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Soja grão para vacas

O Brasil é um grande produtor mundial de soja. Seu farelo, resultante da extração


do óleo, é talvez a principal fonte de proteína na alimentação animal. Além do farelo,
há muito se sabe, e os estudos comprovam, que os grãos de soja moídos se
constituem numa ótima fonte protéica e energética para ruminantes. No entanto,
não são utilizados em nosso meio de forma freqüente.

O grão integral de soja (90% de matéria seca), contém cerca de 38% de proteína
bruta, 82% de NDT, 17% de extrato etéreo (gordura) e 8,9% de fibra detergente ácido
(FDA). Uma comparação dos grãos com outros subprodutos da soja pode ser vista
na tabela 1.

Tabela 1: Composição bromatológica da soja e seus subprodutos

1
PB = proteína bruta;
2
Bypass = % proteína bruta que escapa degradação no rúmen
3
NDT = nutrientes digestíveis totais;
4
EE = extrato etéreo;
5
FDA = fibra detergente ácido

Talvez a impopularidade da soja grão crua se deva à presença do fator


antitripsínico, que inibe a ação da enzima tripsina, além da lipase, que pode
contribuir para a rancificação de sua gordura e também de uma enzima chamada
urease que, em contato com a uréia, a converte em amônia, liberando seu cheiro
característico. Em função disso, a soja grão crua não é indicada para animais não
ruminantes (aves, suínos), o que contribui para que seu uso seja menos divulgado.

No caso de ruminantes, como o gado leiteiro, não existem grandes restrições. Só é


recomendável que não se utilize uréia em rações com grãos de soja cru. O
aquecimento (tostagem) dos grãos destrói a urease e inativa a lipase, o que
aumenta o tempo de estocagem dos grãos, além de aumentar consideravelmente
seu teor de proteína bypass, o que pode se tornar um diferencial positivo deste
produto, especialmente quando se trata de animais de alto potencial de produção.

Um grande número de estudos, conduzidos ao longo de muitos anos, tem


comparado o valor nutritivo dos grão integrais crus e tostados, com o farelo de
soja. Alguns resultados serão mostrados abaixo.

Num estudo foram comparadas 3 dietas, contendo respectivamente farelo de soja,


soja em grãos crua ou tostada. A forragem consistia de silagem de milho à vontade,
além de 2,5 kg de feno de alfafa. O concentrado balanceado com os diferentes tipos
de soja foi oferecido na proporção de 1 kg para cada 3 litros de leite. As vacas
consumiram cerca de 16 kg de silagem e 2,3 kg de soja diariamente. A produção de
leite e gordura foi similar entre os tratamentos (tabela 2), não tendo sido afetada
pela solubilidade da proteína ou pelo teor de gordura das dietas.

Tabela 2: Comparação entre o farelo e os grãos de soja crus ou tostados

Em outro trabalho, que comparou os grãos de soja crus ou tostados com o farelo de
soja, os grãos foram moídos antes do fornecimento. O volumoso da dieta era o feno
de alfafa, fornecido na proporção de 35% de uma dieta que continha outros 65% de
concentrado. O concentrado era composto de 82-85% de milho moído, minerais e
vitaminas, além da soja nas diferentes formas. Os grãos de soja foram consumidos
na quantidade de 2,3 a 2,7 kg/dia. Os resultados podem ser vistos na tabela 3.

Tabela 3: Comparação entre o farelo e os grãos de soja crus ou tostados

A única explicação para a menor produção de leite e porcentagem de gordura com o


uso do grão cru parece ser a menor ingestão de matéria seca (talvez algum
problema de rancificação da gordura).

Segundo Harris Jr., 1990, vários estudos foram realizados comparando os grãos de
soja tostados ou crus, com o farelo de soja. Os resultados obtidos são
inconsistentes e parecem variar em função do volumoso, estágio de lactação e
idade das vacas. Ele afirma que, embora não se saiba exatamente as razões destas
variações, algumas diretrizes para o uso dos grãos podem ser traçadas:

1) Os grãos tostados têm mais proteína "bypass" e portanto tendem a apresentar


melhor resultado em vacas de alta produção em início de lactação.
2) Grãos extrusados fornecidos em grande quantidade (5,5 a 6,8 kg/vaca/dia) podem
causar grande depressão no teor de gordura do leite. Valores inferiores 2 a 2,5 kg
devem ser fornecidos na maioria das situações.

3) A maioria dos estudos não demonstra qualquer vantagem real no uso dos grãos
tostados em relação aos grãos crus quebrados. Ambos parecem apresentar
resultados semelhantes também ao farelo de soja.

4) Os grãos devem ser grosseiramente quebrados para melhorar seu


aproveitamento. Este processamento deve ser freqüente (diário?) para que se evite
a rancificação da gordura. A mistura dos grãos com milho ou algum outro tipo de
alimento impede que os grãos "grudem".

5) Não use grãos de soja cru em dietas contendo uréia devido à presença da urease.

6) Inicie o fornecimento gradualmente para evitar queda de consumo.

Fonte: Milkpoint/Rehagro

Óleo em dietas de bovinos leiteiros

A inclusão de gordura na dieta de vacas em lactação tem sido um assunto de maior


ênfase nos últimos meses. A subida do dólar elevou o preço da soja em grão, uma boa
fonte de óleo para bovinos, e induziu aumento de preço e redução da oferta de caroço de
algodão, fazendo com que fontes de gordura inerte no rúmen tivessem uso maior que o
rotineiro. Esta situação foi mais marcada no final do ano passado, mas existem reflexos e
expansões atuais.

O valor energético de lípides é em torno do dobro do valor de carboidratos. Com baixo


preço de amido nesta época de colheita de milho e com alto preço de grãos ricos em óleo,
a eficiência financeira da suplementação lipídica é questionável se o enfoque for
unicamente energético. Apesar da comparação financeira direta entre o custo por unidade
de energia oriunda de gordura ou de carboidratos ser necessária, esta não é suficiente
para definir a opção alimentar. Manter um certo nível de suplementação de gordura tem
vantagens nutricionais que podem ser consideradas.

A imperfeição no metabolismo de nutrientes no rúmen e no corpo do animal resulta na


produção de calor. Este subproduto do metabolismo precisa ser dissipado. Animais
homotérmicos mantêm balanço entre o calor produzido e o calor perdido/ganho para o
ambiente. Quanto maior a produção de leite e maior o consumo de alimentos, maior o
metabolismo de nutrientes e maior a produção e a necessidade de dissipar calor. Calor flui
onde existe diferença de temperatura. Em altas temperaturas ambientais a dissipação do
calor corporal é dificultada. Os fatos acima justificam porque vacas com alta produção são
mais propensas a stress calórico nos meses quentes do ano, comparativamente a vacas
menos produtivas e em climas mais amenos. O sintoma imediato do stress calórico é a
redução no consumo de matéria seca, uma maneira de reduzir a produção de calor
metabólico. No entanto, sem consumo de alimentos não existe substrato para a glândula
mamária, e a queda na produção de leite é inevitável.

A gordura é um nutriente que produz pouco calor por unidade de energia consumida. O
catabolismo de lípides no rúmen é praticamente nulo, não resultando na produção de
calor de fermentação. Os microorganismos ruminais apenas saturam a gordura dietética,
uma maneira de se auto-protegerem da toxidez dos lípides insaturados. A inexistência de
catabolismo lipídico no rúmen pode ser explorada em sistemas de produção de leite.
Gordura é uma maneira de fornecer energia para o animal sem sobrecarregar o corpo
com calor, por isto gordura é de longa data parte integrante de programas alimentares
para vacas leiteiras sujeitas a stress calórico.

O não catabolismo da gordura no rúmen tem outras vantagens. Um produto do


metabolismo anaeróbio de carboidratos no rúmen são os ácidos graxos voláteis. Excesso
de carboidratos de degradação rápida pode levar ao acúmulo excessivo de ácidos no
ambiente ruminal, levando ao que chamamos acidose. Sintomas de acidose subclínica
seriam: baixo teor de gordura no leite, maior incidência de animais com distúrbios nos
locomotores e de distúrbios digestivos ligados à baixa motilidade ruminal, consumo de
matéria seca baixo e variável e baixa produção de leite. Em vacas de alta produção com
alta demanda energética, lípides seriam uma maneira de suplementar energia sem os
efeitos indesejáveis do alto aporte de carboidratos de degradação rápida no rúmen.

A utilização de alimentos ricos em óleo também é interessante quando a forrageira


disponível é de baixa energia (rica em fibra). Nestes casos, a obtenção de dietas com alto
conteúdo energético requer a inclusão de alta proporção de alimentos concentrados na
dieta. Alimentos ricos em óleo podem reduzir a necessidade de alimentos concentrados
por litro de leite produzido, potencialmente capaz de aumentar o lucro/vaca/dia. Grãos
ricos em óleo também são normalmente ricos em proteína, o que também pode reduzir a
compra de concentrados protéicos. Obviamente que as características da proteína em
cada fonte deve ser considerada no balanceamento das dietas, visando uma substituição
o mais isonutricional possível.

Outro fator na utilização de gordura seria a capacidade deste nutriente de causar redução
no número de protozoários no ambiente ruminal (defaunação). Protozoários são
predadores de bactérias e diminuem a síntese de proteína microbiana por unidade matéria
orgânica fermentada no rúmen. A síntese de proteína microbiana define o aporte de
aminoácidos no intestino e na glândula mamária, tendo implicações produtivas
importantes. Dietas à base de cana-de-açúcar são sabidamente indutoras do crescimento
de protozoários no rúmen. Sementes de oleaginosas, além de servirem como suplemento
protéico em dietas à base de cana, também podem ter um papel defaunador desejável em
dietas baseadas nesta forrageira.
A produção de soja em grão integral pode ser agronomicamente interessante. A soja é
boa opção para rotação de culturas nas áreas normalmente cultivadas com milho. Como
ruminantes podem consumir soja integral não tostada, pois os fatores protéicos
antinutricionais deste alimento são majoritariamente degradados pelos microorganismos
ruminais, a utilização do grão cru moído grosseiramente é viável em fazendas leiteiras. A
tostagem do grão aumenta a proporção de proteína não degradável neste alimento e
elimina a necessidade de moagem, no entanto os custos de tostagem devem ser
considerados.

Lípides parecem ter efeito positivo sobre a eficiência reprodutiva de rebanhos leiteiros. Em
11 de 20 experimentos ocorreu ganho na taxa de concepção ao primeiro serviço ou na
taxa de concepção (Staples et al. 1998. J. Dairy Sci. 81: 856-871). O mecanismo de ação
pode ser multifatorial e possivelmente envolve ações sobre o balanço energético no início
da lactação, sobre a concentração de progesterona plasmática e parece envolver o efeito
do ácido linoléico sobre a síntese de prostaglandina e a regressão do corpo lúteo.

A suplementação com gordura pode ter implicações nutricionais desejáveis não


mensuráveis em um balanceamento de dietas baseado apenas em custo mínimo. Estes
efeitos devem ser considerados quando se opta pela introdução de gordura em
determinado sistema de produção de leite. A utilização de alimentos ricos em óleo deve se
feita a longo prazo, pois vários dos efeitos benéficos deste nutriente não são observáveis
agudamente, principalmente aqueles ligados à eficiência reprodutiva e à condição corporal
dos animais. A suplementação com gordura requer o conhecimento das fontes, de
possíveis processamentos alimentares e de teores dietéticos compatíveis com a boa
digestão.

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