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VISÃO TÉCNICA

Vantagens

Reserva Legal pode ser boa


oportunidade de negócios
em propriedades rurais
Pedro Henrique Santin Brancalion, Edson José Vidal da Silva e Carine Klauberg*

João Luís F. Batista

Diante dos recentes debates sobre as


mudanças no Código Florestal, a Reserva
Legal (RL) tem sido frequentemente clas-
sificada como um ônus para o produtor,
uma obrigação que não lhe trará nada
em troca, exceto a regularização legal.
Apesar dos desafios para consolidar
o manejo da RL como opção econô-
mica, já existem inúmeros exemplos
que apontam essa possibilidade. Neste
artigo, serão apresentados alguns deles
evidenciando que o percentual da pro-
priedade rural a ser destinado como RL
não implica necessariamente perda de
áreas produtivas.

Reserva florestal ao lado de área agricultável:


rendimentos de atividades florestais podem
ser, em alguns casos, maiores que de ativi-
dades agropecuárias; Estação Experimental
de Ciências Florestais, ESALQ/USP, Anhembi,
SP, 2011

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Nenhuma propriedade agrícola é for- Considerando os valores médios apli- trado nas várzeas, já existem variedades
mada exclusivamente por áreas aptas cados para madeira em tora e madeira de sequeiro que podem ser usadas em
para a agropecuária, principalmente em serrada na Amazônia Legal, verifica-se modelos de recomposição da RL. No
se tratando de culturas que envolvam a que as possibilidades de uso econômico caso da castanha-do-brasil (Bertholletia
colheita mecanizada. No caso de culturas da RL são bastante atrativas, e poderiam excelsa), que tem uma ocorrência de 1 a
agrícolas anuais e perenes, a totalidade ser mais bem exploradas caso a RL fosse 5 árvores por hectare, a produção por
de áreas aptas para cultivo normalmen- respeitada, conforme indica a Tabela 1. árvore é de cerca de 30 kg, sendo este
te não ultrapassa 70% da propriedade Quando comparados aos rendimentos um dos produtos mais valorizados da
agrícola. Assim, se for considerada a de outras atividades atualmente esta- floresta, atingindo de R$ 2,50 a R$ 5,00
demanda de área para o cumprimento do belecidas, muitas das quais são ilegais por litro dessa semente com casca. A pu-
atual Código Florestal (com exceção da do ponto de vista ambiental, os lucros punha (Bactris gasipaes) é outra espécie
Amazônia Legal), representada por 20% provenientes de atividades florestais de interesse, podendo produzir de 4 a
de RL e aproximadamente 10% de Áreas podem ser maiores. Além disso, são ativi- 10 t de frutos/ha, que são vendidos na
de Preservação Permanente, verifica-se dades que se mantêm ao longo do tempo, faixa de preço entre R$ 10,00 e R$ 25,00
que cumprir a RL não seria um obstáculo diferentemente do uso de pastagens por kg. Além de outros produtos alimentí-
tão grande se houvesse um planejamento extensivas em várias regiões amazônicas, cios de relevância na economia regional,
racional de uso e ocupação do solo. as quais não sustentam níveis satisfató- como o cupuaçu (Theobroma grandiflo-
Ao avaliar essa questão em mais de rios de produtividade pouco tempo após rum) e o taperebá (Spondias mombin),
500 mil ha de usinas sucroalcooleiras do a conversão da área. Afora a madeira, a Floresta Amazônica oferece inúmeras
estado de São Paulo, onde o cenário para os chamados produtos florestais não possibilidades de aproveitamento de
o cumprimento da lei é mais drástico, a madeireiros são outra opção atrativa e plantas medicinais, tais como a andiroba
recomposição da RL resultaria no deslo- participam ativamente da economia de (Carapa guianensis), o breu (Protium
camento médio de apenas 6,4% de áreas muitas famílias rurais no Norte do país. sp.) e a copaíba (Copaifera spp.), que es-
cultivadas com cana-de-açúcar, ao invés tão cada vez mais despertando o interes-
de 20% (Brancalion & Rodrigues, 2010). Em RL: oportunidade de negócios se de empresas nacionais e internacio-
se tratando de áreas em uso pela silvicul- Cerca de 98% da produção de frutos do nais. Todas essas oportunidades de uso
tura ou pecuária, a situação é ainda mais açaí são oriundos da atividade extrati- econômico, sem falar nas modalidades
favorável para o cumprimento do código. vista em florestas. Com a adoção de boas de pagamento por serviços ambientais,
Se fosse conduzida uma avaliação mais práticas de manejo, o açaí-do-amazonas como a venda de créditos de carbono,
rigorosa, certamente mais áreas seriam (Euterpe precatoria) pode produzir de 6 são possíveis na RL, mas deixam de ser
abandonadas por problemas de inapti- mil a 10 mil kg de frutos/ha/ano, tendo de uma opção quando ocorre a conversão de
dão agrícola e poderiam ser recompostas 200 a 500 plantas/ha. Para o açaí-do-pará áreas para uso alternativo do solo, como
no processo de adequação ambiental. (Euterpe oleracea), a produção pode va- pode ser observado na Figura 1.
Embora o cumprimento da RL possa não riar de 6 mil a 12 mil kg de frutos/ha/ano, Apesar de o manejo da RL em frag-
deslocar áreas de produção agrícola, é com 300 a 500 plantas/ha. Considerando mentos remanescentes ser especial-
preciso também avaliar se o uso susten- que a lata com 14 kg de frutos é vendida mente recomendado para a Amazônia,
tável delas constitui uma opção rentável hoje entre R$ 18,00 e R$ 40,00, verifica-se outros biomas, como o Cerrado, também
para o produtor rural. que essa é uma ótima atividade econômi- apresentam ótimas oportunidades de
No caso do manejo de remanescentes ca. Embora o manejo do açaí seja concen- negócios. Por exemplo, a exploração de
de vegetação nativa, as perspectivas
são muito favoráveis, e ressalta-se a
importância socioeconômica do manejo
da floresta. Para a Amazônia Legal, é Tabela 1. Preços médios (R$/m³) por classe de valor econômico de madeiras explo-
radas na Amazônia Legal, 2009*
permitida a exploração de madeira nativa
na RL de até 30 m³ de toras/ha, no caso Forma de comercialização Alto valor Médio valor Baixo valor Valor médio
econômico econômico econômico
de ciclos mínimos de 35 anos, e de 10 m³
Madeira em tora 283 173 130 195
de toras/ha, com ciclos de 10 anos (IN nº
Madeira serrada 1090 658 517 754
05/06). A madeira gerada na RL pode ser
tanto utilizada para suprir as demandas Fonte: Adaptado de Pereira et al. (2010).
da propriedade como para gerar renda. * Taxa de conversão: US$ 1,00 = R$ 1,60

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pequi em Goiás pode apresentar margem Sustentabilidade na RL de madeira nativa no mercado devido à
bruta superior à da soja (Sant’Anna, 2011). No entanto, tais opções de manejo de redução do desmatamento na Amazônia
Para exemplificar, em áreas onde há remanescentes nativos podem não ser e ao aumento da demanda interna, a
10 pequizeiros/ha, o proprietário poderá viáveis em regiões do país onde a degra- produção de madeira nativa na RL – via
ter uma margem bruta de R$ 200,00 a dação foi mais intensa, predominando recomposição ou manejo – será uma
R$ 600,00 por hectare. No mesmo pe- fragmentos florestais pequenos e frágeis atividade cada vez mais vantajosa, mais
ríodo e região, a margem bruta para a ecologicamente. Nesse contexto, há uma até do que vários sistemas de produção
soja foi de R$ 430/ha/ano (Sant’Anna, demanda maior pela recomposição da RL. agropecuária. No estado de São Paulo,
2011). Além do pequi, há ainda quase Mesmo nessa situação, já existem mode- por exemplo, há um decreto estadual
60 espécies de fruteiras nativas usadas los econômicos de uso da RL em recupe- que regulamenta o uso temporário de
pela população, que poderiam vir a ter ração que oferecem ótimas perspectivas eucalipto intercalado com espécies
uso econômico e ser comercializadas. de retorno financeiro ao produtor, como nativas para a recomposição da RL. Só
Assim, existem inúmeras oportunidades no caso da área retratada na Figura 2. a colheita de eucalipto nesse sistema
de negócios em se tratando do manejo da Por exemplo, a implantação de mode- poderia render ao produtor cerca de
RL na propriedade rural, mas são poucos los voltados à exploração madeireira de R$ 3.500,00/ha de lucro líquido ao final de
os projetos que aproveitam hoje esse po- espécies nativas pode apresentar uma um ciclo de produção de sete anos. Esse
tencial. Com o avanço da pesquisa, novas margem bruta de mais de R$ 350,00/ha/ valor poderia ajudar a cobrir os custos
espécies passarão a ter uso na indústria, ano (Fasiaben, 2010), contra os usuais com a implantação do projeto, já que o
e a exploração de espécies nativas na RL R$ 150,00/ha/ano obtidos com pastagens plantio de eucalipto é mais barato que o
será ainda mais vantajosa, superando, em extensivas e pouco tecnificadas – ocupa- de espécies nativas, e a exploração pos-
muitos casos, os sistemas de produção ção predominante de áreas de baixa ap- terior de produtos florestais madeireiros
agropecuária. tidão agrícola. Dada a escassez crescente e não madeireiros de espécies nativas,

Figura 1. Possibilidades de manejo sustentável da Reserva Legal na Amazônia*

Pedro henrique santim brancalion

*São inúmeras as atividades que possibilitariam retorno econômico satisfatório ao produtor rural, mas o processo
predatório de conversão de florestas para uso alternativo do solo tem desperdiçado esse potencial em troca de
lucros rápidos e insustentáveis no tempo

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Figura 2. Reflorestamento de espécies nativas visando à exploração madeireira; quatro anos de plantio; Campinas, SP*

Pedro henrique santim brancalion


* Dadas as perspectivas mais favoráveis de retorno econômico dessa atividade em comparação com a pecuária extensiva, o proprietário optou
por converter toda a área de pastagem em reflorestamentos comerciais de espécies nativas

bem como o pagamento por serviços Assim, uma estratégia promissora para sustentável dos recursos naturais sob
ambientais, comporiam o lucro da RL. estimular o cumprimento do Código Flo- sua tutela. Mudar a legislação não resolve
Contudo, tais modelos econômicos de restal é o fomento do manejo sustentável esse desafio.
recomposição da RL não podem se des- da RL em áreas com ainda grandes esto-
* Pedro Henrique Santin Brancalion
vincular de sua função de conservação ques de ecossistemas nativos, como em
(pedrob@usp.br) e Edson José Vidal da
da biodiversidade (Metzger, 2010), o que várias partes da Amazônia e do Cerrado, Silva (edson.vidal@usp.br) são professores
poderia ser comprometido pelo uso per- e a viabilização de modelos econômicos do Departamento de Ciências Florestais da
manente de espécies exóticas, tal como de recomposição da RL para as demais USP/ESALQ, e Carine Klauberg (klauberg@
hotmail.com) é graduanda do Programa de
proposto muitas vezes. partes do país, agregando múltiplas
Pós-Graduação em Recursos Florestais da
Além das vantagens econômicas diretas, alternativas de geração de renda. Trata- USP/ESALQ.
obtidas por meio do manejo sustentável -se de resgatar os objetivos inicialmente
dos recursos naturais, a RL apresenta inú- propostos para a RL, os quais foram des- Referências bibliográficas
meras vantagens para a propriedade rural caracterizados com o tempo. No entanto, BRANCALION, P. H. S.; Rodrigues, R. R. Implica-
que nem sempre são facilmente mensurá- isso só será atingido com mais pesquisa ções do cumprimento do Código Florestal
vigente na redução de áreas agrícolas: um
veis. Por exemplo, a produção da maioria aplicada, políticas públicas, linhas de
estudo de caso da produção canavieira no
das culturas agrícolas é dependente, ou se financiamento adequadas, desenvol- Estado de São Paulo. Biota Neotropica, 2010.
beneficia da atividade de agentes poliniza- vimento de mercados e envolvimento v. 10, p. 63-66.
dores, os quais habitam os remanescentes dos órgãos ambientais e de extensão FASIABEN, M. C. R. Impacto econômico de Reser-
de vegetação nativa e usam as áreas agrí- agropecuária. É preciso também não só va Legal Florestal sobre diferentes tipos de
unidade de produção agropecuária. (Tese
colas para coleta de pólen e néctar. Além descobrir as vantagens da RL – muitas
de doutorado em desenvolvimento, espaço
desses agentes, há também inúmeros das quais já são plenamente conhecidas e meio ambiente.) Universidade Estadual de
inimigos naturais de pragas agrícolas que pela ciência –, mas também divulgá-las Campinas: Campinas, 2010.
habitam esses remanescentes prestando de forma mais efetiva aos agricultores. METZGER, J. P. O código florestal tem base
serviços ambientais que, se mensurados, Diante desse desafio, é imprescindível científica? Natureza & Conservação, 2010.
v. 8, p. 1-5.
resultariam na economia de muito di- que os produtores rurais, no papel de
SANT’ANNA, A. C. O uso econômico da Reser-
nheiro na compra de defensivos químicos. verdadeiros gerentes dos recursos na-
va Legal no Cerrado: uma simulação do
Assim, muitas das vantagens da RL não são turais, sejam envolvidos nesse processo extrativismo sustentável do pequi. 129f.
nem conhecidas pelos produtores rurais, não só pelas obrigações impostas pela (Dissertação de Mestrado em Economia
apesar de fundamentais para a produtivi- lei, mas também por políticas de incen- Aplicada.) Escola Superior de Agricultura
“Luiz de Queiroz”. Universidade de São Paulo:
dade de suas culturas de interesse. tivo à regularização ambiental e ao uso
Piracicaba, 2011.

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