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OrganizaÇJio 711J8Cente 2S
12. BUROCRACIA E COOPERAÇÃO Em pouco tempo já não se saberia mais a quantida-
DA MANUFATURA de de produtos a enviar ao mercado, bem como se sa-
tisfariam ou não a uma necessidade real, se seriam ou
o saber especializado, valorizado na burocracia capi- não comercializáveis.
talista, relaciona-se com a divisão de trabalho parcelar, Tornam-se pequenos produtores indiferentes entre
a especialização de tarefas, a produção da mais-valia. si, o que caracteriza a anarquia da produção. O controle
E bem verdade que, nos séculos VII e XI, o Estado do produto vai passando para as mãos do intermediá-
chinês experimentou um sistema administrativo com rio, que financia o produtor e compra seu produto. Vai-
funcionários especializados, em lugar daqueles de for- se firmando o putting-out system, o sistema domici-
mação humanista. Isto foi no entanto passageiro, vol- liar.38
tando-se logo ao velho sístema.v Na produção mercantil simples, o produtor era pro-
De qualquer modo, a essência do sistema burocráti- prietário dos meios de produção. Arruinados pela con-
co e do despotismo que lhe é inerente permanece sem- corrência, perderam essa propriedade e com ela o con-
pre, seja no modelo do saber geral, seja no modelo do trole sobre o produto e em breve sobre a produção. Sub-
saber especializado. meteram-se aos empresários.ê?
É interessante que até algumas diferenças vistas por Esses empresários constituem um fenômeno típico
Max Weber entre o burocrata patrimonial chinês e o bu- do crescimento da importância das cidades medievais,
rocrata moderno já estão anulados pelo desenvolvimen- como conseqüência direta da expansão do comércio ma-
to das forças produtivas. Assim, por exemplo, enquanto rítimo.
o burocrata chinês era um eterno viajante, a cumprir
suas funções de província em província, o burocrata Inicialmente, são as cidades italianas que desempe-
moderno seria alguém fixado territorialmente. Isto se- nham o papel de empório entre Oriente e Ocidente, de
ria ainda verdade no capitalismo internacional integra- modo semelhante ao que significam as cidades dos Paí-
do?35 ses Baixos para as relações entre a região mediterrânea
e o norte da Europa.
É também curioso observar que, no plano do imagi- Na cidade de Florença, os ofícios eram classificados
nário social, a burocracia ou até sementes de Estado em artes maiores, artes médias e artes menores. As ar-
sempre geraram muitos libertadores. Isto é verdade nas tes maiores referem-se aos comerciantes que vendem e
utopias dos séculos XIX e XX, é verdade entre os tu- arrematam fazendas exóticas e negociam com especia-
pi-guaranisw e é verdade entre os antigos chineses. rias.
Sun Chia Ching e Luo Si Wei relatam o mito de Fu- A atividade dos banqueiros e cambistas experimen-
Xi, que se inicia com o seguinte trecho: "No noroeste ta grande expansão com as remessas de metais precio-
da China, a muitas milhas de distância existia um país sos, com os seguros e as finanças públicas, além da ar-
chamado Hua-Xu-Xi onde reinava a felicidade. Não ha- recadação dos rendimentos da Igreja.
via ali governo constituído e nem sequer a liderança de Bruges, Liêge, Gand, Bruxelas, Donai e Ypres cons-
um chefe. Seu povo não possuía ambições ou desejos, tituem-se em importantíssimos entrepostos comerciais.
tampouco inclinações. Viviam em estado natural e sua Nas cidades italianas os empresários compram lã no ex-
vida era longa. Percebiam através da neblina. O trovão terior e fazem-na ser trabalhada por uma infinidade de
não os ensurdecia, não afundavam na água e não se artesãos. O produto desse trabalho é em geral vendido
queimavam no fogo. Além disso deslocavam-se livre- fora da cidade.
mente pelo espaço. Habitavam a terra elA.condição di- Grandes consumidores dos produtos de luxo desses
vina" .37 comerciantes são as cortes principescas. Em Avignon,
De qualquer forma, porém, a burocracia capitalista à volta do papa, reúnem-se nobres e damas galantes se-
possui diversas especificidades e sua gênese deve ser pro- quiosos de seus produtos.
curada na cooperação manufatureira, constituindo-se Essa corte configura-se como uma evolução natural
em fenômeno que ocorrerá somente como resultado da daquelas existentes nas cidades episcopais dos Países
passagem do pré-capitalismo para o capitalismo. Baixos e prepara terreno para o extraordinário tama-
Entretanto, a fase de passagem caracterizou-se por nho e luxo da corte de Francisco I na França.w
um nível muito baixo de desenvolvimento das forças Esses empresários, que já empregavam viajantes e
produtivas e da divisão do trabalho. contadores, em pouco tempo reúnem os artesãos num
No período, havia milhares de pequenos produtores mesmo espaço onde se torna possível o controle de seu
que vendiam seus produtos para sobreviver. A proprie- tempo e ritmo de trabalho. Surge dessa forma a manu-
dade dos meios de produção, extremamente diluída na fatura.
sociedade, fundava-se no trabalhador individual. A manufatura foi a primeira forma de cooperação
A pequena produção mercantil era limitada pelas di- capitalista. Inaugurou um sistema que no plano econô-
mensões do mercado. Paulatinamente surgiram os co- mico se baseia na cooperação generalizada e no traba-
merciantes, os usurários e os banqueiros. Surgiram os lhador coletivo.
empresários que compravam o produto para vendê-lo "O mecanismo específico do período manufaturei-
com lucro. Pouco a pouco, o valor de troca foi-se so- ro é o trabalhador coletivo, constituído de muitos tra-
brepondo ao valor de uso. balhadores parciais. As diferentes operações, executa-
Na produção mercantil simples, alguns traços do ca- das sucessivamente pelo produtor de uma mercadoria
pitalismo já se fazem presentes. Os trabalhadores per- e que entrelaçam no conjunto de seu processo de traba-
dem progressivamente o controle de suas relações so- lho, apresentam-lhe exigências diversas. Numa ele ten-
ciais. de a desenvolver mais força; noutra mais destreza; nu-
Da mesma forma, entendo que o trotskismo é inca- 2 Rosenberg, Hans. Bureaucracy, aristocracy and autocracy; the
paz de perceber a natureza de classe da burocracia. A Prussian experience, 1660-1815. Cambridge, Harvard University
burocracia tem suas origens na organização da produ- Press, 1968. p. 2.
ção, na divisão técnica e social do trabalho. Ela se vin-
3 Ver: Brecht, Arnold. How bureaucracies develop and function. The
cula estruturalmente ao desenvolvimento do capitalis- annalsoftheAmericanAcademy of Political and Social Science. 1954.
mo, embora suas origens sejam pré-capitalistas. Não se p.2.
trata, portanto, de uma deformação ou de um aspecto
secundário, mas de um fenômeno central. A compreen- 4 Ver: Sfez, Lucien. L 'enfer et le paradis; critique de la théologie po-
Iitique. Paris, Presses Universitaires de France, 1978.
são da gênese do capitalismo de Estado parece de fato
fundamental para a compreensão da burocracia en- 5 Ver: Rosenberg, Hans. op. cito p. 5-25.
quanto classe social.
6 Ver: Lalumiêre, Pierre. Institutions administratives françaises. Pa-
ris, Institut International d' Administration Publique, 197111972. mi-
Entretanto, não são apenas certas ideologias de es-
meogr.; Demichelet, A. & Lalumiêre, P. Le droit public. Paris, Que
querda vinculadas a partidos que negam a natureza de sais-je? 1969; Debbasch, Charles. Institutions administratives. Pa-
classe da burocracia. Também o fazem, de forma exem- ris, LGDS, 1971; Kornprobst, B. Les pouvoirs publics. Paris, Sco-
plar, as ideologias de direita vinculadas à empresa e ao dei, 1970.
Estado capitalista.
7 Ver: Rosenberg, Hans. op. cito p. 227; Vermsil, Edmond. The Ger-
É assim que a teoria das organizações convencional,
man scene; social, political, cultural- 1890 to the present days. Lon-
responda ela por esse nome ou por qualquer outro, 'co- don, George G. Harrap, 1956.
OrganizaÇtlo nIllcente 29
8 Ver: Marx, Kar!. Crítica da filosofiu do direito de Hegel. Lisboa, 29 Ver: Tragtenberg, Maurício. Burocracia e ideologia. São Paulo,
Presença, s.d. Ática, 1974.
9 Ver: Marx, Karl. op. cit.; Lefort, Claude. op. cit. p. 229-32; 30 Ver: Tse, Sun. Lestreize articles. Paris, L'lmpensé Radical, 1971.
Krygier, Martin. Saint-Simon, Marx and the non-governed society,
In: Brown, Robert; Kamenka, Eugene; Krygier, Martin & Tay, Ali-
ce Erh-Soon. Bureaucracy; the career of a concept. London, Edward 31 Ver: Suyn, Han. China no ano 2001. Rio de Janeiro, Zahar, 1968;
Arnold, 1974; Mouzelis, Nicos. Organization and bureaucracy; an Motta, Fernando C. Prestes. Oracionalismo capitalista e a evolução
analysis of modern theories. Chicago, Aldine, 1972. da empresa brasileira. Dissertação de mestrado. São Paulo, Funda-
ção Getulio Vargas, EAESP, 1969.
10 Ver: Goffman, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São
Paulo, Perspectiva, 1974. 32 Ver: Balasz, Etienne. La bureaucratie céleste; recherche sur l'éco-
nomie et la société de la Chine traditionelle. Paris, Gallimard, 1968.
11 Ver: Marx, Karl. O 18 Brumário e cartas a Kugelman. Rio de Ja- p.18.
neiro, Paz e Terra, 1974.
33 Id. ibid. p. 21.
12 Ver: Garcia, Alejandro Nieto. La burocracia. Madrid, Instituto
de Estudios Administrativos, 1976. El pensamiento burocrático. p.
34 Ver: Weber, Max. Historia económica general. México, Fondo de
282-4.
Cultura Económica, 1961. capo 4. § 8, A.
I3 Ver: Birnbaum, Pierre. Les sommets de l'Etat; essai sur l'élite du
pouvoir en France. Paris, Seuil, 1977. 35 Id. ibid.
14 Ver: Cardan, Paul. Le mouvement révolutionnaire sous le capi- 36 Ver: Clastres, Hélêne, Terra sem mal. São Paulo, Brasiliense,
talisme moderne. Socialisme ou Barbarie, n. 32. Apud Lapassade, 1978.
Georges. Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro, Fran-
cisco Alves, 1974 .. 37 Ver: Ching, Sun Chia & Wei, Luo Si. China; lendas e mitos. São
Paulo, Roswithakempf, 1984.
15 Ver: Jaques, Elliott. A general theory of bureaucracy, London,
Heinemann, 1976. 38 Ver: Tragtenberg, Maurício. A delinqüência acadêmica ... cito
25 Ver: Potel, Jean-Yves, (récits recuillis par). Gdansk, la memoire 49 Ver: Michels, Robert. op. cit.; Faria, José Henrique de. op. cito
ouvriére; 1970-1980. Paris, Maspero, 1982. p.97-9.
26 Marx, Karl & Engels, Friedrich. A ideologia alemã. Lisboa, Pre- 50 Ver: Michels, Robert. op. cit.; Faria, José Henrique de. op. cito
sença, 1976. p. 35. p. 100-3.
27 Wakefield, E.G. A view of the art of colonization. London, 1894. 51 Ver: Mandei, Ernest. La burocracia. Buenos Aires Schapire
Aput Marx, Karl. O capital. cito p, 374. 1973. ' ,
28 Ver: Weber, Max. Economía y sociedad. México, Fondo de Cul- 52 Ver: Garcia, Manuel Pelayo. Burocracia y tecnocracia. Madrid,
tura Económica, 1969. Alianza Universidad, 1974. p. 20.