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A arquitetura da estrutura na obra de Paulo Mendes da Rocha

The architecture of structure in the work of Paulo Mendes da Rocha

Tiago Carvalho Oakley (1); Henrique Lindenberg Neto (2)

(1) Aluno de Graduação, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP


e-mail: tiagooakley@terra.com.br

(2) Professor Doutor, Departamento de Engenharia de Estruturas e Geotécnica da EPUSP


e-mail: henrique.lindenberg@poli.usp.br

Escola Politécnica da USP - Departamento de Engenharia de Estruturas e Geotécnica


Av. Prof. Almeida Prado, Travessa 2, 271 - São Paulo (SP) - 05508-900

Resumo
O artigo se concentra na área de intersecção entre os campos da engenharia e arquitetura, procurando
compreender as relações que contribuem no desenvolvimento de projetos de edificações, desde as
primeiras concepções à obra construída. Para isso foram selecionados dois projetos do arquiteto Paulo
Mendes da Rocha, através dos quais são examinados, com auxílio de metodologia própria da engenharia,
as diferentes concepções de sistema estrutural e aspectos relevantes do processo construtivo, buscando
compreender seus conceitos e como estes se refletem no desenho dos espaços e na configuração formal
da obra construída.
Os dois projetos analisados foram construídos inteiramente em concreto - a casa do arquiteto no
Butantã (1964), moldada in loco, e a Casa Gerassi (1982), com peças estruturais pré-fabricadas em
concreto protendido – e são exemplares de um raciocínio que integra arquitetura e engenharia e se
apresenta com grande elegância e precisão em toda a trajetória do arquiteto.

Palavra-Chave: Paulo Mendes da Rocha, Concepção Estrutural, Casa Gerassi

Abstract
This paper is concentrated on the intersection area between the engineering and architecture fields,
searching for the comprehension of the relations which contribute to the development of buildings projects,
from the first conceptions to the final built work. For this reason, two projects of the architect Paulo Mendes
da Rocha were selected and, with the aid of the engineering’s methodology itself, the different conceptions of
structural systems and relevant aspects of the building process have been analysed in order to comprehend
their concepts and understand how they reflect in the drawing of spaces and in the formal configuration of
the constructed work as well.
The two analyzed projects were fully built in concrete - the architect's house in Butantã (1964), molded
in loco, and the Gerassi House (1982), which structural parts were prefabricated with prestressed concrete –
and are examples of a reasoning that integrates architecture and engineering and presents it self with great
elegance and accuracy on architect’s path at all.

Keywords: Paulo Mendes da Rocha, Structural Conception, Gerassi House

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1 Introdução

Nos atuais paradigmas da produção arquitetônica brasileira, principalmente nas obras


correntes no mercado da construção civil, vemos crescer o número de projetos nos quais
é clara a fragmentação conceitual e formal entre concepção arquitetônica e a concepção
tecnológica. O processo de transformação da abstração geométrica desenhada em
construção material não tem sido privilegiado como questão fundamental. Esta
fragmentação também tem raízes na exagerada distinção entre os cursos universitários
de arquitetura e engenharia, sendo o primeiro geralmente deficiente no estudo tecnológico
e o segundo carente em disciplinas humanistas. A especialização profissional do
engenheiro civil e do arquiteto é natural e necessária, mas deve, entretanto, consistir em
enfoques diferentes para uma mesma questão, a construção de espaços para o homem,
promovendo a mais saudável relação entre arte e técnica.
Este artigo analisa conceitualmente a obra de um arquiteto de especial significado
para a arquitetura brasileira, representativo das fases mais ricas da produção paulista:
Paulo Mendes da Rocha. É uma análise que dá enfoque aos aspectos tecnológicos da
concepção do projeto e de sua execução que influem direta ou indiretamente na sua
configuração final enquanto obra construída. Com o auxílio de ferramentas próprias à
engenharia será apresentado um material que demonstre graficamente e esclareça de
forma didática as relações entre as formas adotadas pelo arquiteto e as diversas variáveis
técnicas e conceituais envolvidas.
Dentro do processo de formação dos arquitetos uma maior aproximação dos aspectos
tecnológicos de um projeto com a realidade e os métodos construtivos não deve ser vista
como inibidora do processo criativo, mas, pelo contrário, como fundamental para a
concretização das aspirações do projeto: a obra construída. Como já apontou Salvadori, é
necessário, portanto, que a aproximação entre os campos da arquitetura e da engenharia
se dê, primordialmente, através da figura do arquiteto, que deve ter a capacidade de
articular e interagir os conhecimentos científicos e técnicos necessários à concepção e
realização da arquitetura como produto físico.
Os livros relacionados à concepção estrutural costumam se apresentar de forma
genérica, reunindo conceitos e exemplos gráficos válidos para diversos projetos. Os livros
mais próprios à engenharia civil, que tratam da resistência dos materiais, apresentam
também conceitos genéricos, com maior enfoque em resultados quantitativos. São raras
as análises de arquitetura que abordem com maior dedicação os aspectos tecnológicos
relativos à estrutura dos edifícios e as relações desta com a concepção do projeto.
Portanto, pretende-se, com esta pesquisa, produzir uma análise de projeto que reúna as
questões reservadas hoje à engenharia e à arquitetura, com um enfoque tecnológico no
entendimento conceitual e formal das diversas problemáticas.
A obra de Paulo Mendes da Rocha se mostra pertinente à análise principalmente por
apresentar excelente síntese entre arte e técnica. É possível compreender como o
arquiteto é capaz de realizar uma produção sempre associada à concepção tecnológica e
estrutural, que ainda questiona o espaço urbano e as relações entre indivíduo e
sociedade. Suas obras têm expressão nas relações espaciais e na própria estrutura, na

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evidência do processo construtivo, no excelente controle técnico, na clareza de raciocínio
e concisão de meios.
As duas residências contempladas neste artigo são construídas inteiramente em
concreto, sendo a primeira moldada in loco e a segunda pré-fabricada. Representam o
início de uma pesquisa sobre a pré-fabricação e, duas décadas depois, a materialização
das intenções iniciais.
Espera-se que este artigo possa esclarecer conceitos fundamentais à formação e ao
cotidiano de qualquer profissional da construção civil. São raras as análises que
demonstrem como o diálogo entre arquitetura e engenharia se apresenta em formas
concretas na obra de um arquiteto, e cada vez mais raros os profissionais que ainda
persistem com elegância e precisão por este caminho de conciliação. Portanto, pretende-
se aqui não somente apresentar uma pesquisa didática, mas questionar os rumos que
vem tomando grande parte da produção arquitetônica nacional.

2 Residência Paulo Mendes da Rocha - 1964

Figura 1 – Plantas dos pavimentos térreo e superior (SPIRO, 2001)

2.1 Apresentação

No ano de 1964 são projetadas duas casas idênticas em terrenos contíguos no bairro do
Butantã: uma para o próprio arquiteto e a outra para sua irmã. As casas, dispostas lado a
lado, contrastam com as residências do entorno: o ideal de arquitetura para uma vida
comunitária em meio à opção pelo isolamento. Os princípios sociais comunitários
consolidados por Vilanova Artigas no edifício da FAU-USP aparecem na escala íntima de
uma residência particular.
A casa está compreendida num único pavimento elevado sobre quatro pilotis. O
terreno teve sua topografia redesenhada de modo a constituir um talude que garante o
resguardo da residência e restabelece a proximidade da sala com o jardim, mantendo um
agradável diálogo com a praça à sua frente. A entrada se faz de carro ou a pé, entre os
pilotis, e uma escada independente leva ao prisma elevado.
Este projeto de Paulo Mendes da Rocha adquire um caráter ensaístico e revela a
formulação de uma tipologia que será redescoberta na maior parte de seus projetos
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residenciais subsequentes. Em sintonia com os demais ensaios habitacionais da
arquitetura paulista dos anos 60 e 70, o projeto do arquiteto também considera no
programa um espaço articulador e de convívio, um espaço contínuo com usos
sobrepostos capaz de conferir nova dimensão às relações familiares, o “espaço sem
nome” de Flávio Motta. Com o desenho de um núcleo central de espaços
compartimentados são gerados no pavimento dois espaços de convívio: a noroeste a
varanda dos quartos e a sudeste o estar. Os quartos são configurados por paredes
divisórias em argamassa que se interrompem a 2,00m de altura, com espessuras
inferiores a 3cm e venezianas de correr, tendo comunicação com os dois espaços
principais. Num possível diálogo com a Casa do Bandeirante, situada do outro lado da
rua, as grossas paredes de taipa são substituídas por finas empenas de concreto, com
aberturas diminutas.
A estrutura do edifício se dá com grande rigor e simplicidade. Quatro pilares delgados
(seção quadrada de lado 35cm) suportam duas lajes nervuradas: uma para o piso e a
outra para a cobertura do pavimento elevado. Estas são formadas por duas vigas
principais e nervuras transversais com duplos balanços. A saudável relação entre
balanços e vãos nas vigas contribui para aliviar os momentos e permite o desenho de
peças mais esbeltas. Toda a edificação foi construída em concreto armado moldado no
local, sendo grande parte deste já usinado. O terreno à beira do Rio Pinheiros,
encharcado e argiloso, recebeu os poucos pilares ancorados em fundações com estacas
de concreto.
Uma estrutura composta por peças tão esbeltas está sujeita a grandes deformações,
sobretudo devido às diferenças de temperatura ao longo do dia e à deformação lenta
natural do concreto. Deste modo é fundamental que a estrutura esteja livre para trabalhar
e se movimentar. A grande casca de cobertura (formada pela laje nervurada e empenas)
e a laje do primeiro pavimento se apresentam como dois corpos independentes, unidos
apenas através dos pilares. Todos os elementos que fazem o encontro entre estes dois
corpos mereceram detalhes especiais: caixilhos, instalações, paredes divisórias, etc.
Todas instalações são independentes da estrutura: tubulações correm externamente às
paredes e através de furos previstos nas nervuras da laje, enquanto que a alimentação
elétrica se dá somente por fios soltos, sem o uso de conduítes. A empena lateral é
pendurada com o prolongamento das duas vigas principais da laje de cobertura, formando
a calha para águas pluviais. O desalinhamento entre a cortina lateral de concreto e a
parede interna com 4 fiadas de blocos permite a livre movimentação da estrutura. A fresta
na fachada foi coberta com um pré-moldado de concreto, mantendo os caixilhos com a
mesma dimensão. O Sistema de fechamento dos caixilhos foi desenhado especialmente
para esta obra, permitindo movimentos verticais e horizontais. Os caixilhos ficam abertos
na posição natural de equilíbrio, em que se alinham verticalmente o eixo de rotação e o
centro de gravidade da placa formada pelas molduras metálicas e vidro. O desenho
facilitou a execução com a adaptação de peças automotivas e trabalhos elementares de
serralheria: cantoneiras metálicas, barras de aço dobradas e soldadas.
Foi desenhada uma haste metálica para fixar nas nervuras as paredes divisórias.
Estas foram executadas como peças de argamassa armada: ferros de espera na laje
garantiram o engastamento da base e a fina lâmina (3cm) foi armada com uma tela
metálica, recebendo concreto chapiscado. A haste metálica transmite forças horizontais

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para as nervuras e alivia esforços na base, enquanto permite a independência entre a
parede e a estrutura de cobertura para movimentações verticais.
A assimetria da planta e dos balanços da laje contribui na hierarquização dos espaços
de estar. No salão maior, a posição dos pilares, também assimétrica no eixo longitudinal,
marca com grande sutileza a diferença entre o espaço próximo à entrada dos quartos,
reservado à circulação, e a área de estar propriamente dita. O peso da caixa de concreto
contrasta com a esbeltez dos pilares, dimensionados a partir dos baixos momentos
resultantes da compensação entre balanços nas vigas. A estrutura, além da função
primária de conduzir cargas ao solo, desenha os espaços.
Na fachada posterior, vazios na laje de cobertura garantem a entrada de raios de luz
que se refletem na empena e são direcionados ao interior da residência, uma solução
reincidente em outros projetos do arquiteto, como o Pavilhão de Osaka (1969) e o edifício
para o Poupatempo Itaquera (1998). Na cobertura, os vazios na laje são desenhados a
partir da modulação das nervuras, espaçadas em 1,00m. Essa mesma modulação é
obedecida no posicionamento das paredes divisórias e até no desenho dos mobiliários em
concreto. Vemos aqui a clara sintonia entre concepção estrutural e o desenho dos
espaços, pensados em conjunto, como parte de um mesmo objeto construído.
A casa sugere de forma muito clara o modo pelo qual o arquiteto encarou o problema
habitacional numa metrópole como São Paulo. Sua residência foi pensada como uma
unidade repetível, formadora de um conjunto mais amplo, com a possibilidade de
expansão vertical. É uma casa que possui todo o programa concentrado num único
pavimento com circulações verticais independentes. A estrutura também sugere a
expansão. Não é difícil imaginar que os quatro pilares poderiam ganhar altura e receber
novos andares e que, com o acréscimo de um elevador à escada existente, seriam
resolvidas as circulações verticais.
A estrutura foi pensada como um conjunto de peças fundamentais: quatro pilares,
duas vigas principais e as lajes “pi”, formando os dois planos horizontais. A estrita
modulação permitiu a execução de fôrmas em menor tempo e com maior precisão. Foram
utilizadas tábuas de terceira industrial, mais baratas e fornecidas brutas. O processo está
registrado nas texturas das superfícies de concreto. Tudo foi desenhado e planejado com
extremo rigor, do corpo estrutural ao toalheiro em serpentina.
Deste modo, a construção é abordada como um ensaio de industrialização e pré-
fabricação. A escala do edifício e a viabilidade técnica fizeram predominar uma execução
artesanal no uso do concreto, entretanto a forma como foi pensado o projeto e a
configuração final sugerem a possibilidade da produção industrial.

2.2 Análise da Estrutura (ver figura 3)


As vigas da cobertura, apesar de sujeitas a sobrecarga mais leve, vencem maiores vãos e
possuem altura 20% maior. Na década de 60 ainda eram raros os projetos que faziam uso
do computador como ferramenta de cálculo. Assim, é provável que a estrutura tenha sido
pensada de forma simplificada, como vigas com dois apoios articulados e não como um
pórtico. Vemos que no primeiro caso não são considerados os momentos absorvidos
pelos pilares. Estes, entretanto, devido à compensação entre balanços e vãos, são

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proporcionalmente baixos (11% em relação aos mais altos esforços nas vigas), o que
permite pilares mais esbeltos, dimensionados exclusivamente à compressão.
Podemos perceber claramente a diferença entre os esforços a que são submetidas as
vigas nos casos com os apoios recuados e dois balanços ou com os apoios nas
extremidades. Apesar de este ser um conceito intuitivo e aparentemente óbvio, a
visualização de sua manifestação em gráficos proporcionais deve ressaltar a devida
atenção que este merece nas decisões de projeto. Neste caso, o recuo dos pilares
permite grande leveza ao corpo principal da casa, que parece flutuar sobre a vegetação
do talude.
A análise do diagrama de momentos fletores para as nervuras demonstra que, do
ponto de vista exclusivo dos esforços solicitantes, a opção pelo uso de lajes nervuradas
na cobertura não seria o ideal, já que os esforços de compressão atuam na parte inferior
das vigas, onde há menor quantidade de material. Entretanto, esse tipo de decisão de
projeto leva em conta outros fatores, como a facilidade de execução (o uso de nervuras
invertidas complicaria o trabalho de fôrmas), o escoamento das águas pluviais e o
resultado estético e espacial (seria do interesse do arquiteto manter as nervuras
aparentes no interior da residência, o que permite um pé direito mais alto nos vazios e um
espaço de maior fluidez que oferece ao usuário a clara leitura da estrutura que repousa
acima de sua cabeça). As nervuras extremamente esbeltas com 8,0cm de largura só
foram viáveis porque a normatização do concreto armado ainda previa cobrimentos de
apenas 1,5cm.

3 Residência Antônio Gerassi - 1988

Figura 2 – Plantas do pavimento térreo e superior (ROCHA, 2000)

3.1 Apresentação
A casa Gerassi se constituiria na materialização, 25 anos mais tarde, da idéia perseguida
pelo arquiteto já na residência do Butantã e em projetos residenciais posteriores: a
industrialização da construção na provisão da habitação. Paulo Mendes sempre perseguiu
a excelência da técnica, a simplicidade, rapidez de execução, trabalhando com sistemas
modulares na tentativa de encaminhar a solução para o déficit habitacional através da
pré-fabricação. Nos outros projetos, devido a problemas na acessibilidade da tecnologia
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ou intempéries políticas, o arquiteto não conseguiu se desvencilhar da técnica tradicional
de trabalho artesanal do concreto. Na escala reduzida desta residência, entretanto, a
experiência do pré-fabricado se deu em toda plenitude.
É notável a preocupação de Paulo Mendes da Rocha em transformar em desenho
suas aspirações por uma cidade melhor. Quando indagado a falar sobre a metrópole
responde denunciando a “rota do desastre” na qual estamos todos embarcados. A idéia
de construir casas isoladas numa cidade de quase 20 milhões de habitantes é um grande
absurdo para o arquiteto. “A solução contemporânea envolve a idéia de um prédio
vertical, concentrando a população em áreas servidas por transporte público. É melhor ter
grandes parques com arvoredos exuberantes do que ter um jardinzinho para cada um”
(Reis, 2002). Sua visão de cidade está incorporada em todos seus projetos, incluindo aí
as residências particulares. A opção pelo prisma elevado libera o solo para outras
atividades, e, acima de tudo, reforça sua condição de território pertencente ao universo
maior da cidade. Desde as primeiras casas, contemporâneas à sua própria, até o projeto
para Antônio Gerassi, vemos a constante reincidência de uma tipologia e de uma
manifestação formal de seus ideais. Se observarmos esta em relação à Casa do Butantã
veremos inúmeras constantes: a opção pelo concreto armado enquanto estrutura e forma
aparente, o prisma elevado de planta quadrada, os jogos de luz dos rasgos na cobertura,
a espacialidade contínua e homogênea sem circulações intermediárias.
O imaginário do arquiteto aparece nos projetos: a infância no porto de Vitória,
acompanhando o pai em obras de infra-estrutura, permitiu grande intimidade com a
linguagem de navios e embarcações e a noção da capacidade potencial do homem de
transformar a natureza. Não há estranhamento na idéia de uma estrutura de grande porte
poder formar uma bela casa.
O grande interesse pela casa Gerassi não advém tanto da possibilidade de
multiplicação sugerida pelo sistema construtivo, mas, antes de tudo, da demonstração da
simplicidade aparente de construir. O projeto de uma casa isolada, repudiado pelo
arquiteto, é elevado aqui à formulação de uma hipótese. Esta não se espelha na
reprodução do sistema, mas no uso instrumental de suas virtudes. “É um alerta sobre as
infinitas possibilidades que qualquer sistema construtivo expõe quando o arquiteto o
interroga” (MILHEIRO, 2000).
A estrutura do edifício foi exclusivamente constituída por peças pré-fabricadas, um
verdadeiro jogo de armar. Paulo Mendes materializa o ideal da pré-fabricação dos anos
60: projetar através de catálogos: “Uma casa que se poderia fazer por telefone: compra-
se a estrutura e monta-se lá de acordo com um plano arquitetônico de implantação, em
três, quatro dias.” (MILHEIRO, 2000) O preconceito com relação aos pré-fabricados foi
comprovado durante a montagem da estrutura: o bairro todo se juntou para protestar
imaginando que se tratava de um galpão industrial. O resultado seria outro: uma casa de
padrão refinado, sustentada por peças que saíram de uma usina onde tudo é controlado:
dosagem de concreto, protensão, resistência, etc.
Nas primeiras pesquisas do projeto o arquiteto procurou a Reago para fornecimento
das lajes protendidas da casa. Era a única empresa a trabalhar com lajes pré-fabricadas
no momento. Se iniciaram conversas com o arquiteto Carlos Alberto Tauil, então diretor
técnico da Reago, e o projeto foi sendo adaptado para ter a estrutura completamente
industrializada. O projeto final resultou de um próspero diálogo entre o arquiteto, a Reago,

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o cliente e o responsável pelo cálculo da estrutura: o engenheiro Cláudio Puga. Em
entrevista para esta pesquisa o engenheiro enfatizou como foi importante a postura do
arquiteto em relação ao projeto, abrindo-o para modificações e se adaptando às
possibilidades da tecnologia industrializada. O que ocorre na maior parte dos casos é o
inverso: uma grande ginástica da engenharia para atender a projetos em pré-fabricados
que não são devidamente pensados para tal.
A montagem da estrutura principal foi realizada em três dias. Os seis pilares foram
encaixados nas taças de fundação e receberam o apoio de três vigas principais em seus
consolos. Estas vigas receberam duas fileiras de lajes, que se apóiam vencendo vãos de
7,00m. Com a estrutura principal pronta foram então levantadas as paredes externas e
divisórias em blocos de concreto e aparafusadas as estruturas de caixilharia. Uma
camada de concreto fez a regularização da contra-flecha das lajes, recebendo o ladrilho
hidráulico de pequena espessura que completa o piso. O fundo das lajes pré-fabricadas
forma o teto com pintura branca. As lajes de cobertura são apoiadas em cantoneiras
metálicas. Estas são soldadas em chapas metálicas vinculadas aos estribos e moldadas
em conjunto com a viga. As lajes que se interrompem são apoiadas nas adjacentes por
meio de uma peça metálica, mas, entretanto, o próprio concreto que preenche os vazios
entre lajes acaba sendo o maior responsável pela transferência dos esforços. O resultado
é um espaço prismático formado por planos horizontais lisos.
É adotada na casa Gerassi a mesma modulação da casa do Butantã. As lajes pré-
fabricadas possuem largura de 1,00m e é notável sua relação com o arranjo dos espaços.
A grande clarabóia e a grelha de piso, por exemplo, possuem largura de 2,00m, ocupando
o vazio de duas lajes, assim como a escada de acesso, posicionada no mesmo eixo
destas. As circulações verticais sempre se apresentam como elemento que perturba o
arranjo sintético da planta e da estrutura e devem ser trabalhadas de forma coerente. Se
na casa do Butantã a escada se apresenta como corpo e estrutura independente, anexa
ao prisma do edifício, aqui ela rompe com o plano racional das lajes pré-fabricadas, mas o
faz de forma a produzir o mínimo esforço, ocupando o vazio entre duas placas.

3.2 Análise da Estrutura (ver figuras 4 e 5)


Estruturas pré-fabricadas são normalmente trabalhadas como estruturas isostáticas.
Vigas são simplesmente apoiadas em consolos nos pilares, ou, no caso de estruturas
metálicas, são ligadas através da alma ou com cantoneiras de pequena rigidez. É uma
opção que facilita a execução, diminuindo o trabalho e os custos das conexões. Para
Casa Gerassi se propôs toda a estrutura industrializada, com seis pilares diminuindo os
vãos que a que resistiriam as lajes. As vigas principais, entretanto, venciam vãos de
15,00m e teriam alturas exageradas se executadas conforme a técnica tradicional. Seria
necessário um equipamento de maior porte para a montagem, aumentado os custos e
complicando a logística do canteiro. Também seria interessante respeitar proporções
adequadas à horizontalidade da fachada e evitar um pé direito muito alto. Com orientação
do eng. Cláudio Puga foram realizados estudos para fazer, portanto, com que parte dos
esforços de flexão fossem absorvidos pelos pilares, ou seja, fazendo com que a estrutura
se comportasse como um pórtico. Por outro lado, a estrutura seria pré-fabricada e não
moldada como um conjunto monolítico. Como se iria necessariamente prolongar os
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consolos dos pilares, a solução então determinou o posicionamento de articulações nos
pontos em que os esforços de momento fletor são nulos, permitindo que se fizesse
nesses pontos os apoios das vigas. Esta solução possibilitou que as vigas se
comportassem como simplesmente apoiadas, sobretudo durante o processo de
montagem. A conexão entre as vigas e consolos dos pilares se realizou com a soldagem
das partes metálicas presentes em ambos. Entretanto, é uma ligação de menor
responsabilidade, contribuindo, sobretudo, para transmitir esforços horizontais, já que
todo o trabalho de engastamento se dá entre o pilar e o consolo, moldados como uma
peça única. Assim se conseguiu uma estrutura isostática com os mesmos resultados de
uma hiperestática para carregamentos verticais fixos. É interessante como a solução
aparece clara na fachada da residência e se tornou um dos elementos de referência do
projeto.
Comparando os diagramas de momentos fletores podemos perceber como a
diferença na solicitação da viga é brutal quando se alterna entre uma estrutura isostática
com vigas simplesmente apoiadas vencendo todo o vão e uma estrutura na forma de
pórtico. Apesar da estrutura isostática, não há grandes complexidades no
contraventamento de um edifício baixo e com grande peso próprio como esta casa. Os
planos horizontais podem ser contraventados simplesmente pela camada de concreto não
armado do contrapiso e pelo atrito entre lajes e vigas. As vigas laterais contribuem para o
contraventamento nos planos verticais longitudinais (ainda que os pilares sejam robustos)
e para distribuir aos pilares as cargas da alvenaria de fechamento, tendo ainda função
como acabamento. Os planos verticais transversais são contraventados principalmente
pelos pórticos formados pelos pilares e vigas principais.
Em relação à casa do Butantã, temos na Gerassi uma estrutura de rigidez
consideravelmente superior, que permite deformações muito pequenas e soluções mais
convencionais no tratamento dos elementos que fazem a interface entre os dois planos
horizontais. As vigas foram padronizadas com largura de 25cm, facilitando o
reaproveitamento das fôrmas em chapas metálicas. A exceção é a viga central do
primeiro pavimento, que recebe praticamente o dobro da carga em relação às vigas
periféricas e possui mesma altura, necessitando, portanto, de um aumento na largura.
Estas são escolhas que influem diretamente na disposição dos espaços e na
aparência final da construção, exigindo um constante diálogo entre concepção espacial,
formal e estrutural.

4 Conclusões
Ainda atualmente, mas caracteristicamente nas décadas de 60 e70, o concreto armado se
dava como um conjunto material aplicado sem necessidade de aparto técnico muito
avançado. Nos projetos que lhe permitiam aparecer, o verdadeiro artifício estava no
desenho das fôrmas, sua delicadeza seria permanentemente exposta. O desenho do
negativo, a racionalização no aproveitamento e corte das pranchas era o mais próximo
que se poderia chegar de uma industrialização. Essa relação direta com o material
estrutural se dava por uma facilidade de correspondência entre o desenho e a execução.
Apesar da grande precisão, não há refinamento ou acabamento, mas a estrita exposição
da matéria crua, da manufatura. Em conversas entre o calculista e o arquiteto eram
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decididas as formas da estrutura monolítica, que, ao ser desformada, precisaria apenas
de alguns poucos componentes auxiliares para tornar-se habitável. Os trabalhos eram
realizados por equipes pequenas, de poucos especialistas, e a proximidade entre os
arquitetos e os engenheiros, e entre estes e os demais envolvidos, era potencialmente
facilitada. O resultado era uma arquitetura fundamentada na sua própria maneira de se
constituir materialmente, ou seja, a arquitetura era, sobretudo, sua própria construção.
O trabalho com o concreto moldado in loco deve implicar num raciocínio de projeto
que contemple a produção da estrutura em poucas etapas claramente definidas. Não é
apropriado pensar o edifício como um conjunto de componentes reunidos, mas como
grandes peças únicas. Neste sentido, o projeto de Paulo Mendes da Rocha para sua
própria residência é exemplar. Foi baseado um duas ações muito simples e claras:
primeiro a concretagem da laje nervurada de piso e, em segundo, a concretagem da laje
nervurada de cobertura, com o reaproveitamento das fôrmas da primeira. Todo o
processo se repetiria na produção de casa praticamente idêntica, ao lado desta. Da
interação entre estas duas partes surge grande parte da beleza deste projeto. São duas
partes que se sobrepõem, independentes. Seria contraditório, por exemplo, uní-las com
os caixilhos. As janelas, então, se penduram na cobertura e, quando abertas, liberam,
sem vestígios, a grande linha horizontal do peitoril.
É inevitável a associação entre as intenções de pré-fabricação na década de 60,
especificamente no projeto da Casa do Butantã, e a materialização destes desejos com a
construção, 20 anos mais tarde, da Casa Gerassi. Essencialmente composta por pré-
fabricados em concreto, a residência consiste basicamente no aproveitamento de peças
de produção industrial corrente com um arranjo especial para a excepcionalidade de um
programa residencial. Como mencionado pelo próprio Paulo Mendes da Rocha, a lógica
de montagem dos sistemas usuais de pré-fabricados em concreto pressupõe peças
simplesmente apoiadas e, portanto, um conjunto de comportamento isostático. Isto,
associado ao dimensionamento para o transporte, contribui para elementos com
dimensões maiores. É esclarecedora a comparação entre o porte das estruturas das duas
casas. As áreas do pavimento superior são razoavelmente próximas, 215m2 na Gerassi e
250m2 na do Butantã. Por outro lado, o volume de concreto presente na estrutura da Casa
Gerassi é praticamente três vezes maior: 140m3 contra 50m3 na Casa do Butantã. Na
casa pré-fabricada, apesar dos seis apoios, as vigas vencem vãos de 15m apoiadas nas
extremidades. Estão submetidas, portanto, a esforços muito superiores aos da Casa do
Butantã, onde os quatro pilares recuados do perímetro apóiam a estrutura com
compensações entre vãos centrais e balanços. O projeto com pré-fabricados pressupõe
restrições maiores, mas os processos são potencialmente mais controlados e previsíveis.
Quando o arquiteto é capaz de fundamentar seu raciocínio na maneira como se faz a
arquitetura, o pressuposto dos pré-fabricados torna-se um importante aliado.
Numa cidade como São Paulo, com mais de 20 milhões de habitantes, não faz
sentido basear qualquer ocupação recente em pequenos lotes privados. A infraestrutura
disponível fica muito aquém do desejado e está concentrada na região central e em
ramificações lineares. A residência unifamiliar, portanto, seria contraditória. A matriz deve
ser alterada. Relembrando a colonização da América Latina talvez seja possível identificar
os princípios que levaram às condições atuais. Paulo Mendes da Rocha costuma
desenhar casas elevadas do território. Não somente casas, mas praticamente todos os

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seus edifícios. Seu discurso está em parte baseado nestes argumentos. Para ele, o
continente sul americano ainda está sendo descoberto. Seus projetos, desta maneira,
norteiam-se pela geografia que constitui essencialmente o território e evitam os limites
circustanciais dos lotes. A casa do arquiteto no Butantã está elevada na mesma cota da
casa Bandeirista, do outro lado da rua. O talude existente no terreno foi trabalhado como
construção, uma moldura que acolhe o espaço livre coberto pela casa. Referenciando o
projeto no terreno, o arquiteto estabelece uma cumplicidade com este, que reside na sua
ordenação ou complementação. A intervenção humana na natureza é necessária para
criar condições de habitabilidade, mas a grande virtude dos projetos está na elegância
destas ações. A geografia é ordenada para acolher e apresentar a estrutura que
protagoniza o edifício. Um acordo de respeito e desvelo entre o homem e a natureza.
Nos projetos aqui analisados é o concreto que possibilita a criação do pavimento
elevado, da laje de piso, em que vão se desenvolver as atividades principais. A estrutura
que possibilita esse território elevado é também a que ordena a composição dos projetos.
Na casa do Butantã, por exemplo, os pilares são fundamentais na distribuição dos
espaços, enquanto que na Casa Gerassi formam o elemento coordenador que será o
referencial para a modulação do projeto e receberá todos os demais componentes.
A procura por uma pequena interferência no nível do terreno, potencialmente público,
acaba resultando numa concentração das cargas em número reduzido de apoios bem
definidos. A exploração plástica deste caminho das forças, dos planos horizontais aos
verticais, e, por sua vez, destes ao solo, foi objeto de diversas pesquisas arquitetônicas. O
determinismo material na forma da arquitetura de Viollet-le-Duc com sua representação
rebuscada das linhas de força ou os trabalhos de Pier Luigi Nervi, especialmente seus
hangares, são exemplares neste caminho. As pontes de Maillart e a coerência poetizada
de Gaudi também são referências fundamentais. No Brasil havia uma corrente de
engenheiros-arquitetos, atuantes a partir da década de 1940, que se dedicavam a um
procedimento puramente lógico na arquitetura, uma arquitetura estrutural. A estética seria
alcançada pela formação de organismos estruturais e a forma dessas estruturas seria
proposta segundo os ângulos das resultantes, cálculos de resistência e diagramas de
esforços solicitantes. O processo de superposição da condição artística à engenharia,
entretanto, acaba desencadeando a complicação crescente das soluções. A resposta
estrutural, ao contrário de aperfeiçoar-se e simplificar-se de maneira a facilitar o processo
construtivo, acaba buscando as soluções mais improváveis e difíceis com o compromisso
de mostrar-se inovadora. Vilanova Artigas, a partir da década de 50, também parecia
interessar-se, cada vez mais, pelas variações e aprofundamentos desta interpretação
formal. Paulo Mendes da Rocha, entretanto, parece reservar a devida distância deste
esquema. O arquiteto procura conceber a forma na arquitetura, mesmo que, para isso,
raciocine com a estrutura. As diferenças são sutis, mas de princípios. A estrutura
condiciona e é condicionada pela raciocínio conceptivo do objeto e o resultado é de um
precioso entendimento entre arquitetura e estrutura, evitando demasiada exacerbação de
uma das partes.
Sobre arquitetura e engenharia disse Paulo Mendes da Rocha em entrevista à Marta
Bogea:
“ Eu tenho a impressão que estas separações existem, não se trata de negá-las, mas do
ponto de vista da mentalidade de uma pessoa, vamos falar de mim, eu faço uma

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confusão, necessária, entre engenharia e arquitetura, é impossível você imaginar
conformações e transformações formais se você não souber como se pode realizá-las,
mesmo que não seja competente para realiza-las até o fim, nos cálculos estruturais e no
emprego de conhecimentos específicos, você sabe que aquilo é possível, você raciocina
com engenhosidade possível, não raciocina com formas autônomas ou independentes de
uma visão fabril delas mesmas, não é? Você raciocina como quem está fabricando a
coisa e não riscando, quando você risca no papel uma anotação formal, como se chama
vulgarmente um croqui, você está construindo aquilo, convocando todo o saber
necessário, mecânica dos fluidos, mecânica dos solos, bombas, maquinas e cálculos, que
você sabe que existem possíveis para fazer aquilo. Não se trata de mobilização de
fantasias mas, uma forma peculiar de mobilizar o conhecimento, isso é o que é
arquitetura, você podia dizer: um bom arquiteto é um peculiar engenheiro, e um bom
engenheiro é um peculiar arquiteto.” (BOGÉA, 1998)
“Nós sabemos que a geometria é fundamental na arquitetura. Uma pilha de gravetos é
uma coisa, uma treliça... a forma é muito importante, a forma que o homem engendrou.
Não quaisquer formas. Então você raciocina com a estrutura, associada ao discurso que
você quer fazer. Portanto a estrutura é, absolutamente, a coisa. Desde o Neolítico,
Stonehenge, sempre foi.”(ROCHA, 2006)
O arquiteto esclarece que, essencialmente, raciocina com a estrutura. É
fundamentalmente com o arranjo da estrutura que se poderá fazer aquilo que é almejado.
A previsão dos processos de constituição material - sem os quais, não há, de fato,
arquitetura - constitui, no caso de Paulo Mendes da Rocha, o seu vocabulário. Acima de
tudo, o vocabulário que os arquitetos dispõem para se comunicar com o mundo. É
essencial, portanto, que este raciocínio com a estrutura esteja direcionado para um
objeto, ou objetivo que compreende todos os desejos e as pertinentes intenções
arquitetônicas. Apesar de, eticamente, prever a racionalização, a pré-fabricação, não se
confundirá, então, com a otimização estrutural, fruto de um raciocínio com a estrutura pela
solução dela mesma. Daí talvez, a diferença fundamental entre o raciocínio da arquitetura
e da engenharia.
Era intenção inicial da pesquisa da qual decorre este artigo trabalhar a relação
fundamental entre os campos da engenharia e arquitetura, procurando fundamentar a
prática do projeto arquitetônico. A concentração do estudo na obra de um único arquiteto,
considerada inicialmente eventual, revelou-se decisão de grande acerto. Apesar da
procura por conclusões universais, o verdadeiro interesse do trabalho está no
entendimento de uma maneira de pensar a arquitetura e a engenharia, que nunca poderá
ser completamente desvinculada dos seus autores. O acerto, portanto, está na escolha da
análise das obras de Paulo Mendes da Rocha. Com uma maneira particular de pensar,
que tornou-se referência e objeto de inúmeros estudos, o arquiteto tem muito a contribuir
nesta discussão. Seus projetos fundamentam sua consistência justamente na coerência
entre o raciocínio com a estrutura e as demais intenções arquitetônicas. A estética de
seus projetos nasce de um raciocínio ético. A maneira de se fazer, ou o como se faz,
acompanha todos os traços do arquiteto. A sua relação próxima com as equipes de
trabalho e, principalmente, os engenheiros calculistas foi sempre fundamental na sua
produção. Seria justo dizer que Paulo Mendes da Rocha se alterna entre um engenheiro

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que arquiteta as possibilidades disponíveis da técnica e um arquiteto que engenha seu
pensamento sobre a humanidade.
Apesar das particularidades de sua visão de mundo, os princípios de raciocínio
adotados por Paulo Mendes da Rocha são exemplares de uma maneira de se fazer
arquitetura que vem se tornando, novamente, valorizada como atividade intelectual e
como resultado material. Quando o objeto construído reitera seu processo conceptivo e
sua produção a estética resultante é muito mais rica. Evidencia-se um processo mais
desafiador, baseado na coordenação de trabalhos específicos para a materialização das
intenções iniciais, uma arquitetura que reconhece através do desenho um trabalho
coletivo.
Espera-se que este artigo possa contribuir, não com uma discussão inovadora, mas
com uma maneira diferente de se debruçar sobre a produção de um grande arquiteto. A
análise diretamente vinculada aos princípios e metodologias da engenharia permite uma
leitura diferenciada dos projetos arquitetônicos. Indica, ainda, o caminho para inúmeros
estudos com as obras de outros arquitetos.

5 Referências
BOGÉA, M. Entrevista com o arquiteto em 1998 (texto inédito)
MILHEIRO, A. Journal Arquitectos nº 192, out 2000.
MOTTA, F. Revista Acrópole nº 343, set 1967.
REIS, C. Entrevista com o arquiteto na revista Arquitetura & Construção, ago 2002.
ROCHA, P. Paulo Mendes da Rocha. São Paulo: Cosac & Naif, 2000.
________. Entrevista com o arquiteto realizada pelos autores em março de 2006.
SALVADORI, M. Structure in Architecture. New Jersey: Prentice-Hall, 1986.
SPIRO, A. Paulo Mendes da Rocha. Ed. Verlar Niggli AG, 2001.

6 Agradecimentos
Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela
concessão da bolsa de Iniciação Científica que deu suporte à pesquisa da qual resultou
este artigo.
Agradeço também aos que se disponibilizaram para entrevistas ao longo da pesquisa:
Alexandre Delijaicov, Carlos Alberto Tauil, Cláudio Creazzo Puga, Jorge Zaven Kurkdjian,
Júlio Frunchtengarten, Osmar Augusto Penteado e Paulo Mendes da Rocha.
Merecem ainda agradecimentos os que autorizaram a visita às obras estudadas ou
contribuíram disponibilizando materiais para a pesquisa: Lito Mendes da Rocha, Loja
Forma, Mariluza Costa, Marta Moreira, Poupatempo Itaquera e Telmo Daeifeld.

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7 Anexos

Figura 3 - I. corte transversal e corte longitudinal II. carregamentos e dimensões das vigas principais e das
nervuras III. diagrama de momentos fletores para o pórtico e para as nervuras do primeiro pavimento e
cobertura IV. deformação esperada das estruturas (escala distorcida para visualização) V. diagrama de
momentos fletores e deformação esperada para a viga principal superior considerada como biapoiada VI.
diagrama de momentos fletores para viga com as mesmas dimensões e apoios articulados nas
extremidades

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Figura 4 - I. Corte transversal e seções das vigas consideradas no estudo. Foram adotadas as vigas
centrais, submetidas aos maiores esforços. II. Carregamentos adotados. III. Diagrama de momentos fletores
para a estrutura como pórtico rígido e como vigas com apoios simples articulados. IV. Deformação esperada
das estruturas submetidas exclusivamente a esforços verticais (escala distorcida para visualização)

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Figura 5 - I. Esquema de montagem da estrutura principal A. Ensaio da estrutura com o posicionamento das
articulações nos mesmos pontos do projeto executado B. Ensaio da estrutura com o posicionamento das
articulações nos pontos obtidos através de seu processamento como pórtico. II. Carregamentos adotados.
III. Diagrama de momentos fletores para as estruturas isostáticas. VII. Deformação esperada das estruturas
submetidas exclusivamente a esforços verticais. (escala distorcida para visualização) As diferenças entre os
casos A e B se devem, sobretudo, à provável variação entre as relações dos carregamentos nas vigas
superior e inferior, quando comparados os adotados neste estudo e os adotados pelo cálculo adotado na
obra.

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