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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - PLANEJAMENTO E GESTÃO DO

TERRITÓRIO

Protagonismo dos movimentos de moradia no centro de São


Paulo: trajetória, lutas e influencias nas políticas habitacionais.

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ALUNO BENEDITO ROBERTO BARBOSA


ORIENTADOR DR. FRANCISCO DE ASSIS COMARÚ

Novembro, 2014
2

BENEDITO ROBERTO BARBOSA

Protagonismo dos movimentos de moradia no centro de São Paulo:


trajetória, lutas e influencias nas políticas habitacionais o

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Planejamento e Gestão
do Território na Universidade Federal do
ABC, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Planejamento e
Gestão do Território.

Área de concentração: Políticas e


instrumentos de planejamento e gestão do
território

Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis


Comarú

Santo André, Novembro 2014


3

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

BARBOSA, Roberto Benedito,

Protagonismo dos movimentos de moradia no centro de São Paulo: trajetória,


lutas e influencias nas políticas habitacionais - Santo André: Universidade Federal do
ABC, 2014.

Orientador: Francisco de Assis Comarú


Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do ABC.
4

BENEDITO ROBERTO BARBOSA

Protagonismo dos movimentos de moradia no centro de São Paulo:


trajetória, lutas e influencias nas políticas habitacionais.

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Planejamento e Gestão
do Território na Universidade Federal do
ABC para obtenção do título de Mestre em
Planejamento e Gestão do Território.

Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis


Comarú

Dissertação defendida e aprovada em 24 de novembro de 2014 pela Comissão


Examinadora constituída dos seguintes professores:

Prof. Dr. Francisco de Assis Comarú


Orientador da Dissertação e Presidente da Comissão Examinadora
Universidade Federal do ABC

Prof. Dr. Joel Pereira Felipe


Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB

___________________________________________________________________
_
Prof. Dr. Ricardo de Sousa Moretti
Universidade Federal do ABC

___________________________________________________________________
_
Prof. Dra. Silvana Maria Zioni (suplente)
Universidade Federal do ABC

Prof. Dr. Luiz Tokuzi Kohara (suplente)


CGGDH / USP Agradecimentos
5

Agradecimentos
Difícil encontrar palavras para escrever estas linhas, mais fácil quem sabe, seria falar,
mesmo assim, seria difícil não chorar, quase impossível elencar todas as pessoas que
ajudaram e incentivaram a chegar neste momento, por isso corro o risco de ser injusto. Por
favor, não se aborreçam, apenas sintam e curtam comigo a emoção deste momento.

Lembro-me de meu pai, seu Norbertino e de minha mãe, Dona Albertina, foram eles que me
deram a vida e me deram tudo, lembro de todos meus irmãos; Bia, Zé Paulo, Donizete,
Marquinho e Márcia e também de minhas cunhadas/os, Maura, Zé, Marta e Rosa; todos
meus sobrinhos, em especial, a Valentina, que vai chegar, tenho todos em cada cantinho
de meu coração. A minha sogra Dona Anginha, meus cunhados/as do lado de cá:
Chaguinha, Célia, e Ângela, e as minhas lindas sobrinhas que são as flores de meu jardim,
obrigado por tudo.

À minha esposa Marluci, que eu amo demais, a meus filhos Filipe e Lucas, de quem tenho
grande orgulho. Adoro ver carinho e o cuidado deles para com pessoas mais velhas. Todos
me apoiaram demais nesta jornada. Marluci foi especial, não desistiu de mim nunca, sempre
me apoiou e incentivou, para que eu chegasse até aqui.

Deixo um abraço aos meus colegas de sala, aos professores, e funcionários da UFABC.
Agradeço do fundo do meu coração aquelas pessoas que se dispuseram a me ajudar e de
maneira singela, especialmente, Michelly, Talita Gonsales, e Rodrigo. Agradeço também, a
professora Ermínia Maricato e o professor Kazuo Nakano, durante este período pudemos
conversar e trocar impressões. Muito obrigado!

Agradeço ao meu orientador, amigo e Professor Francisco Comaru, que com sabedoria e
paciência, colocou luzes para que eu pudesse trilhar caminhos que não tinha certeza se
conseguira percorrer. Aos amigos de várias lutas Professor Joel, ao Professor, Professor
Ricardo Moretti e Professora Silvana Zioni, que sempre me incentivaram, obrigado por
aceitarem estar na banca deste velho militante. Agradeço especialmente meu irmão e
mestre, Professor Luiz Kohara e sua esposa Carmela, sem o seu apoio seria impossível
cruzar esta linha de chegada..

Finalmente, agradeço a todos meus amigos/as do Movimento de Moradia da Região


Sudeste, Central de Movimentos Populares, União dos Movimentos de Moradia, Frente de
Luta Pela Moradia, do Movimento de Moradia para Todos, Unificação das Lutas de Cortiços,
Coletivo Perifatividade, e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, vocês me inspiram
todos os dias a continuar lutando por um mundo melhor e por uma cidade justa e inclusiva.
6

RESUMO

A pesquisa analisa a luta e trajetória dos movimentos de moradia no centro de


São Paulo, os desafios, avanços, recuos e o protagonismo que estes atores
exerceram na pauta da moradia na região central, entre anos 1990 e 2014, período
em que dezenas de grupos de Sem Teto passaram a demandar das instituições o
direito de morar no centro da cidade, onde há infraestrutura consolidada e a
possibilidade de acesso a serviços públicos.
Verificou-se que os movimentos de moradia por meio de suas lideranças e
grupos de base vêm atuando em diferentes estratégias: atividades de formação,
participação em atos públicos, ocupação de edifícios vazios, participação em
espaços institucionais como comissões, fóruns, conselhos e outras instâncias
setoriais de democracia direta. As estratégias, lutas e mobilizações pela moradia no
centro de São Paulo colocaram luz sobre as mazelas, contradições e omissões dos
poderes executivo, judiciário e legislativo, que historicamente se associaram ao setor
privado para impedir que os pobres tivessem acesso à terra.
O trabalho demonstra como as lutas dos Sem Teto do centro de São Paulo,
num processo sistemático e pedagógico de confronto com o capital imobiliário e
poder público, têm ocupado a cena urbana, influenciaram as políticas públicas de
habitação e estabeleceram uma nova agenda em torno do direito à cidade e da
reforma urbana.

Palavras chave: movimento de moradia; região central de São Paulo; estratégias de


luta; direito à cidade; reforma urbana.
7

ABSTRACT

This research analyzes the struggle and trajectory of the housing social
movement in downtown São Paulo, as well as the challenges, advances, retreats and
the protagonist role that these actors exerted on the agenda of housing in the central
region, between 1990 and 2014, during which dozens of groups the homeless began
to demand from state institutions the right to live in the city center, where there is a
consolidated infrastructure and the possibility of access to public services.
It was found that the housing movements through their leaderships and
grassroots groups have been working on different strategies: formation activities,
participation in public events, occupying empty buildings, participation in institutional
spaces such as commissions, boards, councils and other bodies sectoral activities of
direct democracy. Strategies, struggles and mobilizations for housing in downtown
Sao Paulo have put light on the ills, contradictions and omissions of the executive,
judicial and legislative powers, which historically joined the private sector to prevent
that the poor had access to land.
This work demonstrates how the struggles of the homeless in downtown São
Paulo, in a systematic process of pedagogical confrontation with the real estate
capital and with the government, have occupied the urban scene, influencing public
housing policies and established a new agenda around the right to the city and urban
reform.

Keywords: housing movement; central region of São Paulo; struggle strategies;


Right to the City; urban reform.
8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Distritos do centro onde se concentram em maior intensidade a luta dos


Movimentos Sem Teto. .............................................................................................. 15
Figura 2:Dinâmicas demográficas entre 1980 e 2010. .............................................. 17
Figura 3:Renda per capita por família. ...................................................................... 18
Figura 4:Tipo de contrato. ......................................................................................... 19
Figura 5: Tempo de locomoção entre a moradia e o trabalho. .................................. 20
Figura 6: Forma de locomoção para o trabalho. ........................................................ 20
Figura 7: Quadro ilustrativo explicativo da ramificação dos movimentos de moradia
do centro de São Paulo. ............................................................................................ 24
Figura 8: Ocupações dos movimentos de moradia nos distritos centrais (1997 –
2005). ........................................................................................................................ 25
Figura 9: Foto do Bairro Parada de Taipas Zona Norte de São Paulo – Região
atingida pelo trecho norte do Rodoanel. .................................................................... 29
Figura 10: Foto de móveis de familias que sofreram reintegração de posse
colocados em protesto na porto do Fórum João Mendes no Centro de São Paulo. . 32
Figura 11: Comunidade Águas Espraiadas: famílias removidas da Comunidade do
Comando e Buraco Quente para realização de obras do Monotrilho Linha 17 Ouro
do Metrô. ................................................................................................................... 34
Figura 12: Material Informativo Comitê Popular da Copa de São Paulo. .................. 35
Figura 13: Manifestação popular dos Movimentos sociais durantes a Copa do
Mundo, Ato do Comitê Popular da Copa dia 15 de maio de 2014. ............................ 36
Figura 14: Jornal O Trecheiro: Rede Rua de Comunicação -Jornal informativo que
fez forte oposição ao Projeto Nova Luz, e atua em defesa da população em
situação de Rua. ....................................................................................................... 38
Figura 15: Favela Ponta da Praia. ............................................................................. 40
Figura 16: Distribuição da população brasileira rural e urbana. ................................ 41
Figura 17: Comunidade Recanto da Alegria no extremo Sul de Paulo – Região do
Grajaú – Comunidade Removida pela Prefeitura de São Paulo................................ 46
Figura 18: Notícia do jornal "O Estado de S. Paulo" do dia 10 de setembro de 2008.
.................................................................................................................................. 51
Figura 19: Notícia do jornal "O Estado de S. Paulo" do dia 10 de setembro de 2008.
9

.................................................................................................................................. 51
Figura 20: Movimentos MUF ou MDF. ....................................................................... 53
Figura 21: Celebração do Movimento de Defesa do Favelado - MDF. ..................... 53
Figura 22: Favela de Heliópolis, a maior de São Paulo............................................. 55
Figura 23: Cortiço da Av. Celso Garcia. Vista superior dos imóveis desapropriados
para o projeto do Mutirão do Casarão. ...................................................................... 56
Figura 24: Foto da posse da prefeita Luiza Erundina em janeiro de 1989. ............... 57
Figura 25: Panfleto de divulgação da Caravana Nacional para Brasília organizada
pela União do Movimentos de Moradia. .................................................................... 59
Figura 26: panfleto da convocação da 1ª Assembléia de Cortiços de São Paulo. .... 60
Figura 27: Noticia na Folha de São Paulo sobre articulação da CMP e MST em apoio
a luta dos movimentos sem teto em São Paulo e demais cidades do país. .............. 62
Figura 28: Calçadão da Rua 15 de Novembro Centro de São Paulo. ....................... 63
Figura 29: Foto de Ocupação da Frente de Luta por Moradia na Av. São João, 345.
.................................................................................................................................. 64
Figura 30: Manifestação de denúncia da impunidade em relação ao massacre da
população de rua em 2014. ....................................................................................... 65
Figura 31: Foto de manifestação do Movimento Nacional da População de Rua em
São Paulo. ................................................................................................................. 66
Figura 32: Jornal da Associação Viva Centro que apresenta uma posição
conservadora sobre o território do Centro na perspectiva da valorização imobiliária e
de território controlado e vigiado. .............................................................................. 69
Figura 33: Fotos do avanço da especulação imobiliária no centro de São Paulo. .... 70
Figura 34: FLM: Unificação de Lutas de Cortiços e Frente de Luta por Moradia
(FLM), coletivo de movimentos de sem-teto de São Paulo, ocuparam mais 21
prédios abandonados em novembro de 2011 (28/10/2012). ..................................... 71
Figura 35: Manifestação dos Movimentos de Luta pela Moradia por Habitação no
Centro de São Paulo. ................................................................................................ 72
Figura 36: Prédio abandonado e lacrado da Rua Asdrúbal do Nascimento –
transformado em Locação Social (2006). .................................................................. 72
Figura 37: Manchete do jornal Estado de S. Paulo , sobre a Conquista do
Empreendimento Habitacional da Avenida Ipiranga pela Unificação das Lutas dos
Cortiços. .................................................................................................................... 76
Figura 38: Interior do Prédio da Avenida Ipiranga. .................................................... 76
10

Figura 39: Perímetro de intervenção do PAC/BID no centro e centro expandido de


São Paulo. ................................................................................................................. 77
Figura 40: Reportagem da Folha de São Paulo, sobre o compromisso do prefeito
com a desapropriação de imóveis na região central. ................................................ 78
Figura 41: Notícia da FSP sobre o projeto de requalificação do Hotel São Paulo. .... 90
Figura 42: Reportagem da FSP que trata de ocupações do Sem Teto no centro São
Paulo no ano de 2002. .............................................................................................. 94
Figura 43: Reportagem da FSP (1997) artigo de opinião na Folha de São Paulo,
tratando desta tensão entre o setor imobiliário e os Movimentos Sem Teto em São
Paulo. ........................................................................................................................ 95
Figura 44: Reportagem do “Estado de São Paulo” que relata o cotidiano da
Ocupação da Rua Marconi, no centro de São Paulo e foto da ocupação organizada
pelo Movimento de Moradia Para Todos. ................................................................ 106
Figura 45: Enfretamento dos Moradores do Hotel Aquarius, 601, no centro de São
Paulo, no dia 16 de Setembro de 2014 contra a reintegração de posse. ................ 108

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Regiões do MSP – População total – 1980, 1991, 2000 e 2010. ............... 16
Tabela 2: População das 15 maiores regiões metropolitanas do Brasil. ................... 42
Tabela 3: Conquistas, desafios e atores. ................................................................... 79
Tabela 4: Empreendimentos de Programas da Prefeitura de São Paulo. ................. 82
Tabela 5: Empreendimentos do Programa PAC BID CDHU. ..................................... 83
Tabela 6: Empreendimentos com pendência e obras não iniciadas do Programa PAC
BID CDHU. ................................................................................................................ 84
Tabela 7: Empreendimentos viabilizados por Programas do Governo Federal. ........ 84
Tabela 8: Síntese da produção de HIS de todos os entes federativos nos últimos 25
anos na região central de São Paulo. ....................................................................... 85
11

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ATRM Associação dos Trabalhadores da região da Mooca


AVC Associação Viva Centro
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNH Banco nacional da Habitação
CDHU Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
CEF Caixa Econômica Federal
CMP Central de Movimentos Populares
COHAB Companhia Metropolitana de Habitação
CONAM Confederação Nacional das Associações Moradores
COOPAMARE Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Aparas e
Materiais Recicláveis
COOPERE-CENTRO Cooperativa dos Catadores Autônomos de Materiais
Reaproveitáveis
CUEM Concessão Especial para Fins de Moradia
CUT Central Única dos Trabalhadores
FAR Fundo de Arrendamento Residencial
FCV Fórum Centro Vivo
FDS Fundo de Desenvolvimento Social
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIPE Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
FLM Frente de Luta Pela Moradia
FMH Fundo Municipal de Habitação
FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
FNRU Fórum Nacional de Reforma Urbana
FSP Folha de São Paulo
FUNAPS Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitações
Subnormais
GARMIC Grupo de Articulação da Moradia para os idosos da Capital
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
12

MDF Movimento de Defesa do Favelado


MMC Movimento de Moradia do Centro
MMRC Movimento de Moradia da Região Centro
MNLM Movimento Nacional de Luta pela Moradia
MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
MSTC Movimento Sem Teto do Centro
MRU Movimento da Reforma Urbana
MUC Movimento Unificado de Cortiços
MUF Movimento Unificado de Favelas
PAC Programa de Atuação em Cortiços
PAC Programa de Aceleração de Crescimento
PACs Instituto de Politicas Alternativas para o Cone Sul
PAR Programa de Arrendamento Residencial
PM Policia Militar
PMCMV Programa Minha Casa, Minha Vida
RECIFRAN Serviço Franciscano de Apoio a Reciclagem
RFFSA Rede Ferroviária Federal
SPU Secretaria Nacional do Patrimônio da União
UFABC Universidade Federal do ABC
UFSB Universidade Federal do Sul da Bahia
ULCM Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia
UMM União dos Movimentos de Moradia de São paulo
USP Universidade de São Paulo
13

SUMÁRIO
1. Introdução 14
1.1 Objetivos 21
1.2 Metodologia 22
1.3 Raízes da luta dos movimentos de moradia pelo
direito ao centro 23
2. Elementos do contexto urbano brasileiro: aspectos do
processo de urbanização no Brasil 28
2.1 Cidades: entre o velho e novo higienismo 31
2.2 Metrópoles espraiadas e o inchaço das periferias 39
3. Limites dos instrumentos da política urbana frente aos
avanços do capital imobiliário no território 47
3.1 Conquistando territórios consolidados: o longo
caminho da periferia ao centro 51
4. A luta recente pela moradia no centro de São Paulo: mobilização
da população por um lugar para viver e trabalhar 63
4.1 O direito de morar no centro associado à conquista
de novos instrumentos da política urbana 73
4.2 Política de habitação nas áreas centrais: limites e desafios na perspectiva do
direito a cidade e da reforma urbana 86
4.3 Por dentro da Agenda Neoliberal: avanços e refluxos na luta pela moradia no
centro de São Paulo 90
4.4 Lutas e limites do Fundo Nacional de Habitação
de Interesse Social na pauta dos centros urbanos 98
4.5 Da construção coletiva do Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades
à baixa escala da produção habitacional nos centros urbanos 100

5. Conclusões - cidadania insurgente, cidadania transgressiva


e a pedagogia do confronto: diálogos e complementaridades 104
6. Referências Bibliográficas 110
Anexo 1 – Entrevista com Ermínia Maricato 118
Anexo 2 – Entrevista com Kazuo Nakano 123
Anexo 3 – Boletim da União Nacional por Moradia Popular
relativo a imóveis do governo federal destinados para HIS 139
14

1. Introdução

Partimos da constatação dos gravíssimos problemas de habitação na cidade


de São Paulo e das contradições geradas pela grande concentração de terra
urbanizada nas mãos de um número reduzido de proprietários, do grande número de
imóveis vagos ou subutilizados no chamado centro histórico e expandido, bem
como, da grande concentração de cortiços e pessoas sem-teto desta região da
cidade.

“As áreas urbanas centrais são referência para a população por serem, ou
terem sido, núcleos de convergência de fluxos, atividades múltiplas ou
especializadas, que polarizam a oferta de serviços e empregos da região.
De modo geral, a idéia mais difundida de área urbana central coincide com
a idéia de centro tradicional, que corresponde ao local onde se
desenvolveram grande parte das atividades produtivas econômicas da
cidade ao longo de sua história. “(BRASIL, 2013).1

Na década de 1980, com o acúmulo de perdas salariais e o rebaixamento das


condições habitacionais, os trabalhadores de baixa renda, sofrendo ações de
despejos por não conseguirem pagar os aluguéis, se mobilizaram para reivindicar do
Estado o direito ao acesso a terra com infraestrutura e a habitação adequada. Para
pressionar o Estado, as várias organizações comunitárias, nas várias regiões da
cidade, iniciam ocupações coletivas de glebas reivindicando a terra. (FELIPE, 1997).

1
Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/132861860/6-TC-As-Areas-Urbanas-Centrais-e-a-Dinamica-
Do-Municipio-Atualizado#scribd , Ministério das Cidades:
http://www.capacidades.gov.br/evento/131/1%C2%BA+Curso+a+distancia+de+autoinstrucao+-
+Reabilitacao+Urbana+com+foco+em+Areas+Centrais
15

Figura 1: Distritos do centro onde se concentram em maior intensidade a luta


dos Movimentos Sem Teto.

Fonte: PMSP/Infocidade crescimento populacional (1991-2000); IBGE/Censo 2010.

Por seu turno, os movimentos de moradia e os estudiosos da questão urbana,


começavam a questionar as políticas habitacionais e de desenvolvimento urbano
que contribuíam para o “inchaço” das distantes periferias contribuindo para que a
cidade fosse se tornando cada vez mais insustentável do ponto de vista social,
econômico e da mobilidade, enquanto os bairros centrais com boa infraestrutura
urbana perdiam população e se degradavam do ponto de vista físico e ambiental.
Em termos territoriais, para fins deste trabalho, o centro é representado pelos
distritos da Sé e República, conhecidos como Centro Histórico, e mais oitos distritos:
Bela Vista, Brás, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, Pari e Santa Cecília.
Os distritos do Brás, Pari e Belém, pertencem à Subprefeitura da Mooca e os outros
à Subprefeitura da Sé.
Conforme Kohara (2013), “Em 2010, o Centro possuía 477.670 habitantes,
que representava 4,2% da população da cidade, ocupando 32,6 km²,
correspondendo a 2,1% do território da cidade” (KOHARA, 2013, p.17).
Outro elemento a considerar nesta análise, refere-se à gradativa mudança do
perfil da população destes distritos entre a início da década 1990 e meados da
década de 2000, com um crescente processo de envelhecimento associado a um
16

flagrante esvaziamento do território deixando uma enorme quantidade de edifícios


vazios ou semi-abandonados, e, conforme o censo de 2010, apontando para uma
significativa mudança deste cenário, com um ganho de população em alguns
distritos, já partir da década de 2000, mesmo com o município crescendo menos e
em menor ritmo, como pode-se notar pela leitura da Tabela 1.
No processo das lutas sociais na cidade de São Paulo as organizações
populares avançaram no entendimento de que a falta da habitação adequada está
diretamente relacionada ao modelo de desenvolvimento econômico e urbano.
Portanto, deliberou-se que, para conquistar melhorias nas condições habitacionais
era necessário pautar esta questão, o que os levou a ampliação das bandeiras de
lutas para as áreas que permeiam o planejamento urbano.

“No plano da gestão da cidade, o surgimento de novos atores históricos,


põe a perspectiva de trabalho do movimento popular no sentido de
construção do novo urbano, fundado não nos critérios do status, lucro e na
lógica do custo-benefício” (GHON, 1991, p. 168).

Tabela 1: Regiões do MSP – População total – 1980, 1991, 2000 e 2010.


Variação Variação
Regiões Pop. total Pop. total Pop. total Pop. total Variação
1991- 2000-
do MSP 1980 1991 2000 2010 1980-1991
2000 2010
Centro 591.769 513.512 412.185 477.670 -78.257 -101.327 65.485
Leste 1 1.564.754 1.580.003 1.534.572 1.570.890 15.249 -45.431 36.318
Leste 2 1.247.239 1.830.559 2.260.800 2.380.783 583.320 430.241 119.983
Norte 1 882.213 905.917 887.140 914.395 23.704 -18.777 27.255
Norte 2 906.210 1.041.518 1.205.220 1.300.259 135.308 163.702 95.039
Oeste 983.455 1.002.489 920.806 1.023.486 19.034 -81.683 102.680
Sul 1 945.783 974.276 956.366 1.032.216 28.493 -17.910 75.850
Sul 2 1.371.805 1.797.911 2.255.452 2.553.804 426.106 457.541 298.352
Total
8.493.228 9.646.185 10.432.541 11.253.503 1.152.957 786.356 820.962
MSP
Fontes: Censos Demográficos IBGE, 1980, 1991, 2000 e 2010.

Observa-se que do total da população do centro houve uma queda entre os


anos 1980 e 1991 e entre 1991 e 2000, com uma ligeira recuperação em 2010.
Conforme ilustra a figura 2 há uma dinâmica considerável da expansão urbana em
relação aos distritos de São Paulo.

Apesar desta tendência de recuperação, nota-se que em números absolutos a


17

população de 2010 ainda está bem abaixo dos anos 1980. Alguns autores
relacionam a dinâmica dos processos demográficos e de “degradação” com o baixo
grau de efetividade do planejamento urbano.

“Outro aspecto importante relacionado a este debate refere-se à


interpretação já relativamente difundida do papel extremamente limitado
que o planejamento urbano teve na organização da cidade como um todo
e de seus territórios, corroborando muito pouco com melhorias das
condições de vida das comunidades periféricas e outras regiões precárias
da cidade” (VILLAÇA, 1999).

Conforme Maricato (2001), na prática, nota-se que apenas nas regiões mais
ricas da cidade as leis de uso e ocupação do solo e a fiscalização funcionam. As
periferias e territórios ocupados pela população de baixa renda e regiões onde o
mercado imobiliário não tem interesse de atuar ficam à mercê dos expedientes da
autoconstrução e dos processos de precariedade urbana.

Figura 2: Dinâmicas demográficas entre 1980 e 2010.

Desde o final do século, início do século XX a população de baixa renda que


busca residir em áreas bem localizadas, próximo do trabalho e dos serviços
públicos, tem tido como uma das únicas alternativas morar nos cortiços, em
condições muito precárias, e submetidas aos processos de exploração e à ação de
intermediários que cobram valores altíssimos por essas moradias (KOHARA, 2012).
18

Figura 3: Renda per capita por família em (cortiços)

Fonte: Kohara, 2013, p. 105

Em pesquisa recente junto a 70 cortiços da região do Bom Retiro, Kohara


(2013) concluiu que os moradores dos cortiços pagam aluguéis que variam de R$
170,00 a R$ 850,00 e em média, R$ 367,00 na época.

Estes valores reforçam teses já defendidas, que os trabalhadores que


residem nos cortiços pagam um preço muito alto pela informalidade, no caso, um
dos valores mais elevados de aluguel por metro quadrado da cidade.

Por outro lado, nota-se, de acordo com dados da mesma pesquisa, que 90%
das famílias recebem renda mensal de 0 até 2 salários mínimos (Figura 3). Boa
parte das famílias são constituídas por trabalhadores de baixa renda que
sobrevivem do trabalho informal e do setor de serviços que exigem baixa
qualificação e proporcionam baixa remuneração.

A pesquisa de Kohara (2013) também mostra que a relação locatícia é regida


também pela informalidade e pela precariedade contratual, gerando muita
insegurança para as famílias que vivem nos cortiços.

Nota-se que apesar da significativa melhoria da renda dos trabalhadores nos


últimos anos, a informalidade na relação locatícia, entre 1998 e 2011, se manteve
praticamente constante nestas localidades. Kohara afirma que cerca de 72% dos
19

contratos firmados entre locador e locatário se dá de maneira verbal e apenas 28%


dos contratos são por escrito.

Figura 4: Tipo de contrato (cortiços).

Fonte: Kohara, 2013, p.113

Mesmo residindo de forma precária nessas moradias, a população parece


preferir se submeter a essas condições, considerando especialmente a proximidade
de seu local de trabalho ou mesmo a facilidade do acesso ao transporte publico.

Trabalha-se assim com a hipótese de que a relação “moradia-trabalho-renda”


constitui-se num tripé fundamental na vida deste grupo de pessoas. Note-se que o
valor fundamental aqui parece ser a proximidade do trabalho (e a mobilidade e
tempo de deslocamento), em detrimento da qualidade ou do custo da habitação.

Pela Figura 5 nota-se que mais de 85% deste grupo de baixa renda que mora
em regiões bem localizadas consome de 0 a 30 minutos no tempo de locomoção
entre a moradia e o trabalho, ou seja constata-se, conforme a Figura 6 que grande
parte deste grupo (71%) percorre o trajeto entre moradia e trabalho a pé.
20

Figura 5: Tempo de locomoção entre a moradia e o trabalho (cortiços)

Fonte: Kohara, 2013, p. 131

Figura 6: Forma de locomoção para o trabalho (cortiços)

Fonte: Kohara, 2013, p. 132

Existem poucos dados atualizados sobre o número de moradores nos cortiços em


São Paulo e o atual plano Municipal de Habitação de São Paulo também não
realizou este levantamento.
21

Um dos estudos mais abrangentes que se tem conhecimento refere-se ao


levantamento da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica da Universidade de
São Paulo (FIPE), em 1994, que estimou em cerca de 600 mil pessoas residindo nos
cortiços, sendo em sua maioria, localizada no centro expandido da cidade. Esse
estudo também destacou que grande parte dos moradores de cortiços comprometia,
na época, mais de 50% do rendimento familiar com o aluguel.

Por outro lado, o Censo do IBGE de 2000 apontava que no centro havia cerca
de 40.000 domicílios vazios.

“o centro, onde residem cerca de 530 mil pessoas, é dotado de toda


infraestrutura urbana e serviços públicos, por onde circulam diariamente
mais de 3 milhões de pessoas, concentra mais de 50% dos espaços
culturais, mais de 25% do trabalho formal disponível na cidade,
destacadamente, no setor de serviços, vem se consolidando como em um
território estratégico para o mercado imobiliário, que nas décadas
anteriores apresentavam interesse de investimentos na
região”.(KOWARICK, 2007, p. 173)

1.1 Objetivos

A pesquisa tem como objetivo geral descrever e analisar a trajetória, as lutas


e a influencia nas políticas publicas habitacionais, dos movimentos de moradia da
região central de São Paulo, no período de 1989 a 2014.

A pesquisa tem como objetivos específicos:

a) Realizar um resgate histórico dos movimentos sociais urbanos de luta por


moradia do centro de SP;

b) Levantar e sistematizar elementos da discussão sobre a disputa pelo território


por diferentes grupos e atores sociais;

c) Breve análise das instâncias de participação dos movimentos de moradia nas


políticas e programas de habitação social;
22

1.2 Metodologia

Para a pesquisa em questão entendeu-se apropriado para os objetivos


específicos, o uso de métodos de análise qualitativa a partir de uma descrição de
cenários, atores, fatos e processos, assim como análise de dados, e posteriormente
interpretação dos mesmos, buscando-se tirar conclusões sobre o seu significado,
lições apreendidas, bem como levantando-se novas questões e hipóteses.

Foi realizado um levantamento e revisão bibliográfica referente aos temas de


habitação social, políticas urbanas, reabilitação e requalificação de áreas centrais,
teoria dos movimentos sociais e legislação urbanística voltada a habitação social,
baseando-se em artigos acadêmicos, livros, teses, dissertações e matérias de
jornais.

Foi realizada uma pesquisa documental relativa a relatórios, cartilhas e outros


documentos dos movimentos de moradia e outras organizações que atuam no
centro de São Paulo, bem como um levantamento e análise em documentos de
órgãos governamentais municipais, estadual e federal, como resoluções, portarias,
decretos e atas de reuniões. Além disso, realizaram-se entrevistas semi-estruturadas
com atores-chave de interesse para a pesquisa.

Por fim, propõe-se para o debate, a ideia-força de pedagogia do confronto,


considerando o protagonismo e os processos de resistência dos movimentos, que se
constituem numa rede de trocas de solidariedade e aprendizados coletivos nos
territórios ocupados e nas atividades de resistência das camadas populares.

Procura-se dialogar com a idéia de cidadania insurgente proposto por Holston


(2013) e a idéia de cidadania transgressiva proposto por Earle (2013), e obviamente
se inspira nas pedagogias propostas por Paulo Freire (FREIRE, 1996).

Após esta introdução, no capítulo 2 faremos uma breve retrospectiva do


processo de urbanização brasileiro.

No capítulo 3 abordaremos os limites na aplicabilidade dos instrumentos de


política urbana frente ao recrudescimento da agenda neoliberal nas cidades.

No capítulo 4 faremos uma análise da luta dos sem-teto considerando suas


23

mobilizações para conquistar a moradia nas áreas centrais e pelo direito a cidade.

Finalmente no capítulo 5 são apresentadas as conclusões, que inclui uma


reflexão sobre os conceitos de cidadania insurgente, cidadania transgressiva e
pedagogia do confronto, no contexto das lutas dos movimentos sociais por moradia
nas áreas centrais.

1.3 Raízes da luta dos movimentos de moradia pelo direito ao centro

Desde o início dos anos 1980, uma parcela significativa da população de


baixa renda que reside nos cortiços passou a se organizar com objetivo de lutar por
moradia digna no centro.

Neste sentido Nathalia Cristina Oliveira em sua Dissertação de Mestrado,


afirma:

“Acreditamos que os movimentos dos sem-teto da década de 90, apesar de


possuírem fortes ligações com os movimentos de moradia da década de 70 e 80,
inovam em alguns aspectos. Essa inovação vem principalmente da forma de ação
radical destes movimentos, a saber, a realização de ocupações de prédios vazios no
centro da cidade denunciando a situação de desigualdade social e o aumento da
especulação imobiliária. Diante do processo crescente de esvaziamento do centro
com milhares de imóveis abandonados, os sem-teto travam uma luta para que haja
um processo de re-ocupação destes imóveis de modo a diminuir o déficit habitacional
na cidade. No entanto, o fato novo é que nos meados dos anos de 1990,
diversos Movimentos Sem Teto começam de forma articulada a denunciar a situação
da falta de moradia, e a ocupar os imóveis vazios, pautando o poder público para a
implementação de políticas habitacionais na região”. (OLIVEIRA, 2010, p.21.)

Neste período, inicio dos anos 1990, surgiram vários movimentos que
passaram de forma intensa a lutar por moradia no centro e interagir com agenda
urbana da cidade com forte impacto sobre estes territórios, dentre eles destacamos:
a Unificação de Luta por Cortiços (ULC) 1991, Fórum dos Cortiços e Sem Teto 1993,
Movimento de Moradia do Centro (MMC) 1997, Movimento dos Sem Teto do Centro
24

(MSTC) 2000, Movimento de Moradia da Região Centro (MMRC) 2003.

Estas, entre outras organizações populares, passaram a enfrentar o desafio


de disputar um território que estava abandonado pelo mercado imobiliário, mas que
cada vez mais tem retomado seu interesse pela região.
Figura 7: Quadro ilustrativo explicativo da ramificação dos movimentos de
moradia do centro de São Paulo.

Fonte: Barros (2003, p. 42).

Esses movimentos, a partir de suas práticas e pressão incidiram sobre alguns


programas habitacionais e legislações, participaram em conselhos de habitação,
atos públicos, ocupações de prédios vazios visando ampliar a visibilidade sobre os
25

graves problemas existentes. Como consequência, considera-se que têm se tornado


um dos atores sociais importantes nas questões do centro da cidade.

Figura 8: Ocupações dos movimentos de moradia nos distritos centrais2


(1997– 2005).

Fonte: Relatório da Pesquisa: Observatório de Uso do Solo


E da Gestão Fundiária do Centro de São Paulo, p. 209, 2006. 3

Desde então, os distritos do centro de São Paulo, têm sido territórios de


intenso conflito, entre o interesse imobiliário e os interesses populares representados
pelos sem teto, catadores de material reciclável, população em situação de rua e
trabalhadores informais, e outras organizações populares.
2
Uma atualização muito parcial das ocupações no centro de São Paulo foi feita por Rafaella Lima no
blog http://citieslikedreams.com/2014/09/25/mapping-contested-space-a-walk-in-downtown-sao-paulo/.
A pesquisa de Neuhold (2009) apresenta um levantamento não espacializado das ocupações realizadas
no centro de São Paulo pelos movimentos de moradia entre 1997 e 2009.
3
Disponível em:
http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/produtos/observatorio_pcentro.pdf
26

Importante destacar que é muito difícil realizar um mapeamento preciso de


todas as ocupações que já ocorreram no centro de São Paulo. Existem dificuldades
metodológicas, considerando o número de ocupações, o número de movimentos
organizados, assim como a existência daqueles não organizados, a dinâmica de
ocupações e desocupações, e ainda as reocupações de um mesmo prédio mais de
uma vez.

De 1994 a 2014, período estudado nesta dissertação, estima-se que foram


organizadas pelos movimentos de moradia aproximadamente, 200 ocupações de
imóveis vazios no centro de São Paulo e outras intervenções que resultaram na
produção de cerca de 6.000 unidades habitacionais no centro pela Secretaria
Municipal de Habitação, Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do
Estado de São Paulo (CDHU) e a Caixa Econômica Federal (CEF), em parceria com
movimentos.

Pode-se notar na Figura 8 a distribuição espacial das ocupações de imóveis


vagos por parte dos movimentos de moradia da região central de São Paulo nos
períodos entre 1997 e 2005. Neste sentido, os movimentos populares de habitação,
implementaram uma agenda de lutas que, por sua força e mobilização, obrigaram os
poderes públicos a oferecer respostas concretas às suas demandas políticas e
sociais.

Conforme o Relatório fruto da pesquisa do Observatório do Uso do Solo e da


Gestão Fundiária do Centro de São Paulo,

“desde os anos 1980, os movimentos populares estavam organizados na


luta por melhoria dos cortiços e por moradia na área central. As suas
possibilidades de diálogo e atendimento por parte da prefeitura variaram
segundo as diferentes gestões municipais. Situação semelhante ocorreu
na sua relação com o governo estadual e federal. A busca por moradia no
centro está na origem de uma forma de luta desenvolvida a partir do final
dos anos 90: as ocupações organizadas. (LABHAB, 2006, p.207). A partir
dessas ocupações, os movimentos, em cooperação com assessorias
técnicas, desenvolvem projetos e buscam negociar com a Caixa, com o
governo estadual e com o município, buscando alternativas de
financiamento para reformar os prédios e garantir seus direitos de
moradores” (LABHAB, 2006, p.26).
27

Assim sendo, desde o início da década de 1990, a cidade vem


operacionalizando um conjunto de ações, programas, políticas articuladas com
arranjos jurídicos e administrativos para alcançar as reivindicações destes
movimentos.
28

2. Elementos do contexto urbano brasileiro: aspectos do processo de


urbanização das cidades brasileiras

O processo de urbanização das cidades brasileiras a partir de meados do


século XX é um dos mais expressivos na história mundial, considerando que houve
uma verdadeira inversão do local de moradia das populações rurais e urbanas
(SANTOS, 2005). Este fenômeno não ocorreu de forma isolada do modelo terceiro
mundista e capitalista de produção de cidades espraiadas e excludentes, com centro
urbanos degradados e periferias isoladas e pobres.

A segregação territorial ou sócio espacial estrutural pode ter influenciado a


crise das grandes cidades brasileiras, associada a um conjunto de diversos fatores
que atuaram espacialmente nos territórios, produzindo este rosto sombrio de nossas
cidades, especialmente a partir da primeira metade do século XX, pós Segunda
Guerra Mundial, onde de forma acelerada milhões de pessoas deixaram o campo e
passaram a viver em cidades.

Conforme Maricato (2000), este processo de povoamento das cidades aliado


à precariedade dos serviços, infraestrutura urbana, e ao acesso às políticas públicas
universais gerou, o que podemos denominar, de “crise do urbano”, com cidades
caóticas, insustentáveis, com territórios marcados pela violência e pela
informalidade.

A condição de cidades espraiadas, com centros urbanos degradados e


periferias longínquas, naquilo que a professora Ermínia Maricato em suas
recorrentes exposições denomina como o exílio dos pobres e trabalhadores nas
periferias que vem durante décadas marcando nossos modelos de cidades e
predominando em nossos territórios.

Sob esta compreensão do modelo de desenvolvimento, com cidades


segredadas e divididas, procuramos fazer um recorte da região central de São
Paulo, refletir e discutir suas dinâmicas, seus limites, consequências, novos e velhos
atores, com os rebatimentos nos novos desafios que se impõem, conforme descreve
Tucci (2008).
29

“Desde o século passado, o desenvolvimento urbano passou a criar


padrões de concentração urbana. Nas grandes cidades houve um
processo de desconcentração urbana em direção à periferia deixando o
centro das cidades despovoado e degradado.” (TUCCI, 2008, p.98).

Este padrão de cidades surgiu na periferia do capitalismo que, conforme


Maricato, (1996, p. 101), reproduziu o mesmo modelo segregacionista estabelecido
na relação norte–sul. São cidades ou lugares sem lugar para os pobres e excluídos,
onde a qualidade de vida é péssima.

Segundo Goldsmith (1994),

“Nestas cidades a maioria vive em pequenas casas, em superpovoados


subúrbios operários, em favelas situadas em encostas ou beiras de
avenidas, em cortiços nos centros das cidades ou sobrevive pelas ruas.
Enfrenta longa diária de trabalho (...). Perde de duas a três horas por dia
em transporte, com frequência em meio a um gigantesco superpoluído e
lento emaranhando de carros, caminhões e ônibus que levam as pessoas
de casa para o trabalho e do trabalho para casa”. (GOLDSMITH, 1994,
p.25)

Figura 9: Foto do Bairro Parada de Taipas Zona Norte de São Paulo – Região
atingida pelo trecho norte do Rodoanel.

Foto: Alderon Costa, Rede Rua de Comunicação, 2013.

De alguma forma este atual modelo segregacionista de higienização já estava


30

presente nas cidades coloniais, por exemplo, na relação entre a Casa Grande e a
Senzala, imbricado no modo de produção escravista brasileiro do período colonial.

Invariavelmente esta matriz segregacionista cultural / econômica / social /


espacial, sempre nos acompanhou, de forma que, nem pelas lutas abolicionistas,
estas diferenças foram concretamente superadas.

Se no modo de produção escravista do Brasil Colonial, a presença desta


relação entre Casa Grande e a Senzala demarcava de forma profunda, econômica,
social e cultural, os espaços entre dominador e dominados, ou entre senhor e
escravo, no período que sucede à abolição estas desigualdades ficam ainda mais
acentuadas e evidentes.

Segundo Baldez (1986 apud Maricato, 1996) “há uma perfeita articulação
entre o processo de extinção do cativeiro do homem e o processo subsequente de
escravização da terra”.

Para onde foram os negros libertos após a abolição em 1888? Como estes
trabalhadores se acomodaram em centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador, Recife e demais províncias brasileiras?

Ao se instalarem em moradias encortiçadas e darem origem às favelas,


especialmente na cidade do Rio de Janeiro, percebe-se que neste novo cenário
urbano se repete de maneira ainda mais profunda a segregação socioeconômica e
cultural nos territórios.

“o ano de 1850 é marcado pelo fim do tráfico de escravos e pela Lei de Terras
no. 601, de 18 de setembro daquele ano. Não é por coincidência que as duas
leis são promulgadas com uma semana de tempo entre uma e outra. De
acordo com a lei as terras devolutas poderiam ser adquiridas apenas
mediante compra e venda o que afastava a possibilidade de trabalhadores
sem recursos tornarem-se proprietários. Dessa forma, garantia-se a sujeição
do trabalhador “livre” aos postos de trabalho antes ocupados por escravos”
(BALDEZ 1986. p. 35).

Para aprofundar sobre este contexto, Rolnik (1997) propõe que:

“é preciso investigar as bases jurídicas luso-brasileiras de acesso e uso da


31

terra. Este mergulho na história legal luso-brasileira é necessário para


contextualizar não apenas a lei formal que rege a construção de cidades
brasileiras, mas, sobretudo, todos os diferentes modos de legalidade
encontrados na lei particularmente no que se refere à posse da terra”.
(ROLNIK, 1997, p 16.).

2.1 Cidades: entre o velho e o novo higienismo

Nesta passagem do Romance “O Cortiço”, Aluísio de Azevedo, retrata a


condição dos moradores dos cortiços na cidade do Rio de Janeiro, contextualizando
a situação de moradia dos “negros libertos” no final do século XIX:

“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas
a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de
quem dormira de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se
sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra
da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem
um suspiro de saudade perdido em terra alheia. A roupa lavada, que ficara de
véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão
ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em
alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste,
feita de acumulações de espumas secas. Entretanto, das portas surgiam
cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o
marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as
xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os
outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias;
reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava
já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não
andam” (AZEVEDO, 1995, p.13).

O modelo urbanístico brasileiro nasceu com estas referências: sob a sombra


do chicote do senhor do engenho, de um lado, sob a negação de qualquer espaço
digno para os pobres na cidade, de outro. Sem lugar para viver nos melhores
espaços das cidades, restava aos negros e a outras pessoas pobres e excluídas, se
32

amontoarem em cortiços ou ocupar os piores locais dos territórios nas periferias ou


arredores das cidades.

Desta forma, no final do século XIX e início do século XX havia nas grandes
cidades brasileiras, milhares de famílias de trabalhadores e despossuídos da terra
que encontravam, primeiramente nos cortiços e posteriormente nas favelas e
loteamentos periféricos, a solução para os seus problemas de moradia – precária,
obviamente.

“(...) somente no Estado de São Paulo em 1882 existiam 156.612


escravos, 167.999 negros alforriados e 253.923 mestiços, sem contar os
possíveis brancos despossuídos incluídos no total de 433 482 brancos
daquele ano”. (ROLNIK,1997, p.70)

Além de despossuídos e sem terra, os residentes pobres destas cidades


tiveram que enfrentar as políticas higienistas e sanitaristas realizadas pelo poder
público, já inauguradas no início século XIX e presentes até os dias atuais.

Nota-se que as respostas e supostas soluções adotadas pelas elites,


associadas ao poder público com seu poder de polícia, frente à exclusão urbano-
territorial dos assentamentos precários, ocupações e loteamentos irregulares, tendeu
historicamente por mecanismos diretos ou indiretos de remoções ou deslocamentos.

Figura 10: Móveis de famílias que sofreram reintegração de posse


colocados em protesto na porta do Fórum João Mendes no Centro de São Paulo.

Fonte: Frente de Luta por Moradia.


33

As justificativas para essas ações passavam, por vezes, pela idéia de


limpeza, de prevenção ou extermínio de doenças e foram articuladas no âmbito de
um projeto com raízes ideológicas e técnicas de construção de uma “cidade como
um corpo são e belo”, tratada por Andrade (1992).

Diversos estudos demonstram que a ação higienista, realizada pelo Prefeito


Pereira Passos, no início do XX, demolindo milhares de cortiços, expulsando
milhares de pessoas do centro do Rio Janeiro para as regiões afastadas fez surgir
as primeiras favelas localizadas nos morros daquela cidade.

“a idéia de limpar a cidade de seus cortiços é bastante antiga. Está


presente em inúmeras declarações de várias ordens e matizes que
reconheciam nesta forma de habitação a origem de múltiplos males”.
(KOWARICK e ANT, 1994, p.77).

Na cidade de São Paulo há inúmeros relatos históricos de conflitos


associados à tentativa de expulsão dos pobres e negros de seus locais de trabalho e
moradia em nome da limpeza e do combate à promiscuidade, reforçando o
preconceito ideológico e étnico.

“o desmonte do chamado Centro Velho, que era simbólica e


concretamente um território negro, fonte de sobrevivência física e espiritual
da comunidade, começou com tensões advindas das tentativas de retirar
as quitandeiras do Largo do Palácio ainda em 1877. Há notícias de que em
1893 novos conflitos surgiram porque os moradores do Largo do Rosário e
muitos populares se opuseram à retirada do chafariz - que havia sido ali
instalado em 1874 – forma de obrigar os moradores a instalar em suas
casas a rede de água encanada. Foi necessária a intervenção policial para
a remoção ser executada”. (ROLNIK, 1997, p.67 )

Na prática, ao longo destes anos, o rosto de nossas periferias permanece


pouco alterado, e a história de forma cíclica tem se repetido como drama.

É comum ainda, o poder público, associado aos interesses imobiliários,


propor mudanças drásticas dos territórios que quase sempre representam a
exclusão dos mais pobres para periferias ainda mais distantes, representados e
34

repetidos em megaprojetos4 como o Projeto Nova Luz, Rodoanel Metropolitano,


Complexo viário Jacu-Pêssego, ou associados aos megaeventos esportivos, como
os Estádios da Copa, o Monotrilho e o Projeto Porto Maravilha no Rio de Janeiro,
entres outros.

Figura 11: Comunidade Águas Espraiadas: famílias removidas da


Comunidade do Comando e Buraco Quente para realização de obras do Monotrilho
Linha 17 Ouro do Metrô.

Foto: Iran Lira, Morador da Comunidade, 2014.

Este grave problema existente nas grandes cidades brasileiras


contemporâneas, refere-se ao efeito dos megaprojetos de infraestrutura, justificadas
por serem obras para “melhorias urbanas”. No entanto, a sua implementação tem
provocado a expulsão da população de baixa renda e o deslocamento de
assentamentos populares.

O caso das obras do Rodoanel em São Paulo, por exemplo, conta com
recursos do Governo do Estado de São Paulo, do Programa de Aceleração do

4
Trata de grandes obras de infraestrutura urbana com grande aporte de recursos públicos ou privados
realizados por construtoras realizando mudanças drásticas nos territórios ver em :
http://www.dersa.sp.gov.br/Empreendimentos/GrupoEmpreendimento.aspx?idGrupo=2
Sobre o projeto nova luz pesquisar em : http://apropriacaodaluz.blogspot.com.br/
Sobre a monotrilho ver em: http://www.metro.sp.gov.br/obras/linha-17-ouro/informacoes-sobre-
monotrilho.aspx
35

Crescimento (PAC), do Governo Federal e do Banco Interamericano de


Desenvolvimento (BID), sob a justificativa de contribuir com a melhoria do trânsito
urbano e tem seu traçado sobre diversas comunidades populares que vem sendo
removidas para regiões distantes das de origem. Além disso, cabe destacar os
impactos ambientais danosos aos ecossistemas, ocasionado por essas obras.

A realização dos megaeventos no Brasil - Copa do Mundo 2014 em 12


cidades brasileiras e a Olimpíada de 2016 na cidade do Rio de Janeiro tem exigido
reconfigurações das cidades-sede conforme padrões estabelecidos pela Federação
Internacional de Futebol (FIFA) e a Comitê Olímpico Internacional (COI), que
buscam atender interesses de lucros das empresas associadas a essas
organizações.

Figura 12: Material Informativo do Comitê Popular da Copa de São Paulo.

Fonte: Comitê Popular da Copa de São Paulo (2014).


36

Nota-se que os megaeventos têm sido aproveitados pelos governos e capital


imobiliário como oportunidade e forma indireta para deslocar a população de baixa
renda, liberando espaço para futura apropriação de áreas valorizadas, de interesse
do setor imobiliário.

Isso ocorreu em praticamente todas as cidades–sede da Copa 2014, como se


pode notar nas denúncias realizadas pelo Comitê Popular dos Atingidos pela Copa
2014, pela Relatoria do Direito a Moradia da ONU, pela Relatoria do Direito à
Cidade, pelo Fórum Nacional da Reforma Urbana, e pelo Instituto Políticas
Alternativas para o Cone Sul - PACS e Justiça Global (PCAS, 2012).

Figura 13: Manifestação popular dos Movimentos sociais durantes a Copa do


Mundo, Ato do Comitê Popular da Copa dia 15 de maio de 2014.

Foto: Alderon Costa, Rede Rua de Comunicação, 2014.

Conforme relato do Comitê Popular da Copa, reunido na Ocupação da Rua


Marconi, no centro da cidade de São Paulo, o núcleo paulistano daquele Comitê
organizou, no dia 17 de outubro de 2013, um evento público de apresentação e
debate da pesquisa De olho nos direitos de comunidades atingidas por
megaprojetos de impacto urbano e ambiental.
37

A apresentação realizada pelo Advogado Paulo Romero, membro do Instituto


Brasileiro de Direito Urbanístico5, relata que os processos de remoção de famílias de
baixa renda em favelas e ocupações, revelam o “modus operandi”, por parte dos
atores associados aos Megaprojetos e megaeventos, tais como:

- dificuldade de informação;

- licenciamento ambiental inexistente ou atropelado;

- distância entre objetivos oficiais e reais;

- desrespeito à legislação urbanística;

- falta de planejamento para atender aos atingidos;

- desqualificação da posse como direito;

- opressão e ameaça;

- definição política, e não técnica, do traçado das obras;

- utilização em larga escala de bolsa-aluguel e outras soluções provisórias;

- má utilização dos recursos públicos.

Outro exemplo paradigmático de intervenção urbana que impacta diretamente


a população de baixa renda foi o projeto, hoje paralisado, denominado á época de
Projeto Nova Luz no centro de São Paulo que pretendia reurbanizar uma parte do
centro histórico de São Paulo e como consequência expulsar mais 5 mil famílias,
cerca de 12 mil moradores das regiões da Luz e Santa Ifigênia, no centro de São
Paulo.

Conforme destacou no ano de 2011, Raquel Rolnik em

“este parece ser o princípio do projeto Nova Luz: a partir de uma leitura que
identifica a região como “Cracolândia”, o projeto pretende apagar, da
paisagem e da vida urbana de parte do centro de São Paulo, os usuários de
drogas e, junto com eles, toda a população em situação de rua, o comércio,

5
Ver apresentação de Paulo Romeiro Comitê Popular da Copa em
http://www.youtube.com/watch?v=xO-jtT2l_Kg
38

os mais de 12 mil moradores do bairro Santa Ifigênia, sua história e sua


memória. A intervenção urbanística que pretende acabar com a “Cracolândia”,
na verdade, incide sobre um dos centros comerciais mais dinâmicos de toda a
cidade e pretende substituir toda a estrutura consolidada por novos
empreendimentos”. (ROLNIK 2011)6

Figura 14: Jornal O Trecheiro: Rede Rua de Comunicação - Jornal informativo


que fez forte oposição ao Projeto Nova Luz, e atua em defesa da população em
situação de Rua.

Fonte: Rede Rua de Comunicação - Jornal O Trecheiro, 2014

As elites sempre expressaram certo temor em relação aos locais de moradia


dos pobres. Por vezes associaram estes territórios às doenças transmissíveis, à falta
de higiene e promiscuidade. A questão do sanitarismo e do higienismo permanece e
se perpetuou ao longo do tempo, como questões urbanas e de saúde pública.

Atualmente nas nossas metrópoles o temor e o preconceito das elites


referem-se especialmente aos fenômenos que associam a pobreza com a violência
e com o tráfico de drogas, estigmatização de espaços que supostamente

66
http://raquelrolnik.wordpress.com/2011/06/28/demolir-e-reconstruir-sera-essa-a-solucao-para-a-
regiao-da-luz/
39

precisariam ser exterminados ou revitalizados.

Há inúmeros exemplos de expressão deste temor das chamadas classes


perigosas7 que vivem em territórios diversos, como a Favela do Moinho, no bairro
entre o Bom Retiro e Campos Elíseos, ou na região conhecida e estigmatizada como
“Cracolândia”, na região da Luz no centro de São Paulo.

2.2 Metrópoles espraiadas e o inchaço das periferias

Esta lógica de cidades com as costas voltadas para as periferias representou


um modelo hegemônico de nosso processo de metropolização, marcado por um
modelo pendular de deslocamento, com uma centralidade de serviços e negócios,
que se desloca sob o interesse do capital e dos setores hegemônicos, e não para
viabilizar o trabalho próximo das moradias dos trabalhadores.

Este modelo de metropolização, de cidades espraiadas, com periferias


distantes, no longo prazo torna-se insustentável, só beneficia os que desejam mais
lucro com a cidade – aqueles setores, para os quais a cidade é apenas fonte de
negócios. A radicalização desta concepção pode ser também representada pela
noção de cidade-empresa ou empresariamento urbano (VAINER, 2000).

“Assistimos assim nos últimos anos as cidades aprofundarem estratégias


de empresariamento, rendendo-se a estratégias de competitividade
urbana, numa visão da cidade como uma mercadoria extremante
competitiva para ser vendida. Neste sentido a cidade vitrine ou o
marketing urbano se impõe cada vez mais como um determinante do
processo de planejamento das cidades” (VAINER, 2000, pg. 78).

A cidade deixa de ser um espaço de trocas, de convivência, primordialmente


solidária, positiva e construtiva, tornando-se insegura e hostil, principalmente aos

7
Classes perigosas” Conforme Chalhoub em Cidade Febril Cortiços e Epidemias na Corte Imperial: A
expressão classes perigosas parece ter surgido, na segunda metade do século XIX, na década de 1840, sobre
criminalidade infância culpada – utiliza a expressão no sentido de um grupo social à margem da sociedade civil.
(Chalhoub, 2006, p. 20. )
40

segmentos mais vulneráveis. Diversos autores como Maricato e Ferreira


argumentam que este modelo de cidade está esgotado, chegou ao seu limite,
assumem que as cidades estão cada vez mais insuportáveis para sobreviver.

Nota-se que houve uma resistência das classes populares com relação à
dinâmica de produção da desigualdade nas cidades. O problema da concentração
da terra urbana de um lado e, certa violência das classes dominantes contra as
populações vulneráveis, de outro, reafirma este modelo de cidades insustentáveis.

Conforme Rizek (2013), já na virada dos anos 30, a base deste modelo
estaria assentado sobre uma acumulação pobre, sobre uma acumulação primitiva,
que o professor Francisco de Oliveira, denomina:

“como ausência de acumulação capitalística prévia, que financiasse a


implantação de serviços, lançando mão dos recursos de mão de obra,
reproduzindo nas cidades um tipo de crescimento horizontal extensivo, de
baixíssimos coeficientes de capitalização, em que a função de produção
sustenta-se na revivescência de formas de produção artesanais, principalmente
nos chamados serviços de reparação - oficinas de todos os tipos” (RIZEK, 2013,
p. 35).

Figura 15: Favela Ponta da Praia - Ameaçada de Remoção.

Foto: Alderon Costa, Rede Rua de Comunicação, 2013

Conforme dados do Instituto Pesquisa Econômica Aplicada IPEA, (figura 16),


em 1940, a população urbana representava 31,3% dos 41,2 milhões dos brasileiros.
41

Em 2010, dos 190,7 milhões dos brasileiros, cerca de 80% estavam vivendo nas
cidades.

Em números absolutos, pode-se perceber a dimensão desta acelerada


urbanização. Em 1940, a população urbana era de 12,9 milhões de pessoas,
enquanto que em 2010, era de 160,9 milhões de pessoas, o que representa um
incremento populacional de 148 milhões de pessoas num período de 70 anos. O
gráfico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada abaixo (figura 16), nos mostra a
evolução da população urbana e rural de 1900 a 2010.

Figura 16: Distribuição da população brasileira rural e urbana.

Fonte: IPEADATA sobre a Distribuição da população rural e urbana8.

Esse gigantesco crescimento populacional urbano provoca uma nova


dinâmica fazendo surgir centenas de novas cidades. Em 1940, o Brasil contabilizava
1.574 municípios e, em 2010, 5.565 municípios. Nesse processo, houve a
transformação de cidades pequenas ou médias em grandes conglomerados urbanos
e algumas megacidades.

Em que pese à desaceleração do crescimento populacional das grandes


cidades, registrados no IBGE de 2010, o mesmo censo apontou que as 15 regiões
metropolitanas brasileiras, elencadas na tabela 2, concentravam mais de 70 milhões
de habitantes, o que representava 43% da população urbana (IBGE, 2010).

8
Disponível em http://www.ipeadata.gov.br/
42

Tabela 2: População das 15 regiões metropolitanas


do Brasil.

Região Metropolitana População (IBGE 2010)

1 São Paulo – SP 19.683.975


2 Rio de Janeiro – RJ 11.835.708
3 Belo Horizonte – MG 5.414.701
4 Porto Alegre – RS 3.958.985
5 Recife – PE 3.690.547
6 Fortaleza – CE 3.615.767
7 Salvador – BA 3.573.973
8 Curitiba – PR 3.174.201
9 Campinas – SP 2.797.137
10 Distrito Federal9 3.717.728
11 Goiânia – GO 2.173.141
12 Manaus – AM 2.106.322
13 Belém – PA 2.101.883
14 Grande Vitória – ES 1.687.704
15 Baixada Santista – SP 1.664.136
Total 71.195.908
Fonte: IBGE, Censo 2010.

Os milhões de novos moradores urbanos chegam com a necessidade de um


local para morar – necessitam de um pedaço de terra. Assim, a terra urbana passa a
ser, cada vez mais disputada, agregando maior valor de troca conforme a qualidade
de sua localização, tornando-se uma mercadoria caríssima.

O espaço urbano, na medida em que se transforma em um insumo para


obtenção do lucro faz com que sua ocupação se dê conforme os interesses
econômicos, desvinculados de adequado planejamento público que considerasse
as questões sociais e ambientais.

9
O IBGE denomina como Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno.
43

O crescimento populacional e a construção das cidades ampliam as


demandas de serviços públicos, tais como, transporte, saneamento, energia elétrica,
água potável, saúde, educação, creche e segurança.

As instituições públicas de todas as esferas do Estado brasileiro, no início


desse processo de urbanização, além de não estarem preparadas para atender às
demandas sociais que se acumulavam, não reconheciam muitas delas como direito
social de sua responsabilidade.

Esta situação torna-se mais grave pelo modo patrimonialista e clientelista de


funcionamento do Estado. Exemplos disso, são as formas de direcionamento dos
investimentos públicos, os quais ficam subordinados aos interesses do setor privado,
em especial, o imobiliário. Durante muito tempo os direitos sociais foram atendidos
de forma arbitrária e como favores políticos em grande parte das situações.

Percebe-se que a forma perversa pela qual se deu a processo de urbanização


das cidades brasileiras – com o deslocamento massivo dos pobres rurais para as
cidades sem estrutura para acolhê-los, prepará-los e incluí-los no mercado de
trabalho e como o processo de industrialização baseada na mão de obra barata e na
ausência de controle do Estado para impedir a especulação da terra urbanizada –,
pode ter contribuído de forma decisiva para a concentração de riquezas, a
desigualdade econômica e a segregação socioterritorial nas cidades.

Apesar, de possuir o 6º maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo,


conforme o relatório do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento
(PNUD), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País, em 2011, situava-se
no 84º lugar. Essa discrepância também reflete as desigualdades socioterritoriais
nas cidades e nas regiões do País.

É notável a expressiva modernização da sociedade brasileira, refletida nas


suas cidades, acompanhada por uma também expressiva realidade de precarização
urbana e situações de pobreza que existiam no início do século XX.

As contradições sociais e o caos urbano sempre foram motivos de indignação


e de insatisfação de diversos setores da sociedade que se ocupam da questão,
como: os sem-teto, favelados, moradores de cortiços, pesquisadores de
universidades, militantes políticos, membros de ONGs e agentes públicos, entre
44

outros.

Mesmo com a forte repressão da ditadura militar, em meados dos anos 1970,
os setores populares retomam as mobilizações sociais urbanas. Estas mobilizações
e reivindicações, iniciam-se a partir de problemas pontuais, como asfaltamento de
ruas; construção de postos de saúde nos bairros; creches para as crianças; linhas
de ônibus até os bairros das periferias, lutas contra despejos; regularização da
posse da terra em loteamentos clandestinos; instalação de redes de água; esgoto e
luz para as favelas.

Essas lutas urbanas começam a explicitar a contradição existente nas


cidades. De um lado, a cidade formal ou legal que sempre concentrou os
investimentos privados e públicos disponíveis e, do outro, a cidade informal ou ilegal,
que se expandiu à margem da legalidade como as favelas e loteamentos irregulares
e os cortiços.

Muito deles, em áreas de proteção ambiental ou de risco, apontando, que,


para além das melhorias pontuais, seriam necessárias mudanças estruturais na
forma de uso e ocupação do solo urbano.

As lutas urbanas passam a incorporar as várias demandas relacionadas ao


desenvolvimento urbano com a perspectiva que todos, independentemente das
condições sociais, devem ter acesso a todos os benefícios produzidos e existentes
na cidade.

Com esta agenda, a luta pelo direito à cidade e pela reforma urbana tornou-se
uma referência para os movimentos e entidades comprometidas por uma cidade
mais justa e sustentável no Brasil.

Nas últimas cinco décadas, os indicadores sociais demonstram que o país


conquistou avanços relevantes nas áreas sociais, conforme dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): a) a queda da mortalidade infantil que,
em 1970, era de 120,7 para cada 1.000 nascimentos e, em 2010, 15,6; b) a
expectativa de vida que, em 1970, era de 57,6 anos e, em 2010, de 73,4 anos; c) o
analfabetismo de pessoas acima de 15 anos em 1970, era de 33,6%, e, em 2010,
era de 9,6%; do aumento real no valor do salário-mínimo de 65,95%, no período de
2002 a 2012.
45

Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada10 (IPEA), entre 1995 e


2008, 13,1 milhões de pessoas saíram da condição de pobreza extrema (rendimento
médio domiciliar per capita de até um quarto de salário mínimo por mês) e 12,8
milhões de pessoas saíram da condição de pobreza absoluta (rendimento médio
domiciliar per capita de até meio salário mínimo mensal). Em termos percentuais,
nesse período, a taxa da pobreza extrema caiu de 20,9% para 10,5% da população,
enquanto de pobreza absoluta passou de 43,4% para 28,8%. Nesses parâmetros,
em 2008, 19,9 milhões de pessoas se encontravam na pobreza extrema e 53,9
milhões na pobreza absoluta.

Deve-se sempre atentar que esses indicadores representam médias e que


não indicam as grandes diferenças entre regiões do Brasil e entre os diferentes
segmentos sociais (raça, cor e gênero). Por exemplo: em 2008, o índice de pobreza
extrema no Estado de Alagoas era 32,3% e no Estado de Santa Catarina era de
2,8%. Pode-se interpretar que a melhoria na renda ainda tem sido pouco significativa
em relação aos índices de desigualdade de renda no Brasil, que se mantêm
elevados.

Na questão urbana, do ponto de vista formal, temos também alguns avanços


acumulados importantes, tanto em termos de marcos legais, no que se refere à
gestão e democracia participativa e na efetivação de direitos.

Do ponto de vista formal, há vários artigos da Constituição Federal de 1988


que reconhecem os direitos sociais, estabelecem a gestão das políticas públicas
com a participação da sociedade e a função social da propriedade.

Neste sentido, o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/01) concebeu a cidade


como lugar para o desenvolvimento social e estabeleceu a necessidade de planos
diretores para as cidades com mais de 20 mil habitantes.

Em alguns estados e municípios foram aprovadas diversas leis de


desenvolvimento urbano, efetivados programas e diretrizes na área de habitação,
saneamento, meio ambiente e mobilidade urbana.

10
Comunicado nº 58, de julho de 2010 – Dimensões, evolução e projeção por região e Estados do
Brasil.
46

Apesar dos reconhecidos avanços conquistados nas áreas sociais, e de terem


surgido novas formas de gestão pública, baseadas no Orçamento Participativo e no
Plano Diretor como formas de controle social e desenvolvimento urbano, as
cidades brasileiras e as populações pobres urbanas convivem com muitos
problemas que se mantiveram ou aumentaram.

Sinal claro disso é a repetição no cotidiano destas cidades dos problemas de


incêndios nas favelas, despejos de comunidades, pessoas vivendo nas ruas, mortes
devido às enchentes e desmoronamentos, famílias sobrevivendo do lixo,
crescimento dos índices da violência e dos homicídios de jovens pobres e negros,
controle de territórios pelo tráfico ou milícias, caos nos transportes públicos, pessoas
abandonadas sem atendimentos de saúde.

Os problemas elencados, entre tantos outros, não ocorrem de forma isolada,


muitos deles se sobrepõem na vida das mesmas pessoas.

Figura 17: Comunidade Recanto da Alegria no extremo Sul de Paulo – Região


do Grajaú – Comunidade Removida pela Prefeitura de São Paulo.

Foto: Alderon Costa, Rede Rua de Comunicação, 2013.


47

3. Limites dos instrumentos da política urbana frente aos avanços do capital


imobiliário no território

No Brasil, os Movimentos Populares realizaram um processo muito intenso


de lutas para a construção de macropolíticas, de marcos regulatórios importantes
para a política habitacional e para a política urbana, tais como, os planos diretores,
os planos locais de habitação de interesse social, os planos de mobilidade, os
planos de saneamento, a participação nos conselhos e mesmo com dificuldades de
consolidação, na construção do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social,
houve avanços significativos na agenda habitacional do país.

Foram viabilizados ao longo destes últimos 25 anos, a partir da Constituição


de 1988, um conjunto significativo de marcos regulatórios, que garantiu nos seus
artigos 182 e 183 a aprovação da usucapião urbana, como princípios para a garantia
do direito a moradia, do Estatuto da Cidade em 2001, da Medida Provisória 2.220 –
que garante a Concessão Especial para Fins de Moradia, considerado uma espécie
de “usucapião de áreas públicas” –incluindo-se a inserção da Usucapião Urbana na
Constituição Federal e todo marco regulatório da regularização fundiária na lei do
Programa Minha Casa Minha Vida.

Podemos afirmar que, a partir da Constituição de 1988, estabeleceu-se um


conjunto de legislações importantes para se criar as bases, viabilizar e alavancar a
política urbana.

Porém, em que pese todos os avanços na legislação brasileira, que se tornou


referência mundial, não se conseguiu frear, muito menos superar o processo de
concentração da terra urbana, a mercantilização das cidades e a especulação
imobiliária. (RODRIGUES E BARBOSA,2010)

“o primeiro balanço pós-Estatuto (das cidades), nas principais metrópoles


brasileiras não foi muito animador, pois apontou que, apesar da
proliferação dos Planos Diretores locais participativos formalmente
alinhados com o Estatuto das Cidades, a maioria dos municípios deparou-
se com desafios para efetivamente regulamentar e aplicar os instrumentos
urbanísticos progressistas. Mesmo cidades preparadas técnica e
politicamente para enfrentar interesses enraizados em torno do ambiente
48

construído e que, de fato, discutiram e aprovaram um Plano Diretor que


previa os instrumentos e sua aplicação no território local, apresentaram
dificuldade para consolidar avanços, como foi o caso da cidade de Santo
André, no período de 2003 a 2007” (KLINK e SANTOS JR, 2012, p.292).

Aparentemente, o centro da questão parece permanecer intacto e não se


conseguiu tocar em uma questão entendida como essencial para enfrentar o
problema da segregação espacial nas cidades: o problema da terra urbana, que
não cumpre sua a função social.

Considerando que o centro da questão – o problema da terra- não está


resolvido, indaga-se: como garantir que a terra urbana possa de fato cumprir sua
função social e ser destinada para famílias de baixa renda?

Estamos aqui nos referindo aos imóveis em áreas centrais consolidadas, e


não fora da malha urbana das cidades, zona de expansão urbana no limite das
áreas rurais.

O problema central do acesso a terra em áreas centrais ou áreas bem


localizadas esta associado à oferta do emprego, serviços públicos e infraestrutura.

Em geral, os projetos de habitação popular são exatamente construídos na


zona de expansão urbana, fora da cidade, muitas vezes onde não há equipamentos,
serviços, políticas públicas, dando ainda mais força para o capital especulativo da
terra.

O que se nota cada vez mais é a presença do capital imobiliário, especulativo,


e das grandes incorporadoras imobiliárias se apropriando das áreas com maior
oferta de infraestrutura urbana, não raras vezes com o apoio direto ou indireto ou
mesmo participação do poder público.

A utilização daqueles instrumentos aqui analisados no aspecto formal como


conquistas, e como positivos para o avanço da agenda da política urbana, na prática
pode estar de alguma forma, sendo apropriados pelo capital imobiliário. Um dos
exemplos é a Concessão Urbanística, instrumento estabelecido pelo Plano Diretor
da Cidade São Paulo, que dá garantia legal a projetos como foi o Projeto Nova Luz,
de grande interesse das empreiteiras e do capital especulativo.
49

Assim fica aqui outra questão: o que se pode fazer para que tais instrumentos
não sejam apropriados somente pelos setores do capital? Quais as perspectivas
teóricas e práticas de entendimento e enfrentamento destas dinâmicas em curso.

“Nas últimas décadas, o modo de produção capitalista tem passado por


importantes transformações, dentre as quais se destacam a maior
mobilidade e flexibilidade de um capital crescentemente desregulado e
financeirizado. Nesse contexto, um novo espaço, consumido e produzido
pelo capital em mutação, surge, caracterizado pela urbanização do
planeta, na qual se destacam as grandes metrópoles dispersas e
marcadas pela segregação”. (BOTELHO, 2012 p.297).11

Ainda num outro exemplo, nesta forma de apropriação destes instrumentos,


estão as Operações Urbanas (OUs), incluídos no Plano Diretor da Cidade de São
Paulo, como uma ferramenta para melhorar regiões degradadas e abandonadas. Os
estudos sobre as Operações Urbanas (OUs), têm demonstrado como o instrumento
tem servido para a expulsão das populações pobres de seus territórios.

As Operações Urbanas Faria Lima (que tentou lançar os CEPACs) e


Água Espraiada são exemplos do que falamos acima. “Parcerias”
motivadas pelo interesse de empreendedores por um “filé mignon” da
cidade, foram objeto dos principais investimentos públicos das
gestões Maluf e Pitta (“enterrando” as finanças municipais). A área se
transformou no símbolo da São Paulo globalizada, enquanto as
periferias esquecidas pelos investimentos públicos continuaram
crescendo aceleradamente. Nenhuma contrapartida foi oferecida à
sociedade: na Faria Lima, não há notícias das habitações de
interesse social e do terminal de ônibus prometidos. Apenas foi feita
uma ciclovia ligando o nada ao lugar nenhum. Nem sequer do ponto
de vista da qualidade do espaço urbano público houve melhorias:
ostensivas cercas continuam dividindo o espaço privado das
calçadas estreitas em que se apertam ambulantes, pedestres e
pontos de ônibus. (FERREIRA e FIX, FSP, 2001)12

11
http://www.cadernosmetropole.net/download/cm_artigos/cm28_237.pdf
Botelho, A_ Capital Volátil, cidade dispersa, espaço segregado: algumas notas sobre a dinâmica do
urbano contemporâneo
12
http://cidadesparaquem.org/blog/2013/1/23/a-urbanizao-e-o-falso-milagre-do-cepac
FERREIRA e FIX_ a urbanização e o falso milagre do cepac – FSP, Caderno Tendencias de Debates
50

Ainda Segundo Botelho,

“grandes operações de rearranjo urbanístico são levadas a cabo pelo


Estado, atendendo a interesses privados ligados ao capital
monopolista, com a finalidade de criar novos espaços que sirvam à
lógica da reprodução capitalista” (BOTELHO, 2012. P. 298).

Um caso concreto de resistência modelo apropriação do capital imobiliário, e


garantia do direito à moradia é caso da Comunidade do Jardim Edith, favela
demarcada como Zona Especial de Interesse social – ZEIS, localizada na esquina
da Avenida Luiz Carlos Berrini com a Avenida Roberto Marinho, hoje, uma das
áreas mais valorizadas da cidade. Através da organização e luta da Comunidade e
uma ação judicial da Defensoria Pública foi conquistado no local um
13
empreendimento habitacional para 240 famílias .

Percebe-se que esta tem sido a lógica perversa de apropriação de


instrumentos legais que deveriam servir para viabilizar a garantia do direito a cidade
e a função social da cidade.

Outro caso que vale mencionar refere-se à situação do Porto Maravilha, no


Rio de Janeiro, onde a grande maioria do território pertence à União, e que
recentemente, através de uma concessão urbanística, foi entregue para os grandes
incorporadores do capital imobiliário para construir um grande empreendimento com
vistas ao projeto olímpico de 2016, expulsando os moradores dos cortiços e todas
as comunidades pobres da região.

April 17, 2001


Com Mariana Fix | Publicado na Folha de S.Paulo, "Tendências e Debates" - 17 de abril de 2001
13
Ver o projeto em: http://www.archdaily.com.br/br/01-134091/conjunto-habitacional-do-jardim-
edite-mmbb-arquitetos-mais-h-mais-f-arquitetos
51

Figura 18: Jornal "O Estado de S. Paulo" do dia 10 de setembro de 2008.

Fonte: Jornal “O Estado de S. Paulo”.

Figura 19: Jornal "O Estado de S. Paulo" do dia 10 de setembro de 2008.

Fonte: Jornal “O Estado de S. Paulo”.

3.1 Conquistando territórios consolidados: o longo caminho da periferia ao


centro

A Luta pelos territórios nas regiões centrais das cidades em maior ou menor
intensidade vem ocorrendo praticamente em todas as capitais brasileiras. No
entanto, a forma peculiar com que os movimentos sociais se organizaram em defesa
do centro de São Paulo merece um olhar analítico específico. Também não é um
fenômeno recente, considerando que a guerra travada pelos sem teto de São Paulo
52

possuem raízes na articulação das lutas sociais na cidade, desde o Movimento da


Panela Vazia e dos Movimentos dos Loteamentos Clandestinos, no final da década
de 1970, passando pela organização do Movimento Unificado de Favelas, no início
da década de 1980. (BARBOSA E PITA, 2006)

Estas mobilizações ocorreram em conjunto com as lutas pelo processo de


redemocratização do país e são frutos da pobreza urbana da cidade, associados ao
intenso processo de urbanização e ao inchaço desenfreado da região metropolitana,
ao crescente aumento do desemprego, à degradação das periferias e ao abandono
de vastos territórios da região central.

“Esta exclusão social tem sua expressão mais concreta na segregação


espacial ou ambiental, configurando pontos de concentração de pobreza à
semelhança de guetos, ou imensas regiões nas quais a pobreza é
homogeneamente disseminada” (MARICATO, 1996, p.29).

Pode-se dizer que a organização e a luta dos Sem Teto refere-se a um


fenômeno urbano que se encaminhou por diversas variáveis nestes últimos 30 anos.

No início dos anos 1980 ocorre nas cidades uma emergência das lutas sociais
e da resistência popular. Neste contexto, surgem as lutas pelo direito à moradia, o
Movimento de Defesa do Favelado (MDF) e o Movimento Unificado de Favelas
(MUF), que inauguram grandes mobilizações pelo direito a terra urbana, contra os
despejos e remoções forçadas, por tarifas sociais de água e luz, numa dinâmica que
seria acompanhada praticamente por todos os outros movimentos urbanos nos anos
seguintes. (BARBOSA E PITA, 2006)
53

Figura 20 – Favela da Av. dos Estados

Foto: André Silva, Movimento de Defesa do Favelado, 201414

Segundo Bonduki (1998):

“o surgimento das favelas deu visibilidade à crise de habitação e chocou a


elite paulistana, orgulhosa do progresso de sua cidade, renovada com
avenidas modernas e arranha-céus. Era uma metrópole de contrastes, mas
escondia bem a sua pobreza, nos porões dos cortiços pouco visíveis e numa
periferia ainda inacessível e ocupada de modo esparso” (BONDUKI, 1998,
p.262).

Figura 21: Celebração do Movimento de Defesa do Favelado - MDF.

Fonte: Movimento de Defesa do Favelado, Centro Pastoral do Belém, Sem data.

14
Disponível em: http://www.mdf.org.br/noticia/noticia.php?id=308%2Ffamilias-ocupam-area-das-
industrias-matarazzo.htm
54

A década de 1980 é marcada pelo surgimento de diversos Movimentos


Nacionais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central de Movimentos
Populares (CMP), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), e o Movimento
da Reforma Urbana (MRU).

Trata-se de um período caracterizado por grandes mobilizações de massas,


com a luta pela Anistia ampla geral e irrestrita, a Luta pela Redemocratização e
Eleições Diretas e o Movimento pela Constituinte.

“os anos 1980 apresentaram a emergência dos sindicatos de trabalhadores


urbanos na cena política, motivo principal do desgaste do regime militar. A
reação das classes dominantes brasileiras a essa tendência política foi de
apresentar um novo arranjo, adequado ao contexto das forças internacionais
também renovadas. O novo, no Brasil dos anos 90, sempre segundo Oliveira,
está em incluir na agenda de um governo eleito a ausência dos direitos,
diferentemente da tradição de cooptação. Há uma mudança simbólica quando
se reconhece que 40 milhões de pessoas permanecerão excluídas, como
declarou em entrevista à imprensa o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Pode-se reconhecer que há uma certa "franqueza" rara no discurso que
abandona a ambiguidade histórica. Se as contradições do populismo, que
interpretou a seu modo a modernidade burguesa, oferecem brechas para os
direitos individuais previstos nas normas jurídicas, o rompimento que se
anuncia também pode ter sua virtualidade”. (MARICATO, 2001, p.135)

No final dos anos 1980 os movimentos já começam a se articular em nível


nacional, e em São Paulo o Movimento Sem Teto, promove um amplo processo de
ocupações de terras nas periferias. Somente na Zona Leste de São Paulo milhares
de pessoas ocupam terrenos vazios, nestas ações. Neste mesmo período surge a
Favela de Heliópolis, que depois de alguns anos, se transforma na maior favela da
cidade com uma população de mais de 140 mil pessoas.
55

Figura 22: Favela de Heliópolis, a maior de São Paulo.

Foto: Gildivan Felix, UNAS – União de Núcleos, Associações e Sociedades de


Heliópolis e São João Clímaco, 2014.

Não há uma informação precisa, mas estima-se que não menos que 200 mil
famílias promoveram ocupações em todos os cantos da cidade, de forma
espontânea ou organizada, com o apoio da Pastoral da Terra, Pastoral da Moradia e
de outras Igrejas, de setores e integrantes das universidades, dos sindicatos e de
centros de direitos humanos.

“se na década de 1980, por meio da ocupação de terras na periferia da


cidade, os movimentos de moradia expunham “a existência de grandes
glebas de terra sem função social em áreas intermediárias da cidade à espera
da valorização fundiária” (KOHARA, 2013, p. 151).

Segundo Kohara apud Oliveira (2014):

A partir de 1997, essa mesma estratégia passou a ser adotada pelos grupos
que lutavam por moradia na região central” (OLIVEIRA, 2014, p. 164).

Com a eleição da Prefeita Luiza Erundina, no ano de 1988, emergem algumas


56

importantes experiências no campo da política habitacional que são levadas a cabo


com uma interessante combinação (ainda que conflituosa), entre a vontade política
da prefeitura de realizar projetos habitacionais participativos, e força aglutinadora e
mobilizadora dos Movimentos de Moradia que lutavam pela autogestão.

Figura 23: Cortiço da Av. Celso Garcia. Vista superior dos imóveis desapropriados
para o projeto do Mutirão do Casarão.

Fonte: Oliveira (2008).

Durante a gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992) a organização de


programas habitacionais voltados para a área central como: Urbanização de
Favelas, Mutirão Autogestionários, em especial o Programa de Atuação em Cortiços
que resultaram em projetos como Madre de Deus, Casarão Celso Garcia, e os
Subprogramas de Cortiços: Vilinha 25 de Janeiro, Eiras Garcia, Imoroti e Pedro
Fachini, se tornaram uma nova referencia da possibilidade de levar a “periferia ao
centro” (RONCONI, 1995; FELIPE, 1997; COMARU, 1998).
57

Figura 24: Foto da posse da prefeita Luiza Erundina em janeiro de 1989.

Fonte: Site da Deputada Federal Luiza Erundina, 198915.

Ainda que pontuais, as primeiras mobilizações dos moradores de cortiços já


ocorriam no centro da cidade de São Paulo, especialmente nos distritos Mooca,
Brás, Santa Cecília, Bom Retiro, e Campos Elíseos.

O próprio Movimento Unificado de Favelas, para além da sua pauta


específica, em defesa dos direitos dos moradores de favelas, já incorporava em
suas bandeiras a defesa dos moradores de cortiços, contra os despejos e a violência
dos intermediários que sublocavam as pensões e casarões para as famílias
encortiçadas.

Sobre a realidade ainda pouco conhecida dos cortiços, Kohara (2012) relata:

“A realidade dos cortiços é bastante complexa não apenas por causa do


conjunto de situações precárias vividas por seus moradores –
basicamente, espaços reduzidos e falta de qualidade de vida –, mas
também pelas condições exploratórias dos valores dos aluguéis no acesso
a essas moradias. Parece inacreditável a constatação de que os
15
Disponível em: http://www.luizaerundina.com.br/
58

problemas que existiam nos cortiços no início do século 20, conforme


estudos e jornais da época, sejam os mesmos dos dias de hoje. Dentre
eles, destacam-se a grande concentração de pessoas em pequenos
espaços; um único cômodo como moradia; ambientes com falta de
ventilação e iluminação; uso de banheiros coletivos; instalações de
esgotos danificados; falta de privacidade; e o fato de comporem um
mercado de locação habitacional de alta lucratividade”. (KOHARA, 2012,
p.1)

Ainda Conforme Caricari & Kohara (2006)

“já em 1975 existia um trabalho das Pastorais da Arquidiocese de São Paulo


com a população moradora de cortiços, respondendo o apelo da população
que sofria com a carestia, responsável por pressionar a alta de preços dos
alugueis, da água e da luz, impossibilitando desta forma, que famílias
tivessem condições de arcar com o pagamento e, consequentemente,
facilitando com que fossem despejadas de suas casas”. (CARICARI &
KOHARA, 2006, p. 22)

Ainda durante a ditadura militar, os movimentos e as pastorais da moradia, de


forma pontual já realizavam trabalhos de apoio às famílias moradoras de cortiços.

No ano de 1988, os movimentos de moradia em uma caravana nacional para


Brasília tratavam em sua pauta nacional as questões referentes aos problemas dos
cortiços nas grandes cidades, especialmente dos problemas dos problemas de
moradia do centro da cidade de São Paulo.
59

Figura 25: Panfleto de divulgação da Caravana Nacional para Brasília


organizada pela União dos Movimentos de Moradia.

Fonte: CARICARI e KOHARA (2006, p. 26).

No ano de 1989 os movimentos em parceria com a Pastoral da Moradia da


Arquidiocese de São Paulo realizam a primeira Assembleia de Cortiços da cidade de
São Paulo.

A Arquidiocese de São Paulo organiza o primeiro encontro de Cortiços da


Pastoral da Moradia, estabelecendo uma agenda sistemática de reuniões para
discutir especificamente o problema dos cortiços na cidade de São Paulo. Estas
primeiras reuniões sistemáticas sobre a questão dos cortiços ocorriam na Igreja de
Santa Cecília no centro de São Paulo.

Destes encontros, surgiram ainda que forma embrionária, o primeiro


60

movimento municipal dos cortiços, o MUC – Movimento Unificado de Cortiços que


contou com apoio do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, da Pastoral da
Moradia da Arquidiocese de São Paulo, da Pastoral da Moradia da Região Ipiranga,
dos grupos de cortiços da região do Brás e da Mooca, entre outras organizações,
como a União dos Movimentos de Moradia de São Paulo.

Figura 26: panfleto da convocação da 1ª Assembleia de Cortiços de São


Paulo, em 02 de julho de 1989.

Fonte: CARICARI e KOHARA (2006, p. 32).

Posteriormente o Movimento Unificado de Cortiços (MUC) passa a ser


denominado Unificação das Lutas de Cortiços (ULC), matriz originária de
praticamente todos os movimentos de moradia da região central da cidade como o
Movimento de Moradia do Centro - MMC, o Fórum de Cortiços e Sem teto de São
Paulo, o Movimento Sem Teto do Centro – MSTC.

Em que pese a degradação das condições deste tipo de moradia, as


61

estatísticas com relação aos cortiços não são atuais e não são precisas, uma vez
que, a cidade de São Paulo não possui um censo sobre esta tipologia de moradia
precária. No entanto, algumas estimativas chegaram a indicar cerca de 600 mil
pessoas vivendo em cortiços na cidade (FIPE, 1994).

Outras pesquisas afirmam que mesmo com tantos imóveis vazios, os custos
dos aluguéis são incrivelmente altos, comprometendo mais de 50% da renda familiar
das que ganham até três salários mínimos.

Como destacava Villaça o papel dos cortiços no inicio da urbanização:

“O cortiço é uma solução de mercado, é uma moradia alugada, é um


produto da iniciativa privada. Em seus diversos tipos, foi a primeira forma
física de habitação oferecida ao ‘homem livre’ brasileiro da mesma maneira
que o aluguel foi a primeira forma econômica” (VILLACA, 1986, p.35 ).

Nesse mesmo sentido Kohara:

“para além desses aspectos, os cortiços mantêm as características de


estarem, predominantemente, localizados nos bairros centrais da cidade,
apresentarem diversas situações de ilegalidades e os seus moradores
terem salários insuficientes para acessarem moradias adequadas. Os
cortiços, diferentemente das favelas e de outras moradias precárias, quase
não são visíveis na paisagem urbana, porque, em geral, são edificações
que foram utilizadas como moradias unifamiliares, mas que atualmente
abrigam dezenas de famílias. Logicamente, tornam-se visíveis sempre
quando há interesse do capital imobiliário na região onde os cortiços estão
instalados, porque seus moradores são os primeiros a serem
expulsos”.(KOHARA, 2013, p.1)

É a partir da organização dos moradores de cortiços que a ação do sem teto


de São Paulo se demarcaram de forma decisiva na luta pelo direito de viver nas
regiões centrais ou bairros históricos em diversos pontos do país.

Com a visibilidade alcançada pelos Movimentos de Moradia de São Paulo,


por meio de diversas mobilizações, mas principalmente por meio das ocupações dos
imóveis vazios, passaram a influenciar os movimentos dos sem teto, de outras
62

capitais, demonstrando como estes processos de mobilização ultrapassaram as


barreiras do âmbito local, se caracterizando como uma demanda e uma articulação
de alcance nacional.

Figura 27: Noticia na Folha de São Paulo sobre articulação da CMP e MST
em apoio a luta dos movimentos sem teto em São Paulo e demais cidades do país 16.

Fonte: Folha de São Paulo (1997).

16
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff010416.htm
63

4. A luta recente pela moradia no centro de São Paulo: mobilização da


população por um lugar para viver e trabalhar

Nesta perspectiva histórica nota-se que o centro da cidade de São Paulo tem
se constituído – particularmente nos últimos anos – em um território de intenso
conflito de interesses e enfrentamentos.

Dotado de toda infraestrutura, com circulação de milhares de pessoas, esta


região se constitui num poderoso aglutinador do setor de serviços com grande
potencial de oferta de empregos, na ultima década vem se toando um território cada
vez mais estratégico para o mercado imobiliário, que o havia abandonado nas
últimas décadas.

Figura 28: Calçadão da Rua 15 de Novembro Centro de São Paulo.

Fonte: Rafaella Lima, 201417

Neste sentido comenta Ferreira18

17
Ver em: http://citieslikedreams.com/2014/09/25/mapping-contested-space-a-walk-in-downtown-
sao-paulo/
18
http://cidadesparaquem.org/textos-acadmicos/2013/2/13/produzir-casas-ou-construir-cidades-
desafios-para-um-novo-brasil-urbano - prefácio do Livro: “a batalha pelo centro de são paulo: santa ifigênia,
64

“O planejamento urbano modernista e funcionalista, que no Brasil serviu


aos interesses do Estado autoritário, foi aos poucos rechaçado, devido à
chegada da matriz econômica neoliberal da última década do século XX,
por sua pouca “flexibilidade” face às dinâmicas do mercado. O
planejamento que se buscou, a partir de então, deveria ser mais eficaz
para integrar as cidades à lógica da economia financeirizada e globalizada,
incorporando, inclusive, as áreas obsoletas e abandonadas de grande
interesse imobiliário. Deixava-se a regulação estatal do espaço público
para dar livre curso à ação dos empreendedores privados, sempre
associados a festejados arquitetos de renome internacional, em grandes
empreendimentos de “revitalização” de qualquer área remanescente que
ainda se prestasse a uma intervenção. Com fortes investimentos públicos,
muitas vezes legitimados por algum grande projeto esportivo ou cultural,
tais propostas de intervenção têm a marca da “gentrificação”, a saber, a
invariável expulsão dos moradores originais – geralmente pobres que
aceitaram viver em áreas obsoletas e abandonadas – e sua substituição
por moradores de um novo e mais alto perfil econômico” (FERREIRA 2011)
Figura 29: Ocupação da Frente de Luta por Moradia na Av. São João, 345.

Fonte: Rafaella Lima, 201419.

Neste território de intensa circulação de pessoas e mercadorias, convivem


sem teto, moradores de cortiços, catadores de material reciclável, população em
situação de rua, trabalhadores informais com destaque para os ambulantes,

concessão urbanística e projeto nova luz”. November 15, 2011 - de Felipe Francisco de Souza, São Paulo:
Paulo´s Editora, 2011. ISBN 978-85-88246-18-8
19
Ver em: http://citieslikedreams.com/2014/09/25/mapping-contested-space-a-walk-in-downtown-
sao-paulo/
65

imigrantes, meninos e meninas em situação de rua, além de um enorme número de


prédios e imóveis vazios e ociosos ocupados.

Estes atores sociais trazem em suas histórias as marcas da exclusão e da


esperança, mesmo considerando a violência de que são vítimas cotidianamente, por
comerciantes, seguranças particulares, pela polícia militar ou guarda civil
metropolitana e pelo poder Judiciário.

Transcrevemos abaixo uma passagem do livro Corações Ausentes do Padre


Arlindo Gonçalves sobre a memória de 10 anos do massacre da população em
situação de rua no centro da cidade de São Paulo:

“No dia 19 de agosto de 2004, uma quinta feira fria, uns 16 graus, às quatro
da manhã, na região da Praça da Sé, São Paulo, ocorreu um massacre. Dez
sem-teto foram atacados. Dois deles morreram na hora, quatro faleceram no
hospital, outros quatro sobreviveram. Em 22 de agosto, um novo ataque
aconteceu. Dessa vez, cinco desabrigados foram agredidos da mesma
maneira que os anteriores. Um deles morreu na hora. Dez anos após esses
acontecimentos, não houve punição e mais agressões foram cometidas
contra pessoas em situação de rua, não apenas em São Paulo, mas por todo
o Brasil” (GONÇALVES, 2014, p. 9).

Figura 30: Manifestação de denúncia da impunidade em relação ao massacre


da população de rua em 2014.

Foto: Alderon Costa, Rede Rua de Comunicação, 201420

A população de baixa renda é um dos segmentos mais vulneráveis numa

20
Ver no sítio da Rede Rua de Comunicação: http://www.rederua.org.br/
66

cidade dividida pela violência, onde parte de sua elite amedrontada aumenta mais
seus muros e se fecham em seus condomínios, marcando de forma física duas
territorialidades: uma cidade dos jardins e de bairros como Morumbi e Alphaville e
outra cidade dos cortiços, das favelas, dos sem teto, das ocupações e da população
de rua.

Estes se constituem retirantes urbanos21, desterrados, indocumentados,


ameaçados e vitimados pela especulação imobiliária, pela cidade-mercadoria.

“Uma cidade legal, bem equipada, e uma cidade real, clandestina ou irregular,
miserável, das favelas, loteamentos clandestinos, das habitações precárias de
aluguel, de cortiços, das periferias. A presença dessa clandestinidade não
deve ser vista como uma etapa transitória, mas como efeitos colaterais do
modelo de desenvolvimento econômico brasileiro” (VÉRAS, 1992).

Figura 31: Manifestação do Movimento Nacional da População de Rua em


São Paulo.

Foto Alderon Costa, Rede Rua de Comunicação, 2014.

A esperança destes segmentos que desejam viver com dignidade na região


central da cidade e lutam por seus direitos, nasce e se expressa no interior de uma
21
O conceito de retirantes urbanos para retratar os deslocamentos de pessoas de baixa renda dentro
do seu próprio território, pessoas moradoras de cortiços, pessoas que sofrem deslocamentos em despejos e
reintegrações de posse e são forçados a migrar dentro do próprio município.
67

diversidade de organizações populares, em especial, na luta dos sem teto,


construída ao longo de muitos anos.

As ocupações dos sem teto e a luta pela moradia destes segmentos vêm, em
certa medida, influenciando e transformando a face deste território, uma vez que
passaram a disputar, palmo a palmo, cada prédio abandonado, enfrentando
interesses e obstáculos mais diversos, de setores conservadores, proprietários de
imóveis vazios, do mercado imobiliário e do poder público.

Roberta Neulhold (2009) em sua pesquisa de mestrado conseguiu identificar


72 imóveis que foram ocupados por estes movimentos de moradia entre 1997 e
2007 (NEULHOLD, 2009, p. 74).

Considerando que os processos de ocupação de imóveis vazios se


intensificou nos últimos anos – levando-se em conta também o agravamento do
problema habitacional - lideranças dos movimentos de moradia que atuam na região
central estimam que ao longo dos últimos 18 anos teriam ocorrido mais de 200
ocupações de edifícios abandonados nesta região, envolvendo mais de 15 mil
famílias, cerca de 60 mil pessoas.

Estima-se em novembro de 2014, exitam cerca de 60 imóveis ocupados por


famílias de sem teto no centro da cidade de São Paulo.

Trabalhamos com a hipótese de que a partir de 1997, ano em que ocorreu a


primeira ocupação coletiva e organizada no centro de São Paulo, pela Unificação
das Lutas de Cortiços – ULC, a ação destes movimentos sem teto, vem alterando
com avanços e refluxos, a agenda das políticas públicas na área de habitação,
influenciando os investimentos e incidindo na criação de um novo arcabouço jurídico
para o acesso à moradia social na área central.

Procuramos fazer aqui, referência ao movimento social, como um sujeito


social coletivo que deve ser considerado dentro de um contexto histórico e
conjuntural.

“Há um processo de socialização da identidade que vai sendo construída.


Compartilhamos a idéia de Hobsbawm quando afirma que as identidades são
múltiplas, combinadas e intercambiáveis. Ao contrário da política de
68

identidades construídas pelo alto, usualmente de forma homogênea (...), a


identidade política dos movimentos sociais não é única: ela pode variar em
contextos e conjunturas diferentes. E muda porque há aprendizagens, que
geram consciência de interesses. Os sujeitos dos movimentos sociais
saberão fazer leituras do mundo, identificar projetos diferentes ou
convergentes, se participarem integralmente das ações coletivas, desde seu
início, geradas por uma demanda socioeconômica ou cultural relativa, e não
pelo simples reconhecimento no plano dos valores ou da moral”. (GHON,
2006 p.10).22

Os setores empresariais, os banqueiros e profissionais liberais, também se


organizaram ao longo deste período. Articularam-se em Associações, como a
Associação Viva Centro (uma articulação predominantemente de empresários,
comerciantes, banqueiros, e ONGs), Conselhos de Segurança e nos grupos de
Ações Locais, nos distritos do centro, por exemplo.

Passaram a pressionar especialmente o poder púbico por pesados


investimentos, com o objetivo de revitalizar e transformar o centro num moderno
território de atividades e serviços sofisticados, moradia para a classe média, com
hotéis, teatros, serviços públicos, cafés, bares e restaurantes, refletindo as
tendências internacionais de cunho neoliberal, de projetos e discurso focados na
cultura, como mote para abertura de espaço a investimentos imobiliários.

Embora se saiba que as cidades modernas sempre estiveram associadas à


divisão social do trabalho e à acumulação capitalista, que a explotação da
propriedade do solo não seja um fato novo, e que haja - como mostrou à
exaustão Lefebvre e depois toda a geografia humana recente - urna relação
direta entre a configuração espacial urbana e a produção ou reprodução do
capital, como estamos vendo, há algo de novo a registrar nessa fase do
capitalismo em que as cidades passaram elas mesmas a ser geridas e
consumidas como mercadorias. (ARANTES, 2000, p.26)

22
file:///C:/Users/francisco.comaru/Downloads/sbs2011_GT13_Maria_da_Gloria_Gohn%20(1).pdf
Teorias sobre os movimentos sociais: o debate contemporâneo Autora: Maria da Glória Gohn-
69

Figura 32: Jornal da Associação Viva Centro que apresenta uma posição
conservadora sobre o território do Centro na perspectiva da valorização imobiliária e
de território controlado e vigiado.

Fonte: Site da Associação Viva Centro publicação da Associação Viva Centro SP.23

Neste sentido, diversas iniciativas do poder público e do setor privado, quase


sempre estiveram longe de combinar suas ações com a presença e inclusão dos
segmentos excluídos no centro. Conforme Ferreira (2004) sugere

“para o mercado imobiliário, que se insere no grupo social das “classes


dominantes”, a participação nesse esforço de construção da imagem de
uma “cidade-global” parece natural, pela mobilização que ele representa
em torno de possibilidades de investimentos e rentabilidade em um cenário
recessivo. Se o modelo da “cidade-global” favorece as classes dominantes,
é porque favorece essencialmente, (..), oligarquias arcaicas que atuam no
mercado imobiliário. É sem dúvida o mercado que tem mais a ganhar, e
vem ganhando, com esse processo”. (FERREIRA, 2004, p.3)

Ferreira ainda afirma:

“A grande mídia, por sua vez historicamente e predominantemente, tem se


prestado ao serviço de reprodução de interesses econômicos dominantes.

23
Disponível em http://www.vivaocentro.org.br/acervo-e-
publica%C3%A7%C3%B5es/peri%C3%B3dicos-viva-o-centro/o-tri%C3%A2ngulo.aspx
70

Reforçando o coro da “cidade-global” paulistana, são inúmeros os artigos


na grande imprensa24, especializada ou não, festejando a “vocação global”
da cidade e suas “inquestionáveis” comprovações, como os cerca de 4
milhões de "turistas de negócios", a modernidade dos nossos “Business
Districts”, a “substituição” da indústria pelos serviços, a moderna e
"internacionalizada" rede hoteleira, a proliferação dos edifícios
“inteligentes”, e assim por diante.” (FERREIRA, 2004, p.3)

Figura 33: Avanço do mercado imobiliária no centro de São Paulo


Rua Quirino de Andrade X Avenida São Luiz, 2014.

Fonte: Rafaella Lima, Rua Martins Fontes, 2014.25

24
Ver, por exemplo, Nely Caixeta. Cadê a fábrica que estava aqui? Revista Exame, edição 661,
06/04/1998,e Os efeitos da concentração. Revista Veja, Edição Especial, maio de 2002.
25
Disponível em: http://citieslikedreams.com/2014/09/25/mapping-contested-space-a-walk-in-
downtown-sao-paulo/
71

Em oposição a esta agenda neoliberal urbana, desde 1997, a ULC e o Forum


de Cortiços e Sem Teto de São Pulo, ligados a União dos Movimentos de Moradia de
São Paulo, forma articulada, passaram a denunciar esta situação, a propor - e a
impor - uma nova agenda para o centro da cidade de São Paulo: sempre
entendendo que seria possível a diversidade de convivência pacífica entre
segmentos sociais diversos na região, ou seja, que seria possível a coexistência da
moradia popular, do comércio ambulante e dos catadores de material reciclável, com
a criação de corredores culturais, e com moradia para a classe média.

Estes movimentos sociais se organizam através de:

“ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais


pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas
demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil.
Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e
problemas em situações de: conflitos, litígios e disputas. As ações
desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma
identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Esta
identidade decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a
partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados
pelo grupo” (GHON, 1995 p. 44).

Figura 34: FLM: Unificação de Lutas de Cortiços e Frente de Luta por Moradia
(FLM), coletivo de movimentos de sem-teto de São Paulo, ocuparam mais 21
prédios abandonados em novembro de 2011 (28/10/2012).

Fonte: Frente Luta Por Moradia – FLM. Avenida São João, 601, 2012.
72

Outro elemento a considerar nesta reflexão seria, diante ao processo


crescente de esvaziamento do centro com milhares de imóveis abandonados, que
haja uma pressão sistemática das camadas populares, para que ocorra um processo
inverso de (re) ocupação destes imóveis, com a possibilidade de se zerar ou diminuir
significativamente o déficit habitacional na cidade.

Figura 35: Manifestação dos Movimentos de Luta pela Moradia por Habitação
no Centro de São Paulo, 2014.

Fonte: Unificação de Lutas de Cortiços.

Figura 36: Prédio abandonado e lacrado da Rua Asdrúbal do Nascimento –


transformado em Locação Social (2006).

Fonte: Fórum Centro Vivo, 2006, (Foto: Raphael Maureau).26

26
Disponível em : http://www.polis.org.br/uploads/977/977.pdf
73

4.1 O direito de Morar no centro associado à conquista de novos instrumentos


da política urbana

As inúmeras ações dos Movimentos dos Sem Teto nos centros urbanos ao
longo destes últimos vêm ganhando importância estratégica na agenda da reforma
urbana e da luta pelo direito à moradia do país.

Há um crescente interesse de amplos segmentos pelo tema e pode-se afirmar


que as articulações e os movimentos pela moradia no centro ganharam mais
visibilidade nos últimos anos.

A articulação de espaços comuns de mobilização e de pressão sobre o poder


público, com a presença de um conjunto significativo de atores do campo da reforma
urbana, envolvendo desde a universidade, a moradores em situação de rua, artistas
e grupos culturais alternativos e movimentos populares é uma realidade presente
em São Paulo e em outras capitais do país.

É relativamente comum que nestes processos haja muita organização, entre


os sujeitos da luta pela moradia, que haja diversidade de tarefas, com uma agenda
extremamente dinâmica com fortalecimento das lutas comuns dos Movimentos na
região central da cidade.

Neste sentido, estes grupos procuram denunciar os imóveis vazios,


organizam teatro de rua, articulam comitês temporários, documentos e dossiês de
denúncia de violações dos direitos humanos das pessoas excluídas do centro de
São Paulo.

Buscam dar mais visibilidade às suas pautas, expor as violações realizadas


pelo poder público e pela iniciativa privada, indicar as infrações cometidas contra as
leis nacionais e internacionais de proteção dos direitos humanos e de proteção
social, econômica e jurídica dos grupos marginalizados.

Para além destas conquistas mais gerais, os Movimentos sem teto do centro
de São Paulo, influenciaram de forma determinante na criação de instrumentos mais
específicos de acesso à moradia neste território, como a Lei Moura – Lei Municipal
74

10.928/91, que apresentou uma conceituação legal sobre cortiços e apresentou


parâmetros mínimos de habitabilidade deste tipo de habitação. Esta Lei, visa
proteger os moradores da exploração dos intermediários e garante o direito à
concessão de tarifas sociais de água, energia, gás e esgoto.

”inovadora a Lei Moura procurou dar resposta a problemas enfrentados por


moradores de cortiços, mas pelos seus parâmetros a maioria dos cortiços
se encontra fora da legalidade. A fiscalização ficou prejudicada pois
depende de uma política habitacional que atenda o grande número de
pessoas e famílias despejadas de cortiços irregulares. Então a Lei Moura
apesar de sua importância por trazer dispositivos progressistas, ainda não
foi um instrumento suficiente de mudar a situação dos moradores de
cortiços”. (BEDESCHI, 2006 p. 130)

Outro elemento que dá dimensão às ações destes atores, refere-se às


conquistas, para além da Lei Moura, de outros instrumentos jurídicos e urbanísticos
para garantia da moradia no centro tais como27

- Resolução CMH nº 04, de 30 de janeiro de 2004 – Programa Bolsa


Aluguel;

- Resolução CFMH nº 23, de 12 de junho de 2002 – Programa Locação


Social

Resolução CMH nº 15, de 07 de dezembro de 2004 – Programa de


Cortiços – Reabilitação da Moradia Coletiva;

- Resolução CMH n° 35, de 17 de junho de 2008 - Autoriza a aquisição


de imóveis na região central(SÃO PAULO, 2014)

E ainda a demarcação de ZEIS 328 nos planos diretores de 2002 e 2014, onde houve

27
Resoluções do Conselho Municipal de Habitação / Sehab, São Paulo.
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/organizacao/cmh/index.php?p=1826

28
Zeis 3 Refere-se a instrumento urbanístico, que grava em Lei imóveis vazios em áreas bem
localizadas e com infra estrutura, para habitação de interesse social ver em
75

intenso envolvimento dos Movimentos na busca por imóveis vazios.

Como já citado, por vezes, “tais instrumentos não apresentam impactos


imediatos, mas podem ser importantes para a viabilização da habitação popular nas
zonas centrais das cidades”. (DIOGO, 2004). Instrumentos como ZEIS - Zonas
Especiais de Interesse Social e outros estabelecidos no Plano Diretor podem facilitar
a regularização e aquisição dos imóveis vazios ou mesmo imóveis públicos para
moradia social.

Os movimentos sociais, especialmente os de habitação participaram


ativamente das discussões e da definição das Zonas Especiais de Interesse Social
presentes do Plano Diretor, que é a mais importante reserva de imóveis vazios na
cidade para construção de habitação popular na cidade desde então. Porém,
identificam-se significativos entraves na destinação destes imóveis demarcados
como ZEIS para habitação de interesse social.

Os proprietários têm disponibilizado os terrenos prioritariamente para os


segmentos com rendas mais altas, e por outro lado, o poder público tem
demonstrado dificuldade e pouco interesse para desapropriar ou viabilizar imóveis
para a Moradia Popular.

No município de São Paulo, já na gestão da Prefeita Luiza Erundina


(1989/1992), como já mencionado houve os primeiros projetos Casraão Celso
Garcia Garcia na região do Brás e Madre de Deus na Mooca, do denominados
Programa de Cortiços, e após estas primeiras conquistas os Movimentos
conquistaram unidades habitacionais no centro através do Programa de
Arrendamento Residencial – PAR da Caixa Econômica Federal, no Programa de
Atuação em Cortiços – PAC/BID da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e
Urbano – CDHU, do Programa de Crédito Solidário e Minha Casa Minha Vida do
governo federal.

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/legislacao/plano_diretor/index.
php?p=1386
76

Figura 37: Jornal Estado de S. Paulo, sobre a Conquista do Empreendimento


Habitacional da Avenida Ipiranga pela Unificação das Lutas dos Cortiços.

Fonte: Reportagem do jornal Estado de S. Paulo29 2014.

Figura 38: Interior do Prédio da Avenida Ipiranga.

Fonte: Jornal o Estado de São Paulo, (2014).

No que diz respeito ao Governo Estadual, os movimentos de moradia do centro,


influenciaram de forma determinante na criação do Programa de Atuação em

29
Acessado em: 14/10/2014. Disponível em: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,minha-casa-minha-
vida-financia-1-reforma-no-centro-de-sp,1566198
77

Cortiços da CDHU, que teve suporte financeiro do Banco Interamericano de


Desenvolvimento e uma pequena parceria com Prefeitura Municipal de São Paulo,
com indicação de demanda dos próprios movimentos de moradia (Tabela 05).

Um dos casos mais emblemáticos neste Programa trata-se do cortiço


conhecido como cinema da Mooca, que após uma luta de anos o Movimento de
Moradia conquistou um empreendimento habitacional neste bairro para 232 famílias
dentro do programa PAC/BID CDHU.

Figura 39: Perímetro de intervenção do PAC/BID no centro e centro


expandido de São Paulo.

Fonte: Relatório Geral do Programa de Atuação em Cortiços CDHU - PAC. (p. 17).

A partir dos anos 1990, ao todo são contabilizados cerca de 50 projetos


habitacionais por diversas esferas governamentais que foram conquistados pelos
Movimentos de Moradia na área central de São Paulo.

Apesar dos números não serem muito significativos em termos quantitativos, e de


haver necessidade de um acréscimo, diante da quantidade de esforços que os
movimentos despenderam nestes últimos 25 anos – do ponto de vista qualitativo é
extremamente importante que esta produção tenha ocorrido, inclusive no sentido de
se reconhecer que é possível realizar habitação social no centro da cidade.

No ano de 2008, a Prefeitura Municipal de São Paulo, durante a Gestão do


78

Prefeito Gilberto Kassab (2007/2008 e 2009/2012),assumiu o compromisso de


destinar 80 imóveis vazios no centro de São Paulo para habitação de interesse
social. (Figura 40)

Figura 40: Reportagem da Folha de São Paulo em Prefeito, sobre o


compromisso do prefeito com a desapropriação de imóveis na região central.

Fonte: Folha de São Paulo (2009).

A partir de estudos da viabilidade o número de imóveis para destinação, foi


reduzido para 53, e no entanto, apenas 04 imóveis acabaram sendo desapropriados
para HIS.

A atual gestão municipal sob o comando do prefeito Fernando Haddad


(2013/2016) se comprometeu a produzir 39 empreendimentos de habitação social na
região central.
79

Tabela 3: Conquistas, desafios e atores.

Ano Conquistas/Desafios Atores identificados

Mobilizações em torno da pauta dos cortiços Pastoral da Moradia da


1975/1985 – e Luta dos Quintais da Mooca – grandes Arquidiocese de São
da Ditadura mobilizações pelo fim da Ditadura por Paulo – Associação dos
Militar eleições diretas Trabalhadores da
Nasce a CUT , o MST a CMP e a UMM Região da Mooca ATRM

Pastoral de Moradia –
Período constituinte e pós-constituinte - Centro Gaspar Garcia de
Primeira Assembléia dos Cortiços – Nasce o Direitos Humanos
Movimento de Cortiços - Luiza Erundina PT Movimento de Cortiços -
vence as eleições em assume em São Associação dos
Paulo – Criação do Programa de Cortiços - Trabalhadores da
Região da Mooca ATRM

Pastoral da Moradia e
Lei Moura – início de uma definição da
Movimentos de Moradia
política de cortiços –– Encaminhamento de
1985/1992- – Centro Gaspar Garcia
Política de Cortiços em parceria com
Constituinte/ de Direitos Humanos –
prefeitura municipal de São Paulo – Surgem
Prefeita Associação dos
os Primeiros Projetos autogeridos e os
Luiza Trabalhadores da
Subprogramas
Erundina Região da Mooca ATRM

Movimentos de Moradia
São entregues os primeiros projetos em – ULC – ATRM –
parceria com os Movimentos – Celso Garcia Pastoral da Moradia da
e Madre de Deus e são adquiridos os Região Episcopal do
terrenos dos subprogramas Ipiranga – Centro
Gaspar Garcia DH

Paralisação dos projetos e ao Programa


Cortiços em andamento - muitas lutas e
mobilizações, muitos despejos. É montada
uma equipe para Formulação de Diretrizes Movimentos de Moradia
para Cortiço– que encaminha as diretrizes – Pastoral da Moradia –
1993/1996 – para a Criação do primeiro levantamento Centro Gaspar Garcia de
Governo quantitativo de Cortiços da FIPE USP, Direitos Humanos –
Maluf período que os Movimentos se articulam em Fórum Centro Vivo –
torno das políticas do PAC/BID- CDHU- Unificação das Lutas dos
onde, em parceria com as assessorias Cortiços – ATRM
técnicas e Movimentos para levantamento
dos cortiços são iniciadas as primeiras
ocupações de prédios no centro.
80

Movimentos de Moradia
em geral – Pastoral da
Moradia da Arquidiocese
– Centro Gaspar Garcia
de Direitos Humanos –
Iniciam as ocupações de forma organizadas
Fórum Centro Vivo –
no centro. Projetos continuam paralisados –
Fórum de Cortiços e
é criado o Procentro e é realizado um
Sem Teto de São Paulo,
levantamento de imóveis vazios a pedido do
Movimento de Moradia
1997/2000 – Procentro – Lei Urbana Centro é aprovada.
do Centro – MMC, e
Governo Pita É aprovado em âmbito estadual o decreto
Movimento Sem Teto do
43.132 para o Convênio e Financiamento
Centro –MSTC – Garmic
com BID para atender inicialmente cinco mil
– Grupo de Articulação
famílias moradores de cortiços –
dos Idosos para a
Movimentos realizam ocupações
Moradia no Centro,
Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto
da Região Central –
MTSTRC

Movimentos de Moradia
A prefeita Marta Suplcy retoma as Obras
em geral – Pastoral da
dos subprogramas e implementa com o
Moradia da Arquidiocese
Caixa o Programa de Arrendamento
– Centro Gaspar Garcia
Residencial no centro – Implanta o
de Direitos Humanos –
programa de Locação Social, Programa
Fórum Centro Vivo –
Bolsa aluguel e o Programa de Cortiços é
Universidade – Fórum
criada a CIRC – Comissão para Intervenção
de Cortiços e Sem Teto
e Recuperação dos Cortiços com
de São Paulo,
fundamento no Decreto 33189/93 ,
Movimento de Moradia
2001/2004 – regulamenta a Lei Moura. Esta comissão
do Centro – MMC, e
Governo passou a atuar em parceria com a CDHU –
Movimento Sem Teto do
Marta Suplicy Famílias do Edifício São Vito fazem um
Centro –MSTC – Garmic
acordo com prefeitura e deixam prédio com
– Grupo de Articulação
a promessa de retorno. Movimentos
dos Idosos para a
realizam ocupações. Movimento ocupa os
Moradia no Centro,
imóveis da CDHU PAC Pari e conquistam a
Movimento dos
as primeiras unidades habitacionais no
Trabalhadores Sem Teto
PAC/BID e no Programa de Arrendamento
da Região Central –
Residencial. Movimentos dos Catadores
MTSTRC – Movimento
conquistam terrenos para projeto Credito
de Moradia da Região
Solidário no Centro de São Paulo em
Centro – MMRC
parceria com a Caixa Econômica Federal
81

Parte das obras do Programa de Locação


Social são concluídas – e não mais
retomadas. Movimentos continuam com as
ocupações. Inicia-se as discussões do Movimentos de Moradia
projeto Nova Luz –Movimentos conquistam – Centro Gaspar Garcia
Unidades Habitacionais no PAC/BID. de Direitos Humanos ––
2005/2008 –
Prefeito Kassab readequa os numeros e Universidade –
Governo
promete realizar desapropriações de 53 Ministério Público –
Serra/Kassab
imóveis no centro. Inicia os projetos do Defensoria Pública –
Programa Crédito Solidário: Novo Horizonte Coopamare e Coopere
e Conquista em parceria com os Catadores Centro – Recifran
com aporte da prefeitura e CDHU –
Subprefeitura da Mooca e Sé realizam
fiscalização de cortiços.

Expulsão das Famílias do Edifício Mercúrio/


Demolição do São Vito - Muitos Conflitos
com os Movimentos de Moradia – amplia
articulação com a CDHU para notificação e
erradicação de cortiços – Fim do PAC BID –
CDHU – Não há parcerias no centro com o
governo federal. Movimentos Continuam as
ocupações e conquistam os primeiros
Movimentos de Moradia
imóveis de forma direta do governo federal –
– Centro Gaspar Garcia
SPU – Secretaria do Patrimônio da União e
de direitos humanos –
2009/2012 INSS. Prefeitura inicia o Projeto Nova Luz e
Apropriação da Luz –
Gestão instala o conselho gestor da Zeis da Luz,
Comerciantes da Região
Gilberto Movimentos resistem e derrotam o projeto
de Santa Efigênia –
Kassab Nova Luz na justiça e com fim do PAC BID
Universidade –
surge a proposta das Parcerias Público
Ministério Publico –
Privadas no Centro, governo do estado
Defensoria Publica
promete implantar 20 mil unidades
habitacionais no centro. Movimentos
resistem e Ministério Publico barra o projeto.
Movimentos se articulam em nível nacional
para conquistar imóveis do governo federal
– INNS – SPU – Rede Ferroviária Federal –
São desapropriados apenas 03 imóveis dos
53 prometidos.
82

Ocupações continuam – muitas


reintegrações – conflitos com o judiciário e
policia militar. Pauta do centro travada.
Movimentos consolidam parcialmente suas
conquistas sobre os imóveis do governo
federal e iniciam as reformas dos prédios no
Movimentos de Moradia
centro. Projetos dos catadores são
– Centro Gaspar Garcia
2013/2014 retomados. Prefeitura dá continuidade a
de Direitos humanos –
Gestão parceria coma CDHU no programa das
Apropriação da Luz ––
Fernando Parcerias Publico Privadas – destinado
Universidade –
Haddad terrenos do INSS e da Prefeitura . Projeto
Ministério Publico –
nova luz é enterrado. Prefeitura reduz a
Defensoria Publica
meta de desapropriação no centro para 39
imóveis e até momento – desapropria até
momento 03 imóveis.. Movimentos realizam
ocupações e sofrem onda despejos
violentos. Rua Mauá e Prestes Maia são
desapropriados.

A tabela 4 apresenta dados sobre os empreendimentos conquistados pelos


Movimentos de Moradia no Centro no período de 1991 a 2014.

Tabela 4: Empreendimentos de Programas da Prefeitura de São Paulo.


Empreendimentos de Habitação Social na Região Central de São Paulo
Programas Municipais / SEHAB/COHAB
Empreendimento Número de unidades
1 Mutirão Madre de Deus 45
2 Mutirão da Celso Garcia 182
3 Imoroty 8
4 Pedro Fachini 12
5 Vilinha 25 de Janeiro 33
6 Eiras Garcia 15
7 Olarias – Locação Social 137
8 Parque do Gato – Locação Social 486
9 Vila dos Idosos – Locação Social 145
10 Baronesa Porto Carrero 22
11 Senador Feijó - Locação Social 45
12 Asdrúbal do Nascimento - Locação Social 40
13 Riachuelo 120
14 Palacete dos Artistas (1) 50
15 Mario de Andrade / Sande (1) 34
16 Santo André / Celso Garcia (1) 30
17 Lord Hotel / Palmeiras (1) 176
18 Hotel Cambridge (1) 121
19 Mauá (2) 118
20 Prestes Maia (2) 278
Subtotal 2.097
Fonte: Cohab - SP e Sanches (2008)
(1) Empreendimentos Desapropriados pela PMSP em projeto ou em obras com recursos do FMH e Governo Federal
(2) Edifícios desapropriados, em fase final de desapropriação ou estudos e ante-projeto pela PMSP

Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo


83

Nota-se que a prefeitura de São Paulo viabilizou cerca de 2097 unidades


habitacionais no centro, entre 1989 e 2014, sendo que há uma concentração
importante da produção na gestão da prefeita Marta Suplicy anos 2001/2004.

Tabela 5: Empreendimentos do Programa PAC BID CDHU.


Empreendimentos de Habitação Social na Região Central de São Paulo
Programa Estadual PAC BID CDHU
Empreendimento Número de unidades
1 Brás G1 - R. Sampaio Moreira, 205 88
2 Brás G2 - R. Sampaio Moreira, 207 200
3 Brás M - R. Martim Burchard, 254 66
4 Mooca A - Rua Pires de Campos 33 238
5 Mooca B - R. Dr. Fomm, 173 140
6 Mooca C - R. Dr. Fomm, 235 268
7 Pari A - R. Canindé, 53 160
8 Pari A2 - R. Canindé, 53 160
9 Pari D - R. Canindé, 306 42
10 Pari E - R. Madeira, 124 51
11 Pari F - R. João Pessoa, 400 17
12 Pari G - Rua Canindé, 503 26
13 Bela Vista A - R. São vicente, 248 57
14 Bela Vista D - Rua Conde de S. Joaquim, 163 59
15 Belém H - R. Carlos Guimarães, 82 44
16 Belém I - Av. Celso Garcia, 2588 62
17 Belém K - Av. Celso Garcia, 1634 53
18 Belém L - Av. Celso Garcia, 2224 38
19 Bom Retiro C - R. guilherme Maw, 96 73
20 Bom Retiro D - R. Djalma Dutra, 228 63
21 Santa Cecília A - R. Pirineus, 117 28
22 Santa Cecília C - R. Ana Cintra, 123 70
23 Cambuci A - Melhor idade (1) 66
Total 2.069
Fonte: SÃO PAULO (2012). PAC BID. Relatório Geral. CDHU: Governo Estado: BID: São Paulo, 2012.
(1) Empreendimento Cambuci A não fez parte do Programa PAC BID
Fonte: COMPANHIA DE HABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO - Relatório
Geral de Atuação em Cortiços

A CDHU viabilizou na região central, no período analisado, por meio do


Programa PAC/BID cerca de 2069 unidades habitacionais.
84

Tabela 6: Empreendimentos com pendência e obras não iniciadas do Programa


PAC BID CDHU.
Empreendimentos de Habitação Social na Região Central de São Paulo
Programas Estadual PAC BID CDHU
Empreendimento Número de unidades
1 Bela Vista E - R conde de S. Joaquim, 85 (1) 31
2 Bela Vista G - R. Conde de S. Joaquim, 140 (2) 104
3 Sé A - R. Tomas de Lima, 85 (3) 58
4 Santa Cecília D - A. glete 783 (4) 91
5 Belém J - Av. Celso Garcia, 2662 (5) 38
Total 322
Fonte: SÃO PAULO (2012). PAC BID. Relatório Geral. CDHU e depoimento da Arq. Maria Claudia Brandão
Obs : O empreendi mento (1) previ s to pa ra 2016
O empreendi mento (2) previ s to pa ra 2015
O empreendi mento (3) e (4) em revi s ã o de us o
O empreendi mento 5 es tá Ocupa do por fa míl i a s Sem Teto
Fonte: COMPANHIA DE HABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO Relatório
Geral de Atuação em Cortiços

Tabela 7: Empreendimentos viabilizados por Programas do Governo Federal.


Empreendimentos de Habitação Social na Região Central de São Paulo
Programas Federais / PAR CAIXA / Crédito Solidário / MCMV
Empreendimento Número de unidades
1 Maria Paula (PAR/CAIXA) 75
2 Labor Brigadeiro Tobias (PAR/CAIXA) 84
3 Fernão Sales (PAR/CAIXA) 54
4 Riskallah Jorge (PAR/CAIXA) 167
5 Olga Benário Prestes (PAR/CAIXA) 84
6 Joaquim Carlos (PAR/CAIXA) 93
7 Hotel São Paulo (PAR/CAIXA) 152
8 PRIH LUZ (PAR CAIXA) 403
9 Conselheiro Crispiniano (MCMV) 102
10 Av. Ipiranga (MCMV Entidades) 120
11 Maria Domitila (MCMV Entidades) 245
12 Rua Baker (MCMV Entidades) 19
13 Vila Monumento / Irmã Maria Luisa (MCMV) 29
14 Vila Monumento / Nova Esperança (MCMV) 39
15 Vila Monumento / Estrela Guia (MCMV) 37
16 São Joaquim (MCMV Entidades) 100
17 Novo Horizonte (Crédito Solidário/CAIXA/MCidades) 63
18 Conquista (Crédito Solidário/CAIXA/MCidades) 27
Total 1.893
Fonte: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Nota-se que o governo federal produziu e tem previsto para produzir cerca de
1893 unidades habitacionais.
85

Tabela 8: Síntese da produção de HIS de todos os entes federativos nos últimos 25


anos na região central de São Paulo30.
Empreendimentos de Habitação Social na Região Central de São Paulo
Programa Unidades prontas, em construção ou previstas
Prefeitura (SEHAB/COHAB) 2097
Governo do Estado (CDHU) 2391
Governo Federal (PAR CAIXA, Crédito Solidário e MCMV) 1893
Total 6381
Obs: Importante considerar que na prática, a maioria dos empreendimentos
conta com participação de mais de um ente federativo na sua realização

Se imaginássemos que essas unidades estão todas entregues e que o ritmo


de produção fosse uniforme teríamos uma média de produção de cerca de 255
unidades habitacionais por ano, considerando a produção e projeto dos três níveis
da federação.

Nota-se que a partir da Gestão Marta Suplicy e por pressão dos movimentos
de moradia teve inicio uma maior articulação entre os entes federativos (governos
federal, estadual e municipal) para viabilização de empreendimentos de habitação
social na região central de São Paulo.

Observa-se que no Programa de Arrendamento Residencial, na gestão do


Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), havia uma articulação para
que a Prefeitura oferecesse contrapartidas no programa, e os beneficiários finais
eram indicados pelos Movimentos de Moradia do Centro.

A mesma relação se deu entre o Programa de Cortiços da Prefeitura de São


Paulo e a implementação do Programa PAC/BID da CDHU, onde se associava a
requalificação, reforma ou mesmo a erradicação de cortiços em situação de risco ao
Programa do Governo do Estado.

Neste sentido, uma grande parte das famílias moradoras de cortiços


cadastradas pela prefeitura foi encaminhada ao programa PAC BID.

Na mesma direção se deu o Programa Crédito Solidário31 que beneficiará


cerca de 90 catadores pertencentes à Coopamare, Recifran e Coopere Centro, da

30
Não foram incorporados nesta lista empreendimentos que estão sendo discutidos no âmbito das
PPPs, uma vez que não há informações disponíveis até a redação deste trabalho.
31
Ver Programa de Credito Solidário em http://www.cidades.gov.br/index.php/programas-e-
acoes/519-programa-credito-solidario.html
86

mesma forma que Governo do Estado e Prefeitura participam com contrapartidas


para viabilização de projetos no centro, em parceria com o Programa Minha Casa
Minha Vida.

4.2 Políticas de Habitação das Áreas Centrais das Grandes cidades: limites e
desafios na perspectiva do direito à cidade e da reforma urbana

O SFH – Sistema Financeiro da Habitação e o BNH- Banco Nacional da


Habitação criado pela Ditadura Militar para enfrentar a questão habitacional a partir
de 1964 e o extinto BNH em 1986, deixaram uma profunda ferida na cena urbana
brasileira.

“Em uma carta a futura presidente do Banco Nacional da Habitação Sandra


Cavalcanti, enviada ao primeiro presidente do regime militar General
Castelo Branco em 1964, revela claramente a intenção da política
habitacional: Achamos que a Revolução vai necessitar agir vigorosamente
junto às massas. Elas estão órfãs e magoadas, de modo que vamos ter
nos esforçar para devolver a elas uma certa alegria. Penso que solução do
problema da moradia, pelo menos nos grande centros, atuará de forma
amenizadora e balsâmica sobre as suas feridas cívicas” (MARICATO,
1997, p. 49).

Após o fim do BNH a crise habitacional atingia de maneira profunda as


grandes cidades brasileiras, considerando que

“durante este período o Estado intervencionista promoveu o financiamento


de 4 milhões de moradias através do Sistema Financeiro da
Habitação...neste sentido a ideologia da casa própria se tornou
absoluta.(MARICATO, 1997. p. 48).

Ao final de período de 22 anos, entre 1964 a 1986, a segregação espacial e a


exclusão social se aprofundaram. “O problema da moradia se agravou” (MARICATO,
1997, p. 49).

Assim, não houve transição entre a velha política da ditadura militar e a “nova
política” associada à agenda neoliberal. Ao contrário, entre a velha política do BNH e
a “nova política neoliberal” do estado mínimo, na gestão Collor (entre os anos de
87

1990 a 1992) e Itamar/FHC (1992 a 2002), praticamente não houve política alguma
que respondesse às demandas habitacionais para famílias de menor renda e menos
ainda, ações includentes no que diz respeito às famílias moradoras em áreas
centrais das cidades.

Após o período do BNH, o que existe de habitação nas áreas centrais, está
associado a uma forte agenda de mobilizações do sem teto nos centros urbanos,
onde, em pleno processo de implementação da agenda neoliberal, passam de forma
organizadas a ocupar prédios vazios nos centros urbanos, entre eles, muitos imóveis
públicos pertencentes ao Instituto Nacional de Previdência Social – INSS.

Neste período, aprofunda-se ainda mais a segregação territorial entre centro e


periferia, e as respostas ainda pontuais caminharam muito mais no sentido da
higienização das áreas centrais e numa sistemática expulsão das famílias de menor
renda das regiões centrais e áreas mais valorizadas das cidades.

Na gestão Collor (1990/1991), se criam as condições reais de


desregulamentação, desmonte e esvaziamento do papel do Estado brasileiro como
formulador e gestor de políticas públicas.

Entendo que durante a gestão do Governo Itamar e FHC, de forma tímida e


por pressão dos movimentos de moradia, a questão habitacional recupera certa
importância setorial com a criação da SEDU-PR- (Secretaria de Desenvolvimento
Urbano), num primeiro momento vinculado a Presidência da República e em seguida
ao Ministério do Planejamento. Neste mesmo período é criado o Programa de
Arrendamento Residencial – (PAR).32.

O Programa de Arrendamento Residencial, criado a partir da Criação do


Fundo de Arrendamento Residencial, se articulava com um “mix” de recursos
orçamentários subsidiados, com recursos onerosos do Fundo de Garantia de Tempo
de Serviço – FGTS - ou seja, o programa se fundamentava numa combinação se
subsídios e recursos retornáveis-, expressando, ainda que timidamente, uma política
nacional de moradia.

32
http://www.caixa.gov.br/pj/pj_social/mp/habitacao_social/par/saiba_mais.asp
88

“Em 1995 é realizada uma reforma no setor da política habitacional, com a


extinção do Ministério do Bem-Estar Social e a criação da Secretaria de
Política Urbana (SEPURB) no âmbito do Ministério do Planejamento e
Orçamento (MPO), esfera que ficaria responsável pela formulação e
implementação da Política Nacional de Habitação. Embora tenha
mostrado, de início, intenções reformadoras, a ação da SEPURB
caracterizou-se por uma retração do setor institucional.Verifica-se, então,
uma contínua redução dos quadros técnicos e uma perda de capacidade
de formulação, que vai se aprofundando ao longo do tempo. A
transformação da SEPURB em Secretaria Especial de Desenvolvimento
Urbano (SEDU) não trouxe mudanças significativas nesse processo,
persistindo a desarticulação institucional e a perda de progressiva de
capacidade de intervenção. As áreas da habitação e do desenvolvimento
urbano permanecem sem contar com recursos financeiros expressivos e
sem capacidade de gestão no plano federal” (BRASIL, 2004 p 10)33.

Ao mesmo tempo, cabe destacar que esta política não conseguia atingir
diretamente as famílias de baixíssima renda, entre 0 e 3 salários mínimos. Destaca-
se que, na época, cerca de 80% do déficit de habitação no país já se concentrava
nas famílias de baixíssima renda.

A partir do acúmulo oriundo de pequenas experiências da política de moradia


destinada para a área central de São Paulo, na gestão da Prefeita Luíza Erundina
(FELIPE, 1997; COMARÚ, 1998), são estabelecidas as condições para que
posteriormente os movimentos populares de moradia pudessem exigir da Caixa
Econômica Federal o redirecionamento de parte dos recursos do PAR para projetos
em área central das cidades.

Assim, após forte pressão dos movimentos sociais, surgem as primeiras


experiências de moradias sociais com recursos federais através do Programa de
Arrendamento Residencial, com experiências mais significativas no Rio de Janeiro e
São Paulo.

33
http://www.seplan.ro.gov.br/Uploads/Arquivos/PDF/Conf.%20Cidades/ministerio/4Pol%C3%ADticaN
acionalHabitacao.pdf
89

Em São Paulo, os projetos mais conhecidos passaram pela requalificação de


imóveis ocupados pelos “Movimentos Sem Teto”, como os Edifícios: Brigadeiro
Tobias, Maria Paula, Fernão Sales, Riskalah Jorge, Hotel São Paulo, Joaquim Carlos
e Edifício Banespa, na Avenida Celso Garcia.

Ocorrem também, ainda que de forma incipiente, as primeiras articulações


entre governo federal e as prefeituras locais, envolvendo contrapartidas, recursos
locais e definição conjunta da demanda.

Na gestão da prefeita do Município de São Paulo Marta Suplicy, (2001/2004),


foi constituído o Fórum de Entidades do Centro, para tratar de forma conjunta da
definição dos projetos e discussão de demandas, especialmente para tratar da
interlocução com a Caixa Econômica Federal e própria Secretaria Municipal de
Habitação.

Um dos exemplos desta iniciativa, consistiu na viabilização da desapropriação


do Edifício Hotel São Paulo, ocupado pelo Fórum de Cortiços e Sem Teto de São
Paulo no ano de 2002.

Este edifício foi adquirido pela Caixa com contrapartida da Cohab - São Paulo
e requalificado com recursos do Fundo Arrendamento Residencial, com metade dos
beneficiários indicada pela prefeitura e a outra metade indicada pelos movimentos
de moradia.
90

Figura 41: FSP sobre o projeto de requalificação do Hotel São Paulo.

Fonte: Folha de São Paulo (2002)34.

4.3 Por dentro da agenda neoliberal: avanços e refluxos nas lutas pela moradia
no centro de são Paulo

Considerando a gravidade da exclusão socioespacial no Brasil e a análise


crítica envolvendo o debate sobre acesso à moradia nas áreas centrais das cidades,
defende-se a importância de se articular e integrar as políticas urbanas em torno de
um novo projeto de cidade.

34
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2208200228.htm
91

Parte-se da constatação de que existe um discurso inovador sobre a


implementação das políticas habitacionais no Brasil, porém, na prática ações em
curso tem sido insuficientes para reverter a exclusão territorial presente nestas
cidades.

“A exclusão social tem sua expressão mais concreta na segregação


espacial ou ambiental, configurando pontos de concentração de pobreza à
semelhança de guetos, ou imensas regiões nas quais a pobreza é
homogeneamente disseminada” (MARICATO, 1996, p. 29).

Neste sentido, o acesso à moradia em áreas urbanizadas, acessíveis e bem


consolidadas, deve constituir-se num eixo articulador fundamental para garantia de
um real direito à cidade e uma verdadeira reforma urbana.

Desde a aprovação dos artigos 182 e 183 na Constituição Federal, durante o


processo Constituinte, entre os anos 1986 e 1988, o Brasil tem vivido, em maior ou
menor intensidade, um cenário de lutas sociais, no âmbito local e nacional, que
lentamente foi levando para o centro da agenda as questões urbanas, como o
acesso à cidade, mobilidade e moradia digna.

Uma série de documentos comprova essa assertiva, conforme se pode


observar a seguir. De acordo com o Plano Nacional de Habitação35,

“Universalizar o acesso à moradia digna para todo cidadão, como propõe a


nova Política Nacional de Habitação, não é objetivo fácil nem mesmo nos
países mais ricos. Muito menos no Brasil, que se caracteriza pelo
patrimonialismo, quadro de profunda desigualdade social e econômica –
são cerca de 13 milhões de famílias em estado de pobreza absoluta, que
dependem dos programas sociais do governo de complementação de
renda para se alimentar – e por uma dramática herança resultante do
intenso processo de urbanização que ocorreu a partir dos anos 1940 que
gerou uma enorme quantidade de assentamentos precários, onde existem
mais de 3,2 milhões de domicílios (CEM/CEBRAP, 2007) e um déficit
habitacional estimado em cerca de 7,9 milhões de unidades habitacionais.”
(BRASIL, 2009, p. 35).

35
Disponível em:
http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/Publicacoes/Publiicacao_PlanHab_Capa
.pdf
92

Na mesma perspectiva, o documento da União dos Movimentos de Moradia


no seu diagnóstico sobre a realidade habitacional aprovado no X Encontro Nacional
da União Nacional por Moradia Popular36 (UNMP) realizado entre 10 a 13 de maio
de 2006, assevera:

“O Brasil possui ainda um grave problema da concentração e da


valorização de terras urbanas e rurais nas mãos de poucos, o que causa
inúmeros conflitos fundiários que resultaram na morte de muitos posseiros.
O elevado número de propriedades improdutivas e ociosas sem função
social exige a implementação das reformas agrária e urbana. A
propriedade imobiliária deve ter uma regulação pública e democrática
visando o cumprimento de uma função social habitacional, ambiental ou
econômica, nos termos da política urbana e agrária”. (UNMP, 2006).

Os movimentos populares de moradia e atores sociais compromissados com


a agenda da reforma urbana vêm utilizando inúmeras ferramentas e estratégias para
dar visibilidade e enfrentar a exclusão territorial, que empurra cotidianamente
milhões de pessoas para a informalidade, para os piores locais das cidades e das
regiões metropolitanas. No centro e nas periferias, milhões de pessoas se
amontoam em favelas e cortiços em condições subumanas de habitabilidade.

“Por vezes, não é apenas pelo fato de viver nas regiões centrais que as
pessoas têm acesso aos serviços públicos de qualidade. Não raro, em
situação de extrema pobreza, mesmo estando próximos aos serviços e
vivendo em regiões centrais, existem barreiras diversas que impedem que
estas pessoas acessem estes serviços urbanos de qualidade“. (KOHARA,
2013, 67).

Conforme Maricato (1996) explicita:

“as principais alternativas habitacionais encontradas pelos trabalhadores de


baixa renda foram os cortiços, as autoconstruções em loteamentos na
periferia e as favelas. Combinando investimento público com ação reguladora,
o Estado garante a estruturação de um mercado imobiliário capitalista para
uma parcela restrita da população, ao passo que para a maioria resta as
opções das favelas, cortiços ou de loteamentos ilegais, na periferia sem

36
Disponível em: http://www.unmp.org.br/
93

urbanização, de todas as metrópoles” (MARICATO, 1996, p 22).

Na luta contra o déficit habitacional, e na esteira da ausência à, época, de


uma política nacional de habitação, no ano de 1991, os movimentos populares de
moradia apresentaram ao Congresso Nacional, um projeto de lei de iniciativa
popular, subscrito por cerca de 1 milhão de eleitores propondo a criação do Fundo
Nacional de Moradia Popular e o Conselho Nacional de Moradia Popular.

Este projeto de lei recebeu no ano de 2004, uma emenda substitutiva global
decorrente de acordo entre o governo federal, a Comissão de Desenvolvimento
Urbano e Interior da Câmara dos Deputados e Entidades Nacionais do Movimento
de Moradia e o Fórum Nacional de Reforma Urbana e setores do empresariado,
sendo definitvamente aprovado no ano de 2005, quinze anos após ao início de sua
tarmitação no congresso nacional.

No impulso desta agenda de mobilizações por terra urbana e moradia, surgiu


de forma articulada nas regiões centrais das cidades brasileiras um novo fenômeno
que ultrapassou as barreiras das periferias e chegou aos centros das grandes
cidades, marcando profundamente a agenda urbana a partir da segunda metade da
década de 1990.

A este fenômeno denominamos, “luta dos sem teto por moradia nos centros
urbanos”. Estas mobilizações dos sem teto, que iniciaram de forma sistemática e
articulada no centro da cidade de São Paulo, rapidamente se espalharam por outras
regiões do país.

Desde 1997, de uma forma sistemática, os movimentos populares de moradia


vêm reivindicando de forma coletiva o direito de morar no centro das grandes
cidades brasileiras, especialmente São Paulo, Recife, Fortaleza, Rio de Janeiro,
Porto Alegre e Curitiba.

O despertar desta consciência coletiva está vinculada ao surgimento de um


sem número de sujeitos e atores coletivos que passaram a dominar a cena urbana
das grandes cidades com suas demandas que exigiam rápidas respostas do poder
público.
94

Figura 42: Reportagem da FSP que trata de ocupações do Sem Teto no


centro São Paulo no ano de 2002.

Fonte: FSP (2002)37.

As demandas destes sujeitos coletivos, conhecidos como Movimentos dos


Sem Teto, refletiam um acúmulo de lutas urbanas cotidianas nas periferias destas
cidades que caminharam em direção aos centros urbanos.

Se nas preferias estas lutas estavam invisibilizadas, nos centros urbanos


ganharam holofotes da mídia, da sociedade e do poder público e passaram

37
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0511200203.htm
95

enfrentamento direito com o setor imobiliário.

Estas lutas e mobilizações dos sem teto têm ocorrido, especialmente por meio
de ações diretas em ocupações de imóveis vazios. Estas ocupações reúnem, por
vezes, centenas de pessoas retratando um drama até pouco tempo conhecido e
ainda, muito pouco compreendido, dando visibilidade ao grave problema da falta de
moradia.

No ano de 1997, ocorreu as primeira ocupação em São Paulo, organizada


pela ULC em um imóvel pertencente à Secretaria da Fazenda do Estado, na Rua do
Carmo, bem no centro de São Paulo, próximo a Praça da Sé e ficou conhecida como
”Ocupação da Rua do Carmo”.

Poucos meses depois, cerca de 5 mil pessoas ocuparam diversos imóveis no


centro. Entre estas, duas que ficaram nacionalmente conhecidas, como Ocupação
do INSS, na Avenida 09 de Julho, organizada pelo Fórum dos Cortiços e Sem Teto
de São Paulo, nos anos seguntes, se ssucederam outras ocupações de predios
vazios, entre elas a da Rua do Ouvidor, organizada pela Unificação das Lutas dos
Cortiços.
Figura 43: FSP (1997) artigo de opinião na folha de São Paulo, tratando desta
tensão entre o setor imobiliário e os Movimentos Sem Teto em São Paulo.

Fonte: Folha de São Paulo, (1997)

A ocupação de imóveis pelos movimentos de moradia, coloca na pauta o


debate sobre a necessidade de utilização de uma enorme quantidade de imóveis
96

vazios, sem função social e subutilizados das instituições publicas, que estavam
abandonados em processo de degradação.

Esta contradição e injustiça social flagrante, denunciada e trazida à luz pelos


Movimentos dos Sem Teto, colocava em cheque qualquer tentativa de explicar o
inexplicável ou justificar o injustificável, conforme o Censo (IBGE 2010):

“do total dos 67,5 milhões de domicílios recenseados, foram realizadas


entrevistas em 56,5 milhões de domicílios (83,7% do total) O Censo
Demográfico 2010 também encontrou 6,1 milhões (9,0%) de domicílios vagos,
ou seja, domicílios que não tinham morador na data de referência (noite de 31
de julho para 1º de agosto de 2010), mesmo que, posteriormente, tivessem
sido ocupados. Prédios construídos mas não habitados, casas colocadas à
venda ou para aluguel são exemplos de domicílios vagos” (IBGE,2010).

Neste contexto, é preciso responder uma questão fundamental: porque nestes


vinte e cinco anos pouco se avançou na utilização dos imóveis vazios públicos ou
privados, para fins de moradia popular nas áreas centrais urbanas?

Outra questão revelada pela ação dos Movimentos Sem Teto, foi a falta de
articulação, preparo e interesse político dos órgãos governamentais para enfrentar a
questão habitacional nestes territórios, que se expressou das seguintes formas:

a) pelas divergentes concepções partidárias dos gestores públicos;


b) pela indefinição orçamentária;
c) pela sobreposição de ações dos entes federativos;
d) pela concepção hegemônica e conservadora em relação as políticas de
habitação, marcando ainda mais a segregação espacial das cidades
brasileiras, que predominou ao longo dos anos seguintes, na perspectiva de
perpetuar a idéia subjacente e preconceituosa de que os pobres têm mesmo
que morar nas “franjas das cidades”, nas periferias mais distantes, bem longe
dos centros urbanos;
e) pela falta de preparo e formação técnica, administrativa, e política, dos
gestores públicos na aplicação dos instrumentos legais e urbanísticos
disponíveis;
f) pelo papel nocivo do poder judiciário no julgamento de ações de reintegração
de posse de imóveis ocupados e nas avaliações dos valores desses imóveis
97

para desapropriação, ignorando a legislação relativa a função social da


propriedade.

Assim, um dos desafios para os agentes que defendem a moradia nas áreas
centrais das cidades e a requalificação de imóveis degradados ou subutilizados para
moradia, consiste em romper com a lógica de urbanização que promove esta
segregação socioespacial, trazendo para o centro da luta pelo direito a moradia, as
ideias estratégicas da Reforma Urbana e do Direito à Cidade38.

É preciso considerar que desde 1990, governos e movimentos sociais vêm,


de certa forma, pautando este tema, e que a partir deste período - e particularmente,
durante os anos 2000 - foram criadas as condições políticas para a implementação
desta agenda pública, num contexto em que ocorreram alguns avanços no pacto
federativo em torno da política habitacional, o que viabilizou a alocação de uma
quantidade significativa de recursos orçamentários para a habitação de interesse
social.

É preciso aprofundar ainda, a compreensão e a discussão sobre o problema


do “nó da terra” (MARICATO, 2011), no contexto de um poder judiciário
extremamente conservador na defesa da propriedade privada, um Estado que
também age como poder de polícia para criminalizar os sem teto e uma estrutura
cartorial de registro de imóveis que em nada contribui para a solução deste
problema.

A quantidade de conflitos fundiários que se espalham de norte a sul e de leste


a oeste, evidencia a forma despudorada e predatória de como atuam os
especuladores imobiliários, jogando pesado na defesa de seus próprios interesses.

A falta de aplicação dos instrumentos legais estabelecidos na Constituição


Federal, no Estatuto da Cidade e nos planos diretores, que garantem a função
social da propriedade favorece com que o mercado gere mais exclusão social e
territorial.

38
Ver em Fórum Nacional da Reforma Urbana: http://www.forumreformaurbana.org.br/ e Coalização
Internacional do Habitat: http://www.hic-al.org/
98

4.4–Lutas e limites do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social


(FNHIS) na pauta dos centros urbanos

Impulsionados pelos avanços na política de habitação em São Paulo durante


a gestão da Prefeita Luiza Erundina, entre 1989 e 1992, e também pela conquista,
por parte do Movimento da Reforma Urbana, do Capítulo da Política Urbana e dos
instrumentos de participação popular na Constituição Federal de 1988, a União dos
Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM), o Movimento Nacional de Luta Pela
Moradia (MNLM), a Central de Movimentos Populares (CMP) e a Confederação
Nacional das Associações de Moradores (CONAM), organizam entre os anos de
1990 e 1991, o primeiro Projeto de Iniciativa Popular do país, pós Constituição
Federal de 1988, denominado de Lei Federal do Fundo Nacional de Habitação de
Interesse Social (FNHIS) e do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
(SNHIS). (RODRIGUES E BARBOSA, 2010)

Após 14 (quatorze) anos de luta dos movimentos populares durante a sua


tramitação no Congresso Nacional o projeto foi aprovado e regulamentado como Lei
(Nº 11.124/2005).

Em relação à aplicação dos recursos, esta lei estabelece o seguinte:

Das Aplicações dos Recursos do FNHIS:

Art. 11. As aplicações dos recursos do FNHIS serão destinadas a ações


vinculadas aos programas de habitação de interesse social que
contemplem:

I – aquisição, construção, conclusão, melhoria, reforma, locação social


e arrendamento de unidades habitacionais em áreas urbanas e rurais;

II – produção de lotes urbanizados para fins habitacionais;

III – urbanização, produção de equipamentos comunitários,


regularização fundiária e urbanística de áreas caracterizadas de
interesse social;
99

IV – implantação de saneamento básico, infraestrutura e equipamentos


urbanos, complementares aos programas habitacionais de interesse
social;

V – aquisição de materiais para construção, ampliação e reforma de


moradias;

VI – recuperação ou produção de imóveis em áreas encortiçadas ou


deterioradas, centrais ou periféricas, para fins habitacionais de
interesse social; (grifo nosso)

VII – outros programas e intervenções na forma aprovada pelo


Conselho Gestor do FNHIS (BRASIL, 2005).

Mesmo com esta previsibilidade legal estabelecida na alínea VI do artigo 11º


da Lei do FNHIS, os recursos do fundo nunca foram aplicados para HIS nos centros
urbanos.

A justificativa utilizada pelo governo federal foi associado à falta de


capacidade de recursos do fundo e pela falta de capacidade de endividamento dos
municípios no âmbito da Lei de Responsabilidade Fiscal que por vezes, por esses
problemas ficaram impedidos de acessar os recursos do FNHIS.

Ou ainda pela criação do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) que
esvaziou politicamente o papel do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social,
transferindo toda a responsabilidade de aplicação dos recursos para habitação de
interesse social, inclusive em relação às áreas centrais para o Fundo de
Arrendamento Residencial (FAR) e o Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) do
Programa MCMV.

“Plano Nacional de Habitação não foi levado em conta nem no desenho do


Minha Casa Minha Vida, o fato é que a tese que eu desenvolvo é de que
quando as cidades recuperam o investimento, quando o governo federal
começa a investir em obras, naquelas primeiras medidas de recuperação,
os investimentos em saneamento em 2003, depois em 2005, muito mais
nos PACs, e depois, no Minha Casa Minha Vida, o capital tomou comando,
sem dúvida nenhuma, piorou muito as condições de vida nas cidades”
(MARICATO 2014, entrevista)
100

Outro elemento que poderia ter dificultado a estratégia de utilização dos


recursos federais para habitação em áreas centrais, já no início da Gestão Lula,
poderia estar relacionado à concentração deste tema das áreas centrais, na
Secretaria Nacional de Programas Urbanos e não na Secretaria Nacional de
Habitação do Ministérios das Cidades, considerando que esta Secretaria de
Programas Urbanos, era uma secretaria mais de proposições do que operação de
política em si, e sempre contou com poucos recursos para a viabilização de seus
programas em ações.

Outra explicação ainda poderia ser que os movimentos de moradia das áreas
centrais possuíam mais enraizamento local do que uma pauta e presença nacional.
E que somente aos poucos foram ganhando alguma visibilidade nacional, o que
propiciará aos Movimentos conquistas significativas em várias cidades do país, no
futuro.

4.5 Da Construção Coletiva do Ministério das Cidades e do Conselho das


Cidades à baixa escala de uma política habitacional nas áreas centrais

Com o governo Lula, de 2003/2010, abre-se entre os setores dos movimentos


sociais e do Movimento da Reforma Urbana a expectativa de uma nova era para a
questão habitacional.

Em 2003, é criado o Ministério das Cidades e, se a questão urbana, em


períodos anteriores, não ocupava uma centralidade importante na agenda nacional,
o governo Lula (2003/2010) passa, desde então, a dar um tratamento estratégico a
esta agenda, por meio do Ministério das Cidades, para centralizar e priorizar as
políticas urbanas associadas à habitação, saneamento, mobilidade e planejamento
territorial e urbano.

A partir de 2003, também são constituídos o ciclo de conferências nacionais


das cidades e o Conselho Nacional das Cidades, como órgão e instância
representativa e interlocutora central da política de desenvolvimento urbano.
101

Conforme o Plano Nacional de Habitação o Conselho Nacional das Cidades:

“O ConCidades representa ainda uma instância de negociação da


sociedade em que os atores sociais participam do processo de tomada de
decisão sobre as políticas executadas pelo Ministério nas áreas de
habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade urbana e
planejamento territorial” (PNH, p. 45)

Assim, considerando a natureza do ConCidades no âmbito da política


nacional de desenvolvimento urbano, pode-se questionar: como este Conselho
tratou do tema das áreas centrais?

Analisando as resoluções recomendadas aprovadas pelo Conselho das


Cidades, constata-se que entre a resolução recomendada n° 01 de 14 de setembro
de 2005 (ano que inicia o funcionamento do referido Conselho) à resolução
recomendada n° 144 de 08 de agosto de 2013, somente uma faz qualquer referência
específica à questão de moradias nas áreas centrais 39

Esta questão somente é tratada de forma indireta pela Resolução


Recomendada n° 19, de 30 de Agosto de 2006, que recomenda “à Casa Civil que
edite Projeto de Lei com o teor da Medida Provisória nº 292, que trata de provisão
habitacional ou de regularização fundiária de interesse social nas terras e prédios da
União, do INSS e da Rede Ferroviária Federal”. 40

Isso surpreende, levando em consideração que o Conselho Nacional das


Cidades possui uma significativa representação dos movimentos sociais de moradia
41
e de organizações vinculadas ao Fórum Nacional da Reforma Urbana.

A partir do ano de 2007, por articulação dos Movimentos Nacionais ligados a


reforma urbana no ConCidades, é constituído um Grupo de Trabalho para tratar da
destinação dos imóveis públicos do governo federal para moradia popular.

39
Ver no site do Ministério das Cidades: http://www.cidades.gov.br/index.php/resolucao-
concidades/544-resolucoes-recomendadas.html
40
Ver também no site do Ministério das Cidades:
http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosCidades/ArquivosPDF/Resolucoes/ResolucaoReco
mendada/resolucao-19-2006.pdf
41
Para entender o que é Fórum Nacional da Reforma urbana acessar link:
http://www.forumreformaurbana.org.br/
102

Após dois anos de trabalho do GT, já ano de 2009, tendo o Ministério da


Previdência Social, disponibilizado um cadastro com mais de 350 imóveis vazios e
após centenas de vistorias destes imóveis nos Estados, 14 imóveis são adquiridos
do INSS para Moradia Popular.42

Após a Criação do GT Nacional do levantamento e disponibilização dos


imóveis do INSS, os movimentos populares no Concidades em parceria com Fórum
Nacional da Reforma Urbana, propõe a criação de um outro GT Nacional articulado
a GTs Regionais nos Estados, para tratar da destinação de imóveis da Secretaria do
Patrimônio da União e da Rede Ferroviária Federal em todo território nacional.

Assim, desde o ano de 2009, após a criação do GT Nacional dos Imóveis


vazios do INSS e do GT SPU/SP/Rede Ferroviária Federal, com participação dos
movimentos de moradia, diversos imóveis pertencentes a União e a Rede, foram
destinados para habitação de interesse social.

Em São Paulo, imóveis como o prédio da Avenida Ipiranga, Conselheiro


Crispiniano, 04 imóveis na Vila Monumento, Rua Baker no bairro do Cambuci e
Avenida Presidente Wilson, 5000, (Arquivo do Tribunal da Justiça Federal), foram
destinados para moradia popular.

Com a criação do Grupo de Trabalho Nacional para destinação dos Imóveis


da SPU e do INSS, e de Grupos de Trabalhos Estaduais (GTs Regionais da SPU),
visando dar mais agilidade e desburocratizar a destinação destes imóveis para
moradia popular nestas cidades e mesmo com uma significativa melhora nos fluxos,
ainda ocorrem dificuldades de múltiplas ordens que retardam as destinações de
imóveis públicos federais para Habitação de Interesse Social – HIS.

Consideramos que dois elementos dificultaram a destinação mais rápida


destes imóveis para moradia popular: i) falta de prioridade, em que pese algumas
iniciativas pontuais da Secretaria de Programas Urbanos, nunca foi constituído no
âmbito do Ministério das Cidades um plano estratégico para a intervenção nas áreas
centrais das cidades; ii) a emergência do Programa Minha Casa Minha Vida, a partir
de 2009, que priorizou a construção de novas moradias, em detrimento da reforma e

42
Veja o numero de terrenos desapropriados in boletim da União Nacional por Moradia Popular:
file:///C:/Users/francisco.comaru/Desktop/terrenos%20comprados.pdf - IN ANEXO 3
103

requalificação de imóveis vazios, corroborou com a perda de força do tema das


áreas centrais se tornasse uma agenda estruturante dentro da política nacional de
habitação.

No cenário da crise econômica internacional do ano de 2009, e risco de


desemprego é que nasce o Programa Minha Casa Minha Vida, com previsão de
investimentos e créditos subsidiados bilionários na área de habitação social, para as
camadas com rendas baixas e médias que possuem uma grande demanda
reprimida.

Apesar de constar em Lei o programa não encaminhou de forma consistente


as questões da requalificação de imóveis vazios, inerente ao debate das moradias
em áreas centrais. Desde sua implementação já estava muito explícito que se
tratava de um Programa de construção de novas moradias, para “movimentar a
cadeia produtiva da habitação”, onde a questão da requalificação e reforma de
prédios em áreas centrais aparecia como letra morta no artigo 1º da Lei do
Programa MCMV (LEI Nº 11.977, DE 7 DE JULHO DE 2009):

“Art. 1o O Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV tem por finalidade
criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades
habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma
de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00
(quatro mil, seiscentos e cinquenta reais) e compreende os seguintes
subprogramas”

Assim, coberia aos movimentos populares e ao conjunto dos atores da


Reforma Urbana, recolocar a questão do acesso à moradia nas áreas centrais das
grandes e médias cidades, para que esta agenda pudesse ter alguma chance de se
tornar prioritária nas políticas de governos e de Estado.
104

5. Conclusão - Cidadania insurgente, cidadania transgressiva e a


pedagogia do confronto: diálogos e complementaridades.

Holston (2013), em seus estudos sobre os processos de conquista da


cidadania na periferia de São Paulo, analisa os processos de ocupação e
periferização na cidade de São Paulo, concluindo que as classes trabalhadoras, de
forma insurgente, nas franjas das cidades realizaram processos históricos e
silenciosos de resistência, construíram bairros, “periferias autoconstruídas,
construíram casas, construíram uma nova esfera de participação de direitos e de
cidadania”. Neste sentido,

“a insurgência define um processo é uma ação na contramão, uma


contrapolítica que desestabiliza o presente e o torna frágil,
desfamiliarizando a coerência com que geralmente se apresenta.
Insurgência não é uma posição de cima para baixo de um futuro já
orquestrado. Ela borbulha do passado, onde as circunstâncias presentes
parecem propícias para uma irrupção. Desse ponto de vista, o presente é
como um pântano: vazando, cheio de furo, lacunas, contradições e mal
entendidos, existentes logo abaixo de todas as pressuposições tácitas que
conferem ao presente sua aparente coerência” (HOLSTON, 2013; p 62).

Earle (2013), a partir de suas pesquisas sobre os movimentos de moradia do


centro de São Paulo, particularmente a Unificação das Lutas de Cortiços, propõe
uma releitura dos processos de produção da cidadania, procurando ir além da leitura
realizada por Holston (2013), sobre os processos nas periferias.

O olhar da autora aponta que os movimentos de moradia do centro atuam na


perspectiva de construção de uma “cidadania transgressiva”, partindo do
pressuposto de uma rebeldia que questiona as injustiças, afirmando direitos
garantidos por leis, por meio de ações que de alguma forma suplantam a “ordem” e
vão além de uma simples desobediência civil.

Neste sentido, há uma linha, uma dinâmica comum que une estes sujeitos
coletivos.
105

Em geral as instituições imaginam que estes grupos ou atores que lutam por
moradia possuem um grau baixo de compreensão da realidade, considerando que
esta realidade é complexa, se expressa por significados, das instituições e da
política. No entanto, as pessoas, sujeitos ou atores, na medida em que se encontram
num processo de luta pela moradia, transformam seu cotidiano num aprendizado
permanente: numa escola da luta.

A rebeldia dos sem teto na afirmação dos seus direitos, é muito mais do que
uma simples afirmação de justaposição de leis e processos abstratamente bem
construídos. É um processo pedagógico de aprendizados, onde as pessoas
coletivamente apreendem, onde a história de cada sujeito, o aprendizado individual,
acúmulos subjetivos, são também importantes para as construções coletivas de
novos sujeitos, que emergirão nos processos de confronto direto por direitos.

Na resistência aos despejos forçados, no confronto direto pela moradia, a


ocupação de imóveis vazios que não cumprem a sua função social, a consolidação
dos territórios ocupados, a ajuda mútua e as trocas solidárias, bem como os
processos autogestionários são fundamentais neste processo de construção e
fortalecimento de cidadania.

Em um território onde as relações estão rompidas ou divididas, pela condição


de classe, de gênero, etnia, orientação sexual, é possível a partir das ações dos
movimentos sociais re-enlaçar e re-entrelaçar as redes sociais, refazer vínculos, por
meio de trocas solidárias, permanentes, recuperando as relações de vizinhança,
pela criação dos espaços comuns de convivência.
106

Figura 44: Reportagem do “Estado de São Paulo” que relata o cotidiano da


Ocupação da Rua Marconi, no centro de São Paulo e foto da ocupação organizada
pelo Movimento de Moradia Para Todos.

Fonte: Jornal o Estado de São Paulo, 2013 e site do Movimento Moradia para Todos.

Assim, estes processos organizativos funcionam como antecipação concreta


do que se quer construir à frente, como na categoria de Paulo Freire do “inédito-
viável” (...) “categoria essa que encerra nela, toda uma crença no sonho possível e
na utopia que virá” (FREIRE, 1992, p. 205).

São permanentes processos de afirmação coletiva, que possibilitam a estes


sujeitos, atuar em agendas mais abrangentes, como a reforma urbana e o direito à
cidade, por exemplo.

Neste sentido, a única forma possível de levar à frente esta pauta pelo direito
à cidade, enfrentando “nó da terra”, são os processos permanentes de resistência. É
107

por meio dos conflitos, que os sujeitos se encontram no centro da história como
protagonistas de suas agendas e suas pautas e esta compreensão leva as pessoas
entender que sua luta por direitos pode ir muito além da luta pela casa.

O que faz pessoas pobres e excluídas enfrentar a polícia num processo de


resistência numa reintegração de posse, por exemplo?

Deduzo que a vontade e o desejo da resistência podem ocorrer a partir de um


interesse individual, da luta pela casa, da possibilidade de conquistar uma moradia.
Porém, a nosso ver, apenas um desejo individual, não explicaria todo esse processo.
Hipotizo que neste momento da busca por direitos e de resistência, outros
componentes entram em cena: como a compreensão de que todos estão e vivem na
mesma condição social, um sentimento de pertencimento de classe, e de que juntos
serão mais fortes.

Este processo pedagógico, desencadeado no interior do conflito, possui um


enorme valor simbólico, elevando o grau de consciência cidadã dos sujeitos.

O enfrentamento dos moradores do Hotel Aquarius, na Avenida São João nº


601, numa das reintegrações de posse mais violentas que se tem notícia no centro
de São Paulo, onde no dia 16 de setembro de 2014, centenas de famílias travaram
uma verdadeira batalha, frente à policia militar que dava cobertura para cumprimento
desta reintegração, demonstrou que as pessoas estavam ali, não apenas para
defender seu direito à moradia, mas fundamentalmente por sua dignidade e
compreensão de pertencimento de classe. Dezenas de famílias pobres, advindas de
inúmeros lugares, muitos, com certeza, nem se conheciam e enfrentaram por horas
a polícia militar, resistindo a inúmeras formas de violência. Neste imóvel ocupado
pelo Movimento dos Sem Teto do Centro e Unificação das Lutas dos Cortiços.

Nakano em entrevista, assevera:

“o movimento de luta por moradia, quando trouxe essa pauta de morar no


centro, não é só moradia, a agenda e os documentos do movimento
sempre falaram isso, na verdade, ele não quer só as quatro paredes e um
teto, quer a cidade, quer os acessos que essa localização propicia,
possibilita para quem mora ali, em termos de acesso a emprego, transporte
coletivo, equipamentos, espaço público, não precisar ficar uma hora no
108

metrô e trem, sempre colocaram isso, e eu acho que isso está muito forte
hoje não só no movimento, mas isso se espraiou para vários setores da
cidade, que é uma revalorização da vida urbana, uma revalorização de
experimentar viver em locais dentro da cidade, onde você pode sair da sua
casa e ir para um espaço público, ir para um lugar encontrar pessoas,
encontrar amigos, estudar, ter uma atividade cultural perto, ter espaço
público perto, vai, no final do caminhar, encontrar pessoas, então, essa
beleza que é a vida na cidade” (NAKANO, 2014; em entrevista, Anexo 2)

Figura 45: Enfrentamento dos Moradores do Hotel Aquarius, 601, no centro


de São Paulo, no dia 16 de Setembro de 2014 contra a reintegração de posse.

Fonte: Frente de Luta Pela Moradia.

A resistência na ocupação do Hotel Aquarius, que desejava transformar


aquele e tanto tantos imóveis vazios no centro de São Paulo em moradia social, só é
possível, a partir de elevado grau de consciência coletiva, que inexoravelmente
levam os sujeitos a enfrentamentos concretos por direitos, a estes processos que
denominamos aqui, pedagogia do confronto.

Um processo pedagógico que constrói novos sujeitos e novos protagonistas,


que emergem a partir das organizações e dos grupos de base, dos processos de
formação permanente, das marchas e das lutas, se fortalecendo por uma visão
coletiva, das trocas solidárias em detrimento de ações individuais.
109

Por estes caminhos, cidadania transgressiva, pedagogia do confronto e


cidadania insurgente, por caminhos distintos analisam os mesmos sujeitos, em
situação de conflito por direitos, mais diretamente nos conflitos pela terra. Tanto a
pedagogia do confronto que é um processo pedagógico de formação de consciência
coletiva e cidadã, como os processos descritos por Holston (2013) e Earle (2012)
relativamente à luta pela terra nas periferias e nas áreas centrais propiciam a
emergência de novos sujeitos e novas construções de processos históricos.

Em geral, estes sujeitos, quando ingressam na luta pela moradia não estão
conscientemente buscando direitos e cidadania ou processos coletivos e solidários
de trocas. Estão em busca de uma casa, de uma propriedade. Assim, estes
processos não estão feitos e acabados. Estes caminhos permitem que as pessoas
ao longo do tempo se alimentem de novas experiências ricas de significados, de
compartilhamento de problemas, conflitos e aprendizados individuais e coletivos.
Esta dinâmica pedagógica de aprendizados constitui-se numa oportunidade para a
emergência de novos sujeitos.

Esta dinâmica em que os sujeitos interagem não é homogênea e não se desenvolve


da mesma forma para todos os participantes, considerando as experiências,
repertórios e os acúmulos subjetivos de cada um.

Estes processos históricos que ocorrem no interior dos movimentos sociais de luta
por moradia, por vezes não estão formalmente estruturados, sendo fundamental o
papel das lideranças populares como facilitadores da compreensão do novo, e dos
desafios que se impõem para que os sujeitos de forma coletiva e solidária superem
etapas mais complexas do processo organizativo e das lutas, que estão por vir.
110

6. Referencias Bibliográficas

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118

ANEXO 1

Entrevista com a Prof.ª Ermínia Maricato realizado em Setembro/2014

Dito: Você considera que a luta dos movimentos de moradia do centro de São
Paulo, olhando um pouco para as lutas no centro pelo o que você tem
acompanhado, modificou alguma coisa nas legislações e quais foram às
influências que estes movimentos tiveram na agenda em torno das legislações
e das questões habitacionais urbanísticas no centro de São Paulo? Os
movimentos sociais tiveram alguma interferência nisso?
Dito: Os movimentos exerceram, de alguma forma, influência sobre os
programas e projetos de habitação na cidade de São Paulo, especialmente na
área central?
Dito: Você pode fazer uma análise de conjuntura das políticas de habitação na
área central atualmente? Que tipo de sugestões você daria para o avanço
dessa pauta?

Ermínia: A impressão que eu tenho, mesmo não tendo acompanhado muito de perto
como você que tem participado, é que se não avançou na realidade, porque é claro
que tivemos avanços, no papel, sem dúvida nenhuma. Estou me lembrando, por
exemplo, no Plano Diretor e no Plano Habitacional da época do Paulo Teixeira, na
gestão da Prefeita Marta Suplicy, foi um avanço, a proposta que foi feita naquela
época, que a Helena Mena Barreto participou e fazia os PRIH que eram inspirados
em uma experiência que tivemos em Portugal, nos bairros antigos. Essa proposta
tinha tudo para dar certo, se não fosse a co-relação de forças, porque ela chegou a
ter um exemplo, que foi o Vinte e Cinco de Janeiro, um exemplo importante, para
mostrar que era possível fazer uma ZEIS com mix social, de classe média e
habitação social, no centro da cidade. Mas chegou em um ponto, e depois com
Serra e Kassab nós tivemos um recuo. Esse recuo institucional, por parte do Estado,
não foi acompanhado pelo recuo dos movimentos sociais, mas os movimentos
sociais avançaram. Você percebe isso por causa do fracasso do Nova Luz, então eu
diria que no Plano do Paulo Teixeira e no Plano do Nova Luz, você tem dois projetos
para o centro. Um evidentemente abriu o centro para o capital imobiliário e por isso,
existe uma barreira que são as pequenas propriedades. O centro como é uma
urbanização de outro século, ele foi urbanizado em pequenas propriedades,
atualmente o capital imobiliário não trabalha com pequenas propriedades, o padrão
de hoje é quase que de 100m x100m. Ou então, pelo menos um terreno que seja
menor que o padrão de 10 mil m², mas tem que ser um terreno razoável. Na semi-
periferia eles estão fazendo as torres com o condomínio clube, mesmo popular, onde
a piscina é um tanquinho. Aqui nos bairros mais urbanizados e mais caros, eles tem
feito alguns condomínios menores, mas mesmo assim, o centro apresenta um
retalhamento na divisão do solo, que fica proibitivo. Então o que o governo Serra fez,
foi a brilhante idéia em que o Estado desapropria, remembra e devolve para o
capital privado, o que o ministério público barrou. Quando o ministério público, uma
119

importante aliança dos movimentos com os lojistas, com o comércio do centro, que é
um comércio mais que dinâmico. Existe muita coisa feita sobre isso, a filha do Nabil,
quando foi nossa aluna, a equipe fez um vídeo muito interessante, entrevistando os
atores importantes desse conflito, da luta pelo centro. A luta pelo centro, do meu
ponto de vista, tem sido muito bem sucedida, porque o capital imobiliário não
conseguiu entrar no centro até agora, aliás, está entrando pelo o que fiquei sabendo,
estão lançando projetos que parecem resultar em apartamentos, ouvi dizer, de 18m²,
onde o preço do m² está em mais de 20 mil reais, quer dizer, mais caro do que em
qualquer outro lugar em São Paulo.

Dito: Ouvi dizer, de um local, ao lado do Mercado Municipal, um terreno, um


galpão abandonado, sendo vendido com uma placa enorme, e o preço do m²
era de 5.500 reais, na região do Pari.

Ermínia: Claro que os primeiros a incorporarem e a construírem terão uma taxa de


lucro menor do que os que virão em seguida, porque na hora em que eles se
apropriam...Mas o importante é que neste momento ainda há uma queda de braço,
em algumas área do centro de São Paulo, então isso é uma vitória. Não avançou no
sentido que a gente queria, mas também eles não conseguiram se apropriar, eles
estão andando muito devagar e pelas beiradas. Claro que se o Minhocão virar esse
absurdo, que é a cópia do Skyline em Nova Iorque, parece que inclusive está no
Plano Diretor, eu ainda não tive de tempo de ver, mas se ele virasse uma área
verde, realmente não seguraríamos mais os pobres no centro, mas por enquanto,
existe sim uma queda de força. A favela do Moinho é um exemplo de resistência.

Ermínia: O tempo todo nós estamos falando em localização, então, se eu acho que
no centro a gente não foi derrotado, existe um movimento de resistência, mesmo
durante um período em que o capital imobiliário se tornou praticamente hegemônico
nas cidades brasileiras, a partir de 2009, eu não diria isso da periferia. Na periferia
nós fomos sim derrotados, a tese da Letícia Sígolo e a tese da Luciana Ferrara,
mostram que com o boom imobiliário, a periferia se expandiu para novas fronteiras.
O capital imobiliário no Rio de Janeiro, isso foi óbvio, o aumento do preço, obsceno e
escandaloso do m² chegou na antiga periferia. Então as imobiliárias disputando
terrenos com os movimentos sociais, por exemplo. Então, você tem uma nova
fronteira de ocupação que passam das áreas de proteção dos mananciais, você tem
uma nova fronteira de ocupação nos municípios na periferia da Região
Metropolitana, ampliando as viagens diárias, porque a maior parte dos empregos
estão no município de São Paulo, 20% das empregadas domésticas que trabalham
no município de São Paulo vem de fora, de municípios como Itapecerica da Serra e
Taboão da Serra, quase 30% dos trabalhadores, trabalham fora do município, eles
vem para o município de São Paulo. Então, o problema da mobilidade se tornou
absolutamente explosivo, a mobilidade é um elemento de muito sofrimento na vida
das pessoas que vem de fora do município de São Paulo, para trabalhar no
município, porque o transporte é muito precário e as pessoas passam, em média,
120

em 2012, 2h42 para se deslocarem, 1/3 das pessoas leva mais de 3 horas, isto
todos os dias, todas as semanas, durante o ano inteiro e 30% das empregadas
domésticas, mulheres, são chefes de família, ou seja, elas abandonam os filhos,
ficam um tempo grande nos transportes. A pesquisa da SEADE mostra isso, o
quanto as viagens constituem sacrifícios para essas trabalhadoras. Então, eu diria
que tudo o que nós pleiteamos na reforma urbana, tudo o que foi colocado na
Constituição Federal, no Estatuto da Cidade, em alguns projetos e muitos planos
habitacionais e Planos Diretores, não foram cumpridos e nós, sem dúvida nenhuma,
fomos derrotados, até agora.

Ermínia: Bom, o Plano Nacional de Habitação não foi levado em conta nem no
desenho do Minha Casa Minha Vida, o fato é que a tese que eu desenvolvo é de que
quando as cidades recuperam o investimento, quando o governo federal começa a
investir em obras, naquelas primeiras medidas de recuperação, os investimentos em
saneamento em 2003, depois em 2005, muito mais nos PACs, e depois, no Minha
Casa Minha Vida, o capital tomou comando, sem dúvida nenhuma, piorou muito as
condições de vida nas cidades, o mal estar, pena que os economistas não enxergam
o espaço urbano e muito menos o nó da terra que está na propriedade privada e na
especulação que se faz com a propriedade privada imobiliária nas cidades, porque
eles perceberiam o quanto isso interfere na inflação, é claro existe um complicador,
a hora que o plano desenvolvimentista, digamos assim, principalmente no governo
Dilma, apostou na indústria automobilística e na construção civil, e na construção
civil em obras rodoviaristas que beneficiam o capital imobiliário, isso já condenou as
cidades. Mas o centro se manteve sob tensão, se manteve na queda de braço. O
fato de que, o modelo da Nova Luz não ter sido implantado, como eu disse, eu
considero uma vitória. E também coisas que eu tenho apontado há muito tempo,
mas muito gente tem evidentemente apontado, que é o lugar de maior acessibilidade
e mobilidade de transporte na Região Metropolitana é o entroncamento metro-
ferroviário que fica na Luz. Então, a Luz é um tesouro e é evidente, você tem o
Jardim da Luz é uma das áreas mais tem emprego, é uma das áreas que mais tem
infraestrutura. O Kohara fez uma exposição para nós, lá na FAU e ele listou todas as
vantagens e virtudes do centro velho, é absolutamente impressionante o que tem de
vantagens locacionais. Se nós não conseguirmos no centro da cidade, com esse
movimento que conseguir resistir, fazer o exemplo do que é uma cidade democrática
no Brasil, o que é um bairro ou uma região na cidade democrática significa o quê?
Uma região com todas as vantagens locacionais e população de baixa renda nós
não vamos conseguir em lugar nenhum, então, nesse sentido o que que a gente vê?
Bom, então existia esta proposta muito boa, no Plano Diretor de 2002 na época da
Marta, eu me lembro que a Helena Mena Barreto falava, que, agora você deve ter
menos imóveis vazios, mas tinha uma época que nós contabilizávamos mais de 400
mil domicílios vazios na cidade de São Paulo, a maior parte nesse centro.
121

Dito: A proposta da Operação Urbana Águas Espraiadas mostra um pouco


disso, é um adensamento que retira o povo, não é?

Ermínia: Sim, retira o povo. Por incrível que pareça, a Helena mostrou isso, que a
Mooca e o Belém se verticalizava e perdia população, é isso o que está
acontecendo. Então, o que nós precisamos é um adensamento de população. A
Raquel tem falado muito isso, um Plano Diretor que traga adensamento de
população. E as propostas já existem. O que eu acho importante? Veja o seguinte,
nós temos um Plano Diretor e nós temos uma legislação que propõe aplicação da
Função Social da Propriedade, o PD de 2002 já tinha em suas diretrizes contenção
da expansão horizontal da cidade, prioridade para o transporte público coletivo.
Outro dia fui dar uma aula lá na Pós-Graduação da FAU e levei as diretrizes do PD
de 2002, foi ao contrário, todas as diretrizes do PD de 2002, a cidade andou na
contramão de todas as diretrizes. Aliás, um dos argumentos pelos quais nós lutamos
para barrar o túnel de Águas Espraiadas é que o túnel não permitia a passagem de
ônibus e a diretriz do PD era dar prioridade ao transporte coletivo. Então, não tem
solução mágica, as soluções já estão aí, foi como eu fiz, pegar as diretrizes do PD
de 2002, se a gente tivesse a tese do Caio Santo Amore que mostra o quanto as
ZEIS foram subvertidas, por decretos do Kassab. Então, nós vamos falar, do que
adianta as ZEIS? Bom, do que adianta diretriz de PD que aposta na inclusão social?
Então, o que adianta? Adianta se tiver luta social.

Dito: Adianta se tiver pressão popular junto

Ermínia: Se não tiver, não adianta nada.

Dito: Ermínia, isto que você está falando é super importante e fundamental, porque
você disse que os movimentos populares com a agenda de lutas, possibilitou uma
resistência à agenda do capital especulativo no centro da cidade, apesar de que é
muito difícil barrar esse processo, percebe-se que já pontualmente o capital vai
furando. Mas na tentativa macro que foi o Nova Luz houve uma vitória política dos
movimentos sociais e movimentos populares, junto com o Ministério Público, a
defensoria pública, aliado também aos comerciantes, que é um setor de renda mais
alta, mas que criou uma aliança de interesses nesse momento pontual.

Ermínia: Eu acho importante essa aliança.

Dito: Exatamente, para enfrentar certas situações e dentro de certas conjunturas,


senão, não teríamos conseguido, foi fundamental esta articulação. Eu acho que o
conjunto de pessoas, dos movimentos e lideranças, atuou fortemente para conseguir
construir esta articulação e eu queria comentar isso como você. Demonstramos que
é possível partir da ideia do PRIH que era possível, a proposta que o Paulo Teixeira
construiu em oposição ao Kassab também está mostrando isso. Também na época
da Luiza Erundina, os projetos que foram feitos mostravam que era importante e tem
122

saída também de habitação no centro, mas por que a gente conseguiu fazer tão
pouca habitação na área central, no ponto de vista da ação do poder público, tem
uma quantidade enorme de ocupação e a gente não conseguiu ainda superar esse
impasse?

Ermínia: Então, basicamente, eu diria que o judiciário não conhece legislação


urbana. Eu já tive uma reunião com juízes da escola de magistratura no ano
passado, eu pude tirar minha dúvida, eles dizem não tem legislação urbanística nas
escolas de direito, então, eles não conhecem as leis. Essa é uma agenda central do
Ministério das Cidades, deveria ser. Aliás, nós já tínhamos detectado isso, já
estávamos nessa linha, buscando preparar funcionários municipais pra competência
de licitação de obras.

Dito: Eu fiz um levantamento que o Conselho das Cidades, e isso vai entrar depois
na minha pesquisa, sobre as resoluções do Conselho das Cidades, porque
praticamente o Conselho não trata dessa pauta, das áreas centrais, dessa agenda
que você está falando

Ermínia: Então, a gente tinha feito uma ponte com o CNPQ, porque a gente achou
que deveria ter dinheiro para mais pesquisas de área urbana e devia ter cursos de
extensão nas universidades, porque chegou um momento que deu para percebeu
que a questão urbana foi varrida da agenda federal. Tudo bem, que as conferências
nacionais continuam, mas continuou a mobilização, mas nas cidades foi na
contramão. O governo federal está construindo um plano de desenvolvimento que é
só sobre economia, eu fui chamada pra falar sobre isso, aí eu "desci o cassete" nos
economistas, no judiciário e os advogados, porque se continuar essas áreas sem
entender nada da questão urbana nós não vamos avançar, então eu questionei isso,
como é que o aluguel sobe desse jeito, porque tem uma especulação imobiliária
intensa, o estacionamento sobe, o cafezinho sobe e vocês acham que a inflação não
tem nada a ver com o desenvolvimento urbano?
123

ANEXO 2

Entrevista com Kazuo Nakano – setembro de 2014.

DITO: Em primeiro lugar, queria agradecê-lo muito, eu sei que você está envolvido
na sua pesquisa. O Francisco Comarú, meu orientador, queria vir também, mas essa
semana está muito apertada na UFABC. Estamos fazendo uma pesquisa, um
mapeamento e levantamento histórico sobre a luta dos movimentos de moradia. Nós
temos levantamentos e pesquisas mais completas sobre o que estamos fazendo,
mas estamos abordando um pouco mais da nossa visão sobre o movimento popular,
como é que o movimento foi avançando nessa conquista, nesses últimos 20 anos,
em torno da pauta do centro. Não temos a densidade de uma pesquisa teórica sobre
o centro, mas é um levantamento histórico sobre este tema. A parte final desse
nosso trabalho, um pouco da visão dos movimentos, um pouco da visão da
academia, alguns professores como você, a Ermínia Maricato e o Luiz Kohara, o
ponto de vista da academia e da militância, como urbanistas, que atuam muito com
movimento social, como vocês enxergaram a luta do movimento nesse processo
todo. Temos três perguntas principais: se você considera que a luta dos movimentos
no centro modificou, de alguma forma, a legislação urbanística e habitacional, ou
seja, se a atuação do movimento teve alguma interferência nessas questões? Você
considera que os movimentos exerceram alguma influência nos projetos de
habitação no centro de São Paulo, e se estiveram, em que medida? E se não
tiveram, por que medida? E quais são os limites atuação dos movimentos, fazendo
uma avaliação crítica? E por fim, você poderia avaliar a atual conjuntura das
políticas habitacionais da cidade, na área central, se há avanços nessa política,
nessa agenda, a pauta da habitação popular no centro, e que sugestões você daria
para que essa pauta pudesse avançar mais, se de fato, não tiver avançado muito, se
tiver como avançar mais ainda nessa agenda? Se você pudesse contar um pouco do
que está fazendo nesse momento, da sua trajetória.

KAZUO: É um prazer enorme, né Dito, poder contribuir para este trabalho que na
verdade é uma reflexão, é um momento de reflexão, a partir de um processo
histórico que vocês desenvolveram no movimento de luta por moradia. Eu tive uma
visão sobre a cidade e o espaço urbano que é baseado na disputa por terra urbana e
por localização urbana, todo o trabalho do Flávio Villaça é em cima disso, a ideia do
espaço intraurbano que ele fala, se dá a partir de disputas sociais por localizações
urbanas, e localização urbana é produto de trabalho social e ela é um portal de
acesso a todos os benefícios da cidade, dependendo da localização se tem mais ou
menos acesso a essa riqueza socioterritorial que chama cidade. Então, diante disso,
a luta do movimento por moradia, por abrir acesso às localizações centrais da cidade
para produzir moradia, para população de baixa renda, para a base do movimento,
eu acho que é fundamental e histórico. Na década de 1990, eu me lembro muito
bem quando o movimento começou a ocupar os prédios vazios do centro, saiu no
Jornal Nacional, lembro que naquele momento eu vi uma conferência da Ermínia
124

Maricato e ela falava isso: “olha, o movimento sempre ocupou a terra na periferia, e
como era nas áreas distantes do centro, dos bairros de classe média e das áreas de
trabalho, não tinha tanto impacto e repercussão, porque a periferia sempre foi nas
cidades brasileiras o lugar de moradia dos pobres”. A partir do momento que o
movimento começa a disputar o centro, aí começa a dar Jornal Nacional, a classe
média, as autoridades, os núcleos de poder da sociedade começam a se preocupar
e a se manifestar, porque é uma agenda nova. Na época foi uma luta que expressou
uma visão, eu acho, uma agenda nova por novas localizações na cidade, mesmo o
centro estando deteriorado. Naquela época isso foi impactante, nesse sentido, o
impacto provocou uma mudança de visão super importante em relação ao que é
política habitacional, ao que é política urbana, porque o movimento de luta por
moradia, vocês que fizeram essas ocupações, vocês fizeram uma nova pauta para a
política pública, para a política habitacional e urbana, coisa que não estava no
primeiro plano, então esta foi uma pauta construída coletivamente ali no âmbito do
movimento e que ao ser transposta para a política pública, enfrentou um monte de
desafios. Há uma série de dificuldades para absorver essa pauta na legislação
urbanística, nos programas habitacionais, nas questões de financiamento, nas
formas de distribuição das unidades, que você sabe melhor do que eu.

DITO: Por que você acha que tem essas dificuldades?

KAZUO: Primeiro por estas disputas, hoje os centros das cidades, principalmente
uma cidade como São Paulo, ele entrou na mira dos investidores, entrou na mira do
setor empresarial, estamos vendo agora a entrega de 3400 unidades no centro
antigo da cidade sendo feitas e empreendimentos que foram lançados há dois anos.
Então agora, a gente vê que nos últimos 15 anos, esse esforço todo que o setor
financeiro e empresarial fizeram em valorizar o centro para abrir oportunidades de
investimento e abrir acesso para a classe média está dando resultado. Este seria um
ponto interessante, porque as ocupações dos movimentos de luta pela moradia, elas
começaram a acontecer no centro da cidade, justamente no momento em que os
bancos, a associação comercial, o setor empresarial organizou a associação Viva o
Centro, essa trajetória aconteceu em paralelo. Vemos que a agenda desses setores
economicamente mais poderosos, elas deram resultado, no momento em que eles
defendiam implantar grandes equipamentos culturais, isso foi implantado.

DITO: Interessante que a Ermínia Maricato falou o oposto do que você está falando.
Ela fala que a última fronteira de resistência do capital imobiliário é o centro de São
Paulo, porque nós já fomos derrotados na periferia, mas não fomos ainda
derrotamos no centro.

KAZUO: Pensando em termos de realização e de investimento as agendas do setor


privado e do governo estavam alinhadas, tanto no Estado quanto na Prefeitura,
resultou concretamente em investimentos, veja a Sala São Paulo, a contratação do
projeto do teatro de dança, a própria Nova Luz, a reforma da Pinacoteca, o Centro
125

Cultural Banco do Brasil, a reforma da Praça do Patriarca, tudo isso estava na


agenda da associação Viva Centro e que virou realidade, ou seja, se concretizou.
Agora, a agenda colocada pelo movimento de luta por moradia, ela teve as suas
realizações e experiências no governo da Marta Suplicy, em termos de quantidade
de dinheiro investido foi pequena, em comparação principalmente das outras
realizações. Então, eu acho que esta disputa ainda está valendo, apesar do
movimento ter conseguido colocar em pauta no debate público e na visão de política
habitacional para essa cidade, qualquer política habitacional tem que contemplar
essa agenda da habitação no centro, não dá para ignorar, tanto que isso teve
repercussão nacional nesse tema. Agora, em termos de efetivação e investimento,
realização de produtos habitacionais no espaço urbano, eu acho que ainda não
temos a escala necessária, em que pese o movimento ter se ampliado bastante, ter
se diversificado, você que está mais perto deve ter uma visão muito mais precisa do
que a minha, dos novos atores que estão disputando essa agenda para o centro,
mas o mesmo tempo, temos também novo atores, o setor empresarial, estava te
contando, essa reunião do SECOVI, veio um empresário dizendo que era
especialista em produzir habitação no centro, especificamente na área de ZEIS 3,
habitação para famílias de 10 a 16 salários mínimos, mesmo a produção
habitacional, se compararmos em termos de quantidade, a produção habitacional
privada para setores da classe média foi muito maior, do que para a habitação de
baixa renda. Então, acho que ainda temos uma disputa a ser feita neste ponto,
agora, isso porque não temos ainda uma política habitacional capaz de responder
essa pauta colocada pelo movimento popular, não tem ainda uma estratégia,
instrumentos que abram de fato o acesso para a habitação no centro, numa área
cada vez mais valorizada, para a população de baixa renda, então essa disputa vai
ficar mais vez mais difícil, por conta dessa tendência de (re)apropriação do centro
por setores da classe média, a partir de investimentos do mercado privado.

DITO: Então, você estava dizendo que o movimento social teve um papel
importante, teve uma agenda, e que esta agenda não pode mais ser ignorada ao
longo dos anos, o movimento de fato, conseguiu colocar uma “cunha” nessa agenda
do capital imobiliário. Mas por outro lado, ainda não conseguimos avançar tanto no
que diz respeito de fato a transformar e concretizar esta pauta, do ponto de vista, da
viabilização de unidades habitacionais para a baixa renda no centro, na escala
necessária.

KAZUO: Na escala necessária, aqui em São Paulo, eu acho que ainda não. Isso é
por conta da política pública.

DITO: É falta de vontade política?

KAZUO: Eu acho que é falta de vontade política, da formação de um banco de terras


e de um banco de imóveis públicos para destinar isso para habitação de interesse
social, apesar de sabermos que tem muitos prédios públicos vazios, o próprio
126

movimento já destacou isso, em vários momentos da história, ocupando os prédios


da SPU, os prédios do poder público, aqui no centro. Apesar dessas oportunidades,
a política pública ainda não fez a aquisição necessária desses prédios, desses
terrenos em escala necessária para converter isso em habitação de interesse social.

DITO: Os custos dos prédios também não são um problema? Porque tem alguns
estudos que ainda não estão concretizados, dizendo o seguinte: quando se faz
aquela comparação do imóvel na periferia e imóvel no centro, eu via muito o Joel
falar isso, mesmo o imóvel sendo mais caro aqui no centro, ele compensa, porque
aqui tem mais infraestrutura, o cidadão não precisa usar transporte público, quando
se faz o custo benefício percebe-se que é mais barato, porque quando se constrói
um conjunto habitacional na periferia precisa levar transporte público, equipamentos
de saúde, quando fica doente...Mas essa conta não está feita, sabemos direito, que
quando na prática, a desapropriação do prédio da Prestes Maia vai custar 20
milhões de reais e da Mauá, quase 11 milhões de reais, e nesses casos, não precisa
se gastar com infraestrutura. Olhando na visão mais imediatista do poder público, ele
fica meio reticente de investir pesado nessas desapropriações para habitação de
interesse social, você acha?
KAZUO: Eu acho que sim, porque tiveram iniciativas de emissão dos decretos,
todos venceram, e sabemos que tem prédios que foram decretados para
desapropriação e estão vazios muitos deles. A prefeitura acaba não tendo dinheiro a
disposição para desapropriar e converter esses prédios em habitação de interesse
social, então eu acho que essa é uma avaliação necessária. Por que essas
realizações estão travadas, essa é uma avaliação importante, porque a pauta é
urgente, legítima, tem base social, o movimento tem uma base fortíssima para esta
pauta e a política pública não responde de maneira adequada e necessária.
Precisamos avaliar porque isso acontece. Eu acho que não é só uma questão de
custo, acho que tem aí uma questão política mesmo. O centro nessa tendência de
valorização cada vez maior, o poder público historicamente ele sempre foi reticente
em pegar uma área valorizada e usar isso para a produção de habitação de
interesse social para a população de baixa renda.

DITO: Aquele secretário de habitação, o Orlando falava: “onde já se viu fazer casa
para pobre no centro?” Isso tem um discurso muito forte mesmo, um preconceito.

KAZUO: Super forte, um preconceito é uma ideologização operando ali naqueles


que formulam e implementam a política habitacional, acha que a área valorizada da
cidade não é para a população mais pobre, e isso é o mais decisivo para impedir
que essa pauta avance na política habitacional dessa cidade. As dificuldades de
custo, de acesso a imóveis, as dificuldades técnicas de projeto de construção estão
hoje totalmente viáveis, o movimento já provou isso, as experiências piloto de
converter prédios para a habitação de interesse social, isso já vou feito aqui em São
Paulo, está sendo feito no Rio de Janeiro de forma problemática, mas está. Acho
que questão técnica não é, questão financeira não é, acho que o que define esse
127

obstáculo é uma questão política e ideológica. Essa é uma convicção que eu tenho
porque o poder público que é quem tem o papel de fazer a mediação na disputa pelo
acesso a localizações da cidade em favor de quem não consegue acessar essas
localizações via mercado, não faz isso em geral, na política habitacional
principalmente.

DITO: Nós temos um problema, então, na mediação da política, é isso o que você
está falando?

KAZUO: No papel do público, aqui em São Paulo e vemos isso em outros lugares
também, principalmente no setor habitacional, o papel do poder público e da política
pública, tem isso muito mais alinhado a lógica empresarial e a lógica do mercado, do
que em abrir vários acessos para a população que não consegue acessar o
mercado, não é?

DITO: É verdade.

KAZUO: Eu acho que essa dificuldade política, você já conhece bem essa
influência, essa determinação política que eu acho que tem um papel forte ali.
DITO: Interessante o que você está falando, eu concordo bastante com tudo o que
você está falando, mas independente da minha concordância... passamos por
diversas gestões nessa agenda toda, essas mobilizações do sem teto, se fizermos
uma avaliação dentro do governo da Luiza Erundina, há um tempinho atrás,
passamos pelo governo do Paulo Maluf, Celso Pitta, da Martha Suplicy, do Serra e
Kassab e entramos na gestão do Haddad. Nós tivemos três gestões do PT, a gestão
da Luiza que demostrou essa linha da mediação da política, evidentemente naquele
momento foi pequena a produção habitacional, mas ela demostrou que de fato, o
poder público tinha um papel importante como indutor, inovou, trouxe para dentro da
pauta esta questão da viabilização dessa política, da habitação no centro, o Casarão
da Celso Garcia, o projeto Madre de Deus, a experiência dos subprogramas dos
cortiços, Imoroti, o Casarão do Carmo que até hoje não foi concluído. Não se
consegue de fato, criar uma escala de produção de massa no centro da cidade de
São Paulo. Mas o interessante, que mesmo assim, o movimento não perde força.
Vemos muita mobilização no centro e pouca escala, por que será? Do seu ponto de
vista, por que será que o movimento não perde força, já que ele tem tanta
dificuldade em conquistar, porque o movimento vive de conquista, não é? Você
consegue imaginar o porquê?

KAZUO: Eu acho uma hipótese que é forte, o movimento de luta por moradia,
quando trouxe essa pauta de morar no centro, não é só moradia, a agenda e os
documentos do movimento sempre falaram isso, na verdade, ele não quer só as
quatro paredes e um teto, quer a cidade, quer os acessos que essa localização
propicia, possibilita para quem mora ali, em termos de acesso a emprego, transporte
coletivo, equipamentos, espaço público, não precisar ficar uma hora no metrô e trem,
128

sempre colocaram isso, e eu acho que isso está muito forte hoje não só no
movimento, mas isso se espraiou para vários setores da cidade, que é uma
revalorização da vida urbana, uma revalorização de experimentar viver em locais
dentro da cidade, onde você pode sair da sua casa e ir para um espaço público, ir
para um lugar encontrar pessoas, encontrar amigos, estudar, ter uma atividade
cultural perto, ter espaço público perto, vai, no final do caminhar, encontrar pessoas,
então, essa beleza que é a vida na cidade. Eu acho que essa revalorização faz com
que essa agenda fica forte, no movimento e fora dele, porque esse retorno de
setores da classe média para o centro da cidade tem a ver com isso, isso é uma
tendência internacional, a gente vê a grande inversão demográfica que está
acontecendo aqui em São Paulo e está acontecendo nesse mesmo período nas
grandes cidades americanas, Nova Iorque, Chicago, Atlanta, Fênix, a gente vê as
grandes cidades trazendo gente para morar no centro.

DITO: Você sabe que essa insistência do movimento em permanecer e resistir no


centro, em torno dessa pauta, nesse trabalho estou denominando como uma
Pedagogia do Confronto, que é esse processo permanente de resistir e insistir, ao
mesmo tempo, se formar nessa luta, na resistência como espaço de formação e de
garantia do direito à cidade.

KAZUO: Que tem a ver com a pedagogia do confronto.

DITO: Sim, tem a ver com pedagogia do confronto, porque ele não é um processo
que começa e se encerra em si mesmo, ele vai fortalecendo uma consciência cidadã
das pessoas pela cidade.

KAZUO: Ela agrega valores coletivos. Eu acho que o nome é perfeito, pedagogia do
confronto, porque é isso que é necessário mesmo, porque tem que ser na base da
disputa por localizações na cidade. Porque é isso que estrutura as cidades. Aqui no
Brasil está provado, mas ainda, vale a pena repetir, não encontra resposta na
política pública.

DITO: Por outro lado, nós não temos resposta, é quase um “soco em ponta de faca”,
porque os resultados são pequenos diante do tamanho da luta e da pressão dos
movimentos sociais, por outro lado, percebe-se que essa luta ainda não se esvaziou,
pode ser que ela perca força, mas ela não perdeu força ainda.

KAZUO: Eu acho que pelo contrário, essa luta cresceu e se fortaleceu, tanto por
conta da atuação do movimento, das ações de ocupação, quanto pela relação de
apoio de outros setores de não estão no movimento, mas já reconhecem isso como
uma ação legítima, claro que tem visões conservadoras que criticam e são contra, a
gente sabe que a sociedade ela é assim também.

DITO: Eu queria que você pudesse comentar Kazuo, duas questões, uma sobre o
129

que você pensa dentro deste contexto, o Programa Nova Luz, se você pudesse falar
um pouquinho dele, a agenda dos movimentos e por outro lado, a proposta em si, ou
seja, essa “coisa” que apareceu de cima para baixo, meio fora do processo, contexto
e da dinâmica dessa agenda e um pouco também daquela agenda das PPP –
Parcerias Público Privadas, o que você acha disso? Isso é resposta ou não é
resposta? E na sua avaliação, qual foi o comportamento dos movimentos nesse
processo todo também?

KAZUO: Com relação ao projeto Nova Luz a participação do movimento foi chave
para levantar a visão crítica e as falhas daquele projeto, que violavam claramente o
direito a cidade, que está na essência da luta dos movimentos do centro. Aquele
instrumento da concessão urbanística, que estava na base do projeto Nova Luz, a
fórmula como ele foi formulado na legislação tinha “buracos”, porque essa
concessão urbanística de um território todo, tem como resultado a privatização, a
captura desse território pela lógica de um mercado empresarial, que não estava
minimamente preocupado em efetivar direitos, muito menos, de garantir o direito a
cidade para a população mais pobre. Então o movimento que já tinha ocupado
prédios, já havia realizado ações ali naquele pedaço de território, foi chave para
deixar isso mais claro, tanto para os especialistas quanto para a sociedade. O
movimento foi importante para diferenciar a pauta de setores que também eram
críticos do projeto Nova Luz, como os comerciantes lá do Bairro Santa Efigênia, os
moradores de classe média, foi importante porque colocou a crítica, especificou as
pautas. Foi interessante, porque se conseguiu ver com clareza o que cada ator
social estava propondo e colocando como crítica, então as ocupações da Rua Mauá
fizeram...

DITO: A ocupações da Rua Mauá foi exatamente central.

KAZUO: Foi central, fazer esse trabalho de colocar as coisas no seu devido debate,
eles foram centrais. Eu participei de alguns ali, com os movimentos e as lideranças
que estavam lá, as formas como eles colocavam os conteúdos ali naquele pátio,
ajudou muito a entender, então acho que a partir dali ficou mais claro para fazer essa
discussão, então eu acho que o papel do movimento nesse debate da Nova Luz foi
importante nesse sentido.

DITO: Deixa-me fazer um corte nessa questão, Kazuo, naquela discussão do Projeto
Nova Luz foi bem interessante, porque a gente trouxe para o debate a questão do
Conselho Gestor da Luz, então, o pessoal do “Amo luz”, comprou a ideia do
Conselho Gestor, mas os comerciantes, não, uma parte não queria de jeito nenhum
e falava que o Conselho Gestor poderia legitimar o projeto - e a gente falava: Não, o
conselho gestor vai “travar” esse processo, nós temos certeza de que vamos por
dentro, discutir o projeto. Com tensões, alguns comerciantes toparam ir para o
conselho.
130

KAZUO: Aliás, eu acho que esse ponto é importante porque faz lembrar que as ZEIS
3, elas nasceram, que na época era uma coisa nova na política urbana do Brasil
inteiro, as ZEIS 3 nasceram dessa pauta da habitação no centro, colocada pelos
movimentos, tanto que a proposta das ZEIS 3 que acabou entrando do Plano Diretor
de 2002 teve várias contribuições do movimento ajudando ali nessa discussão e
também, às vezes, na definição e indicação dos terrenos ou imóveis. Eu acho que
nesse sentido, tem a ver com essa primeira pergunta até que ponto o movimento
ajudou a avançar na legislação urbanística, eu acho que as ZEIS 3 foi um avanço
grande que nasceu nessa luta do movimento pela habitação no centro. E hoje é
curioso, porque em São Paulo não dá para falar em ZEIS sem falar na ZEIS 3 é
inconcebível, para ver que, agora, de fato a cidade e todas as coisas relacionadas a
legislação e ao planejamento da cidade é um palco de disputa mesmo, porque
depois, no processo em que isso foi se consolidando dentro do Plano Diretor, os
critérios que foram sendo enxertados lá dentro, criou uma abertura ali para que
essas ZEIS 3 fossem capturadas pelo mercado, e o mercado sempre arruma um
jeito porque é o negócio deles ali, usar as terras, os locais da cidade para fazerem
negócio, e aí eu acho que teve esse problema, de captura de boa parte das ZEIS 3
ali por empreendimento privado.

DITO: Olhando para o movimento social, bom se hoje você estivesse no movimento
social você falaria: Olha, eu faria desse jeito. Ou você acha que não, que está bom,
é isso mesmo? De tudo o que você leu, de tudo o que você viu, mas se você
também não tiver condições de dizer, não tem problema.

KAZUO: É difícil, principalmente porque eu não estou por dentro. Mas tem uma
coisa que nem é tão nova assim, porque para mim, habitação de interesse social no
centro, baseado numa lógica da propriedade privada individualizada, já falei isso em
outros momentos, eu acho que é um limite, não dá certo. Isso, tanto do movimento,
quanto da política pública, a propriedade individualizada e sendo toda a estratégia
baseada nisso, eu acho que isso é difícil inclusive para que as políticas públicas
sejam viabilizadas para gerar isso, porque ai sim eu acho que tem uma barreira
financeira que dificulta ali você produzir em larga escala.

DITO: Se fosse pensar em um parque de locação social ou outra modalidade

KAZUO: Também. É importante fazer essa discussão sobre as modalidades de


propriedade do imóvel, principalmente do imóvel habitacional. Estava lendo, outro
dia, um texto falando da Malásia que é uma cidade super mercantilizada e, tanto que
eles têm sete modalidades de propriedade do imóvel, que não é só a propriedade
privada individualizada, tem a propriedade cooperativada, tem a propriedade
baseada em concessões, como a gente tem aqui, então, discutir política habitacional
para o centro implica em discutir uma diversificação de modalidades para podermos
discutir uma diversificação das modalidades de acesso a propriedade habitacional.
Porque no centro, a política habitacional, ela tem o lado da produção da habitação,
131

mas o lado da distribuição e do acesso, eu acho que é tão importante, ou talvez,


mais importante do que a produção, principalmente do ponto de vista da população
de baixa renda, então, eu acho que a gente ainda não avançou nisso.

DITO: Mas São Paulo deveria ter alcançado mais, já que os movimentos são
tantos...

KAZUO: É, até se tentou no governo da Marta, a experiência da locação social, o


PHRIH também, foi uma reposta que ficou na escala do projeto piloto.
DITO: Absolutamente localizado, não conseguimos “dar” escala ainda. O
subprograma foi uma experiência importante da Luiza Erundina que ficou para trás
na história, não é? Também tem poucos estudos sobre utilizar pequenos imóveis
para fazer habitação, o Pedro Fachini, acho que são só 11 unidades, você conhece?

KAZUO: Eu conheço, mas não sei a quantidade de unidades.

DITO: O projeto Imoroti acho, que são 13 unidades. Mas se existisse uma política
de “pipocar” esse tipo de pequeno empreendimento no centro, nas regiões
intermediárias da cidade, em um espaço, por exemplo, na Mooca, onde... Estava
aqui fazendo um desenho do centro de São Paulo, e essa franja dos 11 distritos,
passando Barra Funda, Campos Elísios, à oeste, indo pro outro lado do Pari e
passando ao leste, pelo Brás e Mooca, você percebe essa pressão imobiliária sobre
a área central? Os lançamentos chegando aos Bairros Campos Elísios, República....

KAZUO: Com certeza, pressão total, cada vez maior. Agora você falou uma palavra-
chave “pipocar” os projetos no centro, porque tem que ser na base da pipoca
mesmo, usando predinhos, terrenos pequenos, já está muito ocupado o centro,
então tem que pipocar, pontuar em vários lugares, penso que esse seria o caminho
para dar escala necessária a essa ação. Tem uma coisa que você até pergunta no
seu roteiro que é sobre a contribuição da pauta dos movimentos na inovação em
termos de projeto, eu me lembro dessas experiências pilotos, para usar pequenos
prédios na habitação de interesse social no governo da Marta, me chamou muito
atenção isso, porque como é prédio que já existia e você tem que adaptar, tem uma
diversificação de tipologias e unidades, não é uma coisa padronizada, que você tem
que ir adaptando aonde cabe, e aí surgiu essa possibilidade ou necessidade de
trabalhar unidades para uma pessoa só, porque tem pessoas que moram sozinhas.
Eu acho que isso foi uma antecipação de uma tendência que a gente está vendo. A
Vila dos Idosos, por exemplo, junta duas coisas que mais chamaram atenção do
Censo 2010 que é esse avanço forte dos domicílios unipessoais e do
envelhecimento da população. O projeto que surgiu dessas experiências, junta as
duas tendências hoje que vão se aprofundar muito na população brasileira que é
esse aumento de pessoas morando sozinhas e famílias muito pequenas, casal sem
filhos, e pessoas idosas, isso já estamos vendo nos dados, está crescendo ano a
ano.
132

DITO: Então, por que o projeto da Vila dos Idosos só ficou naquela experiência?

KAZUO: Pois é, e o resultado é muito bom.


DITO: O resultado é bom, teve um trabalho social e pós-ocupação interessante.

KAZUO: A gestão é boa, por que não se multiplicou?

DITO: Por que Kazuo?

KAZUO: Difícil responder isso, porque não tem dificuldade nenhuma para ampliar.

DITO: E inovou bastante em relação ao projeto, não é?

KAZUO: Sim, aquele projeto, eu sempre falo, que é uma experiência que precisa ser
olhada com muito cuidado e muita atenção porque pode ter muitas aprendizagens
ali. Porque não precisa ser só para os idosos, aquele modelo pode ser para
estudante, para jovem adulto, que esse é o momento da população agora, temos
adolescentes ainda, mas aquela quantidade enorme de adolescentes que tínhamos
na década de 1990, não teremos mais aquela quantidade de adolescentes no Brasil
em um médio prazo. Aqueles adolescentes, hoje são jovens adultos, estão entrando
no mercado de trabalho e eles querem morar em áreas centrais também, então eu
acho que esse tipo de iniciativa, pode vir ao encontro desse desejo, dessa
reinvindicação, dessa necessidade na verdade, desses jovens adultos que estão
iniciando no mercado de trabalho, esses estudantes universitários, além do
movimento, porque a pauta do movimento não é restrita a sua agenda, tem um
resultado dessa pauta para toda sociedade brasileira.

DITO: Nessa linha do que você está falando, você acha que o Minha Casa Minha
Vida, essa forma do programa “amarrou” e trouxe para trás essa agenda da
renovação, em termos de projeto? Parece que há uma forma geral para todo lugar,
não é?

KAZUO: Eu acho que sim, nesse ponto de vista, além de muito dos produtos
estarem sendo feitos na periferia, está reproduzindo aquela ideia da população de
baixa renda na periferia, em local precário, muitas vezes, não diversificou os tipos de
moradia dentro da cidade. Hoje é fundamental, porque os hábitos de moradia das
populações, principalmente de grandes cidades, diversificaram.

DITO: Tudo tem que entrar na forma, do Minha Casa Minha Vida, não é?

KAZUO: Isso é um limitante, o programa poderia incorporar isso, o problema é que o


formato do programa tem muita pouca flexibilidade, porque o movimento já fez essa
discussão junto ao governo federal e já trouxe essa pauta de financiar, reforma de
133

prédio, aquisição de prédio o centro, já teve até uma experiência aqui em São Paulo,
única, não teve esse prédio da ULC?

DITO: É o projeto “Ipiranga” e o projeto “Maria Domitila”, mas não começou ainda,
não temos nenhuma experiência, contratou agora o projeto do Ipiranga.

KAZUO: Quem fez esse projeto?

DITO: Foi a Assessoria Integra.

DITO: Assim como você falou, se o poder público também não induz as inovações,
não se consegue. Também tem muito pouca assessoria técnica, a ausência da
universidade nessa agenda.

KAZUO: Era isso o que eu estava pensando, os resultados bons, não só em


projetos de habitação no centro, aconteceram quando o movimento se juntou a
algumas assessorias técnicas comprometidas com essa agenda. E apesar de agora,
termos a Lei Federal da assistência técnica, as experiências concretas recuaram um
pouco, é um contrassenso, porque agora, eu não sei porque isso aconteceu, esse
retrocesso, porque temos o Minha Casa Minha Vida entidades, que tem uma escala
grande e temos a Lei, agora, as prefeituras não respondem porque não tem os
escritórios públicos...

DITO: Eu acho que tem um problema ai de mercado, tínhamos um nível de emprego


na gestão do FHC pequeno para este setor e este segmento, por isso era até natural
essa presença das assessorias técnicas, dos engenheiros. Agora, com este volume
de produção, com a especulação imobiliária que os estudantes de arquitetura eles
são muito mais absorvidos pelo mercado, não é? O “cara” vai avaliar, vou ficar aqui
sofrendo no mutirão ou vou ser estagiário lá no escritório de arquitetura...

KAZUO: Faz sentido, porque não tem uma estrutura adequada ali para ele atuar na
assessoria a essa produção de moradia no centro. Eu acho que ainda está muito na
base assim flutuante, às vezes tem trabalho, às vezes não tem, o financiamento é
difícil.

DITO: Os projetos também são muito burocratizados e muito caros, e mesmo


quando tem assim um pagamento razoável feito pela Caixa Federal para custo de
projeto é tudo muito demorado e burocratizado se não tiver uma estrutura, não se
consegue manter uma assessoria.

KAZUO: Esse problema, vemos também no Minha Casa Minha Vida empresas,
porque como os custos de projeto são absorvidos no financiamento como um todo,
investe-se e exige-se pouco para bons projetos.
134

DITO: Essa contrapartida de projetos, de fato, esse também seja um dos outros
limites.

KAZUO: Eu acho que isso é um limite, porque não tem condições de enriquecer
projetos, de inovar um projeto, porque as condições ali, de atuação do arquiteto
nesse campo não atrai, é o que você falou, o mercado está atraindo muito mais.

KAZUO: Eu acho que a priorização da produção habitacional na lógica do Minha


Casa Minha Vida que tem pobreza de projeto, esse sendo modelo único, faz com
que o resultado dos conjuntos habitacionais, em termos de projetos arquitetônicos e
urbanísticos sejam muito pobres. Eu vi projetos que as empresas estavam
apresentando para a Secretaria de Habitação, e é o “fim da picada”, porque se tinha
um terrenão, e no meio do terreno, uma mata, densa que poderia ser absorvida no
conjunto habitacional, fazendo uma área verde. O que o “cara” fez? Ele cercou a
mata com um muro, fez as unidades em volta e criou uma separação, uma ilha. Ele
fez isso, porque não quis trabalhar aquela mata como parte dos espaços públicos,
porque teria que pensar em acessos e iria interferir na distribuição dos espaços,
porque essa é a lógica do carimbo do prédio igual e aí sai carimbando casinha,
prédio em volta da mata. Isso é muito ruim, nesse ponto, acho que a produção
habitacional está pobre.

DITO: A Ermínia fala que nós fomos derrotados na periferia e você acha que
estamos por um fio para sermos derrotados no centro? É a derrota para o capital
imobiliário, não é?

KAZUO: Eu acho, porque está se criando, cada vez mais, as condições, criar
vantagens para o investidor. Um exemplo que foi colocado lá no Plano Diretor e que
está na pauta e vai ficar, que é a história do Minhocão. A desativação do Minhocão e
sua transformação em espaço público. Tudo bem, eu acho que o que a cidade de
São Paulo mais precisa é de espaço público misturado com moradia, agora, não
tiver mecanismos de inclusão social ali.

DITO: Aliás, nos eixos também.

KAZUO: Nos eixos também, a gente sempre diz, a Raquel sempre falava isso e
essa resistência em demarcar as ZEIS nos eixos, isso foi permanente no processo.

DITO: Penso que a nossa conversa está boa, mas precisamos ir amarrando. Bom,
você falou um pouco geral da conjuntura, de toda essa questão do Plano Diretor,
então que tipo de sugestão, você fez várias reflexões sobre os limites dessa agenda,
falou especificamente do modelo de propriedade, o modelo “quadrado” do Minha
Casa Minha Vida, a falta de projeto, a falta de vontade política, ou seja, uma série de
limites, o problema de legislação, enfim, você falou uma série de questões, mas eu
135

queria que você desse, se você puder, quais são as saídas, como avançamos,
mesmo com tantos problemas, a escala é pequena, se você estivesse lá, se você
fosse o Haddad? Você sentou na cadeira do prefeito, você olha e fala, bom agora
sou eu quem vou fazer, como que se você tivesse com a caneta na mão, o que você
faria?

KAZUO: Nada simples. Vocês do movimento, são especialistas em colocar a


situação no limite.

DITO: Não estou só brincando com você, queria que você se imaginasse...

KAZUO: Uma coisa que eu acho que até que se tentou fazer já no centro de São
Paulo, mas tanto por parte da sociedade civil, quanto por parte do governo, mas
desmanchou.

DITO: “Tudo o que é sólido se desmancha no ar”

KAZUO: Sim “Tudo o que é sólido se desmancha no ar”, para o bem ou para o mal.
É uma plataforma de articulação, já tivemos iniciativas aqui em São Paulo, o Fórum
Centro Vivo foi isso, no governo da Marta o próprio governo tentou puxar esses
fóruns, na época que o Pochmann não era secretário de economia, organizando os
setores econômicos, porque tem que ser múltiplo, vão vários atores e em cada
pedaço do centro, tem-se uma multiplicidade. Criar essa plataforma, eu acho que já
estamos até mais maduros, para juntar, a experiência da Nova Luz mostra isso, que
tem uma possibilidade de se criar uma plataforma múltipla, mas com agendas
específicas. E eu acho que os atores estão maduros para desenvolver isso, no
processo de discussão do Plano Diretor isso apareceu e eu acho que essa
plataforma de articulação pode ser uma coisa boa, porque não adianta, não vai ter
uma mente iluminada que vai apontar o rumo, isso aí tem que ser feito com essas
várias mentes.

DITO: Um problema de orçamento, de volume de recursos, dinheiro, para fazer


avançar esta agenda também, não é? Dinheiro de fundo perdido, dinheiro para
habitação no centro.

KAZUO: É porque exige. Tem que ser. Agora, não é só recurso é gente vê que tá
curto o dinheiro lá na prefeitura, mas tem possibilidades de tentar reutilizar os
recursos ali. Agora eu acho que vai ter mais recursos do FUNDURB, tem um
percentual que é especificamente destinado para habitação e interesse social,
vamos ver. Pode-se juntar orçamentos, sabe, o problema é que os orçamentos da
prefeitura estão cada um em uma caixinha e intervenção no centro, mesmo que para
área habitacional é importante juntar setores da política pública e aí pode-se juntar
recursos. Por que um projeto habitacional, não pode ser uma creche? E ai se junta o
dinheiro da habitação com o dinheiro da educação?
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DITO: E o espaço cultural não pode virar moradia? Vila Itororó, por exemplo?

KAZUO: Pois é, juntar as duas coisas, se juntar orçamento viabiliza, ou posto de


saúde. Então eu acho que aí tem uma barreira enorme porque, você também já
viveu esse lado do governo, é das coisas mais difíceis, fazer essa articulação de
recursos.

DITO: Essa intersecção de ações e recursos.

KAZUO: E o problema, no campo, tanto habitacional quanto das obras pelo espaço
da cidade, é que às vezes, se separa projeto e obra, entrega o projeto para a obra e
aí os engenheiros fazem todas as alterações que eles acham necessárias e não
consultam quem fez o projeto e aí acho que vamos tendo resultados nefastos.
Também acho que é uma dificuldade, tem que ter bons projetos nessa junção de
projeto e obra na habitação é necessário e acho que aí pode estar um dos grandes
limites para melhorar os espaços da habitação e da cidade.

DITO: Nessa linha do que você está falando do avanço, que eu gostei bastante das
coisas que você colocou, só uma pergunta, você faria alguma experiência de o que
se tem falado muito, dessa combinação de demanda de classe média e de classe
baixa dentro do mesmo espaço?

KAZUO: Eu acho que eu iria, acho que é uma linha.

DITO: Eu não gosto muito dessa linha, eu gosto de todo mundo ficar no mesmo
território, mas no mesmo prédio...

KAZUO: Então, pode ser no mesmo prédio, mas o fato de estar no mesmo prédio,
não significa que não tem independência ali.

DITO: Como o Copam.

KAZUO: Tanto na administração condominial, quanto na gestão, no acesso. Se você


tem um empreendimento com o mesmo padrão de densidade construtiva, eu não
acho discriminatório separar acessos e entradas de gestão, o importante é ter um
padrão bom para todos os grupos.

DITO: Para ter condições de fazer gestão de condomínio, porque senão, não
consegue fazer.

KAZUO: O custo de condomínio para a classe média, média alta, certamente pode
ser maior, porque a área é maior, as unidades são maiores. As Inclusionary House
de Nova Iorque, é claro que não é para copiar, mas eles partem desse princípio que
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o empreendimento pode ser uma edificação junto, mas com independências


internas, ele não precisa estar em quadras diferentes, em bairros diferentes, não
precisa estar necessariamente em blocos diferentes também. Em termos de projeto
isso é das coisas mais simples para revolver, aí você tem o mesmo padrão
construtivo, porque imagina, está todo mundo pensando que o projeto de habitação
de interesse social tem que se diluir na cidade, porque o nosso grande problema é
isso, o projeto de habitação de interesse social é muito marcado, você bate o olho e
já reconhece e isso estigmatiza e aí s propõe habitação de interesse social no lugar,
já se tem um preconceito, não é?

DITO: Exato, vai trazer pobre para cá.

KAZUO: E vai desvalorizar a vizinhança, é errado isso e tem uma razão de ser um
por quê.

DITO: A gente só fez coisa ruim ao longo dos tempos.

KAZUO: É. Mas hoje eu vejo das experiências mais recentes como essa, que vai
diluindo, aquela ideia que você falou de “pipocar” empreendimentos em vários locais
e pontos do centro, isso eu acho que é a mais certa e aí você diluiu. Eu acho que o
próprio movimento do centro, teve uma hora que eles levantaram isso “a gente não
quer morar em gueto”. Nossa, eu me lembro muito bem, quando se criticava.

DITO: Você viu o prédio da Avenida Ipiranga, dizem que está ficando muito bonito a
reforma do Conselheiro que a ULC está fazendo, vale a pena darmos uma olhadinha
como eles estão fazendo, porque é um projeto do Minha Casa Minha Vida, é o
primeiro no centro.

KAZUO: Lá no Conselheiro Crispiniano, aproveitando o prédio.

DITO: É estão reformando, é um prédio do INSS.

KAZUO: Ah eu sei que prédio é...genial.

DITO: Bem ali no coração.

KAZUO: É Minha Casa Minha Vida entidades?

DITO: Não é PMMV Entidades, é MCMV - FAR, um projeto especial do INSS que a
demanda foi selecionada pelo Ministério das Cidades, o movimento disputou e
ganhou.

DITO: Kazuo, você tem mais algum comentário, alguma questão que você queria
falar sobre tudo isso.
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KAZUO: Deixa-me pensar, não, eu acho que as coisas mais importantes nós já
tocamos.

DITO: OBRIGADO
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ANEXO 3

Boletim da União Nacional por Moradia Popular


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