Martins - IFTO
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2 3
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Prof. Dr. José Aparecido dos Santos - FAI Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara - UFSCar
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Prof. Dr. José Seguinot - Universidad de Puerto Rico Prof. Dr. Rodrigo Cezar Criado - TOLEDO Prudente Centro Universitário
Prof. Dr. Josep Muntañola Thornberg - UPC -Barcelona, Espanha Prof. Dr. Rodrigo Gonçalves dos Santos - UFSC
Prof. Dr. Josinês Barbosa Rabelo - UFPE Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG
Profª. Drª. Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia - UFPB Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho - UFGD
Profª. Drª. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro - FEA Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araujo - UFMA
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR Profª. Drª. Roselene Maria Schneider - UFMT
Profª. Drª. Karin Schwabe Meneguetti - UEM Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP
Prof. Dr. Leandro Gaffo - UFSB Profª. Drª. Sandra Mara Alves da Silva Neves - UNEMAT
Profª. Drª. Leda Correia Pedro Miyazaki - UFU Prof. Dr. Sérgio Aaaugusto Mello da Silva - FEIS/UNESP
Profª. Drª. Leonice Seolin Dias - ANAP Prof. Dr. Sergio Luis de Carvalho - FEIS/UNES
Profª. Drª. Lidia Maria de Almeida Plicas - IBILCE/UNESP Profª. Drª. Sílvia Carla da Silva André - UFSCar
Profª. Drª. Lisiane Ilha Librelotto - UFS Profª. Drª. Silvia Mikami G. Pina - Unicamp
Profª. Drª. Luciana Ferreira Leal - FACCAT Profª. Drª. Simone Valaski - UFPR
Profª. Drª. Luciana Márcia Gonçalves - UFSCar Profª. Drª. Sueli Angelo Furlan - USP
Prof. Dr. Marcelo Campos - FCE/UNESP Profª. Drª. Tânia Paula da Silva - UNEMAT
Prof. Dr. Marcelo Real Prado - UTFPR Profª. Drª. Vera Lucia Freitas Marinho – UEMS
Profª. Drª. Marcia Eliane Silva Carvalho - UFS Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira - FURG
Profª. Drª. Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes - EQUOIA Engenharia Ambiental LTDA Prof. Dr. Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior - UFCG
Profª. Drª. Margareth de Castro Afeche Pimenta - UFSC Profª. Drª. Yanayne Benetti Barbosa
Profª. Drª. Maria Ângela Dias - UFRJ
Profª. Drª. Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci - IAU
Profª. Drª. Maria Augusta Justi Pisani - UPM
Profª. Drª. María Gloria Fabregat Rodríguez - UNESP
Profª. Drª. Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE
Profª. Drª. Maria José Neto - UFMS
Profª. Drª. Maristela Gonçalves Giassi - UNESC
Profª. Drª. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT

4 5
Sumário
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
Capítulo 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Entrevista com Professor Turkienicz
Módulo I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Desenho Urbano, Morfologia Urbana, Preservação
Assentamentos Espontâneos, Cidades Novas

Módulo II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Seminário sobre Desenho Urbano no Brasil
Módulo III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Desenho Urbano e Prática Profissional
Módulo IV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Pesquisa e Desenho Urbano
Módulo V . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Desenho Urbano e Ensinamento
Módulo VI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Desenho Urbano e Estratégias Políticas
Módulo VII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Cidade Compacta x Cidade Dispersa
Módulo VIII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Plano Diretor e Desenho Urbano
Módulo IX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Universidade e Produção de Conhecimento
Capítulo 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
6 7
Urbanismo VI - Requalificação Urbana
INTRODUÇÃO

entre ensino e prática. Além disso, poderiam


ser discutidos questões de ordem da defini-
ção e da polissemia do denominado “projeto
urbano”; o papel de protagonistas no projeto
e no ensino; os diferentes conhecimentos e
know-how; a questão dos novos dispositivos
e o modo como são integrados pelo ensino;
As aulas ministradas em formato remo- a questão das estratégias políticas e seu trata-
to na disciplina “Urbanismo VI: Requalifica- mento no ensinamento do projeto urbano, en-
ção Urbana” (Unesp – 1o. semestre 2020), e fim, a especificidade do papel do arquiteto ur-
entrevistas com alguns arquitetos e urbanistas, banista com relação às outras disciplinas que
professores, como o Prof. Benamy Turkienicz, tratam do espaço.
fazem parte de uma série de interlocuções in-
titulada “Os espaços de diálogo entre a Requa- Parte-se do pressuposto que questões
lificação Urbana e o Desenho Urbano” com teóricas formuladas em determinado lugar,
objetivo de reunir leituras simultâneas de re- em circunstâncias específicas e com determi-
flexões teóricas e de práticas sobre Planos Ur- nadas raízes culturais, podem ter intérpretes
banísticos e Projetos Urbanos. em todos os lugares como sinal não somente
da circulação das informações características
A parte nodal da série é remontar o de- de nosso tempo, mas também de que a própria
bate sobre a autonomia e a identidade do pro- disciplina possa encontrar elementos fundan-
jeto urbano em sua amplitude internacional, tes autônomos em diferentes nacionalidades.
para que possam refletir a troca de informa-
ções sobre profissionais e problemáticas, cir- No caso específico das duas entrevistas
cundar os temas e situar dificuldades e desvios acima citadas, iluminar o nascimento dos Se-
8 9
minários de Desenho Urbano – SEDUR que,
em suas atas, esclarecem que a intenção maior
era o desejo de ver surgir, em função dos ci-
clos de ensino, a introdução de conhecimentos
progressivos e a consolidação dos laços entre
pesquisa, ação e desenvolvimento urbano, ali-
mentando-se da experimentação, da aborda-
gem crítica e de pedagogias específicas.

Uma série de perguntas foram propos-


tas e debatidas: a transmissão de um processo
ou de uma abordagem; a interação entre teoria
e prática, a relação com a pesquisa; a interdis-
ciplinaridade na complementaridade que se
apoia no reconhecimento de uma especificida-
de arquitetônica do projeto urbano; o reforço
de laços entre profissionais, a relação com os
protagonistas do projeto urbano e as coletivi-
dades; a valorização da profissão de arquiteto-
-urbanista; a integração das competências de
profissões próximas (paisagistas, engenheiros,
etc.); e enfim, a questão dos profissionais prá-
ticos e dos pesquisadores em arquitetura que
não se situam no setor operacional das uni-
versidades, nem são relacionados aos saberes
“puros” (da sociologia, da história urbana,
etc.), mas em relação aos saberes híbridos, Prof. Dr. Adalberto da Silva Retto Júnior
constituindo-se na interseção entre as teorias,
as doutrinas e as práticas. Profa. Dra. Geise Brizotti Pasquotto
10 11
Capítulo 1

Módulo I
SEMINÁRIO SOBRE
DESENHO URBANO
NO BRASIL – SEDUR

Na introdução dos Anais do II SEDUR


– Seminário sobre Desenho Urbano no Brasil,
realizado em 1986, o senhor afirma que
Entrevista com

[...] os três volumes (dos seminários) transfor-


Turkienicz
maram-se em precioso material didático utili-
zado nas escolas de arquitetura do Brasil e têm
Professor

servido de apoio técnico a arquitetos e plane-


jadores urbanos em tarefas nas mais diferentes
instituições ligadas às administrações munici-
pal, estadual e federal. (TURKIENICZ, 1986,
p.5)

Desses encontros participaram docen-


tes de muitas escolas brasileiras, dando uma
mostra da riqueza da produção bibliográfica
brasileira sobre a natureza dos espaços ur-
banos.
Qual a importância dos seminários
SEDUR na consolidação do Desenho Urba-
no no Brasil?
12 13
BT. Um dos principais objetivos das edi- Criamos articulações com seções regio-
ções do SEDUR foi o de aumentar a percepção nais e locais do Instituto de Arquitetos do Bra-
sobre a importância do Projeto Urbano: ao ras- sil – IAB e, através dessa rede de contatos, con-
trear trabalhos, localizar seus autores e convi- seguimos resgatar os projetos e convidar seus
dá-los, pessoalmente, procuramos oportunizar autores a submeter trabalhos. Vale lembrar
que arquitetos de diferentes prefeituras (muitas que, na época, não havia internet disponível: os
vezes de cidades de pequeno porte) pudessem contatos eram feitos via telefone e correio. Vá-
expor projetos urbanos com inequívoca quali- rias reuniões foram feitas nas sedes do IAB, em
dade. Na época, a ideia era estimular também diferentes estados, para divulgar o evento e de-
os arquitetos das prefeituras a vislumbrarem bater suas pautas. Ao final do processo que an-
possibilidades de projetos urbanos em meio tecedeu o I SEDUR, tínhamos constituído uma
às tarefas usuais de controle de licenciamento. verdadeira rede de profissionais e acadêmicos
Mas não só isso: foi também a de demonstrar, voltada para a troca de informações e conhe-
para estudantes de arquitetura e urbanismo, cimentos sobre Desenho Urbano no Brasil. A
o potencial de qualificação do espaço urbano edição do II SEDUR foi consequência natural
que o trabalho técnico em prefeituras poderia do sucesso da primeira edição: foram 650 par-
ensejar. Procuramos também o contato com ticipantes na primeira edição e 1350, na segun-
professores e pesquisadores de diferentes fa- da. Mais do que um Seminário para divulgação
culdades e escolas de arquitetura e urbanismo, de ideias, os SEDUR constituíram oportunida-
rastreando-os não só pelos trabalhos publica- de pioneira de conscientização sobre possibi-
dos, mas também pelas metodologias de en- lidades de intervenção desenhada nas cidades
sino e aprendizagem do projeto urbano e pai- brasileiras e latino-americanas.
sagismo disponíveis nas ementas e programas
curriculares. Dialogamos com escritórios de Dentro do marco do I e II SEDUR, di-
arquitetura que tinham projetos, em seus acer- versos profissionais e pesquisadores contribu-
vos, inclusive de cidades novas, e solicitamos íram para a construção desses dois primeiros
que os descrevessem em seus conceitos princi- eventos. Vários desses colegas continuaram
pais e fundamentos teóricos. suas exitosas trajetórias e seus trabalhos ini-
cialmente publicados em periódicos como AU
14 15
(Pini) e Revista Projeto e, mais recentemente, dos dois eventos, rigorosamente dentro do pra-
na Arquitextos (Vitruvius), blogs, sites e ou- zo previsto, ou seja, nos dias de inauguração
tros meios de comunicação. Convém nomear dos eventos. Considerando que, na década de
alguns dos principais colaboradores e incenti- 80, não tínhamos as facilidades de comunica-
vadores dos primeiros SEDUR: Alfredo Gas- ção hoje disponíveis (recebemos os trabalhos
tal (CNPq), Maurício Nogueira Batista (UnB/ e ilustrações impressos em papel, menos de 45
CNPq ), Vicente Del Rio (UFRJ), Lélia Vascon- dias antes do evento), o trabalho dessas duas
cellos (UFRJ), Staël Alvarenga (UFRJ), Silvio editoras para entregar as duas publicações, no
Soares Macedo (USP) e Carlos Nelson Ferreira prazo previsto, foi realmente notável. Nas suas
dos Santos ( IBAM) . Nas Comissões Organi- duas posteriores e derradeiras edições, III e IV
zadoras, Suely Mara Vaz Guimarães de Araú- SEDUR, de cuja comissão organizadora não fiz
jo, Maria Silvia Lorenzetti e Maurício Malta parte, a articulação da rede acima descrita pode
(coeditor dos Anais do II SEDUR) trabalha- ter-se rompido, talvez por isso, ocasionando a
ram ombro a ombro, desde a concepção até os descontinuidade dos seminários.
últimos detalhes de logística e editoração. Na
FAU-UnB, valiosos colaboradores do I e do II A importância dos SEDUR pode ser me-
SEDUR foram os colegas Jaime G Almeida, dida por algumas evidências. Após o SEDUR
Maria Elaine Kohlsdorf e Gunter Kohlsdorf. de 1986, o CNPq passou a incorporar o termo
“Desenho Urbano” como subárea da Arquitetu-
Deve-se salientar o papel fundamental ra e Urbanismo; até então não existiam referên-
de duas editoras (Projeto/Vicente Wissenbach cias produzidas no país (e, quiçá, na América
e Pini/ Mário Pini), publicando os anais dos Latina) sobre o tema; os anais dos SEDUR I e II
dois primeiros eventos. Vicente e Mário, cada passaram a fazer parte de prateleiras de quase
um a seu tempo, acreditaram na importância todas as bibliotecas de escolas de arquitetura da
do projeto e se constituíram em entusiasma- América Latina e Caribe; em 1986, concebi, co-
dos apoiadores do evento. A seriedade e pro- ordenei e a Finep apoiou o projeto Dimensões
fissionalismo desses dois editores brasileiros Morfológicas do Processo de Urbanização,
possibilitou que os anais das duas edições do com o equivalente, a US$100,000.00 (cem mil
SEDUR fossem entregues, aos participantes dólares), provavelmente a maior cifra até então
16 17
investida em pesquisa sobre impactos de fato- to e prática profissional consolidada: falta au-
res ambientais e antrópicos no meio intraurba- mentar tanto sua relevância na academia, com
no no País. professores capacitados e diretrizes curricu-
lares específicas, quanto a percepção de sua
O projeto, mais tarde conhecido pela si- importância por administradores municipais
gla DIMPU, foi baseado numa das ideias cen- e empreendedores urbanos. O aumento da re-
trais dos SEDUR: reunir evidências sobre como levância e da percepção são proporcionais ao
diferentes aspectos (sociais, econômicos, his- conhecimento da sociedade sobre a natureza
tóricos, ambientais entre outros) interagem no dos espaços urbanos, seu papel e suas intera-
espaço urbano, em diferentes escalas, produ- ções com os diferentes aspectos da vida urba-
zindo diferentes tipos de impacto. O DIMPU na como saúde, economia, cultura, segurança,
continuou a ser desenvolvido, depois de minha saneamento e mobilidade. O Estado brasileiro,
mudança para a Universidade Federal do Rio nas dimensões federativa, estaduais e munici-
Grande do Sul, sob a coordenação de Frederico pais, ainda pode estar bastante distante de atin-
R. B. Holanda e seus resultados foram docu- gir tal percepção.
mentados no “Ensaio sobre o Desempenho
Morfológico dos Lugares” (Kohlsdorf e Kohl-
sdorf, 2017). Recentemente (34 anos depois do
II SEDUR) a abordagem integrada proposta
pelo DIMPU se fez presente, conceitualmente,
na oficina “Quadra do Futuro”, coordenada
pelos professores Gabriela Celani (Unicamp)
e Carlos Vaz (UFSC), numa clara sinalização
de que novas sementes procuram germinar em
terreno até então pouco fértil.

Apesar das importantes iniciativas re-


latadas, não se pode afirmar que o Desenho
Urbano seja, no Brasil, área de conhecimen-
18 19
BT: Hoje, o ensino e a aprendizagem
Módulo II do Projeto Urbano, embora incipiente, é mais
disseminado do que na década de 1980. O do-
DESENHO URBANO, cumento da Área Arquitetura, Urbanismo e
MORFOLOGIA URBANA, Design (AU+D) da Capes, gestão 2007-2010,
PRESERVAÇÃO, ASSEN- quando fui coordenador, descreve o quadro
TAMENTOS ESPONTÂNE- da pesquisa em AU+D relacionando-o às li-
OS, CIDADES NOVAS nhas de pesquisa e currículo dos cursos de
graduação em Arquitetura e Urbanismo (e
Design). O quadro da graduação em arqui-
A estrutura dos anais dos seminários tetura e urbanismo, sob o ponto de vista do
SEDUR demonstra que, nos anos 1980, ini- ensino e aprendizagem era (e ainda é) deso-
ciava-se uma discussão sobre os novos para- lador: menos de 12% do total dos conteúdos
digmas e dimensões de conhecimento que são voltados para o urbanismo e, destes 12%,
deveriam fazer parte das metodologias e somente 2/3 dos conteúdos são voltados para
conteúdos de ensino das escolas de arquite- o ensino do projeto urbano. Falta, nas diretri-
tura do país. Atravessando os estudos reuni- zes de ensino emanadas pelo MEC, previsão
dos nos livros, constata-se uma profusão de de carga horária para o ensino das tecnologias
temas, programas e diversas escalas. Os tex- e da representação da cidade (como existem
tos apresentados não demonstram posições para a edificação). Nossos estudantes continu-
definitivas, mas apontam orientações para am saindo desses cursos de graduação com o
futuros debates. O ensino do projeto urbano título de Arquiteto e Urbanista quando, na re-
é recente e antigo, ao mesmo tempo, e alguns alidade, recebem educação voltada para o pro-
recortes ainda não se esgotaram nem mesmo jeto da edificação, mas ainda insuficiente para
com relação a conteúdos, tampouco a abor- analisar e projetar cidades.
dagens de ensino.
Qual o percurso do “Desenho Urba-
Hoje, ainda são raros os cursos de pós-
no” no âmbito dos programas das escolas de
-graduação (especialização, mestrado e dou-
arquitetura e urbanismo?
20 21
torado) na área de urbanismo. As linhas de rapidez sobre os fatores que limitam a capaci-
pesquisa e áreas de concentração da maioria tação de profissionais em diferentes setores de
dos cursos de pós-graduação em AU abordam, planejamento urbano e habitacional do Brasil.
principalmente, temas relativos à História e Sem dúvida, um grande desafio para os atuais
Teoria da Arquitetura e do Urbanismo. O es- representantes de Área, na Capes e no CNPq,
paço urbano, em sua complexidade, é tratado é o de direcionar boa parte dos recursos inves-
pela área de Planejamento Urbano cujas áreas tidos na educação de arquitetos e urbanistas
e linhas de pesquisa são, predominantemente, para melhorar, no curto e no médio prazos, a
focadas em aspectos políticos, sociais e eco- qualidade do projeto e da gestão dos espaços
nômicos do planejamento urbano e, apenas, urbanos brasileiros.
tangenciam o Projeto Urbano e as tecnologias
envolvidas nesse tipo de projeto. Existem boas Deve partir, em primeiro lugar, da aná-
exceções entre as instituições do Brasil, mas o lise da correlação entre a demanda determina-
quadro ainda parece ser este, passados mais de da pelos problemas urgentes a serem resolvi-
10 anos da conclusão do Documento de Área dos no País, como o da habitação de interesse
2007-2010. Infelizmente, a CAPES deixou social e da expansão urbana. Se, na época dos
de atualizar os dados nos documentos subse- SEDUR, vivíamos intensa migração do meio
quentes, perdendo as condições de monitorar rural para as cidades, hoje existe tendência de
a evolução de um quadro que poderia ajudar a estabilização num patamar ao redor de 85%
demonstrar a relativa distância que nos sepa- de população urbana. Se, na época, as Cidades
ra de integrar o desenho dos espaços urbanos Novas constituíram base para a expansão da
com as diferentes dimensões da vida social, fronteira agrícola e exploração de recursos mi-
política e econômica no país. nerais e hídricos do país, hoje há uma estrutura
razoavelmente estruturada de cidades para dar
Encaro, com desapontamento, a descontinui- alicerce a essas atividades econômicas. Mesmo
dade no provimento de dados e informações faltando infraestruturas de apoio logístico, os
sobre a pesquisa em urbanismo pela CAPES. assentamentos humanos já estão gravados no
Tal desatualização faz com que não tenhamos território, ainda que muitos de forma precária.
adequadas condições para agir com eficácia e Essa precariedade deve ser considerada, hoje,
22 23
o tema principal a ser tratado pela ciência ur- ção em arquitetura e urbanismo, hoje, no País.
banística em nosso continente. Nenhum outro curso de graduação tem dire-
trizes curriculares tão próximas de oferecer
Um dos fatores a receber aporte imedia- alternativas de capacitação profissional para
to é a expansão desproporcional do perímetro a solução dos problemas urbanos e habitacio-
urbano em relação ao aumento demográfico: é nais quanto os cursos de arquitetura e urba-
mais “fácil” crescer para “fora” do que crescer nismo. Seria um erro não explorar, estrutural-
para “dentro”. Nossas cidades, cada vez mais mente, o potencial das centenas de cursos de
dispersas, acabam por desperdiçar a oferta graduação distribuídos no território nacional
de infraestruturas, aumentam distâncias en- para contribuir, decisivamente, para a solução
tre moradia e trabalho, comprometem áreas desses problemas. Cursos de arquitetura do
importantes para a reprodução de serviços exterior já identificaram a demanda do Brasil e
ecossistêmicos e, finalmente, não alcançam apostam na educação a distância para supri-la.
densidades capazes de estimular atividades Foi, recentemente, o caso da TU Delft, através
importantes para a vitalidade da economia e do curso “Rethink the City: New Approaches
da cultura local. Pode-se afirmar que a mor- to Global and Local Urban Challenges. ”
fologia da grande maioria das mais de 5.500
cidades brasileiras é dispersa e, como conse-
quência, onera as finanças municipais com
gastos de manutenção e operação além de en-
carecer o provimento de infraestruturas neces-
sárias para a vida comunitária.

O investimento em educação de plane-


jadores urbanos para que contribuam para o
adensamento racional das estruturas urbanas
instaladas é, no meu entender, um dos princi-
pais desafios a serem enfrentados pelo Estado
brasileiro, talvez o principal desafio da educa-
24 25
técnicos sobre o funcionamento de estruturas
Módulo III e infraestruturas urbanas, hoje ministrados em
cursos de arquitetura e urbanismo.

O Desenho Urbano emerge, no Brasil,


nesse vazio disciplinar, onde é necessário as-
DESENHO URBANO E
sociar a educação para o projeto da edificação
PRÁTICA PROFISSIONAL
com a educação para o projeto da cidade, esta
O senhor conseguiria relembrar ações, última exigindo conhecimentos técnicos espe-
personagens e projetos que serviram para cíficos diferentes dos exigidos para o projeto
sedimentar o Desenho Urbano como prática do edifício. Em vários países, parte dos atri-
específica do arquiteto no Brasil? butos artísticos do projeto urbanístico haviam
sido transferidos da área da engenharia para a
BT: A prática do projeto urbano está da arquitetura através dos cursos de Arquite-
na origem do urbanismo, como disciplina. Os tura Paisagística (Landscape Architecture). No
cursos de arquitetura exploraram a tradição Brasil, Miranda Magnoli, na FAUUSP, estrutu-
artística presente na história do urbanismo, rou um departamento voltado para a aprendi-
porém deixaram de lado sua herança técnica. zagem do projeto de arquitetura na escala ur-
Se revisarmos a documentação sobre as obras bana. É, talvez, o primeiro passo estruturado
realizadas por Pereira Passos no Rio de Janeiro para a implantação de um currículo voltado
e por Prestes Maia em São Paulo veremos en- para o projeto urbano, associando estudos so-
genheiros associando arte e técnica. As escolas bre a morfologia dos espaços urbanos, botâni-
de engenharia abandonaram há muito tempo ca e geologia. Infelizmente a base curricular da
a arte e as escolas de arquitetura não investi- Arquitetura Paisagística não logrou interagir
ram suficientemente no fundamento técnico suficientemente com a área de Projeto Arqui-
do urbanismo: inexistem disciplinas de repre- tetônico, criando vetor para a difusão do De-
sentação gráfica voltadas para a escala urbana senho Urbano no Brasil. De qualquer maneira,
como também são escassos os conhecimentos no campo acadêmico, Miranda Magnoli logrou
fecundar uma área de intervenção urbana que
26 27
tem em Rosa Grena Kliass, no campo profis- e áreas urbanas) no Brasil. Foi sucedido por
sional, seu expoente máximo. Contemporânea Fabio Mariz Gonçalves, de notável contribui-
de Miranda, Rosa é responsável por significati- ção ao atual Plano Diretor da cidade de São
vos projetos urbanísticos como, por exemplo, o Paulo. Mais recentemente, Renato T. de Saboya
do Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Outros (UFSC) e Carlos Leite (FAU Mackenzie) siste-
personagens devem ser citados como: Índio maticamente divulgam estratégias de interven-
da Costa (Orla Rio de Janeiro), Sérgio Maga- ção urbana, no contexto de Planos Diretores,
lhães (Niterói), Paulo Chaves Fernandes (Be- em diferentes municípios brasileiros. O traba-
lém), Fausto Nilo Costa Jr (Dragão Fortaleza), lho de Leite, apoiado por sua experiência pro-
Programa Favela Bairro (Carlos Nelson/Sérgio fissional, vem se constituindo em importante
Magalhães), Revitalização do Centro Rio de referência para prefeituras de todo o Brasil.
Janeiro, Porto Maravilha, Corredor Cultural
(Augusto Ivan de Freitas Pinheiro), Hector Vi-
gliecca (Pedra Branca) e diferentes projetos em
bairros e regiões de São Paulo/Operação Urba-
na Consorciada (OUC).

Saliento o papel pioneiro de Vicente Del


Rio e de Silvio Soares Macedo como principais
ativistas no papel de esclarecer a importância
do Desenho Urbano para a qualidade da vida
nas cidades brasileiras. Seus livros, cursos e
publicações serviram de inspiração e apoio téc-
nico para que muitos arquitetos, trabalhando
em escritórios e prefeituras, pudessem projetar
espaços mais agradáveis em diferentes cidades
brasileiras. Silvio Soares Macedo, como líder
do grupo Quapá, documentou exemplares im-
portantes de projetos urbanos (praças, parques
28 29
estímulos importantes não só para a produ-
Módulo IV ção de conhecimento, mas, também para sua
divulgação. Alguns cursos de pós-graduação
abriram espaço em periódicos e editoras pas-
saram a se interessar pelo tema.
PESQUISA E DESENHO
Eu não diria que o Desenho Urbano
URBANO
tenha se consolidado como objeto de pesqui-
Uma das premissas do Desenho Ur- sa no Brasil. Como já comentado, em decor-
bano é a pesquisa sobre a cidade existente. rência do reduzido investimento em pesquisa
Como pode-se notar na bibliografia da épo- sobre a cidade, existem ainda relativamente
ca, a universidade teve um papel fundamen- poucos pesquisadores e bolsistas de iniciação
tal no desenvolvimento de teorias e metodo- científica envolvidos com o tema, se compa-
logias. rarmos com o total da área de arquitetura e ur-
banismo. A Revista Morfologia Urbana mar-
Desde quando o desenho urbano se ca um passo importante para a divulgação da
consolidou como objeto de pesquisa no Bra- pesquisa sobre o desenho urbano nos países
sil, e qual é o papel dos laboratórios nesse lusófonos. Desde o ano passado, seu editorial
contexto? É possível ter um “olhar científi- está nas mãos de três brasileiros, Renato T. de
co” sobre a cidade? Saboya, Júlio C. B. Vargas (UFRGS) e Vinicius
M. Netto (UFF). Seu último número aborda
BT: Na realidade, os Anais do SEDUR temas importantes e atuais, como a relação en-
converteram-se, na época, num importan- tre o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa
te meio de divulgação da pesquisa e do olhar na área do urbanismo. Creio que a divulgação
científico sobre a cidade. Depois do advento digital da pesquisa ajudará a superar dificul-
dos SEDUR, bolsas e auxílios para projetos de dades financeiras que acabam por constituir
pesquisa oferecidos pelo CNPq, e a metodolo- fator importante para retardar o surgimento
gia de avaliação dos cursos brasileiros de pós- de periódicos especializados.
-graduação pela CAPES, acabaram por criar
30 31
no no Brasil, até porque o Projeto Urbano, tra-
Módulo V dução mais adequada para o “Urban Design”,
exige uma complexa interação entre diferen-
tes atributos do espaço urbano. Esses atribu-
tos vão desde o conforto ambiental, consumo
DESENHO URBANO E energético, drenagem urbana, até sistemas
ENSINAMENTO de mobilidade, percepção e uso dos espaços.
Existem, sim, “descendentes” (ou “siblings”)
A bibliografia sobre Desenho Urbano de linhas de pesquisa voltadas para cada um
demonstra que o que estava em jogo era ex- destes e de outros atributos específicos não
plorar a especificidade do ensino do projeto nomeados do espaço urbano.
urbano com o objetivo de reorganizá-lo e re-
abilitá-lo, ensino que, da mesma forma que Dentre linhas que, através de lideranças,
a cidade em si, estava em completa transfor- geraram descendentes, destaco a Sintaxe Espa-
mação e não correspondia mais às disposi- cial (Frederico Holanda (UnB), Rômulo Kraf-
ções e pedagogias vigentes. Era outra manei- ta (UFRGS) e Luiz Eirado Amorim (UFPE);
ra de dizer que o projeto seria sempre um Conforto Ambiental (Fernando O Ruttkay
laço entre conhecimentos híbridos e práti- Pereira (UFSC), Denise Duarte (FAUUSP),
cas para ultrapassar a falta de conhecimento Eleonora Saad de Assis (UFMG) e Leonardo
compartilhado entre as disciplinas, aproxi- Bittencourt (UFAL); Paisagem Urbana (Silvio
mar-se do mundo profissional e recolocar-se Soares Macedo, USP); Percepção Ambiental
em um contexto mais amplo. (Maria Elaine Kohlsdorf) e Projeto Generati-
vo (Gabriela Celani, Unicamp); Tecnologias
Você acha que pode-se falar em dife- Geoespaciais (Ana Mourão, UFMG), Arivaldo
rentes escolas, como metodologias, de Dese- Amorim e Gilberto Corso (UFBA).
nho Urbano no Brasil?
Boa parte dessas linhas utiliza a mode-
BT: Não creio que existam escolas ou lagem urbana como estratégia para analisar o
metodologias consolidadas de Desenho Urba- impacto de atributos específicos sobre o obje-
32 33
to cidade. O projeto de pesquisa Dimensões

Módulo VI
Morfológicas do Processo de Urbanização (op.
cit.) acabou gerando um Grupo de Pesquisa do
CNPq (DIMPU-UnB), coordenado pelo Prof.
Frederico Holanda. Em sua origem, o grupo
tinha a ambição de estruturar metodologias
DESENHO URBANO E
de Projeto Urbano e capacitou, talvez, o maior
ESTRATÉGIAS POLÍTICAS
número de pesquisadores e produziu o maior
número de estudos no Brasil sobre a relação O Projeto Urbano é, ao mesmo tempo, co-
entre aspectos sociais e culturais e a forma da nhecimento prático, assunto técnico, de de-
cidade. Tenho confiança que os descendentes senho, de representação, de economia etc.
de Holanda, Kohlsdorf e demais pesquisado- Como inserir a questão das estratégias polí-
res pioneiros citados entenderão a importân- ticas e seu tratamento no ensino do projeto
cia de desenvolver formas de interação entre urbano?
as linhas de pesquisa acima arroladas (e tantas
outras não arroladas), associação fundamental BT: A questão passa, em primeiro lugar,
para subsidiar o projeto urbano. por uma diretriz emanada pelo MEC: inexiste,
tanto quanto estou informado, qualquer orien-
tação do MEC nesse sentido. Acho que se trata
de uma questão estratégica no nível federal e
envolve uma definição fundamental do Estado
com relação ao papel que as cidades desem-
penham, tanto na dimensão econômica como
na ambiental. Ao contrário de um projeto de
edificação, que tem orçamento e uma equipe a
construí-la num prazo curto de tempo, a cida-
de se constrói em etapas.

O percurso de uma cidade testemunha


34 35
grupos sociais ou setores da sociedade.

(e, muitas vezes, sobrevive a) diferentes cená- Assim como as cidades italianas do Agro
rios políticos. É o caso, por exemplo, das Ci- Pontino, a configuração da maioria das nos-
dades Fascistas (criadas por Mussolini) da re- sas cidades facilita a mistura de grupos sociais
gião do Agro Pontino, na Itália, administradas e isso constitui um patrimônio cultural que, a
por partidos comunistas, no pós-guerra. Es- exemplo do patrimônio natural, deve ser pre-
sas cidades demonstram que a vida no espaço servado. A morfologia urbana da maioria dos
urbano tem mais a ver com as possibilidades países europeus foi profundamente alterada
oferecidas por sua configuração do que com a depois da II Guerra Mundial. A opção pelo
ideologia dos seus criadores. Seus arquitetos desenho urbano atomizado gerou um “passivo
buscaram enaltecer a figura do Duce, oferecen- cultural” que impacta negativamente a coesão
do à praça principal dessas cidades os discur- social. Muitos países testemunharam violentos
sos do ditador e, ao mesmo tempo, criaram um protestos, territorialmente localizados, porque
local que hoje serve para o encontro e lazer de separaram demasiadamente seus grupos étni-
seus moradores. cos e sociais: os casos de Brixton (1985), ao sul
Londres, e dos subúrbios de Paris, em 2005,
Se, para simplificar, comparamos duas constituíram exemplos desse fenômeno.
estratégias políticas: uma que procura limitar
encontros ao acaso entre cidadãos e outra que Preocupados com estas pequenas “in-
procura estimular a interface sem controles, surreições”, muitos países passaram a acelerar
estudos demonstram que a primeira estratégia processos de rompimento da clivagem social
favorece um controle vertical sobre os indiví- estimulada por segregação espacial isto é, pro-
duos enquanto a outra dificulta tal controle. curaram desenvolver áreas urbanas onde fosse
Existem cidades (como Brasília, Milton Keynes mais difícil a criação de guetos sociais apoia-
na Inglaterra e Tensta, na periferia de Estocol- dos por correspondências entre espaço e grupo
mo, Suécia) onde o projeto urbano, embora étnico-social. Nesse caso enquadram-se, por
precedido pelo discurso da integração social, exemplo, Dinamarca, Holanda e Suécia que
uma vez construído, contribuiu para separar instauraram políticas de Estado com o objeti-
36 37
vo de tornar suas grandes cidades socialmente ambiente construído e ambiente natural pode
mais coesas, atraindo famílias de descendentes trazer grandes vantagens tanto para a diminui-
de imigrantes e imigrantes para suas áreas cen- ção dos impactos advindos da ocupação antró-
trais, habitadas predominantemente por classe pica como a poluição atmosférica, a contami-
média, população “nativa” ou ainda, como é o nação do solo e a produção de ilhas de calor.
caso da Dinamarca e da Inglaterra, instauran- A combinação de tecnologias e conhecimentos
do políticas de estímulo para que a classe mé- científicos recentes, “embarcados” no projeto
dia “nativa” viesse a se instalar em áreas predo- urbano, vem tendo como efeito a diminuição
minantemente habitadas por descendentes de dos custos de operação e manutenção de in-
imigrantes e imigrantes. fraestruturas urbanas, além de oferecer maior
sustentabilidade e resiliência para as diferentes
Em ambos os casos, o Desenho Urbano cidades ao redor de um planeta, demografica-
foi protagonista na oferta de uma estrutura es- mente, cada vez mais urbano.
pacial de organização do uso do solo, apoiada
por inequívoca qualidade arquitetônica das Preocupados com o impacto crescente
edificações, que estimulasse a convivência no da ocupação antrópica sobre o ambiente natu-
espaço público e a integração não só com equi- ral, os países europeus também estabeleceram
pamentos de proximidade (centros comuni- metas para serem cumpridas ainda na presente
tários, bares, restaurantes, escolas, comércio) década e que envolvem não só a gradual subs-
mas, também, com grandes equipamentos que tituição de combustíveis fosseis nos diferentes
atraíssem a presença de moradores de outras modais de transporte, como também a utiliza-
áreas da cidade e, inclusive de turistas. ção de estratégias de conservação de energia
apoiada por bonificações e tecnologias susten-
O projeto urbano oferece, também, a táveis de produção de eletricidade, de calor e de
oportunidade para desenhar interfaces entre o resfriamento.
ambiente construído e o ambiente natural que
favoreçam a preservação dos serviços ecossis- A gestão das cidades vem sendo facili-
têmicos oferecidos pelo solo, mananciais hídri- tada pela crescente difusão de tecnologias de
cos, flora e fauna. Uma relação integrada entre informação que facilitam a comunicação entre
38 39
gestores de serviços urbanos e a comunidade escapavam da percepção dos indivíduos pas-
(crowd sourcing) e viabilizam o monitoramen- sam a ser capturados, analisados, traduzidos
to, em tempo real, através de sensores ubíquos e recebidos, numa linguagem simples e direta,
e de redes neurais convolucionais (CNN/ Con- em computadores pessoais e dispositivos mó-
volutional Neural Networks), das variações de veis de comunicação como os smartphones.
estado tanto das infraestruturas como da qua- Mais do que nunca, a percepção ambiental dos
lidade atmosférica, sonora, hídrica e dos fluxos indivíduos está sendo educada pela informa-
de mobilidade urbana (Kominos, 2015). ção instantânea oferecida por diferentes apli-
cativos. (Peters; Peters, 2018), (Cairns;Tunas,
A adoção recente de dados originados 2017), (Offenhuber; Ratti, 2014).
em sistemas de telefonia para o monitoramen-
to e controle da pandemia mostrou o enorme
A oferta de “realidade ampliada”, somada
potencial de interação das tecnologias da in-
à capacidade de comunicação transespacial das
formação com o território urbano, através da
redes sociais, aparentemente, poderia diminuir
conexão entre o sinal telefônico e a geolocali-
o papel do território na sociedade contempo-
zação desse sinal. Mais e mais projetos urbanos
rânea? Acredito justamente no contrário: acre-
passaram a ser debatidos e até mesmo finan-
dito que a intervenção sobre o espaço urbano
ciados através de plataformas digitais dedica-
tem poderoso papel a desempenhar não só para
das à descrição, participação comunitária, ao
aumentar a qualidade ambiental das nossas ci-
incentivo e apoio a projetos urbanos. Modelos
dades como também para aumentar os níveis
digitais de desempenho ambiental, movidos
de coesão social entre diferentes indivíduos. A
por sofisticadíssimos algoritmos, conseguem
autonomia individual para receber e enviar da-
analisar dados obtidos no espaço urbano e nas
dos e informações pode separar, por afinidade
edificações e comunicar para leigos, de forma
bastante simplificada e visual, complexos me- ideológica, membros de uma sociedade e con-
canismos de alteração do ambiente em que as tribuir para gerar polarizações muitas vezes be-
pessoas vivem e circulam. licosas; por outro lado, o território urbano po-
tencializa a interface de diferentes indivíduos e
Cada vez mais, dados ambientais que estimula a gentileza e as relações sem fronteiras
40 41
ideológicas previamente demarcadas. argumenta que para compreender a natureza
das cidades é necessário aprender a modelar o
Nesse sentido, entendo que o desenho espaço urbano e os sistemas que integram sua
do território pode contribuir decisivamente dinâmica evolutiva. Essa percepção já faz par-
para contrabalançar a tendência de clivagem te das agendas de Estado de países onde hou-
social estimulada pela telecomunicação. Usar ve mudanças radicais com relação a políticas
o espaço urbano como parte de estratégias de de preservação do meio ambiente natural e de
coesão social faz parte de desígnio político. incentivo à interação social entre diferentes es-
Visto que o controle social por sistemas auto- tratos da população. Tal percepção, por parte
ritários depende, fundamentalmente, do esta- dos tomadores de decisão, foi fundamentada e
belecimento de relações verticais de cima para sedimentada décadas antes nas universidades
baixo (a inteligência artificial vem permitindo e, principalmente, nos cursos de arquitetura e
aumentar esse controle, por exemplo, através urbanismo. Muitas das soluções adotadas em
da identificação facial), o tecido urbano pode cidades americanas e europeias, a partir do iní-
constituir, de baixo para cima, excelente supor- cio do século, foram ensaiadas nas pranchetas
te de ativação autônoma do tecido social. Tal de estudantes de escolas de arquitetura duas
ativação depende, claramente, do desenho dos décadas antes, apoiadas por evidências e teo-
espaços urbanos. A inclusão do desenho dos rias sobre o meio ambiente natural e sobre o
espaços de uso público, na agenda de políticas uso social do espaço. Penso que nossos cursos
de Estado voltadas para a consolidação da de- de arquitetura e urbanismo não acompanha-
mocracia, torna-o poderoso coadjuvante de te- ram essa evolução.
mas que afetam o futuro da economia, do meio
ambiente e da liberdade de expressão. Se quisermos inserir a política ambien-
tal, a política social e a política econômica no
A complexidade das relações sistêmicas ensino do projeto urbano, faz-se necessário es-
que envolvem o tecido urbano e o tecido social tabelecer pontes da ciência ambiental, da ciên-
ultrapassam o currículo atual dos cursos de cia política e da ciência econômica com a con-
Arquitetura e Urbanismo no país. Batty (2013) figuração das nossas cidades. A modelagem da
forma urbana vis-à-vis essas três dimensões é
42 43
possível quando se oferece educação adequada

Módulo VII
para que cientistas e profissionais possam, de
maneira criativa, colaborar para a solução dos
problemas básicos do país, como saúde, edu-
cação, economia e segurança. Os tomadores
de decisão, no nível federal, precisam perceber
que grande parte dos problemas do Brasil fa- PLANO DIRETOR E
zem parte de contextos municipais. Quando se DESENHO URBANO
derem conta da importância do território ur-
bano para o futuro da Nação, construiremos Ao ler os anais desses Seminários no-
projetos pedagógicos onde a educação do ur- ta-se a introdução de conhecimentos pro-
banista será consistente com as demandas de gressivos e a consolidação de laços entre
desenvolvimento social, econômico e cultural pesquisa, ação e desenvolvimento urbano,
do país. alimentando-se da experimentação, da abor-
dagem crítica e de pedagogias específicas.

Qual a relação entre Plano Diretor e


Desenho Urbano no Brasil?

BT: Lentamente avançamos na per-


cepção de que o projeto urbano se estrutura a
partir da escala intermediária entre o lote e a
cidade, escala que deveria estar ser inserida na
legislação brasileira no âmbito do Estatuto da
Cidade.

A propósito, está em tramitação no Se-


nado (atualmente, na Comissão de Consti-
tuição e Justiça – CCJ, aguardando encami-
44 45
nhamento para aprovação) o Projeto de Lei Através do Projeto de Lei do Senador Anasta-
5.680/2019. De autoria do senador Antônio sia, podemos estar próximos de alcançar tal
Anastasia (PSD -MG), o projeto corrige a la- objetivo.
cuna do Estatuto da Cidade e define quatro
tipos de planos: o Plano de Desenvolvimento Importante também é pontuar que o
Urbano Integrado (PDUI), o Plano Diretor, o marco regulatório, em tramitação no Sena-
Plano de Urbanização e o Plano de Pormenor. do Federal, vem sendo elaborado ao mesmo
Mesmo não estando disponível, na rede mun- tempo em que são divulgados, pela ONU, os
dial de computadores, para escrutínio públi- 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
co, é possível deduzir sua lógica: o PDUI terá (ODS), a Nova Agenda Urbana e o City Pros-
abrangência metropolitana, enquanto o Plano perity Index (CPI), uma série de indicadores
Diretor estabelecerá o modelo territorial da de qualidade urbana. Enquanto os ODS (prin-
cidade. O Plano de Urbanização deve abrigar cipalmente o ODS de número 11) e a Nova
as regras de parcelamento do solo (Lei 6766), Agenda Urbana caracterizam objetivos de
voltadas para as áreas de expansão urbana, en- qualificação urbanística, o CPI volta-se para a
quanto os Planos de Pormenor, denominação mensuração desses objetivos. Considero o CPI
de origem portuguesa, descreve o marco regu- um marco na evolução do urbanismo na me-
latório para intervenções em áreas específicas dida em que consolida a ideia de que fatores
da cidade. da qualidade da vida urbana possam vir a ser
mensuráveis ao longo do processo de desen-
A confirmar a dedução, com os Planos volvimento urbano. Nossa tradição mais re-
de Pormenor, sairemos da exclusiva depen- cente é a da utilização de índices prescritivos
dência das “manchas coloridas” dos Planos (e não de indicadores) de qualidade espacial
Diretores, como documento legal disponível urbana.
para controlar o desenho do espaço público
intraurbano de nossas mais de 5.500 cidades. Nos últimos 40 anos talvez nenhum li-
Em 1986, na introdução dos Anais do II SE- vro tenha sido mais utilizado no país, na ela-
DUR, sugeri que a estrutura de planejamento boração de Planos Diretores e no ensino do
urbano brasileira desse esse importante passo. urbanismo em cursos de graduação, do que o
46 47
“Curso de Planejamento Municipal Integrado” anos depois da publicação da sua primeira edi-
de Célson Ferrari (1977). Baseado na experi- ção, ainda não foram amplamente revisados
ência anglo-saxônica do pós-guerra, o autor ou estruturalmente discutidos na academia ou
compilou diferentes parâmetros diretamente nos órgãos de planejamento urbano.
aplicáveis ao dimensionamento dos diferentes
usos de solo urbano. Ferrari elaborou um raro No Brasil ainda não superamos o pres-
“compêndio” ou referência de índices urba- suposto básico de que, para fazer um diagnós-
nísticos que acabaram por se tornar bastante tico judicioso de uma cidade, é necessário con-
úteis na elaboração de Planos Diretores de De- tar com um cadastro multifinalitário. Ou seja,
senvolvimento Municipal no Brasil. ainda convivemos com estruturas municipais
que sequer recolhem, categorizam e classifi-
Sempre me interroguei sobre como, no cam dados necessários à fase de diagnóstico
Brasil, elaboramos Planos Diretores. Diferen- dos Planos Diretores. Essa indigência adminis-
tes publicações oficiais, desde a NBR 12.267 trativa tem sua origem na escassez de recursos
a Normas para elaboração de Plano Diretor, humanos capazes de selecionar os dados ne-
de 1992, procuraram descrever os conteúdos cessários ao acompanhamento da evolução de
e procedimentos que devem acompanhar a uma cidade; essas origens podem estar na tra-
elaboração dos Planos Diretores. Depois da dição prescritiva de nossos Planos Diretores,
institucionalização do Estatuto da Cidade pois ao utilizarem “receitas” prontas e inflexí-
e da criação do, hoje extinto, Ministério das veis, nossos técnicos municipais, na sua quase
Cidades, houve mais preocupação do Estado totalidade, tornam-se temerosos de infringir
em criar conteúdos voltados para o processo regras cujo fundamento teórico desconhecem,
de elaboração dos Planos Diretores (como o tornando-se impotentes para mudar o rumo
da participação comunitária) do que em fun- de estratégias de planejamento mal definidas.
damentar os conteúdos técnicos das fases de Citando a apresentação dos Anais II SEDUR:
diagnóstico, propostas e monitoramento da
aplicação dos Planos. Os parâmetros e a me- [...] Tais dificuldades na forma-
todologia para elaboração de índices urbanís- ção profissional afetam diretamente a
ticos oferecidos por Ferrari, mais de quarenta qualidade e o tipo de controle escolhi-
48 49
do pelos técnicos das administrações Os fundamentos teóricos básicos exis-
municipais. Egressos de escolas onde tentes por trás dos índices dos Planos Direto-
a arquitetura da cidade não é um seg- res brasileiros pressupõem, num exercício te-
mento importante da matéria a ser leológico, uma cidade idealizada e completa.
apreendida, estes técnicos veem-se Densidades, relações de afastamento e proxi-
confrontados com a difícil tarefa de midade entre edificações, alturas e usos do solo
manter sob controle formas urbanas acabam por constituir pressupostos que não
com a ajuda de uma legislação não se materializam: a falta de correspondência à
suficientemente discutida, analisada e oferta de solo urbanizado e à efetiva demanda
testada em seus períodos de formação demográfica torna as prescrições incapazes de
profissional. O resultado deste pro- preencher o modelo idealizado. Planos Dire-
cesso não é alentador e tem um du- tores esfarelam sua dimensão estratégica em
plo efeito. Em primeiro lugar resulta narrativas que não encontram, nos Planos Re-
na burocratização dos arquitetos que guladores, formas de implementação de dire-
trabalham nas administrações muni- trizes e objetivos. Limitam-se à expectativa de
cipais. Educados para criar, estes ar- que os edifícios construídos sobre os lotes pri-
quitetos convertem-se, rapidamente, vados construirão, ao longo do tempo, o nexo
em profissionais censores de outros das estratégias urbanas.
profissionais. Tal fossilização se dá
pela falta de instrumental de conheci- Entre as imprecisas narrativas dos Pla-
mentos básicos sobre a estrutura física nos Estratégicos e engessadas regras de confor-
da cidade que estão controlando. As- midade das alturas, recuos, afastamentos e po-
sim, estes técnicos passam a proceder tenciais construtivos dos lotes privados, evolui
como meros aplicadores ou guardiães o tempo e a cidade se configura sem controle
de leis que desconhecem em suas ori- sobre a qualidade dos seus espaços, resultados
gens e, o que talvez seja ainda mais episódicos da atividade assíncrona, verdadei-
grave, em seus efeitos ou consequên- ra cacofonia de formas construídas raramente
cias. (TURKIENICZ, 1986, p.5) harmônicas. Na falta de controle, diferentes
áreas urbanas se desenvolvem de forma desi-
50 51
gual perante importantes atributos como aces- executadas durante o curso de um Plano Dire-
so ao comércio, a serviços e a equipamentos tor.
básicos de lazer e cultura, à segurança dos es-
paços públicos e à fruição da paisagem urbana. Planos prescritivos, como são os brasi-
leiros, não utilizam indicadores para apoiar
Berghauser Pont & Haupt (2010) mos- correções de rumo, porém são “atualizados”
tram que o controle sobre o desempenho das a cada dez anos. Geralmente, atualizações dos
áreas urbanas depende de complexa combi- Planos Diretores tratam de aspectos específi-
nação entre espaços abertos e edificações em cos como a ampliação do perímetro urbano
diferentes escalas (lote, quadra, vizinhança e a alteração de alturas e densidades previstas
imediata e bairro). A adição assíncrona de edi- no Plano em vigor. Pouco interferem na lógi-
ficações sobre lotes torna a configuração dos ca estrutural da relação tempo/organização
espaços urbanos, tanto públicos quanto pri- do território e no controle sobre a densidade
vados, imprevisível. Esta imprevisibilidade de ocupação dos espaços, vital para o uso ra-
poderia ser, minimamente, controlada através cional das infraestruturas e dos equipamentos
da utilização de indicadores de qualidade am- sociais. Raramente são utilizadas estratégias
biental envolvendo o ambiente natural e o am- de intervenção urbana concertadas como se
biente construído. A utilização de indicadores constitui o projeto Porto Maravilha, no Rio de
de qualidade urbana nos Planos Diretores de- Janeiro.
pende de modelos capazes de medir a intensi-
dade que se apresentam os diferentes fatores Embora previstas no Estatuto da Ci-
que conferem qualidade à estrutura urbana. dade, as Operações Urbanas Consorciadas
– OUC, são pouco utilizadas no Brasil, pro-
Como dados urbanos não são sistema- vavelmente, devido ao seu intrincado tecido
ticamente coletados no Brasil, indicadores de administrativo e jurídico. Em sua lógica, as
qualidades do crescimento constituem-se em OUC constituem dinâmica síncrona bastante
ferramentas de suporte ao planejamento urba- diferente da dos Planos Diretores. Programas
no sem possibilidade de implementação, tor- e projetos de intervenção urbana constituem o
nando as correções de rumo difíceis de serem elo de ligação entre a dimensão estratégica e a
52 53
reguladora dos Planos Diretores, hoje pratica- cidade e das relações entre seus moradores.
mente inexistente. Caminhamos em círculos
porque nossos Planos Diretores não estimu- Na perspectiva do ODS 11 e da Nova
lam nem conferem segurança jurídica para a Agenda Urbana, os nossos próximos Planos
intervenção na escala intermediária, entre o Diretores devem caracterizar e valorar adequa-
lote e a cidade como um todo. Em síntese, fal- damente os serviços ecossistêmicos oferecidos
ta base técnica e legal para o Projeto Urbano o pelo ambiente natural e pela morfologia do
que, se supõe, será superado com a aprovação ambiente construído. Em vez de simples e ex-
da legislação dos Planos de Pormenor. clusivamente garantir que o potencial constru-
tivo de uma região da cidade seja distribuído
Com a inserção dos Planos de Porme- para cada lote de acordo com suas dimensões,
nor, esperamos que atributos relativos à qua- instrumentos urbanísticos deverão ser utiliza-
lidade do espaço público sejam finalmente dos para garantir que serviços ecossistêmicos
incorporados ao vocabulário do sistema de e a utilização do espaço público sejam consi-
planejamento urbano brasileiro como atribui- derados essenciais para o desenvolvimento so-
ção de Estado. Indicadores de qualidade de cial e econômico.
ocupação do espaço urbano, como o CPI, po-
derão, a partir daí, ser utilizados para medir Para tanto será necessário aferir, cons-
e comparar o crescimento diferencial de áreas tantemente, o desempenho equilibrado dos
urbanas e oferecer clara descrição das desigual- diferentes territórios urbanos de uma mesma
dades entre os moradores de uma cidade pe- cidade. Deveremos mudar de paradigma: em
rante diferentes variáveis como coesão social, vez do planejamento urbano baseado em re-
qualidade do ambiente natural e qualidade do gras de conformidade para os edifícios cons-
ambiente construído. Hoje, as desigualdades truídos em lotes privados, deveremos migrar
existentes nas cidades brasileiras são medidas para um planejamento urbano baseado no de-
através de indicadores de renda e de acesso a sempenho de vizinhanças e de bairros medi-
infraestruturas de saúde, educação e de mobi- dos por indicadores internacionalmente reco-
lidade urbana. São importantes, sem dúvida, nhecidos.
mas limitados para avaliar a complexidade da
54 55
Com essas aferições sistemáticas e a pu- mento urbano: devido a permanentes incerte-
blicação de seus resultados, para cada comu- zas e cenários econômicos instáveis é preciso
nidade urbana, será finalmente possível fazer planejar não somente para o crescimento, mas
com que a participação comunitária prevista também para a retração demográfica. Transfor-
pelo Estatuto da Cidade possa ser mais infor- mações abruptas, como foi o caso de Detroit,
mada. Com informação, poderiam debater, nos Estados Unidos, ensinam que alterações
com dados confiáveis, a qualidade dos seus es- da ocupação de cidades requerem estratégias
paços de convivência e a contribuição de cada que ultrapassem a mera regulação do que se
território para a qualificação ambiental e o de- pode ou não construir. Soluções para pro-
senvolvimento econômico da cidade. Em lugar blemas complexos, originados em mudanças
de somente máximos, estabelecidos através de urbanas, devem ser facilitadas e não dificul-
regras aplicadas à construção de edifícios, de- tadas por mecanismos de planejamento. Para
verão ser estabelecidos mínimos de desempe- Verebes (2014), as cidades do século 21 vão se
nho para cada região da cidade. beneficiar ao adotarem a ideia de uma com-
plexidade inteligível, em vez de persistirem
As regras de conformidade, hoje ri- abraçadas à noção de que regras inflexíveis
gidamente aplicadas a edifícios construídos de conformidade previnem o aparente caos
em lotes privados, serão tão flexíveis quanto do crescimento urbano. A ideia de que basta
necessárias para privilegiar as estratégias am- regular a intervenção sobre o lote individual
bientais que correspondam ao espaço entre os para prevenir o caos pode ser responsável por
edifícios. Edifícios serão projetados para pou- estimular o caos pela incapacidade de reagir ao
par energia (diminuindo a pegada ecológica), imprevisível. Escalas intermediárias de plane-
oferecerem espaços para atividades econômi- jamento, entre o lote e a cidade, exigem que o
cas necessárias (contribuindo para aumentar espaço público e as estratégias de contribuição
as oportunidades de emprego, renda e desen- ambiental sejam caracterizadas em conjuntos
volvimento econômico). urbanos. Compensações, trocas e negociações
só são possíveis quando as dimensões do pro-
Tom Verebes (2014) postula que esta- jeto abrangem um quarteirão ou vários quar-
mos diante de novos paradigmas de planeja- teirões. A imprevisibilidade da ocupação da
56 57
grande escala urbana pode ser equilibrada pela

Módulo VIII
escala intermediária: Planos de Pormenor, se
forem sabiamente estruturados, poderão criar
as condições jurídicas e legais para que o De-
senho Urbano saia do limbo e adquira força de
instrumento de qualificação do espaço urbano
brasileiro.
CIDADE COMPACTA X
CIDADE DISPERSA

Da cidade consolidada e da metró-


pole do século X X , passamos à “cidade di-
fusa”, “cidade-arquipélago”, “hipercidade”
ou ainda à “metápolis”. E todas essas novas
denominações são acompanhadas de novos
modos de vida e condições. Da mesma for-
ma, o ambiente – a própria natureza – mu-
dou e, pior ainda, fala-se mais de “sobrevi-
da” do que de vida. Assim sendo, não apenas
abrem-se novos terrenos de conhecimentos,
mas também novos métodos de “projetos”
que devem ser aplicados para controlar os
monstros urbanos e “construir” o espa-
ço. Essa mudança no relacionamento en-
tre universo construído e natureza renova
fundamentalmente o projeto. Essa maneira
de pensar e fazer arquitetura, mas também
cidade, não é uma simples contribuição tec-
58 59
nológica, mas aciona novos procedimentos soas, aumentando exponencialmente a con-
arquitetônicos, suscetíveis de fazer evoluir centração de pessoas e de tecnologias de pro-
o ato arquitetônico e suas convenções cultu- dução em escala em grandes centros urbanos;
rais. e, finalmente,

Quais seriam então esses novos proce- - a Revolução da Informação que transforma
dimentos e qual nova ética a ser estabeleci- radicalmente a percepção do espaço territorial
da em matéria de concepção? Como preen- como essencial para a economia e a socializa-
cher o hiato entre concepção e construção, e ção.
como o desenvolvimento sustentável pode-
ria concretizar-se na prática? O tempo, como intervalo necessário
para a comunicação entre grupos e indivíduos
BT: Para Verebes (2014), enfrentamos fisicamente distantes, colapsa e o espaço enco-
quatro grandes revoluções: lhe; com as facilidades de transporte ao alcan-
ce de indivíduos, aumenta a independência e
- a do Neolítico, que resultou na abundância a espontaneidade dos movimentos. Na era da
de alimentos propiciada pela fixação demo- comunicação global se diluem as fronteiras ter-
gráfica em pequenos núcleos e utilização de ritoriais que caracterizam as nações e aumen-
ferramentas que aumentaram a produtividade tam os fluxos transnacionais entre cidades: a
no campo; ubiquidade da informação, o desaparecimento
das fronteiras físicas entre municípios separa-
- a Revolução Urbana que instrumentaliza o dos administrativamente e o policentrismo das
comércio através de uma rede de caminhos estruturas urbanas vêm transformando o pla-
e cria aglomerações nos cruzamentos desses neta numa rede de espaços interconectados e
caminhos; urbanizados, sensivelmente vulneráveis às ma-
cro transformações econômicas.
- a Revolução Industrial dos séculos 18 e 19
que amplia e acelera, através dos sistemas de Para Verebes (2014), as recentes mu-
transporte, a transferência de produtos e pes- danças escapam à capacidade preditiva das
60 61
atuais técnicas de planejamento urbano. As ser gradualmente diluído, em que as transfor-
novas forças industriais, baseadas em redes mações do projeto constituam parte de sua
de suprimento globais envolvendo transporte, estrutura generativa, simultaneidade paralela
armazenamento e distribuição de mercado- à capacidade de adaptação da construção a de-
rias, estabeleceram um fluxo de mercadorias mandas emergentes. Ou seja, o projeto urbano
aliado a um fluxo de pessoas de cidades para ou mesmo da edificação “se descobre” como
cidades que tornam a rede de cidades mais im- parte da construção do edifício ou da cidade.
portantes que as nações, ou seja, acabam por
desnacionalizar o espaço urbano. Centralida- À aleatoriedade que pode surgir
des adquiridas ao longo de séculos ou décadas desses processos contrapõem-se os critérios
podem ser rapidamente comprometidas pela e indicadores a serem perseguidos, através de
alteração desses fluxos transnacionais e infini- modelos de desempenho utilizados individual-
ta conectividade. As megalópoles podem estar mente ou correlacionados entre si. Estruturas
abrindo espaço a uma rede de lugares onde o generativas precisam ser estabelecidas através
equilíbrio se aproxima do metabolismo dos de modelos de forma construída, como guias
processos naturais, ensejando uma aproxima- de “propósitos”, ou seja, de desígnio sobre o
ção maior entre indústria e agricultura, entre comportamento esperado. Creio ser este um
ocupação antrópica e adequada valoração dos caminho interessante a ser perseguido rumo
serviços ecossistêmicos. ao desenvolvimento urbano sustentável.

A instabilidade das estruturas territoriais Estamos, há aproximadamente vinte


deve envolver, cada vez mais, a mudança nos anos, trabalhando nessa direção: o projeto
procedimentos de planejamento: em vez de BEST ( Built Environment Simulation Tools),
conceber uma estrutura territorial fixa e criar financiado pela CAPES e pelo CNPq, criou a
estratégias para atingi-la, trata-se de conceber Plataforma Computacional “CityZoom”, capaz
uma estrutura generativa capaz de reproduzir de apoiar simulações de impacto de normati-
princípios de desempenho em espaços modu- vas presentes em Planos Diretores, bem como
lares, tanto agregáveis quanto autônomos. O oferecer suporte a Planos e Projetos Urbanos
intervalo entre concepção e construção deve baseados em critérios de desempenho. Através
62 63
do NTU – Núcleo de Tecnologia Urbana da tempo inalterados, a adição, a subtração ou a
UFRGS - conseguimos conjugar pesquisa e alteração de edificações no território urbano
desenvolvimento com a aplicação de tecnolo- provocam substanciais efeitos sobre o meio
gias digitais em Planos Diretores, Planos Ha- ambiente. A melhor maneira de abordar a re-
bitacionais e Masterplans. presentação de uma cidade parte do reconhe-
cimento de que sua estrutura é mutável e que
CityZoom é uma plataforma computa- sua representação deve envolver uma estrutu-
cional voltada para a representação de formas ra que capture a natureza dessas modificações.
urbanas e simulação de seus impactos sobre Tal estrutura caracteriza-se por um conjunto
o ambiente natural e antrópico. Como uma de objetos hierarquicamente relacionados, to-
representação da cidade, a Plataforma City- dos passíveis de alterações.
Zoom é estruturada por objetos primários que
constituem os elementos básicos do modelo CityZoom é um programa com-
urbano: o solo e seus acidentes topográficos, putacional orientado ao objeto: a cada alte-
quadras, lotes, edifícios e vias de circulação de ração da forma correspondem mudanças de
pedestres e veículos. Completam a estrutura estado que afetam toda cadeia hierárquica de
de objetos primários cursos d’agua e áreas ver- objetos que constituem o modelo da cidade.
des. Esses objetos estão hierarquicamente re- Dentro dessas perspectivas, o modelo de cida-
lacionados – quadras abrigam lotes que abri- de do CityZoom pode dar suporte na avalia-
gam edifícios internamente subdivididos em ção de impactos ambientais, colaborando na
múltiplas células internas. Agrupamentos de mensuração de recíproca influência entre in-
quadras, por sua vez, constituem tecidos que, fraestruturas, ambiente construído e ambiente
num conjunto, acabam por definir unidades natural.
urbanas geralmente identificadas como bair-
ros ou distritos. É enquadrada no paradigma CIM (City
Information Modeling), interagindo com ou-
Visto que cidades diariamente alteram tros modelos digitais de representação da cida-
sua forma, é ineficaz representá-la como um de cujas características envolvam cadeias hie-
edifício: se edifícios permanecem bastante rárquicas de objetos, permitindo a importação
64 65
e a exportação de arquivos de e para esses mo- (mapas solares) e de conservação de energia
delos. Voltada para a simulação de impactos, das edificações, à disponibilidade de ilumina-
a City Zoom oferece visualização intuitiva di- ção natural nos interiores das edificações (re-
retamente sobre o modelo de cidade: através lacionando-a ao consumo de energia elétrica),
de diferentes modos de representação, associa à maior ou menor oferta de áreas de infiltração
dados quantitativos a cores, tonalidades e tex- das águas pluviais.
turas sobrepostas a este modelo. Pode ser pro-
gramada para, automaticamente, representar A Preservação do Patrimônio Histórico
dinamicamente as transformações da cidade. envolve a utilização de modelos de visibilidade
Dado que a programação está aberta para re- para a simulação de impactos visuais de con-
ceber dados, via web, de qualquer dispositivo juntos de edificações em percursos urbanos.
móvel ou fixo (como sensores ubíquos), é pos- Análises de Ambiência Urbana e de Valor de
sível associar e representar dados originados Mídias Externas apoiados pelo modelo de Vi-
nesses dispositivos, em tempo real, ao modelo sibilidade dessa plataforma CityZoom podem
de cidade. ser feitas em 3D e 4D.

A Plataforma tem várias aplicações: no Professores de projeto de arquitetura po-


campo da Saúde Coletiva, dada a notória in- dem utilizar o software para contextualizar as
fluência do ambiente construído sobre o meio recíprocas influências ambientais entre edifí-
antrópico, é possível oferecer dados que deem cio e entorno imediato; professores de projeto
suporte a diferentes análises epidemiológicas urbano e de planejamento urbano podem uti-
sobre problemas respiratórios, variações hor- lizar CityZoom no apoio aos estudos da mor-
monais como as que afetam o ciclo circadiano. fologia, densidade demográfica e construtiva,
infraestrutura, tipologias edilícias, insolação,
A plataforma CityZoom também ofe- iluminação natural, percepção espacial, fato-
rece suporte na análise de fatores que contri- res de sustentabilidade e de resiliência urbana;
buem para o aumento ou mitigação da pegada alunos dos cursos de arquitetura e urbanismo
ecológica. Tais fatores estão, principalmente, terão, ao alcance de suas pranchetas de pro-
associados ao potencial de geração autônoma jeto, a possibilidade de teste de seus projetos
66 67
de arquitetura e urbanismo frente a diferentes ciais de projeto. Projetos urbanísticos podem
condicionantes antrópicos e ambientais. A utilizar o CityZoom em paralelo a Sistemas de
partir dessas análises, o estudante poderá criar Informações Geográficas para correlacionar
alterações dentro do modelo do CityZoom ou, dados demográficos, socioeconômicos e am-
alternativamente, modelar alterações noutro bientais com diferentes alternativas de parce-
programa computacional (BIM, Rhinoceros/ lamento do solo e de tipologias edilícias.
Grasshoper) e importar o objeto modelado
externamente para o ambiente CityZoom. Além disso, CityZoom permite agregar
e desagregar dados de intensidade de uso do
No âmbito técnico-institucional, City- solo (coeficientes de aproveitamento), níveis
Zoom converte-se em poderosa ferramenta de ocupação do solo (coeficientes de ocupação
para conceber e testar Normativas Urbanísticas ou taxas de ocupação) em quadras, bairros e
(regras de conformidade) presentes em Planos macrozonas urbanas. CityZoom gera gráficos
Reguladores de Planos Diretores Municipais. e histogramas do desempenho de diferentes al-
Adicionalmente, pode ser utilizado na avalia- ternativas tipo-morfológicas simuladas em 3D
ção do desempenho de projetos arquitetônicos sobre qualquer topografia de terreno.
e/ou urbanísticos submetidos a licenciamento
em órgãos de planejamento municipais: proje- Campos específicos do conhecimento,
tos podem ser, de forma automática, avaliados como Saúde Coletiva, Engenharias (Hidrolo-
e sua aprovação ponderada vis-à-vis diretrizes gia, Geotecnia, Tráfego e Transportes), Econo-
urbanísticas dadas. mia Urbana, Administração Pública, Ecologia
Urbana, entre outros, poderão utilizar dados
Escritórios de arquitetura e de planeja- do modelo de cidade CityZoom na análise do
mento urbano podem utilizar o software du- impacto que a variação do tecido urbano pode
rante o processo de concepção e desenvolvi- decretar sobre o comportamento do meio an-
mento de projetos arquitetônicos. Arquitetos trópico e natural, bem como para monitorar
podem armazenar regras de conformidade de “ad-hoc” tal comportamento oferecendo, as-
diferentes cidades e aplicá-las em estudos de sim, proxies para alternativas de soluções que
viabilidade a serem submetidos em fases ini- dependam da oferta de dados agregados ou
68 69
desagregados do espaço construído, das dife-

Módulo IX
rentes formas e da distribuição e intensidade
de ocupação de espaços e atividades.

Ferramentas computacionais como o


CityZoom podem apoiar a necessária flexi-
bilização das rígidas regras de conformidade UNIVERSIDADE E PRODU-
dos nossos Planos Diretores. Ao permitir ava- ÇÃO DE CONHECIMENTO
liações de desempenho, podem dar segurança
Gostaria que o senhor respondesse à
aos técnicos municipais para abandonar a si-
sua própria pergunta, feita em 1986 ao final
metria na aplicação dos índices urbanísticos,
da apresentação dos Anais do II SEDUR:
aumentar a ousadia na elaboração de projetos
urbanos e colaborar para a viabilização de in-
Até quando um país de dimensões
tervenções estratégicas e necessárias ao desen-
continentais como o nosso poderá dar-se
volvimento municipal.
ao luxo de prescindir da universidade e dos
profissionais que trabalham nas autarquias
e instituições, se quiser organizar o conhe-
cimento do espaço urbano e aplicar esse co-
nhecimento no planejamento e desenho de
nossas cidades? (TURKIENICZ, 1986, p. 6)

BT: As limitações da grade curricular


da graduação, no que diz respeito à aprendi-
zagem do urbanismo, e a indigência na capaci-
tação de recursos humanos na pós-graduação
levam-nos a afirmar, com razoável convicção,
que o Brasil está mal preparado para enfrentar
os desafios impostos pela concentração urba-
70 71
na de sua população. Já alcançamos os 85% de o País decida investir recursos na geração de
população urbana e não temos qualquer estra- conhecimento e educação de profissionais na
tégia de preparo profissional e científico para área do urbanismo. A ocupação descontrolada
trabalhar no controle e na qualificação do de- do território urbano traz graves prejuízos no
senvolvimento de nossas cidades. médio e no longo prazo. Essa conta já está sen-
do cobrada dos munícipes na forma de oferta
Instituições brasileiras responsáveis deficitária de serviços e da falta de competiti-
pela definição das prioridades do País em ciên- vidade de nossas cidades em relação a cidades
cia e Tecnologia não consideraram prioritária do exterior: empresas preferem se estabelecer
a produção de conhecimento sobre edifícios em ambientes urbanos que favoreçam a pro-
e cidades nos dois últimos Planos Nacionais dutividade e criem vínculos duradouros com
de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico seus trabalhadores através da oferta de servi-
do Brasil (PNDCT). Enquanto a importância ços e ambientes seguros e agradáveis.
do conhecimento sobre arquitetura e urbanis-
mo ficar relegada a um segundo plano, nas Tanto a qualificação das estruturas ur-
estratégias de desenvolvimento social e eco- banas existentes quanto a criação de novos
nômico do País, dificilmente conseguiremos bairros e cidades dependerão da atenção dos
dar respostas adequadas para os problemas tomadores de decisão para o conhecimen-
complexos que advêm de conflitos como, por to urbanístico já desenvolvido, no Brasil, nas
exemplo, entre a concentração demográfica e universidades e autarquias municipais, esta-
a preservação ambiental. duais e federais. Se na década de 1980 foi pos-
sível reunir um rico acervo de conhecimentos
Como atividade que envolve, necessa- e experiências dispersas e estruturá-las com
riamente, a conjugação de esforços públicos e um nexo, passados 30 anos acredito que esse
privados, o Desenho Urbano pode contribuir acervo tenha sido sensivelmente ampliado. Na
decisivamente para diminuir as deseconomias época, diligentemente coletado e organizado
do estado brasileiro como gastos com energia, em anais, o fruto de uma rede de profissionais
tempo, infraestruturas de saneamento, mobi- e acadêmicos precisava ser colhido como, de
lidade, saúde e educação. Basta que para isso, fato, o foi na sequência entre o I e o II SEDUR.
72 73
O acervo de hoje é ainda maior: falta a
atenção dada na década de 1980 para sua im-
portância. Mesmo disperso, o acervo de inte-
ligência e conhecimento traduzido em diver-
sas experiências, teóricas e práticas, de e sobre
o Desenho Urbano no Brasil é gigantesco se
comparado ao uso que dele se faz. Não difun-
di-lo ou explorá-lo em benefício da sociedade
brasileira é um verdadeiro desperdício. Creio
que a pergunta feita em 1986 permanece, ain-
da, sem uma resposta.

74 75
Capítulo 2

Desenhado
O Diálogo
Planos Diretores e a
Nova Agenda Urbana
URBANISMO VI
REQUALIFICAÇÃO

Entendo que o título desta apresenta-


ção, Diálogo Desenhado: Planos Diretores e a
Nova Agenda Urbana, decorre de um parado-
xo que enfrentamos aqui no Brasil entre duas
entidades: uma, os Planos Diretores; a outra,
os nossos desejos de alterar e intervir na paisa-
gem urbana. Outro título para a mesma apre-
sentação poderia ser: Planos de Conformidade
e Planos de Não Conformidade. Dois Sistemas
de Planejamento Urbano em Confronto.
URBANA

Há pouco tempo, Adalberto escreveu,


no Le Monde, um texto sobre o Vale do Anhan-
gabaú e, num parágrafo, diz: “Em geral, muito
se fala de paisagem, mas o planejamento, até o
momento, ocupa-se muito mais de sistemas e
redes de bens, projetando sobretudo espaços
verdes. Enquanto isso, a superação das for-
mas de tutela relativas à ‘singularidade’ (creio
Professor Doutor Benamy
Turkienicz (UFRGS)
que, aqui, Adalberto refere-se à característica
76 77
singular dos espaços, característica do espaço Passados 34 anos, desde então, vocês
percebido e não do espaço como sistema) pa- não perderam nada. Poderiam ter nascido
rece impensável, considerando (e isso é muito agora, porque a pergunta continua a mesma.
importante) o nosso sistema jurídico e o nosso Adalberto faz a mesma pergunta que fiz na
aparato normativo.” A dificuldade para alcan- apresentação dos Cadernos do I SEDUR há 34
çar a superação das formas de tutela, relativas anos. Na realidade, descobri que essas ques-
à singularidade que esperamos, parece mais tões são as mesmas que nos confrontamos, em
comprometida com nosso sistema de planeja- 1984 e 1986, quando tivemos a ideia de fazer
mento, com nosso aparato jurídico, com nos- uma reunião entre arquitetos brasileiros. Na
so aparato normativo e seus objetivos. realidade, o primeiro SEDUR foi um encontro
entre profissionais brasileiros e o evento se in-
Adalberto vai mais além e pergunta : ternacionalizou na segunda edição.

“(...) Se cada forma de planificação Estávamos insatisfeitos, Adalberto, mas


e cada projeto urbano respondem a não conhecíamos as origens do que é uma in-
uma demanda específica, vale indagar satisfação compartilhada entre nós. Não sabí-
como o Plano Diretor, entendido na amos, na época, por que nossos Planos Dire-
forma de instrumento técnico ‘tradi- tores não permitiam a intervenção direta no
cional’, poderia ser o instrumento mais espaço público. Esses planos diretores, que
adequado para acolher uma dimensão fazem parte do nosso Estatuto da Cidade, da
tão complexa como a paisagística?” Constituição Brasileira, não permitem ou não
são permeáveis à vontade de intervir na pai-
Esta que foi a grande pergunta lançada sagem. Nas faculdades de arquitetura, somos
no SEDUR, nos idos dos anos 1980, época em acostumados a pensar o espaço urbano. O Pla-
que, talvez, Adalberto e a maioria dos que nos no Diretor é o único instrumento jurídico que
ouvem ou leem agora não havia sequer nas- temos no Brasil, além da Lei 6.766 sobre lote-
cido. Diria ainda que a mesma pergunta, que amentos, para planejar o espaço urbano. Por
permeava a introdução dos Cadernos Brasilei- que esse instrumento não permite incluir nos-
ros de Arquitetura, permanece. sa criatividade, nossa formação, nossa educa-
78 79
ção como arquitetos? Por que esses planos são que a qualidade do espaço público sobrevirá
impermeáveis, como diria Artigas, ao nosso das regras definidas para os lotes, para o do-
desígnio? Por que (tais planos) não estimulam mínio privado. Parece coisa lógica: se o espaço
os arquitetos a dar curso à educação recebida urbano é configurado pelas edificações e pelos
e contribuir (com essa educação) para a quali- usos do solo, nada mais natural do que esperar
ficação dos espaços urbanos? que cada lote, regido em sua ocupação por es-
sas regras, vá configurar a esperada qualidade
Através de um Plano Regulador e de do espaço urbano. O tempo acaba conspiran-
suas regras (que chamo de Regras de Confor- do contra essa expectativa: antes que todas as
midade), nossos Planos Diretores pré-fixam o edificações sejam construídas nos lotes, novas
uso do solo e pré-fixam a forma dos edifícios regras são criadas, muitas vezes, sem harmonia
de toda a cidade. Quando elaboramos planos com as precedentes. Temos que levar em con-
diretores, trabalhamos com duas escalas: a de sideração que, além da dimensão física, exis-
todo o município representando grandes zo- te a dimensão temporal do espaço, ou seja, se
nas de uso com suas Regras de Conformidade pensamos em 3D para fazer um edifício, para
e detalhando, para o domínio privado dos lo- pensar a cidade, nós precisamos da quarta di-
tes, as alturas, recuos, afastamentos e potencial mensão, a dimensão temporal. Sem incorpo-
construtivo das edificações. Entre esses dois rar a dimensão temporal, deixaremos escorrer
extremos, a zona e o lote, ou seja, o domínio por entre os dedos a cidade que imaginamos
do espaço público, o que acontece? Esse é o através de sucessivos Planos Diretores.
problema: não acontece nada.
Como são feitos nossos Planos Diretores?
Nossos planos diretores não permitem
que possamos intervir , entre o lote e a zona, Imagino uma cidade acontecendo den-
com qualquer tipo de planejamento ou de re- tro de um perímetro urbano. Imagino nesse
gulação que envolva aquilo que reclamamos perímetro ruas, avenidas, quadras e lotes: crio
que é a qualificação do espaço urbano. Os Pla- regras para esses lotes, vejo brotando edifícios
nos Diretores, no Brasil, não se preocupam dentro desses lotes, seguindo regras pensadas
com o espaço público porque pressupõem para permitir que o tamanho de cada edifício
80 81
seja compatível com as necessidades de ilumi- Nas cidades brasileiras, o potencial
nação natural, ventilação, radiação solar; e o construtivo aumenta a cada expansão do perí-
tráfego das ruas pensado como se todos esses metro urbano, gerando mais e mais infraestru-
edifícios ficassem prontos num tempo previ- turas subutilizadas. Ao expandirmos, de forma
sível, um ao lado do outro. Vejo o espaço ur- incontrolada, nossas infraestruturas, aumen-
bano nascendo e me sinto confortável: nada tamos também os custos de sua manutenção
mais ilusório, irreal e gerador de caos do que pois, uma vez entregues pelo setor privado,
esse pensamento aparentemente tão racional. passam a onerar o erário público. Aumenta-
mos, também, com as distâncias criadas, o
Por que digo isso? Porque as cidades tempo de percurso entre as atividades urbanas.
brasileiras tendem a crescer demograficamen-
te de forma muito mais lenta do que a produ- Com escolhas de locais para edificar
ção do seu tecido urbano de quadras e lotes. que, certamente, não vão esgotar a capacidade
Nossas cidades produzem mais lotes vazios ou da infraestrutura prevista pelo Plano Regula-
subocupados, em relação ao potencial cons- dor, por que temos regras tão rígidas em rela-
trutivo consignado por lei, do que o necessá- ção ao potencial construtivo e regras de ocupa-
rio para abrigar a real demanda demográfica. ção (alturas, recuos, afastamentos) para cada
Acabamos com mais lotes, ruas e infraestrutu- lote?
ras do que o necessário para abrigar a popula-
ção urbana. Não fazemos contas: produzimos Uma possível resposta pode ser esta:
lotes que certamente não serão ocupados com nossos Planos preconizam que projetos indi-
o potencial permitido pelos Planos Diretores, viduais devem se ajustar a uma estratégia cole-
a configuração imaginada dos edifícios não é tiva dada por limites compartilhados. Ao mes-
alcançada e a “ideia” original do espaço pú- mo tempo, a Lei determina que o proprietário
blico configurado pelos edifícios construídos, de cada lote pode edificar, proporcionalmente
através das regras do Plano Diretor, não se ao tamanho do seu terreno, o que é permitido
materializa. A cidade se constrói em retalhos para todos os terrenos vizinhos. A Lei, entre-
não harmônicos que não conversam entre si. tanto, não estabelece o mínimo edificável. A
não ser pela constrição imposta por taxações
82 83
progressivas em caso de não edificação (IPTU que merecem atenção.
progressivo), nossos Planos não estimulam
a cidade prevista na sua concepção. Ou seja, Os Guaranis participavam, periodica-
são antiplanos em que todos têm os mesmos mente, de uma bebedeira que fazia com que
direitos, porém tais direitos não estão rela- perdessem controle sobre muitas de suas ações
cionados a estratégias coletivas de desempe- cotidianas. Dado que moravam em grandes
nho da cidade. Os Planos Diretores carregam ocas habitadas por 200 – 300 índios (famílias
um compromisso teleológico de conduzir, estendidas), com a bebedeira trocavam de es-
lote após lote, a configurações de espaços que posa, procriavam com mulheres que não eram
somente existiriam quando o potencial cons- suas e, curada a ressaca, migravam para outro
trutivo, instaurado pelas regras do Plano Re- lugar onde começariam tudo novamente: a
gulador, estivesse próximo de sua plenitude. Terra Prometida pelo Xamã.
Os Planos Diretores conduzem a cidades que
jamais materializam os objetivos e diretrizes A cada novo ou a cada revisão de um
previstas nos seus textos introdutórios. Plano Diretor, iniciamos um ritual de discus-
sões com a comunidade. Substituímos o porre
O atual processo de elaboração dos nos- oferecido pelo Xamã, a cada 10 anos, quando
sos Planos Diretores, com suas estruturas de buscamos uma Terra sem Mal seguindo ritual
participação comunitária, parece constituir determinado pelo Estatuto da Cidade. A cada
situação análoga à dos Guaranis, que migra- dez anos a sociedade é convocada para discu-
vam de um lugar para outro em busca da Ter- tir as mazelas do crescimento da cidade (ou
ra sem Mal, ou seja, da Terra prometida pelo de sua involução), reajustam-se as regras de
Xamã, que oferecia a todos a possibilidade de Conformidade e seguimos gerando mais po-
encontrar aquilo que queriam, mas num ou- tencial construtivo. O Estatuto da Cidade não
tro território, porque a Terra havia se exaurido compele as cidades a correlacionarem a oferta
no local em que estavam. Embora possa pare- de infraestrutura com a geografia do potencial
cer estranho comparar a cultura de um povo construtivo, em última análise; não obriga as
indígena com processos contemporâneos de cidades a simularem seus reais potenciais de
planejamento urbano, existem traços comuns crescimento e alocarem recursos proporcio-
84 85
nais a esse crescimento. Plano Regulador, cus- de cada lote. A cada dez anos, repetem-se os
tos de manutenção, implantação de infraestru- rituais de participação em decisões cujos re-
turas e previsibilidade de ambiências urbanas sultados são previsivelmente imprevisíveis.
não têm escrutínio em quaisquer das esferas
institucionais, quer sejam municipais, estadu- Os ingleses foram pioneiros em muitas
ais ou federais. Câmaras de Vereadores deci- coisas a partir do século XVIII e, também, no
dem sobre as regras dos Planos Diretores sem planejamento urbano. Não é por acaso que
examinar os impactos dessas regras nas finan- Ebenezer Howard surge na Inglaterra, não
ças das cidades. é por acaso que temos figuras como Lewis
Mumford e outros na Inglaterra. Também não
Migramos, de revisão em revisão, enca- é por acaso que o livro de Celson Ferrari, é um
lacrados por estratégias de conformidade, na “amansa burro” de muitos Planos Diretores e
direção de uma Terra sem Mal prometida pe- de cursos de urbanismo, foi beber na tradição
los Planos Diretores, na realidade um caos pla- pós-guerra da Inglaterra e dos seus índices ur-
nejado. Esse caos sobrevém da falta de articu- banísticos. Diria, até dando um spoiler da en-
lação entre duas escalas extremas: o perímetro trevista que lhe dei, uma situação que vivemos
urbano/zoneamentos e o lote. Não há nada en- é que, de alguma forma, temos Planos basea-
tre o perímetro urbano/zoneamentos e o lote. dos em índices, mas não temos Planos basea-
Porém muita coisa acontece entre o perímetro dos em indicadores. É importante fazer a dife-
urbano e o lote: trata-se da escala intermedi- rença entre índice ou coeficiente e indicador.
ária, daquilo que nossa visão permite perce-
ber quando caminhamos, experimentamos o Coeficientes de aproveitamento, alturas
espaço urbano. É aquilo que você chama em e recuos são parâmetros utilizados nos Planos
seus textos, Adalberto, de paisagem e da incor- Diretores para regular a ocupação do território
poração da paisagem, que é esse mundo per- privado. A qualidade do espaço urbano, a oti-
cebido: o Plano Diretor trabalha na esfera de mização da infraestrutura urbana, a percepção
um mundo não percebido, um mundo etéreo, da paisagem urbana e a adequação de usos são
onde todos são iguais, onde todos têm direitos fatores que necessitam modelos analíticos e
iguais assegurados pelo potencial construtivo mensurações; não estamos acostumados a vin-
86 87
cular os planos diretores a tais mensurações. A mo do direito consuetudinário, baseado na ex-
estrutura atual da legislação urbanística brasi- periência e no consenso. Nesse caso, importa
leira se restringe ao regramento do percentual muito mais o resultado de um conjunto aferi-
de espaço destinado ao domínio privado, das do a partir de cada projeto do que a metarre-
regras de ocupação desse domínio e do per- presentação de um futuro improvável.
centual destinado ao domínio público. A legis-
lação urbanística atual oferece pouquíssimas No Brasil, temos um sistema jurídi-
referências quanto à qualidade da ocupação co baseado no direito romano, diferente do
do domínio público e suas correlações com a consuetudinário, comum aos anglo-saxões.
coesão e o controle social, a fruição da pai- O planejamento territorial brasileiro, basea-
sagem e a economia municipal para além do do no direito romano, estimula a regulação da
percentual de solo destinado ao sistema de configuração da propriedade individual e sis-
mobilidade e equipamentos sociais. tematicamente se omite em relação à configu-
ração do espaço público. Como antes afirma-
O planejamento urbano no Reino do, planos diretores brasileiros não dão, para
Unido, há muito tempo, não trabalha exclu- a res pública, a mesma atenção que dispensam
sivamente com regras de Conformidade, co- para a regulação do espaço privado. Existe
eficientes de aproveitamento, recuos, afas- como afirmado anteriormente, o pressuposto
tamentos e alturas predefinidos. Preferem não explícito de que a configuração do espaço
trabalhar com diretrizes e princípios genéricos público será resultado das virtudes da ocupa-
criando uma margem para negociação entre a ção do espaço privado. Visto que tal ocupação
instância pública e a privada. As diretrizes e não é síncrona, o tempo e as periódicas alte-
os projetos submetidos para obter as respec- rações de normas urbanísticas fazem com que
tivas licenças devem guardar coerência, que é a ocupação de um mesmo lote “não se com-
aferida por equipes de planejamento dos cou- bine” com a ocupação dos lotes vizinhos. Na
nties e dos boroughs, nas grandes cidades. Os ausência de estratégias de evolução harmônica
britânicos, principalmente depois da Segunda do conjunto urbano, nossas cidades dão lugar
Guerra Mundial, institucionalizaram progres- a uma cacofonia de formas sem consistência e
sivamente um planejamento territorial próxi- a mínima previsibilidade.
88 89
O Estatuto das Cidades não fornece su- tituem a essência do cotidiano das cidades.
ficiente sustentação jurídico-legal para que
nossas cidades e seus arquitetos alterem posi- Mais recentemente, partir do “Localism
tivamente a paisagem urbana, através de pro- Act” (2014), os britânicos passaram a delegar
jetos individuais ou mesmo de alterações do às comunidades locais a iniciativa de propor,
espaço público. Instrumentos previstos pela inclusive, estruturas regulatórias locais (Nei-
legislação urbana como o Direito de Preemp- ghbourhood Planning). Trata-se de um pro-
ção, a desapropriação e as Operações Urbanas cesso no qual estão envolvidos planejadores
Consorciadas são de complexa aplicação, com urbanos contratados pela comunidade com
mecanismos pouco regulamentados de inter- verbas do Estado (grants) e autoridades mu-
face financeira e jurídico-legal entre o públi- nicipais procurando conciliar os interesses de
co e o privado. As prefeituras municipais não uma vizinhança a marcos regulatórios do Es-
contam com corpo técnico e suporte jurídico tado e internacionais, como os Objetivos de
capaz de especificar as demandas configura- Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Nova
cionais (Design Brief) relativas aos espaços Agenda Urbana da ONU e, também, sistemas
públicos. Existe pouca capacitação para o de- de avaliação ambiental como o BREEAM.
senho dos espaços públicos bem como pouco
interesse pelo Direito Urbanístico. A Comunidade Europeia vem, progres-
sivamente, estabelecendo parâmetros para en-
Principalmente depois da Segunda frentar a pluralidade e a diversidade de interes-
Guerra Mundial, os britânicos passaram a ses que coexistem nas cidades. De acordo com
considerar que projetos individuais, de médio regulamentações inseridas nas políticas regio-
e grande porte, deveriam fazer parte de estra- nais da Comunidade Europeia, apenas proje-
tégias de intervenção sobre o espaço urbano. tos com chance de, efetivamente, promover
Nessa perspectiva, como guardião do interesse agendas coletivas consensualizadas em pro-
coletivo, o Estado deveria ‘conformar’ projetos gramas comunitários se credenciam para rece-
imobiliários a estratégias que traduzissem esse ber recursos de entidades financeiras (bancos,
interesse. Dificuldades para conciliar interes- agências, etc.).
ses individuais com o interesse coletivo cons-
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Projetos ambiciosos, de grande e médio tratégia coletiva pactuada. Na realidade, o Rei-
porte, que alteraram a estrutura do espaço pú- no Unido já normatizou o que nós esperamos
blico em várias cidades europeias foram viabi- através de legislação que está sendo trabalhada
lizados quando os direitos individuais foram no Senado Federal, num projeto do Senador
compartilhados com os direitos de uma vizi- Antônio Anastasia com a assessoria de Victor
nhança ou de determinada área do território Carvalho Pinto, especialista em Direito Urba-
municipal. Obviamente trabalhando com al- nístico e consultor legislativo do Senado. Com
guma competência estatutária de regulamen- a nova legislação, será possível criar Planos de
tação do solo é possível promover práticas de Pormenor, ou quiçá, Planos de Vizinhança. Ao
planejamento, nas quais a tarefa fundamental estabelecer uma legislação específica para uni-
de avaliação e negociação de projetos é legiti- dades territoriais menores do que o municí-
mamente realizada por autoridades locais ou pio ou Zona de Planejamento, provavelmente
agentes designados para tal por essas autori- (porque o conteúdo desse projeto não foi dado
dades, como corporações público-privadas. a público), se houver semelhança com os Pla-
Nesse contexto, comissões avaliarão se a pro- nos de Pormenor de Portugal, talvez possamos
posta para o meu lote é compatível com os ter chances maiores do que as que temos hoje
objetivos traçados para a vizinhança ou não. de intervir sobre o espaço público.
Nesses objetivos cabem demandas de ocupa-
ção demográfica (densidades), de comércio e Nossas cidades cresceram em direção
serviços, equipamentos comunitários compa- à periferia, deixando para trás áreas centrais
tíveis com tais densidades, entre outras. consolidadas, porém antigas em relação aos
serviços abrigados pelo patrimônio edificado,
No Brasil, se pago meu IPTU, só posso tornando-as áreas pouco atrativas para morar
construir um décimo daquilo que o lote per- ou trabalhar. O uso de uma legislação urbanís-
mite edificar sem quaisquer obrigações com tica genérica, e não específica, para esse tipo
respeito a demandas locais. O Reino Unido de área traz enormes dificuldades para novos
apresenta uma situação diametralmente opos- investimentos que regenerem ou reativem a
ta no que diz respeito à entrega de direitos de economia e a atratividade desses locais, muitas
desenvolvimento espacial em face de uma es- vezes, dotados de altíssimo potencial constru-
92 93
tivo. Cria-se uma situação paradoxal na qual quarteirão foi dividido em três partes: um ter-
o uso desse potencial construtivo (e mesmo ço para equipamentos de uso público como
a mudança de uso dos edifícios) poderia ser praças, escolas, universidades e instalações/
convertido em benefício da cidade, mas a le- empresas voltadas para inovação tecnológica;
gislação urbanística, engessada por regras de um terço, para áreas de recreação/lazer e um
conformidade, desestimula tanto o investi- terço ficou para habitação de interesse social.
mento público quanto o privado. Os outros 70% foram destinados para os usos
que os proprietários quisessem dentro das
O plano 22@ de Barcelona foi uma ex- edificações, mas estas receberam o potencial
periência urbanística levada a efeito numa área construtivo equivalente as dimensões de 100%
subutilizada da cidade, uma área abandonada da quadra. Ou seja, o potencial construtivo,
por indústrias que não encontraram meios de antes desagregado em cada lote, foi concentra-
permanecerem na região. A decisão munici- do nos 70% de terreno da quadra: quem tinha
pal foi reconverter a área industrial em área uma área na qual podia construir 7mil m² con-
de uso misto – industrial, comercial e residen- tinuou a poder construir os 7 mil metros nos
cial – designando, para cada quadra, um po- 70% da quadra, adicionados de 10% de boni-
tencial construtivo advindo da soma dos lotes ficação de potencial construtivo. Ganharam
existentes. Reunificado na quadra o potencial os proprietários, ganharam os empreende-
construtivo a proposta criou a oportunidade dores que puderam fazer projetos que viram,
de um grande lote ser planejado em conjunto na qualidade do espaço urbano, um fator que
(espaço de uso urbano, edificação e espaço li- agregasse valor ao produto vendido e ganhou
vre). Com a transformação, foi possível levar a cidade com a qualificação do espaço urbano.
o espaço urbano inclusive ao interior do quar-
teirão. Os proprietários dos lotes receberam, Adalberto, você colocou como título da
proporcionalmente ao tamanho de seus lotes, nossa conversa de hoje O espaço do diálogo en-
os dividendos ou participação relativa ao em- tre a requalificação urbana e o desenho urbano.
preendimento ali feito. Pois bem, os catalães fizeram justamente isso:
usaram desenho urbano para requalificar um
Trinta por cento (30%) do espaço do espaço que já existia dentro de um tempo con-
94 95
trolado nas quadras do projeto 22@Barcelona. cional ao desejo de edificar de todos os pro-
Em menos de 10 anos, as quadras passaram a prietários dos lotes. Uma nova abordagem
ter um poder de qualificação da área urbana, deve ser perseguida, buscando articular estra-
onde estavam inseridas, muito maior do que tégias, diretrizes e objetivos a metas a serem
teriam caso seus edifícios fossem construídos alcançadas num período determinado de
de modo assíncrono. O módulo da quadra ou tempo. Essas metas terão maior chance de se-
de um grupo de quarteirões criou um efeito rem alcançadas se, ao contrário de dispersar
catalisador de regeneração urbana muito gran- as construções no território, buscarmos criar
de também, porque houve segurança jurídica territórios com densidades funcionais capazes
para o investimento de capital nas construções de fazer emergir, em espaço reduzido de tem-
ou nas atividades previstas para acontecerem po, os serviços e equipamentos necessários a
nas quadras. uma vida urbana eficiente e ambientalmente
sustentável. Isto implica incentivar a concen-
No Brasil, o diálogo entre a requalifica- tração demográfica em áreas de grande aces-
ção urbana e o desenho urbano passa necessa- sibilidade, desenhar os espaços e os ambientes
riamente pela transformação dos Planos Dire- capazes de abrigar serviços e equipamentos
tores em documentos estratégicos e dos Planos adequados a essas concentrações, bem como
Reguladores em instrumentos de implemen- desenvolver sistemas de acompanhamento da
tação das estratégias. Hoje as chamadas “Es- qualidade urbana para que as metas sejam,
tratégias, Diretrizes e Objetivos”, contidas na progressivamente, alcançadas.
maioria dos Planos Diretores, constituem nar-
rativas destituídas de articulação com os ins- Se o Estatuto da Cidade deu base para
trumentos reguladores do Plano: uma prova uma geração de Planos Diretores que tiveram
dessa falta de articulação é a distribuição simé- como foco principal a expansão e a regulari-
trica de potenciais construtivos entre os lotes, zação do tecido urbano configurado sem licen-
baseada no princípio de proporcionalidade do ciamento, bem como a criação de mecanismos
direito de construir. de inclusão e participação da comunidade, é
hora de pensar em Planos Diretores de segun-
Esse direito de construir não é propor- da geração, planos que procurem repensar o
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desenho do tecido urbano que está construí- uma mudança da política administrativa com
do, costurando, ajustando, adensando e con- relação ao planejamento urbano no Brasil.
ferindo nexo a estruturas e infraestruturas que
se expandiram sem um controle estratégico. Aprendi, ao longo dos últimos 35 anos,
a observar a importância conferida pelos euro-
É fundamental criar as condições para peus e norte-americanos à qualificação dos es-
viabilizar o Marco do Saneamento Básico; é paços públicos e à oferta de equipamentos pú-
também preciso ter em mente que, pratica- blicos urbanos. Na realidade, em fase anterior
mente, já atingimos o teto de percentual de a esses 35 anos, europeus e norte-americanos
população urbana. As taxas de crescimento de- já haviam enfrentado o rápido crescimento ur-
correntes do fluxo rural-urbano diminuíram bano do segundo pós-guerra e haviam ofereci-
sensivelmente nas duas últimas décadas. Nos- do soluções medíocres, através dos subúrbios
so olhar deve estar voltado para o diálogo com constituídos por residências unifamiliares (no
a cidade existente, mas sempre mediado pelo caso americano) e, no caso europeu, duas ti-
desenho, pelo projeto urbano. Expandimos, pologias , edifícios em altura e as residências
com baixíssimas densidades, nossa malha ur- familiares suburbanas. Constatados os erros,
bana sem desenho, aos trancos e barrancos e passamos a assistir a uma verdadeira revolu-
de forma perdulária. Temos que concentrar ção nos conceitos urbanísticos (que talvez ain-
esforços em estabelecer nexo entre a mobilida- da não tenha alcançado a totalidade dos nossos
de urbana, as infraestruturas de saneamento cursos de arquitetura e urbanismo) e à produ-
básico e a oferta de comércio, serviços e habi- ção de incentivos para recuperar a qualidade
tação, utilizando o único instrumento possível urbana em territórios já construídos. Muitos
para esse fim: o projeto urbano. Muito prova- conhecimentos e ferramentas computacionais
velmente, parcelas de novo solo urbano devam foram produzidos nos últimos 35 anos para
ser produzidas para ajudar no estabelecimen- informar, através de modelos de análise e de
to desse nexo, na medida em que permitam a indicadores de qualidade espacial, os atributos
consolidação do tecido urbano ou mesmo a principais que deveriam ser trabalhados para a
regeneração de tecido vizinho existente. Tal melhoria dos espaços urbanos.
consolidação envolve, sem dúvida nenhuma,
98 99
Modelos, ferramentas e indicadores Capes é representante da arquitetura, do urba-
vêm sendo importantes coadjuvantes, nesses nismo e do design. Não poderia esquecer da
países, de diferentes escalas de planejamento abrangência das minhas atribuições e procurar
urbano, desde o Plano Diretor Municipal, o sempre auscultar as demandas e entender as
Master Plan, até o Neighbourhood Plan ou Pla- potencialidades específicas de cada uma des-
nos de Vizinhança. Precisamos avançar, em sas três áreas de conhecimento. Minha respos-
território brasileiro, para o controle do espaço ta será relacionada a essa área específica que
urbano através de uma arquitetura da cidade estamos nos referindo, que é o desenho urba-
que supere o lote e encontre a quadra, ou uma no: fiz o tema de casa como representante da
área urbana; e não é na sua finitude, de certa Capes, e explicito isso na entrevista dada para
maneira, que ela deve ser delimitada, mas na você no ano passado. Na ocasião, disse que
sua amplitude no sentido do desejo, no senti- procurei, em primeira instância, compreender
do do desenho e no sentido da percepção que por que os cursos de arquitetura e urbanismo
temos da qualidade do espaço que nos é dado do Brasil, na graduação e pós-graduação, não
pelo conjunto da arquitetura urbana. Era isso contribuem de forma relevante para a quali-
que eu tinha para contar para vocês hoje. dade das nossas cidades, tanto quanto ocorre,
principalmente nos últimos tempos na Euro-
Prof. Adalberto: Eu começo justamen- pa e nos Estados Unidos. Minha conclusão,
te com essa pergunta: como o senhor, como registrada no Documento de Área (AU+D) da
nosso representante da Capes, viu e tentou minha gestão, foi de que não oferecemos capa-
implementar essas políticas e como agora isso citação suficiente para isso.
pode ser facilitado?
Muito pouco conteúdo de urbanismo é
Prof. Benamy: Bem, na realidade como assegurado ou exigido pelas diretrizes pedagó-
representante da Capes o que eu podia almejar gicas do MEC. Não sei quanto tempo dispen-
era uma maior conscientização por parte dos sam para o projeto urbano no curso de gra-
pesquisadores sobre a importância do proje- duação em Bauru, mas, em média no Brasil,
to urbano nessa área de projeto. Não devemos o projeto urbano não ocupa mais do que 15%
esquecer que o representante da arquitetura na da formação. Praticamente nada é oferecido
100 101
tanto no que tange à tecnologia urbana quan- tecnológicas, voltadas tanto para os aspectos
to à representação do objeto cidade. O aluno analíticos como para os de representação, não
aprende a representar edifícios, mas não é fazem parte dos projetos político-pedagógicos
preparado para representar o espaço na esca- dos nossos cursos, embora muitos professores
la urbana. A representação é quase decorrente de urbanismo desses cursos gostariam que fi-
do que se aprende para representar o edifício. zessem. A incorporação desses conteúdos en-
Sabemos que, para representar os espaços da volveria uma transformação das diretrizes pe-
cidade, são necessárias outras técnicas de re- dagógicas dos cursos de arquitetura, no nível
presentação além daquelas que vão das escalas do Ministério da Educação e isto, mas, infeliz-
1:200 a 1:10 ou 1:20. Nas dimensões urbana mente, ainda não faz parte das preocupações
e regional, temos que usar as escalas 1:2.000, de um Estado guardião do Estatuto da Cidade.
1:5.000, 1:50.000. Todas elas têm níveis de re-
presentação, espessura de pena, cores entre Dentro das ações como coordenador de
outros. que não são suficientemente ensinados área, procurei evidenciar essa inconsistência
nos cursos de arquitetura e urbanismo, com a mostrando que, praticamente, 70% ou 80%
mesma intensidade que as técnicas de repre- das teses de dissertações de doutorado e mes-
sentação da edificação. trado, elaboradas nos cursos de pós-graduação
de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, são vol-
Não temos uma capacitação abrangente tadas para teoria e história. Pouquíssimas são
voltada para o projeto urbano: as tecnologias voltadas para o projeto urbano.
urbanas, hidrologia, geotecnia, sistemas de
tráfego, clima, conforto ambiental todos esses Revisei 100% dos resumos das teses e
componentes do sistema urbano não são apro- dissertações desenvolvidas nos 10 anos an-
fundados e, muitas vezes, sequer ministrados teriores à redação do Documento de Área da
nos cursos de arquitetura. Tais conhecimentos minha gestão e pude constatar que a área de
são requisitos para o projeto urbano, funda- representação não ultrapassava 1% das teses e
mentais para a arquitetura urbana e, de fato, dissertações. Isso mostrou que vivemos uma
não são incentivados nos cursos de graduação enorme indigência intelectual, indigência teó-
de arquitetura e urbanismo. Essas dimensões rica na área de representação e também na área
102 103
de modelagem do espaço tanto arquitetônico tem um laboratório e lembro-me que, há mui-
quanto urbano. Se o espaço urbano envolve to tempo, uns 10 anos, pedi a um aluno para
sistemas de infraestruturas e envolve a rela- visitar seu laboratório e o senhor nem me co-
ção entre o espaço edificado e esses sistemas, nhecia, mas me enviou um livro sobre o labo-
entre a paisagem urbana e os sistemas que fa- ratório. Fiquei muito entusiasmado com o tipo
zem parte dessa paisagem, eu preciso pensar de modelagem que vocês faziam já naquela
no conforto ambiental, na saúde coletiva, na época. Como o laboratório ainda está ativo,
mobilidade urbana, ou seja, numa série de sis- será que os alunos poderiam fazer um estágio
temas que fazem parte da paisagem urbana e lá? Já que muitos alunos têm interesse nesse
que, na realidade, acabam não se constituindo tipo de trabalho.
em objeto de investigação na pós-graduação
de Arquitetura e Urbanismo. Prof. Benamy: Bem, nós configuramos
o laboratório já há muito tempo. Na realida-
Ora, com tanta indigência nos cursos de, ele surgiu após uma demanda do então
de graduação, com tanta falta de produção in- prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, que me
telectual nos cursos de pós-graduação, a res- pediu para dar uma resposta com relação à re-
posta para sua pergunta me parece óbvia: por gulamentação da lei do solo criado. Entre ou-
um lado, falta-nos fazer o tema de casa e, por tras coisas, ele queria saber quais os limites de
outro, fazer com que as autoridades de Estado, construção em determinadas áreas da cidade,
como o Senado e a Câmara dos Deputados, além dos índices aprovados pelo Plano Dire-
possam inserir, dentro da nossa legislação, tor, para ter uma noção dos índices adicionais
algo que provoque transformações da diretriz que a cidade poderia disponibilizar no mer-
pedagógica dos cursos de graduação em ar- cado. Ao responder, argumentei que a venda
quitetura e urbanismo, além de um olhar mais de índice adicional deveria partir do conheci-
atento aos aspectos que envolvem a correlação mento sobre o impacto ambiental provocado
entre sistemas que convivem na paisagem ur- pelo aumento demográfico (tráfego, princi-
bana e a própria paisagem urbana. palmente) e da densidade construtiva (acesso
a iluminação natural, radiação solar, ventila-
Prof. Adalberto: Professor, o Senhor ção, drenagem etc.). Ele falou – Bem, como
104 105
é que eu posso fazer isso? Respondi que meu geotecnologias para definir as melhores áreas
laboratório, o SimmLab (Laboratório para Si- para a implantação habitação de interesse so-
mulação e Modelagem em Arquitetura e Ur- cial. Agora estamos acabando um plano dire-
banismo), não seria suficiente para dar conta tor de Xangri-lá, cidade do litoral norte do Rio
do recado. Precisaria contratar outras pessoas, Grande do Sul. O NTU está aberto a visitas e
outros grupos, outros laboratórios da univer- estágios e já tivemos o prazer de receber alu-
sidade para dar a resposta desejada. Foi então nos de outros estados como Minas Gerais e
que construímos a base do Núcleo de Tecno- Santa Catarina.
logia Urbana - NTU da UFRGS. Foram incor-
porados o Laboratório de Ensaios Geotécni- Como você sabe, desenvolvemos tam-
cos Geoambientais, o Laboratório de Sistemas bém o CityZoom, um software voltado para a
de Tráfego e de Transporte, o Laboratório de análise e o projeto urbano, e que pode ser uti-
Conforto Ambiental (coordenado pelo Profes- lizado, mediante licença de uso, por todos vo-
sor Fernando Ruttkay Pereira) da UFSC, etc. cês. É usado para aferir uma série de variáveis
de desempenho, como insolação, iluminação
Através do NTU construímos parâme- natural, percepção urbana e outros fatores que
tros para viabilizar a venda de índices dessa contribuem para a qualidade da paisagem ur-
forma essa decisão não impactasse negativa- bana, como bacias visuais, protagonismo ar-
mente a paisagem urbana mas que, ao contrá- quitetônico na paisagem e potenciais constru-
rio, viesse a requalificá-la. Esse trabalho aca- tivos. Se quiserem usar o CityZoom, a gente dá
bou chegando ao conhecimento de prefeituras a chave e vocês passarão a utilizar o software
que, desde então, vêm solicitando ao NTU-U- como usam o Gmail ou qualquer outro sof-
FRGS principalmente planos diretores e pla- tware que depende da autorização de senha.
nos habitacionais. Depois da pandemia vocês serão bem-vindos!

Posso recomendar os planos para ha- Aluno Kaique: O senhor falou que, em
bitação de interesse social de Canela-RS e geral, os planos diretores no Brasil têm essas
Taquara-RS, publicados no site do antigo Mi- deficiências de não pensar em todas as esca-
nistério das Cidades. Na ocasião utilizamos las e acabam limitados à escala do lote ou do
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perímetro urbano, deixando esse vazio entre nos diretores. Ele diz exatamente isso: que os
escalas. A minha pergunta é se isso poderia ser planos diretores do Brasil não são suficientes e
mudado localmente? Por exemplo, no caso de são demasiadamente genéricos para abranger
uma cidade resolver se inspirar nesses lugares a escala local. Isto já está em desenvolvimen-
mencionados, como Barcelona, onde houve to no Senado Federal, a partir de uma lei que
mudanças positivas, ou se para essas mudan- está sendo formatada e será levada ao plenário
ças acontecerem no Brasil seria preciso uma para aprovação.
legislação federal exigindo isso mais dos pla-
nos da cidade? Com a Lei dos Planos de Pormenor, as
operações urbanas consorciadas serão mais
Prof. Benamy: Ótima pergunta, porque bem regulamentadas e, assim, poderão apoiar
na realidade, na nossa legislação atual e como qualquer cidade brasileira que queria imple-
parte dos planos diretores, temos a figura das mentar planos de ação local. Assim como o
operações urbanas associadas. Portanto, gros- Rio de Janeiro fez no Porto Maravilha e como
so modo, temos a prerrogativa para abrir a di- nós fizemos com o Masterplan do 4² Distrito
mensão jurídica de intervenção em áreas de- de Porto Alegre, projeto que, em outra oportu-
limitadas, por exemplo, do Porto Maravilha nidade, terei prazer de mostrar a vocês. É um
no Rio de Janeiro. A intervenção foi baseada projeto feito para essa escala, usando muito
na ideia da Operação Urbana Consorciada. O da experiência do Reino Unido e da Espanha,
município de São Paulo abriu a oportunida- principalmente Barcelona. Quando quiserem,
de de Operações Urbanas Consorciadas para posso falar sobre como é possível, numa cida-
várias áreas da cidade e, se não me engano, a de específica, intervir localmente a partir de
última delas é a do Vale do Tamanduateí. En- diretrizes, objetivos e da estruturação jurídica
tendo que com seu Plano Diretor, a cidade de para criar parcerias público-privadas.
São Paulo largou na frente dentro dessa apli-
cação localizada, mas ainda é pouco. Você ver- Flávia Carvalho: Falo de Uberlândia,
balizou muito bem, é resultado do que chamei Minas Gerais e também sou aluna do curso de
de escala intermediária e o Senador Antônio pós-graduação da Faculdade de Arquitetura de
Anastasia é quem fala dessa indigência dos pla- Uberlândia. Minha dúvida é sobre a dimensão
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temporal: como é possível materializar essa jamento urbano você precisa ter escolhas es-
questão temporal intangível em propostas tratégicas que permitam a escolha de espaços
no plano diretor ou em vários planos, consi- generativos de qualificação urbana. Jaime Ler-
derando que hoje em dia a dinâmica é muito ner, que foi um grande comunicador, usou o
mais rápida na ocupação dos espaços urba- termo Acupunturas Urbanas. Essas acupuntu-
nos e essa diversidade, muitas vezes, difere ras urbanas significam que você pode intervir
do que foi planejado no ponto inicial. Então, em determinados lugares que têm um poder
como poderíamos materializar essa questão muito amplo de qualificação urbana. Para sa-
no plano? Durante o decorrer da palestra fi- ber quais será preciso usar esses indicadores. A
quei pensando se seria através desses planeja- Organização das Nações Unidas tem um con-
mentos menores, na escala menor, através do junto de indicadores, o City Prosperity Index
planejamento da unidade de vizinhança, que (CPI), que permite identificar esses lugares
conseguiríamos trabalhar com essa questão com maior poder de regeneração e, então, a
temporal; ou como no Reino Unido, através partir do uso desses indicadores pode-se co-
da aprovação ou do poder público estar acom- locar índices para alcançar aqueles objetivos
panhando essa aprovação mais de perto? Ou- apontados como necessários pelos indicado-
tro problema que também vejo é a questão dos res. Eu diria que isso é algo alcançável: no pla-
indicadores, porque entendo que o indicador no de Xangri-Lá, estamos trabalhando nessa
pressupõe uma meta a ser atingida e a meta direção. Estamos usando indicadores, projetos
pressupõe um pacto social na cidade e na so- e programas transversais e específicos como
ciedade sobre o que se quer, onde queremos parte do Plano Diretor. Estamos indicando os
chegar e o modelo de participação que temos pontos a serem trabalhados com essa acupun-
hoje na elaboração dos planos diretores. En- tura, com dimensão temporal claramente defi-
tendo que não conseguimos chegar nisso, en- nida, para que os projetos sejam executados.
tão como fechar para, pelo menos, ficar mais
próximo de atingir essa questão? Prof. Adalberto: Professor, gostaria de
parabenizá-lo outra vez pelo seu aniversário
Prof. Benamy: A resposta é sim, den- e agradecê-lo muito pela excelente palestra.
tro dos planos diretores ou dentro do plane- Agradeço também a todos vocês.
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Prof. Benamy: Obrigado, agradeço a

BIBLIOGRÁFICA
atenção e espero encontrá-lo brevemente em
outra oportunidade.

SÍNTESE
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