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TERRITÓRIO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Novembro, 2014
2
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
___________________________________________________________________
_
Prof. Dr. Ricardo de Sousa Moretti
Universidade Federal do ABC
___________________________________________________________________
_
Prof. Dra. Silvana Maria Zioni (suplente)
Universidade Federal do ABC
Agradecimentos
Difícil encontrar palavras para escrever estas linhas, mais fácil quem sabe, seria falar,
mesmo assim, seria difícil não chorar, quase impossível elencar todas as pessoas que
ajudaram e incentivaram a chegar neste momento, por isso corro o risco de ser injusto. Por
favor, não se aborreçam, apenas sintam e curtam comigo a emoção deste momento.
Lembro-me de meu pai, seu Norbertino e de minha mãe, Dona Albertina, foram eles que me
deram a vida e me deram tudo, lembro de todos meus irmãos; Bia, Zé Paulo, Donizete,
Marquinho e Márcia e também de minhas cunhadas/os, Maura, Zé, Marta e Rosa; todos
meus sobrinhos, em especial, a Valentina, que vai chegar, tenho todos em cada cantinho
de meu coração. A minha sogra Dona Anginha, meus cunhados/as do lado de cá:
Chaguinha, Célia, e Ângela, e as minhas lindas sobrinhas que são as flores de meu jardim,
obrigado por tudo.
À minha esposa Marluci, que eu amo demais, a meus filhos Filipe e Lucas, de quem tenho
grande orgulho. Adoro ver carinho e o cuidado deles para com pessoas mais velhas. Todos
me apoiaram demais nesta jornada. Marluci foi especial, não desistiu de mim nunca, sempre
me apoiou e incentivou, para que eu chegasse até aqui.
Deixo um abraço aos meus colegas de sala, aos professores, e funcionários da UFABC.
Agradeço do fundo do meu coração aquelas pessoas que se dispuseram a me ajudar e de
maneira singela, especialmente, Michelly, Talita Gonsales, e Rodrigo. Agradeço também, a
professora Ermínia Maricato e o professor Kazuo Nakano, durante este período pudemos
conversar e trocar impressões. Muito obrigado!
Agradeço ao meu orientador, amigo e Professor Francisco Comaru, que com sabedoria e
paciência, colocou luzes para que eu pudesse trilhar caminhos que não tinha certeza se
conseguira percorrer. Aos amigos de várias lutas Professor Joel, ao Professor, Professor
Ricardo Moretti e Professora Silvana Zioni, que sempre me incentivaram, obrigado por
aceitarem estar na banca deste velho militante. Agradeço especialmente meu irmão e
mestre, Professor Luiz Kohara e sua esposa Carmela, sem o seu apoio seria impossível
cruzar esta linha de chegada..
RESUMO
ABSTRACT
This research analyzes the struggle and trajectory of the housing social
movement in downtown São Paulo, as well as the challenges, advances, retreats and
the protagonist role that these actors exerted on the agenda of housing in the central
region, between 1990 and 2014, during which dozens of groups the homeless began
to demand from state institutions the right to live in the city center, where there is a
consolidated infrastructure and the possibility of access to public services.
It was found that the housing movements through their leaderships and
grassroots groups have been working on different strategies: formation activities,
participation in public events, occupying empty buildings, participation in institutional
spaces such as commissions, boards, councils and other bodies sectoral activities of
direct democracy. Strategies, struggles and mobilizations for housing in downtown
Sao Paulo have put light on the ills, contradictions and omissions of the executive,
judicial and legislative powers, which historically joined the private sector to prevent
that the poor had access to land.
This work demonstrates how the struggles of the homeless in downtown São
Paulo, in a systematic process of pedagogical confrontation with the real estate
capital and with the government, have occupied the urban scene, influencing public
housing policies and established a new agenda around the right to the city and urban
reform.
LISTA DE FIGURAS
.................................................................................................................................. 51
Figura 20: Movimentos MUF ou MDF. ....................................................................... 53
Figura 21: Celebração do Movimento de Defesa do Favelado - MDF. ..................... 53
Figura 22: Favela de Heliópolis, a maior de São Paulo............................................. 55
Figura 23: Cortiço da Av. Celso Garcia. Vista superior dos imóveis desapropriados
para o projeto do Mutirão do Casarão. ...................................................................... 56
Figura 24: Foto da posse da prefeita Luiza Erundina em janeiro de 1989. ............... 57
Figura 25: Panfleto de divulgação da Caravana Nacional para Brasília organizada
pela União do Movimentos de Moradia. .................................................................... 59
Figura 26: panfleto da convocação da 1ª Assembléia de Cortiços de São Paulo. .... 60
Figura 27: Noticia na Folha de São Paulo sobre articulação da CMP e MST em apoio
a luta dos movimentos sem teto em São Paulo e demais cidades do país. .............. 62
Figura 28: Calçadão da Rua 15 de Novembro Centro de São Paulo. ....................... 63
Figura 29: Foto de Ocupação da Frente de Luta por Moradia na Av. São João, 345.
.................................................................................................................................. 64
Figura 30: Manifestação de denúncia da impunidade em relação ao massacre da
população de rua em 2014. ....................................................................................... 65
Figura 31: Foto de manifestação do Movimento Nacional da População de Rua em
São Paulo. ................................................................................................................. 66
Figura 32: Jornal da Associação Viva Centro que apresenta uma posição
conservadora sobre o território do Centro na perspectiva da valorização imobiliária e
de território controlado e vigiado. .............................................................................. 69
Figura 33: Fotos do avanço da especulação imobiliária no centro de São Paulo. .... 70
Figura 34: FLM: Unificação de Lutas de Cortiços e Frente de Luta por Moradia
(FLM), coletivo de movimentos de sem-teto de São Paulo, ocuparam mais 21
prédios abandonados em novembro de 2011 (28/10/2012). ..................................... 71
Figura 35: Manifestação dos Movimentos de Luta pela Moradia por Habitação no
Centro de São Paulo. ................................................................................................ 72
Figura 36: Prédio abandonado e lacrado da Rua Asdrúbal do Nascimento –
transformado em Locação Social (2006). .................................................................. 72
Figura 37: Manchete do jornal Estado de S. Paulo , sobre a Conquista do
Empreendimento Habitacional da Avenida Ipiranga pela Unificação das Lutas dos
Cortiços. .................................................................................................................... 76
Figura 38: Interior do Prédio da Avenida Ipiranga. .................................................... 76
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Regiões do MSP – População total – 1980, 1991, 2000 e 2010. ............... 16
Tabela 2: População das 15 maiores regiões metropolitanas do Brasil. ................... 42
Tabela 3: Conquistas, desafios e atores. ................................................................... 79
Tabela 4: Empreendimentos de Programas da Prefeitura de São Paulo. ................. 82
Tabela 5: Empreendimentos do Programa PAC BID CDHU. ..................................... 83
Tabela 6: Empreendimentos com pendência e obras não iniciadas do Programa PAC
BID CDHU. ................................................................................................................ 84
Tabela 7: Empreendimentos viabilizados por Programas do Governo Federal. ........ 84
Tabela 8: Síntese da produção de HIS de todos os entes federativos nos últimos 25
anos na região central de São Paulo. ....................................................................... 85
11
SUMÁRIO
1. Introdução 14
1.1 Objetivos 21
1.2 Metodologia 22
1.3 Raízes da luta dos movimentos de moradia pelo
direito ao centro 23
2. Elementos do contexto urbano brasileiro: aspectos do
processo de urbanização no Brasil 28
2.1 Cidades: entre o velho e novo higienismo 31
2.2 Metrópoles espraiadas e o inchaço das periferias 39
3. Limites dos instrumentos da política urbana frente aos
avanços do capital imobiliário no território 47
3.1 Conquistando territórios consolidados: o longo
caminho da periferia ao centro 51
4. A luta recente pela moradia no centro de São Paulo: mobilização
da população por um lugar para viver e trabalhar 63
4.1 O direito de morar no centro associado à conquista
de novos instrumentos da política urbana 73
4.2 Política de habitação nas áreas centrais: limites e desafios na perspectiva do
direito a cidade e da reforma urbana 86
4.3 Por dentro da Agenda Neoliberal: avanços e refluxos na luta pela moradia no
centro de São Paulo 90
4.4 Lutas e limites do Fundo Nacional de Habitação
de Interesse Social na pauta dos centros urbanos 98
4.5 Da construção coletiva do Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades
à baixa escala da produção habitacional nos centros urbanos 100
1. Introdução
“As áreas urbanas centrais são referência para a população por serem, ou
terem sido, núcleos de convergência de fluxos, atividades múltiplas ou
especializadas, que polarizam a oferta de serviços e empregos da região.
De modo geral, a idéia mais difundida de área urbana central coincide com
a idéia de centro tradicional, que corresponde ao local onde se
desenvolveram grande parte das atividades produtivas econômicas da
cidade ao longo de sua história. “(BRASIL, 2013).1
1
Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/132861860/6-TC-As-Areas-Urbanas-Centrais-e-a-Dinamica-
Do-Municipio-Atualizado#scribd , Ministério das Cidades:
http://www.capacidades.gov.br/evento/131/1%C2%BA+Curso+a+distancia+de+autoinstrucao+-
+Reabilitacao+Urbana+com+foco+em+Areas+Centrais
15
população de 2010 ainda está bem abaixo dos anos 1980. Alguns autores
relacionam a dinâmica dos processos demográficos e de “degradação” com o baixo
grau de efetividade do planejamento urbano.
Conforme Maricato (2001), na prática, nota-se que apenas nas regiões mais
ricas da cidade as leis de uso e ocupação do solo e a fiscalização funcionam. As
periferias e territórios ocupados pela população de baixa renda e regiões onde o
mercado imobiliário não tem interesse de atuar ficam à mercê dos expedientes da
autoconstrução e dos processos de precariedade urbana.
Por outro lado, nota-se, de acordo com dados da mesma pesquisa, que 90%
das famílias recebem renda mensal de 0 até 2 salários mínimos (Figura 3). Boa
parte das famílias são constituídas por trabalhadores de baixa renda que
sobrevivem do trabalho informal e do setor de serviços que exigem baixa
qualificação e proporcionam baixa remuneração.
Pela Figura 5 nota-se que mais de 85% deste grupo de baixa renda que mora
em regiões bem localizadas consome de 0 a 30 minutos no tempo de locomoção
entre a moradia e o trabalho, ou seja constata-se, conforme a Figura 6 que grande
parte deste grupo (71%) percorre o trajeto entre moradia e trabalho a pé.
20
Por outro lado, o Censo do IBGE de 2000 apontava que no centro havia cerca
de 40.000 domicílios vazios.
1.1 Objetivos
1.2 Metodologia
mobilizações para conquistar a moradia nas áreas centrais e pelo direito a cidade.
Neste período, inicio dos anos 1990, surgiram vários movimentos que
passaram de forma intensa a lutar por moradia no centro e interagir com agenda
urbana da cidade com forte impacto sobre estes territórios, dentre eles destacamos:
a Unificação de Luta por Cortiços (ULC) 1991, Fórum dos Cortiços e Sem Teto 1993,
Movimento de Moradia do Centro (MMC) 1997, Movimento dos Sem Teto do Centro
24
Figura 9: Foto do Bairro Parada de Taipas Zona Norte de São Paulo – Região
atingida pelo trecho norte do Rodoanel.
presente nas cidades coloniais, por exemplo, na relação entre a Casa Grande e a
Senzala, imbricado no modo de produção escravista brasileiro do período colonial.
Segundo Baldez (1986 apud Maricato, 1996) “há uma perfeita articulação
entre o processo de extinção do cativeiro do homem e o processo subsequente de
escravização da terra”.
Para onde foram os negros libertos após a abolição em 1888? Como estes
trabalhadores se acomodaram em centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador, Recife e demais províncias brasileiras?
“o ano de 1850 é marcado pelo fim do tráfico de escravos e pela Lei de Terras
no. 601, de 18 de setembro daquele ano. Não é por coincidência que as duas
leis são promulgadas com uma semana de tempo entre uma e outra. De
acordo com a lei as terras devolutas poderiam ser adquiridas apenas
mediante compra e venda o que afastava a possibilidade de trabalhadores
sem recursos tornarem-se proprietários. Dessa forma, garantia-se a sujeição
do trabalhador “livre” aos postos de trabalho antes ocupados por escravos”
(BALDEZ 1986. p. 35).
“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas
a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de
quem dormira de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se
sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra
da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem
um suspiro de saudade perdido em terra alheia. A roupa lavada, que ficara de
véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão
ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em
alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste,
feita de acumulações de espumas secas. Entretanto, das portas surgiam
cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o
marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as
xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os
outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias;
reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava
já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não
andam” (AZEVEDO, 1995, p.13).
Desta forma, no final do século XIX e início do século XX havia nas grandes
cidades brasileiras, milhares de famílias de trabalhadores e despossuídos da terra
que encontravam, primeiramente nos cortiços e posteriormente nas favelas e
loteamentos periféricos, a solução para os seus problemas de moradia – precária,
obviamente.
O caso das obras do Rodoanel em São Paulo, por exemplo, conta com
recursos do Governo do Estado de São Paulo, do Programa de Aceleração do
4
Trata de grandes obras de infraestrutura urbana com grande aporte de recursos públicos ou privados
realizados por construtoras realizando mudanças drásticas nos territórios ver em :
http://www.dersa.sp.gov.br/Empreendimentos/GrupoEmpreendimento.aspx?idGrupo=2
Sobre o projeto nova luz pesquisar em : http://apropriacaodaluz.blogspot.com.br/
Sobre a monotrilho ver em: http://www.metro.sp.gov.br/obras/linha-17-ouro/informacoes-sobre-
monotrilho.aspx
35
- dificuldade de informação;
- opressão e ameaça;
“este parece ser o princípio do projeto Nova Luz: a partir de uma leitura que
identifica a região como “Cracolândia”, o projeto pretende apagar, da
paisagem e da vida urbana de parte do centro de São Paulo, os usuários de
drogas e, junto com eles, toda a população em situação de rua, o comércio,
5
Ver apresentação de Paulo Romeiro Comitê Popular da Copa em
http://www.youtube.com/watch?v=xO-jtT2l_Kg
38
66
http://raquelrolnik.wordpress.com/2011/06/28/demolir-e-reconstruir-sera-essa-a-solucao-para-a-
regiao-da-luz/
39
7
Classes perigosas” Conforme Chalhoub em Cidade Febril Cortiços e Epidemias na Corte Imperial: A
expressão classes perigosas parece ter surgido, na segunda metade do século XIX, na década de 1840, sobre
criminalidade infância culpada – utiliza a expressão no sentido de um grupo social à margem da sociedade civil.
(Chalhoub, 2006, p. 20. )
40
Nota-se que houve uma resistência das classes populares com relação à
dinâmica de produção da desigualdade nas cidades. O problema da concentração
da terra urbana de um lado e, certa violência das classes dominantes contra as
populações vulneráveis, de outro, reafirma este modelo de cidades insustentáveis.
Conforme Rizek (2013), já na virada dos anos 30, a base deste modelo
estaria assentado sobre uma acumulação pobre, sobre uma acumulação primitiva,
que o professor Francisco de Oliveira, denomina:
Em 2010, dos 190,7 milhões dos brasileiros, cerca de 80% estavam vivendo nas
cidades.
8
Disponível em http://www.ipeadata.gov.br/
42
9
O IBGE denomina como Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno.
43
outros.
Mesmo com a forte repressão da ditadura militar, em meados dos anos 1970,
os setores populares retomam as mobilizações sociais urbanas. Estas mobilizações
e reivindicações, iniciam-se a partir de problemas pontuais, como asfaltamento de
ruas; construção de postos de saúde nos bairros; creches para as crianças; linhas
de ônibus até os bairros das periferias, lutas contra despejos; regularização da
posse da terra em loteamentos clandestinos; instalação de redes de água; esgoto e
luz para as favelas.
Com esta agenda, a luta pelo direito à cidade e pela reforma urbana tornou-se
uma referência para os movimentos e entidades comprometidas por uma cidade
mais justa e sustentável no Brasil.
10
Comunicado nº 58, de julho de 2010 – Dimensões, evolução e projeção por região e Estados do
Brasil.
46
Assim fica aqui outra questão: o que se pode fazer para que tais instrumentos
não sejam apropriados somente pelos setores do capital? Quais as perspectivas
teóricas e práticas de entendimento e enfrentamento destas dinâmicas em curso.
11
http://www.cadernosmetropole.net/download/cm_artigos/cm28_237.pdf
Botelho, A_ Capital Volátil, cidade dispersa, espaço segregado: algumas notas sobre a dinâmica do
urbano contemporâneo
12
http://cidadesparaquem.org/blog/2013/1/23/a-urbanizao-e-o-falso-milagre-do-cepac
FERREIRA e FIX_ a urbanização e o falso milagre do cepac – FSP, Caderno Tendencias de Debates
50
A Luta pelos territórios nas regiões centrais das cidades em maior ou menor
intensidade vem ocorrendo praticamente em todas as capitais brasileiras. No
entanto, a forma peculiar com que os movimentos sociais se organizaram em defesa
do centro de São Paulo merece um olhar analítico específico. Também não é um
fenômeno recente, considerando que a guerra travada pelos sem teto de São Paulo
52
No início dos anos 1980 ocorre nas cidades uma emergência das lutas sociais
e da resistência popular. Neste contexto, surgem as lutas pelo direito à moradia, o
Movimento de Defesa do Favelado (MDF) e o Movimento Unificado de Favelas
(MUF), que inauguram grandes mobilizações pelo direito a terra urbana, contra os
despejos e remoções forçadas, por tarifas sociais de água e luz, numa dinâmica que
seria acompanhada praticamente por todos os outros movimentos urbanos nos anos
seguintes. (BARBOSA E PITA, 2006)
53
14
Disponível em: http://www.mdf.org.br/noticia/noticia.php?id=308%2Ffamilias-ocupam-area-das-
industrias-matarazzo.htm
54
Não há uma informação precisa, mas estima-se que não menos que 200 mil
famílias promoveram ocupações em todos os cantos da cidade, de forma
espontânea ou organizada, com o apoio da Pastoral da Terra, Pastoral da Moradia e
de outras Igrejas, de setores e integrantes das universidades, dos sindicatos e de
centros de direitos humanos.
A partir de 1997, essa mesma estratégia passou a ser adotada pelos grupos
que lutavam por moradia na região central” (OLIVEIRA, 2014, p. 164).
Figura 23: Cortiço da Av. Celso Garcia. Vista superior dos imóveis desapropriados
para o projeto do Mutirão do Casarão.
Sobre a realidade ainda pouco conhecida dos cortiços, Kohara (2012) relata:
estatísticas com relação aos cortiços não são atuais e não são precisas, uma vez
que, a cidade de São Paulo não possui um censo sobre esta tipologia de moradia
precária. No entanto, algumas estimativas chegaram a indicar cerca de 600 mil
pessoas vivendo em cortiços na cidade (FIPE, 1994).
Outras pesquisas afirmam que mesmo com tantos imóveis vazios, os custos
dos aluguéis são incrivelmente altos, comprometendo mais de 50% da renda familiar
das que ganham até três salários mínimos.
Figura 27: Noticia na Folha de São Paulo sobre articulação da CMP e MST
em apoio a luta dos movimentos sem teto em São Paulo e demais cidades do país 16.
16
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff010416.htm
63
Nesta perspectiva histórica nota-se que o centro da cidade de São Paulo tem
se constituído – particularmente nos últimos anos – em um território de intenso
conflito de interesses e enfrentamentos.
17
Ver em: http://citieslikedreams.com/2014/09/25/mapping-contested-space-a-walk-in-downtown-
sao-paulo/
18
http://cidadesparaquem.org/textos-acadmicos/2013/2/13/produzir-casas-ou-construir-cidades-
desafios-para-um-novo-brasil-urbano - prefácio do Livro: “a batalha pelo centro de são paulo: santa ifigênia,
64
concessão urbanística e projeto nova luz”. November 15, 2011 - de Felipe Francisco de Souza, São Paulo:
Paulo´s Editora, 2011. ISBN 978-85-88246-18-8
19
Ver em: http://citieslikedreams.com/2014/09/25/mapping-contested-space-a-walk-in-downtown-
sao-paulo/
65
“No dia 19 de agosto de 2004, uma quinta feira fria, uns 16 graus, às quatro
da manhã, na região da Praça da Sé, São Paulo, ocorreu um massacre. Dez
sem-teto foram atacados. Dois deles morreram na hora, quatro faleceram no
hospital, outros quatro sobreviveram. Em 22 de agosto, um novo ataque
aconteceu. Dessa vez, cinco desabrigados foram agredidos da mesma
maneira que os anteriores. Um deles morreu na hora. Dez anos após esses
acontecimentos, não houve punição e mais agressões foram cometidas
contra pessoas em situação de rua, não apenas em São Paulo, mas por todo
o Brasil” (GONÇALVES, 2014, p. 9).
20
Ver no sítio da Rede Rua de Comunicação: http://www.rederua.org.br/
66
cidade dividida pela violência, onde parte de sua elite amedrontada aumenta mais
seus muros e se fecham em seus condomínios, marcando de forma física duas
territorialidades: uma cidade dos jardins e de bairros como Morumbi e Alphaville e
outra cidade dos cortiços, das favelas, dos sem teto, das ocupações e da população
de rua.
“Uma cidade legal, bem equipada, e uma cidade real, clandestina ou irregular,
miserável, das favelas, loteamentos clandestinos, das habitações precárias de
aluguel, de cortiços, das periferias. A presença dessa clandestinidade não
deve ser vista como uma etapa transitória, mas como efeitos colaterais do
modelo de desenvolvimento econômico brasileiro” (VÉRAS, 1992).
As ocupações dos sem teto e a luta pela moradia destes segmentos vêm, em
certa medida, influenciando e transformando a face deste território, uma vez que
passaram a disputar, palmo a palmo, cada prédio abandonado, enfrentando
interesses e obstáculos mais diversos, de setores conservadores, proprietários de
imóveis vazios, do mercado imobiliário e do poder público.
22
file:///C:/Users/francisco.comaru/Downloads/sbs2011_GT13_Maria_da_Gloria_Gohn%20(1).pdf
Teorias sobre os movimentos sociais: o debate contemporâneo Autora: Maria da Glória Gohn-
69
Figura 32: Jornal da Associação Viva Centro que apresenta uma posição
conservadora sobre o território do Centro na perspectiva da valorização imobiliária e
de território controlado e vigiado.
Fonte: Site da Associação Viva Centro publicação da Associação Viva Centro SP.23
23
Disponível em http://www.vivaocentro.org.br/acervo-e-
publica%C3%A7%C3%B5es/peri%C3%B3dicos-viva-o-centro/o-tri%C3%A2ngulo.aspx
70
24
Ver, por exemplo, Nely Caixeta. Cadê a fábrica que estava aqui? Revista Exame, edição 661,
06/04/1998,e Os efeitos da concentração. Revista Veja, Edição Especial, maio de 2002.
25
Disponível em: http://citieslikedreams.com/2014/09/25/mapping-contested-space-a-walk-in-
downtown-sao-paulo/
71
Figura 34: FLM: Unificação de Lutas de Cortiços e Frente de Luta por Moradia
(FLM), coletivo de movimentos de sem-teto de São Paulo, ocuparam mais 21
prédios abandonados em novembro de 2011 (28/10/2012).
Fonte: Frente Luta Por Moradia – FLM. Avenida São João, 601, 2012.
72
Figura 35: Manifestação dos Movimentos de Luta pela Moradia por Habitação
no Centro de São Paulo, 2014.
26
Disponível em : http://www.polis.org.br/uploads/977/977.pdf
73
As inúmeras ações dos Movimentos dos Sem Teto nos centros urbanos ao
longo destes últimos vêm ganhando importância estratégica na agenda da reforma
urbana e da luta pelo direito à moradia do país.
Para além destas conquistas mais gerais, os Movimentos sem teto do centro
de São Paulo, influenciaram de forma determinante na criação de instrumentos mais
específicos de acesso à moradia neste território, como a Lei Moura – Lei Municipal
74
E ainda a demarcação de ZEIS 328 nos planos diretores de 2002 e 2014, onde houve
27
Resoluções do Conselho Municipal de Habitação / Sehab, São Paulo.
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/organizacao/cmh/index.php?p=1826
28
Zeis 3 Refere-se a instrumento urbanístico, que grava em Lei imóveis vazios em áreas bem
localizadas e com infra estrutura, para habitação de interesse social ver em
75
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/legislacao/plano_diretor/index.
php?p=1386
76
29
Acessado em: 14/10/2014. Disponível em: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,minha-casa-minha-
vida-financia-1-reforma-no-centro-de-sp,1566198
77
Fonte: Relatório Geral do Programa de Atuação em Cortiços CDHU - PAC. (p. 17).
Pastoral de Moradia –
Período constituinte e pós-constituinte - Centro Gaspar Garcia de
Primeira Assembléia dos Cortiços – Nasce o Direitos Humanos
Movimento de Cortiços - Luiza Erundina PT Movimento de Cortiços -
vence as eleições em assume em São Associação dos
Paulo – Criação do Programa de Cortiços - Trabalhadores da
Região da Mooca ATRM
Pastoral da Moradia e
Lei Moura – início de uma definição da
Movimentos de Moradia
política de cortiços –– Encaminhamento de
1985/1992- – Centro Gaspar Garcia
Política de Cortiços em parceria com
Constituinte/ de Direitos Humanos –
prefeitura municipal de São Paulo – Surgem
Prefeita Associação dos
os Primeiros Projetos autogeridos e os
Luiza Trabalhadores da
Subprogramas
Erundina Região da Mooca ATRM
Movimentos de Moradia
São entregues os primeiros projetos em – ULC – ATRM –
parceria com os Movimentos – Celso Garcia Pastoral da Moradia da
e Madre de Deus e são adquiridos os Região Episcopal do
terrenos dos subprogramas Ipiranga – Centro
Gaspar Garcia DH
Movimentos de Moradia
em geral – Pastoral da
Moradia da Arquidiocese
– Centro Gaspar Garcia
de Direitos Humanos –
Iniciam as ocupações de forma organizadas
Fórum Centro Vivo –
no centro. Projetos continuam paralisados –
Fórum de Cortiços e
é criado o Procentro e é realizado um
Sem Teto de São Paulo,
levantamento de imóveis vazios a pedido do
Movimento de Moradia
1997/2000 – Procentro – Lei Urbana Centro é aprovada.
do Centro – MMC, e
Governo Pita É aprovado em âmbito estadual o decreto
Movimento Sem Teto do
43.132 para o Convênio e Financiamento
Centro –MSTC – Garmic
com BID para atender inicialmente cinco mil
– Grupo de Articulação
famílias moradores de cortiços –
dos Idosos para a
Movimentos realizam ocupações
Moradia no Centro,
Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto
da Região Central –
MTSTRC
Movimentos de Moradia
A prefeita Marta Suplcy retoma as Obras
em geral – Pastoral da
dos subprogramas e implementa com o
Moradia da Arquidiocese
Caixa o Programa de Arrendamento
– Centro Gaspar Garcia
Residencial no centro – Implanta o
de Direitos Humanos –
programa de Locação Social, Programa
Fórum Centro Vivo –
Bolsa aluguel e o Programa de Cortiços é
Universidade – Fórum
criada a CIRC – Comissão para Intervenção
de Cortiços e Sem Teto
e Recuperação dos Cortiços com
de São Paulo,
fundamento no Decreto 33189/93 ,
Movimento de Moradia
2001/2004 – regulamenta a Lei Moura. Esta comissão
do Centro – MMC, e
Governo passou a atuar em parceria com a CDHU –
Movimento Sem Teto do
Marta Suplicy Famílias do Edifício São Vito fazem um
Centro –MSTC – Garmic
acordo com prefeitura e deixam prédio com
– Grupo de Articulação
a promessa de retorno. Movimentos
dos Idosos para a
realizam ocupações. Movimento ocupa os
Moradia no Centro,
imóveis da CDHU PAC Pari e conquistam a
Movimento dos
as primeiras unidades habitacionais no
Trabalhadores Sem Teto
PAC/BID e no Programa de Arrendamento
da Região Central –
Residencial. Movimentos dos Catadores
MTSTRC – Movimento
conquistam terrenos para projeto Credito
de Moradia da Região
Solidário no Centro de São Paulo em
Centro – MMRC
parceria com a Caixa Econômica Federal
81
Nota-se que o governo federal produziu e tem previsto para produzir cerca de
1893 unidades habitacionais.
85
Nota-se que a partir da Gestão Marta Suplicy e por pressão dos movimentos
de moradia teve inicio uma maior articulação entre os entes federativos (governos
federal, estadual e municipal) para viabilização de empreendimentos de habitação
social na região central de São Paulo.
30
Não foram incorporados nesta lista empreendimentos que estão sendo discutidos no âmbito das
PPPs, uma vez que não há informações disponíveis até a redação deste trabalho.
31
Ver Programa de Credito Solidário em http://www.cidades.gov.br/index.php/programas-e-
acoes/519-programa-credito-solidario.html
86
4.2 Políticas de Habitação das Áreas Centrais das Grandes cidades: limites e
desafios na perspectiva do direito à cidade e da reforma urbana
Assim, não houve transição entre a velha política da ditadura militar e a “nova
política” associada à agenda neoliberal. Ao contrário, entre a velha política do BNH e
a “nova política neoliberal” do estado mínimo, na gestão Collor (entre os anos de
87
1990 a 1992) e Itamar/FHC (1992 a 2002), praticamente não houve política alguma
que respondesse às demandas habitacionais para famílias de menor renda e menos
ainda, ações includentes no que diz respeito às famílias moradoras em áreas
centrais das cidades.
Após o período do BNH, o que existe de habitação nas áreas centrais, está
associado a uma forte agenda de mobilizações do sem teto nos centros urbanos,
onde, em pleno processo de implementação da agenda neoliberal, passam de forma
organizadas a ocupar prédios vazios nos centros urbanos, entre eles, muitos imóveis
públicos pertencentes ao Instituto Nacional de Previdência Social – INSS.
32
http://www.caixa.gov.br/pj/pj_social/mp/habitacao_social/par/saiba_mais.asp
88
Ao mesmo tempo, cabe destacar que esta política não conseguia atingir
diretamente as famílias de baixíssima renda, entre 0 e 3 salários mínimos. Destaca-
se que, na época, cerca de 80% do déficit de habitação no país já se concentrava
nas famílias de baixíssima renda.
33
http://www.seplan.ro.gov.br/Uploads/Arquivos/PDF/Conf.%20Cidades/ministerio/4Pol%C3%ADticaN
acionalHabitacao.pdf
89
Este edifício foi adquirido pela Caixa com contrapartida da Cohab - São Paulo
e requalificado com recursos do Fundo Arrendamento Residencial, com metade dos
beneficiários indicada pela prefeitura e a outra metade indicada pelos movimentos
de moradia.
90
4.3 Por dentro da agenda neoliberal: avanços e refluxos nas lutas pela moradia
no centro de são Paulo
34
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2208200228.htm
91
35
Disponível em:
http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/Publicacoes/Publiicacao_PlanHab_Capa
.pdf
92
“Por vezes, não é apenas pelo fato de viver nas regiões centrais que as
pessoas têm acesso aos serviços públicos de qualidade. Não raro, em
situação de extrema pobreza, mesmo estando próximos aos serviços e
vivendo em regiões centrais, existem barreiras diversas que impedem que
estas pessoas acessem estes serviços urbanos de qualidade“. (KOHARA,
2013, 67).
36
Disponível em: http://www.unmp.org.br/
93
Este projeto de lei recebeu no ano de 2004, uma emenda substitutiva global
decorrente de acordo entre o governo federal, a Comissão de Desenvolvimento
Urbano e Interior da Câmara dos Deputados e Entidades Nacionais do Movimento
de Moradia e o Fórum Nacional de Reforma Urbana e setores do empresariado,
sendo definitvamente aprovado no ano de 2005, quinze anos após ao início de sua
tarmitação no congresso nacional.
A este fenômeno denominamos, “luta dos sem teto por moradia nos centros
urbanos”. Estas mobilizações dos sem teto, que iniciaram de forma sistemática e
articulada no centro da cidade de São Paulo, rapidamente se espalharam por outras
regiões do país.
37
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0511200203.htm
95
Estas lutas e mobilizações dos sem teto têm ocorrido, especialmente por meio
de ações diretas em ocupações de imóveis vazios. Estas ocupações reúnem, por
vezes, centenas de pessoas retratando um drama até pouco tempo conhecido e
ainda, muito pouco compreendido, dando visibilidade ao grave problema da falta de
moradia.
vazios, sem função social e subutilizados das instituições publicas, que estavam
abandonados em processo de degradação.
Outra questão revelada pela ação dos Movimentos Sem Teto, foi a falta de
articulação, preparo e interesse político dos órgãos governamentais para enfrentar a
questão habitacional nestes territórios, que se expressou das seguintes formas:
Assim, um dos desafios para os agentes que defendem a moradia nas áreas
centrais das cidades e a requalificação de imóveis degradados ou subutilizados para
moradia, consiste em romper com a lógica de urbanização que promove esta
segregação socioespacial, trazendo para o centro da luta pelo direito a moradia, as
ideias estratégicas da Reforma Urbana e do Direito à Cidade38.
38
Ver em Fórum Nacional da Reforma Urbana: http://www.forumreformaurbana.org.br/ e Coalização
Internacional do Habitat: http://www.hic-al.org/
98
Ou ainda pela criação do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) que
esvaziou politicamente o papel do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social,
transferindo toda a responsabilidade de aplicação dos recursos para habitação de
interesse social, inclusive em relação às áreas centrais para o Fundo de
Arrendamento Residencial (FAR) e o Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) do
Programa MCMV.
Outra explicação ainda poderia ser que os movimentos de moradia das áreas
centrais possuíam mais enraizamento local do que uma pauta e presença nacional.
E que somente aos poucos foram ganhando alguma visibilidade nacional, o que
propiciará aos Movimentos conquistas significativas em várias cidades do país, no
futuro.
39
Ver no site do Ministério das Cidades: http://www.cidades.gov.br/index.php/resolucao-
concidades/544-resolucoes-recomendadas.html
40
Ver também no site do Ministério das Cidades:
http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosCidades/ArquivosPDF/Resolucoes/ResolucaoReco
mendada/resolucao-19-2006.pdf
41
Para entender o que é Fórum Nacional da Reforma urbana acessar link:
http://www.forumreformaurbana.org.br/
102
42
Veja o numero de terrenos desapropriados in boletim da União Nacional por Moradia Popular:
file:///C:/Users/francisco.comaru/Desktop/terrenos%20comprados.pdf - IN ANEXO 3
103
“Art. 1o O Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV tem por finalidade
criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades
habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma
de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00
(quatro mil, seiscentos e cinquenta reais) e compreende os seguintes
subprogramas”
Neste sentido, há uma linha, uma dinâmica comum que une estes sujeitos
coletivos.
105
Em geral as instituições imaginam que estes grupos ou atores que lutam por
moradia possuem um grau baixo de compreensão da realidade, considerando que
esta realidade é complexa, se expressa por significados, das instituições e da
política. No entanto, as pessoas, sujeitos ou atores, na medida em que se encontram
num processo de luta pela moradia, transformam seu cotidiano num aprendizado
permanente: numa escola da luta.
A rebeldia dos sem teto na afirmação dos seus direitos, é muito mais do que
uma simples afirmação de justaposição de leis e processos abstratamente bem
construídos. É um processo pedagógico de aprendizados, onde as pessoas
coletivamente apreendem, onde a história de cada sujeito, o aprendizado individual,
acúmulos subjetivos, são também importantes para as construções coletivas de
novos sujeitos, que emergirão nos processos de confronto direto por direitos.
Fonte: Jornal o Estado de São Paulo, 2013 e site do Movimento Moradia para Todos.
Neste sentido, a única forma possível de levar à frente esta pauta pelo direito
à cidade, enfrentando “nó da terra”, são os processos permanentes de resistência. É
107
por meio dos conflitos, que os sujeitos se encontram no centro da história como
protagonistas de suas agendas e suas pautas e esta compreensão leva as pessoas
entender que sua luta por direitos pode ir muito além da luta pela casa.
metrô e trem, sempre colocaram isso, e eu acho que isso está muito forte
hoje não só no movimento, mas isso se espraiou para vários setores da
cidade, que é uma revalorização da vida urbana, uma revalorização de
experimentar viver em locais dentro da cidade, onde você pode sair da sua
casa e ir para um espaço público, ir para um lugar encontrar pessoas,
encontrar amigos, estudar, ter uma atividade cultural perto, ter espaço
público perto, vai, no final do caminhar, encontrar pessoas, então, essa
beleza que é a vida na cidade” (NAKANO, 2014; em entrevista, Anexo 2)
Em geral, estes sujeitos, quando ingressam na luta pela moradia não estão
conscientemente buscando direitos e cidadania ou processos coletivos e solidários
de trocas. Estão em busca de uma casa, de uma propriedade. Assim, estes
processos não estão feitos e acabados. Estes caminhos permitem que as pessoas
ao longo do tempo se alimentem de novas experiências ricas de significados, de
compartilhamento de problemas, conflitos e aprendizados individuais e coletivos.
Esta dinâmica pedagógica de aprendizados constitui-se numa oportunidade para a
emergência de novos sujeitos.
Estes processos históricos que ocorrem no interior dos movimentos sociais de luta
por moradia, por vezes não estão formalmente estruturados, sendo fundamental o
papel das lideranças populares como facilitadores da compreensão do novo, e dos
desafios que se impõem para que os sujeitos de forma coletiva e solidária superem
etapas mais complexas do processo organizativo e das lutas, que estão por vir.
110
6. Referencias Bibliográficas
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VAINER, Carlos. Et al. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos.
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propostas e reivindicações para políticas públicas, Dossiê Denuncia, São Paulo,
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Sociedade, cultura e política. Editora 34, São Paulo. 2012.
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RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas
116
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Concessão Urbanística e Projeto Nova Luz”. Paulo’s. 2011. In blog de FERREIRA:
http://cidadesparaquem.org/textos-acadmicos/2013/2/13/produzir-casas-ou-construir-
117
cidades-desafios-para-um-novo-brasil-urbano
http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/produtos/observatorio_pcentro.pdf
SINGER, Paul. Economia política da urbanização. 11ª ed. São Paulo, Brasiliense,
1987.
VILLAÇA, Flávio. O que o cidadão precisa saber sobre habitação. São Paulo: Global,
1986.
ANEXO 1
Dito: Você considera que a luta dos movimentos de moradia do centro de São
Paulo, olhando um pouco para as lutas no centro pelo o que você tem
acompanhado, modificou alguma coisa nas legislações e quais foram às
influências que estes movimentos tiveram na agenda em torno das legislações
e das questões habitacionais urbanísticas no centro de São Paulo? Os
movimentos sociais tiveram alguma interferência nisso?
Dito: Os movimentos exerceram, de alguma forma, influência sobre os
programas e projetos de habitação na cidade de São Paulo, especialmente na
área central?
Dito: Você pode fazer uma análise de conjuntura das políticas de habitação na
área central atualmente? Que tipo de sugestões você daria para o avanço
dessa pauta?
Ermínia: A impressão que eu tenho, mesmo não tendo acompanhado muito de perto
como você que tem participado, é que se não avançou na realidade, porque é claro
que tivemos avanços, no papel, sem dúvida nenhuma. Estou me lembrando, por
exemplo, no Plano Diretor e no Plano Habitacional da época do Paulo Teixeira, na
gestão da Prefeita Marta Suplicy, foi um avanço, a proposta que foi feita naquela
época, que a Helena Mena Barreto participou e fazia os PRIH que eram inspirados
em uma experiência que tivemos em Portugal, nos bairros antigos. Essa proposta
tinha tudo para dar certo, se não fosse a co-relação de forças, porque ela chegou a
ter um exemplo, que foi o Vinte e Cinco de Janeiro, um exemplo importante, para
mostrar que era possível fazer uma ZEIS com mix social, de classe média e
habitação social, no centro da cidade. Mas chegou em um ponto, e depois com
Serra e Kassab nós tivemos um recuo. Esse recuo institucional, por parte do Estado,
não foi acompanhado pelo recuo dos movimentos sociais, mas os movimentos
sociais avançaram. Você percebe isso por causa do fracasso do Nova Luz, então eu
diria que no Plano do Paulo Teixeira e no Plano do Nova Luz, você tem dois projetos
para o centro. Um evidentemente abriu o centro para o capital imobiliário e por isso,
existe uma barreira que são as pequenas propriedades. O centro como é uma
urbanização de outro século, ele foi urbanizado em pequenas propriedades,
atualmente o capital imobiliário não trabalha com pequenas propriedades, o padrão
de hoje é quase que de 100m x100m. Ou então, pelo menos um terreno que seja
menor que o padrão de 10 mil m², mas tem que ser um terreno razoável. Na semi-
periferia eles estão fazendo as torres com o condomínio clube, mesmo popular, onde
a piscina é um tanquinho. Aqui nos bairros mais urbanizados e mais caros, eles tem
feito alguns condomínios menores, mas mesmo assim, o centro apresenta um
retalhamento na divisão do solo, que fica proibitivo. Então o que o governo Serra fez,
foi a brilhante idéia em que o Estado desapropria, remembra e devolve para o
capital privado, o que o ministério público barrou. Quando o ministério público, uma
119
importante aliança dos movimentos com os lojistas, com o comércio do centro, que é
um comércio mais que dinâmico. Existe muita coisa feita sobre isso, a filha do Nabil,
quando foi nossa aluna, a equipe fez um vídeo muito interessante, entrevistando os
atores importantes desse conflito, da luta pelo centro. A luta pelo centro, do meu
ponto de vista, tem sido muito bem sucedida, porque o capital imobiliário não
conseguiu entrar no centro até agora, aliás, está entrando pelo o que fiquei sabendo,
estão lançando projetos que parecem resultar em apartamentos, ouvi dizer, de 18m²,
onde o preço do m² está em mais de 20 mil reais, quer dizer, mais caro do que em
qualquer outro lugar em São Paulo.
Ermínia: O tempo todo nós estamos falando em localização, então, se eu acho que
no centro a gente não foi derrotado, existe um movimento de resistência, mesmo
durante um período em que o capital imobiliário se tornou praticamente hegemônico
nas cidades brasileiras, a partir de 2009, eu não diria isso da periferia. Na periferia
nós fomos sim derrotados, a tese da Letícia Sígolo e a tese da Luciana Ferrara,
mostram que com o boom imobiliário, a periferia se expandiu para novas fronteiras.
O capital imobiliário no Rio de Janeiro, isso foi óbvio, o aumento do preço, obsceno e
escandaloso do m² chegou na antiga periferia. Então as imobiliárias disputando
terrenos com os movimentos sociais, por exemplo. Então, você tem uma nova
fronteira de ocupação que passam das áreas de proteção dos mananciais, você tem
uma nova fronteira de ocupação nos municípios na periferia da Região
Metropolitana, ampliando as viagens diárias, porque a maior parte dos empregos
estão no município de São Paulo, 20% das empregadas domésticas que trabalham
no município de São Paulo vem de fora, de municípios como Itapecerica da Serra e
Taboão da Serra, quase 30% dos trabalhadores, trabalham fora do município, eles
vem para o município de São Paulo. Então, o problema da mobilidade se tornou
absolutamente explosivo, a mobilidade é um elemento de muito sofrimento na vida
das pessoas que vem de fora do município de São Paulo, para trabalhar no
município, porque o transporte é muito precário e as pessoas passam, em média,
120
em 2012, 2h42 para se deslocarem, 1/3 das pessoas leva mais de 3 horas, isto
todos os dias, todas as semanas, durante o ano inteiro e 30% das empregadas
domésticas, mulheres, são chefes de família, ou seja, elas abandonam os filhos,
ficam um tempo grande nos transportes. A pesquisa da SEADE mostra isso, o
quanto as viagens constituem sacrifícios para essas trabalhadoras. Então, eu diria
que tudo o que nós pleiteamos na reforma urbana, tudo o que foi colocado na
Constituição Federal, no Estatuto da Cidade, em alguns projetos e muitos planos
habitacionais e Planos Diretores, não foram cumpridos e nós, sem dúvida nenhuma,
fomos derrotados, até agora.
Ermínia: Bom, o Plano Nacional de Habitação não foi levado em conta nem no
desenho do Minha Casa Minha Vida, o fato é que a tese que eu desenvolvo é de que
quando as cidades recuperam o investimento, quando o governo federal começa a
investir em obras, naquelas primeiras medidas de recuperação, os investimentos em
saneamento em 2003, depois em 2005, muito mais nos PACs, e depois, no Minha
Casa Minha Vida, o capital tomou comando, sem dúvida nenhuma, piorou muito as
condições de vida nas cidades, o mal estar, pena que os economistas não enxergam
o espaço urbano e muito menos o nó da terra que está na propriedade privada e na
especulação que se faz com a propriedade privada imobiliária nas cidades, porque
eles perceberiam o quanto isso interfere na inflação, é claro existe um complicador,
a hora que o plano desenvolvimentista, digamos assim, principalmente no governo
Dilma, apostou na indústria automobilística e na construção civil, e na construção
civil em obras rodoviaristas que beneficiam o capital imobiliário, isso já condenou as
cidades. Mas o centro se manteve sob tensão, se manteve na queda de braço. O
fato de que, o modelo da Nova Luz não ter sido implantado, como eu disse, eu
considero uma vitória. E também coisas que eu tenho apontado há muito tempo,
mas muito gente tem evidentemente apontado, que é o lugar de maior acessibilidade
e mobilidade de transporte na Região Metropolitana é o entroncamento metro-
ferroviário que fica na Luz. Então, a Luz é um tesouro e é evidente, você tem o
Jardim da Luz é uma das áreas mais tem emprego, é uma das áreas que mais tem
infraestrutura. O Kohara fez uma exposição para nós, lá na FAU e ele listou todas as
vantagens e virtudes do centro velho, é absolutamente impressionante o que tem de
vantagens locacionais. Se nós não conseguirmos no centro da cidade, com esse
movimento que conseguir resistir, fazer o exemplo do que é uma cidade democrática
no Brasil, o que é um bairro ou uma região na cidade democrática significa o quê?
Uma região com todas as vantagens locacionais e população de baixa renda nós
não vamos conseguir em lugar nenhum, então, nesse sentido o que que a gente vê?
Bom, então existia esta proposta muito boa, no Plano Diretor de 2002 na época da
Marta, eu me lembro que a Helena Mena Barreto falava, que, agora você deve ter
menos imóveis vazios, mas tinha uma época que nós contabilizávamos mais de 400
mil domicílios vazios na cidade de São Paulo, a maior parte nesse centro.
121
Ermínia: Sim, retira o povo. Por incrível que pareça, a Helena mostrou isso, que a
Mooca e o Belém se verticalizava e perdia população, é isso o que está
acontecendo. Então, o que nós precisamos é um adensamento de população. A
Raquel tem falado muito isso, um Plano Diretor que traga adensamento de
população. E as propostas já existem. O que eu acho importante? Veja o seguinte,
nós temos um Plano Diretor e nós temos uma legislação que propõe aplicação da
Função Social da Propriedade, o PD de 2002 já tinha em suas diretrizes contenção
da expansão horizontal da cidade, prioridade para o transporte público coletivo.
Outro dia fui dar uma aula lá na Pós-Graduação da FAU e levei as diretrizes do PD
de 2002, foi ao contrário, todas as diretrizes do PD de 2002, a cidade andou na
contramão de todas as diretrizes. Aliás, um dos argumentos pelos quais nós lutamos
para barrar o túnel de Águas Espraiadas é que o túnel não permitia a passagem de
ônibus e a diretriz do PD era dar prioridade ao transporte coletivo. Então, não tem
solução mágica, as soluções já estão aí, foi como eu fiz, pegar as diretrizes do PD
de 2002, se a gente tivesse a tese do Caio Santo Amore que mostra o quanto as
ZEIS foram subvertidas, por decretos do Kassab. Então, nós vamos falar, do que
adianta as ZEIS? Bom, do que adianta diretriz de PD que aposta na inclusão social?
Então, o que adianta? Adianta se tiver luta social.
Dito: Ermínia, isto que você está falando é super importante e fundamental, porque
você disse que os movimentos populares com a agenda de lutas, possibilitou uma
resistência à agenda do capital especulativo no centro da cidade, apesar de que é
muito difícil barrar esse processo, percebe-se que já pontualmente o capital vai
furando. Mas na tentativa macro que foi o Nova Luz houve uma vitória política dos
movimentos sociais e movimentos populares, junto com o Ministério Público, a
defensoria pública, aliado também aos comerciantes, que é um setor de renda mais
alta, mas que criou uma aliança de interesses nesse momento pontual.
saída também de habitação no centro, mas por que a gente conseguiu fazer tão
pouca habitação na área central, no ponto de vista da ação do poder público, tem
uma quantidade enorme de ocupação e a gente não conseguiu ainda superar esse
impasse?
Dito: Eu fiz um levantamento que o Conselho das Cidades, e isso vai entrar depois
na minha pesquisa, sobre as resoluções do Conselho das Cidades, porque
praticamente o Conselho não trata dessa pauta, das áreas centrais, dessa agenda
que você está falando
Ermínia: Então, a gente tinha feito uma ponte com o CNPQ, porque a gente achou
que deveria ter dinheiro para mais pesquisas de área urbana e devia ter cursos de
extensão nas universidades, porque chegou um momento que deu para percebeu
que a questão urbana foi varrida da agenda federal. Tudo bem, que as conferências
nacionais continuam, mas continuou a mobilização, mas nas cidades foi na
contramão. O governo federal está construindo um plano de desenvolvimento que é
só sobre economia, eu fui chamada pra falar sobre isso, aí eu "desci o cassete" nos
economistas, no judiciário e os advogados, porque se continuar essas áreas sem
entender nada da questão urbana nós não vamos avançar, então eu questionei isso,
como é que o aluguel sobe desse jeito, porque tem uma especulação imobiliária
intensa, o estacionamento sobe, o cafezinho sobe e vocês acham que a inflação não
tem nada a ver com o desenvolvimento urbano?
123
ANEXO 2
DITO: Em primeiro lugar, queria agradecê-lo muito, eu sei que você está envolvido
na sua pesquisa. O Francisco Comarú, meu orientador, queria vir também, mas essa
semana está muito apertada na UFABC. Estamos fazendo uma pesquisa, um
mapeamento e levantamento histórico sobre a luta dos movimentos de moradia. Nós
temos levantamentos e pesquisas mais completas sobre o que estamos fazendo,
mas estamos abordando um pouco mais da nossa visão sobre o movimento popular,
como é que o movimento foi avançando nessa conquista, nesses últimos 20 anos,
em torno da pauta do centro. Não temos a densidade de uma pesquisa teórica sobre
o centro, mas é um levantamento histórico sobre este tema. A parte final desse
nosso trabalho, um pouco da visão dos movimentos, um pouco da visão da
academia, alguns professores como você, a Ermínia Maricato e o Luiz Kohara, o
ponto de vista da academia e da militância, como urbanistas, que atuam muito com
movimento social, como vocês enxergaram a luta do movimento nesse processo
todo. Temos três perguntas principais: se você considera que a luta dos movimentos
no centro modificou, de alguma forma, a legislação urbanística e habitacional, ou
seja, se a atuação do movimento teve alguma interferência nessas questões? Você
considera que os movimentos exerceram alguma influência nos projetos de
habitação no centro de São Paulo, e se estiveram, em que medida? E se não
tiveram, por que medida? E quais são os limites atuação dos movimentos, fazendo
uma avaliação crítica? E por fim, você poderia avaliar a atual conjuntura das
políticas habitacionais da cidade, na área central, se há avanços nessa política,
nessa agenda, a pauta da habitação popular no centro, e que sugestões você daria
para que essa pauta pudesse avançar mais, se de fato, não tiver avançado muito, se
tiver como avançar mais ainda nessa agenda? Se você pudesse contar um pouco do
que está fazendo nesse momento, da sua trajetória.
KAZUO: É um prazer enorme, né Dito, poder contribuir para este trabalho que na
verdade é uma reflexão, é um momento de reflexão, a partir de um processo
histórico que vocês desenvolveram no movimento de luta por moradia. Eu tive uma
visão sobre a cidade e o espaço urbano que é baseado na disputa por terra urbana e
por localização urbana, todo o trabalho do Flávio Villaça é em cima disso, a ideia do
espaço intraurbano que ele fala, se dá a partir de disputas sociais por localizações
urbanas, e localização urbana é produto de trabalho social e ela é um portal de
acesso a todos os benefícios da cidade, dependendo da localização se tem mais ou
menos acesso a essa riqueza socioterritorial que chama cidade. Então, diante disso,
a luta do movimento por moradia, por abrir acesso às localizações centrais da cidade
para produzir moradia, para população de baixa renda, para a base do movimento,
eu acho que é fundamental e histórico. Na década de 1990, eu me lembro muito
bem quando o movimento começou a ocupar os prédios vazios do centro, saiu no
Jornal Nacional, lembro que naquele momento eu vi uma conferência da Ermínia
124
Maricato e ela falava isso: “olha, o movimento sempre ocupou a terra na periferia, e
como era nas áreas distantes do centro, dos bairros de classe média e das áreas de
trabalho, não tinha tanto impacto e repercussão, porque a periferia sempre foi nas
cidades brasileiras o lugar de moradia dos pobres”. A partir do momento que o
movimento começa a disputar o centro, aí começa a dar Jornal Nacional, a classe
média, as autoridades, os núcleos de poder da sociedade começam a se preocupar
e a se manifestar, porque é uma agenda nova. Na época foi uma luta que expressou
uma visão, eu acho, uma agenda nova por novas localizações na cidade, mesmo o
centro estando deteriorado. Naquela época isso foi impactante, nesse sentido, o
impacto provocou uma mudança de visão super importante em relação ao que é
política habitacional, ao que é política urbana, porque o movimento de luta por
moradia, vocês que fizeram essas ocupações, vocês fizeram uma nova pauta para a
política pública, para a política habitacional e urbana, coisa que não estava no
primeiro plano, então esta foi uma pauta construída coletivamente ali no âmbito do
movimento e que ao ser transposta para a política pública, enfrentou um monte de
desafios. Há uma série de dificuldades para absorver essa pauta na legislação
urbanística, nos programas habitacionais, nas questões de financiamento, nas
formas de distribuição das unidades, que você sabe melhor do que eu.
KAZUO: Primeiro por estas disputas, hoje os centros das cidades, principalmente
uma cidade como São Paulo, ele entrou na mira dos investidores, entrou na mira do
setor empresarial, estamos vendo agora a entrega de 3400 unidades no centro
antigo da cidade sendo feitas e empreendimentos que foram lançados há dois anos.
Então agora, a gente vê que nos últimos 15 anos, esse esforço todo que o setor
financeiro e empresarial fizeram em valorizar o centro para abrir oportunidades de
investimento e abrir acesso para a classe média está dando resultado. Este seria um
ponto interessante, porque as ocupações dos movimentos de luta pela moradia, elas
começaram a acontecer no centro da cidade, justamente no momento em que os
bancos, a associação comercial, o setor empresarial organizou a associação Viva o
Centro, essa trajetória aconteceu em paralelo. Vemos que a agenda desses setores
economicamente mais poderosos, elas deram resultado, no momento em que eles
defendiam implantar grandes equipamentos culturais, isso foi implantado.
DITO: Interessante que a Ermínia Maricato falou o oposto do que você está falando.
Ela fala que a última fronteira de resistência do capital imobiliário é o centro de São
Paulo, porque nós já fomos derrotados na periferia, mas não fomos ainda
derrotamos no centro.
DITO: Então, você estava dizendo que o movimento social teve um papel
importante, teve uma agenda, e que esta agenda não pode mais ser ignorada ao
longo dos anos, o movimento de fato, conseguiu colocar uma “cunha” nessa agenda
do capital imobiliário. Mas por outro lado, ainda não conseguimos avançar tanto no
que diz respeito de fato a transformar e concretizar esta pauta, do ponto de vista, da
viabilização de unidades habitacionais para a baixa renda no centro, na escala
necessária.
KAZUO: Na escala necessária, aqui em São Paulo, eu acho que ainda não. Isso é
por conta da política pública.
DITO: Os custos dos prédios também não são um problema? Porque tem alguns
estudos que ainda não estão concretizados, dizendo o seguinte: quando se faz
aquela comparação do imóvel na periferia e imóvel no centro, eu via muito o Joel
falar isso, mesmo o imóvel sendo mais caro aqui no centro, ele compensa, porque
aqui tem mais infraestrutura, o cidadão não precisa usar transporte público, quando
se faz o custo benefício percebe-se que é mais barato, porque quando se constrói
um conjunto habitacional na periferia precisa levar transporte público, equipamentos
de saúde, quando fica doente...Mas essa conta não está feita, sabemos direito, que
quando na prática, a desapropriação do prédio da Prestes Maia vai custar 20
milhões de reais e da Mauá, quase 11 milhões de reais, e nesses casos, não precisa
se gastar com infraestrutura. Olhando na visão mais imediatista do poder público, ele
fica meio reticente de investir pesado nessas desapropriações para habitação de
interesse social, você acha?
KAZUO: Eu acho que sim, porque tiveram iniciativas de emissão dos decretos,
todos venceram, e sabemos que tem prédios que foram decretados para
desapropriação e estão vazios muitos deles. A prefeitura acaba não tendo dinheiro a
disposição para desapropriar e converter esses prédios em habitação de interesse
social, então eu acho que essa é uma avaliação necessária. Por que essas
realizações estão travadas, essa é uma avaliação importante, porque a pauta é
urgente, legítima, tem base social, o movimento tem uma base fortíssima para esta
pauta e a política pública não responde de maneira adequada e necessária.
Precisamos avaliar porque isso acontece. Eu acho que não é só uma questão de
custo, acho que tem aí uma questão política mesmo. O centro nessa tendência de
valorização cada vez maior, o poder público historicamente ele sempre foi reticente
em pegar uma área valorizada e usar isso para a produção de habitação de
interesse social para a população de baixa renda.
DITO: Aquele secretário de habitação, o Orlando falava: “onde já se viu fazer casa
para pobre no centro?” Isso tem um discurso muito forte mesmo, um preconceito.
obstáculo é uma questão política e ideológica. Essa é uma convicção que eu tenho
porque o poder público que é quem tem o papel de fazer a mediação na disputa pelo
acesso a localizações da cidade em favor de quem não consegue acessar essas
localizações via mercado, não faz isso em geral, na política habitacional
principalmente.
DITO: Nós temos um problema, então, na mediação da política, é isso o que você
está falando?
KAZUO: No papel do público, aqui em São Paulo e vemos isso em outros lugares
também, principalmente no setor habitacional, o papel do poder público e da política
pública, tem isso muito mais alinhado a lógica empresarial e a lógica do mercado, do
que em abrir vários acessos para a população que não consegue acessar o
mercado, não é?
DITO: É verdade.
KAZUO: Eu acho que essa dificuldade política, você já conhece bem essa
influência, essa determinação política que eu acho que tem um papel forte ali.
DITO: Interessante o que você está falando, eu concordo bastante com tudo o que
você está falando, mas independente da minha concordância... passamos por
diversas gestões nessa agenda toda, essas mobilizações do sem teto, se fizermos
uma avaliação dentro do governo da Luiza Erundina, há um tempinho atrás,
passamos pelo governo do Paulo Maluf, Celso Pitta, da Martha Suplicy, do Serra e
Kassab e entramos na gestão do Haddad. Nós tivemos três gestões do PT, a gestão
da Luiza que demostrou essa linha da mediação da política, evidentemente naquele
momento foi pequena a produção habitacional, mas ela demostrou que de fato, o
poder público tinha um papel importante como indutor, inovou, trouxe para dentro da
pauta esta questão da viabilização dessa política, da habitação no centro, o Casarão
da Celso Garcia, o projeto Madre de Deus, a experiência dos subprogramas dos
cortiços, Imoroti, o Casarão do Carmo que até hoje não foi concluído. Não se
consegue de fato, criar uma escala de produção de massa no centro da cidade de
São Paulo. Mas o interessante, que mesmo assim, o movimento não perde força.
Vemos muita mobilização no centro e pouca escala, por que será? Do seu ponto de
vista, por que será que o movimento não perde força, já que ele tem tanta
dificuldade em conquistar, porque o movimento vive de conquista, não é? Você
consegue imaginar o porquê?
KAZUO: Eu acho uma hipótese que é forte, o movimento de luta por moradia,
quando trouxe essa pauta de morar no centro, não é só moradia, a agenda e os
documentos do movimento sempre falaram isso, na verdade, ele não quer só as
quatro paredes e um teto, quer a cidade, quer os acessos que essa localização
propicia, possibilita para quem mora ali, em termos de acesso a emprego, transporte
coletivo, equipamentos, espaço público, não precisar ficar uma hora no metrô e trem,
128
sempre colocaram isso, e eu acho que isso está muito forte hoje não só no
movimento, mas isso se espraiou para vários setores da cidade, que é uma
revalorização da vida urbana, uma revalorização de experimentar viver em locais
dentro da cidade, onde você pode sair da sua casa e ir para um espaço público, ir
para um lugar encontrar pessoas, encontrar amigos, estudar, ter uma atividade
cultural perto, ter espaço público perto, vai, no final do caminhar, encontrar pessoas,
então, essa beleza que é a vida na cidade. Eu acho que essa revalorização faz com
que essa agenda fica forte, no movimento e fora dele, porque esse retorno de
setores da classe média para o centro da cidade tem a ver com isso, isso é uma
tendência internacional, a gente vê a grande inversão demográfica que está
acontecendo aqui em São Paulo e está acontecendo nesse mesmo período nas
grandes cidades americanas, Nova Iorque, Chicago, Atlanta, Fênix, a gente vê as
grandes cidades trazendo gente para morar no centro.
DITO: Sim, tem a ver com pedagogia do confronto, porque ele não é um processo
que começa e se encerra em si mesmo, ele vai fortalecendo uma consciência cidadã
das pessoas pela cidade.
KAZUO: Ela agrega valores coletivos. Eu acho que o nome é perfeito, pedagogia do
confronto, porque é isso que é necessário mesmo, porque tem que ser na base da
disputa por localizações na cidade. Porque é isso que estrutura as cidades. Aqui no
Brasil está provado, mas ainda, vale a pena repetir, não encontra resposta na
política pública.
DITO: Por outro lado, nós não temos resposta, é quase um “soco em ponta de faca”,
porque os resultados são pequenos diante do tamanho da luta e da pressão dos
movimentos sociais, por outro lado, percebe-se que essa luta ainda não se esvaziou,
pode ser que ela perca força, mas ela não perdeu força ainda.
KAZUO: Eu acho que pelo contrário, essa luta cresceu e se fortaleceu, tanto por
conta da atuação do movimento, das ações de ocupação, quanto pela relação de
apoio de outros setores de não estão no movimento, mas já reconhecem isso como
uma ação legítima, claro que tem visões conservadoras que criticam e são contra, a
gente sabe que a sociedade ela é assim também.
DITO: Eu queria que você pudesse comentar Kazuo, duas questões, uma sobre o
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que você pensa dentro deste contexto, o Programa Nova Luz, se você pudesse falar
um pouquinho dele, a agenda dos movimentos e por outro lado, a proposta em si, ou
seja, essa “coisa” que apareceu de cima para baixo, meio fora do processo, contexto
e da dinâmica dessa agenda e um pouco também daquela agenda das PPP –
Parcerias Público Privadas, o que você acha disso? Isso é resposta ou não é
resposta? E na sua avaliação, qual foi o comportamento dos movimentos nesse
processo todo também?
KAZUO: Com relação ao projeto Nova Luz a participação do movimento foi chave
para levantar a visão crítica e as falhas daquele projeto, que violavam claramente o
direito a cidade, que está na essência da luta dos movimentos do centro. Aquele
instrumento da concessão urbanística, que estava na base do projeto Nova Luz, a
fórmula como ele foi formulado na legislação tinha “buracos”, porque essa
concessão urbanística de um território todo, tem como resultado a privatização, a
captura desse território pela lógica de um mercado empresarial, que não estava
minimamente preocupado em efetivar direitos, muito menos, de garantir o direito a
cidade para a população mais pobre. Então o movimento que já tinha ocupado
prédios, já havia realizado ações ali naquele pedaço de território, foi chave para
deixar isso mais claro, tanto para os especialistas quanto para a sociedade. O
movimento foi importante para diferenciar a pauta de setores que também eram
críticos do projeto Nova Luz, como os comerciantes lá do Bairro Santa Efigênia, os
moradores de classe média, foi importante porque colocou a crítica, especificou as
pautas. Foi interessante, porque se conseguiu ver com clareza o que cada ator
social estava propondo e colocando como crítica, então as ocupações da Rua Mauá
fizeram...
KAZUO: Foi central, fazer esse trabalho de colocar as coisas no seu devido debate,
eles foram centrais. Eu participei de alguns ali, com os movimentos e as lideranças
que estavam lá, as formas como eles colocavam os conteúdos ali naquele pátio,
ajudou muito a entender, então acho que a partir dali ficou mais claro para fazer essa
discussão, então eu acho que o papel do movimento nesse debate da Nova Luz foi
importante nesse sentido.
DITO: Deixa-me fazer um corte nessa questão, Kazuo, naquela discussão do Projeto
Nova Luz foi bem interessante, porque a gente trouxe para o debate a questão do
Conselho Gestor da Luz, então, o pessoal do “Amo luz”, comprou a ideia do
Conselho Gestor, mas os comerciantes, não, uma parte não queria de jeito nenhum
e falava que o Conselho Gestor poderia legitimar o projeto - e a gente falava: Não, o
conselho gestor vai “travar” esse processo, nós temos certeza de que vamos por
dentro, discutir o projeto. Com tensões, alguns comerciantes toparam ir para o
conselho.
130
KAZUO: Aliás, eu acho que esse ponto é importante porque faz lembrar que as ZEIS
3, elas nasceram, que na época era uma coisa nova na política urbana do Brasil
inteiro, as ZEIS 3 nasceram dessa pauta da habitação no centro, colocada pelos
movimentos, tanto que a proposta das ZEIS 3 que acabou entrando do Plano Diretor
de 2002 teve várias contribuições do movimento ajudando ali nessa discussão e
também, às vezes, na definição e indicação dos terrenos ou imóveis. Eu acho que
nesse sentido, tem a ver com essa primeira pergunta até que ponto o movimento
ajudou a avançar na legislação urbanística, eu acho que as ZEIS 3 foi um avanço
grande que nasceu nessa luta do movimento pela habitação no centro. E hoje é
curioso, porque em São Paulo não dá para falar em ZEIS sem falar na ZEIS 3 é
inconcebível, para ver que, agora, de fato a cidade e todas as coisas relacionadas a
legislação e ao planejamento da cidade é um palco de disputa mesmo, porque
depois, no processo em que isso foi se consolidando dentro do Plano Diretor, os
critérios que foram sendo enxertados lá dentro, criou uma abertura ali para que
essas ZEIS 3 fossem capturadas pelo mercado, e o mercado sempre arruma um
jeito porque é o negócio deles ali, usar as terras, os locais da cidade para fazerem
negócio, e aí eu acho que teve esse problema, de captura de boa parte das ZEIS 3
ali por empreendimento privado.
DITO: Olhando para o movimento social, bom se hoje você estivesse no movimento
social você falaria: Olha, eu faria desse jeito. Ou você acha que não, que está bom,
é isso mesmo? De tudo o que você leu, de tudo o que você viu, mas se você
também não tiver condições de dizer, não tem problema.
KAZUO: É difícil, principalmente porque eu não estou por dentro. Mas tem uma
coisa que nem é tão nova assim, porque para mim, habitação de interesse social no
centro, baseado numa lógica da propriedade privada individualizada, já falei isso em
outros momentos, eu acho que é um limite, não dá certo. Isso, tanto do movimento,
quanto da política pública, a propriedade individualizada e sendo toda a estratégia
baseada nisso, eu acho que isso é difícil inclusive para que as políticas públicas
sejam viabilizadas para gerar isso, porque ai sim eu acho que tem uma barreira
financeira que dificulta ali você produzir em larga escala.
DITO: Mas São Paulo deveria ter alcançado mais, já que os movimentos são
tantos...
DITO: O projeto Imoroti acho, que são 13 unidades. Mas se existisse uma política
de “pipocar” esse tipo de pequeno empreendimento no centro, nas regiões
intermediárias da cidade, em um espaço, por exemplo, na Mooca, onde... Estava
aqui fazendo um desenho do centro de São Paulo, e essa franja dos 11 distritos,
passando Barra Funda, Campos Elísios, à oeste, indo pro outro lado do Pari e
passando ao leste, pelo Brás e Mooca, você percebe essa pressão imobiliária sobre
a área central? Os lançamentos chegando aos Bairros Campos Elísios, República....
KAZUO: Com certeza, pressão total, cada vez maior. Agora você falou uma palavra-
chave “pipocar” os projetos no centro, porque tem que ser na base da pipoca
mesmo, usando predinhos, terrenos pequenos, já está muito ocupado o centro,
então tem que pipocar, pontuar em vários lugares, penso que esse seria o caminho
para dar escala necessária a essa ação. Tem uma coisa que você até pergunta no
seu roteiro que é sobre a contribuição da pauta dos movimentos na inovação em
termos de projeto, eu me lembro dessas experiências pilotos, para usar pequenos
prédios na habitação de interesse social no governo da Marta, me chamou muito
atenção isso, porque como é prédio que já existia e você tem que adaptar, tem uma
diversificação de tipologias e unidades, não é uma coisa padronizada, que você tem
que ir adaptando aonde cabe, e aí surgiu essa possibilidade ou necessidade de
trabalhar unidades para uma pessoa só, porque tem pessoas que moram sozinhas.
Eu acho que isso foi uma antecipação de uma tendência que a gente está vendo. A
Vila dos Idosos, por exemplo, junta duas coisas que mais chamaram atenção do
Censo 2010 que é esse avanço forte dos domicílios unipessoais e do
envelhecimento da população. O projeto que surgiu dessas experiências, junta as
duas tendências hoje que vão se aprofundar muito na população brasileira que é
esse aumento de pessoas morando sozinhas e famílias muito pequenas, casal sem
filhos, e pessoas idosas, isso já estamos vendo nos dados, está crescendo ano a
ano.
132
DITO: Então, por que o projeto da Vila dos Idosos só ficou naquela experiência?
KAZUO: Difícil responder isso, porque não tem dificuldade nenhuma para ampliar.
KAZUO: Sim, aquele projeto, eu sempre falo, que é uma experiência que precisa ser
olhada com muito cuidado e muita atenção porque pode ter muitas aprendizagens
ali. Porque não precisa ser só para os idosos, aquele modelo pode ser para
estudante, para jovem adulto, que esse é o momento da população agora, temos
adolescentes ainda, mas aquela quantidade enorme de adolescentes que tínhamos
na década de 1990, não teremos mais aquela quantidade de adolescentes no Brasil
em um médio prazo. Aqueles adolescentes, hoje são jovens adultos, estão entrando
no mercado de trabalho e eles querem morar em áreas centrais também, então eu
acho que esse tipo de iniciativa, pode vir ao encontro desse desejo, dessa
reinvindicação, dessa necessidade na verdade, desses jovens adultos que estão
iniciando no mercado de trabalho, esses estudantes universitários, além do
movimento, porque a pauta do movimento não é restrita a sua agenda, tem um
resultado dessa pauta para toda sociedade brasileira.
DITO: Nessa linha do que você está falando, você acha que o Minha Casa Minha
Vida, essa forma do programa “amarrou” e trouxe para trás essa agenda da
renovação, em termos de projeto? Parece que há uma forma geral para todo lugar,
não é?
KAZUO: Eu acho que sim, nesse ponto de vista, além de muito dos produtos
estarem sendo feitos na periferia, está reproduzindo aquela ideia da população de
baixa renda na periferia, em local precário, muitas vezes, não diversificou os tipos de
moradia dentro da cidade. Hoje é fundamental, porque os hábitos de moradia das
populações, principalmente de grandes cidades, diversificaram.
DITO: Tudo tem que entrar na forma, do Minha Casa Minha Vida, não é?
prédio, aquisição de prédio o centro, já teve até uma experiência aqui em São Paulo,
única, não teve esse prédio da ULC?
DITO: É o projeto “Ipiranga” e o projeto “Maria Domitila”, mas não começou ainda,
não temos nenhuma experiência, contratou agora o projeto do Ipiranga.
DITO: Assim como você falou, se o poder público também não induz as inovações,
não se consegue. Também tem muito pouca assessoria técnica, a ausência da
universidade nessa agenda.
KAZUO: Faz sentido, porque não tem uma estrutura adequada ali para ele atuar na
assessoria a essa produção de moradia no centro. Eu acho que ainda está muito na
base assim flutuante, às vezes tem trabalho, às vezes não tem, o financiamento é
difícil.
KAZUO: Esse problema, vemos também no Minha Casa Minha Vida empresas,
porque como os custos de projeto são absorvidos no financiamento como um todo,
investe-se e exige-se pouco para bons projetos.
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DITO: Essa contrapartida de projetos, de fato, esse também seja um dos outros
limites.
KAZUO: Eu acho que isso é um limite, porque não tem condições de enriquecer
projetos, de inovar um projeto, porque as condições ali, de atuação do arquiteto
nesse campo não atrai, é o que você falou, o mercado está atraindo muito mais.
DITO: A Ermínia fala que nós fomos derrotados na periferia e você acha que
estamos por um fio para sermos derrotados no centro? É a derrota para o capital
imobiliário, não é?
KAZUO: Eu acho, porque está se criando, cada vez mais, as condições, criar
vantagens para o investidor. Um exemplo que foi colocado lá no Plano Diretor e que
está na pauta e vai ficar, que é a história do Minhocão. A desativação do Minhocão e
sua transformação em espaço público. Tudo bem, eu acho que o que a cidade de
São Paulo mais precisa é de espaço público misturado com moradia, agora, não
tiver mecanismos de inclusão social ali.
KAZUO: Nos eixos também, a gente sempre diz, a Raquel sempre falava isso e
essa resistência em demarcar as ZEIS nos eixos, isso foi permanente no processo.
DITO: Penso que a nossa conversa está boa, mas precisamos ir amarrando. Bom,
você falou um pouco geral da conjuntura, de toda essa questão do Plano Diretor,
então que tipo de sugestão, você fez várias reflexões sobre os limites dessa agenda,
falou especificamente do modelo de propriedade, o modelo “quadrado” do Minha
Casa Minha Vida, a falta de projeto, a falta de vontade política, ou seja, uma série de
limites, o problema de legislação, enfim, você falou uma série de questões, mas eu
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queria que você desse, se você puder, quais são as saídas, como avançamos,
mesmo com tantos problemas, a escala é pequena, se você estivesse lá, se você
fosse o Haddad? Você sentou na cadeira do prefeito, você olha e fala, bom agora
sou eu quem vou fazer, como que se você tivesse com a caneta na mão, o que você
faria?
DITO: Não estou só brincando com você, queria que você se imaginasse...
KAZUO: Uma coisa que eu acho que até que se tentou fazer já no centro de São
Paulo, mas tanto por parte da sociedade civil, quanto por parte do governo, mas
desmanchou.
KAZUO: Sim “Tudo o que é sólido se desmancha no ar”, para o bem ou para o mal.
É uma plataforma de articulação, já tivemos iniciativas aqui em São Paulo, o Fórum
Centro Vivo foi isso, no governo da Marta o próprio governo tentou puxar esses
fóruns, na época que o Pochmann não era secretário de economia, organizando os
setores econômicos, porque tem que ser múltiplo, vão vários atores e em cada
pedaço do centro, tem-se uma multiplicidade. Criar essa plataforma, eu acho que já
estamos até mais maduros, para juntar, a experiência da Nova Luz mostra isso, que
tem uma possibilidade de se criar uma plataforma múltipla, mas com agendas
específicas. E eu acho que os atores estão maduros para desenvolver isso, no
processo de discussão do Plano Diretor isso apareceu e eu acho que essa
plataforma de articulação pode ser uma coisa boa, porque não adianta, não vai ter
uma mente iluminada que vai apontar o rumo, isso aí tem que ser feito com essas
várias mentes.
KAZUO: É porque exige. Tem que ser. Agora, não é só recurso é gente vê que tá
curto o dinheiro lá na prefeitura, mas tem possibilidades de tentar reutilizar os
recursos ali. Agora eu acho que vai ter mais recursos do FUNDURB, tem um
percentual que é especificamente destinado para habitação e interesse social,
vamos ver. Pode-se juntar orçamentos, sabe, o problema é que os orçamentos da
prefeitura estão cada um em uma caixinha e intervenção no centro, mesmo que para
área habitacional é importante juntar setores da política pública e aí pode-se juntar
recursos. Por que um projeto habitacional, não pode ser uma creche? E ai se junta o
dinheiro da habitação com o dinheiro da educação?
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DITO: E o espaço cultural não pode virar moradia? Vila Itororó, por exemplo?
KAZUO: E o problema, no campo, tanto habitacional quanto das obras pelo espaço
da cidade, é que às vezes, se separa projeto e obra, entrega o projeto para a obra e
aí os engenheiros fazem todas as alterações que eles acham necessárias e não
consultam quem fez o projeto e aí acho que vamos tendo resultados nefastos.
Também acho que é uma dificuldade, tem que ter bons projetos nessa junção de
projeto e obra na habitação é necessário e acho que aí pode estar um dos grandes
limites para melhorar os espaços da habitação e da cidade.
DITO: Nessa linha do que você está falando do avanço, que eu gostei bastante das
coisas que você colocou, só uma pergunta, você faria alguma experiência de o que
se tem falado muito, dessa combinação de demanda de classe média e de classe
baixa dentro do mesmo espaço?
DITO: Eu não gosto muito dessa linha, eu gosto de todo mundo ficar no mesmo
território, mas no mesmo prédio...
KAZUO: Então, pode ser no mesmo prédio, mas o fato de estar no mesmo prédio,
não significa que não tem independência ali.
DITO: Para ter condições de fazer gestão de condomínio, porque senão, não
consegue fazer.
KAZUO: O custo de condomínio para a classe média, média alta, certamente pode
ser maior, porque a área é maior, as unidades são maiores. As Inclusionary House
de Nova Iorque, é claro que não é para copiar, mas eles partem desse princípio que
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KAZUO: E vai desvalorizar a vizinhança, é errado isso e tem uma razão de ser um
por quê.
KAZUO: É. Mas hoje eu vejo das experiências mais recentes como essa, que vai
diluindo, aquela ideia que você falou de “pipocar” empreendimentos em vários locais
e pontos do centro, isso eu acho que é a mais certa e aí você diluiu. Eu acho que o
próprio movimento do centro, teve uma hora que eles levantaram isso “a gente não
quer morar em gueto”. Nossa, eu me lembro muito bem, quando se criticava.
DITO: Você viu o prédio da Avenida Ipiranga, dizem que está ficando muito bonito a
reforma do Conselheiro que a ULC está fazendo, vale a pena darmos uma olhadinha
como eles estão fazendo, porque é um projeto do Minha Casa Minha Vida, é o
primeiro no centro.
DITO: Não é PMMV Entidades, é MCMV - FAR, um projeto especial do INSS que a
demanda foi selecionada pelo Ministério das Cidades, o movimento disputou e
ganhou.
DITO: Kazuo, você tem mais algum comentário, alguma questão que você queria
falar sobre tudo isso.
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KAZUO: Deixa-me pensar, não, eu acho que as coisas mais importantes nós já
tocamos.
DITO: OBRIGADO
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ANEXO 3