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MINISTÉRIO DA SAÚDE
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SÉRGIO AROUCA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
CHERYL GOUVEIA
Rio de Janeiro
2006
2
CHERYL GOUVEIA
Monografia apresentada à
Escola Nacional de Saúde
Pública Sérgio Arouca como
requisito parcial para
obtenção do título de
Especialista em Saúde Pública
ORIENTADORES:
JOSÉ WELLINGTON GOMES ARAÚJO
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – FIOCUZ
Rio de Janeiro
2006
3
CHERYL GOUVEIA
Monografia apresentada à
Escola Nacional de Saúde
Pública Sérgio Arouca como
requisito parcial para
obtenção do título de
Especialista em Saúde Pública
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
José Wellington Gomes Araújo
Orientador
___________________________________________________________
Guido Antônio E. S. Palmeira
Avaliador
___________________________________________________________
Célia Regina de Andrade
Avaliador
4
AGRADECIMENTOS
A meus pais, por todo o amor, pelo enorme esforço realizado, sem o que certamente eu não
completaria mais essa etapa da minha vida.
A minha orientadora, Dra. Elizabeth Ferreira Rangel, pelo valioso incentivo profissional e pela
amizade, por estar presente em todos os momentos, bons e ruins, sempre com palavras de
encorajamento e força perante os obstáculos.
Ao meu orientador, Dr. José Wellington Gomes Araújo, por todo apoio e dedicação, pelas longas
conversas, e por ter me encorajado a caminhar pelos campos da educação popular em saúde.
À Ângela Lúcia de Carvalho, Ester Lucia G. Silva e Simone Tavares Marujo, Secretárias do
Departamento de Entomologia, Instituto Oswaldo Cruz, pela amizade e disposição em ajudar.
A Guilherme Carvalho, pelo envolvimento na realização deste trabalho, por todo carinho e
serenidade tão importantes nos momentos de dificuldade, pela descontração e pelo amor.
A meus amigos de turma, por tudo; justa e simplesmente por terem sido, antes de mais nada,
verdadeiramente amigos.
7
SUMÁRIO
Página
Resumo .................................................................................................................................. 9
Introdução ............................................................................................................................ 10
As Leishmanioses ................................................................................................................. 12
A Situação no Rio de Janeiro .............................................................................................. 15
Indicadores Entomológicos ................................................................................................. 18
Educação Popular em Saúde ............................................................................................... 20
Colônia Juliano Moreira: Um Breve Histórico ................................................................. 24
Objetivos
Objetivo Geral ............................................................................................................ 28
Objetivos Específicos ................................................................................................. 28
Metodologia
Unidade de Trabalho .................................................................................................. 29
Indicadores Entomológicos: identificação da presença do vetor, sua densidade e
abundância ............................................................................................................................. 30
Entrevistas: percepção acerca da LTA ....................................................................... 31
Educação em Saúde: elaboração do material educativo ............................................. 31
Resultados
Indicadores Entomológicos
Identificação da Presença do Vetor ............................................................................ 32
Densidade dos Vetores ............................................................................................... 33
Abundância Relativa dos Vetores .............................................................................. 33
Entrevistas: percepção acerca da LTA ............................................................................. 34
Educação em Saúde: elaboração do material educativo .................................................. 39
Discussão e Conclusões ........................................................................................................ 41
Referências Bibliográficas ................................................................................................... 49
Anexos
Anexo A – Croqui da Comunidade ................................................................................. 58
Anexo B – Roteiro para Entrevistas ................................................................................ 60
Anexo C – Cartilha .......................................................................................................... 64
9
RESUMO
Moreira, Campus Fiocruz da Mata Atlântica, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro / RJ, com o objetivo
do ciclo de transmissão de LTA numa determinada área, assim como a percepção da mesma pela
população local, são aspectos fundamentais para a implantação e sucesso das medidas de
entomológicos associados aos estudos de percepção social foram realizados na comunidade, por
um período de doze meses consecutivos. A partir das pesquisas entomológicas foi possível
avaliar a presença do vetor nas estações trabalhadas, sua densidade e abundância relativa. Foram
se encontram no que se refere aos fatores de transmissão. Com base nas informações obtidas, foi
elaborada uma cartilha ilustrada objetivando, em linguagem popular, esclarecer dúvidas e orientar
da adoção de ações de educação em saúde, associadas a noções de manejo ambiental, como uma
Introdução
Americana (LTA) foi considerada pela Organização Mundial de Saúde a segunda enfermidade de
importância em Saúde Pública causada por protozoário, sendo a primeira a malária (Camargo-
Neves, 1999). Nas Américas, estima-se que, de cada 4 a 5 casos sucedidos em um ano, somente 1
Nos últimos dois anos, o Ministério da Saúde registrou uma média de 35 mil novos casos
de LTA no Brasil (Costa, 2005). Além do fato da LTA apresentar uma grande incidência, as
lesões cutâneas provocadas por sua manifestação clínica podem acarretar infecções secundárias e,
capacidade produtiva do indivíduo, havendo reflexos, portanto, nos campos social e econômico.
Imunodeficiência Adquirida (AIDS), aumentando seu grau de impacto nas populações (WHO,
1994).
pelas Secretarias Estaduais de Saúde, deverão, segundo a orientação do Programa Nacional das
básica para atendimento ao paciente e instituir as ações de combate ao vetor. A indicação das
atividades voltadas para o controle vetorial, vai depender essencialmente das características
A LTA na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro tem se caracterizado pela presença de
surtos epidêmicos, restritos, articulados e circunscritos a algumas áreas (Kawa, 2003). Desde o
ano de 1974, quando ocorreu a primeira epidemia de LTA no bairro de Jacarepaguá, o ciclo de
transmissão da doença vem se mantendo próximo às vertentes do maciço da Pedra Branca (Kawa
Uma preocupação constante dos moradores da antiga Colônia Juliano Moreira, localizada
neste bairro (junto as vertentes deste maciço), é a grande ocorrência da doença. A maioria das
famílias moradoras do local já teve pelo menos uma pessoa com LTA. Na Comunidade do
Caminho da Cachoeira, 73% dos moradores indicou a LTA como o principal problema de saúde
problemas, tanto de saúde da família como de saúde coletiva, mais relevantes da localidade.
transmissão de LTA numa determinada área, assim como a percepção da mesma pela população
que devem considerar a educação popular em saúde e o manejo ambiental como propostas
Caminho da Cachoeira.
12
As Leishmanioses:
Duncan, 1994).
federadas. Nos últimos 20 anos sua incidência tem aumentado, em praticamente todos os Estados
e, nesse período, houve um crescente processo de instalação das leishmanioses nas áreas urbanas
e periurbanas (Rangel, 1995). Surtos epidêmicos têm ocorrido nas regiões Sudeste, Centro-Oeste,
pessoa acometida pode vir a óbito se o diagnóstico não se der a tempo hábil para iniciar o
tratamento.
acometido. As lesões cutâneas são profundas e apresentam bordas elevadas, havendo grande
destruição tecidual ou até mesmo mutilações. Após o tratamento, ocorre a formação de uma
cicatriz, que gera o fator estigmatizante da enfermidade. Podem ocorrer recidivas caso o
No Brasil, a leishmaniose visceral é causada pela Leishmania (L.) infantum chagasi, seu
vetor principal é Lutzomyia longipalpis, espécie altamente adaptada ao ambiente urbano, e seus
principais espécies de leishmânias capazes de causar LTA são: Leishmania (V.) braziliensis, L.
(V.) guyanensis e L. (L.) amazonensis sendo mais raro o adoecimento por L. (V.) lainsoni, L. (V.)
naiffi, L. (V.) shawi e L. (V.) lindemberg. Estas apresentam cerca de 12 espécies de flebotomíneos
resposta terapêutica.
carboidratos, que podem ser secreção de afídeos ou seivas de plantas. O embaraço em estabelecer
medidas de controle vetorial voltadas para os estágios imaturos desses insetos está no fato do seu
ciclo biológico ocorrer, quase que inteiramente (de ovo a pupa), no solo (em matéria orgânica), o
(SVS/MS, 2006).
ocupacionais, acometendo principalmente o homem que tem a mata como seu local de trabalho
carentes na busca de qualidade de vida, fato tão evidente em países subdesenvolvidos), com a
epidemiológico da LTA, cada vez mais emergente, onde a vigilância epidemiológica apresenta
grandes centros urbanos contraria a expectativa de que com a pressão antrópica os focos naturais
primeiro registro de LTA na cidade do Rio de Janeiro ocorreu em 1913 (Rabelo, 1913) e já em
1922 (Aragão, 1922) ocorreu sua primeira epidemia, na região de Santa Tereza e Cosme Velho.
No decorrer dos anos, vários focos de LTA foram descritos, tanto associados a áreas de
colonização antiga quanto ligados a áreas de desmatamentos recentes. Até que, mais tarde, em
1974 (FIOCRUZ, 1974), ocorreu uma epidemia de LTA em Jacarepaguá, atingindo localidades
situadas nas várzeas e encostas do maciço da Pedra Branca, e, desde então, pode-se observar que
as localidades onde a doença se manteve estão situadas próximas às vertentes desse maciço. Entre
1985 e 1988, 20.8% dos casos de LTA no Rio de Janeiro situava-se em Jacarepaguá (Kawa &
Sabroza, 2002).
processo de sua urbanização, aparecendo de maneira temporal, esparsa e localizada (Kawa &
primária decorrente deste processo, o que favorece uma maior interação homem / vetor. A
populações de baixa renda, é um fator social que contribui para o aumento e manutenção do ciclo
epidemiologia comum aos ciclos silvestre e rural (Sabroza, 1981). No Rio de Janeiro, a distinção
por sexo não é muito marcante, havendo uma incidência discretamente maior nos homens.
Quanto à idade, pode-se observar uma maior ocorrência nas quatro primeiras décadas de vida,
havendo um maior percentual em indivíduos entre 20 e 40 anos. Ocorre ainda, nos indivíduos
ocupacional, ocorre agregação de casos familiares e baixa proporção de formas mucosas, sendo
estas principalmente encontradas em indivíduos com idade mais avançada (Sabroza, 1981;
Oliveira-Neto, 1998).
eram ressaltados pelos autores (Cerqueira & Vasconcelos, 1922; Aragão, 1922; 1927). Os dados
clínicos supracitados vêm corroborar com os dados provenientes de estudos entomológicos mais
Neto et al., 1988; Rangel et al., 1990; Marzochi, 1994; Lucciola et al., 1996).
1921, proveniente de dados de um surto ocorrido em Águas Férreas (Aragão, 1922). Entretanto,
de 1969 a 1974, vários surtos ocorreram em diversos municípios do Estado sem que o vetor
pudesse ser esclarecido. O encontro de altas densidades desta espécie de flebotomíneo durante a
epidemia de 1974 em Jacarepaguá (FIOCRUZ, 1974) e durante o surto de 1979 em Ilha Grande
(Araújo-Filho, 1979), aliado ao achado de sua infecção natural por L. (V.) braziliensis (Rangel et
17
al., 1984) vieram fortalecer seu papel como vetor e esclarecer sua relação com o agente
etiológico da LTA.
Atualmente, são considerados como alguns dos principais vetores de L. (V.) braziliensis
al., 2005). Estas são espécies bastante antropofílicas e altamente adaptadas a áreas de transição,
situadas entre o peridomicílio e a mata, e a áreas alteradas pela ação do homem (Rangel &
Lainson, 2003). Caninos e eqüídeos também apresentam lesões e são apontados como possíveis
O controle da LTA no Estado do Rio de Janeiro se dá, basicamente, por meio de ações
(Oliveira-Neto, 1998). Além disso, pode-se supor que o efeito residual do inseticida utilizado
favorece o vetor, presente no interior das matas cerca de 800 metros das casas (Meneses et al.,
Indicadores Entomológicos:
baixo nível socioeconômico, características comuns de áreas rurais e periferias de grandes centros
urbanos, porém, nos últimos dez anos, vem ocorrendo a urbanização da doença. Surtos
registrados no Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Araçatuba (SP), Santarém (PA),
Campo Grande (MS), Teresina (PI), Natal (RN), São Luís (MA), Fortaleza (CE), Palmas (TO),
entre outros, confirmam sua ocorrência em áreas urbanas, inclusive em capitais de Estados
(SVS/MS, 2003).
Lutzomyia cruzi, esta última registrada apenas em Mato Grosso do Sul. A partir da década de 80,
principalmente nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e em parte da região norte. Nessas, esses
insetos podem ser encontrados no peridomicílio (canil, galinheiro, chiqueiro, paiol, etc.) e no
2003), nas áreas de transmissão de LV, é recomenda a realização de análises periódicas dos
de avaliar a efetividade das medidas de controle empregadas, a fim de adequar tais medidas à
situação local.
gerar indicadores que subsidiem as ações de controle. Os indicadores priorizados pelo Manual
são: índice de setores/localidades positivas, que visa analisar a dispersão do vetor e, com isso, a
extensão do risco de transmissão; abundância relativa do vetor, que torna possível conhecer a
média de flebotomíneos coletados por residência, permitindo uma futura avaliação das medidas
de controle; e, distribuição espacial do vetor, que serve de base para a delimitação da área para o
controle químico.
Este manual preconiza, portanto, que as ações dirigidas contra o vetor passem pela
identificação do local provável de infecção (LPI) e pela verificação da presença do vetor, após o
visceral está no ambiente urbano e que tanto o vetor quanto sua participação no mecanismo de
transmissão estão bem definidos (Lainson & Rangel, 2003), tornou-se factível essa proposta de
pois diante de uma diversidade de ciclos de transmissão envolvendo diversos parasitos, vetores e
hospedeiros (Rangel & Lainson, 2003) em nichos ecológicos tão restritos, as ações de controle do
vetor devem ser direcionadas para diferentes situações e de forma factível. Numa situação de
transmissão domiciliar, pode-se recomendar o controle químico do vetor, porém, na maioria das
vezes, a cadeia de transmissão está instalada próxima às matas, devendo-se então, considerar que
ação integrada.
20
mais discutida, pois, sendo estas caracterizadas por fenômenos coletivos, qualquer medida de
controle implica na cooperação dos envolvidos (Service, 1993). Esta participação era vista como
menos importante quando os programas de controle eram verticais e dirigidos a populações rurais
esparsas, compostas por indivíduos analfabetos e com pouca consciência de direitos políticos
(Dias, 1986).
Nos anos 70, junto com os movimentos sociais emergentes, surge também uma nova
forma de serviço de saúde, onde ocorre a aproximação entre os profissionais de saúde e as classes
populares na tentativa de promover ações locais integradas ao seu grupo social. Surge, então, uma
1998). Esta transformou a participação comunitária em algo de extrema importância, seja por
uma maior consciência democrática ou por reconhecer a incapacidade de realizar tais programas
ainda, no que se refere ao combate de endemias (Dias, 1998). Ainda que ocorra uma certa
divulgação da higiene voltada para populações carentes, esta remete à higiene civilizatória do
século XIX, onde, muitas vezes, a condição social dos eventos sanitários não é abordada de
que tem se ocupado mais diretamente com a criação de vínculos entre a ação médica e o pensar e
Na medida em que cada um sabe dos seus limites, é possível estabelecer uma relação
pedagógica onde o diálogo não é apenas uma estratégia de convencimento, mas a busca de uma
terapêutica mais eficaz por estar inserida na cultura e nas condições materiais do paciente, como
também por estar aberta a outras lógicas de abordagem da doença. Agindo dessa forma, se
contribui tanto na formação de cidadãos mais capazes de gerirem sua saúde, como na superação
convivência entre os profissionais de saúde e os grupos sociais, permitindo que diferentes saberes
buscassem soluções para os problemas coletivos. Para a autora, a ação social seria o ponto de
partida para esse conhecimento, e as informações geradas através do convívio serviriam de fonte
de mobilização social.
abordado deve ser problematizado pelos atores sociais envolvidos, de forma a incluí-los na
formulação das medidas de superação. Esta educação busca o crescimento da análise crítica sobre
a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e enfrentamento. Para isso, seu ponto de
partida é o saber anterior das classes populares (Vasconcelos, 2005; Hurtado, 2006; Oliveira,
Hurtado (2006) resume muito bem a educação popular como “a teoria a partir da prática e
não sobre a prática”. Este autor afirma ainda que o grupo de educandos precisa ter em mente o
constituem-se em fatores de suma importância para seu respectivo controle (Netto et al., 1985),
pois conhecendo sua percepção social torna-se mais factível a aproximação das ações de controle
intercomunicação cotidiana entre os atores, sendo, portanto, peculiares aos grupos que as
específicos.
problema mórbido, para a aceitação e participação efetivas da comunidade nas ações profiláticas
vem sendo citada por diversos outros autores, como Casavechia et al. (2002), Santos et al. (2000),
Costa et al. (1994), Marzochi & Marzochi (1994), Noronha et al. (1995) e Vázquez et al. (1991).
LTA, representadas pelas condições ambientais em que a zoonose se estabelece, Santos et al.
(2000) propõe a participação comunitária no controle de grandes endemias. Porém isto implica
num processo educacional que vise estimular essa participação de uma forma que busque
Quase sempre quando se enfoca apenas o caráter individual de uma enfermidade que
apresenta também um caráter coletivo, ligado intrinsecamente a questões sociais, como é o caso
23
detecção precoce de casos e de uma educação em saúde inovadora com uma abordagem
reconhecer o educando como sujeito e não como objeto de ações educadoras, a fim de propiciar a
implantação de projetos de controle da LTA onde a participação comunitária possa ser ativa e
permanente.
1
VALLA, V. V., 1993. Participação Popular, Educação e Saúde: Teoria e Prática (V. V. Valla & E. N. Stotz, orgs.),
p. 95, Rio de Janeiro: Relume-Dumará.
24
prosperava com o cultivo da cana-de-açúcar durante o século XVIII. Porém, durante o século
XIX, com o crescimento da cafeicultura, esta foi deixando de ser produtiva até perder totalmente
Na mesma época, João Augusto Rodrigues Caldas e Juliano Moreira (diretores das
colônia e necessitavam de novas instalações para este ser implementado. A fim de justificar a
transferência dos pacientes das Colônias Psiquiátricas da Ilha do Governador para um novo local,
eles argumentavam a superlotação dos prédios; as terras serem de propriedade dos Padres
Beneditinos que reclamavam sua devolução; a intenção da Marinha do Brasil em construir uma
existentes; o acesso difícil, feito por barcos nem sempre disponíveis; a infertilidade das terras,
em 1912 e, nela, foi inaugurada a Colônia de Alienados de Jacarepaguá em 1924, que mais tarde
viria a ser chamada Colônia Juliano Moreira - CJM (Barbosa, 2001) (Figura 1).
25
não apenas humanizar os hospitais, como também acabar com a hospitalização dentro da
(ISER/FIOCRUZ, 2004).
processo de municipalização dos hospitais federais na década de 90, que transformou a Colônia
Moreira/IMASJM (ibid, 2004). Este permaneceu em atividade até o ano de 1996 quando, pela
No ano de 2003 estes setores foram concedidos à Secretaria Municipal de Saúde (onde
estão cerca de 700 pacientes em idade avançada da antiga CJM), à Secretaria Municipal de
Habitação (área considerada de invasão, sendo ocupada por moradias irregulares), ao Ministério
Professor Hélio Fraga) e à Fundação Oswaldo Cruz (400 hectares de Mata Atlântica - área de
26
Neste setor, hoje denominado “Campus FIOCRUZ da Mata Atlântica” (Figura 2) estão
localizadas seis comunidades: Vianna do Castelo, Nossa Senhora dos Remédios, Faixa Azul,
seu terreno; com o tempo, foram construídas outras residências a partir do crescimento das
refere a sua sobrevivência e de sua família. Além de todos os produtos de frutas, verduras e
criação de animais, os moradores usavam a luz, a água, o correio e a cozinha do hospital, e seus
campus e avaliou sua condição sócio-econômica, além da sua percepção acerca da FIOCRUZ. A
27
maioria das famílias apresenta baixa renda e baixo nível de escolaridade, além de precárias
condições de moradia, como, por exemplo, a Comunidade Nossa Senhora dos Remédios, que
ocupa um antigo pavilhão da CJM condenado pela Defesa Civil, onde há famílias vivendo em
antigos banheiros. A pesquisa sobre a percepção dos moradores acerca da FIOCRUZ revelou um
Objetivos
Geral
Específicos
prevenção e tratamento;
comunidade (cartilha).
29
Metodologia
I. Unidade de Trabalho
Moreira, onde residem 85 famílias não muito numerosas, tendo, a maioria, renda abaixo de três
salários mínimos.
A comunidade está localizada entre dois ícones da área: o aqueduto e a cachoeira, sendo
abundância
(anexo A), ressaltando os pontos onde há informação de casos humanos (ativos e tratados) e
monitoramento (EM), uma no início (EM 2) e outra no final (EM 1) da comunidade, de acordo
as do tipo CDC (Sudia & Chamberlain, 1962). As coletas foram realizadas de uma a três vezes
FIOCRUZ da Mata Atlântica, para a realização da triagem dos insetos e sua fixação em álcool
A abundância relativa do vetor, por EM, foi calculada, através da seguinte fórmula
(SVS/MS, 2003):
07/12/2005) com a líder comunitária e com os moradores da comunidade indicados por esta, num
total de 09 entrevistas. A escolha dos entrevistados se deu através da líder comunitária, pois esta
poderia indicar com maior exatidão os moradores mais espontâneos e dispostos a colaborar com
o presente estudo. Além disso esse se torna um fator de suma importância para a mediação da
ligação entre o pesquisador e a comunidade, na medida em que a relação dos moradores com a
FIOCRUZ é complicada.
Foi utilizado um roteiro para entrevista semi-estruturado composto por perguntas abertas
Não foi estabelecida a quantidade de entrevistas a ser realizada, estas foram interrompidas
encontrava-se esgotado.
Com a finalidade de não permitir a identificação dos sujeitos das falas, os entrevistados
foram identificados através da letra E (entrevistado) seguida da ordem das entrevistas (exemplo:
Uma cartilha ilustrativa (anexo C) foi produzida baseando-se nos resultados das
Resultados
I. Indicadores Entomológicos
aplicada, nove espécies de flebotomíneos (Tabela I): Brumptomyia brumpti, Lutzomyia (L.)
LTA no Rio de Janeiro. Pode-se observar que, no total de coletas realizadas há um nítido
L. cortelezzii 0.05 %
L. firmatoi 0.05 %
L. (N.) intermedia 95 %
L. migonei 4.5 %
L. quinquefer 0.05 %
Total 100 %
33
flebotomíneos.
presente em altos percentuais durante todos os meses e com predomínio de exemplares fêmeas,
seguida por L. migonei, de menor ocorrência e ausente no final da primavera e início do verão
observadas em baixas densidades nas coletas relativas aos meses de março, abril e novembro.
Nas coletas realizadas na estação de monitoramento 2 (EM 2), não foram capturados
única espécie encontrada, com exceção de L. quinquefer (março), foi L. intermedia, apresentando
O cálculo da abundância relativa do vetor foi efetuado, de acordo com a fórmula descrita
anteriormente, para as espécies vetoras de LTA (L. intermedia e L. migonei) e LVA (L.
longipalpis) capturadas nas duas estações de monitoramento (Tabela II). Pode-se notar a presença
intermedia se mostrou presente nas duas estações de monitoramento, sendo mais abundante na
EM 1.
34
Tabela II – Abundância Relativa das Espécies Vetoras nas EMI e II, Comunidade do Caminho da Cahoeira,
L. migonei 0.075 % 0%
realizadas nove entrevistas seguindo o roteiro que se encontra em anexo (anexo B).
a dengue e a qualidade da água foram as mais citadas, seguidas pela ausência da rede de esgotos
(valas a céu aberto), grande quantidade de mosquitos, carrapatos e verminose. Quanto à resolução
ou diminuição destes problemas, a metade dos entrevistados não soube opinar, enquanto que a
instalação de filtro de água, de rede de esgoto e a limpeza da rua e quintais foram citadas como
“Aqui, vixe.... a leishmaniose é a principal e... até que em parte de... de..., apesar da
gente ter um... não ter saneamento básico nenhum, a água não ser tratada, é uma água
duvidosa, né?! Que não tem tratamento, até que Deus abençoa aqui, que as crianças até
que não, em matéria de verminoses aqui o índice foi bem baixo (se referindo aos
resultados fornecidos pela pesquisa da Marise/Deptº Biologia/IOC), graças a Deus. (...) e
na época de verão assim também a gente fica bem apreensivo, aqui teve um... um alto
índice de dengue nos anos anteriores e a gente fica bem apreensivo.”
(E1, sobre os principais problemas de saúde da comunidade).
35
Todos conhecem alguém da comunidade que já teve a doença, porém quatro já tiveram casos na
família e três já apresentaram a lesão. Dentre os que relataram ter casos na família, dois já
tiveram leishmaniose.
Não foi relatado nenhum nome vulgar para a enfermidade, sendo esta conhecida na
comunidade apenas como leishmaniose. Já o flebotomíneo foi citado como “mosquito palha” por
dois moradores, como “borrachudo” por um, como “mosquito da listrinha” por mais um e como
Aedes aegypti por outro. Cinco entrevistados disseram não conhecer o inseto. Dos quatro
moradores que afirmaram conhecê-lo, todos foram capazes de descrevê-lo, nessa descrição foram
citadas as seguintes construções: “parece uma bolinha, não vê as patas dele”, “clarinho, não é
preto não, tem asa branca, curtinho, pequenininho, é venenoso” , “ele tem as patinhas tudo cheio
Sobre o que é a leishmaniose, oito entrevistados citaram ser uma “ferida”, três citaram ser
uma “doença do cachorro” e três citaram ser um “mosquito”. Seis moradores afirmaram conhecer
e poder reconhecer a ferida. Esta foi descrita como: “redonda, e ela tem uma borda altinha”,
“machucado que não sara (...) ferida que tem uma casca por cima, mas por dentro, o mal tá ali”.
“Ah, o que me falaram é que é uma doença do cachorro, que até meu cachorro tinha e
eles levaram pra matar, eles falaram pra mim que era uma doença que o mosquito
mordia o cachorro e depois a pessoa...”
(E8, que teve leishmaniose, sobre o que é a leishmaniose).
“A ferida, ela é assim: no começo ela é uma mordidinha de mosquito, você coça, você
acha que é uma mordida de mosquito, né?! Que não tem nada, mas depois dum tempo
ela começa... tem a picadinha do mosquito (mostrando na própria perna) em volta ela
começa a ficar vermelha, essa vermelhão que fica na pele, ela tem tendência a crescer e
algumas pessoas olham e acha que é furuncu, entendeu? Aí, ela é tão ruim, tão ruim
(falando enfaticamente), que se você olhar no começo você fala: isso aí num é furuncu
36
não, cara! Isso aí é leishmaniose! Entendeu? Ela vem... aí depois que ela fica aquilo
vermelhão, ela começa a escurecer, é quando ela começa a vim de dentro pra fora e
abrindo, depois que ela abre, toda aquela parte que tá preta, que tá escura, aquilo tudo ali
vem abrindo, entendeu? Aí fica aquela pizza! Aquela coisa horrível!”
(Descrição da ferida feita por E3, que já teve dois casos de LTA na família).
Dentre uma das respostas sobre o que é a leishmaniose pode-se perceber a questão do
estigma e do medo da enfermidade numa das falas de uma moradora que já teve a irmã e a sogra
doentes.
“Que é uma coisa bem horrível, entendeu? Porque só a gente vendo ali aquela ferida é
que a gente tem noção, porque pela televisão é uma coisa, agora quando você tá perto, tá
vendo na pessoa, você vê num rosto (expressão de tristeza)... eu conheci uma moça que
ela teve no rosto.... entendeu? Então a gente vê aquilo ali... eu pelo menos fiquei assim
sabe (expressão de espanto), pô, essa moça vai morrer... no rosto!! Essa ferida no rosto,
ela vai morrer! Entendeu?!”
(E3, nunca teve leishmaniose).
Quando perguntei se ela já havia tido leishmaniose, o medo se mostrou ainda mais
evidente:
“Eu não! Nem fala, pelo amor de Deus! Nem sei, cara! Tá amarrado em nome de Jesus!
Amém! Se eu tiver... caraca! (balançando negativamente a cabeça).”
O estigma também se mostrou presente na fala de outra moradora, que relatou ter sofrido
“As pessoas batiam nele na rua (no cachorro), na igreja ninguém chegava perto dele.... a
gente já tava se sentindo discriminada por causa do cachorro, todo mundo: “ai!” e “não
sei o que”, onde a gente chegava tinha o comentário do cachorro, o cachorro entrava na
igreja só o padre não mandava ele sair. Coitado, o bichinho tava na igreja! (...) mas o
pessoal não queria chegar perto da gente, tinha gente que não vinha mais aqui (se
referindo a sua casa) com medo de pegar leishmaniose por causa do cachorro... não
vinha aqui! Mas eu não deixei de falar com ninguém, eu não tenho essas coisas assim...
eu ia botar na cabeça das pessoas? Não. Então eu procurava entender, conversar.... mas
sabe, as pessoas não queriam, eu não ia discutir isso não, porque não era eu que ia saber
dar todas as informações para as pessoas que precisavam, não era eu que ia botar na
cabeça de ninguém, então eu deixava pra lá.”
(E5, relatando como sofreu com seu cão doente).
Dentre os que tiveram LTA, todos apresentaram apenas uma ocorrência da enfermidade e
relataram não sentir nenhum tipo de desconforto com a ferida durante o curso da infecção, dois
37
apresentaram apenas uma lesão enquanto um apresentou três. Não foi relatado incômodo em
constrangimento caso esta fosse numa região corporal mais visível. Quanto ao tratamento, o
grupo relatou receber injeções diárias (um entrevistado citou o glucantime como sendo a droga
administrada) e ter completado o tratamento. Este foi descrito como normal por apenas um dos
moradores, e como doloroso e complicado por dois, que citaram efeitos colaterais diversos como
“Não doía nada, só inflamava e aí... só a ferida só, mas aí ia comendo por dentro. O
mosquito... a lesão... tava me comendo por dentro... Só que tem uma coisa: o tratamento
foi bom, agora a injeção deixa o corpo mole, (...) Mas eu me sinto um pouco abalado,
mas num é da leishmaniose, já é a idade...”
(E4, 67 anos, apresentou três lesões de LTA).
“Olha, sinceramente, o tratamento pra mim foi bom, agora, só as injeções é que não
dava! Ela dói, mas tem que tomar a injeção! Agora, o problema é que eu passei muito
mal com essa injeção porque... por causa do ácido úrico meu é que era o problema, mas
no resto ficou tudo bem, pra mim ficou bem, entendeu?”
(E9, 72 anos, teve leishmaniose).
Seis dos entrevistados disseram conhecer o tratamento recomendado pelos médicos e sete
citaram injeções. Todos afirmaram que não há realização de tratamento caseiro pelos moradores
Sobre o que ocorre com quem não faz o tratamento foram citados o óbito (três vezes), a recidiva
acometendo o nariz (duas vezes), a persistência da lesão (duas vezes), o acometimento de órgãos
“É no posto de saúde, né?! O posto de saúde é que resolve! Não adianta ir em... botar
mercúrio, não adianta botar nada disso, é no posto de saúde lá no Tanque. Eu penso que
eles vão fazer uma biópsia pra saber se é ou não, eles é que vão ver, a verdade não é
essa?”
(E2, sobre tratamentos caseiros).
“Ah, vira uma ferida horrível! Eles não sabe as conseqüência até onde vai.”
(E2, sobre o que ocorre com quem não faz o tratamento).
38
“Eu não sei te dizer direito não, mas eu acho que passa pra corrente sangüínea, acho que
passa pros órgãos e contamina tudo e a pessoa pode chegar a óbito, não é isso? Tem uns
depois que afeta (apontando para o próprio nariz) (...) É uma coisa horrível,
dependendo... reincidência, né?! A reincidência dessa doença (fazendo com as mãos
gestos de abertura) abre tudo de novo, é muito perigosa! As pessoas acham que não é tão
grave, mas é muito grave, na minha concepção, na minha opinião, é muito grave.”
(E1, sobre o que ocorre com quem não faz tratamento médico).
desses apontaram as fezes de animais e três apontaram o cão como fonte de infecção para o vetor.
“Ó... A princípio é o mosquito, né?! Agora... eu... pelo menos a minha irmã, ela
sempre... ela tem uma coisa na cabeça tipo: eu sei que é do mosquito, mas eu prefiro
lavar minha roupa com água quente e separado das outras roupas, entendeu? Ela sempre
fazia isso, que ela tinha medo... dizia: eu não sei... eu sei que é do mosquito mas sei lá se
de repente isso passa de uma pessoa e passa pra outra! Como ela tem uma filha pequena
então ela tinha medo, então ela sempre lavava a roupa dela separado e sempre com água
quente.”
(E3).
entrevistados não souberam explicar o motivo, um citou a sensibilidade da pessoa e outro o tipo
de sangue.
“Olha, minha idéia é a que eu falei, são pessoas sensíveis, alérgicas, né?! Tem alergia a
qualquer picada de mosquito, né?! (...) Então são pessoas mais sensíveis, alérgicas, que a
qualquer mordida de mosquito ficam assim.”
(E5, nunca teve caso de LTA na família).
Os meios de evitar a leishmaniose citados pelos entrevistados foram diversos, tais como:
vacinação de cães (uma vez), evitar água parada (uma vez), evitar bananeiras no quintal (uma
vez), evitar galinheiros próximo as casas (uma vez), manter o quintal limpo (duas vezes) e
possibilidade de evitar a doença e dois mencionaram não saber que medidas utilizar.
39
O sacrifício dos cães doentes, apesar da extrema afeição demonstrada para com estes, foi
indicado como forma de proteger as pessoas (quatro vezes), de não permitir o sofrimento do
animal (quatro vezes) e como alternativa a ausência de tratamento para a espécie (cinco vezes).
“Isso aí seria até uma questão do bicho também não sofrer, né?! Que a gente vê o animal
sofrendo...”
(E1, sobre por que apóia o sacrifício de cães doentes).
leishmaniose, com exceção de um que afirmou já conhecer o suficiente. Dentre esses, o motivo
de tal interesse seria: a possibilidade de ensinar outras pessoas (um), de evitar a doença (três), de
reconhecimento precoce dos casos (um), de aprender mais (um), de aliviar o sofrimento dos
“Com certeza! Acho que eu só não, como muita gente no... aqui os moradores gostariam
de saber mais, muito mais! Aprender mais, saber as causas, as razões, as conseqüências
(...) Por causa do sofrimento das pessoas, do tratamento doloroso das pessoas, né?! Que
a gente vê por aí... teve pessoas até que bem graves aqui, que ficaram internados por
muito tempo....”
(E1, sobre se gostaria de conhecer mais sobre a doença e por quê).
A partir das informações sobre a relação dos moradores com a doença, foi elaborada uma
cartilha ilustrada2 (anexo C), em linguagem acessível, apresentando conceitos básicos sobre LTA
2
Direitos autorais registrados na Fundação Biblioteca Nacional (Ministério da Cultura) sob número 391.791 Livro
728 Folha 451.
40
e esclarecendo as principais dúvidas dos moradores. Esta foi encaminhada para a Secretaria de
região será realizada durante as atividades de educação em saúde previstas para serem
desenvolvidas no local.
apresenta desenhos que atraem as crianças de uma maneira geral. Estas características tentam
distanciar uma qualidade descartável do material, ou seja, intencionam que as pessoas o guardem
após a leitura.
Conhecida a escassez de material deste tipo para ações de educação em saúde no que diz
respeito a LTA, o material elaborado poderá ser utilizado em práticas de educação que abarquem
o tema em qualquer ação voltada para este fim. Para tanto, entendendo que a comunicação e a
educação são atividades paralelas, a cartilha elaborada deve ser vista como um instrumento
intermediário entre estas duas ações, devendo ser adequada a realidade local onde será utilizada,
Discussão e Conclusão
processo de ocupação do seu espaço urbano, havendo áreas descontínuas de ocorrência. Nos dias
de hoje, seu ciclo de transmissão ocorre basicamente em áreas do entorno do Maciço da Pedra
daquele observado nos surtos do início do século XX, quando estes ocorriam pela modificação da
paisagem através da ação do homem. Dentre os três perfis de transmissão da LTA, citados
controle mais adequados a situação atual. Nesse sentido, através de um estudo piloto, buscou-se
como espécie predominantemente encontrada em áreas endêmicas dos estados do Rio de Janeiro
e São Paulo (FIOCRUZ, 1974; Araújo-Filho, 1979; Rangel et al., 1984; 1986; 1990; Camargo-
42
Neves, 1999; Rangel & Lainson, 2003). Esta espécie é bastante antropofílica e presente tanto no
poderia ser justificada pela presença deste tipo de instalação (canil e galinheiro), que fornece
tanto fonte alimentar quanto abrigo para o inseto. Além disso, a EM 1 conta com uma maior
do flebotomíneo.
porém parece dotada de um menor grau de antropofilia podendo não ocorrer durante todo o ano,
observando-se sua ausência nos meses frios e secos (Barreto, 1943; Forattini, 1973).
início de novembro até o início de dezembro, ainda considerado um período de transição entre as
estações seca e chuvosa, com aumento gradativo da temperatura e umidade. Esta espécie esteve
participação como vetor secundário de LTA, enquanto que o papel principal no ciclo de
conduzidos em Vargem Grande, Jacarepaguá, município do Rio de Janeiro (Rangel et al., 1986).
vetoras, na EM 1 poderia estar associada às características ambientais apresentadas por esta que
presença de bananeiras, claramente associadas à ocorrência desses dois vetores (Rangel &
Lainson, 2003), que não ocorrem na EM 2. A cobertura vegetal é extensa nas duas estações de
cálculo da abundância relativa do vetor, observam-se casos de LTA nos moradores das duas
LVA de um residente em uma das comunidades da Colônia Juliano Moreira, que veio a óbito no
hospital, antes que se pudesse realizar uma investigação epidemiológica que esclarecesse a
autoctonicidade do caso.
lixo faz com que os moradores o depositem nas ruas ou na mata, favorecendo um ambiente
propício não apenas para o desenvolvimento das formas imaturas dos vetores, mas também há
transmissão da doença como reservatórios do parasito (Afonso et al., 2005); é digna de nota a
peridomicílio. As condições das moradias, muitas vezes sem proteção em janelas e portas, sem
entrada do flebotomíneo no ambiente domiciliar, além disso a proximidade das casas à mata
44
apresenta-se como o maior elo entre os moradores e os vetores. Reis (2004) e Vázquez et al.
Na comunidade do Caminho da Cachoeira a LTA é conhecida por seu nome técnico, não
sendo atribuído nenhum nome vulgar para a doença, que, segundo os entrevistados, acompanha
os moradores desde, no mínimo, 1974 (quando foi descrita a primeira epidemia na região) e a
Quanto ao vetor, apesar de haver citações sobre nomes vulgares, sua descrição não foi tão
clara quanto a observada nos relatos sobre a ferida, por exemplo. A forma de transmissão da LTA
pelo vetor também não apresentou clareza nas respostas, assim como o papel do cão na sua
epidemiologia. O agente causal não foi citado por nenhum dos entrevistados. A possibilidade de
contágio interhumano é uma dúvida dos moradores, que não apresentam clareza da necessidade
do inseto vetor para que haja transmissão. A idéia de vetor torna-se um fator complicador para o
entendimento da transmissão, onde a desconstrução das noções de contágio deve ser empregada.
Merece atenção o fato de que, mesmo sendo a LTA uma enfermidade antiga na região,
permanecem com a não apropriação completa das informações fornecidas por esses profissionais.
A maioria dos entrevistados demonstrou conhecer bem a doença, tanto no que diz respeito
à clínica e tratamento, mesmo havendo lacunas em relação a alguns aspectos. Reis (2004) em
Paraty (Estado do Rio de Janeiro) e Said (1984) em Jacarepaguá (município do Rio de Janeiro)
A ferida foi claramente descrita pelos moradores, revelando o alto grau de intimidade com
a LTA, que buscam o posto de saúde assim que a reconhecem, porém este reconhecimento não é
Nas suas falas, pode-se notar que o risco de contrair LTA apresenta-se como um medo
Essa conotação é evidenciada quando se trata do sacrifício de cães doentes, onde apesar da
relação de extrema afeição pelo animal, a maioria dos entrevistados apóia seu sacrifício, mesmo
desconhecendo seu papel como possível reservatório, em vista do medo que a doença traz. Esse
medo está relacionado tanto com a doença propriamente dita quanto ao tratamento. Além do
O fato de o tratamento ser descrito como doloroso não se revelou como fator de recusa
deste, nem como fator propiciador de busca por tratamentos caseiros. Estes foram descritos por
diversos autores em estudos realizados em localidades endêmicas (Reis, 2004; Moreira et al.,
2002; Dobles-Ulloa & Perriard, 1994; Vázquez et al., 1991; Netto et al., 1985). Porém, no
Dos entrevistados que apresentaram LTA, os sentimentos são diversos, e vão desde
angústia a indiferença, passando pelo orgulho, fato também evidenciado por Reis (2004), que
doença, como fator de orgulho. O estigma em relação à ferida parece depender de sua localidade,
as pernas e braços não foram descritos como locais que causam maiores desconfortos, enquanto
que as lesões na face foram citadas como a pior das lesões. Na comunidade, não ocorre
discriminação em relação aos acometidos, talvez pela disponibilidade de tratamento, talvez pela
46
convivência com a doença ou, ainda, por não perceberem a LTA como uma enfermidade
como um problema coletivo. Portanto a educação e a comunicação oficial devem estar solidárias
às formas como as pessoas percebem a enfermidade, sob risco de baixa efetividade das ações
empregadas.
Muitas vezes, os entrevistados citavam informações sobre outras doenças para a LTA,
como é o caso da dengue, em que até o nome Aedes aegypti foi dado ao inseto transmissor da
leishmaniose e a água parada foi colocada como medida preventiva, e das verminoses onde as
fezes de cães poderiam ser fontes de contaminação do vetor, segundo alguns entrevistados. Esses
fatos foram observados por Reis (2004) que apontou a grande quantidade de informações
a dengue, como um fator de confusão com outras endemias, onde até mesmo as medidas
entrevistados não soube responder, foi levantada a questão do tipo de sangue e da sensibilidade e
o indivíduo acometido divide suas angústias com familiares e vizinhos. Segundo Araújo (2003), a
enunciados dos sujeitos, e fazem com que a doença seja afirmada e aceita como real pelo grupo
47
social. Portanto, a experiência de enfermidade pode ser considerada como fonte válida de
A maioria dos entrevistados demonstra grande interesse em conhecer mais sobre a doença
por diversos motivos, contudo sempre remetendo ao altruísmo (proteger familiares e vizinhos), a
moradores citou que um maior conhecimento da doença seria necessário para uma melhor
Conhecer a percepção social de uma endemia numa comunidade pode tornar mais
A partir dessas informações sobre a relação dos moradores com a doença, foi elaborada
uma cartilha ilustrada, em linguagem acessível e abarcando os valores dos atores sociais
envolvidos, apresentando conceitos básicos sobre LTA e esclarecendo as principais dúvidas dos
educação em saúde.
vetores no local, propiciando a transmissão da doença; por outro lado, a falta de informação e
noção de manejo ambiental e aos conceitos básicos sobre a doença, como elemento de sucesso de
Referências Bibliográficas
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57
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Lutzmoyia sandflies in Mexico, the West Indies, Central and South America (Diptera:
ANEXO A
CROQUI DA COMUNIDADE
59
ANEXO B
1. Dados Pessoais:
a) Nome:
c) Sexo: □ M □ F
2. Questões Gerais:
Comunidade?
problemas?
3. Leishmaniose:
delas?
l) Como se sente em relação à ferida (no caso de quem tem lesão ativa) /
4. Tratamento:
b) Sabe o que ocorre com quem não faz esse tratamento? Se Sim O que?
trataram?
5. Transmissão:
não?
6. Prevenção:
b) O que você acha que deve ser feito com um animal que esteja com
7. Educação:
ANEXO C
3.
C
A
8. C O L E I R A
H
1. O 6.
4. F E R I D A M
L R É
E O 2. P I C A D A
B S 9. L I X O
O C
7. 5. V E T E R I N Á R I O
T O
L E I S H M A N I O S E
L I
A N
E
O
V – vertical
H - horizontal Respostas
Veterinário; 6. Médico; 7. Tela; 8. Coleira; 9. Lixo.
1. Flebótomo; 2. Picada; 3. Cachorros; 4. Ferida; 5.
75