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1.

Introdução

Com o trabalho que se segue pretendemos problematizar a constituição e actuação das


associações estudantis no ensino superior. Esta é uma realidade, como qualquer fenómeno social,
susceptível de ser abordada sob diferentes pontos de vista, destacando várias dimensões tais
como, sua identidade, ideologia, acções de mobilização, relações com outros actores sociais,
interesses que as orientam, causa defendida, entre outras. Decerto que grande parte destas
subáreas já foi retractada na literatura académica. Contudo, algumas delas, mesmo que
analisadas, conservam, ainda, a sua relevância se consideramos o estágio das transformações
sociais, económicas, políticas e culturais que vêm ocorrendo como resultado, dentre outros
factores, da globalização.

Num contexto cada vez mais globalizado, as fronteiras territoriais tornam-se mais subtis, as
relações entre os actores sociais transnacionalizam-se, os estados inserem-se num ambiente
cosmopolita. Os actores, sujeitos, associações e organizações redefinem as suas posições diante
de um estado incapaz de fazer valer o seu poder sem encontrar resistência por parte deles. As
estruturas e instituições sociais encrustam-se (Giddens, 2006) e abrem espaço para novos
arranjos sociais.

As relações sociais entre os actores individuais ou/e colectivos não são mais rígidas, unilaterais,
de cima para baixo, de dependência. Os equilíbrios entre eles são flutuantes (Elias, 1970). É
dentro deste quadro que o a discussão sobre a autonomia reaparece, sendo de grande interesse na
literatura académica. É nosso interesse, neste estudo, explorar a dimensão da autonomia das
associações estudantis no ensino superior na sua relação com a direcção das instituições deste
nível de educação.

Na sociedade moçambicana existem várias instituições de ensino superior nas quais podemos
encontram associações estudantis, pelo que delimitamos a Associação dos Estudante
Universitários (AEU) da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) como sendo o campo para a
realização do nosso estudo. Escolhemos este universo espacial por ser a instituição na qual
realizamos a nossa formação o que faz com que seja um contexto no qual possamos ter acesso
fácil no que tange a recolha de dado. Este contacto na corre o risco de envolvimento subjectivo,
uma vez que não chegamos a estabelecer ligação com esta associação estudantil.

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No que diz respeito ao universo temporal, vamos incidir sobre o período que vai de 2014 a 2016.
Delimitamos este período por ser o intervalo no qual o novo elenco da AEU foi eleito como líder
da associação estudantil na UEM, pois as eleições foram realizadas em 2014. Assim, esperamos
explorar as relações de autonomia e dependência durante estes dois anos. O grupo-alvo será
constituído por estudantes que fazendo do novo elenco estejam a ocupar cargos directivos
constituindo os nosso informantes chaves.

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Capítulo 1. Construção do problema

Os estudos sobre as associações estudantis centralizaram-se, em grande parte, na análise das


práticas revolucionárias no sentido de buscarem compreender se pautavam por reproduzir as
decisões da direcção universitária e ou lutavam contra estas de fuma forma radical. Assistimos
uma mudança de abordagem, no sentido de procurar-se aprofundar esta relação sob ponto de
vista da autonomia e interdependência. Assim sendo, a seguir apresentamos e discutimos alguns
estudados, agrupando consoante o destaque que daa para uma destas tendência. Autonomia e
dependência.

Na abordagem da dependência das associações juvenis/estudantis destacamos o estudo de Biza


(2007) que defende, no seu estudo sobre associativismo juvenil em Moçambique, que as
associações juvenis estabelecem uma relação com o poder político que vai desde a
conformidade, passando pela gratidão até a colaboração e assédio político. Estas relações
inserem-se no quadro da reprodução de hegemonia das estruturas do estado e da lógica do
partido no poder.

As motivações que levam as lideranças das associações a viverem essas formas de


relacionamento variam ao longo do tempo. De acordo com o estudo em citação, se nalgum
estado podemos falar de obediência, noutro devemos falar de subordinação estratégica, no
sentido de significados que essas associações submetem-se pelo simples facto de serem
motivados pela busca da satisfação dos seus interesses. Podemos, neste sentido, falar de
dependência visto que a satisfação dos interesses dos jovens passa pela sua submissão e pela
definição da sua agenda de actuação.

Na abordagem da autonomia das associações trazemos o estudo de Gomes e Lima (1996)


argumentam no seu estudo realizado em Portugal que as associações estudantis juvenis estão a
passar por profundas transformações nas sociedades contemporâneas, perdendo de um lado a sua
actuação política e do outro passando pelo processo de despartidarização, o que abre espaço para
que sejam mais autónomas com relação a intervenção dos partidos políticos.

De acordo com este estudo, as lideranças das associações estudantis lamentam-se do facto de
estarem a observar um crescente desinteresse pelo associativismo e envolvimento político por
parte dos jovens estudantes, isto é, estão a se desassociar e a se despolitizar, o que origina uma

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fragilização da capacidade de intervenção e contestação política. Não obstante, esta
despolitização ocorre em simultâneo com a despartidarização, o que permite a lideranças falar de
uma autonomia com relação a intervenção partidária. Esta autonomia é exercida em todos os
níveis e momentos, sendo que manifesta-se, dentre outras formas, por meio da abertura que
possuem em elaborar a lista dos candidatos a liderança da associação e orientar o processo de
eleição sem nenhuma interferência.

Autonomia das associações estudantes é conservada com base na postura rígida que os jovens
associados assumem relação as tentativas de interferência dos partidos políticos no sentido de
procurarem influenciar as lideranças, indicando líderes que os beneficiam ou mesmo definindo a
sua agenda de actuação. Em síntese, afirma-se que esta autonomia é hoje concreta devido ao
abando das práticas tradicionais de controlo político directo (Gomes e Lima, 1996).

Quanto a perspectiva da autonomia e dependência das associações juvenis/estudantis começamos


com Faria (2010) realizou um estudo com o tema Juventude, associativismo e participação: um
estudo das associações juvenis no contexto português, onde partiu do pressuposto segundo o qual
assiste-se uma tendência de os jovens inclinarem, cada vez mais, para a valorização e cultivo de
valores pós-materialista de base humanista. Deste modo, ao invés de vincularem a acções de
caracter contestador, as associações procuram participar nas áreas de prestação de serviços as
comunidades.

Ainda assim, vivenciam relações com os poderes políticos, o que levanta a questão da sua
autonomia diante deste. Os dados do estudo apontam para existência de uma dependência e
autonomia na relação entre as associações juvenis e o Estado, sendo que aquelas dependem
financeiramente deste e este depende daquela para a dinamização das relações sociais. Dentro
deste quadro fala-se de uma relação de “normalização” da qual ambas as partes participam como
negociadores e conservar entre si certo nível de dependência e autonomia.

Monteiro (2004) analisa a autonomia das associações como um fenómeno que pode ser
apreendido num contexto caracterizado por uma grande ambivalência entre dois extremos: o da
autonomia e o da dependência. O postulado fundamental deste estudo é de que o fenómeno
associativo está atravessando uma crise profunda, o que faz com possa, simultaneamente,

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enveredar por orientações técnico-instrumentais, em detrimento de lógicas e cívicas e solidarias,
e do apagamento da dimensão política.

De acordo com este estudo, a ambivalência como característica do associativismo implica a


rejeição de qualquer sentido único ou linear seguido pela realidade de modo a reconhecer que a
bipolaridade de alternativas marcando escolhas fundamentais de cada iniciativa: “opções que
oscilam entre uma gestão instrumental da acção ou a sua orientação de acordo com a defesa de
um projecto político próprio; apostas na autonomia de pensamento e acção ou pela incorporação
em mecanismos de regulação tutelados pelo Estado; o privilégio de uma intervenção sobre a
vertente social ou a alternativa de mecanismos de inserção simultaneamente económica e social;
a oscilação entre uma intervenção essencialmente autocentrada ou heterocentrada;” (Monteiro,
2004, p. 144)

Este estudo destaca o facto de estar a ocorrer o enfraquecimento, com sentido ao


desaparecimento, do discurso de busca de total independência com relação ao Estado. Em
substituição deste emerge um discurso de reconhecimento deste último como a fonte dos
princípios normativos da construção da associação, assim como de financiamento de sua
iniciativa. O conceito de parceria entre as associações e o Estado espelha bem este cenário no
qual a autonomia divide espaço com a dependência, na medida em que reflecte uma relação de
interdependência e não de submissão.

Accornero (2009), ao realizar uma revisão histórica sobre a actuação das associações estudantis
no contexto português vai defender que estas sempre pautaram pela preservação da sua
autonomia com relação a intervenção do partido hegemónico não obstantes terem estado sujeitas,
durante um longo período histórica, a repressão violenta e perseguição política. O espírito e
ideologia radical que caracteriza as associações juvenis permitia-lhes opor-se aberta a
perseguição realizada pela Estado que se estendia até a limitação da liberdade académica.

A autonomia que era exercida pelas associações implicavam a assumir o risco aberto, pelo que a
contestação e manifestação foi a melhor estratégica que estas encontram para minimizar o risco
de sancionados pelo estado. Dentro deste quadro as relações entre os jovens estudantes e o pode
políticas eram de violência, podendo falar de violência defensiva e violência revolucionária.
Com base neste estudo podemos afirmar que a autonomia era um valor do associativismo que

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materializava-se num contexto de violência. Com recurso a esta o Estado português tentou
reprimi-la, assim como com base nela as associações estudantis preservaram-na.

Freita (2008) apresenta um estudo do contexto brasileiro no qual realiza uma revisão sobre a
forma de actuação do movimento estudantil universitário, demonstra que esta ocorre entre e
repressão violenta e a constatação, tanto aberta como camuflada. Incidindo sobre um contexto de
ditadura militar, o estudo demonstra que ao elevado nível de controlo, perseguição e repressão
política não foi suficiente para impedir que os estudantes do ensino superior se organizarem e
desencadeassem acções revolucionárias.

Esta oposição aberta ao poder político por meio de acções de constatação revela o grau de
autonomia do movimento embora não fosse, no período em referência, reconhecido ou
concedido pelo estado. A tentativa de criação de um espírito de dependência para a usa actua era
feita por, tanto de documentos formais e legais, assim como por do uso prático da violência
física. Porém, os meios de formação e mobilização usados pelo movimento estudantil não abriam
muito espaço para esse controlo.

O mesmo sentido é seguido por Santos (2010) que realiza o mesmo empreendimento ao estudar
as tendências políticas no movimento estudantil da Universidade de São Paulo, em Brasil, onde
observa que os facto de os movimentos estudantis universidade terem-se servido de vária formas
de manifestação para a sua mobilização e actuação política permitiu que, durante a ditadura
militar, gozassem de autonomia, tanto na sua agenda como na sua orientações das suas acções de
protesto e revolucionárias.

É assim que, afirma-se no estudo que apesar do “ambiente regulado e pouco propício à crítica, as
manifestações culturais ainda conservavam características contestadoras, ainda eram utilizadas
como uma forma de conscientização políticas, por isso a censura na descansava diante dos
grupos musicais e de alguns cantores e artistas” (Santos, 2010, p. 99). Observa-se, ainda, neste
estudo que, outra forma de escapar a repressão política foi limitar as suas manifestações ao
espaço universitário, pois aqui a repressão era menos acentuada.

No contexto da ditadura militar a autonomia do movimento social era mantida com recursos a
estratégias a estratégias que permitiam escapar a perseguição e repressão política. Com isto os
estudantes estavam a lutar contra um estado ditador que, abertamente, impunha dependência das

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associações que seguiam formas legais de constituição e agiam dentro dos parâmetros
predefinidos por lei. É neste sentido que podemos falar de dependência formalizadas para referir
ao facto de o agir dentro da lei implica dependência com relação a política hegemónica, não
podendo construir e seguir uma agenda própria.

Desenhando uma abordagem para o estudo da Associação dos Estudantes Universitários


(AEU)

Decerto que a complexidade da realidade social nas sociedades contemporâneas pode levar, e
leva efectivamente, à diferentes interpretações sobre o associativismo algumas das quais mais
radicais que as outras. Na revisão que apresentamos anteriormente podemos identificar três
posições nas quais distribuímos os estudos que identificamos ao considerarmos o argumento
defendido em cada um deles.

Os estudos de Biza (2007) procura defender que a relação entre as associais juvenis no geral e
estudantis no particular com as instâncias de poder são caracterizadas pelas submissão daquelas
aos designo destas. Isto é, as associações vivem relações de dependência, definindo a sua agenda
e orientando as suas acções tendo com base os interesses que lhes são impostos. De acordo com
este autor, esta submissão é estratégica, o que nos leva a inferir que os jovens preferem abrir mão
da sua autonomia em favor da satisfação dos seus interesses.

Podendo reflectir uma parte da realidade no contexto moçambicano, este argumento faz todo
sentido numa situação no qual os indivíduos associam-se única e simplesmente pela satisfação
dos seus interesses, sendo o associativos um meio pelo qual estes interesses são alcançado.
Porém, acompanhando o desenrolar da realidade devemos considerar a crescente valorização da
questão humana como a base para o associativismo juvenil. Monteiro (2004) afirma que as
mudanças que ocorrem nas sociedades actuais fazem com os as associações juvenis e estudantis
tenham como fundamento a busca pela defesa da causa humanos, direccionando-se, cada vez
mais, pela prestação dos serviços sociais independentemente do retorno material que pode obter.

Diante de um cenário como este a busca da satisfação do interesse material não pode ser um
fundamento suficiente para o associativismo estudantil, assim como a alienação das associações

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juvenis ao poder institucional. Contudo, não podemos, de modo algum assumir a ideia defendida
no outro extremo da nossa literatura. Nesta extremo, Gomes e Lima (1996 vão defender que as
mudanças que muitos estudos reconhecem nas sociedades contemporâneas aliviam totalmente as
associações estudantis da dependência em relação aos centro de poder, podendo, deste modo,
definir uma agenda e assumir uma actuação autónoma.

Se, por um lado não podemos negar a ideia segundo a qual ocorre o alargamento do espaço de
autonomia, por outro lado, não devemos assumir radicalmente que esta autonomia seja absoluta,
pois as associações juvenis actuam num espaço formal (instituição do ensino superior) no que
existem regras e estatutos e estabelecem relação com os órgãos centrais. De certo modo, existe
um certo grau de interdependência entre as associações estudantis e os órgãos centrais. Esta
interdependência pode manifestar-se de diferentes formas. É o que nos mostram os estudos que
apresentamos na terceira abordagem.

A coexistência entre relações de autonomia e dependência é uma perspectiva que vem sendo
definida por diferentes autores, dentre os quais limitamo-nos a destacar Faria (2010), Monteiro
(2004), Accornero (2009), Freita (2008) e Santos (2010). Para estes estudos, as associações
juvenis/estudantis encontram diferentes espaço para a sua maior autonomia, o que não significa
que deixem de depender das entidades de poder, especialmente do Estado. Porém, devemos
distinguir duas ideias neste grupo.

Accornero (2009), Freita (2008) e Santos (2010) falam de uma autonomia exercida num
contexto, onde prevalece a ditadura política, sendo que as associações juvenis têm que lutar
contra a perseguição e repressão política. As expressões a autonomia e dependência neste cenário
assumem uma característica particular que, por não apresentar-se em Moçambique, as ideias de
autores não podem, de modo, algum servir de base para reflectir a realidade deste país. Não vive-
se o mesmo cenário político caracterizado por uma ditadura.

A segunda ideia é apresentada por Faria (2010) e Monteiro (2004) que falam das relações de
autonomia e dependência no contexto das sociedades contemporâneas. Este segundo autor
propõe o conceito de ambivalência para demonstrar que as relações entre as associações
estudantis e as entidades de poder são caracterizadas por uma complexidade que não permite
definir de uma vez por todas se são de autonomia ou de dependência. Neste sentido, é

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aconselháveis que se reconheça o facto de poder assumir as duas tendências, criando o que,
recorrendo a Elias (1970) podemos designar de equilíbrio flutuante.

O conceito de equilíbrio flutuante sugere que as relações sociais implicam a definição e


redefinição contínua e constante das modalidades de poder, originando equilíbrios sociais que
devem ser sempre negociados. Deste modo, a negociação das relações pressupõe que as
associações estudantis podem negociar a sua dependência com relação aos órgãos centrais do
ensino superior em certos aspectos, reservando para si espaços de autonomia. É esta a abordagem
que pretendemos assumir para realização do nosso estudo junto da Associação dos Estudantes
Universitários (AEU) na Universidade Eduardo Mondlane (UEM).

Ao abordamos as experiências da AEU sob ponto de vista do conceito de equilíbrio flutuante


consideramos que somente uma observação e descrição da realidade concreta na qual se
desenrolam as suas relações com a direcção da UEM nos pode permitir afirmar as oscilação entre
dependência e autonomia. Queremos afirmar, com isto, que os resultados dos estudos que
apresentamos neste capítulo servem mais, como ponto de partida do que como base explicativa.

É assumindo a relevância de trabalhar com dados concretos e contextualizados que, neste


trabalho, levantamos o seguinte questionamento: de que forma a AEU constrói o espaço de
actuação autónoma na sua relação com a direcção da UEM sem perder o seu compromisso com
esta?

1.1. Hipótese de trabalho

A AEM adopta estratégias de negociação para a construção de um espaço de actuação autónoma


no sentido e conceber e materializar uma agenda estudantil própria, integrando interesses da
direcção da UEM que não colocam em causa os seus interesses de modo a não perder o seu
compromisso com esta.

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1.2. Variáveis

De acordo com a hipótese que adoptamos para este trabalho temos duas variáveis que
estabelecem uma relação de dependência, isto é, uma depende e outra independente. Como
variável dependente temos a autonomia da AEU em relação a direcção da UEM e como
independente temos as estratégias de negociação que a AEU adopta de modo a ter espaços de
exercício da sua autonomia.

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Capítulo 2. Justificativa e objectivo do estudo

Apresentamos nesta parte do trabalho as ideias que justificam a escolha e a relevância da


continuidade com o tema da autonomia das associações estudantis para a realização do estudo
que pretendemos desenvolver e os objectivos que buscar satisfazer.

2.1. Justificativa do tema

Decerto que a delimitação de qualquer realidade para o estudo tem adjacentes motivações de
ordem pessoal. Weber (2001) já tinha afirmado que o cientista é motivado por interesses que
reflectem o seu sistema de valores. Neste caso específico, a inclinação que temos com relação a
militância estudantil, como resultado das leituras que temos realizado ao longo da formação e a
ligação com a arte de manifestação, concorreram para encontra-se na actuação das associações
estudantil uma campo no qual possamos desenvolver o nosso estudo no momento no qual o
debate académico sugere novas formas de militância e, consequentemente, novas abordagens de
análise como resultado das transformações que as instituições do ensino superior, em particular e
as sociedades, no geral, vêm ultrapassando. Alguns autores como Santos (2010) apontam para o
enfraquecimento do engajamento estudantil ao nível institucional como resultado da globalização
do consumo nas sociedades contemporâneas.

É nas leituras de estudos sobre os movimentos e associações estudantis que localiza o primeiro
aspectos que justifica a relevância de continuarmos com o desenvolvimento deste estudo tendo
como foco a autonomia estudantil. Ao longo desta busca exploratória observamos que alguns
estudos realizamos em contexto fora de Moçambique, como é o caso do português e brasileiro
assume-se mais uma perspectiva nostalgia e, ao mesmo tempo conservadora. Por um lado a uma
existência de se encontrar nos grandes movimentos estudantis do século passado o exemplo
desejável dos estudantes ao nível do ensino superior e, por outro lado, o retorno a essa época
revela a rejeição da nova postura do estudantes o carácter de actuação crítica de compromisso
com a causa estudantil

Ao se proceder nestes dois sentidos está-se a ignorar a importância de contextualizar os


fenómenos sociais, em primeiro lugar, e a negar que novas formas de actuação na defesa dos

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interesses dos estudantes por ser adoptadas ao longo do processo histórico, do outro lado. Ao
trazermos este estudo esperamos contribuir para que novos olharemos, menos nostálgico e
conservadores, podem ser adoptados para analisar a actuação estudantil, podendo demonstrar que
as associações estudantis, não obstantes possuir outros e particulares interesses, podem estar a
militar em defesa de uma causa que possa ser considerada do estudante no seu todo sem que se
submetam ao poder institucional ou, simplesmente, o ignorem.

Ainda nesta linha do olhar sobre a actuação das associações estudantis no ensino superior
podemos apontar a relevância sociológica da realização do presente trabalho. As novas
abordagens – por vezes consideradas radicais – de autores como Bauman (citado em Geraldo,
s.d), Morin (2003) sugerem uma relação entre os indivíduos e a estrutura social na qual o
conceito de autonomia desempenha o papel central. A forma como este conceito é
operacionalizado permite-nos olhar para a realidade dos estudantes sem imputar-lhes
dependência ou mesmo o livre arbítrio. É também, interesse deste trabalho demonstrar que as
propostas teóricas desses autores são válidas para o estudo da realidade moçambicana embora
sejam, ainda, pouco exploradas.

A relevância deste estudo situa-se aqui na demonstração da validade do conceito de autonomia


que podemos encontrar nesses estudos para a compreensão das relações sociais dentro da sua
própria complexidade para que não caiamos na ideia de que só há militância estudantil onde há
manifestação contra o poder institucionalizado. Esperamos assim abrir portas para que outros
estudos sociológicos sejam realizados seguindo o mesmo sentido de compreensão da realidade,
principalmente para a UEM, onde observamos a sua escassez.

2.2. Objectivos

2.2.1. Objectivo geral

Compreender as estratégias de negociação adoptadas pela AEU na construção espaços de


actuação autónoma.

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2.2.2. Objectivos específicos

Identificar os princípios formais e informais que orientam a constituição da AEU;

Descrever a relação entre a AEU e a direcção da UEM;

Descrever o processo de construção e materialização da agenda da AEU;

Identificar os constrangimentos enfrentados na relação com a direcção da UEM no que diz


respeito a construção a materialização da sua agenda.

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Capítulo 3. Enquadramento teórico e conceptual

Neste capítulo do trabalho apresentamos aquele que é a nossa opção teórica para a interpretação
do nosso objecto de estudo. Igualmente, definimos e operacionalizamos aqueles que
consideramos serem os principais conceitos do trabalho.

3.1. Quadro teórico

Para a interpretação dos dados, tendo como base o problema da autonomia que colocamos,
recorremos a proposta da autonomia complexa de Bauman. Este enfoque é apresentado de forma
mais simples por Geraldo no seu artigo intitulado Sociologia da autonomia complexa: a
construção social da solidariedade, pelo que recorremos a esta apresentação para
operacionalizarmos esta teoria neste trabalho.

De acordo com Geraldo, a proposta de autonomia de Bauman tem como central a relação de
dependência entre a sociedade e o indivíduo, o que torna necessário que a realidade seja estudada
dentro desta relação na realidade social concreta. Seguindo a sua exposição, o autor afirma que
neste quadro teórico sublinha a necessidade de se reconhecer que todos os componentes da
sociedade já passaram pela intervenção do homem, não havendo nada que nos seja natural.

Seguindo esta reflexão, assume-se que a própria liberdade dever ser concebida como produto do
homem, pelo que ela não se pode viver fora da vida em sociedade. O homem só se torna livre nas
suas relações com outros homens dentro da sociedade. Estas sociedades são caracterizadas mais
por incerteza do que por certeza, por caos do que por ordem, por aberturas do que sistemas e
micros-sistemas fechados. São estas indefinições que levam Bauman (citado por Geraldo, s.d) a
falar infinidade da complexidade das dinâmicas sociais.

Esta indefinição, indeterminação ou limitação é que permite falar de ausência de dependência


total, pois estas dinâmicas, na medida em que limitam o poder de poucos abrem espaço para a
liberdade de muitos. Em outra palavra, a liberdade de acção e de pensamentos dos indivíduos
depende do limite do poder dos outros embora destes continuem a dependente pois encontram-se
envolvidos numa trama de relações dentro da qual ninguém possui a capacidade de assumir um
controlo total e absoluto.

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Os indivíduos encontram-se assim, envolvido em relações de autonomia e dependência. O
conceito de autonomia complexa demonstra que os indivíduos só podem ser exercer a sua
liberdade de pensamento e acção reflexivamente, ou melhor, só pode exercer a sua autonomia
num contexto social produzido mutuamente por todos conjuntamente em que nenhuma das partes
produz e reproduz a seu belo prazer esse mesmo contexto social, havendo sempre abertura para
que os indivíduos criar e inovar as suas acções.

Ao recorrermos os conceitos de autonomia complexa apresentada por Geraldo (s.d) a partir de


Bauman pretendemos considerar que a relação entre os estudantes dirigentes da AEU e a
direcção da UEM com quem se relacional transcende a simples definição legal da criação,
constituição e actuação da associações. A relação entre estas duas partes ocorre numa trama de
interdependência da qual participam outros actores que, igualmente, condicionam o sentido que
toma. Os doadores exteriores a universidade, os estudantes são alguns dos actores que também
fazem parte da constituição do todo, tornando mais complexa a relação social.

Dentro deste quadro de trama de relações torna-se importante que a direcção da UEM, como
representante da instituição de ensino, possa determinar a actuação da AEU, criando nesta um
espírito de dependência, pois esta associação na medida em que estabelece uma relação de
múltiplas dependência com esses diversos autores, estabelece com eles relações de autonomia.
Dependendo de todos, a associações acaba sendo autónoma com relação a esses todos. É esta
realidade que pretendemos referir com o conceito de “ incríveis tramas de dependências:.

3.2. Definição e operacionalização dos conceitos

3.2.1. Autonomia

O conceito de autonomia é central para o nosso trabalho. As definições que discutimos a seguir
têm como base as contribuições extraídas do campo da filosofia. Contudo, para a sua
operacionalização neste trabalho vamos procurar conciliar com o nosso quadro teórico no sentido
de combinar com a noção de dependência.

Zatti (2007) realiza uma revisão conceptual, discutindo algumas definições de autonomia
passíveis de serem destacadas no campo da filosofia. O autor começa afirmando de uma modo

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geral que autonomia, filosoficamente falando, refere-se a um sujeito que possui capacidade de
auto-determinação e de goza de sua liberdade, no sentido de seguir seus próprios princípios e
materializar os seus próprios projectos de vida.

A auto-determinação é base nas concepções filosóficas de autonomia embora possamos


encontrar algumas especificidades na forma como cada autor apresenta o seu ponto de vista
quanto a esta dimensão. Por exemplo, Mora (1965 citado por Zatti, 2007) vai definir a autonomia
como uma realidade se auto-determina, seguindo a sua própria lei. Esta noção sugere dois
sentido. Em primeiro lugar, remente a esferas da sociedade que age de forma livre em relação a
outras esferas da realidade. Em segundo lugar sugere uma lei moral, referindo-se a capacidade de
o homem agir com base na razão seguindo sua própria lei.

Decerto que nos interesses por esta segunda dimensão do conceito de autonomia não obstante
pretendemos superar a dimensão moral e racional, consequente, universal que o assume quando
aplicado dentro dos limites do campo da filosofia. Antes de demonstramos a limitação da
concepção filosófica e propormos uma versão sociológica a ser aplicada na realização do
presente trabalho.

Lalande (1999 citado por Zatti, 2007) indigita de forma específica a autonomia como um
condição da pessoa humana ou de uma colectividade cultura que, tendo sua própria lei, se
submete a ela. Devemos destacar a referência a uma colectividade como sendo também um
sujeito de autonomia, pois já podemos compreender que não se reduz a ser exercida por uma
única pessoa isolada. Antes, pressupõe um contexto de relação social entre os diferentes
indivíduos.

Ainda que façamos alguns acrescemos na nossa discussão sobre o conceito em causa, um
elemento transversal a todas definições que apresentamos até então permanece intacto.
Referimo-nos a dimensão moral que a autonomia assume na filosófica que está explícita na
definição proposta por Kant.

De acordo com Zatti (2007), na perspectiva kantiana a autonomia designa a independência em


relação ao objecto de desejo e sua capacidade de determinar-se de acordo com a sua própria lei,
isto é, a lei da razão. A centralização na razão do ser humano revela a visão do ser humano como

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um totalidade e com um ser universal que deve ser concebido como capaz de realizar sua próprio
vontade.

As perspectivas que apresentamos acima colocam a autonomia acima do condicionamento de


qual objecto ou realidade que seja exterior ao homem, colocando-a acima de tudo e como
princípio ontológico da acção humano. Se considerarmos esta autonomia sob ponto de vista
sociológico, poderíamos sustentar radicalmente que o homem não é e jamais virá a ser
autónomo, pois está sujeito condenado a sofrer condicionamento de origem exterior como
resultado da sua vida em sociedade. Recordemos que Arendt (2007) afirmou, no seu livro A
condição humana, que “os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram
em contacto torna-se imediatamente uma condição de sua existência. O mundo no qual
transcorre a vita activa consiste em coisas produzidas pelas actividades humanas”.

Neste sentido, não podemos conceber uma autonomia de um sujeito que esteja livre dos
constrangimentos e condicionados gerados por outros sujeitos. De um modo ou de outro todo
dependente de uma força exterior. É sob este ponto de vista de Geraldo (s.d) traz Bauman para
falar de autonomia dependentes. Tomar este posicionamento sociológico não implica descartar as
contribuições sociológicas. Para este trabalho resgatamos a ideia de que a autonomia pressupõe a
capacidade de seguir lei própria que, sociologicamente, podemos remeter a valores e normais
próprias de um sujeito singular ou colectividade dentro de uma trama de relações de
dependência.

3.2.2. Estratégias de negociação

Estratégia de negociação é um conceito que construímos a partir da combinação do conceito de


estratégia e de negociação, pelo que para a sua operacionalização compreender ser necessário
antes definir ambos separadamente. Os dois conceitos são predominantemente usados no campo
de gestão, sendo nesta área de onde retiramos as suas definições para discussão, o que não
constitui nenhum problema, sob nosso ponto de vista, se considerarmos a necessidade da
interdisciplinaridade entre os diferentes campos de conhecimento.

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Começamos pelos conceitos de estratégias para o qual compreendermos ser suficiente trazer três
definições apresentadas por Learned, Christensen, Andrews e Guth (1965), Thietart (1984) e
Chandler (1962).

De acordo com Learned, Christensen, Andrews e Guth (1965), conceito de negociação pode ser
definido como políticas e plano que tem em vista a realização de objectivos estabelecidos de
modo a definir o futuro de uma organização. Algumas componentes podem ser destacadas como
presentes nesta definição.

De acordo com Nicolau (2001), esta definição apresenta os objectivos e meios como
componentes, cabendo a cada organizações definir os conteúdos de cada uma destas
componentes. Podemos observar que as definições variam em função da combinação de um
destes elementos com outros considerados relevantes, como podemos aferir na perspectiva de
outros autores como Thietart (1984).

No prisma de Thietart (1984), estratégia como ser definida como decisões e acções relativas à
escolha dos meios e à articulação de recursos com vista a atingir um objectivo. Nicolau (2001)
destaca meios de afectação e recursos como componentes deste conceito embora possamos
identificar objectivos como outra componente.

Ao realizarmos uma análise comparativa as duas definições anteriores, podemos observar que as
componentes variam não obstantes algumas como, objectivo serem transversais. Ao contrário da
primeira, esta última destaca a afectação de recursos como um elemento relevante na concepção
de estratégias. Outras contribuições procuram ir para além destas diferentes, incorporando todas
as componentes numa só definição.

É no sentido de superar estas diferenças que Chandler (1962) vai definir estratégia como a
definição de objectivos básicos de longo prazo de uma organização – podemos falar sociológica
de grupo – e a adopção de acções adequada e afectação de recursos para se satisfazer esses
objectivos.

Objectivos, meios e afectação de recursos são como componente como desta definição (Nicolau,
2001). Os objectivos são um elemento essencial para que sejam concebidas estratégias, os meios
são as acções para a realização desses objectivos e os recursos referem-se seriam os capitais

18
humanos e materiais necessários para que essas acções sejam possíveis. Compreendemos que
esta perspectiva é passível de ser operacionalizada para este trabalho. Vamos esclarecer mais
adiante quando combinarmos com a definição de negociação.

Para a discussão do conceito de negociação a partir de Steele, Murphy e Russil (1991) e Juqueira
(1991 citado por Rodrigues e Oliveira, s.d). Os primeiros autores definem negociação como um
processo por meio do qual partes envolvidas se deslocam de posições divergentes para uma
posição na qual possam estabelecer um ponto de acordo.

Esta presente nesta definição dois elemento centrais, que são a existência de divergências entre
as partes e o acordo para a superação da divergência. É importante, ainda, destacar que a
negociação implica necessariamente a presença de dois ou mais partes interessadas em superar
os aspectos divergentes. Esta é a ideia defendida na definição seguinte.

Negociação é um processo de buscar aceitação de ideias, propósitos ou interesses, visando ao


melhor resultado possível, de tal modo que as partes envolvida terminem a negociação
conscientes de que foram ouvidas, tiveram oportunidade de apresentar toda a sua argumentação e
que o produto final seja maior que a soma das contribuições (Juqueira, 1991 citado por
Rodrigues e Oliveira, s.d).

Esta definição torna mais complexo o processo de negociação ao destacar divergentes


componentes como: aceitação ou abertura, interesses, apresentação de argumento e busca de uma
mais-valia. A consciência da divergência e a intervenção consciente no processo de negociação
são elementos destacados, directa ou indirectamente, nas definições que apresentamos anteriores,
pelo que devemos fazer algumas considerações para a sua aplicação no campo sociológico.

Garfinkel (1996) concebe a interacção social como um espaço no qual os indivíduos definem e
redefiinem continuamente as regras do jogo e os significados partilha. Esta partilha de
significados implica a negociação e aceitação por parte dos actores sociais envolvidos. Esta
negociação pressupõe, de certo modo, a superação de divergência que ameaça a ordem, porém,
nada de a ver com a manifestação aberta do interesse de negociação. Trata-se de uma acção
reflexiva. Isto é, os actores sociais agem reflexivamente no processo de interacção para a
superação das divergências, contribuindo para o estabelecimento da ordem.

19
Assim, resgatamos elementos como existência de divergência, aceitação e uma nova ordem,
estabelecimento de um acordo como componentes da negociação. Contudo, acrescentamos o
facto do interesse de superação da divergência se intersubjectivo – não abertamente expresso –
que o estabelecimento de acordo ser feito de forma reflexivo, isto é, sem que haja um momento o
qual os actores suspendem as suas acções para dizer que o acorde é este ou aquele.

Feito isto, podemos construir a nossa definição de estratégia de negociação combinando as


definições de estratégia e negociação adoptamos. Ao combinarmos as componentes que
assumirmos para este trabalho, definimos o conceito de estratégia de negociação como um
processo reflexivamente orientado em que duas ou mais partes em relação realização acções e
alocam recursos para a superação de divergências de interesses entre si de modo a alcançar um
ponto de equilíbrio e estabelecer a ordem, garantindo assim, a satisfação dos seus objectivos.

20
Capítulo 4. Metodologia

Neste trabalho adoptamos uma abordagem e assim como um método qualitativo. A abordagem
qualitativa sugere que consideramos a realidade social como uma construção da qual os
indivíduos participam activamente, o que torna indispensável que partamos da própria realidade
em observação para a construção e realização no estudo. Deste modo, não obstante assumir
alguns aspectos pré-definidos, procuraremos em todos momentos conciliar estes aspectos com a
configuração da realidade social, pois assim consideramos que será possível não só
considerarmos, como também darmos conta da complexidade da relação entre a AEU e a
direcção UEM.

Quanto ao método qualitativo, considerando a definição que Guerra (2006) nos sugere, revela-se
apropriada para este estudo. De acordo com esta autora, o método qualitativo considera os
fenómenos sociais dentro das redes complexas nas quais estabelecem relações de
interdependência com outros fenómenos que devem ser valorizados na compreensão dos
fenómenos sociais. Assim, procura-se incidir, simultaneamente, para a perspectiva dos
indivíduos assim como para aqueles aspectos que transcendem a sua subjectividade.

Apesar de considerar a importância da valorização da intervenção da dimensão da estrutura


social na compreensão da autonomia, vamos supervalorizar a perspectiva dos indivíduos, neste
caso estudantes, pois procuramos retractar a forma como estes tiram proveito das condições
estruturais para a construir dos espaços de autonomia. Não basta que a sociedade crie condições
para autonomia dos indivíduos, a complexidade do social sugere que os indivíduos tem que saber
“manipular” os espaços de autonomia passíveis de serem encontrados no seu dia.

4.1. Método de abordagem

Iremos abordar a realidade da relação entre a AEU e a direcção da UEM sob ponto de vista do
método dialéctico. Marconi e Lakatos (2003) afirmam que o método dialéctico apresenta quatro
características essencial. A primeira refere que todo os fenómenos relacionam-se uns com os
outros, influenciando-se mutuamente. O segundo é que a realidade está em constante mudança,
ou seja, a mudança é a única ocorrência constante. A terceira refere que as mudanças resultam da

21
oposição de contrários, ou melhor, todo o fenómeno tem o seu contrário/antagónico com o qual
estabelece uma relação de complementaridade. Por último, está a referência que as mudanças
ocorridas dão, com o acumulo quantitativo das propriedades do fenómeno, um salto qualitativo.

Estas propriedades serão relevantes para a abordagem do nosso objecto de estudo, em primeiro
lugar, devido a complexidade da realidade social, vamos procurar considerar e incluir todos os
factores que se demonstrarem relevantes para a compreensão do nosso objecto de estudo. O
estudo de caso, como método de procedimento, vai-nos permitir considerar a rede de relações
entre os factores presentes no caso da UEM susceptíveis de influenciar na relação entre a AEU e
a direcção desta instituição de ensino. Em segundo lugar vamos considerar que as relações de
autonomia e dependência entre estes dois actores estão em constante mudanças, na medida em
que definem-se, negociam-se e redefinem-se constante e continuamente – recordemos do
conceito de equilíbrios flutuantes.

Em terceiro lugar, do mesmo modo que considera-se dentro do nosso quadro teórico a relação
entre a sociedade e o indivíduo no estudo da autonomia, consideramos que a AEU e a direcção
da UEM estabelecem entre si uma relação de antagonismo de complementaridade, o que não
implica uma relação de mútua exclusão. Por fim, a redefinição e renegociação da relação entre
estes dois autores pode variar qualitativamente, podendo num momento manifestar-se maior
autonomia e menor dependência e noutro menor autonomia e maior dependência.

4.2. Método de procedimento

Voltamos a remeter a complexidade da realidade social para definirmos o estudo de caso como o
nosso método de procedimento. O estudo de caso é, de acordo com Araújo, Pinto, Lopes,
Nogueira e Pinto (2008), citando Ponte (2006), uma investigação que assume uma visão
particular, procurando retractar a especificidade de um ou pouco casos de modo a realizar uma
descrição que facilita a compreensão do global.

O estudo de caso é um método caracterizado, de um modo geral, por observar o fenómeno no seu
contexto de ocorrência, recorrer a diferentes técnicas de recolha de dados, valorização da
complexidade dos fenómeno e procurando o seu aprofundamento; algumas variáveis vão sendo

22
incluídas ao longo da realização do estudo; o estudo está sujeito a alterações; busca responder
questões que começam por “como” e “porquê” (Benbasat et al, 1987 citado em Araújo, Pinto,
Lopes, Nogueira e Pinto, 2008)

Pretendemos explorar as associações estudantis nas instituições do ensino superior tendo como
caso específico a UEM. Deste modo, ao adoptarmos o método do estudo de casos pretendemos
ter a possibilidade de explorar de forma aprofundada os diferentes aspectos que podemos
identificar no contexto da relação entre a direcção daquela instituição de ensino e a AEU. Assim,
vamos interpretar todas as experiências se demonstrarem relevante. A selecção da UEM está
vinculada a facto de termos vivenciado aqui a nossa experiência académica se que tenhamos nos
envolvidos na associação estudantil, o que permite, de antemão, um fácil distanciamento com a
realidade que vamos estudar.

4.3. Técnicas de recolha de dados

Para a recolha de dados vamos recorrer a três técnicas, nomeadamente o levantamento


documental, levantamento bibliográfico e as entrevistas semi-estruturadas. A primeira técnica
consiste na recolha de dados que não tenham ainda sofrido uma interpretação teórica em fontes
como estatutos, relatórios, entre outros e o a segunda consiste em trabalhar com dados que já
tenha sido interpretados passíveis de serem encontrados em artigos científico, manuais, etc. Já, a
entrevista é uma técnica qualitativa que consiste numa conversa entre o investigador e o
entrevistado com o objectivo de aprofundar questões que são colocadas. A semi-estrutura refere-
se a uma estruturação na qual parte-se de uma rol de perguntas, deixando em aberto o espaço
para a introdução de novas perguntas (Gil, 2008).

Primeiro referir que combinamos estas três técnicas de modo a podermos trabalho com a maior
parte de dados disponíveis sobre a actuação da AEU. O levantamento documental vai-nos
possibilitar trabalhar com informação obtidas juntos dos estatutos da AEU, seus
programa/agenda de actuação e relatórios sobre suas actividades. O levantamento documental
vai-nos permitir trabalhar com material bibliográfico que podemos obtermos em artigos
científicos sobre a autonomia das acções no ensino superior. Quanto a entrevista semi-
estruturada, esta será uma técnica que vamos aplicar para recolher dados juntos dos estudantes

23
dirigentes da associação em estudo de modo a descrever as suas experiências referentes a sua
actuação e a sua relação com a direcção da UEM.

No que diz respeito ao nível de estruturação da entrevista, a semi-estruturação revela-se


apropriada porque vai-nos permitir intervir ao longo da conversa de modo a colocar novas
perguntas que possibilitar o aprofundamento de aspectos que forem surgindo ao longo do
trabalho de campo. Esta abertura é importante no contexto de estudo de caso onde a
complexidade da realidade é uma característica que reconhecemos como dominante.

4.4. Universo e amostra do estudo

Consideramos como universo populacional do caso que seleccionamos os estudantes que


encontramos integrado no elenco estudantes que lideram a AEU. Referimos aos estudantes que
tendo ganhado as eleições assumem os cargos directivos da associação, participando da
concepção e realização de suas actividades ao longo da sua actuação.

Para a constituição da amostra vamos adoptar o critério por acessibilidade. Gil (2008) refere que
este critério consiste em o investigador trabalhar com aqueles elementos do universo aos quais
tem acesso ou que se mostram disponíveis. Para a recolha dos dados, considerando a dificuldade
que tivemos na fase exploratória deste trabalho – quando buscamos a informações gerais sobre a
sua constituição – vamos nos limitar a entrevistar aqueles estudantes que, estando na direcção da
associação, se mostrarem abertos a prestarem entrevista. Porém, temos que destacar que têm que
estar na direcção para possam nos facultar informação relevante.

Por se tratar de um estudo qualitativo com recurso ao estudo de caso com estratégia de
investigação não definimos a prior o tamanho da amostra. Vamos procurar incluir aqueles
estudantes que ao longo do trabalho de campo revelarem-se em posição chave para facultar
informação relevante que não tenha sido já mencionadas por outros. O nosso objectivo de não é
coleccionar informação, mas sim trazer a informação que consideramos importante para a
compreensão do que que seleccionamos.

24
Referências bibliográficas

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final do Estado Novo (1956-1974). Universidade de Lisboa, Instituto de Ciências Sociais.

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Disponível em http://www.confluencias.uff.br/index.php/confluencias/article/view/149/95,
consultado a 10 de Maio de 2016, as 14 horas.

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Cambridge: Polity Press, 1996 [1967]. Cap. 1. p. 1-341.1

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secundário e reprodução política das organizações partidárias de juventude. Sociologia,
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25
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Paulo: Cortez Editora.

26
Zatti, Vicente. (2007). Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire. Porto Alegre:
Edipucrs.

27
Anexo

Guião de entrevista

1. Perfil sócio-demográfico

1.1. Idade
1.2. Sexo
1.3. Ano de Frequência na UEM
1.4. Curso de frequência
1.5. Estado civil
1.6. Bairro de residência
1.7. Posição na AEU
1.8. Função que exerce na AEU

2. Princípios formais e informais que orientaram a constituição da AEU

2.1. O que é que diz o regulamento que define a constituição da AEU?


2.2. Quais são os princípios presentes nesse regulamento que orientam a actuação deste elenco da
AEU?
2.3. Quais são os princípios que o novo elenco definiu para a orientação da actuação da AEU?
2.4. Quem define esses princípios?
2.5. Como é que foram definidos esses princípios?
2.5. Que princípios a direcção da UEM procura impor a AEU?

3. Relação entre AEU e direcção da UEM

3.1. A AEU é uma associação independente? (justifique)


3.2. Em que as aspectos a direcção da UEM condiciona a vida da AEU?

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3.3. Ao longo deste ano da vossa liderança, como é que avalia a relação entre a AEU e a direcção
da UEM?
3.4. Em que aspectos da vida da associação a direcção da UEM tem procurado interferir?
3.5. Como é que é feita essa interferência?
3.6. Qual tem sido a posição da AEU diante dessa interferência?
3.7. Quando uma exigência da direcção UEM contradiz alguns interesses dos estudantes como é
que vocês têm feito para superar essa contradição?
3.8. Como é que vocês têm feito para combinar os interesses da AEU e os interesses da direcção
da UEM?
3.9. Ao longo destes anos, em algum momento tiveram que se opor aos interesses da direcção da
UEM (faça uma discrição da ocorrência)?

4. Construção da agenda da AEU

4.1. Quais são as actividades que a AEU programou para este mandato?
4.2. Essas actividades foram definidas antes ou depois de terem ganho as eleições?
4.3. Como é que essas actividades são definidas (de uma única vez ou periodicamente)?
4.4. Quem é que define essas actividades?
4.4. Quais são as actividades que a AEU têm no seu programa que não foram vocês a definir?
4.5. Que foi que atribui essas actividades a AEU?
4.6. Como é que vocês acolhem essas actividades?
4.7. Quando essas actividades entram em contradição com as actividades que a AEU definiu
como é que vocês procedem?
4.8. Que actividades a AEU tem no seu programa que foram impostas pela direcção da AEU?

5. Materialização da agenda da AEU

5.1. Quais são as fontes de financiamento da AEU para a realização de suas actividades?
5.2. Qual tem sido a participação da direcção da UEM no financiamento das actividades da
AEU?

29
5.3. Qual tem sido a participação da direcção da UEM na realização das actividades da AEU?
5.4. Que as actividades a AEU deixou de realizar porque a direcção da UEM não permitiu?
5.5. Que actividades da AEU dependeram da direcção da UEM para a sua realização?
5.6. Quais foram as actividades que AEU teve de realizar por recomendação da direcção da
UEM?
5.7. Quais é a vossa opinião sobre a AEU realizar actividades que são recomendadas pela UEM?
5.8. Por quê é que a AEU realiza actividades que lhe são recomendadas pela direcção da UEM?

6. Constrangimentos da AEU na relação com direcção da UEM

6.1. Nestes anos, até que pode-se dizer que a AEU tem conseguido realizar o seu programa?
6.2. Que dificuldades a AEU tem enfrentado na realização do seu programa?
6.3. Quais dessas dificuldades estão relacionadas com relação da AEU estabelece com a direcção
da UEM?
6.4. O que é que vocês têm feito para superar essas dificuldades?
6.5. Costuma-se dizer que as associações estudantis não actuam de forma livre porque são
controladas pela direcção das universidades. Qual é a vossa opinião sobre esta afirmação, tendo
como base a vossa experiência nestes anos?
6.6. Na sua opinião a AEU é uma associação livre? (Justifica)
6.7. Tem mais alguma coisa a dizer sobre o que falamos nesta entrevista?

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