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Introdução.
1
CRIMES against Humanity and Civilization – The Genocide of the Armenians. Brookline: Facing History
and Ourselves, 2004. Resource Book; CHARNY, I. W. Innocent denials of know genocides: a further
contribution to a psychology of denial of genocide. Human Rights Review, vol. 1, n. 3, p. 15-39,
abril/junho de 2002; _____. A classification of denial of the Holocaust and other genocides. Journal of
Genocide Research, vol. 5, n.1, p. 11-31, 2003;______; FROMER, Daphna. Denying the Armenian
Genocide: patterns of thinking as defence-mechanism. Patterns of Prejudice, vol. 32, n.1, 1998, pp. 39-
49; CHURCHILL, W. Denials of the Holocaust. In: CHARNY, I. (Org). Encyclopedia of Genocide. Vol I. Santa
Bárbara: Abc-Clio, 1999, p. 167-174. SMITH, R. Denial of the Armenian Genocide. In: CHARNY, I.
Encyclopedia of Genocide. Vol. 1. Santa Barbara: ABC-Clio, 1999, pp. 161-165; DADRIAN, Vahakn. The
Key Elements int the Turkish Denial of The Armenian Genocide. Cambridge: The Zoryan Institute for
Contemporary Armenian Research and Documentation, 1999; HOVANNISIAN, R. (Org.). Looking
backward, moving forward: confronting the Armenian genocide. New Brunswick: Transaction Books,
231-262; ______ (Org.) The Armenian Genocide. History, Politics, Ethics. Londres: Macmillan, 1992;
______. (Org.) Remembrance and Denial: The case of the Armenian Genocide. Detroit: Wayne State
University Press, 1999. ______. Denial: The Armenian Genocide as a prototype. In: ROTH, J.K.;
MAXWELL, E.; LEVY, M.; WHITWORTH, W. (Orgs.). Remembering for the future. The Holocaust in an Age
of Genocide. Vol. 1. Nova York: Palgrave, 2001, pp. 796-812.
2
DIXON, Jennifer M. Dark Pasts: Changing the State’s Story in Turkey and in Japan. Ithaca: Cornel
University Press, 2018.
Um dos principais proponentes desse que chamei de primeiro modelo
interpretativo sobre a negação do Genocídio Armênio é o historiador Richard G.
Hovannisian. É dele a tese de que a negação do Genocídio Armênio é um modelo, um
protótipo da negação. Para ele, este caso particular, por sua natureza extremamente
institucionalizada, teria se transformado numa espécie matriz discursiva e programática
replicável a qualquer caso, como se da negação do Genocídio Armênio tivessem
derivado tanto as estratégias retóricas produtoras da fraude histórica, quanto seus fins
gerais: enganar e confundir3.
3
HOVANNISIAN, 2001.
4
DIXON, 2018.
5
C.f. exemplo: FRESCO, N. Les redresseurs de morts. Chambres à gaz: la bonne nouvelle. Comment on
révise l’histoire. Les Temps Moderns, n. 407, Jun. de 1980; ______. Les “revisionists negateurs de la
Shoah. Anti-Rev [Online]. Disponível em < http://www.anti-rev.org/textes/Fresco90a/> , acessado pela
última vez em 25/10/2018; ______. Rassiner, Paul. In: Maiton, J. (Org.). Dictionaire biografphique du
mouvement ouvrier français. Paris: Les Édtions Ouvrières, 1991; VIDAL-NAQUET, P. Os assassinos da
Memória: Um Eichmann de Papel e outros ensaios sobre o revisionismo. Campinas: Papirus, 1988.
A segunda interpretação é o resultado de um tipo de análise um tanto
diferente, mas que produz um resultado semelhantemente inverso. Aqui a negação
aparece como uma das variedades tipológicas dos conteúdos possíveis de uma narrativa
oficial posterior sobre eventos críticos. É em relação a um universo múltiplo de
conteúdos que ela é analisada como uma variante. Ao contrário da primeira
interpretação da negação, que inclui em sua definição as suas diferentes formas
discursivas (a relativização, a mitificação, a banalização, o silêncio etc.), aqui a negação
só toma forma através da negativa categórica – ela só pode ser expressa pelo “não
aconteceu”. Desse modo, em diversas conjunturas, ela pode ser sobreposta ou
atravessada por outros conteúdos. Ela é uma das formas possíveis de se dar sentido ao
passado – por meio de mentiras, é verdade, mas ainda assim: uma explicação. E uma
explicação oficial, de Estado com “e” maiúsculo6.
6
Dixon fornece uma escala que organiza os conteúdos possíveis dos discursos pós-genocídio em dois
grupos que seguem. Um deles é o grupo (A) dos conteúdos descritivos, em que se sucedem negação,
mitificação, reconhecimento do evento, pelo reconhecimento do dano/declaração de arrependimento,
pela admissão da responsabilidade. O outro é grupo (B) dos conteúdos reparadores, que incluem a
desculpa, a reparação e a comemoração. C.f. Dixon, 2018, p. 14-19.
7
C.f., por exemplo, HOVANISSIAN, 2001.
8
DIXON, pp. 21-31
Na primeira, é “o Estado” turco quem sujeita unilateralmente a negação e os negadores.
A negação seria produto do “Estado” onde quer que fosse e quer como fosse. Diferente
da falsificação que dá corpo à negação e que, por isso mesmo, precisa ser demonstrada e
explicada, sua relação unilateral com o estado é geralmente construída como um dado
previamente construído e em algum grau evidente9.
Na primeira versão, ainda que a falsificação que realiza a negação não seja
auto-evidente e precise ser demonstrado, sobretudo por seu caráter institucionalizado, o
lugar do Estado é o mesmo, sempre: ele é um dado. Do mesmo modo, mas por outros
caminhos, a segunda intepretação realiza uma homologia entre “o Estado” e “as
Agências de Estado”, “o Estado” e “os burocratas”, “o Estado” e “os intelectuais”, “O
Estado” e “a narrativa oficial”, “o Estado e as normas internacionais” etc.11
Em algum grau, e de seu próprio modo, esse mesmo problema está presente
em algumas interpretações sobre a negação do Holocausto. Refiro-me a três e
importantes exemplares dessa interpretação, que, afinal, variam em relação aos seus
conteúdos, mas são invariantes no seu núcleo: a negação, uma versão atualizada do
antissemitismo, é uma atualização do Holocausto. Primeiro, faço menção ao modelo
abstrato e funcionalista de Israel Charny, que define e explica a complexidade
tipológica, as causas e os efeitos da negação em termos de seus fins mais ou menos
inconscientes e que, por sua vez, culminam na definição da negação como atualização
simbólica do crime original. Segundo, a interpretação histórica de Deborah Lipstadt,
para quem a negação consiste no ato de falsificação da história e no uso ideológico da
falsificação: uma forma do antissemitismo, que busca se apresentar legitimamente por
meio de conteúdos e referencias falsos. Terceiro, à lista de histórias de vidas oferecida
por Stephen Atkins para demonstrar que a negação do Holocausto seria, como
falsificação e forma atualizada do antissemitismo, um movimento internacional13.
13
CHARNY, 1998, 2002, 2003; LIPSTADT, D. Denying the Holocaust: the growing assault on truth and
memory. Nova York: Plume, 1993; _______. History on Trial: my day in court with a Holocaust denier.
Nova York: Harper & Collins, 2004; ATKINS, S. Holocaust Denial as an International Movement.
Westport: Praeger, 2009.
14
CHARNY, 2002, 2003.
15
C.f., por exemplo, LIPSTADT, 1993, pp. 107-125.
16
ATKINS, 2003.
O potencial generalizável do modelo de Charny, baseado na relação causal
entre intenções individuais, hábitos mentais, gradientes e tipos de negação, depende dos
seguintes pressupostos: a) de que a negação possa acontecer em diversos terrenos ou por
indivíduos com motivações e fins diferentes; e b) que essas motivações possam ser
deduzidas onde quer que elas se materializem. Nas interpretações de Lipstadt e de
Atkins, o contrário é verdadeiro: o princípio e o fim da negação são sempre ideológicos,
o que quer que isso signifique em termos de adesão política. Em todos os casos, a
negação parece acontecer em um vazio social. Para ser mais exato, ainda que Charny
suponha a ocorrência da negação em diferentes espaços, de diferentes formas e segundo
diferentes fins, e que Lipstadt e Atkins a definam como algo imanente à extrema-direita
do pós-guerra, ficamos sem saber que espaços são esses e que extrema-direita é essa.
Este trabalho não tem o objetivo de questionar outra vez a falsidade do texto
negacionista, nem no caso do genocídio Armênio, nem no caso do Holocausto. Não se
trata também de suspender os lugares e os papeis da Turquia, para um caso, e da
extrema-direita do pós-guerra, para outro. Nessa parte do trabalho, e para os fins deste
exame de qualificação, trata-se, antes, formular e oferecer respostas a essas questões ou
a essas vagas que identifiquei entre essas interpretações.
17
URAS, Esat. Tarihte Ermeniler ve Ermeni meselesi. Ankara: Yeni Matbaa; Belge, 1951 (1987); ______.
The Armenians in History and the History of the Armenian Question. Ankara: Documentary Publications,
1988. Trad. Süheyla Artemel. A segunda edição, matriz da tradução para o inglês, é uma edição
estendida. Ela conta com uma introdução, com um prefácio do autor e com o texto original e/ou
traduzido para o inglês. A versão do texto transformada em fonte para esta pesquisa é uma edição
digitalizada da tradução para o inglês, que mantêm a estrutura da segunda edição. Entretanto, ela não
contém a introdução que, ao que tudo indica, enquadra o conteúdo do livro em uma história do que
seria o terrorismo armênio. Em fichas catalográficas de bibliotecas que contém as versões físicas dos
livros e em resenhas, a introdução da segunda edição e da tradução é creditada a Cengiz Kürşat. C.f, por
exemplo: CATALOG. Item DS175 .U713. Library of Congress [Online]. Disponível em <
https://catalog.loc.gov/vwebv/holdingsInfo?
searchId=17848&recCount=25&recPointer=2&bibId=3420380>, acessado pela última vez em
14/02/2021; JOSIAH. Item DS175 .U713. Brown University Library Catalog [Online]. Disponível em <
http://josiah.brown.edu/search~S7/o?SEARCH=ocm21597807>; WALKER, Christopher J. The Armenians
in History and the Armenian Question. By Esat Uras. An English translation of the revised and expanded
second edition, pp. Xiv-1048. Ankara, Documentary Publications, 1988. Journal of the Royal Asiatic
Society of Great Britain and Ireland, n.122, vol. 1, 1990, pp. 165-170. Resenha; SONYEL, Salahi R. The
Armenians in History and the Armenian Question. Journal of Islamic Studies, vol 1, pp. 174-176, 1990.
Resenha.
18
A pesquisa encontrou poucos dados biográficos sobre Duran. Sabe-se que ela se graduou e doutorou-
se em História Pela Univesidade de Istambul entre os anos 1960 e 1970; que ela professora assistente na
mesma universidade até meados dos anos 1980, quando foi trabalhar no Ministério da Cultura e do
Turismo. Sabe-se ainda que ela é professora aposentada do Departamento de História da Universidade
de Bogazici. Além disso, desde 1993 ela dirige uma organização nacionalista turcomenistã, a Fundação
Ayaz Tahir Turkistan, por meio da qual produz e participa de conferências sobre temas históricos
diversos e, entre outros programas educacionais, se dedica a financiar pesquisas e estudos em nível
graduação e pós-graduação através da concessão de bolsas de estudo. Em um artigo reproduzido em
um portal de notícias nacionalista, Duran fala sobre sua carreira. O artigo foi reproduzido junto à notícia
de protestos pela remoção de um busto de seu orientador instalado em uma universidade russa. Esse
professor teria sido uma espécie de tutor de Duran. c.f.: HABERINIZ. Ord. Prof. Dr. Zeki Velidi Togan’ın
büstünün kaldırılmasına yönelik protestolar devam ediyor. [Online] Haberiniz, 08/02/2021. Disponível
em < https://haberiniz.com.tr/dunya/ord-prof-dr-zeki-velidi-toganin-bustunun-kaldirilmasina-yonelik-
protestolar-devam-ediyor-08022021>; acessado pela última vez em 10/02/2021; esse mesmo portal
noticia uma de suas atividades na Fundação Ayaz Tahir Turkistan, c.f: KURBAN, Roza. Millet Anaları.
[Online] Haberiniz, 13/12/2019. Disponível em < https://haberiniz.com.tr/kose-yazilari/millet-analari-
13122019>, acessado pela última vez em 10/02/2021. Um outro portal nacionalista notícia a ocasião em
que Duran recebeu da direção do Rotary Clube um prêmio por reconhecimento profissional. C.f.:
TOPPRAKAYA, Kadir. Tülay Duran ve Sedat Öztoprak’a Rotary Üstün Hizmet Ödülü. [Online] Anadolu
Yakasi, 02/03/2016. Disponível em <https://www.anadoluyakasi.net/tulay-duran-ve-sedat-oztopraka-
rotary-ustun-hizmet-odulu/> , acessado pela última vez em em 10/02/2021.
Centro de Pesquisa de Istambul, órgãos do Ministério da Cultura e do Turismo da
República da Turquia (MCT)19.
19
C.f. Uras, 1988, p. 1-5.
20
Süheyla Artemel graduou-se pelo Departamento de Língua e Literatura Inglesa da Universidade de
Istambul e obteve seu doutorado pela Universidade Durhan, na Inglaterra, em 1966. Logo após o
doutoramento, Artemel ingressou como professora na Universidade de Bogazici, de onde se aposentou
em 1997. Desde o período de formação, ela travou e manteve contatos com círculos de intelectuais
nacionalistas turcos. Depois de sua aposentadoria, ela passou a integrar o quadro da Universidade
Yeditepe, uma instituição fundada e gerenciada por meio de uma fundação privada. Praticamente todos
os cursos em Yeditepe são oferecidos em Inglês. Seu moto reproduz o nacionalismo kemalista,
informado por valores seculares e modernizantes; por meio dele, a universidade é identificada como “a
Universidade que continua o renascimento de Ataturk”. Artemel fundou e foi chefe o Departamento de
Língua e Literatura Inglesa e foi diretora da Faculdade de Artes e Ciências da instituição. Depois de sua
morte, ela foi homenageada com uma série de conferências que leva seu nome. C.f. obituário escrito
por Martin Vialon, professor da Universidade de Yeditepe, publicado no sítio eletrônico do jornal diário
BirGün: VIALON, Martin. Süheyla Artemel, bir Türk hümanisti gitti. BirGun, 12/05/2018. Disponível em <
https://www.birgun.net/haber/suheyla-artemel-bir-turk-humanisti-gitti-215572?>, acessado pela última
vez em 12/10/2020 [tradução: Google Tradutor]. Em 2018, professoras e um doutorando da
Universidade de Bogazici organizaram Festschrift em homenagem à Artemel. A coletânea foi publicada
em uma edição bilíngue pela editora da Universidade. C.f.: BURÇOGLU, Nedret Kuran; TEKINAY, Asli;
YAZICIOGLU, Ozlem O; SARIAKA, Cafer (Orgs.). Profesör Süheyla Artemel' e Armağan; Tribute to
Professor Suheyla Artemel. Istambul: Boğaziçi Üniversitesi Matbaasında Basılmıştır, 2019.
21
Me refiro à coleção Ottoman Empire in Drawnings, publica em cinco volumes entre 1985 e 1988. C.f.:
MINISTRY of Culture and Tourism. Ottoman Empire in Drawings. Ankara; Istambul: Historical Research
Foundation; Istanbul Research Center, 1985; 1988. [ 5 Volumes]. Trad.: Süheyla Artemel.
22
C.f., por exemplo: DURAN, Tuley. Padisah Portreleri: Portraits of Ottoman Empire’s Sultans. Istambul:
The Historical Research Foundation, 1999. Vol 1. _______. (Ed.) The Ottoman Empire in the Reign of
Suleyman the Magnificent. Istambul: The Historical Research Foundation, 1988; ______.
C.f. também: HAZAI, Gyorgy. (Org.). Archivum Ottomanicum XIII (1993-1994). Vol. 13. Wiesbaden:
Harrassowitz, 1994, p. 119.
Quando Duran e Artemel trabalharam na segunda edição e na tradução de
The Armenians in History..., o autor do livro original já havia falecido há pelo menos 30
anos. Tarihte Ermelier... foi um produto tardio da carreira de Uras, que era um
destacado burocrata e político turco.
23
C.f.: FOSS, Clive. The Turkish View of Armenian History: a vanishing Nation. In: HOVANNISIAN, Richard
G. (Org.). The Armenian Genocide: History, Politics. Londres: MacMillan, 1992, p. 258, Cap. 11;
BLOXHAM, Donald. The Great Game of Genocide: Imperialism, Nationalism, and the Destruction of the
Ottoman Armenians. Nova York: Oxford University Press, 2005, p. 213; SUNY, Roald Grigor. Writing the
Genocide: The Fate of the Ottoman Armenians. In: SUNY, R.G.; GOÇEK, Fatma Muge; NAIMARK, Norman
M. A question of Genocide: Armenians and Turks at the end of the Ottoman Empire. Nova York: Oxford
University Press, 2011, p. 21; GOÇEK, F.M. Reading the Genocide: Turkish Historiography on 1915. In:
Idem, pp. 47-49. UNGOR, Ugur Umit. Turkey for the Turks: Demographic Engineering in Eastern Anatolia
1914-1945. In: Ibdem, p. 296; MAMIGONIAN, Marc A. Academic Denial of the Armenian Genocide in
American Scholarship: Denialism as Manufactured Controversy. Genocide Stduies International, n. 9, vol.
1, 2015, pp. 61-82; KALIGIAN, Dirkan. Anatomy of Denial: Manipulating Sources and Manufacturing a
Rebellion. Genocide Studies International, n. 8, vol. 2, 2014, pp. 208-223. GURPINAR, Dogan. The
Manufacturing of denial: the making of the Turkish ‘official thesis’ on the Armenian Genocide Between
1974 and 1990. Journal of Balkan and Near Eeastern Studies, vol. 18, n. 3, 2016, pp. 217-240.
24
Idem.
espécie de quinta-colunismo de grupos nacionalistas conspirados com o Império Russo
contra o governo o governo do CUP e o Império Otomano25.
Na primeira parte, Uras apresentou uma história das formas pelas quais “os
armênios” apareceram na história. Ele fez isso listando uma série de historiadores e
sumarizando uma série de histórias, das quais produziu dados sobre a geografia, sobre a
população, sobre as crenças, sobre a cultura e sobre a política armênia entre a
antiguidade e o período pré-otomano28. Os historiadores que ele listou seriam cronistas,
bardos e/ou membros do clero que teriam criados narrativas mitológicas sobre a
Armênia e os armênios entre os séculos II a.C e XII d.C, além de orientalistas europeus
que atuaram entre os séculos XVII e XIX resgatando tais mitos. Segundo Uras, os
primeiros seriam falsários e/ou ingênuos, enquanto os segundos teriam reproduzido suas
mentiras segundo os interesses das potências a que serviam.
Uras fez isso para mostrar que “os armênios” seriam uma unidade singular e
negativa, sobretudo em relação “a(os) turcos”. “Os armênios” não teriam uma história,
25
UNGOR, 2011, p. 296; GURPINAR, 2016, p. 219-220.
26
C.f.: KALIGMAN, 2014, p. 210; GURPINAR, 2016, p. 219.
27
Refiro-me a URAS, 1988, em que as partes têm a seguinte paginação: Parte I, pp. 225-366; Parte II,
pp.369-668; Parte III, pp. 671-829; Parte IV, pp. 833-1028. Esta edição conta ainda com uma longa
introdução em que se apresenta uma história do que seria o terrorismo armênio. A edição digital
transformada em fonte para esta pesquisa foi acessada por meio de um repositório digital do
Departamento de História da Universidade de Louisville, Kentucky – EUA. Ela é composta pelo prefácio
do autor e pelo texto traduzido de URAS, 1987, sem a introdução que é creditada a em fichas
catalográficas de bibliotecas que contém a versão física e integral da edição, é . Dessa forma, o livro
pode ser acessado em < http://louisville.edu/a-s/history/turks/the_armenians_in_history.pdf>. Por
limitações linguísticas e por adequação ao problema, apenas a tradução é fonte desta pesquisa.
28
não teriam um território originário e, portanto, não poderiam formar uma nação. A
história que “eles” afirmariam ter seria uma falsificação, uma coleção de mitos pagãos,
pérsios e católicos; eles seriam um povo errante, sem uma cultura, sem uma raça, sem
uma língua e sem uma população concentrada e que os distinguisse. “A história” “d(os)
armênios”, segundo Uras, teria sido desde sempre a história de objetos de dominação,
nunca a de sujeitos autônomos de um destino.
No livro de Uras, é essa visão que fundamenta a explicação das origens, dos
desenvolvimentos e das consequências da “Questão Armênia”, como ficou conhecido o
conjunto das demandas por autonomia no contexto das reformas modernizantes e
centralizadoras do Império Otomano e do envolvimento de potências europeias nesse
processo, entre meados e finais do século XIX e o fim do império. A história da
chamada “Questão Armênia” ocupa as quatro e mais substantivas partes subsequentes
do livro. Elas são compostas, sobretudo, por transcrições de documentos (textos legais,
correspondência diplomática, documentos administrativos etc.) do Império Otomano,
que são inseridos e dão sentido a uma cadeia de desenvolvimentos. Nessas partes, esses
documentos são dispostos como se fossem autossuficientes na descrição dos eventos,
cabendo ao autor, na maioria dos casos, apenas observações contextuais.
Não há indícios de que Uras tenha sido comissionado para produzir esse
material. Ele certamente era portador de títulos que o autorizavam à empreitada, como o
fato de ele ter sido um conhecedor da língua armênia, de ele ter participado da execução
do genocídio como alto burocrata do império, ou de ele ter sido um nacionalista. Mas
talvez esses títulos não pesem mais sobre as circunstâncias de produção do livro do que
a posição de Uras na Sociedade Histórica Turca e seu diploma de cientista político.
Com essa ruptura simbólica, membros das elites otomanas ligadas ao CUP
puderam ser incorporados ao novo regime, como, aliás, mais uma vez, foi o caso de
Uras. Também por meio dessa ruptura, pelo menos até meados de 1930, o passado
otomano deixou de existir, e, com ele, o dos armênios e de outras minorias. Eles só
voltariam a aparecer depois da morte de Ataturk, quando começou a haver algum
interesse pela história do império e essa história passou a ser também uma história
nacional, uma história turca, dos turcos – uma história da qual o livro de Uras é um
exemplar. De todo modo, os anos 1915-16 não existiam nessa história como o massacre
e deportação forçada das populações armênias do território otomano.
Os massacres e as deportações de armênios foram muito denunciados enquanto
aconteciam. Veículos de imprensa ocidentais noticiaram as violações. Representantes
dos serviços internacionais dos países Aliados notificaram o Império Otomano
publicamente por “crime contra a humanidade e à civilização”, em 1915, quando a
categoria jurídica de crimes contra a humanidade ainda não existia como tal. O então
embaixador Henry Morguenthau, que foi chefe do serviço internacional estadunidense
no império, relatou extensivamente as violações. Arnold Toynbee, famoso historiador e
membro do parlamento do Reino Unido, documentou e acusou internacionalmente os
crimes dos membros do CUP. Durante os tratados e acordos do pós-guerra, em Paris,
em Versailles, em Sèvres ou em Lousanne, os crimes foram amplamente denunciados.
Estima-se que o livro de Uras tenha sido uma resposta às demandas soviéticas
por territórios entre a Anatólia e a Transcaucásia. Desde 1936, era da Turquia o controle
da navegação no Mar Morto e do tráfego marítimo pelo estreito de Bósforo. Um tratado
multilateral, a Convenção de Montreux sobre o Regime dos Estreitos, regulava a
situação. Países bálticos, França, Reino Unido, Turquia e União Soviética eram
signatários da Convenção. Em 1946, quando venceu o Tratado de Amizade e
Neutralidade celebrado entre Turquia e URSS em 1925, o governo soviético impôs
como condição para sua renovação a concessão de territórios da Anatólia que teriam
pertencido à Geórgia e à Armênia. Esses territórios permitiriam à União Soviética
acesso ao Mar Morto e ao Mediterrâneo, além da alocação de armênios da diáspora que
haviam imigrado para a Armênia Soviética.
Um caso que talvez seja a exceção que confirma a regra é o livro de Raphael
Lemkin, Axis Rule in Occuppied Europe,
De modo que, quando a convenção das Nações Unidas que definia e tornava o
genocídio objeto da justiça internacional, a Turquia foi uma das primeira a assinar.
Entretanto, não parece ser esse o caso, ainda que os temas da insurreição e
da conspiração sejam recorrentes e ainda que, em ambos os casos, a visão “d(os)
armênios” como um unidade singular e negativa seja informada por um princípio
nacionalista e particularista.