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Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária
PROIBIDA A REPRODUÇÃO DESTE LIVRO POR QUAISQUER MEIOS, SEM A PERMISSÃO ESCRITA DOS
EDITORES, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.
Introdução
Gênesis 2 nos conta que Deus criou um jardim com “toda a sorte de
árvores agradáveis à vista e boas para alimento” (v. 9). Deus disse a Adão
que comesse livremente de toda árvore, à exceção de uma. Mas, em vez de
focarem na abundância que Deus havia oferecido livremente, Adão e Eva
direcionaram o foco para a única coisa que estava fora dos limites. E, depois
disso, o resto é a história da humanidade.
Tanto dentro como fora da Igreja, temos tratado, de igual forma, a
admoestação bíblica em relação ao ministério feminino: focamos na única
coisa que está fora dos limites e, portanto, fracassamos em perceber as
numerosas oportunidades e os papéis que Deus claramente nos ofereceu,
alguns, inclusive, retratados de maneira persuasiva nas histórias presentes
neste livro. Igualmente, a admoestação bíblica tem gerado, com frequência,
limitação extrabíblica às mulheres, assim como opressão antibíblica, o que
também se reflete nas restrições no âmbito social que essas oito mulheres
experimentaram em suas vidas. Esse tipo de fracasso em relação às mulheres
– limitações injustamente impostas em sua personalidade e igualdade de alma
– tem levado, algumas vezes, a um fracasso secundário: a falha em ver e
contar as histórias das mulheres de modo claro, verdadeiro e satisfatório.
Dessa forma, existe uma abundância de obras sobre a vida de mulheres na
Igreja que apresentam aos leitores santas não realistas, mulheres que não são
de carne e osso. Esses relatos constituem bons contos de fadas, mas não são
exemplos justos ou adequados da verdadeira vida de fé. Por outro lado, boa
parte da retrospectiva sobre as mulheres na história tende a voltar o foco, de
maneira compreensível e às vezes justa, às limitações impostas às mulheres.
Muito foi negado às mulheres, e ainda o é, tanto na igreja como na cultura em
geral.
Os instantâneos deste livro de somente oito mulheres em apenas dois
séculos oferecem uma surpreendente gama de conquistas obtidas e de papéis
desempenhados por mulheres em uma época em que não representavam nem
mesmo uma segunda categoria de cidadãs, pois sequer eram consideradas
cidadãs. Então, apesar (e talvez por causa) desses tais obstáculos, as
contribuições e realizações das mulheres são ricas e variadas. Nestas páginas,
encontramos rainha, esposa, teóloga, compositora de hinos, romancista,
missionária, filha e amiga. Ainda mais importante, encontramos mulheres de
fé cujas vidas manifestaram a graça e a glória de Deus por meio de sua
obediência fiel aos papéis para os quais foram chamadas, na vida de solteira
ou no casamento, na doença ou na saúde, na riqueza ou na pobreza e, por fim,
na morte.
As facetas da feminilidade representadas em Oito mulheres de fé brilham
intensamente. Essa abundância é notável especialmente no princípio da era
moderna representada pelas vidas detalhadas aqui. O período se articula com
um momento decisivo e bastante significativo tanto na história da
humanidade como na história da Igreja: a Reforma Protestante. A ênfase da
Reforma na fé somente e nas Escrituras somente deu origem ao indivíduo
moderno (e, assim, à tradição evangélica) – e é a vida das mulheres que
reflete mais claramente as dramáticas mudanças históricas daí decorrentes.
São as mulheres de fé, particularmente a fé evangélica (com sua ênfase na
salvação individual), que espelham, de modo mais evidente, essa grande
mudança na história e na cultura da humanidade que engrandeceu a atividade
humana e a igualdade. Esses avanços me levaram a fazer meu próprio estudo
sobre uma mulher evangélica dessa era, Hannah More, poeta britânica,
abolicionista e reformadora do final do século XVIII e começo do XIX – e
me trouxeram também a esta obra fascinante.
Os retratos pintados por Haykin dessas mulheres extremamente diferentes
não as reduzem nem aos seus papéis, nem à sua religião, mas, em vez disso,
mostram como a fé delas informava, formava e cumpria com seu chamado na
terra. Além disso, independentemente de seus relacionamentos com os
homens (solteiras, casadas, esposas, filhas ou mães), as mulheres são
apresentadas como indivíduos, sendo tanto influenciadas como
influenciadoras nos papéis que desempenham. Margaret Baxter e Sarah
Edwards, por exemplo, são descritas como servas fiéis do evangelho, que
tanto foram servidas como serviram a seus respectivos maridos, Richard
Baxter e Jonathan Edwards. A teologia incorporada pelos escritos de Anne
Dutton, Anne Steele e Jane Austen demonstra a abundância no jardim de
Deus: podemos obedecer ao mandamento de não comer do fruto proibido e,
ainda assim, usufruir de um banquete suficientemente abundante para nutrir
todos os fiéis.
As vidas aqui retratadas demonstram a verdade das palavras de Jane
Austen, as quais se aplicam a homens e mulheres de igual forma: “Os cristãos
devem levantar-se e trabalhar neste mundo”. As mulheres apresentadas nesta
obra, cada uma à sua maneira, fizeram isso. E, após ler sobre elas, você
também desejará fazer.
Os quakers, por exemplo, que surgiram como uma força poderosa nos
anos 1650, declaravam que não havia diferença espiritual entre homens e
mulheres, e, portanto, não deveria haver distinção no ministério. Margaret
Fell (1614–1702), esposa do líder quaker George Fox (1624–1691), afirmava
seu direito de pregar em sua obra mais conhecida como Women’s Speaking
Justified, Proved and Allowed of by the Scriptures (Londres, 1666),2 assim
como algumas outras mulheres quakers nas décadas de 1640 e 1650, como
Elizabeth Fletcher (c. 1638–1658), em Oxford, e Martha Simmonds, em
Londres, e isso às vezes de modo contrário à liderança quaker masculina.3
Jacqueline Broad observa que os argumentos de Margaret Fell em favor da
pregação feminina se baseavam em um princípio de igualdade espiritual ou
na ideia de que tanto homens como mulheres têm a luz sobrenatural de Cristo
dentro de si. Mas, para Fell, a habilidade de alcançar aquela luz requer,
implicitamente, que as mulheres tenham a capacidade natural de discernir por
si sós a verdade, de exercitar a força de vontade e de exibir virtude moral ou
excelência de caráter. Nesse aspecto, os argumentos de Fell favoráveis à
pregação feminina contêm um desafio feminista implícito às percepções
negativas no que diz respeito à moral e às habilidades intelectuais da mulher
daquele tempo.4
Dundas, Ontário
31 de julho de 2015
1. Lisa L. Moore e Joanna Brooks, “Introduction”, em Transatlantic Feminisms in the Age of
Revolution, ed. Lisa L. Moore, Joanna Brooks e Caroline Wigginton (Oxford, UK: Oxford University
Press, 2012), 7.
2. Ver Jacqueline Broad, “Margaret Fell”, na Stanford Encyclopedia of Philosophy. Acesso em 31 jul.
2015. Disponível em http://plato.stanford.edu/entries/margaret-fell/. Fox já tinha escrito The Woman
Learning in Silence (1656), desafiando aqueles que limitavam o Espírito de Deus a “homens estudados,
velhos livros e [velhos] autores” e não permitiam que as mulheres falassem na igreja.
3. Sobre Simmonds, ver Patricia Crawford, “The Challenges to Patriarchalism: How Did the
Revolution Affect Women?”, em Revolution and Restoration England in the 1650s, ed. John Morrill
(London: Collins & Brown, 1992), 122.
4. Broad, “Margaret Fell”.
5. Ver B. R. White, The English Baptists of the Seventeenth Century, vol. 1, A History of the English
Baptists (Oxfordshire, UK: Baptist Historical Society, 1996), 136.
6. Citado em ibid., 147.
7. Ibid., 148–49.
8. Richard L. Greaves, “The Role of Women in Early English Nonconformity”, Church History 52
(1983): 301–2.
9. Amanda Porterfield, “Women’s Attraction to Puritanism”, Church History 60 (1991): 205.
10. Greaves, “Role of Women in Early English Nonconformity”, 302; Claire Cross, “‘He-Goats Before
the Flocks’: A Note on the Part Played by Women in the Founding of Some Civil War Churches”, in
Popular Belief and Practice, ed. G. J. Cuming e Derek Baker (Cambridge, UK: Cambridge University
Press, 1972), 195–98; Anne Laurence, “A Priesthood of She-Believers: Women and Congregations in
Mid-Seventeenth-Century England”, em Women in the Church, ed. W. J. Sheils e Diana Wood
(Oxford, UK: Basil Blackwell for the Ecclesiastical History Society, 1990), 350–51; White, English
Baptists of the Seventeenth Century, 146.
11. Crawford, “Challenges to Patriarchalism”, 123.
12. Roger Gryson, Le Ministère des femmes dans l’Église ancienne (Gembloux, France: Editions J.
Duculot, S. A., 1972), 25. Ver também H. Wayne House, “The Ministry of Women in the Apostolic
and Postapostolic Periods”, Bibliotheca Sacra 145 (1988): 387–88.
13. Eric Metaxas, Seven Men: And the Secret of Their Greatness (Nashville: Thomas Nelson, 2013).
14. Jamie Janosz, When Others Shuddered: Eight Women Who Refused to Give Up (Chicago: Moody,
2014).
01
O testemunho de Jane Grey, uma
rainha protestante
“Somente a fé justifica”
Jane: É verdade, pois como posso amar alguém em quem não confio? Ou como
posso confiar em quem não amo? A fé e o amor caminham juntos, em
consonância, embora o amor esteja compreendido na fé.
Jane: Amar o nosso próximo é alimentar os famintos, vestir aquele que está nu e
dar de beber aos sedentos, e fazer a ele o que faríamos a nós mesmos.
Feckenham: Por que, então, é necessário fazer boas obras para a salvação e crer
apenas não é suficiente?
Jane: Isso, eu nego e afirmo que somente a fé salva. Mas é apropriado para os
cristãos, como sinal de que eles seguem seu mestre, Cristo, fazer boas obras, mas,
apesar disso, não podemos dizer que elas tenham proveito para a salvação. Pois,
embora todos nós façamos tudo o que podemos, ainda assim somos servos
inúteis, e somente a fé no sangue de Cristo salva.16
Quem foi essa jovem extraordinária e como ela chegou a essa situação
crítica na infame Torre de Londres? Sob alguns aspectos, é difícil contar a
história de Jane, visto que não pode ser compreendida sem que se leve em
conta a política em torno de sua vida. Assim, ao lembrarmos sua história,
embora nosso foco se volte para sua fé cristã, o cenário político não pode ser
ignorado. Jane era neta da irmã mais nova e favorita de Henrique VIII (1491–
1547), Maria Tudor (1496–1533), e, portanto, era sobrinha-neta daquele
malicioso monarca. Ao longo da vida, Jane foi a quarta na linha de sucessão
ao trono inglês após os três filhos de Henrique – Eduardo VI (1537–1553),
Maria e Elizabete (1533–1603) – e foi coroada depois da morte de seu primo
Eduardo VI, em 1553. Assim, qualquer reflexão acerca da vida de Jane
envolve, inevitavelmente, observar a política da época.
Rainha Jane
Em 24 de julho, o sogro de Jane, Dudley, que havia sido preso, também foi
posto na torre como prisioneiro. Na esperança de obter o perdão da rainha,
ele se retratou de suas crenças protestantes, dizendo que fora seduzido “pelos
ensinamentos falsos e errôneos” dos evangélicos. Ele reivindicou o direito de
frequentar a missa, no que foi atendido por Maria. Com desgosto, Jane viu,
de sua janela, o sogro ser levado à missa, e ouviram-na dizer: “Oro a Deus
para que nem eu nem algum amigo meu venhamos a morrer assim”. Um
breve alívio foi concedido a Dudley, mas ele não conseguiu escapar da morte,
sendo decapitado em 23 de agosto de 1553.
Jane e o marido, Guildford, filho de Dudley, foram a julgamento em 13 de
novembro. Ambos foram considerados culpados e sentenciados à morte. Mas
Jane realmente não esperava morrer dessa forma e, a princípio, é provável
que Maria tivesse pouca intenção de fazer cumprir a sentença. Contudo, uma
insurreição civil, conhecida como a Rebelião Wyatt, a fez mudar de ideia. Sir
Thomas Wyatt (1521–1554) reuniu um pequeno grupo de soldados em Kent
que ficaram irritados quando souberam que Maria planejava casar-se com o
Rei Filipe II da Espanha (1527–1598). Ao seu ver, a presença de um rei
espanhol católico no trono inglês era algo completamente impensável.
Wyatt conseguiu abrir caminho por Londres em 7 de fevereiro de 1554.
Mas, quando entrou na capital, os habitantes da cidade se recusaram a apoiar
sua causa, e a rebelião sucumbiu. Henry Grey, o pai de Jane, estava
estreitamente envolvido nesse levante, e esse envolvimento foi decisivo para
Maria ordenar que tirassem a vida de Jane. Em 7 de fevereiro de 1554, em
consequência disso, Maria assinou as sentenças de morte de “Guilford
Dudley e sua esposa”. Quando Henry Grey foi executado, deve-se mencionar,
afirmou que morria “na fé de Cristo, confiando ser salvo apenas pelo seu
sangue (e não por qualquer coisa frívola)”.28
Foi assim que, alguns dias depois de sua sentença de morte ser assinada,
Jane conheceu John Feckenham, travando o diálogo já citado. Eis a conversa
na íntegra:
Jane: Crer em Deus Pai, em Deus Filho, em Deus Espírito Santo, três pessoas e
um Deus.
Jane: Sim, devemos crer nele e amá-lo de todo o coração, de toda a nossa alma e
de todo o nosso entendimento, e também ao nosso próximo como a nós mesmos.
Feckenham: Por que Paulo diz: Se eu tiver tamanha fé sem amor, nada terei?
Jane: É verdade, pois como posso amar aquele em quem não confio? Ou como
posso confiar em quem não amo? A fé e o amor caminham juntos, em
consonância, embora o amor esteja compreendido na fé.
Jane: Amar o nosso próximo é alimentar o faminto, vestir aquele que está nu e
dar de beber ao sedento, e fazer ao próximo o que faríamos a nós mesmos.
Feckenham: Por que, então, é necessário fazer boas obras para a salvação e crer
apenas não é suficiente?
Jane: Isso, eu nego e afirmo que somente a fé salva. Mas é apropriado para os
cristãos, como sinal de que eles seguem seu mestre, Cristo, fazer boas obras, mas,
apesar disso, não podemos dizer que elas tenham proveito para a salvação. Pois,
embora todos nós façamos tudo o que podemos, ainda assim somos servos
inúteis, e somente a fé no sangue de Cristo salva.2
Feckenham: Bem, falaremos disso doravante. Mas o que significam seus dois
sacramentos?
Jane: Pelo sacramento do batismo, sou lavada com água e regenerada pelo
Espírito, e esse lavar é um sinal e uma lembrança para mim de que sou filha de
Deus. O sacramento da Ceia do Senhor me é oferecido como um selo e um
testemunho certo de que eu sou, pelo sangue de Cristo que ele derramou por mim
na cruz, feita copartícipe do reino eterno.
Feckenham: Por qual razão, o que você recebe nesse pão? Você não recebe o
próprio corpo e o sangue de Cristo?
Jane: Certamente, não, não creio assim. Penso que, nessa ceia, não recebo nem
carne nem sangue, mas tão somente pão e vinho. Pão que, quando é partido, e
vinho que, quando é bebido, trazem à minha mente como o corpo de Cristo foi
partido pelos meus pecados, e seu sangue derramado na cruz; e, com aquele pão e
aquele vinho, recebo os benefícios que vieram pelo ato de partir seu corpo e de
derramar seu sangue na cruz pelos meus pecados.
Feckenham: Por que, Cristo não diz estas palavras: “Tomai, comei; isso é o meu
corpo”?30 Precisamos de palavras mais óbvias? Ele não diz que aquele é o seu
corpo?
Jane: Concordo que ele disse isso e também afirmou: “Eu sou a videira, eu sou a
porta”,31 mas, apesar disso, ele nunca foi a videira nem a porta. São Paulo não
disse que ele chamou essas coisas que não são como se fossem?32 Deus me livre
que eu dissesse que como o próprio corpo natural e o sangue de Cristo, porque,
então, ou eu deveria arrancar minha redenção ou haveria dois corpos, ou dois
Cristos ou ainda dois corpos – um que foi atormentado na cruz e, então, se eles
realmente comeram outro corpo, então ou ele tinha dois corpos, ou, se seu corpo
foi comido, ele não foi partido na cruz, ou então, se ele foi partido na cruz, não
foi comido por seus discípulos.
Feckenham: Por que não é possível que Cristo, pelo seu poder, fizesse seu corpo
tanto ser comido como partido, assim como nascer de uma mulher sem a semente
do homem, e andar sobre o mar, tendo um corpo, e outros milagres que ele
realizou somente pelo seu poder?
Jane: Sim, de fato, se Deus desejasse fazer um milagre em sua ceia, poderia ter
feito, mas afirmo que ele não tinha em mente qualquer obra ou milagre além de
partir seu corpo e derramar seu sangue na cruz pelos nossos pecados. Mas peço
que você me responda a esta única pergunta: Onde estava Cristo quando ele
disse: “Tomai, comei; isso é o meu corpo”? Ele não estava à mesa quando disse
isso? Ele estava vivo naquele momento e, só no dia seguinte, começou o
sofrimento. Bem, o que ele tomou a não ser pão? E o que ele partiu a não ser
pão? E o que ele deu, além de pão? Veja, o que ele tomou, ele partiu, e veja, o
que ele partiu, ele deu; e veja, o que ele deu, foi isso que eles realmente
comeram; no entanto, tudo isso enquanto ele mesmo estava na ceia perante seus
discípulos; se não foi assim, eles foram enganados.
Feckenham: Isso foi feito com uma boa intenção da Igreja, a fim de evitar uma
heresia que veio a lume nela.
Jane: Por que a Igreja alteraria a determinação do Senhor e suas ordenanças com
boa intenção? Como o Senhor definiu o Rei Saul?
Com essas e outras persuasões, ele teria feito com que eu me inclinasse para a
Igreja, mas isso não aconteceu. Houve muitas outras coisas que debatemos, mas
essas foram as principais.34
A verdade é que nós dois nunca nos encontraremos, a não ser que Deus mude seu
coração. Pois estou certa (a não ser que você se arrependa e se volte para Deus)
de que você está em má situação, e eu oro a Deus, nas profundezas de sua
misericórdia, que lhe envie seu Espírito Santo. Pois, assim como ele deu a você o
grande dom da palavra, se agradar a ele, também abrirá os olhos de seu coração
para a verdade dele.38
Eu lhe envio, boa irmã Katherine, um livro que, embora não seja adornado com
ouro em seu exterior, no interior é mais valioso do que pedras preciosas. É esse o
livro, querida irmã, da Lei do Senhor. É o testamento dele, o qual ele deixou
como legado a nós, pecadores, e que poderá guiar você para o caminho da alegria
eterna. E, se você o ler com boa disposição e com o desejo sincero de segui-lo,
ele trará a você vida eterna e imortal. Ele a ensinará a viver e a morrer.
(…) E, ao se aproximar a minha morte, alegre-se como eu, boa irmã, que eu seja
liberta dessa corrupção e levada à incorrupção. Pois estou certa de que eu, ao
perder uma vida mortal, ganharei a vida que é imortal.40
Aqui, vemos três pontos sobre a fé de Jane. Ela sentia o mesmo amor da
Reforma pelas Escrituras: “É mais valioso do que pedras preciosas”.
Fundamental para esse amor foi a clara concepção de Jane sobre a razão pela
qual a Bíblia foi dada à humanidade por Deus: com o propósito de levar
pecadores – a quem Jane chamou de “nós, pecadores” – à “alegria eterna” e à
“vida imortal e eterna”. Vemos aqui também a profunda certeza de Jane
quanto à salvação, a mesma certeza que os reformadores também
costumavam afirmar.
Por que Jane tinha tanta certeza? Bem, um documento final que ela redigiu
na véspera de sua execução nos fala a esse respeito. Ela escreveu as três
sentenças seguintes em seu livro de oração: a primeira em latim, a segunda
em grego e a última em inglês:
Se a justiça foi feita com meu corpo, minha alma encontrará a misericórdia em
Deus. A morte trará dor ao meu corpo pelos seus pecados, mas a alma será
justificada perante Deus. Se as minhas falhas merecem punição, pelo menos
minha juventude e minha imprudência foram dignas de perdão; Deus e a
posteridade me mostrarão favor.41
Ela subiu as escadas do cadafalso e, ali de pé, naquela manhã fria de fevereiro,
Jane falou brevemente ao pequeno agrupamento presente e fez questão de que
soubessem que ela morria como “uma cristã genuína”, dizendo: “Busco ser salva
por nenhum outro meio além da misericórdia de Deus, no sangue de seu único
Filho, Jesus Cristo”. Então, ajoelhou-se e recitou o Salmo 51 em inglês. Em
seguida, Feckenham recitou em latim e, depois disso, Jane disse a ele: “Rogo a
Deus que ele o recompense abundantemente por sua bondade em meu favor”. Ele
ficou completamente sem palavras e começou a chorar. Ao ver a sua angústia,
Jane, ao que parece, inclinou-se e beijou-o na face, e por alguns momentos o
capelão católico romano e a rainha protestante ficaram de mãos dadas.43 Em
seguida, ela deu suas luvas à dama de companhia e seu livro de orações a Sir
John Brydges. O carrasco, depois de pedir perdão a Jane, por ela concedido,
mandou que ela ficasse próximo ao cepo para a execução. Ela, então, se ajoelhou,
amarrando um lenço em volta dos olhos desajeitadamente. Com os olhos
vendados, ela deveria estar diretamente de frente para o cepo e, assim, poderia
posicionar o pescoço facilmente no sulco do cepo, mas ela calculou mal a
distância. Impossibilitada de localizar o cepo, ela se mostrou ansiosa. “Onde
está? O que devo fazer?”, perguntou ela com a voz fraquejante. Ninguém,
contudo, se moveu para ajudá-la – talvez por não estarem dispostos a ser
cúmplices daquela morte.44 Finalmente, depois do que deve ter parecido uma
eternidade, um expectador subiu no cadafalso e a guiou ao cepo. Suas palavras
finais foram gritadas com a voz nítida: “Senhor, em tuas mãos entrego o meu
espírito”.
15. Seu nome verdadeiro era John Howman; ele nasceu em Feckenham, Worcestershire, e, como o
historiador J. Stephan Edwards observa, era comum na época que monges abandonassem o sobrenome
de suas famílias e, em seu lugar, usassem apenas seu primeiro nome e o nome da cidade em que haviam
nascido – assim, “John de Feckenham”, em uma entrevista com Justin Taylor, “The Execution of Lady
Jane Grey: 460 Years Ago Today”. Acesso em 27 jul. 2015. Disponível em
http://www.thegospelcoalition.org/blogs/justintaylor/2014/02/12/the-execution-of-lady-jane-grey-460-
years-ago-today/.
16. An Epistle of the Ladye Jane Whereunto is added the communication she had with Master
Feckenham... Also another epistle which she wrote to her sister, with the words she spake upon the
Scaffold before she suffered (n.p., 1554), [18–19], grafia modernizada. Essa fonte não é paginada. O
texto também pode ser encontrado em The Harleian Miscellany (London: Robert Dutton, 1808), 1:369–
71, com a grafia original com que Jane o escreveu.
17. Faith Cook, Lady Jane Grey: Nine Day Queen of England (Durham, UK: Evangelical Press, 2004),
39. A obra de Faith Cook tem sido muito útil no estudo de Jane Grey, assim como o breve ensaio de
Paul F. M. Zahl, Five Women of the English Reformation (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2001), 56–74.
Para uma biografia recente de Katherine Parr, juntamente com uma edição de alguns de seus escritos,
ver Brandon G. Withrow, Katherine Parr: A Guided Tour of the Life and Thought of a Reformation
Queen (Phillipsburg, NJ: P&R, 2009).
18. Cook, Lady Jane Grey, 43.
19. Zahl, Five Women, 59.
20. Sobre Cranmer, ver Michael A. G. Haykin, The Reformers and Puritans as Spiritual Mentors:
“Hope Is Kindled”, The Christian Mentor, vol. 2 (Ontário, Canadá: Joshua Press, 2012), 31–48.
21. “Lady Jane Grey – Biography: Jane and the Seymours – till Somerset’s fall (1549/1550)”. Acesso
em 27 jul. 2015. Disponível em http://www.geocities.ws/jane_the_quene/bio3.html.
22. Cook, Lady Jane Grey, 94–99.
23. Ibid., 93.
24. Ibid., 109–10.
25. Ibid., 116.
26. Ibid., 126–27.
27. Ibid., 135–41.
28. Citado em Zahl, Five Women, 66–67.
29. O catolicismo romano crê em sete sacramentos – batismo, confirmação, confissão auricular,
eucaristia, casamento, ordem e unção dos enfermos –, enquanto os protestantes, historicamente, se
apegaram a dois: batismo e Ceia do Senhor.
30. Marcos 14.22.
31. João 10.9; 15.1–10.
32. Rm 4.17.
33. Ver 1Co 11.17–34.
34. Epistle of the Ladye Jane, [18–23].
35. Zahl, Five Women, 68.
36. Ibid., 69.
37. Ibid.
38. Epistle of the Ladye Jane, [24].
39. Cook, Lady Jane Grey, 187–88.
40. Epistle of the Ladye Jane, [25, 27].
41. Citado em Zahl, Five Women, 67n3.
42. J. Stephan Edwards, em entrevista com Justin Taylor, “The Execution of Lady Jane Grey”.
43. Citado em Cook, Lady Jane Grey, 198.
44. Ibid., 200.
02
O testemunho de Richard Baxter
sobre Margaret Baxter45
“Governado por seu amor prudente em muitas coisas”
Grande misericórdia é ter uma amiga fiel, que o ama inteiramente e é tão
verdadeira com você quanto você mesmo; a quem é possível revelar seus
pensamentos e comunicar o que se passou, e que está pronta para fortalecê-lo e
compartilhar com você os cuidados de seus assuntos e da família, e que o ajuda a
carregar seus fardos e o consola em seu pesar, sendo a companhia diária de sua
vida e copartícipe de suas alegrias e tristezas. E é um ato de misericórdia ter uma
amiga tão próxima que seja como uma ajudadora de sua alma; que se una a você
em oração e outras práticas santas; que o vigie e fale de seus pecados e perigos, e
promova em você a graça de Deus, trazendo à sua memória a vida que está por
vir, e que, alegremente, o acompanhe nos caminhos da santidade.58
E o fruto desse ministério parece ter sido genuíno. É fascinante ler uma
nota que George Whitefield (1714–1770), o grande evangelista do século
XVIII, registrou em seu diário no último dia de 1743, depois de uma visita a
Kidderminster: “Senti-me bastante revigorado ao constatar que o doce sabor
da doutrina, as obras e a disciplina do bom sr. Baxter permanecem até o
presente dia”.70
Entre os convertidos pela pregação de Baxter em Kidderminster, estava
Margaret Charlton. Tal como Baxter, ela viera de Shropshire – na verdade,
ela fora criada apenas a alguns quilômetros de onde Baxter cresceu, embora
em uma condição financeira consideravelmente melhor. Ela veio morar em
Kidderminster com sua mãe piedosa, Mary Hanmer (–1661), que ficara viúva
por duas vezes e estava se deleitando com o ministério de pregação de
Baxter. A princípio, Margaret tinha pouca apreciação por Baxter ou pelas
pessoas da cidade. Ela nutria – Baxter conta em A Breviate of the Life of
Margaret, The Daughter of Francis Charlton, and Wife of Richard Baxter,
seu relato da vida deles juntos – uma “grande aversão à pobreza e à
severidade do povo” daquela cidade. Frívola e presa às alegrias deste mundo,
ela estava muito mais interessada em “se iluminar com vestimentas caras”.71
Apesar disso, o Espírito Santo estava realizando uma obra em sua vida. Uma
série de sermões que Baxter pregou sobre a doutrina da conversão, que, mais
tarde, veio a ser impressa como A Treatise of Conversion (1657), foi,
conforme Baxter nos conta, “recebida em seu coração como um selo na cera”.
Sua transformação espiritual foi rápida e genuína. Como ela escreveu mais
tarde:
Deus me... uniu a ele, levando-me à sua família e me plantando em seu jardim, e
me regando com o orvalho do céu… Eu sou tua, Senhor, não pertenço a mim
mesma… Tu, Senhor, que sabes todas as coisas, sabes que devotei o meu tudo a
ti.72
Um dos primeiros sinais dessa mudança radical em sua vida foram “suas
orações fervorosas em secreto”. Ela escolheu orar em uma parte da casa de
sua mãe que não estava em uso desde que fora danificada durante a Guerra
Civil. Naturalmente, ela pensava que não podia ser ouvida. Mas suas orações
podiam ser ouvidas por sua mãe e amigos na casa. De acordo com Baxter,
eles afirmavam que “nunca tinham ouvido orações tão fervorosas de quem
quer que fosse”.73 Não muito tempo depois de sua conversão, o que trouxe
muito júbilo a muitos na cidade, ela foi atingida por tuberculose e, passados
alguns meses, sua vida parecia estar desvanecendo. Baxter e um grupo
daqueles que ele chama de “pessoas humildes de oração” resolveram orar e
jejuar pela cura de Margaret. E Deus ouviu as orações deles. O Senhor,
Baxter relata, “rapidamente a libertou, como se não fosse nada”.74 Em um
evento público realizado em abril de 1660, quando foram rendidas ações de
graças a Deus por sua cura, Margaret reconheceu sua grande misericórdia e
declarou que “teria somente a ele por Deus e principal felicidade”.75
O contexto histórico
Porém, uma vez que se casou, Baxter descobriu que o casamento estava
em bastante sintonia com ele. Como ele escreveu depois da morte de sua
esposa: “Vivemos em amor inviolável e mútua complacência, cientes do
benefício do auxílio mútuo. Nesses quase dezenove anos, não me lembro de
uma única vez que tenhamos divergido em questão de amor ou de
interesse”.79
Essa afirmação, contudo, deve ser lida à luz do fato de que nem Richard
nem Margaret eram pessoas tranquilas. Richard, estudioso e, de certa forma,
recluso, era não era muito treinado no trato social. Às vezes, era mal-
humorado e tinha uma língua afiada, possivelmente um efeito colateral por
viver regularmente com dores.80 Margaret, então, o repreendia gentilmente
quando ele se mostrava descuidado ou precipitado em seu discurso. Baxter
escreve: “Se minha aparência não estivesse agradável, ela fazia com que eu
me ajeitasse (o que meu estado físico fraco e doloroso me deixava indisposto
a fazer)”.81 Baxter aprendeu uma lição valorosa sobre o casamento por meio
da correção de Margaret em relação às suas faltas. Não foi nada menos do
que uma escola de santificação. E aconselhou maridos e esposas em
Christian Directory:
Não ocultem o estado de suas almas, nem escondam suas falhas um do outro.
Vocês são como uma carne e devem ter um coração: e, assim como é tão
perigoso para um homem ser desconhecido para si mesmo, também é muito
nocivo para o marido ou a esposa serem desconhecidos um do outro; nesses
casos, eles necessitam de ajuda. Não passa de uma tola sensibilidade de sua parte
quando você esconde a doença de seu médico ou de seu amigo prestativo; e quem
deveria ser gentil e prestativo para você como vocês deveriam ser um para o
outro? De fato, em alguns poucos casos, em que revelar uma falta ou um segredo
não fará nada além de extinguir a afeição, e não promover o auxílio do outro, é
sábio ocultar; mas esse não é o caso mais corriqueiro. Abrir o coração um para o
outro é necessário para a ajuda mútua.82
Margaret, por outro lado, estava geralmente sobrecarregada por medos
irracionais obsessivos, pesadelos e pavor. Parte disso foi causada por haver
quase morrido pelo menos quatro vezes antes de conhecer Richard, além de
um incidente traumático, em especial na Guerra Civil, quando o castelo de
sua mãe foi cercado, invadido e saqueado, e “homens foram mortos bem na
sua frente”.83 E ela também sofria de várias enfermidades, em especial
ataques regulares de enxaqueca e congestão dos pulmões.84 De resto, tinha
“uma perspicácia extraordinária, aguda e contundente” e era capaz de avaliar
o caráter de homens e mulheres bem rapidamente. Ela tendia, segundo
Baxter, a ser quieta e reservada, e dado o dom dela de compreender os outros,
esperava “que todos compreendessem sua mente sem [ela] expressá-la”.
Como era de se esperar, quando as pessoas, inclusive seu marido, falhavam
em entender o que ela estava pensando, sentia-se frustrada.85 Apesar disso, ao
contrário de seu marido, ela não tinha problemas com a raiva.
Ademais, as circunstâncias em que foram criados deram a eles
expectativas bem distintas acerca de como cuidar da casa, o que, sem dúvida,
causava certa tensão. Baxter escreve sobre si mesmo:
Seu entendimento dessas coisas era muito mais rápido e perspicaz que o meu;
embora, de alguma forma, eu estivesse naturalmente obstinado com minhas
próprias concepções, os motivos dela e a minha experiência geralmente me
diziam que ela estava com a razão e que sabia mais do que eu. Ela entendia
melhor a questão ao ouvir pela primeira vez do que eu poderia fazê-lo depois de
muita reflexão… Sim, direi que… exceto nos casos que exigiam estudo e
habilidade em dificuldades teológicas, ela era melhor em resolver um assunto de
consciência do que a maioria dos teólogos que já conheci em toda a minha vida.
Em geral, eu apresentava casos a ela, que ela prontamente resolvia, de maneira a
me convencer de algum grau de desatenção na minha própria resolução. Chegou
ao ponto, nos últimos anos, confesso, em que eu estava acostumado a entregar a
ela todos os casos, exceto os que exigiam segredo, para ouvir o que ela poderia
me dizer… Então, ela apresentava todas as circunstâncias juntas, comparava-as e
me mostrava uma resolução mais exata do que aquela que eu poderia obter.94
Portanto, Richard podia afirmar: “Não estou envergonhado de ter sido bem
governado por seu amor prudente em muitas coisas”.95 Como Bo Salisbury
observa corretamente, o casamento de Richard com Margaret “revela ainda
outra faceta das excepcionais habilidades de Baxter como pastor, algo a que
os pastores modernos devem prestar atenção em especial: seu espírito de
humildade e submissão aos outros. Quanto aos homens, seu relacionamento
com as esposas geralmente revelará a profundidade ou a superficialidade de
sua humildade e, então, sua adequação para a tarefa da liderança humilde,
como servo, dentro do Corpo de Cristo”.96
Margaret, por sua vez, reconhecia o dom de Richard como pregador.
Embora sua pregação fosse ilegal, ela regularmente fez uso de grande parte
de sua riqueza para conseguir locais em Londres nos quais o marido pudesse
pregar. Ela chegou até mesmo a pagar para construir capelas para o
ministério de seu marido. Um exemplo que Baxter recordou em particular
ocorreu em 1673:
Isso não passa do que não crentes profanos dizem contra todo o zelo e piedade
espiritual: por que todo esse barulho? Paulo não chama algumas mulheres para
ajudá-lo no evangelho?102 Aquele que sabe o que é fazer o bem e faz disso o
negócio da sua vida neste mundo, e sabe o que é prestar contas de nossa
mordomia e estar fadado a ser o servo inútil saberá como responder a essa
acusação.103
Considerações finais
preservam com mais intensidade o amor e o acordo (como foi conosco) do que a
adequação de idade, a educação e a riqueza; mas, apesar disso, essas questões
não devem ser negligenciadas imprudentemente. Nada pode originar uma união
tão próxima, intensa e confortável quanto estar unido em um Deus, um Cristo,
um Espírito, uma Igreja, uma esperança da glória celestial.106
45. A maior parte deste capítulo apareceu pela primeira vez em Michael A. G. Haykin, The Reformers
as Spiritual Mentors: “Hope Is Kindled” (Ontário, Canadá: Joshua Press, 2012), 143–61. Usado com
permissão.
46. J. N. D. Kelly, Jerome: His Life, Writings, and Controversies (New York: Harper & Row, 1975),
183, 187.
47. James A. Mohler, Late Have I Loved You: An Interpretation of Saint Augustine on Human and
Divine Relationships (New York: New City Press, 1991), 71.
48. Edmund Leites, “The Duty to Desire: Love, Friendship, and Sexuality in Some Puritan Theories of
Marriage”, Journal of Social History 15 (1981–1982): 384.
49. Mohler, Late Have I Loved You, 68.
50. Citado em Richard Stauffer, The Humanness of John Calvin, tradução de George H. Shriver
(Nashville: Abingdon Press, 1971), 45.
51. J. I. Packer, “Marriage and Family in Puritan Thought”, em sua obra A Quest for Godliness: The
Puritan Vision of the Christian Life (Wheaton, IL: Crossway, 1990), 259–60.
52. Citado em C. H. George and K. George, The Protestant Mind of the English Reformation 1570–
1640 (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1961), 268.
53. Citado em Margo Todd, Christian Humanism and the Puritan Social Order (Cambridge, UK:
Cambridge University Press, 1987), 100. Para mais informações, ver Daniel Doriani, “The Puritans,
Sex, and Pleasure”, Westminster Theological Journal 53 (1991): 128–29; Leland Ryken, Worldly
Saints: The Puritans As They Really Were (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1986), 41–42.
54. Citado em Leites, “Duty to Desire”, 387.
55. Citado em Todd, Christian Humanism and the Puritan Social Order, 113.
56. Sobre a importância da ordem das razões dadas para a instituição do casamento, ver Packer, Quest
for Godliness, 261–62. Ver também Todd, Christian Humanism and the Puritan Social Order, 99–100.
57. Packer, Quest for Godliness, 262.
58. A Christian Directory: or, A Sum of Practical Theology, and Cases of Conscience II.1, em The
Practical Works of the Rev. Richard Baxter (1846; repr. Morgan, PA: Soli Deo Gloria, 2000), 1:404.
59. J. I. Packer, “A Man for All Ministries”, Reformation and Revival Journal 1 (Inverno de 1992): 56.
60. “Richard Baxter’s Love-Story and Marriage”, in The Autobiography of Richard Baxter, abr. J. M.
Lloyd Thomas (Totowa, NJ: Rowman & Littlefield, 1974), 274–75.
61. A melhor introdução à vida de Baxter é Autobiography of Richard Baxter. Para um estudo
biográfico recente, ver Geoffrey F. Nuttall, Richard Baxter (London: Thomas Nelson & Sons, 1965).
Para breves esboços biográficos, ver J. I. Packer, “Great Pastors – V. Richard Baxter (1615–1691)”,
Theology 56 (1953): 174–79; e Packer, “A Man for All Ministries”, 53–74.
A história do relacionamento amoroso de Richard e Margaret é contada pelo próprio Baxter em seu A
Breviate of the Life of Margaret, The Daughter of Francis Charlton, of Apply in Shropshire, Esq., And
Wife of Richard Baxter (London, 1681), reimpresso por John T. Wilkinson, Richard Baxter and
Margaret Charlton: A Puritan Love-Story (London: George Allen & Unwin, 1928). Mais
recentemente, J. I. Packer produziu uma condensação de Breviate: A Grief Sanctified: Passing Through
Grief to Peace and Joy (Ann Arbor, MI: Servant Publications, 1997). Para um estudo útil da teologia
geral do casamento de Baxter, ver Tim Beougher, “The Puritan View of Marriage: The Nature of the
Husband/Wife Relationship in Puritan England as Taught and Experienced by a Representative Puritan
Pastor, Richard Baxter”, Trinity Journal 10 (1989): 131–60.
62. Citado em Nuttall, Richard Baxter, 6.
63. Citado em N. H. Keeble, Richard Baxter: Puritan Man of Letters (Oxford, UK: Clarendon Press,
1982), 11.
64. Packer, A Grief Sanctified, 43.
65. Citado em Keeble, Richard Baxter, 12.
66. Citado em Nuttall, Richard Baxter, 11.
67. Citado em Keeble, Richard Baxter, 12.
68. Richard Baxter, The Reformed Pastor, ed. William Brown (1862; repr. Edinburgh: Banner of Truth,
1974), 11.
69. Autobiography of Richard Baxter, 79. Para um excelente estudo do evangelismo de Baxter, ver
Timothy K. Beougher, “Richard Baxter and Puritan Evangelism”, Journal of the Academy for
Evangelism in Theological Education 7 (1991–1992): 82–94. Ver também Gary E. Milley, “A Puritan
Perspective on Preaching”, Resource 2 (jan.-fev. de 1988): 16–17.
70. Citado em Packer, “Richard Baxter”, 175.
71. Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 70.
72. Ibid., 78, 81.
73. Ibid., 107..
74. Ibid., 73-74. Ver também Packer, A Grief Sanctified, 21-22.
75. Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 75-77.
76. Nuttall, Richard Baxter, 93.
77. Autobiography of Richard Baxter, 173–74; Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton,
109. Mas, mesmo após o seu próprio casamento, ele conseguia encorajar os ministros a pensarem duas
vezes antes de se casar: Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 155–58; Christian
Directory II.1, em Practical Works of the Rev. Richard Baxter, 1:400–401. Ver também Beougher,
“Puritan View of Marriage”, 152.
78. Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 155–56.
79. Ibid, 110.
80. Ibid., 132, 135-36, 142.
81. Ibid. 129.
82. Christian Directory II.7, em Practical Works of the Rev. Richard Baxter, 1:436.
83. Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 106-7. Ver também 116-17, 134-35, em que
Baxter dá outras razões para o medo dela.
84. Ibid., 146.
85. Ibid., 106.
86. Ibid., 137.
87. Ibid., 132, 135.
88. Ibid., 129.
89. Ibid., 136.
90. Ibid., 111-14.
91. Ibid. 113.
92. Ibid., 129.
93. Ibid., 127.
94. Ibid.
95. Ibid., 126.
96. Bo Salisbury, Good Mr. Baxter: Sketches of Effective, Caring Leadership for the Church from the
Life of Richard Baxter, cap. 10. “Husband”. Acesso em 27 jul. 2015. Disponível em
http://www.bosalisbury.com/interests/richard-baxter/good-mr-baxter/10-husband/. Para uma
admoestação geral aos maridos com vistas a, algumas vezes, serem submissos às suas esposas, ver Ef
5.21.
97. Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 115-16.
98. Ibid., 115-17
99. Ibid., 118.
100. Ibid., 132.
101. Ibid., 124.
102. Uma referência a textos como Rm 16.2, 3, 6; Fl 4.3.
103. Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 124.
104. Ibid., 152.
105. Christian Directory II.7, em Practical Works of the Rev. Richard Baxter, 1:432.
106. Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 155; ver também 128-29.
03
Anne Dutton e suas obras teológicas
“A glória de Deus e o bem das almas”
E, mais uma vez, ele disse que agora “não necessitava mais de vinho ou
bebida forte. O Senhor também, em sua grande bondade, removeu minha
inclinação a isso; de modo que eu não tinha mais inclinação para isso, ou
desejo disso, como se eu nunca tivesse provado disso em toda a minha
vida”.117
Sob a pregação de Dutton, a igreja floresceu de tal modo que, em qualquer
domingo, a congregação chegava a um número entre 250 e 350 pessoas, entre
as quais aproximadamente cinquenta eram membros. Esse crescimento levou
à construção de um novo local de pregação, que ainda se encontra naquela
vila. Entretanto, Benjamin faleceu no mar, em 1747. Ele tinha ido à América
para ajudar a levantar fundos para quitar o débito gerado pela construção do
ponto de pregação, e o navio em que ele estava retornando naufragou não
muito longe da Costa Britânica. Viúva agora pela segunda vez, Anne viveu
ainda mais 18 anos. Nesse período, “a fama de sua piedade primitiva” – para
usar a maneira com que o historiador batista Joseph Ivimey (1773–1834) se
referia à sua espiritualidade, típica do Novo Testamento – tornou-se
conhecida nos círculos evangélicos em ambos os lados do Atlântico, e isso
por meio de várias publicações literárias.
Anne já escrevera por vários anos antes da morte de Benjamin. Com o seu
falecimento, um fluxo contínuo de panfletos e tratados, coleções de
correspondências exclusivas e poemas verteu de sua pena. Entre seus
numerosos correspondentes, estavam Howel Harris (1714–1773); Selina
Hastings, a Condessa de Huntingdon (1707–1791); e George Whitefield –
todos figuras importantes no Avivamento Evangélico do século XVIII, que
estava varrendo todo o mundo falante de língua inglesa nos meados daquele
século. Com a expulsão dos puritanos da Igreja da Inglaterra, em 1662, como
observado no capítulo anterior, a causa puritana se dividiu em três grupos
principais: os presbiterianos, os congregacionais e os batistas calvinistas ou
particulares. Anne Dutton pertencia a esse terceiro grupo. Juntamente com a
Igreja da Inglaterra, todos esses grupos experimentaram declínio significativo
nas primeiras décadas do século XVIII. Os presbiterianos ingleses
basicamente perderam seu entendimento da ortodoxia clássica, tornando-se
unitários. Os congregacionais e os batistas particulares retiveram as doutrinas
principais da fé cristã, mas estagnaram por várias razões e nutriam,
reconhecidamente, uma necessidade profunda de avivamento e renovo em
meados do século XVIII.
Quando o reavivamento de fato veio, nos anos 1730, teve início entre os
anglicanos. Isso representou um choque para os congregacionais e batistas,
pois não foram as suas comunidades que haviam guardado a fé e, em
especial, a forma bíblica de governo da Igreja – a saber, o modelo
congregacional – após passar pelas chamas da perseguição na segunda
metade do século XVII? Assim, muitos congregacionais e batistas estavam
profundamente desconfiados da autenticidade do avivamento. É importante
notar que Anne Dutton construiu relacionamentos próximos com muitas das
figuras-chave do avivamento nos primeiros dias daquele despertar.
Howel Harris estava convencido de que o Senhor havia confiado a ela “um
talento de escrita para ele”. Quando William Seward (1711–1740), antigo
pregador metodista que fora morto por um bando no País de Gales, leu uma
carta que ela escrevera para ele em maio de 1739, achou-a “cheia de tanto
consolo e respostas diretas ao que ele tinha escrito que aquilo encheu seus
olhos com lágrimas de alegria”. E Whitefield, que ajudou a promover e
publicar os escritos de Anne, disse, após encontrá-la, que “a conversa tinha
tanto peso quanto suas cartas”.118
Em 1740, ela já havia escrito sete livros; mais 14 foram escritos entre 1741
e 1743. Outros 14 ainda foram publicados até 1750.119 Na verdade, ela
continuou a escrever até a sua morte, em 1765. Sem filhos, ela se considerava
mãe de seus cerca de cinquenta livros. Entre as mulheres, ela foi claramente a
autora batista mais produtiva do século XVIII.
Anne, porém, tinha dificuldade de saber se era bíblico que ela fosse
escritora. Em seu tratado Uma carta para aqueles servos de Cristo que
possam ter algum escrúpulo sobre a legitimidade de imprimir qualquer coisa
escrita por uma mulher, Dutton sustentou que escrevia não pela fama, mas
“somente para a glória de Deus e o bem das almas”.120 Para aqueles que
pudessem acusá-la de violar 1Tm 2.12, ela respondia que seus livros não
eram para ser lidos em um contexto público de adoração, o qual o texto de 1
Timóteo se designa a tratar. Em vez disso, a instrução que seus livros davam
eram particulares, pois deviam ser lidos pelos crentes em “suas próprias
casas”.121 Ela pedia àqueles que se opunham às mulheres escritoras a
“imaginar então... quando meus livros chegarem à sua casa, que eu vim fazer
uma visita” e a “pacientemente prestar atenção” às suas “ceceaduras”
infantis.122 E se alguma outra autora tivesse usado a imprensa para
“ninharias”? Bem, ela respondia: “Ninguém daquele sexo suportará aparecer
ao lado de Cristo para falar das maravilhas do seu amor, buscar o bem das
almas e o avanço do interesse do Redentor”.123
Pobre Bristol! Quantos têm sido iludidos pelo pecado e por Satanás, de tal
maneira a pensar que não têm pecado. Pois, de fato, senhor, eu posso ver que isso
não passa de uma ilusão do inimigo das almas e de um engano do coração, para
que se pense que existe tal coisa atingível nesta vida, tal como uma perfeição
completa sem pecado; e, ainda muito mais, que pensem que eles mesmos
alcançaram esse estado. Estranho é que qualquer um possa pensar, ou afirmar,
que não pecou em pensamento, palavras, ou atos por meses! E ainda mais
estranho, que eu nunca ouvi antes, que qualquer um possa imaginar que o ser do
pecado seja retirado de sua natureza!128
Para Anne, “a inteira perfeição sem pecado” é uma ilusão satânica. Ela não
titubeava em refutar essa visão com base em vários textos das Escrituras,
dentre os quais o mais significativo para ela era Tt 2.11-12:
“Se dizemos que não temos pecados” (diz o apóstolo João) “estamos nos
enganando, e não há verdade em nós”, 1Jo 1.8. E diz o Espírito Santo, por
intermédio de Salomão, “Não existe no mundo ninguém que faça sempre o que é
direito e que nunca erre”, Ec 7.20. A grande obra da graça de Deus, que traz
salvação para os salvos, é ensinar a eles que, negando “a impiedade e as paixões
mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente”, Tt 2.11-
12. A palavra ensinar, no tempo presente, denota o trabalho constante da graça
divina sobre os sujeitos dali, enquanto eles estão neste mundo. A palavra negar
denota a obrigação constante e a tarefa dos cristãos enquanto estão neste mundo
presente. E o ensinamento da graça para negar a impiedade, e a negação do
mesmo, ambos tendo igual duração com a permanência dos cristãos neste mundo
presente: negar uma pessoa ou coisa supõe o ser e as solicitações daquela pessoa
ou coisa. Então, negar a impiedade e os desejos mundanos supõe o ser e as
solicitações disso. E, assim como o serviço de um cristão, sua obra constante
consiste em uma contínua negação de impiedade e paixões mundanas; deve
inegavelmente supor o ser e as solicitações do pecado, enquanto estiverem neste
mundo.129
Aqui, Anne inicialmente apela para 1Jo 1.8 e Ec 7.20 para argumentar no
sentido da realidade do pecado na vida de todo ser humano neste mundo. Seu
texto principal é Tt 2.11-12, no qual ela argumenta que o tempo presente dos
verbos principais nesse verso, “ensinar” e “negar”, implica uma obrigação
sempre presente na vida do cristão, significando que ele nunca está livre do
pecado neste mundo.
Anne encontra ainda mais apoio para sua posição em 2Co 7.1 e 1Jo 3.2-3:
Dizem que há uma jovem em [New Haven] que é querida do Todo-poderoso, que
fez e governa o mundo, e há certas ocasiões em que esse Grande Ser, de alguma
forma invisível, vem até ela e enche sua mente com um gozo sobremaneira doce,
e ela pouco se importa com algo mais, a não ser meditar nele – pois ela espera,
depois de um tempo, ser recebida onde ele está, ser levada deste mundo e
arrebatada ao céu; está certa de que ele a ama demais para deixá-la permanecer a
alguma distância dele para sempre. Ela está ali para habitar com ele e extasiar-se
com seu amor, favor e gozo para sempre. Portanto, se lhe apresentarem todo o
mundo, com os mais ricos de seus tesouros, ela ignora tudo isso e faz pouco-
caso, não se importando com qualquer dor ou aflição. Ela tem uma estranha
doçura em sua mente, e doçura de temperamento, uma pureza incomum em suas
afeições; é justa e louvável em todas as suas ações; e não se pode persuadi-la a
fazer qualquer coisa errada ou pecaminosa, ainda que se lhe desse todo o mundo,
pois ela não ofenderia esse Grande Ser. Ela é de uma doçura maravilhosa, calma
e benevolência universal de mente; em especial depois daqueles momentos em
que esse grande Deus se manifesta à mente dela. Às vezes ela canta docemente,
de um lugar para [lugar]; e parece estar sempre cheia de alegria e prazer; e
ninguém sabe pelo quê. Ela ama estar sozinha e ama vagar pelos campos e
montanhas, e parece haver alguém invisível sempre conversando com ela.151
Tenho olhado neste dia para as razões de minha esperança em relação ao meu
futuro estado, e não me falta esperança de que estou em paz com Deus. Cerca de
nove anos atrás, fui levada a ver meu perigo de destruição eterna; mas tomei a
decisão de buscar misericórdia. Eu pensava que, se algum dia perecesse, seria aos
pés do Redentor. As palavras “ainda que ele me mate, nele esperarei” com
frequência vinham à minha mente.
Não muito depois disso, o capítulo 44 de Isaías, versos 4, 5 e 6, eram palavras
que derretiam meu coração. Pareciam ser um chamado de Deus para mim, e
acredito que fui capacitada pela fé a ouvir e obedecer a ele. No sábado seguinte,
fui levada a apreciar a proximidade de Cristo como a maior felicidade da criatura.
Minha alma tinha sede dele, de modo que a morte nada parecia para mim, desde
que eu pudesse estar com ele; pois ele era completamente adorável. E esse estado
de espírito continuou por algum tempo.
No inverno seguinte, mais do que nunca, tive uma compreensão maior do meu
próprio estado vil. Eu podia dizer de fato que me detestava e me arrependia no pó
e na cinza. Não era por causa do mal que o pecado traria sobre mim, mas porque
ele desonrava a Deus. Essa visão do pecado tinha uma grande propensão a me
quebrantar e me inclinar a buscar a Deus pelo perdão. Eu tinha grande confiança
em meu amor por Cristo; e não sentia medo de apelar a ele, como Pedro fez, e
dizer: “Senhor, tu sabes de todas as coisas; tu sabes que te amo”. Eu amava a
Cristo pelo que ele era em si mesmo; eu o amava em todos os seus ofícios; eu vi
minha absoluta necessidade dele em todos os seus ofícios; e pensava que estava
tão disposta a ser governada por suas leis quanto a ser salva por seus méritos.
Encontrei uma disposição de ir a Deus como a um pai. Uma maneira de ser salva
que esvazia a alma e exalta a Deus era no que eu grandemente me deleitava. Os
pensamentos do meu coração eram “O que possuo que não tenha recebido?” e
“Quem me faz sobressair?”. Eu sentia grande amor pelo povo de Deus; ainda que
fossem pessoas de quem antes não gostasse; ainda assim, eu sentia terna afeição
em relação a eles e prazer em sua companhia.
Durante seis meses depois disso, senti muito pouco medo da morte. Cristo, como
eu sabia, tinha vencido a morte. Nesse período, senti tamanha paz interior e
descanso na alma ao refletir sobre essas coisas que não consigo expressar. A
vaidade do mundo era muito grande ao meu ver. Parecia quase impossível que,
em algum momento, eu pudesse estar sequer um pouco inquieta sobre qualquer
coisa com que pudesse deparar neste mundo; pois todas as coisas estavam à
disposição de Deus. Isso foi o bastante para me fazer, com paciência e
humildade, suportar o que quer que me acontecesse. Eu pensava que
Lamentações 3.39, “Por que, pois, queixa-se o homem vivente? Queixe-se cada
um de seus próprios pecados”, devia ordenar o silêncio de todos, embora
deparassem com coisas tão contrárias ao seu modo de pensar.
Em julho de 1727, casei-me e me mudei de New Haven para Northampton. Por
algum tempo antes de vir para cá, quase tudo o que eu pedia era que Deus viesse
comigo. A oração de Moisés estava muito presente em meu coração. E eu espero
que Deus tenha estado comigo aqui.
No outono após a minha chegada, preocupei-me com o medo de que fosse como
os ouvintes do solo rochoso. Eu temia que, se provada com perseguição, viesse a
cair. Mas Deus me mostrou que ele poderia facilmente me tornar disposta a
morrer pela sua causa, se me chamasse para isso; e que, por meio de Cristo, que
me fortalece, eu poderia me regozijar nas chamas.
Eu tinha o espírito de me regozijar em Deus como a porção da minha alma, e
meu desejo mais sincero tem sido que eu possa me aproximar até mesmo do seu
tribunal; e, para mim, vale mais um dia em seus átrios do que mil em outro lugar.
Eu me alegrava no fato de que o Senhor reina.
Durante um tempo de grande aflição, eu dizia com frequência: a quem tenho no
céu além de ti? E não há ninguém na terra que eu deseje além de ti. Minha alma
tem sede de Deus, o Deus vivente. Quando virei e estarei diante de Deus?
Eu costumava dizer no meu coração: há alegria em crer. Eu sinceramente
desejava imitar o exemplo de Cristo, na paciência, na humildade e na
autonegação.
tais visões da glória das perfeições divinas e excelências de Cristo que a alma,
naquele momento, era como se estivesse perfeitamente comovida e tomada pela
luz e pelo amor, com um doce consolo, um descanso e uma alegria da alma que
eram completamente inexprimíveis; e, mais de uma vez, por cinco ou seis horas
consecutivas, sem qualquer interrupção, naquela visão clara e vívida ou senso da
beleza infinita e amabilidade de Cristo e a doçura celestial do seu amor
transcendente; de modo que (para usar as expressões da própria pessoa) a alma
permanecia em um tipo de júbilo celestial, e era como se nadasse nos raios do
amor de Cristo, como um pequeno mote nadando nos raios de sol, ou raios de sua
luz que entram pela janela; e o coração foi tomado em um tipo de brilho do amor
de Cristo, descendo do coração dele no céu, como uma fonte constante de doce
luz, ao mesmo tempo a alma toda fluindo de amor por ele; de modo que parecia
haver um fluir e refluir constantes de coração para coração.162
Por outro lado, houve vezes em que Sarah teve “um senso vívido e
profundo” de sua “própria pequenez e estado vil”.163 Ela nutria
nutria uma sensível aversão particular a julgar outros que eram cristãos professos
de boa reputação na igreja visível, de que eles não fossem convertidos ou no que
dizia respeito a seus graus de graça; ou de maneira alguma participando dessa
questão, a ponto de condenar os outros no íntimo de seu coração, por ser isso
odioso e não condizente com a humildade de um cordeiro, a mansidão, a
gentileza e a caridade, que a alma então, sobre outras ocasiões, viu a beleza e
sentiu disposição para tal.177
Bem, se tais coisas são entusiasmo, e fruto de um cérebro doentio, que meu
cérebro seja ainda mais possuído desse feliz descontrole! Se isso for distração,
oro a Deus para que toda a humanidade possa ser tomada por essa desorientação
benigna, mansa, beneficente, divina e gloriosa!181
Benevolência divina
Existe ainda outra afirmação nessa seção de Some Thoughts digna de nota.
Parte da experiência de Sara, Edwards escreveu, foi
Quando Anne tinha vinte anos, talvez tenha iniciado uma corte com um
jovem chamado sr. Elcomb, que mais tarde se afogou em um acidente
aquático. Elcomb foi ao rio Wallop se banhar e, ao ingressar em uma parte
mais profunda, acabou por ser levado pela correnteza.204 Em 1830, o
historiador batista Joseph Ivimey escreveu, de maneira romântica, que essa
tragédia aconteceu um dia antes do casamento de Anne e Elcomb. Tornou-se,
então, voz corrente que o emocional de Anne nunca se recuperou. Entretanto,
não há evidências – nem nos escritos subsequentes de Anne nem nos diários
de sua madrasta – que indiquem ter ela sofrido perpetuamente, com o coração
partido.205
Sabemos de fato que, quando Anne tinha vinte e cinco anos, recebeu uma
proposta de casamento do ministro da Capela Batista Particular em Bourton-
on-the-Water, Benjamin Beddome (1717–1795). Ele também tinha vinte e
cinco anos, e abriu seu coração em uma proposta apaixonada, até mesmo
fazendo uma analogia do primeiro momento em que a viu à primeira visão de
Eva por Adão em Paraíso perdido, de John Milton.206 Não temos registro da
resposta de Anne. Parece que a eloquência de Beddome falhou em persuadi-
la. Evidentemente, Beddome se recuperou o suficiente de seu
desapontamento para se casar com Elizabeth Bothwell em um momento
posterior.
Algum tempo depois, Anne recebeu outra proposta de casamento, mas ela
fez a escolha consciente de permanecer solteira. Em uma carta que escreveu à
sua meia-irmã após recusar uma dessas propostas – possivelmente a de
Beddome –, ela disse que o pretendente tinha oferecido sua mão para ajudar a
subir um lance de escada, quer dizer, se casar. Mas, quando ela observou o
campo do casamento, escreveu: “Olhei e não vi flores; observei, sim, muitos
espinhos, e suponho que existam mais escondidos debaixo das folhas, mas,
como não há pastos o suficiente para cobrir metade deles, deve estar próximo
do inverno, como penso que geralmente acontece quando olho para tal
campo”.207
Os hinos de Anne
Anne, então, permaneceu solteira. Mas sua solteirice deu a ela tempo de se
dedicar à escrita de poesia e hinos, um dom com o qual o Senhor a abençoara
ricamente. Cerca de dez anos antes de sua morte, sessenta e dois hinos foram
publicados no hinário batista intitulado Uma coleção de hinos adaptados
para a adoração pública (1769), mais conhecidos como a “Coleção Bristol”,
produzidos para os batistas calvinistas por dois pastores: Caleb Evans e John
Ash. Esse hinário deu aos hinos dela ampla circulação por todos os meios
batistas208 e, com o tempo, seus hinos se tornaram tão conhecidos nos
círculos batistas quanto os de Isaac Watts.
Anne compôs hinos de toda a gama de tópicos úteis à adoração
congregacional: batismo, Santa Ceia, as três pessoas da Trindade, a livre
oferta do evangelho. Contudo, escreveu também sobre muitos outros temas,
como criação, exaltação de Cristo, convicção, hinos nacionais, hinos para
funerais, aproximação da morte e vitória sobre a morte. Muitos de seus hinos
focam na transitoriedade dessa vida e em Deus como o único bem verdadeiro.
Quando Anne morreu, em 1778, foi velada por seu irmão, pela segunda
esposa dele, por suas sobrinhas e sobrinhos, pelo círculo da igreja e por seus
amigos. Mas ela ainda era desconhecida do público cristão em geral, visto
que seus poemas e hinos haviam aparecido sob o pseudônimo Teodósia. Esse
anonimato era exatamente o que ela havia desejado durante a vida. Dois anos
depois de sua morte, sua identidade tornou-se conhecida, quando Caleb
Evans republicou os poemas e hinos.
A livre oferta do evangelho
Anne oferece esta oração em favor de todos aqueles que estão ao alcance
do som dos cantores e do pregador – crentes ou incrédulos:
Perceba que o supremo valor das Escrituras para Anne é que ela encontra e
vê nelas seu Salvador, o Senhor Jesus. Como confessa em outro hino, “Tu,
fonte adorável do verdadeiro gozo”:
Tu, fonte adorável do verdadeiro gozo
A quem eu, sem ver, adoro.
Revela tuas belezas à minha vista
Para que eu te ame mais, eu imploro.
Nossa cultura não é do tipo que provê grande encorajamento para criar e
desenvolver amizades profundas, duradouras e satisfatórias. Tais amizades
requerem tempo e sacrifício, e a cultura ocidental do início do século XXI é
ocupada, um mundo que, via de regra, está muito mais interessado em
receber e ter do que em sacrificar e dar.214 O que é especialmente perturbador
em relação a esse fato é que o cristianismo ocidental é um pouco diferente de
sua cultura. O escritor inglês anglicano C. S. Lewis (1898–1963) escreveu
um pequeno livro intitulado Cartas do diabo ao seu aprendiz, um comentário
extraordinário sobre a batalha espiritual do ponto de vista do nosso inimigo.
Nele, há uma carta do diabo sênior, Screwtape, ao seu sobrinho Wormwood
em que Screwtape se alegra pelo fato de que, “nos escritos modernos
cristãos”, encontram-se “poucos dos avisos antigos sobre as vaidades
terrenas, a escolha de amigos e o valor do tempo”.215 Bem, não se sabe se
Lewis está certo ou não em relação à escassez de literatura cristã sobre “as
vaidades terrenas” e o “valor do tempo” no mundo moderno, mas sem dúvida
está correto no que diz respeito ao tópico da amizade.
Pensando a amizade
Como nosso mundo é diferente a esse respeito do mundo dos antigos,
tanto dos pagãos como dos cristãos! No mundo antigo, a amizade estava
fadada a ser de tal importância vital que o filósofo pagão Platão (c. 428/427–
348/347 a.C.) dedicou um livro inteiro, Lísis, assim como porções
substanciais de dois outros livros, Fedro e O banquete, a uma análise de sua
natureza. Aristóteles (384–322 a.C.), outro pensador importante do período
grego clássico, também considerava o tópico da amizade relevante o
suficiente para que uma discussão a seu respeito ocupasse dois de dez livros
de Ética a Nicômaco, seu maior trabalho sobre as questões éticas. Para os
gregos antigos – e isso também é verdadeiro quanto aos romanos –, a
amizade constituía um dos ideais mais elevados da vida humana.
Embora não encontremos discussões tão extensas sobre o conceito de
amizade nas Escrituras, encontramos algumas reflexões, como, por exemplo,
em Eclesiastes 4.7-12, e ilustrações maravilhosas do que a amizade deveria
ser, como, por exemplo, entre Rute e Noemi, ou entre Davi e Jônatas. No
compêndio de sabedoria do Antigo Testamento, Provérbios, também existem
conselhos sobre como ter amigos e mantê-los. Esses textos deixam a
impressão de que o mundo da Bíblia considera a amizade uma parte muito
importante da vida.
Bem, a Bíblia usa duas imagens em sua representação da amizade.216 A
primeira é a união profunda de almas. Deuteronômio traz a mais antiga
menção a esse respeito de um “amigo que te é como a tua alma” (Dt 13.6),
quer dizer, aquele que é costurado com a sua alma ou aquele que é uma
companhia dos pensamentos e sentimentos mais íntimos. Isso é bem ilustrado
pela amizade de Jônatas e Davi, como retratado em 1Sm 18.1, 3-4, em que a
mesma frase é utilizada como em Dt 13. Vemos aqui ideias de forte ligação
emocional e lealdade.217 De fato, “amigo” naturalmente se tornou outro nome
para crentes e irmãos no Senhor (3Jo 15). Os privilégios e as
responsabilidades de uma “alma gêmea” no sentido bíblico, então, envolvem
intimidade, lealdade e forte ligação emocional.
A segunda imagem que a Bíblia usa para representar a amizade é o
encontro face a face. Essa é a imagem usada para o relacionamento de Moisés
com Deus: no tabernáculo, Deus falou com Moisés “face a face, como um
homem fala ao seu amigo” (Êx 33.11; ver também Nm 12.8). A imagem face
a face implica uma conversa, uma partilha de confidências e,
consequentemente, um encontro de mentes, objetivos e rumos.218 Um dos
benefícios do encontro face a face entre amigos é a compreensão elevada.
Um provérbio que destaca essa ideia está em Pv 27.17: “Como o ferro com o
ferro se afia, assim, o homem, ao seu amigo”.
Existem várias ilustrações fabulosas desse tipo de amizade bíblica na
história da Igreja. Este capítulo observa a de Esther Edwards Burr (1732–
1758) e Sarah Prince (1728–1771).219
Em 29 de junho de 1752, aos vinte anos, Esther se casou com Aaron Burr
Sr. (1715–1757), um ministro cuja disposição mental evangélica era bem
parecida com a sua e que era profundamente respeitado pelo pai dela.224
Aaron era o pastor da Igreja Presbiteriana em Newark, Nova Jersey, e o
segundo presidente da recém-formada Universidade de Nova Jersey (que
mais tarde se chamaria Princeton, quando se mudou para a cidade com esse
nome, durante a presidência de Burr). Ele era consideravelmente mais velho
que Esther – dezessete anos, para sermos mais exatos –, o que gerou alguma
especulação. Joseph Shippen, um dos alunos da universidade, notou em
Esther “uma grande beleza” quando a viu, mas a considerou “jovem demais
para o presidente”.225 Mais tarde, porém, Shippen avaliou positivamente o
casamento de Burr, chamando Esther de mulher “de muito bom senso, de
uma educação virtuosa e gentil, amável em sua pessoa, de grande afabilidade
e agradabilidade na conversa, além de excelente gestora”.226
Aaron Burr tinha visto Esther pela última vez quando a menina contava
com quatorze anos, mas foram necessários apenas poucos dias de corte para
que ela concordasse em se casar com ele. A aparente imprevisibilidade de sua
decisão pode ter tido algo a ver com as dificuldades financeiras da família
Edwards naquele momento, visto que, em 1750, dois anos antes, Jonathan
Edwards fora dispensado do pastorado em Northampton.227 Existem, porém,
evidências de que ela amava Aaron profundamente. Como ela disse em seu
diário: “Você acha que eu trocaria meu bom sr. Burr por qualquer pessoa, ou
coisa, ou por todas as coisas na face da terra? Claro que não! Nem por um
milhão de tais mundos em que não exista o sr. Burr”.228
A mudança de Esther para Newark significou que ela estava a cerca de
250 quilômetros de seus pais e da família em Stockbridge, Massachusetts,
uma distância considerável para se viajar naquela época. Além do mais, Nova
Jersey era bem diferente tanto de Massachusetts como de Connecticut.
Embora não tão desenvolvido, o local era bem mais cosmopolita, o que, vez
ou outra, fazia com que Esther sentisse saudades de casa e de suas raízes em
New England.229 Tudo isso foi exacerbado pelo fato de que seu marido,
como presidente da universidade, estava frequentemente longe, pregando e
levantando fundos. Esther se sentia suficientemente “isolada” e faminta pela
comunhão das “jovens mulheres com interesses espirituais similares aos
dela”.230 Para manter sua aliança com uma amiga próxima de Boston, Sarah
Prince – a filha de Thomas Prince (1687–1758), pastor da Igreja Old South
de Boston e amigo próximo de Edwards –, decidiram manter a amizade
escrevendo diários uma para a outra. Esther tentou incluir um escrito por dia,
mas alguns dias, principalmente aos sábados, ela ficava sobrecarregada para
fazê-lo, como os seguintes relatos indicam:
5 de junho de 1756:
Tudo uma correria, com tanta roupa para passar, então não consigo tempo para
dizer qualquer coisa, a não ser que penso em você se não falo com você.
12 de junho de 1756:
Sábado todo na pressa – odeio essa correria de sábado. Eu nunca o teria assim se
pudesse evitar.
7 de agosto de 1756:
Sábado, ocupada, ocupada – corra, voe, corra.231
Não deveria ser surpresa alguma que a piedade de Esther fosse bem típica
dos Edwards. Seu deleite em ter o pai como mentor espiritual é notório na
anotação em seu diário de 19 de setembro de 1756, quando escreveu durante
uma visita aos pais, em Stockbridge:
Noite passada, tive certa conversa livre com Meu Pai sobre as grandes coisas que
afetam meu interesse – mostrei minhas dificuldades a ele bem livremente e ele
também livremente me aconselhou e orientou. A conversa removeu algumas
dúvidas angustiantes que muito me desencorajavam em minha batalha cristã. Ele
me deu algumas direções excelentes para serem observadas em segredo que
tendem a manter a alma próxima de Deus, assim como outras para serem
observadas de modo mais público – que misericórdia tenho eu em ter um Pai
assim! Que Guia!233
Como o pai dela, Esther estava comprometida com um Deus que se havia
revelado, em salvação e história, como um Deus de misericórdia234 e
soberania:235 “Misericordioso, sábio, poderoso, bom Deus, que era desde a
eternidade e, assim, continuará até a eternidade – embora todas as coisas
mudem, ainda assim o nosso Deus é o que ele sempre foi”.236 E, assim como
o pai, ela enfatizava a necessidade da “religião do coração”. Como ela
escreveu em 14 de junho de 1755:
O conhecimento de Deus que não produz amor por ele e o desejo de ser como ele
não é um verdadeiro conhecimento – aquele conhecimento de qualquer coisa que
produz amor também produzirá o desejo de ser como o que conhecemos e
amamos – que os anjos caídos sabem muito sobre Deus é certo e que, quanto
mais eles o conhecem, mais o odeiam, é certo, e isso porque seus corações estão
cheios de inimizade contra todo o bem.237
Nada é mais refrescante para a alma (exceto a comunicação com o próprio Deus)
do que a companhia e a associação com um amigo – alguém que tenha o espírito
de verdadeira amizade e tenha gosto por ela – isso é tornar a alma racional – isso
é a semelhança com Deus.240
E Sarah era essa amiga, como os registros de Esther de 11 de outubro de
1754 e de 4 de junho de 1755 revelam:
É um grande consolo para mim, quando meus amigos estão longe, que eu os
tenha em algum lugar do mundo, e você, minha querida, é uma delas, e não está
entre as menores, pois eu a estimo como uma das melhores e, em alguns
aspectos, mais próxima do que qualquer irmã que eu tenha. Não tenho nenhuma
irmã para quem eu possa escrever tão livremente quanto para você, a irmã do
meu coração.241
Considere, minha amiga, que coisa rara é encontrar uma amiga como eu tenho
em minha Fidelia – Quem não valorizaria e prezaria tal amigo acima do ouro, da
honra ou de qualquer outra coisa que o Mundo possa proporcionar?242
Esther estava convencida de que essa amizade era um dom dos céus.
Como ela afirmou em dois registros em seu diário – o primeiro de 5 de
outubro de 1754 e o segundo de 15 de fevereiro de 1755:
A sra. Smith e eu estávamos conversando (…) E concluímos que o que quer que
tenha sido dito em confidência enquanto estávamos ali devia ser uma questão de
amizade, mantendo-se em segredo. Embora a amizade estivesse encerrada, ainda
assim a obrigação era tão forte quanto sempre foi, e a sra. Smith pensa ainda de
forma mais intensa (…) Vejo os laços da Amizade como sagrados, e acredito que
devem ser uma questão de Oração Solene a Deus (onde exista uma amizade
contraída) que ela possa ser preservada.243
Você pensará que não sou tão indiferente em relação a tudo neste mundo, mas,
para dizer a verdade, quando falo de mundo e das coisas que estão no Mundo,
não quero dizer amigos, pois a amizade não pertence a este mundo. A verdadeira
amizade é, em primeiro lugar, acesa por uma centelha do céu, e o céu jamais irá
lamentar que ela parta, mas ela arderá por toda a Eternidade.244
Perceba o modo como Esther valoriza os amigos cristãos. Para ela, eles
são uma das maiores fontes de felicidade neste mundo. Por que Esther
depositava tanto valor na amizade? Bem, certamente porque percebia que os
amigos cristãos e a conversa com eles são vitais para o crescimento espiritual.
Tive um combate inteligente com o sr. Ewing a respeito de nosso sexo – ele é um
homem talentoso e capacitado, mas que nutre pensamentos inferiores sobre as
mulheres – ele começou a disputa dessa maneira. Ao falar de Miss Boudanot, eu
disse que se tratava de uma criatura amigável e sociável (…). Mas o sr. Ewing
disse: “Ela e os Stockton são cheios de conversa sobre Amizade e sociedade e
coisas assim”, e fez uma careta, como se tivesse muito nojo – perguntei a ele
sobre o que gostaria que eles falassem – se ele escolheria que eles falassem de
moda ou vestidos – ele respondeu coisas que eles entendessem. Ele não acha que
as mulheres saibam o que é amizade. Dificilmente, elas seriam capazes de
qualquer coisa tão agradável e racional quanto a amizade. (Minha língua, sabe,
ali estava bem relaxada, e os pensamentos se acumulavam — então, falei
gaguejando e com bastante cuidado.) Você pode imaginar que grande campo esse
discurso abriu para mim – repliquei com muitas coisas severas sobre ele antes
que tivesse tempo de voltar a falar. Ele corou e parecia confuso (...) mantivemos
o debate ainda por uma hora. Eu o calei com minhas palavras. Ele se levantou e
disse “seu servo” e foi embora (…). Uma das últimas coisas que ele disse foi que
nunca, em toda a sua vida, conheceu ou ouviu falar de uma mulher que tivesse
um pouco mais de aprendizado do que [o comum?] e que isso não a deixasse
orgulhosa a tal ponto que ela se tornasse repulsiva [para] todos que a
conheciam.246
Por dois meses, ela lutou com seus sentimentos, seu amor pela família e o
pavor de sofrer, sozinha, em uma terra estrangeira. Por fim, embora muitos
de seus amigos e conhecidos condenassem sua decisão de deixar a América
em um “empreendimento romântico e selvagem”,255 ela chegou à conclusão
de que o casamento com Judson e a vida missionária eram, de fato, a vontade
de Deus para a sua vida. Como ela escreveu a uma amiga:
Ann passou a maior parte da viagem para a Índia lendo. Na ocasião, havia
um assunto em especial que ocupava o casal: o batismo. Alguns anos antes,
de 1808 a 1810, quando Adoniram ainda estava no Seminário Teológico
Andover, havia começado a trabalhar em uma tradução para o inglês do Novo
Testamento grego e, entre outras questões gramaticais e linguísticas, ele se
vira desafiado a traduzir a palavra grega baptizō. Além disso, ao partir para a
Índia, ele imaginara que teria de se encontrar com William Carey, Joshua
Marshman (1768–1837) e William Ward (1769–1823), três batistas convictos
que estavam em Serampore, na Índia, e ver-se compelido a dar uma resposta
a qualquer pergunta que eles pudessem formular sobre os assuntos próprios
do batismo cristão.258 Essa viagem para a Índia, que durou quatro meses, de
19 de fevereiro a 17 de junho de 1812, ofereceu-lhe o contexto ideal para,
junto com a esposa, voltar a estudar em profundidade esse assunto. Ann e
Adoniram achavam que, ao estudarem o assunto, estariam munidos de
material para defender o pedobatismo, ou batismo de infantes. Eles mal
podiam sonhar com o que viria em seguida.
Em uma carta que escreveu para uma amiga na América, Ann Judson
resumiu muito bem o que aconteceu naquela viagem significativa em 1812.
No dia anterior, 6 de setembro de 1812, ela e seu marido haviam sido
batizados como crentes por William Ward, na Capela Lall Bazar, em Calcutá.
Talvez você ache essa mudança muito repentina, visto que eu nada disse a esse
respeito antes; mas, minha querida, essa alteração não foi trabalho de uma hora,
de um dia ou de um mês. O assunto foi examinado de forma madura, franca e,
espero, debaixo de oração, por meses a fio. O exame do assunto do batismo teve
início a bordo da Caravana.259 Enquanto Judson dava continuidade à tradução do
Novo Testamento – a qual ele começou nos Estados Unidos –, teve muitas
dúvidas a respeito do significado da palavra batizar. Isso, juntamente com a ideia
de encontrar batistas em Serampore, quando, então, ele desejaria defender suas
próprias posições, induziu a um exame mais meticuloso do fundamento do
sistema pedobatista. E, quanto mais ele examinava, mais as suas dúvidas
aumentavam; e, indisposto como estava em admitir, ele tinha medo de que os
batistas estivessem certos, e ele, errado. Quando chegamos a Calcutá, sua atenção
se voltou desse assunto para as preocupações com a missão e as dificuldades com
o governo. Mas, como sua mente ainda estava inquieta, ele mais uma vez
retomou o assunto. Então, tive medo de que ele se tornasse batista e, com
frequência, argumentava quanto às infelizes consequências se ele o fizesse. Mas
ele dizia que sua obrigação o compelia a satisfazer sua própria mente e a abraçar
aqueles sentimentos que pareciam ter mais concordância com as Escrituras. Eu
sempre ficava do lado pedobatista quando arrazoava com ele, mesmo depois de
já estar com tantas dúvidas em relação à verdade do sistema deles quanto ele
próprio estava. Partimos de Serampore para ficar em Calcutá por uma semana ou
duas, antes da chegada de nossos irmãos;260 e, como não tínhamos nada em
particular para ocupar nossa atenção, limitamo-nos exclusivamente a esse
assunto. Procuramos pelos melhores autores de ambos os lados, comparando-os
com as Escrituras, examinando e reexaminando os sentimentos dos batistas e
pedobatistas, e finalmente fomos compelidos, por uma convicção da verdade, a
abraçar o pensamento dos primeiros. Assim, minha querida Nancy, fomos
confirmados batistas, não porque desejássemos ser, mas porque a verdade nos
impeliu a ser. Vimos esforçando-nos para estimar as consequências disso e
estamos preparados para as provas mais severas que resultam dessa mudança de
sentimento. Estamos prevendo a perda da reputação, da afeição e da estima de
muitos de nossos amigos americanos. (...) Sentimos que estamos sozinhos no
mundo, sem um amigo verdadeiro e ninguém de quem possamos depender, a não
ser Deus.261
Depois de nos mudarmos para Calcutá, ele [quer dizer, Adoniram] encontrou na
biblioteca em nossa câmara muitos livros de ambos os lados, os quais ele se
determinou a ler sinceramente e em oração, e se apegar, abraçar a verdade, por
mais que fosse mortificante, por mais que o sacrifício fosse grande. Então,
comecei a ler sobre o assunto, com todos os meus preconceitos no lado
pedobatista. Tivemos conosco os escritos do dr. Worcester, do dr. Austin, de
Peter Edwards e outros escritos pedobatistas. Mas, depois de examinar
atentamente o assunto por muitas semanas, fomos forçados a reconhecer que a
verdade parecia estar no lado dos batistas.263
Comecei estudar a língua. Achei bastante complicado e difícil não contar com
nenhum dos auxílios usuais em se adquirir uma língua, exceto com uma pequena
parte de uma gramática e seis capítulos do Evangelho de Mateus do sr. [Felix]
Carey.
E, como seu marido observou com maior extensão em uma carta escrita
em 1816,
Em dezembro de 1815, Ann dizia às suas irmãs nos Estados Unidos que
ela e Adoniram “sentiam-se em casa e já conseguiam conversar com
facilidade sobre assuntos gerais”. Ela sentia que falava a língua tão bem
quanto Adoniram; mas, quanto a ler e escrever, estava “bem atrás” do
marido. O que eles descobriram ser um desafio foi a conversação sobre as
coisas de Deus, “por causa da necessidade de haver termos religiosos em sua
língua”.281 É importante observar que Adoniram se absteve de pregar até
adquirir um bom domínio da língua e traduzir parte das Escrituras para o
birmanês.
Em 1817, Ann e Adoniram conseguiram imprimir – usando uma
impressora que fora enviada a eles por William Carey – um resumo da
doutrina cristã de Adoniram e um catecismo de Ann. E, naquele mês de maio,
Adoniram terminou de traduzir o Evangelho de Mateus, e eles imprimiram
oitocentas cópias.282 Adoniram havia começado a pregar em agosto de 1818.
E, um ano depois, em 27 de junho de 1819, o primeiro convertido da
Birmânia, um homem chamado Mong Nau, foi batizado como crente.
Nesse período, Ann também estava estudando siamês (hoje conhecido
como tailandês), que ela descobriu não ser uma língua tão difícil quanto a
birmanesa. Em abril de 1819, ela havia traduzido para o siamês seu catecismo
em língua birmanesa e o Evangelho de Mateus em birmanês de seu marido.
Essa tradução de Ann foi a primeira porção das Escrituras a ser traduzida
para o siamês. Mais tarde, ela passou a ajudar Adoniram, também traduzindo
os livros de Daniel e Jonas para o birmanês.283
Minhas razões para me casar são, em primeiro lugar, o fato de eu achar que é a
coisa certa para todo clérigo em circunstâncias favoráveis (como eu), ou seja, dar
o exemplo do matrimônio em sua paróquia. Em segundo lugar, estou convencido
de que isso irá somar bastante para a minha felicidade; e, terceiro, que talvez eu
devesse ter mencionado antes, que é o conselho e a recomendação específica da
nobre senhora a quem tenho a honra de chamar de protetora [uma mulher que
atende pelo nome de Lady Catherine de Bourgh, que havia assegurado a
indicação de Collin para sua paróquia]. Por duas vezes, ela condescendeu em me
dar sua opinião (também sem pedir!) nessa questão; ela disse: “Sr. Collins, você
deve se casar. Um clérigo como o senhor deve se casar. – Escolha
apropriadamente, escolha uma dama, por minha causa; e por você mesmo, que
ela seja o tipo de pessoa ativa e prestativa, que não tenha sido criada com luxo,
mas que seja capaz de passar bem com uma renda pequena. Esse é o meu
conselho”.289
Por outro lado, em Mansfield Park (1814), o herói é Edmund Bertram, que
está em busca de sua ordenação como clérigo anglicano. Na primeira cena
que alude explicitamente ao cristianismo, ele repreende um dos outros
personagens do romance, Mary Crawford, que é crítica da adoração
congregacional, a qual, a seu ver, mal pode ser séria mesmo em relação a
assuntos sérios.290 Então, próximo ao final do romance, Mary zomba de
Edmund, dizendo a ele que esperava ouvir dele “como um pregador
celebrado em alguma sociedade elevada de metodistas, ou um missionário em
terras estrangeiras”.291 Mas Jane não compartilha do tom zombador da
personagem. Como Edmund dissera a Mary Crawford anteriormente no livro
– e essa é a compreensão de Jane do que está envolvido no ministério
pastoral –, um ministro
• George (1766–1838), que era epilético, e aos seis anos foi enviado para
um lar, para receber cuidados especiais.
• Edward (1767–1852), que, em 1783, se tornou herdeiro da propriedade
de um segundo primo, de nome Thomas Knight; Edward tomou seu nome e,
no devido tempo, tornou-se o rico benfeitor de sua mãe, irmãos e irmãs.
Seu pai morreu em 1805 e, no ano seguinte, Jane, sua mãe e a irmã
deixaram Bath. Elas moraram em vários lugares, até que Edward, seu irmão,
que herdara uma grande propriedade, encontrou “uma casa espaçosa,
despretensiosa, com seis quartos, no centro da vila de Hampshire de
Chawton, perto da grande casa senhorial que pertencia a ele mesmo”.303 As
irmãs Austen e sua mãe se mudaram para lá em 7 de julho de 1809, e foi a
partir daí que a carreira de Austen como escritora com livros publicados teve
início. Razão e sensibilidade foi publicado em 1811, por Thomas Egerton,
um amigo do irmão de Jane, Henry. Essa obra foi publicada em três volumes
e custava 15 xelins. Provavelmente teve uma tiragem de mil exemplares ou
menos. Também foi um livro anônimo, com uma simples atribuição na
página do título: “Por uma dama”. A primeira edição se esgotou e deu a
Austen “140 libras, além dos direitos autorais”. Orgulho e preconceito
apareceu logo depois, em janeiro de 1813, ao preço de 18 xelins. Não se sabe
a tiragem, mas provavelmente foi algo em torno de 1.500 cópias. Foi um
sucesso enorme, mas Austen não teve lucro com ele além da primeira edição,
visto que Egerton é quem detinha os direitos autorais.
O planejamento de Mansfield Park – seu romance mais ambicioso e o
primeiro a ser completamente escrito em Chawton – começou pouco antes de
1811. De acordo com Cassandra, a obra foi finalizada pouco depois de junho
de 1813. Foi oferecido a Thomas Egerton possivelmente em janeiro de 1814,
sendo publicado em maio de 1814, ao preço de 18 xelins, provavelmente com
uma tiragem de 1.250 cópias. Em novembro, todas as cópias já estavam
vendidas, e o lucro de Austen foi de pelo menos 320 libras – mais do que ela
recebeu em toda a sua vida por qualquer um de seus romances.
O quarto romance de Austen, Emma, veio logo em seguida, em 1816. De
acordo com sua irmã, Cassandra, foi escrito rapidamente, em quatorze meses,
entre 21 de janeiro de 1814 e 29 de março de 1815. Austen ofereceu Emma
em agosto ou setembro de 1815 ao editor John Murray. Emma foi
devidamente anunciado em 1815 e publicado mais tarde naquele mesmo mês
(embora conste a data de 1816 na página do título). Murray imprimiu duas
mil cópias de Emma, o que se provou ser muita coisa. Em sua vida, Austen
recebeu apenas 48 libras e 13 xelins por Emma, o qual alguns consideram seu
melhor romance.
Um primeiro rascunho do quinto romance de Austen, Persuasão, “uma
reflexão sobre o amor romântico e o casamento”, foi escrito entre 8 de agosto
de 1815 e 18 de julho de 1816. Depois de trabalhar novamente em
Persuasão, em agosto de 1816, Jane escreveu um prefácio para A Abadia de
Northanger. Naquele outono, porém, ela caiu doente com uma variedade de
sintomas: náusea, diarreia e fadiga. Alguns estudiosos acreditam que
estivesse sofrendo da doença de Addison, mal que envolve a falência das
glândulas adrenais, na parte superior dos rins. Em sua biografia de Jane,
Carol Shields sugere câncer de mama.304
Austen mal pôde escrever naquele outono. No mês de maio seguinte – 24
de maio, para sermos exatos –, Cassandra levou Jane para Winchester, a fim
de se consultar com um médico e obter melhor assistência médica do que
estava disponível em Chawton. Por fim, foi tudo em vão. Na noite de 17 de
julho, Jane sentia muita dor. Cassandra perguntou à sua irmã se desejava
algo, ao que ela respondeu: “Nada além da morte”, uma citação da obra O
peregrino, e orou: “Deus me conceda paciência. Ore por mim. Ó, ore por
mim”.305
Ela morreu na rua College, número 8, Winchester, às quatro e meia da
tarde, nos braços de Cassandra. Em dezembro daquele mesmo ano, 1.750
cópias de Persuasão e de A Abadia de Northanger foram impressas juntas
por John Murray, prefaceadas pelo “Aviso biográfico sobre o autor”, de
Henry Austen, o primeiro reconhecimento impresso de Jane Austen como
autora de seus seis romances.
Certa vez, Jane Austen comparou seus romances ao “marfim no qual
trabalho com um pincel tão fino”.306 Todos eles têm limites definidos em
relação a seu conteúdo: lidam com o mundo em miniatura que Austen tão
bem conhecia: a aristocracia da classe média inglesa. As classes mais alta e
mais baixa realmente aparecem.307 E, enquanto os eventos entusiasmantes de
sua época recebem às vezes alguma alusão – como, por exemplo, as
revoluções americana e francesa, as guerras napoleônicas, os avivamentos
evangélicos do século XVIII e as revoltas da Revolução Industrial –, o que
assume posição central é a vida das poucas famílias da aristocracia da classe
média.308 Nas palavras de Peter Leithart, Jane “nos dá uma descrição densa
de pequenos eventos”309 e faz isso tão bem que é devidamente considerada a
mais proeminente romancista de sua época.310
A fé de Jane Austen
Dê-nos graça, poderoso Pai, tanto de orarmos como de merecermos ser ouvidos;
de nos dirigirmos a ti com nossos corações e também com nossos lábios. Tu estás
presente em todo lugar, de ti nenhum segredo pode ser escondido. Que o
conhecimento disso nos ensine a fixar nossos pensamentos em ti, com reverência
e a devoção de que não oramos em vão.
Olhe com misericórdia para os pecados que cometemos nesses dias e, com
misericórdia, faça-nos senti-los, para que nosso arrependimento seja sincero, e
nossas resoluções firmes de nos empenhar em não cometê-los no futuro. Ensina-
nos a entender a pecaminosidade de nosso próprio coração, e trazer ao teu
conhecimento cada falha de temperamento e cada mau hábito no qual temos
incidido em prejuízo de nossos companheiros e no perigo de nossas próprias
almas. Que possamos agora, e em cada noite, considerar como passamos o dia,
quais têm sido nossos pensamentos, palavras e ações predominantes e até que
ponto podemos nos inocentar do mal. Pensamos em ti de maneira irreverente,
desobedecemos a teus mandamentos, negligenciamos alguma obrigação
conhecida ou causamos dor a qualquer ser humano por vontade própria? Inclina-
nos a fazer essas perguntas ao nosso coração, ó, Deus, e livra-nos de enganar a
nós mesmos pelo poder ou a vaidade.
Dê-nos um senso de gratidão pelas bênçãos em que vivemos, dos muitos
consolos de tua parte; que não mereçamos perdê-las por descontentamento ou
indiferença.
Seja gracioso com nossas necessidades e nos guarde, e também a tudo que
amamos, do mal nesta noite. Que os doentes e aflitos sejam, agora e sempre,
cuidados por ti; e, de coração, oramos pela segurança de todo aquele que viaja
pela terra ou pelo mar, para o conforto e a proteção do órfão e da viúva, e que tua
piedade seja mostrada sobre todos os cativos e prisioneiros.
Acima de todas as outras bênçãos, ó, Deus, por nós mesmos e por nossos irmãos,
imploramos a ti que acelere nosso senso de tua misericórdia na redenção do
mundo, do valor daquela santa religião na qual fomos criados, e que nós, por
nossa própria negligência, não joguemos fora a salvação que nos tem dado, nem
sejamos cristãos apenas no nome. Ouça-nos, Deus poderoso, pelo nome daquele
que nos redimiu, e ensina-nos assim a orar:
Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino;
faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-
nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como temos perdoado aos nossos
devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal.
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