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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 1201/19.3T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Data do Acordão: 23-09-2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I. Do caso julgado emerge um efeito negativo – proibição de repetição
da causa (excepção de caso julgado) – e um efeito positivo – proibição
de contradição de decisão transitada em julgado por decisão posterior
(autoridade de caso julgado).
II. Para que se verifique a excepção de caso julgado é necessário que se
verifique identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
III. É de considerar como a mesma parte não só os concretos titulares
do direito ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito
em julgado da sentença, solitariamente ou em litisconsórcio necessário,
como também os seus transmissários ou sucessores.
IV. A apreciação da identidade da qualidade jurídica dos sujeitos, em
caso de pluralidade destes, para efeito de verificação da excepção de
caso julgado haverá de se desdobrar em dois enfoques complementares
em função da estrutura da relação jurídica subjacente: enquanto no caso
de litisconsórcio necessário (necessário, legal, convencional ou natural)
se atenta fundamentalmente ao interesse colectivo, no caso de
litisconsórcio voluntário ou coligação atenta-se sobretudo ao interesse
individual.
V. Estão excluídos da identidade subjectiva aqueles que podendo
participar da acção em litisconsórcio voluntário o não fizeram, sendo,
no entanto, de admitir a coincidência parcial entre sujeitos quanto
àqueles que concretamente estiveram na causa; mas já se terá de
entender haver identidade subjectiva nos casos de litisconsórcio
voluntário que seja unitário, porquanto neste cada interessado
processual representa, em substituição processual, todos os demais
interessados não partes do processo, que ficam sujeitos aos efeitos da
sentença.
VI. A pluralidade activa de partes na acção destinada a obter a
reparação do prejuízo decorrente da actuação do banco na aquisição de
valores mobiliários configura uma situação de litisconsórcio voluntário.

VII. Há identidade (parcial) de sujeitos se na primeira acção os Autores


(casal) actuam como co-titulares exclusivos de uma conta bancária que
veio a ser utilizada para a aquisição de instrumentos financeiros e na
segunda acção se apresentam como Autores o mesmo casal e dois
filhos, invocando agora que são eles os co-titulares exclusivos daquela
conta.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE


ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO

ENTRE
AA
e mulher
BB
CC
DD

(aqui patrocinados por EE, adv.)


Autores / Apelantes / Recorrentes

CONTRA

BANCO BIC PORTUGUÊS, SA

(aqui patrocinado por FF)


Réu /Apelado / Recorrido

I – Relatório

 Os Autores intentaram a presente acção pedindo a condenação do Réu


a pagar-lhes a quantia de 200.000 € acrescida de juros desde
30ABR2015 alegando que sendo, enquanto simples aforradores,
clientes (o 1º Autor apenas desde 2012, altura em que se tornou
contitular da conta) do Banco Português de Negócios (a quem o Réu
sucedeu) viram-se, em 08MAI2006, sem a sua participação e
consentimento e sem qualquer informação, subscritores de obrigações
SNL2016, no valor de 200.000,00, debitados da sua conta à ordem;
confrontados com tal situação só se vieram a com ela conformar porque
os funcionários do banco, em quem depositavam confiança, os
convenceram que se tratava de produto financeiro substancialmente
idêntico a um depósito a prazo com juros mais elevados, com retorno
garantido pelo próprio banco e resgatável a qualquer momento, sendo
que jamais aceitariam a situação não fora essa circunstâncias (capital
garantido e livre disponibilidade do mesmo), como os funcionários do
banco bem sabiam; jamais lhe foi prestada pelo banco, que agiu como
intermediário financeiro, qualquer informação sobre as verdadeiras
características das obrigações em causa; as obrigações não foram pagas
na data do seu vencimento e os respectivos juros só foram pagos até
ABR2015.
O Réu contestou excepcionando caso julgado e prescrição e por
impugnação.
No despacho saneador foi julgada procedente a invocada excepção de
caso julgado; decisão essa que foi, unanimemente e com idêntica
fundamentação, confirmada pela Relação.
 Inconformados vieram os Autores interpor recurso de revista
excepcional, nos termos da al. c), e subsidiariamente als. a) e b), do
art.º 672º do CPC, o qual foi admitido pela formação a que alude o nº 3
daquele artigo, concluindo, em síntese, pela inexistência de caso
julgado uma vez que não se verifica nem identidade de partes nem
identidade de pedido nem identidade de causa de pedir.
Houve contra-alegações onde se propugnou pela manutenção do
decidido.
II – Da admissibilidade e objecto do recurso

 O recurso encontra-se já admitido


 Destarte, merece conhecimento.
 Vejamos se merece provimento.           

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Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das


conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-
jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem
embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva
conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso
visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando,
assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não
submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do
litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação
sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de
vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez
incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao
recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e
pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara
nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as
razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou
modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu
entender ela padece.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação
de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com
liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das
regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por
respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das
pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes
para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem
prejudicadas pela solução dada a outras.
 Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões
apresentadas, a questão a resolver por este tribunal é se se verifica a
excepção de caso julgado.

III – Os factos

É a seguinte a factualidade relevante para a apreciação do presente


recurso, resultantes dos documentos insertos nos autos:
1. Correu termos no Juízo Central Cível ..., Juiz …, sob o nº 1814/…, a
ação declarativa em que figuraram como Autores:
1º - Associação para o Desenvolvimento e Formação Profissional de
Miranda do Corvo;
2ºs - GG e mulher HH;
3ºs - II e mulher JJ;
4ºs - LL e mulher MM;
5ºs - NN e mulher OO;
6ºs - PP e mulher QQ;
7ºs - RR e mulher SS;
8ºs - AA e mulher BB;
9º - TT.
 2. Nessa acção foram Réus o BPN – Banco Português de Negócios,
S.A., e GALILEI, SGPS, SA (anteriormente SLN – Sociedade Lusa de
Negócios, SA).
3. Nessa acção foram formulados os seguintes pedidos:
Pelo 1º Autor – a condenação solidaria dos Réus a restituir-lhe a
quantia de 1.203.000,00 € acrescida de juros legais desde 31MAI2007;
Pelos 2ºs Autores – a condenação solidária dos Réus a restituírem-lhes
a quantia de 230.000,00 €, acrescida de juros;
Pelos 3ºs Autores- a condenação solidária dos Réus a restituírem-lhes a
quantia de 100.000,00 €, acrescida de juros legais desde 11MAR2009;
Pelos 4ºs Autores - a condenação solidária dos Réus a restituírem-lhes a
quantia de 300.000,00 €, acrescida de juros legais desde 10ABR2007
(sobre 50.000,00 €), 09MAI2008 (sobre 50.000,00 €) e 08OUT2009
(sobre 200.000,00 €);
Pelos 5ºs Autores - a condenação solidária dos Réus a restituírem-lhes a
quantia de 50.000,00 €, acrescida de juros legais desde 12ABR2007;
Pelos 6ºs Autores - a condenação solidária dos Réus a restituírem-lhes a
quantia de 100.000,00 €, acrescida de juros legais desde 30SET2009;
Pelos 7ºs Autores - a condenação solidária dos Réus a restituírem-lhes a
quantia de 350.000,00 €, acrescida de juros legais desde 25OUT2005;
Pelos 8ºs Autores - a condenação solidária dos Réus a restituírem-lhes a
quantia de 300.000,00 €, acrescida de juros legais desde 05OUT2007;
Pelo 9º Autor - a condenação solidária dos Réus a restitui-lhe a quantia
de 220.000,00 €, acrescida de juros legais.
4. Para fundamentar aqueles pedidos todos eles alegaram que
manifestando junto do BPN a sua intenção de constituir depósitos a
prazo viram aquele banco, sem a sua autorização e conhecimento, ou
mediante a assinatura de documentação que lhes foi apresentada pelo
banco como a necessária para a constituição de depósito a prazo, ou
porque lhes foi assegurado pelo banco que este lhes garantia o retorno
do capital investido, fazê-los subscrever obrigações da SLN, sem lhes
ter sido prestada informação quanto às características esse tipo de
instrumentos financeiros, que jamais teriam adquirido se essa
informação lhe tivesse sido dada; que o BPN não cumpriu os seus
deveres de protecção, lealdade e informação para com os depositantes
seus clientes induzindo-os em erro na subscrição de obrigações da
SLN, sendo que esta é solidariamente responsável pelo ressarcimento
dos prejuízos causados dado o BPN ter agido como seu agente.
5. Em particular os 8º Réus alegaram:
- os 8.ºs AA. tinham €300.000,00 (trezentos mil euros) depositados
numa conta a prazo.
- sem autorização, nem conhecimento, nem sequer através de uma
ordem escrita dos 8.ºs AA., o BPN retirou da referida conta
€200.000,00 que aplicou em Obrigações SLN 2006.
- os 8.ºs AA. nem sequer foram informados pelo Banco Réu da
aplicação dos seus valores na subscrição de obrigações, nem qual seria
a taxa liquida anual.
- ou seja, sem o conhecimento nem autorização dos 8.ºs AA., sem que
estes dessem ordem, o Banco 1.º R. resolveu subscrever € 200.000,00
(duzentos mil euros) em Obrigações SLN 2006.
- porém, os 8.ºs AA. nunca foram informados relativamente a este
investimento em Obrigações SLN, nunca tendo assinado nenhum
documento nem nenhuma subscrição.
- o BPN nunca fez o retorno dos valores que aplicou nas Obrigações,
em nome dos 8.ºs AA., apesar de a tal estar obrigado.
6. Esta ação veio a ser julgada improcedente, tendo os Réus sido
absolvidos do pedido por sentença de 17.10.2014, com fundamento em
não terem os Autores logrado provar os factos em que baseavam a sua
pretensão, chegando em alguns deles a demonstrar-se que conheciam as
características do produto financeiro e quiseram subscrevê-lo.
7. Desta sentença recorreram os Autores para o Tribunal da Relação de
Lisboa, que veio a confirmar a dita sentença por Acórdão de
27.10.2015.
8. De novo recorreram os Autores, desta feita para o Supremo Tribunal
de Justiça, que veio a proferir Acórdão 14.06.2016 que confirmou a
absolvição do pedido.
9. Na presente ação os Autores AA e mulher, BB, CC e DD pedem o
seguinte:
«Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente ação ser
julgada procedente por provada e o Banco réu ser condenado a restituir
e a pagar aos autores a quantia de €230.838,36 (duzentos e trinta mil
oitocentos e trinta e oito euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de
juros à taxa supletiva legal, contados sobre €200.000,00, desde a
citação e até integral e efetivo pagamento, bem como em custas e em
procuradoria condigna.».
10. Na presente ação os Autores alegaram essencialmente o seguinte:
- Os primeiros autores são casados entre si, estão atualmente
reformados e são pais da segunda e do terceiro autores.
- Em 2006, a primeira autora mulher, juntamente com os seus dois
filhos, ora segunda autora e terceiro autor, tinham dois depósitos a
prazo no Banco réu, num total de €300.000,00 (trezentos mil euros).
- Quando entregaram a quantia em questão no Banco réu, a primeira
autora mulher, juntamente com os seus dois filhos, ora segunda autora e
terceiro autor, deixaram bem claro que pretendiam uma aplicação
totalmente segura.
- Não obstante, no dia 8 de maio de 2006 foi debitada na conta de
depósitos à ordem da primeira autora mulher e dos seus dois filhos, ora
segunda autora e terceiro autor, a quantia de €200.000,00 (duzentos mil
euros) para a subscrição de 4 obrigações SLN 2006.
- Sem que a primeira autora mulher ou seus filhos, ora segunda autora e
terceiro autor tivessem sido informados ou auscultados, com o seu
completo desconhecimento e contra a sua vontade, no dia 8 de maio de
2006, alguém da agência ... – ..., onde, à data, aqueles tinham
domiciliadas as suas contas junto do Banco réu, procedeu ao resgate de
um dos referidos depósitos a prazo, no valor de €190.000,00, e, ato
contínuo, subscreveu, em nome da primeira autora mulher, da segunda
autora e do terceiro autor, quatro obrigações SLN 2006, no valor
unitário de €50.000,00 e global de €200.00000, debitando, de imediato,
tal valor na sua conta de depósitos à ordem.
- Não foi dado a assinar nem à primeira autora mulher, nem à segunda
autora, nem ao terceiro autor, o boletim de subscrição de tais
obrigações.
- Contudo, os seus interlocutores – funcionários do Banco réu –
descansaram-nos, asseverando que se tratava de um produto
substancialmente semelhante a um depósito a prazo, porém melhor
remunerado.
- A primeira autora mulher e os seus dois filhos, ora segunda autora e
terceiro autor, pessoas humildes e trabalhadoras, confiaram na
explicação que lhes foi dada pelos funcionários do Banco réu.
- A primeira autora e os seus dois filhos, ora segunda autora e terceiro
autor, só se conformaram com a atuação ilegítima e abusiva do Banco
réu por que lhes foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o
retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez
que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a
prazo, com semelhantes características.
- Consumado o abuso, não foi dada nem à primeira autora mulher, nem
à segunda autora e nem ao terceiro autor a nota informativa da
operação, fosse em 2006, fosse logo após a nacionalização do Banco
réu, fosse até à presente data.
- Apenas foi dada a palavra empenhada de todos os funcionários do
Banco, que atuaram em representação e sob as ordens do réu, de que se
tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a
qualquer altura.
- Destarte, lograram convencer a primeira autora mulher e os seus dois
filhos, ora segunda autora e terceiro autor.
IV – O direito

O Réu, na sua contestação, invocou a “excepção de caso julgado”


porquanto a causa seria a repetição de causa já anteriormente julgada
(proc. 1814/…).
Ao que as Autores obtemperaram invocando não ocorrer entre aquela e
esta acção identidade de partes, pedido e causa de pedir.
As instâncias entenderam ocorrer a invocada repetição da causa, sendo
contra isso que se insurge o Recorrente.

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O ‘caso julgado’ é a condição resultante decisões transitadas em


julgado (logo que não susceptíveis de recurso ou reclamação – art.º
628º do CPC) desdobrando-se num efeito negativo e num efeito
positivo.
Discutiu-se se o ‘caso julgado’ se restringia à decisão ou se estendia
também aos fundamentos dessa decisão. Considerando que “a
fundamentação vale como elemento pressuposto pela decisão, e nessa
medida possui a natureza vinculativa da decisão que a implica, e a
decisão vale como elemento pressuposto pela fundamentação, e nessa
medida tem a eficácia vinculativa da fundamentação que a implica” é
hoje consensualmente aceite que “o caso julgado material integra os
fundamentos decisivos para o sentido da sentença e os elementos ou
motivos objectivos da relação jurídica litigiosa” (MIGUEL TEIXEIRA
DE SOUSA, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ,
325, pg. 210-211; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de
12JUL2011, proc. 129/07.4TBPST.S1, e 22FEV2018, proc.
3747/13.8T2SNT.L1.S1).
O efeito negativo – excepção de caso julgado (‘exceptio rei judicatae’)
– resulta na proibição de repetição da apreciação da causa, de os
tribunais voltarem a apreciar a causa, quer contrariando quer
confirmando a decisão anterior.
O efeito positivo – autoridade de caso julgado (‘auctoritas rei
judicatae’) – resulta na imposição do respeito pelo conteúdo da decisão
transitada (nos precisos limites e termos em que julga – art.º 621º do
CPC) em decisão posterior, que não pode contradizer a anterior decisão
transitada (art.º 619º do CPC). Este efeito positivo, não se verifica
apenas relativamente ao caso julgado material, mas também no caso
julgado formal; a diferença é que no caso julgado material esse efeito
positivo se estende a decisões posteriores proferidas noutras acções
enquanto no caso julgado formal esse efeito positivo apenas afecta as
decisões posteriores proferidas no mesmo processo (cf. RUI PINTO,
Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias,
JULGAR Online, NOV2018, pg. 25).
“Quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do
objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente
releva como autoridade de caso julgado material no processo
subsequente; quando a apreciação do objecto do processual antecedente
é repetido no objecto processual subsequente o caso julgado da decisão
anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior”
(MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, O Objecto da Sentença e o Caso
Julgado Material, BMJ, 325, pg. 171).
 “Deste modo, se o efeito negativo do caso julgado (excepção de caso
julgado) leva à admissão de apenas uma decisão de mérito sobre um
mesmo objecto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional
para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo (autoridade
de caso julgado) admite a produção de decisões de mérito sobre
objectos processuais materialmente conexos, na condição da
prevalência do sentido decisório da primeira decisão. (…) na
autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os
fundamentos da segunda decisão; na excepção de caso julgado a
decisão anterior obsta à segunda decisão” (cf. RUI PINTO, Exceção e
autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, JULGAR
Online, NOV2018, pg. 28).
 No entanto, nem todas as decisões são susceptíveis de transitar em
julgado e, consequentemente, de adquirir a condição de ‘caso julgado’
(cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo
Civil, 2ª ed. 1997, pg. 567); desde logo os despachos de mero
expediente e os proferidos no uso legal de um poder discricionário
(artigos 620º, nº 2, e 630º do CPC). Quando muito podem aspirar a
irrevogabilidade, nos termos do art.º 613º do CPC.

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A ‘excepção de caso julgado’ (que, enquanto excepção dilatória, é do


conhecimento oficioso do tribunal) exige, nos termos do art.º 581º do
CPC, a verificação de uma ‘tríplice identidade’: quanto aos sujeitos,
quanto ao pedido e quanto à causa de pedir (‘eadem personae, eadem
res, eadem causa petendi’).

A identidade de sujeitos não se reporta às concretas pessoas, físicas ou


jurídicas, presentes nas duas causas, mas antes a um conceito material
de identidade sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, conforme
o prescrito no nº 2 do art.º 581º do CPC. Dessa forma haverá de
considerar como a mesma parte não só os concretos titulares do direito
ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito em julgado
da sentença, solitariamente ou em litisconsórcio necessário, como
também os seus transmissários ou sucessores, com ressalva dos direitos
indisponíveis ou intransmissíveis. Estão excluídos da identidade
subjectiva aqueles que podendo participar da acção em litisconsórcio
voluntário o não fizeram, sendo, no entanto, de admitir a coincidência
parcial entre sujeitos quanto àqueles que concretamente estiveram na
causa; mas já se terá de entender haver identidade subjectiva nos casos
de litisconsórcio voluntário que seja unitário, porquanto neste cada
interessado processual representa, em substituição processual, todos os
demais interessados não partes do processo, que ficam sujeitos aos
efeitos da sentença. No campo da identidade subjectiva irreleva a
concreta posição processual ocupada na acção (cf. RUI PINTO,
Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias,
JULGAR Online, NOV2018, pg. 13).

Entendendo-se o pedido, nos termos do nº 3 do art.º 581º do CPC,


como o efeito jurídico pretendido (objecto imediato do pedido), e que
este se repercutirá sobre certo e determinado bem jurídico (objecto
mediato do pedido) haverá identidade do pedido quando em causas
diferentes a parte activa pretende uma sentença com idêntico efeito
jurídico para um mesmo e determinado bem jurídico (cf. RUI PINTO,
Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias,
JULGAR Online, NOV2018, pg. 8-10).

Um mesmo conflito de interesses pode ser fonte de uma diversidade de


pretensões judiciais, consoante os diversos modos de tutela jurídica que
o mesmo potencie, cabendo ao impetrante optar por aquele que, em
função dos meios de prova de que disponha ou de outras
condicionantes, melhor satisfaça o interesse pretendido.
Não sendo imposto ao Autor qualquer ónus de cumular na mesma
acção pretensões distintas que, porventura, possa deduzir com base na
mesma factualidade, o que, de resto, melhor condiz com o princípio do
dispositivo, é-lhe lícito formular n vezes a mesma pretensão, desde que
a baseie em n causas de pedir. Efeito preclusivo só se verifica aqui no
domínio pouco importante das questões secundárias ou instrumentais,
ou seja, as referentes a factos que visam completar o objecto da acção
anteriormente apreciada.
A causa de pedir é, assim, constituída pelos factos necessários para
individualizar a pretensão material alegada. Nesse sentido a causa de
pedir não se basta com a mera alegação de factos naturalísticos (factos
‘brutos’), mas antes esses factos devem ser alegados por referência a
um quadro jurídico-normativo (factos ‘institucionais’) em função do
efeito jurídico pretendido.
Não estando, no entanto, o tribunal vinculado às qualificações jurídicas
efectuadas pelas partes, incumbindo-lhe antes proceder às qualificações
jurídicas que tiver por corretas de modo a esgotar as possíveis
qualificações dos factos alegados em função do efeito prático-jurídico
pretendido, não basta uma mera qualificação jurídica dos factos
alegados diferente da pretendida pelas partes para se concluir por causa
de pedir diferente. Importa, no entanto, moderar essa liberdade de
qualificação no sentido de não permitir uma convolação qualificativa
tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo
essencialmente diferente do visado pelo autor, extravasando o limite da
condenação prescrito no art.º 609.º, n.º 1, do CPC e atentando mesmo
contra os princípios do dispositivo e do contraditório, em função dos
quais as partes pautaram a configuração do litígio e a discussão da
causa (cf. acórdão do STJ de 18SET2018, proc. 21852/15.4T8PRT.S1).
A identidade da causa de pedir deve aferir-se, nos termos e para os
efeitos do nº 4 do art.º 581º do CPC, em função dos factos jurídicos
essenciais, irrelevando para o efeito a diversidade de factos
complementares ou a diferente qualificação jurídica (cf. RUI PINTO,
Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias,
JULGAR Online, NOV2018, pg. 8-10; MIGUEL TEIXEIRA DE
SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., 1997, pg. 576).

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A ‘autoridade de caso julgado’ (que tem de ser invocada, não sendo de


conhecimento oficioso, porquanto “resume-se à invocação de sentença
anterior para se alegar factos principais que constituem a causa de pedir
da acção ou em que se baseiam as excepções, apenas cabendo às partes
alegar esses factos - cf. RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso
julgado – algumas notas provisórias, JULGAR Online, NOV2018, pg.
35-36) consiste na vinculação de uma decisão posterior a uma decisão
já transitada em julgado em razão de uma específica conexão dos
respectivos objectos processuais, e tem requisitos diferenciados da
‘tríplice identidade’ da ‘excepção de caso julgado’
A possibilidade de invocação da ‘autoridade de caso julgado’ exige a
verificação de três condições: uma condição objectiva negativa, uma
condição objectiva positiva e uma condição subjectiva (cf. RUI PINTO,
Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias,
JULGAR Online, NOV2018, pg. 26-29).
A condição objectiva negativa é de que não ocorra uma repetição de
causas; que não ocorra ‘excepção de caso julgado’.
A condição objectiva positiva consiste na existência de uma relação de
prejudicialidade ou concurso entre os objectos processuais de dois
processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira
decisão redundaria na prolação de efeitos que serial lógica ou
juridicamente incompatíveis com esse teor, impondo-se que a
consideração da sentença já transitada determine o sentido da posterior
decisão de mérito.
A prejudicialidade exige a pressuposição da decisão do objecto
posterior pela decisão do objecto anterior, o que torna a decisão sobre o
objecto antecedente uma premissa da decisão do objecto subsequente.
Dito de outro modo, a resolução da segunda questão está dependente da
resolução de uma primeira questão (cf. MIGUEL TEIXEIRA DE
SOUSA, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, 325,
pg. 172, e RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso julgado –
algumas notas provisórias, JULGAR Online, NOV2018, pg. 38-39).
Há concurso de objectos processuais quando duas ou mais acções têm
um pedido idêntico com diferentes fundamentos (cf. RUI PINTO,
Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias,
JULGAR Online, NOV2018, pg. 40-44).
No caso de concurso de objectos processuais a ‘autoridade de caso
julgado’ só actua no caso de procedência (caso julgado positivo), pois
que só no caso de procedência ficam vedadas novas acções entre os
mesmos sujeitos sempre que o pedido seja idêntico (valendo o que foi
já decidido com trânsito em julgado); no caso de improcedência ao
vencido não está vedado repetir o mesmo pedido com diferentes causas
de pedir.
O autor pode escolher entre deduzir algum ou deduzir todos os
fundamentos de facto que concorrem como causa de pedir. Se vencer,
alcança o seu fito, sendo irrelevante quais e quantos fundamentos
trouxe: todos serão consumidos pelos efeitos positivos e negativos de
caso julgado, tanto os fundamentos de facto, como os fundamentos de
direito, e tanto os que deduziu (estes relevando para a excepção de caso
julgado) como os que podia ter deduzido (este relevando para a
autoridade do caso julgado). Se perder, há uma diferença prática entre
ter deduzido todos os fundamentos (de facto e de direito) ou deixado
“de fora” certos fundamentos de facto: se deduziu todas as causas de
pedir possíveis, não mais podem ser invocadas para o mesmo pedido,
dada a excepção de caso julgado; mas se apenas deduziu alguma ou
algumas das causas de pedir possíveis, pode instaurar nova acção por
outro fundamento, sem que se lhe possa opor vitoriosamente a
autoridade de caso julgado.
A condição subjectiva, que resulta desde logo das exigências do
processo equitativo consagrado nº art.º 20º, nº 4, da Constituição, é a
de, em regra, apenas podem ser sujeitos aos efeitos de uma decisão
judicial aqueles que participaram na sua produção de modo
contraditório; apenas a quem seja tido como parte do ponto de vista da
sua qualidade jurídica (na acepção do art.º 581º, nº 2, do CPC) pode ser
oposta a ‘autoridade de caso julgado’; a ‘autoridade de caso julgado’
não é invocável perante terceiros (‘nec res inter alios judicata aliis
prodesse aut nocere solet’).
Admite-se, no entanto, que terceiros possam invocar a ‘autoridade de
caso julgado’ alheio quando tal extensão de efeitos é determinada por
via legal (necessária, como no caso do art.º 622º do CPC nas questões
relativas ao estado das pessoas e do art.º 19º da Lei 83/95, 31AGO, na
acção popular; ou eventual, como ocorre nas situações previstas nos
artigos 522º - codevedor solidário -, 531º - credor solidário -, 538º, nº 2
– credor de obrigação indivisível -, 635º - terceiro fiador – ou 717º, nº 2
– terceiro hipotecário).
E tendo em linha de conta que a limitação inter partes do caso julgado
se justifica pela necessidade de proteger quem não se pode defender, se
é o próprio protegido a querer “usar” a decisão, não se vislumbra
obstáculo (salvo em casos de indisponibilidade de direitos) à
possibilidade de terceiro de aderir voluntariamente ao caso julgado
alheio fazendo valer em seu benefício a respectiva ‘autoridade de caso
julgado’. Daí que vá ganhando campo a consagração da existência de
um princípio de aproveitamento por terceiros do caso julgado alheio
(cf. RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas
notas provisórias, JULGAR Online, NOV2018, pg. 32).
Na jurisprudência a análise das condições necessárias para a
operacionalidade da ‘autoridade de caso julgado’ tem sido levada a
cabo, numa divergência que se nos afigura apenas terminológica que
não material, sob a égide da questão de saber da necessidade de
verificação de tríplice identidade, como na ‘excepção de caso julgado’,
em particular da identidade de sujeitos.
Nesse conspecto a jurisprudência tem vindo a afirmar que ‘a autoridade
do caso julgado’ dispensa a verificação da tríplice identidade requerida
para a procedência da exceção dilatória, sem dispensar, porém, a
identidade subjectiva; significando que tal dispensa se reporta apenas à
identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista
uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o
objecto da primeira. Nesses termos, a ‘autoridade de caso julgado’ não
estende os seus efeitos a terceiros, salvo os casos em que estes se
encontrem legalmente abrangidos por uma extensão dos seus efeitos
(cf. acórdãos do STJ de 29MAI2011, proc. 1722/12.9TBBCL.G1.S1,
07MAR2017, proc. 2772/10.5TBGMR-Q.G1.S1, 28JUN2018, proc.
2147/12.1YXLSB.L2.S1, 25MAR2021, proc.
12191/18.0T8LSB.L1.S1, 04MAI2021, proc. 1051/18.4R8CHV.G1.S1
e 02JUN2021, proc. 2381/19.3T8CBR.C1.S1). Não deixa, porém, de se
manifestar entendimento no sentido da dispensa também da identidade
subjectiva (cf. acórdão do STJ de 15JAN2013, proc.
816/09.2TBAGD.C1.S1, e 27FEV2018, proc. 2472/05.8TBSTR.E1 [“A
decisão da responsabilidade dos intervenientes em acidente de viação
numa primeira acção proposta por alguns lesados contra a seguradora
A, volta a inserir-se no objecto da segunda acção, proposta por outro
lesado contra a mesma seguradora, devendo aqui ser acatada a
decisão anteriormente proferida sobre o ponto – a exclusiva
responsabilidade do condutor segurado na ré –, por se impor a
autoridade de caso julgado” – situação, em nosso modo de ver,
reconduzível à acima referida situação de aproveitamento por terceiro
de caso julgado alheio).
-*-

 O acórdão recorrido acolheu por inteiro o entendimento da 1ª instância


de ocorrência de identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
Especificamente em relação à identidade de sujeitos, entendendo que o
que para o efeito releva não é a correspondência física entre os sujeitos,
mas a identidade do ponto de vista da qualidade jurídica, que ocorre
quando as partes são portadoras do mesmo interesse substancial. E a
partir daí concluiu que o interesse feito valer pelos Autores da anterior
acção é exactamente o mesmo feito valer pelos Autores desta acção.
Não se nos levanta qualquer dúvida quanto à identidade de pedido e de
causa de pedir, sendo infundada as objecções dos Recorrentes.
 Com efeito o núcleo essencial de factos jurídicos em que se baseia a
pretensão deduzida é idêntico em ambas as acções: utilização pelo
banco do saldo de conta bancária, à revelia dos seus titulares, para
aquisição de instrumento financeiro, sem informação adequada
relativamente ao mesmo. E nessa identidade não interfere a alegação
mais pormenorizada da violação do dever de informação constante da
alegação da segunda acção pois que estamos no domínio dos factos
complementares e da sua repercussão na qualificação jurídica.
 Por outro lado, a identidade de pedido afere-se pelo efeito jurídico
pretendido – no caso a condenação no pagamento de um quantitativo
monetário – e não na igualdade do montante peticionado. Além de a
quantia de 300.000 € peticionada na primeira acção resulta de um
evidente lapso de escrita uma vez que o que vem alegado é que foi
utilizada a quantia de 200.000 € dos 300.000 € que os Autores tinham
em depósito.

 Já quanto à identidade de sujeitos impõem-se uma análise mais


pormenorizada.  
 Muito perfunctoriamente se dirá que o facto de a anterior acção ter
sido intentada por oito conjuntos de Autores não obsta a que, para
efeito de apreciação de invocada excepção de caso julgado, se
autonomize a posição de apenas um desse conjunto de Autores, uma
vez que se trata de mera coligação, com diferenciados e autónomos
pedidos e causa de pedir (cf. factos 1, 3 e 4). E o mesmo se diga
relativamente aos Réus.
  Na anterior acção foram Autores apenas os agora dois primeiros
Autores, que aí actuaram como (únicos) co-titulares de uma conta
bancária (e, consequentemente, como donos do capital nela
representado), da qual, segundo alegaram, o banco réu, de forma ilícita
e culposa, debitou 200.000 € para subscrição de instrumentos
financeiros, dando azo a que viessem a ver-se privados desse capital e
correspondente frutos civis.
  Já na presente acção a titularidade da conta bancária utilizada para a
aquisição dos mesmos instrumentos financeiros é invocada pelo
conjunto dos quatro Autores.
  O que levanta desde logo a dúvida de saber se essa pluralidade de
titulares da conta bancária (e, consequentemente, da relação material
controvertida) consubstancia um litisconsórcio (pluralidade de partes
relativamente à mesma relação material controvertida) voluntário ou
necessário.
 Há lugar a litisconsórcio necessário natural (único que para o caso
pode relevar) quando pela própria natureza da relação jurídica seja
necessária a intervenção de todos os interessados para que a decisão a
obter produza o seu efeito útil normal (art.º 33º, nº 2, do CPC), sendo
que o efeito útil normal da decisão consiste em esta, não vinculando
embora os restantes interessados, poder regular definitivamente a
situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (nº 3
do mesmo artigo).
 Segundo a definição de MANUEL DE ANDRADE (Significado da
expressão ‘efeito útil normal’ da decisão, na doutrina do litisconsórcio,
Scientia Iuridica, 1958, Tomo VII, nº 34, pg. 186) o efeito útil normal
consiste em « a sentença definir uma situação jurídica (…) que não só
não poderá mais ser contestada por qualquer das partes, como ainda é
de molde a poder subsistir inalterada não obstante a sentença ser
ineficaz em confronto dos outros cointeressados, e como quer que uma
nova sentença venha a definir a posição ou situação deste últimos».
  O escopo pretendido «é que não sejam proferidas decisões que
praticamente venham a ser inutilizadas por outras proferidas em face
dos restantes interessados, por virtude de a relação jurídica ser de tal
ordem que não possam regular-se inatacavelmente as posições de
alguns sem se regularem as dos outros. Por maior, portanto, que possa,
eventualmente, vir a ser a contrariedade lógica entre as decisões, desde
que sejam susceptíveis de aplicação sem inconciliabilidade prática, a
decisão produz o seu efeito útil normal, e o litisconsórcio não se impõe
pela natureza da relação jurídica» (ANSELMO DE CASTRO, Direito
Processual Civil Declaratório, vol. II, 1982, pg. 205).
 O sistema processual não se opõe à existência de decisões
incongruentes, conquanto «cada decisão seja susceptível de produzir o
seu efeito útil normal, ou seja, desde que a sentença que venha a ser
proferida possa regular definitivamente a situação concreta dos
interessados intervenientes na lide, com independência relativamente
aos não intervenientes» (GERALDES / PIMENTA/ SOUSA, Código de
Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed., 2020, pg. 67). Assim ficam
deliberadamente fora do litisconsórcio necessário «os casos em que
falta de um ou alguns dos interessados na relação material não impede
a decisão de regular definitivamente a situação concreta entre os
litigantes, embora possa dar lugar a decisões ilógicas, contraditórias
nos seus fundamentos, relativamente a situações nascidas da mesma
situação» (VARELA / BEZERRA / NORA, Manual de Processo Civil,
2ª ed. Revista, 1985, pg.168). O sistema não rejeita uma
incompatibilidade abstracta, teórica; o que rejeita é uma
incompatibilidade prática, concreta, ou seja, «decisões que não possam
executar-se ao mesmo tempo» (MANUEL DE ANDRADE, op. cit., pg.
188)
 O litisconsórcio necessário natural «deve ser encarado com
excecionalidade, verificando-se apenas quando a sentença que
porventura vier a ser proferida fique numa situação instável em face de
outra eventual sentença que venha a ser proferida noutra acção com
intervenção de outros interessados» (GERALDES / PIMENTA/
SOUSA, op. cit., pg. 68), reservando-se para aquelas situações em que
«o entrelaçamento das posições dos vários interessados vai a tal ponto,
pela natureza da relação jurídica, que nada de definitivo se pode decidir
senão para todos e portanto entre todos, quer dizer, vai a tal ponto que
não podem regular-se inatacàvelmente as posições de alguns sem se
regularem as dos outros» (MANUEL DE ANDRADE, op. cit., pg.
187).
 Concretizando a aplicabilidade do litisconsórcio natural a
jurisprudência vêm entendendo que são casos de litisconsórcio
necessário as acções em importam juízos divisórios (e.g., divisão de
coisa comum, rateio de montante indemnizatório legalmente com limite
máximo legalmente fixado), as acções constitutivas (e.g., declaração de
nulidade, resolução) e ainda as que tenham por objecto um interesse
indivisível ou incindível dos vários interessados (cf. acórdão do STJ de
22OUT2015, proc. 2394/11.3TBVCT.G1.S1).
  A apreciação da identidade da qualidade jurídica dos sujeitos, em caso
de pluralidade destes, para efeito de verificação da excepção de caso
julgado haverá de se desdobrar em dois enfoques complementares em
função da estrutura da relação jurídica subjacente: enquanto no caso de
litisconsórcio necessário (necessário, legal, convencional ou natural) se
atenta fundamentalmente ao interesse colectivo, no caso de
litisconsórcio voluntário ou coligação atenta-se sobretudo ao interesse
individual.

  No caso concreto está em causa a reparação do prejuízo patrimonial


que a imputada conduta ilícita e culposa do Réu causou aos co-titulares
da conta bancária cujo saldo foi afecto à aquisição de valores
mobiliários.
Embora as consequências danosas se repercutam, dada a situação de
co-titularidade, sobre o conjunto dos titulares dessa conta bancária não
se descortina qualquer característica de indivisibilidade ou
incindibilidade dos interesses em causa; pelo contrário, o que sobreleva
é o interesse individual de cada um dos co-titulares em ver reintegrado
o seu património individual, na medida da sua quota parte naquela co-
titularidade. Nem se vislumbra que a decisão que sobre a matéria possa
vir a ser tomada quanto a algum ou alguns possa vir a ser afectada por
outra decisão que possa vir a ser tomada quanto aos restantes; a
possibilidade de divergência de decisões, podendo ser abstractamente
ilógico ou contraditório não o são em concreto, não impedindo, na feliz
expressão de MANUEL DE ANDRADE, que possam ser executadas
ao mesmo tempo.
  Temos, pois, que a situação dos autos configura, por banda dos
Autores, uma situação de litisconsórcio voluntário.
  E o mesmo ocorre por banda do Réu, pois que também se não
vislumbra qualquer circunstância que implique a necessidade, em
função da obtenção do efeito útil normal, de apreciação conjunta do
comportamento do banco Réu, enquanto depositário e intermediário
financeiro, e da entidade emitente do valor mobiliário. O que, aliás,
corresponde à visão dos Autores que também não sentiram qualquer
necessidade de nesta acção fazer intervir aquele último.
 E aqui chegados estamos em posição de concluir que ocorre uma
identidade parcial de sujeitos entre as duas acções. Com efeito verifica-
se que nas duas acções foram partes, na mesma qualidade jurídica
defendendo o mesmo interesse individual, os dois primeiros Autores
(AA e BB) e o agora Réu, pelo que relativamente a eles ocorre
repetição da causa.
  Em conformidade haverá de considerar nessa parte verificada a
excepção de caso julgado; a acção haverá, no entanto, de prosseguir
quanto aos restantes Autores.
V – Decisão
Termos em que, concedendo parcialmente a revista, se revoga o
acórdão recorrido, julgando procedente a invocada excepção de
caso julgado relativamente aos Autores AA e BB, absolvendo,
relativamente a eles, o Réu da instância; e julgando improcedente a
mesma excepção de caso julgado relativamente aos demais Autores,
devendo a acção prosseguir quanto a eles.
Custas:
 - da acção, a decidir a final;
- da apelação e da revista, a meias.
  Não há lugar a dispensa do remanescente da taxa de justiça (na
apelação e na revista) pois que se entende respeitada a
proporcionalidade entre o montante desta e a alocação de recursos
implicada na apreciação da causa conjugada com a capacidade
contributiva evidenciada pelas partes.
                                                                                 
Lisboa, 23SET2021
Rijo Ferreira (relator)
[Com voto de conformidade do Exmo. Juiz Conselheiro Batista de Oliveira, conforme o disposto
no art.º 15º-A do DL 10-A/2020, 13MAR, com  a redacção introduzida pelo DL 20/2020, 01MAI]

Cura Mariano

Fernando Baptista

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