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RELATO DE EXPERIÊNCIA

Ensino coletivo de violão:


princípios de estrutura e
organização1
Teaching guitar in group: principles of strucuture and organization.

  CRISTINA TOURINHO

Professora de Violão – (UCSal, 1976), Instrumentista (Violão) – (UFBA, 1982), Mestrado em


Educação Musical (UFBA, 1995), Doutorado em Educação Musical (UFBA, 2001) com estágio no
Institute of Education (Londres, 2000, bolsa CAPES). Idealizadora (1989) dos cursos de extensão
para ensino coletivo de violão na Escola de Música da UFBA. Autora de artigos científicos e
livros didáticos, professora de cursos de metodologia do ensino de instrumentos coletivos em
diversas cidades do Brasil e em Cadiz (Espanha). Atualmente, além Coordenadora do Programa
de Pós-graduação em Música da UFBA realiza trabalho em conjunto com a UFRGS e a UNB
para os cursos de Licenciatura EAD.
e-mail: cristtourinho@gmail.com

RESUMO ABSTRACT

A Escola de Música da UFBA (EMUS) The School of Music of Federal University of


oferece aulas coletivas de violão para a Bahia (EMUS) offers guitar group lessons for
comunidade de Salvador como cursos livres. the community of Salvador at a extension
Neste artigo abordaremos os aspectos level. In this article we will explore the
educacionais deste curso e os princípios de educational aspects of this course and
organização e dinâmica das aulas, fazendo principles of organization and dynamics
uma retrospectiva do início do curso em of class, in retrospect since the course
1989, levando em consideração o público began in 1989, taking account of the public
atendido, organizadores, professores-­ attended, organizers, trainee teachers and
-estagiários e coordenador. coordinator.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

1
Texto apresentado no I Seminário da
Violão, Ensino coletivo, Música. Guitar, Group lessons, Music. AAPG (nov./2007).

CRISTINA TOURINHO, Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização 83


RELATO DE EXPERIÊNCIA

1 INTRODUÇÃO

Gostaria de ratificar os sentimentos de importância e responsabilidade que senti ao ter


sido convidada para trazer aqui a minha experiência e tentar colaborar com as reflexões de
práticas e ações no Projeto Guri. Meu olhar está, como não poderia deixar de estar, atrás das
lentes da atuação de professora e coordenadora do curso de violão da extensão da Escola
de Música da UFBA, o qual integro como fundadora desde sua criação, em 1989. Apesar do
curso de violão da extensão da UFBA não possuir fins sociais explícitos, temos contribuído
de forma significativa para a admissão de estudantes para os cursos de graduação e exercido
papel de amenizadores da ausência de disciplinas pedagógicas no curso de bacharelado em
Violão da UFBA.
De forma geral, entendo que os projetos socio-culturais, além dos objetivos de promover
o conhecimento e desenvolvimento de habilidades musicais e aptidões dos sujeitos que
atendem estão comprometidos com a integridade social e moral dos envolvidos. Sendo assim,
por razões que me parecem muito óbvias, vou me limitar, nesta fala, aos aspectos educacionais,
tendo como referência o curso que hoje coordeno. Além deste limite, pretendo me restringir
aos princípios de organização e dinâmica de trabalho, tendo em vista o público presente,
organizadores, administradores e supervisores, deixando para uma outra oportunidade os
aspectos pedagógicos e de formação do professor para ensino coletivo.
O curso de violão na extensão da UFBA começou no ano de 1989, e eu fui, na época, a única
professora que se dispôs a trabalhar com as pessoas que não haviam conseguido “passar”
no teste seletivo para as aulas tutoriais2. Desde a fundação da Escola, em 1954, as aulas de
instrumento para a extensão eram tutoriais e complementavam a carga horária dos docentes
efetivos. Esse tipo de atividade atendia menos de 10% da demanda de interessados em
ingressar nos cursos de violão. Sob meu ponto de vista, uma das causas do baixo atendimento
era um dos critérios de seleção baseado na leitura de partitura, fato que muito me incomodava.
A habilidade da leitura como exigência para ingresso a um curso livre, em um país que não
oferecia música na escola regular, me parecia uma exigência absurda. Assim, em 1989 se deu
a primeira tentativa de ensino coletivo de violão para os candidatos que tocavam (ou não),
mas não liam partitura. Com o apoio da direção3, iniciei aulas coletivas para uma turma única
de quase 30 pessoas. Vários ajustes subsequentes foram feitos até chegarmos a turmas com
seis e depois quatro pessoas, número que mantemos até hoje. Mas para atender à demanda
de forma integral, cerca de 200 candidatos a cada semestre, além dos outros professores
efetivos também colaborarem, passamos a convidar os estudantes da graduação para atuarem
também como professores-estagiários.
O processo de organização deste trabalho se deu, a princípio, de forma intuitiva e
passou por muitas mudanças. Graças à liberdade de experimentação que pude desfrutar,
2
Um aluno, um professor.
fomos aprimorando e corrigindo as ações. Prof. Robson Barreto e prof. Mario Ulloa,
também professores da Escola de Música, colaboraram de forma significativa com todo
3
Na época Prof. Dr. Paulo Costa Lima. este processo, até que em 2001 pudemos sistematizar repertório, estagiários e, em 2003,

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84 REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, v.I, n.II, p. 83-93 , novembro, 2010.
RELATO DE EXPERIÊNCIA

editamos um livro específico para atender às nossas exigências. Inicialmente o curso era
apenas para introdução ao violão com leitura musical, usando o repertório tradicional para
o instrumento. Outras possibilidades foram acrescidas posteriormente, e mais estagiários
passaram a trabalhar no projeto.
Em 2007 contávamos com 14 estagiários, alunos do curso de Graduação em Instrumento
e de Licenciatura em Música. Estes atendiam 38 turmas em quatro vertentes: música popular
(com iniciação técnico instrumental, sem obrigatoriedade de leitura no primeiro semestre,
dois níveis, semestral), oficina de violão (com leitura musical e repertório clássico europeu e
música popular, quatro níveis semestrais), iniciação musical com introdução ao violão (para
crianças de 8 a 12 anos, três níveis, anual) e violão para adultos (pessoas acima de 50 anos,
que desejam tocar apenas por hobby). A partir de 2007 introduzimos também o atendimento a
pessoas com deficiência e, com o Programa Permanecer4, modificações estruturais nos cursos
de música popular e na parte administrativa em geral.
Uma das mudanças mais significativas para a estrutura administrativa dos cursos foi a
realização do I Seminário dos Estagiários da Extensão de Violão da UFBA, realizado no dia 1 e 2
de agosto de 2007. Substituindo as improdutivas reuniões pedagógicas, o seminário mobilizou
os estagiários a expor suas dificuldades e acertos. As reuniões pedagógicas mensais tinham
sofrido um desgaste, e os estagiários estavam pouco motivados a frequentá-las, muitas vezes
comparecendo somente pela obrigatoriedade e mantendo-se apáticos durante sua realização.
Nos dias 4, 5 e 6 de dezembro de 2007 aconteceu o II Seminário, que projetou problemas
e soluções para o cumprimento das metas em 2008. Em 2010 foram realizadas Semanas
Pedagógicas no início de cada semestre, com a participação de tutores e professores.

2 PERFIL DO CURSO

O curso de extensão da EMUS, tal como apresentado em 2007, é um laboratório


de formação continuada para todos, professores-estagiários e Coordenador. A cada
semestre é preciso treinar pessoas e, quando elas estão conhecendo e realizando bem
seu trabalho, é hora de deixarem a Escola e serem substituídas por novos estagiários
(para atuar como estagiário é preciso ser estudante regulamente matriculado na
UFBA). Ao mesmo tempo em que esta rotatividade propicia a chance de aprendizado
para mais estudantes, não permite um aproveitamento da mão de obra treinada para
o próprio curso por mais de três ou quatro anos consecutivos, além de nem sempre ser 4
O programa PERMANECER, da Uni-
versidade Federal da Bahia, ajuda
possível detectar a priori quais estudantes se interessam por aspectos pedagógicos. estudantes carentes a se manter na
Embora não seja a tônica, muitos encaram o estágio apenas como uma possibilidade Universidade através de uma bolsa
de estudos mensal. A parceria veio
de ajuda de custo para se manterem na Universidade. O estágio é remunerado e, como a partir de entendimentos com
uma estudante de Administração
está associado aos horários das aulas, muitas vezes o estudante trabalha na escola que integrou o projeto durante um
conciliando os horários vagos, não necessitando se deslocar e assim economizando ano. Além de aluna do curso, con-
tribuiu para melhorias administra-
tempo e dinheiro. Vale dizer que a remuneração é semelhante a cursos de idiomas e tivas. <www.permanecer.ufba.br>

CRISTINA TOURINHO, Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização 85


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aulas de instrumento de escolas particulares, mas um estudante trabalha somente de


6 a 8 horas por semana.
Os alunos do curso pagam pelas aulas um valor que correspondente aproximadamente
à metade de um curso particular, por duas disciplinas, teoria e prática. Nas aulas práticas as
turmas são de 4 alunos e, nas teóricas, em média 15. São oferecidas bolsas de estudo integrais
ou parciais para os carentes. Todos os bolsistas assinam um termo de compromisso para a
frequência e o aproveitamento. Nenhum curso é completamente gratuito. Mesmo bolsista
integral, o estudante paga uma taxa equivalente a 25% do valor total do curso e que pode ser
parcelada em duas vezes. A taxa é dispensada apenas em casos especiais.

3 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO ENSINO COLETIVO DE INSTRUMENTO MUSICAL

Em uma visão pessoal, acredito que a essência do ensino coletivo acontece quando existe
um professor que trabalha com diversos indivíduos no mesmo espaço físico, horário, e que
várias pessoas aprendem conjuntamente a tocar a mesma peça. Isto é, o professor está se
dirigindo a um grupo de estudantes, que recebem simultaneamente a mesma informação,
embora o recebimento e o processamento desta informação aconteça de forma individual.
O que não é ensino coletivo de violão, a meu entender, se feito de forma sistemática e como
atividade principal: ensaio de uma peça a várias vozes; orquestra de violões; música de câmara
(duos, trios, violões e outros instrumentos); atendimentos individualizados, como um master-
class. O paradoxo é que todas estas atividades podem ser partes integrantes das aulas de
ensino coletivo de violão, mas não constituem sua essência se feitas como atividade principal
do curso5. No ensino coletivo, o professor deve se dirigir SEMPRE ao grupo, mesmo quando
trabalhando individualmente com um estudante. No ensino coletivo de violão, são possíveis e
devem ser usados repertório solo, música com letra e cifra para acompanhamento e músicas a
duas, três e quatro vozes.
Por ser um instrumento harmônico no qual se tocam facilmente dois acordes, o violão se
presta de forma magnífica para fazer música desde a primeira aula. Uma rápida visita a um
site de músicas cifradas mostra a possibilidade de repertório com canções de dois acordes,
geralmente Tônica e Dominante. E tocar rapidamente é tudo o que a grande maioria dos
iniciantes deseja. Quem nunca ouviu a famosa pergunta: “Professora, em quanto tempo eu
vou tocar?”. Trabalhamos de forma que a resposta seja: “Hoje você vai para casa tocando a sua
primeira música”. Esta é uma das diferenças do ensino coletivo de instrumentos melódicos de
corda e sopro, que exigem outra técnica de trabalho e cujas primeiras peças estão divididas
entre naipes. Acho que a motivação para o desenvolvimento do estudo individual é uma das
vantagens do ensino coletivo de violão, embora manter grupos de pessoas motivadas exija
habilidade por parte de qualquer professor de instrumento.

5
Ver o artigo no site <www. Algumas vantagens pedagógicas são óbvias, como a) o atendimento ao maior número
artenaescola.com.br>. de pessoas em menos tempo de trabalho; b) menor desgaste para o professor com as aulas

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86 REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, v.I, n.II, p. 83-93 , novembro, 2010.
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iniciais, onde se repete menos as informações básicas; c) os estudantes aprendem uns com
os outros, por observação mútua e autoavaliação intuitiva; d) os parâmetros musicais são
adquiridos mais rapidamente. Existem também vantagens financeiras, como a diminuição do
valor da hora-aula.
As desvantagens que aponto se referem à dificuldade de administrar diferenças individuais
de aprendizagem, inclusive de temperamento e gosto musical, disciplina, assiduidade,
pontualidade e estudo em casa. O ensino coletivo também tem curta duração. No máximo,
após dois anos de aulas coletivas, para prosseguir nos estudos, aconselha-se a passar para
atendimento individual ou em duplas e manter uma master-class ou encontro mensal.
Uma das particularidades essenciais do ensino coletivo consiste no planejamento. Embora
exista muita dificuldade para que os estudantes de bacharelado, acostumados ao ensino
tutorial, planejem suas aulas, no ensino coletivo o planejamento é indispensável. A diferença
no rendimento e resultado entre o estagiário que planeja e o que não o faz é muito grande.
Quanto mais iniciante seja o educador, mais cuidadoso e minucioso deve ser o planejamento e
mais trabalho para convencê-lo de que deve planejar. Com o planejamento, é possível antever
resultados, mudar para outra atividade caso a planejada não surta um bom efeito, poder ir e vir
dentro de uma estrutura conhecida e aumentar o “repertório” de estratégias.

4 ASPECTOS ORGANIZACIONAIS

4.1 Seleção ou nivelamento?

Instituições que oferecem cursos gratuitos, com apoio psico-pedagógico, uma refeição
e/ou lanches, salas de estudo e instrumento para empréstimo ou aluguel a baixo custo
costumam ter uma procura muito grande, principalmente a cada início de ano. Se forem
feitas duas admissões anuais, no segundo semestre a procura cai, mesmo assim de forma
pouco expressiva. O problema passa a ser como atender a demanda. Estou me referindo a
conservatórios públicos, escolas profissionalizantes, ONGs, cursos de extensão universitária,
onde existem diversas alternativas para fazer algum tipo de seleção ou nivelamento, que
variam entre: a) testes de percepção auditiva combinados ou não com entrevista; b) sorteio
de vagas; c) senhas para inscrição; d) limites por faixa etária. Tenho visitado instituições que
adotam estas medidas e percebo que, de forma geral, repetir ritmos e ordenar sons não parece
ser garantia para selecionar um bom estudante. Se o teste for feito de forma individual, os
professores examinadores ficam esgotados ao fim de cada turno, devido ao grande número
de candidatos. A menos que reunidas previamente e decidindo de comum acordo, também
não se pode garantir que bancas simultâneas procedam da mesma forma. Um teste gravado
a ser aplicado de forma única para grupos de candidatos diminui o cansaço dos professores,
mas ainda assim não garante o bom desempenho posterior dos estudantes. Pergunta: quais
os fatores que influenciam e conduzem o desempenho dos estudantes? Como os testes de
seleção poderiam garantir o bom desempenho posterior?

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Na UFBA, como temos um curso pago, atendemos à quase totalidade da demanda com
uma entrevista de nivelamento. Embora seja um processo cansativo para os professores-
examinadores, todos os inscritos passam por uma entrevista. Geralmente a entrevista é feita por
três pessoas, que trabalham em conjunto. Incluir os estagiários nas entrevistas de nivelamento
é uma forma de treiná-los também para fazer a avaliação diagnóstica inicial. Existe uma ficha
prévia de inscrição, preenchida na secretaria, que permite agrupar pessoas para entrevista de
acordo com o curso desejado. Antes da entrevista de nivelamento, é feita uma reunião com os
professores efetivos de violão para determinar os horários a serem utilizados pela extensão e
para determinar com os estagiários quais serão os horários disponíveis e em que tipo de curso
desejam atuar. Aproveitamos as habilidades específicas, disponibilidade de horário e afinidades
com faixas etárias, acreditando que cada estagiário irá trabalhar mais satisfeito desta forma.

4.2 Agrupamento de turmas

A escolha do turno para estudo e o curso são os maiores delimitadores para a formação
das novas turmas. Depois destes dois itens, a habilidade musical (não toca, toca, o quanto
toca?) são o segundo passo. E como terceiro e último fator, a idade. Procuramos, na medida do
possível, agrupar faixas etárias próximas por uma questão de gosto musical e velocidade de
aprendizagem. Em média as crianças são colocadas em turmas com faixas etárias de um ano
de diferença 8-9, 10-11, 11-12. Os adolescentes e adultos jovens entre 14 e 25 anos podem ficar
juntos. Pessoas com mais de 50 anos formam turmas especiais. Dois fatores concorrem para
este tipo de agrupamento por idade: repertório e habilidade motora. Mas existem exceções,
e não raro jovens e adultos estão misturados. A escolha do dia da aula e horário é feita
imediatamente após a entrevista, e o futuro aluno sai com as orientações básicas por escrito.

4.3 Aula inaugural

A cada semestre fazemos uma aula de abertura, quando comparecem os novos estudantes
e os professores-estagiários. É feita uma apresentação do curso em Power Point, e em seguida
tocam ex-alunos e estagiários. Alguns estagiários, hoje alunos da Graduação, foram oriundos
dos cursos de extensão e sempre dão uma palavra de estímulo para os iniciantes.

4.4 Estrutura do curso

O semestre está dividido em 15 aulas, com fichas mensais para presença e avaliação por
turma. Ao fim de cada mês o professor-estagiário entrega a ficha preenchida na Secretaria. As
presenças não são registradas pelo professor e sim assinadas pelos estudantes a cada semana.
Nesta mesma ficha mensal o professor assinala as faltas, desistências e trocas de horário e
avalia cada estudante com uma nota e uma frase de justificativa. A ficha ainda tem telefones
para contato.

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88 REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, v.I, n.II, p. 83-93 , novembro, 2010.
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Existe um programa-guia para cada um dos cursos, embora muitas turmas nem sempre
consigam completá-lo. Estabelecemos então o repertório mínimo para considerar cumprido
cada módulo.
Temos material didático editado apenas para as Oficinas (nível I, II e III), sendo o volume I
o único editado comercialmente, com CD de áudio incluso. O CD tem gravação do repertório
e ainda sequências de acordes para exercícios de técnica aplicada, sendo muito apreciado
pelos estudantes. O material dos cursos de música popular ainda está sendo testado (a cada
ano fazemos uma nova versão) que é cedida aos estudantes para cópia. A ideia futura é
compilar as duas vertentes em um único material, sem distinção “erudito-popular” e poder
usar ambos os repertórios em um curso inicial híbrido, que substitua a atual dicotomia, tendo
a leitura em partitura como base para ambos os cursos. Um dos relatos mais frequentes dos
professores-estagiários é de que existe resistência ao aprendizado da leitura musical por
parte das pessoas inscritas no curso de música popular. Em 2007 resolvemos testar a junção
teoria/prática na mesma aula e com o mesmo professor, e os resultados, apesar de positivos,
não foram considerados economicamente viáveis. Por isso as aulas voltaram a ser divididas
em teóricas e práticas, persistindo os problemas citados. O material para as crianças, também
não editado, inclui muitos exercícios de altura sonora, escrita e leitura relativa, jogos (Guia
e Cavalieri, 2005), além do repertório de canções de dois e três acordes. As crianças são
musicalizadas através do violão e as aulas utilizam atividades muito parecidas com as de
musicalização infantil, só que através de um instrumento específico, a exemplo do material
editado por Parizzi e Santiago (1998).

4.5 Avaliação

Com exceção das crianças, que permanecem juntas até o final do ano letivo, adolescentes
e adultos são remanejados a cada semestre. Muitas vezes permanecem com a mesma turma,
horário e professor. Mas também mudam de horário, pelos mais diversos motivos, ou são
reagrupados pelo critério de desenvolvimento técnico. Nunca se proíbe um estudante de
passar para um novo módulo no meio do semestre, desde que tenha conseguido completar
o anterior. Se o próprio professor-estagiário não tem uma turma em horário compatível,
outro professor absorve o estudante. Também não existe “reprovação”, quem não consegue
cumprir o programa mínimo tem a chance de complementá-lo no próximo semestre. E quem
chegou ao fim do semestre apenas com o mínimo vai encontrar peças com o mesmo nível
de dificuldade no início do próximo módulo. O curso está organizado para quatro semestres,
mas como a maioria dos estudantes fica apenas dois semestres, e alguns cursam somente um,
estamos sempre investigando as causas das desistências e abandonos. Embora não se possa
garantir a sinceridade de uma resposta por telefone, quando indagados, os desistentes alegam
motivos como falta de dinheiro, mudança de horário no emprego ou demissão. Raramente
são feitas queixas ao professor, ao curso. Os estudantes por vezes se queixam que o repertório
não é do agrado, mas fica impossível atender a todos. Estamos investigando como conseguir

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respostas fidedignas, mas a hipótese é de que, como se aprende a tocar razoavelmente em um


ano de curso, muitos estão satisfeitos e prosseguem sozinhos. Também está sendo estudada
a viabilidade de se oferecerem certificados semestrais, que tragam a porcentagem cursada,
eliminando o problema.
Como não é possível incluir música da mídia nos módulos, o que acarretaria mais ônus pelo
pagamento de direitos autorias, indicamos uma relação de músicas e os sites onde podem ser
encontradas. O maior problema dos sites de cifras é que as cifras estão erradas com frequência.

5 PERFIL DESEJADO PARA O PROFESSOR-ESTAGIÁRIO

Como o curso de Instrumento (Bacharelado, Violão) na graduação da EMUS não oferece


disciplinas pedagógicas, muitos iniciam o estágio com uma visão de ensino resumida ao aspecto
técnico-instrumental, desconhecendo princípios pedagógicos essenciais, planejamento de
aulas, princípios e atividades para musicalização. Os cursos rápidos oferecidos nas semanas
pedagógicas se mostraram ineficazes. Estamos apostando em uma formação pedagógica a
médio prazo, acompanhando de perto os estagiários que atuam como professores. O professor
para pessoas que não definiram qual papel o instrumento terá em suas vidas não pode agir
como um professor de curso profissionalizante, técnico ou de graduação. Ao lado da formação
do instrumentista, que conhece o repertório essencial, toca e lê com desenvoltura, estão os
requisitos pedagógicos para atuar em classe com sucesso.
Passo em seguida a apontar quatro requisitos que considero essenciais para um professor
deste tipo de curso. Os dois primeiros estão baseados em Paulo Freire (1996) e os dois últimos
em Swanwick (2003).
a) Acolhimento e diálogo
Procuram os cursos de extensão pessoas de várias classes sociais, classe média, classe
média alta e pessoas carentes, que não podem pagar pelo curso. Como a EMUS não possui
instrumentos para empréstimo, todos precisam de um violão, seja comprado ou emprestado.
As diferenças de classes sociais, o repertório para música popular, a introdução à leitura musical,
a assiduidade e pontualidade representam sempre um problema de ajuste nas primeiras aulas.
Estudantes muito carentes sentem-se intimidados com o ambiente encontrado. O professor-
estagiário é orientado a acolher o estudante, no sentido de estabelecer aquilo que Freire
chama da “relação dialógica”6. Em sua fase inicial, e em todas as suas vertentes, é um curso
de musicalização aplicada ao instrumento, com/ou sem leitura musical. Os passos para que o
estudante compreenda os objetivos educacionais devem ser administrados com cuidado, sem
que o professor-estagiário perca o domínio de classe.
b) Acreditar que todos podem aprender
6
Segundo Freire, deve existir uma
Acreditar no potencial de cada indivíduo. As aulas coletivas permitem grande interação
relação de diálogo entre educando
e educador, no sentido de que o entre os sujeitos, além da observação de pares e da auto-observação. É preciso respeitar limites
mestre escute o estudante, seus an-
seios, dando-lhe oportunidade de e possibilidades em um curso livre para iniciantes porque, embora as aulas sejam coletivas,
expressão.

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90 REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, v.I, n.II, p. 83-93 , novembro, 2010.
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o aprendizado é único, individualizado e em ritmo próprio. Para minimizar as diferenças que


naturalmente aparecem em classes que são supostamente “homogêneas” inicialmente, as
turmas são reagrupadas a cada semestre. Durante o semestre, o professor precisa administrar
o aprendizado diferenciado, respeitando os limites e incentivando as potencialidades.
c) Respeito pelo discurso musical do aluno
Todas as músicas e todos os conceitos acerca de música trazidos para a classe devem ser
motivos de atenção por parte do professor. O repertório vai ser ampliado, novos conceitos
serão introduzidos, mas trabalhar com a diversidade é fundamental. Acolhemos as “músicas”
trazidas, mesmo quando elas contêm letras inadequadas e procuramos explicar por que razão
elas não devem fazer parte do repertório trabalhado em classe e quais outras possibilidades
existem.
d) A música é o princípio e a finalidade
Exercícios técnicos isolados são atividades meio, bem como informações sobre
afinação, partes do instrumento, vida de compositores. O fio condutor das aulas de música
é a própria música, a motivação é altamente influenciada pelo repertório que o estudante
valora (Tourinho, 1995). Do repertório devem ser retiradas as atividades para técnica,
apreciação, literatura, improvisação. O professor-estagiário é orientado a evitar exercícios
técnicos puros, bem como o excessivo rigor técnico nas primeiras aulas, que causam
desânimo e desistência.

6 FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA O ENSINO COLETIVO DE VIOLÃO

Sendo o material e as atividades para o ensino coletivo semelhantes aos da aula tutorial,
a grande responsabilidade pela condução das aulas e pelo sucesso do curso é do professor
e do seu desempenho em classe. Acreditamos que a formação do professor para atuar no
ensino coletivo é responsável pelo bom andamento do curso e extrapola a aquisição de
materiais e o espaço físico sofrível que oferecemos como instituição federal. O professor bem
instrumentalizado vai atuar também com competência em situações de conflito e nas que
requerem preparo pedagógico, tomando decisões acertadas.
Em nosso entendimento, para trabalhar com o ensino coletivo é preciso ter como requisito
básico as seguintes crenças:
a) Acreditar que todos podem aprender
Deixar de lado os conceitos de que somente pessoas com “talento” podem aprender a tocar
e acreditar que todos aprendem, a seu tempo e ritmo. Que nem todos serão instrumentistas
profissionais, mas que deverão sair apreciadores e ouvintes conscientes, e sobretudo passarem
horas agradáveis na instituição.
b) Acreditar que uns aprendem com os outros
Da mesma forma que aprendemos a falar, andar, comer e a nos portar socialmente, é
possível aprender com os pares pela observação do outro, auto-observação, avaliação e

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RELATO DE EXPERIÊNCIA

autoavaliação. Este comportamento e ações para promovê-lo devem fazer parte das aulas. O
professor não é mais o único detentor do saber, e os estudantes podem e devem contribuir
para o aprendizado dos colegas.
c) Conhecer as possibilidades e limites de um curso de iniciação musical.
Cada estágio de aprendizagem tem um limite, é preciso determinar uma meta e o caminho
para alcançá-la e compreender que se deve ater aos objetivos propostos inicialmente. A EMUS
não pode se propor a resolver o problema da ausência de música nas escolas, apenas faz a sua
parte. Não temos espaço físico nem pessoal treinado para atender a todas as especialidades
que nos são requeridas (flamenco, harmonia e improvisação avançada, algumas pessoas com
deficiência, horários norturnos).
d) Planejar as aulas
Aulas planejadas têm mais chances de sucesso. Escolher o repertório de e em acordo com
o grupo, escrever sequências de atividades, planejar avaliações e anotar os resultados obtidos
vão ajudar a formar um repertório de possibilidades para as situações de classe.
O professor de aulas coletivas não tem horário vago! Se todos os alunos faltam à aula, está
acontecendo algum problema que deverá ser relatado ao coordenador. Se nenhum dos alunos
estuda, as causas devem ser investigadas. Se todos se comportam mal, deve-se estar atento
para os fatos que causam comportamentos anômalos.
A formação continuada do professor de ensino coletivo deve estar centrada em três
pilares: instrumental, pedagógico e psicossocial. O professor precisa tocar com desenvoltura o
repertório que irá ensinar. Os estudantes percebem rapidamente quando não existe domínio
técnico e interpretativo. Neste caso, como não se trata de tutoria entre iguais, o estudante
tende a pensar que está sendo enganado.

7 CONCLUSÃO

A parte pedagógica de leituras e discussões acerca de ensino e aprendizagem de música


para diversas faixas etárias é de fundamental importância para o professo-estagiário. Um curso
pode ter um espaço físico invejável, instrumentos e materiais adequados e, mesmo assim,
carecer de formação para sua equipe. Se acrescida formação profissional aos itens materiais,
muitos dos problemas poderão ser minimizados. Acredito que uma direção administrativa
consciente deva pensar o curso no qual a população de docentes e discentes está em contínuo
fluxo, de forma dinâmica e mutante.

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92 REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, v.I, n.II, p. 83-93 , novembro, 2010.
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REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

GUIA, Rosa dos Mares e CAVALIERI, Cecilia. Jogos pedagógicos para a educação musical. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2005.

PARIZZI, Beatriz e SANTIAGO, Patricia Furst. Pianobrincando. Belo Horizonte: s/e, 1998.

SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. Tradução de Alda Oliveira e Cristina


Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003.

TOURINHO, Cristina. Ensino de violão: influência da motivação na aprendizagem do repertório de


interesse do aluno. Disponível em <www.ictus.ufba.br>. Acesso em 07 nov. 2010.

TOURINHO, Cristina. Ensino coletivo de violão: proposta para disposição física dos estudantes em
classe e atividades correlatas. Disponível em </www.artenaescola.com.br/pesquise_artigos.php:.
Acesso em 31 jan. 2008.

CRISTINA TOURINHO, Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização 93

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