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Diego Barbosa de Oliveira.

Disciplina: FCF720-Problema mente-corpo.


Professor: Dr. Ricardo Silvestre.
Título: A hipótese da habilidade como resposta ao argumento do conhecimento.

Tese: Embora o argumento do conhecimento proposto por Frank Jackson ofereça um


grande problema para o fisicalismo, ele não é decisivo para a sua recusa.

RESUMO: O fisicalismo é a teoria que sustenta que o tudo que existe é físico. O
argumento do conhecimento de Frank Jackson (1982) visa mostrar que a experiência
visual das cores possui informações não físicas, o que tornaria o fisicalismo incorreto. A
hipótese da habilidade defende o fisicalismo contra o argumento do conhecimento
mostrando que aquilo que o argumento afirma ser um conhecimento fruto de uma
informação não física é apenas uma habilidade nova, não constituindo um conhecimento
proposicional. Tal hipótese, embora esteja distante de ser aceita de maneira unânime,
evidencia que há vias possíveis para salvar o fisicalismo contra o argumento do
conhecimento.

1 ARGUMENTO EM FAVOR DO FISICALISMO

1.1Argumento do fechamento causal

O fisicalismo declara que tudo que existe é físico ou está de algum modo
profundamente relacionado com o físico. Um aspecto dessa teoria é a crença de que a
completude de informações sobre estados físicas sobre o mundo conteria,
necessariamente, a completude de informações sobre os estados mentais.
Um dos principais argumentos em favor do fisicalismo é o chamado princípio do
fechamento causal do mundo físico. Segundo esse princípio o mundo físico é
causalmente autossuficiente. Portanto, todo e qualquer efeito físico que ocorre em nosso
mundo tem como fundamento uma causa igualmente física. Como consequência disso,
não necessitamos, ou até mesmo somos proibidos de evocar quaisquer elementos não
físicos para explicarmos eventos físicos. Esse é o procedimento adotado nas ciências em
geral e deve também ser seguido nas investigações em torno da consciência.
O princípio do fechamento causal implica que estados mentais, na medida em
que possuem poder causal no mundo, podem ser reduzidos a causas físicas, ou então, se
existem como coisas distintas, eles não podem exercer qualquer influência no reino
físico.1 Isso resultaria que estados mentais seriam incapazes de influenciar
comportamentos corporais e outros processos físicos (PAPINEAU, 2020, p. 15).
O fisicalismo evita problemas em relação ao princípio do fechamento causal
postulando que há apenas um tipo de estado: o físico. Uma vez que estados mentais
podem ser reduzidos a estados físicos que ocorrem no cérebro, não há problema em
assumir que estados mentais têm influência sobre o comportamento.

2 ARGUMENTO CONTRA O FISICALISMO

Embora o fisicalismo tenha a seu favor a adequação ao princípio do fechamento


causal do mundo, é comum que ele sofra resistência, seja por parte do senso comum,
seja por parte dos filósofos. O fato é que o caráter reducionista do fisicalismo deixa a
impressão de que há algo na experiência consciente que escapa a uma mera
identificação com atividades neurais que ocorrem no cérebro. A vasta gama de estados
mentais que experienciamos em nosso dia a dia é dotado de uma riqueza
fenomenológica que parece escapar a uma mera descrição física do que ocorre em
nossos cérebros. Por essa razão, foi apontado que a tese fiscalista recaí em uma lacuna
explicativa (LEVINE, 1983).
Estabelecer uma identidade do tipo mente-cérebro é bem mais complicado que
estabelecer outros tipos de identidades que ocorrem nas ciências físicas. A maioria das
pessoas está disposta a aceitar que a água pode ser reduzida a H20. Entretanto, nem
todos aceitarão de bom grado a ideia de que a sensação de experienciar uma dor, de
sentir prazer ou eforia, pode ser simplesmente reduzido a estados físicos que ocorrem no

1
Para o não fiscalista resta em aberta a via do epifenomenalismo.
cérebro. Críticos do fisicalismo podem sustentar que ainda que seja possível estabelecer
que certos estados mentais são sempre acompanhados de certas atividades neurais, isso
não seria capaz de explicar o caráter fenomenológico das experiências conscientes.
Alguns argumentos são frequentemente utilizados para evidenciar essa
disparidade entre aquilo que a explicação fiscalista oferece e aquilo que experienciamos
no dia-a-dia de nossas experiências conscientes. A seguir apresentaremos um dos mais
famosos argumentos contra o fisicalismo: o argumento do conhecimento de Frank
Jackson.

2.1 O argumento do conhecimento

O argumento de Frank Jackson visa mostrar que por mais completa que seja a
explicação fiscalistas da mente, ela deixa de lado um aspecto essencial dos estados
conscientes: seu aspecto qualitativo. Para ilustrar seu ponto, Jackson (1982, p. 130)
propõe um experimento mental. Ele nos pede que imaginemos uma cientista chamada
Mary, que passou toda sua vida em um quarto preto e branco, no qual não tinha
qualquer acesso a outras cores. Nesse quarto Mary se especializou em neurofisiologia
da visão e adquiriu, como fruto de seus estudos, um conhecimento completo de todas as
informações físicas a respeito das cores. Ela sabe exatamente como cada comprimento
de onda é refletido das diversas composições materiais dos objetos e como é recebido
em nossas retinas e como o córtex visual decodifica essa informação até gerar em nós
aquilo que chamamos cores.
Imaginemos que Mary, por algum motivo, deixe seu quarto e depare-se com um
tomate. A questão que Jackson nos faz é a seguinte: ao ver o tomate, ela aprendeu algo
que antes não sabia acerca do vermelho? Somos levados a pensar que sim, que algo
novo foi adicionado a sua representação do vermelho. O que seria esse algo novo? A
característica fenomenológica intrínseca de ver algo vermelho ou, como
costumeiramente se diz, seu qualia. Ora, mas se Mary tinha todas as informações físicas
acerca do vermelho e ainda assim a experiência de ver vermelho adicionou algo que
antes ela não sabia, segue-se que a explicação fiscalista dos estados mentais não pode
ser considerada uma explicação completa e, portanto, o fisicalismo é falso.
Podemos organizar o argumento do conhecimento da seguinte forma:
1) Mary possui, em seu quarto preto e banco, todas as informações físicas sobre
a experiência de ver cores.
2) Ao ver o vermelho pela primeira vez ao sair do quarto, ela aprende uma
informação nova sobre a experiência de ver vermelho.
3) Há, portanto, algo na experiência de ver vermelho que não é informação
física.

O argumento do conhecimento de Jackson representa uma das principais


objeções ao fisicalismo. Mas porque isso acontece? O fisicalismo declara que toda
informação sobre a experiência é física. Se o experimento proposto por Jackson
realmente estiver correto, ou seja, se a premissa (2) for verdadeira, então a conclusão (3)
é inevitável. E uma vez que essa consequência é incompatível com o fisicalismo, o
último seria falso.

3 RESPOSTA FISCALISTA: A HIPÓTESE DA HABILIDADE

Tendo em vista que o fisicalismo sempre contou com numerosos adeptos, alguns
autores se esforçaram para defendê-lo contra o argumento do conhecimento. Há pelo
menos três maneiras distintas que um fiscalista pode de responder ao argumento do
conhecimento. Todavia nos focaremos em apenas uma: a hipótese da habilidade.
A hipótese da habilidade é creditada principalmente a dois autores Nemirow
(1980;1990; 2007) e Lewis (1983;1988). Para esses autores, ao sair do quarto Mary não
aprende um fato novo sobre o mundo, em vez disso ela descobre como é (what it is like)
ver o vermelho. Saber como é, na visão deles, não é um conhecimento proposicional
como aqueles fornecidos por meio de uma descrição física completa da realidade. Em
vez disso eles identificam o aspecto fenomelógico com a aquisição de novas
habilidades, que envolvem a capacidade de lembrar, imaginar e reconhecer. (LEWIS,
1993, p. 131).
A hipótese da habilidade aponta que o argumento do conhecimento de Jackson
lida com sentidos ambíguos do que significa conhecer cores: o know about, que se
refere ao conhecimento proposicional, e o know how, que está relacionado a uma
habilidade. Dessa forma, o conhecimento oriundo das informações físicas que Mary
adquiriu em seu quarto é um conhecimento proposicional sobre as cores, enquanto ao
sair do quarto e se deparar com uma rosa, Mary adquiriu uma nova habilidade de
representar aquelas informações que ela já possuía. A experiencia fenomenológica de
ver algo vermelho não adiciona nenhum conteúdo na representação proposicional da
natureza do vermelho, que por definição já era completa. Trata-se apenas de uma
habilidade nova de representar informações.
Se a hipótese da habilidade estiver correta, então a tese fiscalista seria salva do
argumento do conhecimento. Uma vez que a hipótese da habilidade mostra que o
aspecto fenomenológico da experiência de ver algo vermelho não adiciona um conteúdo
proposicional ao conhecimento prévio que Mary tinha em seu quarto, mas apenas lhe
confere a habilidade de sentir como é ver vermelho , de lembrar como é, e reconhece-lo
quando for apresentada a outro objetos vermelhos em outras ocasiões, segue-se que o
argumento do conhecimento não seria capaz de descartar a possibilidade de que uma
explicação que contenha todas as informações sobre os fatos físicos seja também capaz
de explicar todos os fatos mentais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurei mostrar que, embora o argumento do conhecimento proposto por Frank


Jackson ofereça um grande desafio ao fisicalismo, há abordagens capazes de contra-
argumentar em favor da tese fiscalista. Nas páginas anteriores vimos que a hipótese da
habilidade se coloca como uma candidata. Essa hipótese, entretanto, também já foi
questionada por alguns autores (CONEE, 1994; ALTER, 1998). Concluo reconhecendo
que embora eu não seja capaz de determinar até que ponto a hipótese da habilidade é
bem sucedida em responder ao argumento do conhecimento, é possível afirmar que o
debate em torno do fisicalismo perdura e, que por mais forte que tenham sido as
objeções levantadas pela via do argumento do conhecimento, elas não foram capazes de
minar por completo o prestígio filosófico da tese fiscalista.

REFERÊNCIAS

ALTER, T. 1998, “A Limited Defense of the Knowledge Argument”, Philosophical


Studies, 90. p 35–56, 1998.
CONEE. T, “Phenomenal Knowledge”, Australasian Journal of Philosophy, 72: p.
136–150, 1994.

JACKSON, F. Epiphenomenal Qualia. The Philosophical Quarterly, v. 32, n. 127, p.


127, abr. 1982.

LEVINE, J. Materialism and qualia. Pacific Philosophical Qaterly, v. 64, n. 2, p. 354–


361, 1983

LEWIS, D., “Postscript to ‘Mad Pain and Martian Pain’”, in D. Lewis,


Philosophical Papers (Volume 1), Oxford: Oxford University Press, p.130–132, 1983.

______. What Experience Teaches. In: CHALMERS, D. (org.) Philosophy of mind:


Classical and Contemporary Readings. New York: ed. Oxford University Press, p.281-
294, 2002.

NEMIROW, L., “Review of Thomas Nagel, Mortal Questions,” Philosophical Review,


89: p.473–477, 1980.

______, “Physicalism and the Cognitive Role of Acquaintance,” in W. G. Lycan,


1990b: p. 490–499, 1990.

______, “So This is What it’s Like: A Defense of the Ability Hypothesis”, in T. Alter
& S. Walter (eds.) 2007: p. 32–51, 2007.

PAPINEAU, D. The Problem of Consciousness. In: KRIEGEL, U. (Ed.). . The Oxford


Handbook of the Philosophy of Consciousness. [s.l.] Oxford University Press, 2020. p.
13–36.

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