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Condições Perigosas no Trabalho do Marítimo

William Freitas Miranda, Ministério da Economia, Recife/BR, williamfmiranda@yahoo.com.br

1. Resumo
Alicerçado no conhecimento personalíssimo da função de Oficial de Náutica da Marinha Mercante do
Brasil, o autor, hoje, Auditor Fiscal do Trabalho, analisa pormenorizadamente os riscos ocupacionais
à luz do desconhecimento que a sociedade, aí incluídos, em especial, os empresários do ramo e as
autoridades do Estado, sobre os aspectos psicossociais característicos do desempenho da atividade,
e que representam parte dos fatores determinantes nos agravos à saúde dos trabalhadores
aquaviários. O autor nos conduz a compreensão que, tal a complexidade e variedade das atividades
do trabalhador de bordo, é possível encontrar, em uma simples análise, todas as categorias de riscos
ocupacionais conhecidos: ergonômicos, mecânicos, físicos químicos e até biológicos. Sendo exigível
a adequação das instalações e atividades de bordo à todas, sim, à todas as Normas
Regulamentadoras da Saúde e Segurança do Trabalho, bastando que imaginemos os trabalhos à céu
aberto, em espaços confinados, em altura, em câmaras frigoríficas, no carregamento de minérios,
produtos químicos, radiológicos e biológicos, isso sem mencionar às óbvias máquinas e instalações
elétricas. Essa complexidade levou o autor a concluir este artigo elaborando um rol de
procedimentos, com a finalidade de, não somente facilitar o cumprimento da legislação pelo
empregador, a fiscalização pelas autoridades, mas sobretudo, promover a preservação da saúde e
segurança do trabalhador aquaviário.

Palavras-chave: Aquaviário; Trabalho Aquaviário; Riscos Ocupacionais;

Abstract: Based on the very personal knowledge of the role of Boating Officer of the Merchant Navy
of Brazil, the author, today, Fiscal Auditor of Labor, analyzes in detail the occupational risks in the light
of the ignorance that the society, including, especially, the businessmen of the branch and the State
authorities, on the psychosocial aspects characteristic of the performance of the activity, and which
represent part of the determining factors in the aggravations to the health of the waterway workers.
The author leads us to understand that, in the complexity and variety of the worker's activities, it is
possible to find, in a simple analysis, all the categories of known occupational hazards: ergonomic,
mechanical, physical, chemical and even biological. Due to the fact that all the Regulations on
Occupational Health and Safety must be adapted to the requirements of the on-board facilities and
activities, all we need to do is imagine the work in the open air, in confined spaces, in elevations, in
cold rooms, in the loading of minerals, chemicals, radiological and biological, not to mention the
obvious machines and electrical installations. This complexity led the author to conclude this article by
elaborating a set of procedures, not only to facilitate the employer's compliance with the legislation,
but also to promote the preservation of the health and safety of the waterway worker.

Keywords: Waterway; Waterway Work; Occupational Risks.

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2. Introdução 4. Materiais e Métodos
A invisibilidade do “homem do mar” pela A partir das condições encontradas nas
sociedade rivaliza com o tipo de ser humano auditorias a bordo dos navios mercantes
que ele simboliza, um ser humano ancestral, nacionais, estruturamos o artigo em três
que entende a insignificância de seu lugar na etapas: O estado da arte – onde são
natureza diante da imensidão dos oceanos, analisadas as características da atividade e os
mas que também compreende seu papel na riscos ocupacionais; as constatações das
sociedade, e sua indelegável auditorias; e as propostas para adequação das
responsabilidade. atividades às normas e para eficácia das
fiscalizações pelas autoridades públicas.
Quer seja do pescador mais desprovido de
meios até o mais intrépido comandante de As auditorias deram-se a bordo dos navios
rebocadores de alto mar, do tripulante dos mercantes que atracaram ou fundearam no
navios que transportam toda sorte de porto de Suape – PE, sendo todas realizadas
mercadorias, até o mais multitarefados pelo próprio autor do artigo, com recursos
membros dos navios de passageiros. próprios para deslocamento e verificação do
ambiente de trabalho, aí incluídos:
O labor desempenhado em íntimo contato com equipamento de proteção individual, notebook,
as forças mais primitivas da natureza, com impressora portátil e máquina fotográfica.
todas as suas belezas e rudezas, é
acompanhado e acrescido dos perigos e riscos
que permeiam o processo produtivo da
atividade do marítimo. 5. Resultados e Discussão
A peculiaridade e especialidade das tarefas do
trabalho aquaviário é de tal monta que a quase
3. Objetivo totalidade da população desconhece suas
características e até mesmo sequer imaginam
A diversidade e complexidade das atividades e o grau de dependência que a economia
consequentes fatores determinantes nos mundial possui desse ramo econômico e das
agravos à saúde dos trabalhadores atividades desenvolvidas por estes
aquaviários, por si só, determina a limitação da trabalhadores.
análise a um pequeno grupo.
5.1. “Minha jangada vai sair pro
Neste artigo, elaborado para participação no V
Congresso Nacional de Segurança e Saúde no mar”
Trabalho Portuário e Aquaviário, procuramos
Aventurar-se em um ambiente no qual não foi
evidenciar e ampliar a compreensão das feito para sobreviver, desde os primórdios da
peculiaridades e características da atividade história da humanidade sempre se apresentou
do tripulante dos navios mercantes de
eivado de perigos e riscos, mas também
transporte de mercadorias e dos riscos sempre existiu em razão de uma necessidade
ocupacionais (biológicos, físicos, químicos,
e responsabilidade invariavelmente
ergonômicos e mecânicos). relacionada com a sobrevivência, não só do
Riscos estes, que são despercebidos pela indivíduo, mas de todo o grupo que pertencia.
sociedade, pelos empregadores e até mesmo
pelos trabalhadores, mas que são fatores de
adoecimento no trabalho, desagregação social
e mesmo familiar.

Também culmina a pretensão do artigo em


propor um rol de procedimentos para não só
sanar as condições perigosas de bordo, mas
proporcionar os meios para que a Auditoria do
Trabalho contribua de forma eficaz para a
Economia do Brasil.

Figura 1 - Segunda Profissão

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Essas atividades evoluíram desde a busca de Com diferentes níveis e tipos de cultura,
víveres para alimentação até o comércio das educação e formação técnico-profissional,
mais variadas mercadorias, sem esquecer dos porém todos com enorme grau de dedicação,
movimentos migratórios em busca de responsabilidade e consciência sobre sua
melhores condições de vida. condição de vida, o marítimo se vê isolado,
ignorado e incompreendido pela sociedade,
Associados ao incremento das atividades, os pelos empregadores e até pela sua família.
perigos e riscos, antes quase que somente
inerentes aos fenômenos da natureza, Esse isolamento faz com que o marítimo
passaram àqueles oriundos da operação de acabe por se considerar uma categoria
máquinas e ao contato e exposição à apartada da sociedade, vivendo em um limbo,
diversidade de produtos químicos e biológicos esquecidos até pelas autoridades que
existentes no ambiente de trabalho. fiscalizam as relações trabalhistas.

As tarefas do marítimo em um navio, envolvem


riscos que, se amplamente divulgados, além
da conscientização da periculosidade, 5.3. “Esperando Pregada Parada
insalubridade e danos à saúde, causariam até na Pedra do Porto”
mesmo medo pela certeza de destruição à
saúde que contém. A forçada alienação em relação ao que ocorre
em terra, a vida em que os dias são medidos
Alguns poderiam até afirmar que os riscos são pelas tarefas, pela chegada e saída dos
conhecidos pelo empregador e não divulgados portos, onde muitas vezes não conseguem
ou velados para não haver perda na desembarcar para comprar produtos de
produtividade ou aumento de custo higiene pessoal básica ou sequer tem tempo
operacional. Embora não possa ser de falar com a família, dada a enorme
comprovada, se tal atitude existe ela não deve automação dos portos e o diminuto tempo das
se perpetuar pois o descuido a saúde e modernas operações portuárias.
segurança sempre trazem prejuízos a todos
envolvidos. Em oposição ao isolamento da família, dos
amigos, das coisas apreciadas e da sociedade
como um todo, temos a proximidade forçada
do relacionamento humano a bordo, onde a
5.2. “Existem três tipos de convivência forçada e contínua coloca à prova
homem - o vivo, o morto e o todo o coeficiente emocional de cada
marítimo.” trabalhador.

Auditar as condições perigosas à saúde dos


tripulantes dos navios é um desafio, haja vista
a complexidade e diversidade de tarefas.

Um navio é um microcosmo do mundo, ao


entrar em um navio, encontramos homens e
mulheres de diferentes regiões do país e até
do mundo.

Figura 3 - Na Pedra do Porto

Esse isolamento acaba por gerar um


sentimento de inadequação quando
desembarcado, chegando mesmo a sentir-se
um estranho na própria casa, não sendo raro
que quando existe tempo para visitar o lar,
Figura 2 - Esquecidos muitos não se animam a ir ou buscam
desculpas e subterfúgios para evitar o convívio
familiar.

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Outro fator que ajuda o isolamento é o aposentadoria especial ou outra garantia do
vocabulário de bordo, que cria um linguajar, servidor público das forças militares.
quase idioma, próprio e específico,
contribuindo para aumentar a dificuldade da A rigidez do poder e da pirâmide social dentro
convivência fora do ambiente marítimo. do mundo-navio já foi maior e mais intensa no
passado não faltando histórias, hoje quase
lendas inacreditáveis, de condições de
trabalho humilhantes, agressões morais e
5.4. “... aqui todos os dias são mesmos físicas pelo comando.
segunda-feira ...”
Digo quase, pois infelizmente, ainda
O tempo a bordo não é cíclico, não tem encontramos ecos do desprezo ao homem,
“happy-hour” na sexta, após o expediente o sua saúde e segurança.
trabalhador não volta para o porto seguro do
lar, o tempo é linear, e tem apenas uma linha
cinzenta, marcada pelo trabalho que acaba 5.6. “... são demais os perigos
nunca.
desta vida ...”
Lembro-me a primeira vez que abri a porta de
acesso a Praça de Máquinas. Eram 7 andares,
cuja grandiosidade impressionavam e
impunham respeito, sensação logo
ultrapassada pelo medo e claustrofobia
associada ao confinamento absoluto, a pouca
luminosidade, ao calor e ruído intensos, a
trepidação e vibração constantes.

Figura 4 - A Persistência da Memória

Tal qual os relógios no quadro de “Dali”, o


mercante vê diariamente sua vida esvair-se
pela borda do navio, onde as tarefas se
repetem em um movimento perpétuo e
enfadonho dos “quartos” trabalho, que apesar
da monotonia estão repletos de peculiaridades
que demandam intensa atenção e
responsabilidade. Figura 5 - Estabilidade

Essa característica quase “Fordiana” do A condição de microcosmo do mundo e


trabalho além de induzir a estados de pluralidade das tarefas e atividades tem como
psicológicos de depressão também contribui consequência a enormidade de perigos e
para a ocorrência de situações que geram riscos ocupacionais presentes no ambiente de
acidentes do trabalho. bordo.

Diversidade essa que é tal, que todas as


Normas Regulamentares da Saúde e
5.5. “Um navio é o seu Segurança no Trabalho podem ser aplicadas e
comandante, e cada navio é exigidas.
uma marinha.” Dentre estes perigos e riscos, podemos
Não podemos esquecer que a hierarquia exemplificar aqueles que saltam aos olhos
militar está fortemente arraigada na Marinha com grande evidência:
Mercante, desde as escolas de formação, a. Ruídos de diversos tipos (contínuos,
mesmo sendo os tripulantes regidos pela CLT, intermitentes e de impacto) e
sem nenhuma estabilidade de emprego, intensidades;

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b. Ambiente com temperaturas extremas x. Trabalho muscular compensatório,
(quente e frio); para manutenção do equilíbrio devido
c. Exposição a produtos inflamáveis e aos vários “balanços” do navio;
explosivos; y. Posturas desfavoráveis ao sistema
d. Substâncias irritantes e tóxicas; esquelético-muscular durante as
e. Exposição à radiação solar intensa e tarefas em locais de difícil acesso;
magnificada pelo reflexo no mar; z. Frequentes e rápidas mudanças de
f. Quedas da própria altura devido ao fuso horário;
assoalho cheio de estruturas; aa. Monotonia das tarefas cotidianas em
g. Choques elétricos; jornadas de trabalho segmentadas e
h. Superfícies quentes; constantemente alteradas.
i. Colisões com partes dos 5.8. Condições Perigosas ligados
equipamentos e cabos de atracação; à Carga
j. Queda de altura com grandes
diferenças de nível; Mesmo com a ampla adoção de containers
k. Alternância frequente e contínua entre para as cargas gerais ainda restam riscos
ambientes claros e escuros; associados aos diversos tipos de cargas, em
l. Luminosidade provinda das telas dos especial as químicas e tóxicas, dentre as quais
equipamentos e do nascer e pôr do destacamos: incêndio, explosão, queimaduras,
sol; intoxicação, envenenamento, quedas,
m. Exposição às intempéries e às esmagamento e poluição do ambiente.
variações climáticas;
n. Exposição a campos A condição perigosa associada aos agentes
eletromagnéticos; químicos compreende aqueles presentes na
o. Vibração de diversos tipos; carga e a exposição aos produtos de limpeza,
p. Exposição a alterações climáticas e reparo e manutenção.
temperaturas extremas; Aqui encontramos a especial importância da
q. Trabalhos em espaços confinados; reforma da NR26, que incorporou os ditames
r. Diversos riscos associados a interação do Sistema Globalmente Harmonizado de
com a carga transportada; rotulagem e classificação dos produtos
s. Exposições a radiações ionizantes; químicos.
t. Exposição a poeiras e fibras, minerais
e vegetais;
u. Vibrações da própria estrutura do
navio e das tarefas de tratamento de
ferrugem;
v. Queda ao mar e consequente
afogamento;

5.7. “No mar o navio diminui 1 Figura 6 - Pictogramas GHS


metro a cada dia.”
O confinamento em um ambiente
espacialmente limitado e de rígido e inóspito 5.9. Condições Perigosas ligados
aspecto ao convívio humano, acrescenta a agentes Biológicos
preservação da saúde e segurança diversos
perigos e riscos ergonômicos, tanto somáticos Embora os riscos biológicos geralmente
como psicológicos, dentre os quais estejam associados aos serviços de saúde,
destacamos: também no ambiente de trabalho do marítimo
é possível identifica-los nas atividades dos
w. Exigência de constantes subidas e taifeiros, cozinheiros, marinheiros e moços, e
descidas nas escadas, mesmo para agente de saúde.
deslocamentos cotidianos;
Atividades estas que vão, desde a
manipulação de alimentos “in-natura”, a

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limpeza de compartimentos de dejetos b. Úlceras e gastrites resultante da inalação
sanitários e de substâncias tóxicas em solventes,
graxas e tintas;
c. Afecções reumáticas quando do
deslocamento e alternância entre de
lugares mais quentes para as mais frias;
d. Lombo-isquialgias (dores no quadril) e
similares, favorecidas pelo trabalho físico
pesado em condições desfavoráveis
5.10. Danos à saúde (movimento do mar, reparo de máquinas
em espaço restrito, trabalho no convés
Já em antigos registros Sumérios, Egípcios e exposto ao tempo);
Gregos, encontramos documentada uma e. Tendência de desenvolvimento de pterígio
espantosa doença associada às excursões (pterígio é um espessamento
marítimas, o Escorbuto, ou “Mal de Angola”, vascularizado da conjuntiva de forma
como foi conhecida, na época das navegações triangular que se estende do ângulo
portuguesas (séculos XV e XVI. interno (nasal) do olho em direção à
córnea) – causa: exposição prolongada à
Com a sofisticação e diversificação das tarefas luz solar, sobretudo aos raios ultravioletas;
de bordo, o aumento exponencial dos perigos f. Danos ao aparelho auditivo;
e riscos foi acompanhado pelos transtornos g. Dermatoses de contato e reações
psicossociais e somáticos de adoecimento no alérgicas frequentes na equipe de convés
trabalho. com interação entre a luz solar e os
produtos químicos.
h. Infarto do miocárdio e outras doenças
isquêmicas em idades mais avançadas e
em alguns de atividade mais sedentária e
com maior responsabilidade;
i. Varizes de membros inferiores
principalmente nos cozinheiros e taifeiros,
devido ao grande tempo de permanência
em pé;
j. Tendência crescente na incidência de
neoplasmas (massa anormal de tecido,
cujo crescimento excede o dos tecidos
normais e não está a coordenado com
Figura 7 - Mal de Angola esses crescimentos), em especial o
carcinoma de pele no pessoal de convés.
Apesar do Escorbuto não mais ser um flagelo k. Conjuntivite e rinite químicas crônicas pela
ocupacional no trabalho aquaviário, conforme exposição a produtos e vapores químicos;
ilustramos anteriormente, outras fontes de l. Dentre as doenças mentais mais comuns
risco à saúde e segurança passaram a integrar são as neuroses, entre as quais
os riscos ocupacionais do trabalhador de predominam as de origem sexual, ansiosa,
bordo. depressiva e hipocondríaca.
Conforme exemplificamos, a exposição m. Fatores que causam ou contribuem para
constante e intensa a todos os perigos e riscos as neuroses: monotonia, ruído e vibração,
das atividades de bordo, sujeitam o marítimo a tensão nervosa, preocupação,
inúmeros danos à saúde, sendo alguns afastamento da família, falta de sono,
específicos da sua atividade, dentre os quais fadiga, privação sexual e afetiva.
destacamos: n. O distanciamento afetivo e a preocupação
com a família geram o sentimento de
a. Maior número de acidentes devido ao culpa pela ausência, em especial nas
manuseio de produtos (ácidos, solventes e datas importantes, como nascimentos,
detergentes) durante o natural balanço do aniversários, formaturas, doenças e até
navio; mesmo mortes, levando a depressão e a

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comportamento de risco durante as iii. Contato telefônico com a
atividades ocupacionais; Praticagem;
o. Traumatismos devido a quedas iv. Visita diária ao porto.
associados a descida nas escadas b. O auditor deveria subir a bordo munido de
portando material e a deambulação num todo material necessário para finalizar o
assoalho cheio de irregularidades ciclo da Auditoria durante a estadia do
obstáculos; navio no porto:
p. Opacificação do cristalino e outros danos i. EPI;
oftalmológicos devido a alternância entre ii. Máquina Fotográfica;
ambientes claros e escuros e exposição iii. Impressora;
ao nascer e pôr do sol. iv. Notebook;
v. Conexão Wi-Fi com a Internet.
5.11. Auditorias nos Navios
Mercantes Brasileiros
Inicialmente constatamos dois grandes
obstáculos associados a verificação das c. Preparação documental utilizada durante a
condições do ambiente de trabalho a bordo Ação Fiscal:
dos navios mercantes brasileiros: i. Impressão de Notificação
Específica para os Navios a partir
a. O diminuto tempo em que o navio fica no de modelos com foco em
porto disponível para atender a Auditoria dispositivos eleitos de acordo com
aliado ao talvez demorado ou nunca o grau de risco;
retorno do navio ao porto onde se deu a ii. Cópia digital dos Acordos
constatação das irregularidades; Trabalhistas, das Convenções OIT
b. A enorme quantidade e complexidade de e das Normas Regulamentadoras
atividades, tal que se aplicam e exigem do da Saúde e Segurança do
Auditor conhecimento de todas, todas as Trabalho;
Normas Regulamentadoras da Saúde e iii. Permissão de livre acesso com
Segurança do Trabalho. veículo às docas do porto;

E devido a pluralidade de atividades,


reconhecemos que a auditoria deveria se dar
em ciclos de foco de interesse, sendo o
5.11.1. Estratégias da primeiro foco direcionado às condições de
Auditoria à bordo dos vivência à bordo, aos exames de saúde e
navios mercantes intervalos para descanso e férias.
brasileiros
Assim direcionamos a inspeção da seguinte
Para confrontar os obstáculos identificados, foi forma:
necessário a delimitação precisa dos alvos e
a. Verificação de todos ambientes do
objetivos a serem alcançados, pois apesar do
Passadiço à Lavanderia, incluindo
desejo do Auditorias e do merecimento do
refeitórios e alojamentos;
trabalhador aquaviário, é impossível verificar
b. Cópia digital imediata dos documentos à
todos os inúmeros e complexos aspectos das
bordo, para futura análise e notificação à
tarefas de bordo.
companhia armadora do navio, dentre os
Traçamos então a seguinte estratégia, para quais: ASO, PPRA, PCMSO, Relatório de
combater o diminuto tempo: Espaços Confinados, Capacitações para
Trabalho em Altura e em Espaços
a. Monitoramento do movimento de chegada Confinados, Atas GSSTB, Lista de
e atracação dos navios; Tripulantes e CIR (para verificação das
i. Site do Porto na Internet; datas de embarque e desembarque,
ii. Inscrição na Mala Direta de Aviso descanso e férias);
do Controle de Atracação do c. Reunião com a tripulação, em especial,
Porto; Comandante, 2º Oficial de Náutica
(responsável pela segurança de bordo)

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ASD (Agente de Saúde de Bordo),
explanando os objetivos da Auditoria e a
aplicação das Normas Regulamentadoras
da Saúde e Segurança às atividades do
trabalhador aquaviário;
d. Autuação imediata, com impressão e
entrega das cópias ao Comandante, das
irregularidades encontradas;
e. Imediata elaboração do Relatório de
Inspeção, conforme OIT 178, entrega ao
Comandante e fixação de cópia em
quadro de avisos à tripulação;

5.11.2. Irregularidades
na Área de Vivência dos
Trabalhadores
Aquaviários
Em estreita conexão com as estratégias
delimitadas constatamos irregularidades que
se repetiam uniformemente, mesmo em navios
de diferentes armadores, o que nos levou,
Figura 8 - Mobiliário Rasgado
infelizmente, mas não sem surpresa, a concluir
que o comportamento e desprezo pela saúde b. Cadeiras sem encostos;
e segurança dos trabalhadores aquaviários é
uma constante, independente das empresas à
qual tem vínculo trabalhista.

Dentre as irregularidades nos setores de


vivência, destacamos as mais recorrentes:

a. Mobiliário quebrado ou com revestimento


rasgado;

Figura 9 - Cadeiras sem Encosto

c. Pisos com revestimento ausentes ou


danificados;

d. Travesseiros e colchões mofados;

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Figura 10 - Travesseiros Mofados

e. Exaustores da cozinha inoperantes ou


com muito ruído;
f. Falta de higiene na cozinha e copa;

Figura 12 - Colchão no Chão

h. Armários íntimos dos alojamentos


danificados e sem porta;

Figura 11 - Falta de Higiene na Cozinha

g. Colchões colocados diretamente no chão


sem estrado;

Figura 13 - Armários Quebrados sem Porta

5.11.3. Irregularidades
na Documentação

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referente à Saúde e e. Descumprimento das recomendações do
Segurança de Bordo GSSTB, em especial nas requisições de
manutenção e fornecimento de EPI;
Em relação a documentação relacionada com f. Total ausência de indicação dos riscos
a Saúde e Segurança dos trabalhadores ocupacionais no PPRA;
aquaviários constatamos com alta frequência, g. Inexistência da indicação de exames
independente da empresa armadora dos complementares no PCMSO;
navios, as seguintes irregularidades: h. Atas de reunião do Grupo de Saúde e
Segurança do Trabalho de Bordo –
a. Imposição ao tripulante para que pagasse GSSTB com conteúdos fictícios, fruto de
os Exames de Saúde; repetições de textos;
b. Exigência ao trabalhador que custeasse i. Cadastro de Espaços Confinados
os cursos de capacitação relacionados ausentes ou em desconformidade com a
com a segurança do trabalho a bordo; NR33;
c. Ausência da indicação de riscos j. Ausência de um Plano de Resposta aos
ocupacionais nos Atestados de Saúde, em Possíveis Cenários de Emergência –
especial os riscos químicos e “Plano de Emergência”;
ergonômicos; k. Ausência de Capacitação para Trabalhos
em Altura e em Espaços Confinados.

6. Conclusões e Considerações
finais
As irregularidades relacionadas ao conforto e
bem-estar dos tripulantes chocam e
demonstram o desprezo que os empresários
do ramo nutrem pelo trabalhador embarcado
nos navios mercantes brasileiros, evidenciado
na falta de atenção as recomendações das
Atas de reunião do Grupo de Saúde e
Figura 14 - ASO sem Riscos Ocupacionais Segurança do Trabalho de Bordo – GSSTB.

d. Inexistência de exames de Porém, de todas as irregularidades


complementares associados aos riscos constatadas as que mais assustam e que
ocupacionais, em especial os exames de causam indignação, são aquelas associadas
audiometria; ao descompromisso dos Médicos na
elaboração de PCMSO e Atestados de Saúde
Ocupacional.

A complexidade das tarefas do trabalhador


aquaviário, o exíguo tempo de disponibilidade
do navio no porto, e até mesmo a
periculosidade e insalubridade do ambiente de
bordo, tem uma outra consequência: o
afastamento dos Auditores Fiscais do
Figura 15 - ASO sem Exames Complementares Trabalho, visto que exigiram muito mais
empenho, dedicação e conhecimento.

Dentre as recomendações que propomos para


melhoria das condições de saúde e segurança
dos trabalhadores embarcados em navios
mercantes brasileiros, podemos classificar em
dois grandes grupos, aquelas ligadas à
Figura 16 - Não Aparenta Riscos Aparentes
eficácia da fiscalização e aquelas diretamente
ligadas às condições de saúde e segurança de
bordo.

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a morte, dada a distância de uma
assistência de saúde adequada que o
trabalho do marítimo o exige;
b. Considerando que muitos dos riscos de
6.1. Uma nova Auditoria
bordo não tem medidas de controle
Considerando as irregularidades apontadas, eficazes, é imprescindível a adoção da
destacamos as seguintes propostas: diminuição da exposição a essas
condições perigosas através da adoção de
a. Designação da Auditoria Fiscal do jornadas de embarque e desembarque de
Trabalho como Autoridade Portuária, período reduzido e em proporção de
facilitando assim o acesso não somente às igualdade (um para um);
dependências portuárias como também c. Criação de procedimentos administrativos
aos informes e documentos sobre a que priorizem as recomendações para
atividade aquaportuária; saúde e segurança de bordo do GSSTB,
b. Criação de um grupo especial de com remessa de cópia ao grupo especial
Auditores, com dedicação exclusiva e de Auditoria Fiscal para verificação de sua
treinamento específico para a fiscalização eficácia;
das complexas tarefas de bordo. d. O treinamento em princípios de toxicologia
c. Integração da inspeção do trabalho com para os Auxiliares de Saúde devido as
as escolas de formação dos trabalhadores condições perigosas associadas aos
tripulantes dos navios mercantes produtos químicos, com especial atenção
brasileiros, através de reuniões e palestras às intoxicações que muitas vezes são
aos professores e alunos, abordando os registrados como cefaleias, alergias,
temas objeto da auditoria; problemas digestivos, irritação nos olhos;
d. Reuniões de Orientação das exigências e. O treinamento e alerta a toda a tripulação
indicadas nas Normas Regulamentadoras que não deixem luvas e roupas molhadas
da Saúde e Segurança para os de solventes secando dentro dos
empresários ligados às companhias de camarotes, nem cultivem o hábito de
navegação brasileiras, e em especial para carregarem trapos úmidos de produtos
os comandantes dos navios, uma vez que químicos que em contato com as roupas
são prepostos dos armadores; (bolsos) serão assimilados pela pele;
e. Criação de normas de responsabilização f. Reunião da Auditoria com os tripulantes,
desses “profissionais”, que donos de um após a vistoria do ambiente de trabalho,
nicho da gestão da saúde e segurança do para orientação e entrega de relatório
trabalho não agem de forma a promover o público, conforme comanda Convenção
bem-estar do trabalhador, verificando e OIT 178.
providenciando exames de saúde como
medidas de controle dos riscos
ocupacionais dos trabalhadores que lhe
são confiados; 7. Referências
f. Integração da Auditoria Fiscal no sistema APR nas NR: Um estudo sobre a imposição da
de avisos de escala dos navios nos portos, Análise Preliminar de Riscos pelas Normas
de modo a propiciar um cronograma de Regulamentadoras do Ministério do Trabalho /
fiscalização eficaz; William Freitas Miranda. – Jaboatão dos
Guararapes: Edição do Autor, 2017.
6.2. Melhorias nas condições de
Saúde e Segurança de Bordo GHS na NR26: Uma análise do sistema
globalmente harmonizado de sinalização,
Dentre as ações imediatas, que consideramos rotulagem e classificação de produtos
capazes de transformar e melhorar a saúde e químicos – GHS adotado pela norma
segurança do ambiente de trabalho à bordo regulamentadora do Ministério do Trabalho –
dos navios mercantes brasileiros, destacamos: NR26 / William Freitas Miranda. – Jaboatão
dos Guararapes: Edição do Autor, 2018.
a. Providenciar um aparelho desfibrilador
externo automático – DEA, cuja operação NR10 na NR18: Um estudo sobre as
de extrema simplicidade, mesmo para mudanças na NR18, adequando as
leigos, pode ser a diferença entre a vida e Instalações Elétricas Temporárias e Definitivas

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dos Canteiros de Obras na Indústria da
Construção à NR10 / William Freitas Miranda.
– Jaboatão dos Guararapes: Edição do Autor,
2018.

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