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Fichamento n.

9 – Gustavo Fernandes Sales

Dados do texto:
Ricardo de Barros Leonel
A causa petendi nas ações coletivas

O autor principia – primeiro tópico – demonstrando a importância não apenas


teórica, mas também pragmática do estudo, por diversos motivos, entre eles o
fato de que a questão concernente à individuação da demanda guarda
estreitíssima vizinhança com outros importantes institutos processuais, como a
litispendência, a coisa julgada, a cumulação de ações e a modificação da
demanda.
Para evitar simplesmente reproduzir estudos anteriores e cair na “vala comum”
da ausência de originalidade, o autor delimita o estudo da causa de pedir como
elemento destinado à identificação da demanda no processo civil, com
aplicação específica ao denominado “processo coletivo”.
No segundo tópico, o autor rememora conceitos básicos a respeito do tema.
Já na antiguidade, no direito romano, sedimentou-se que uma das formas pelas
quais se tornaria possível a identificação da demanda era a identificação dos
elementos da ação: sujeitos, causa e pedido (teoria dos tria eadem). Essa
teoria ainda é aceita na atualidade, com prevalência sobre a teoria da
identidade da relação jurídica para buscar identificar o conteúdo da demanda.
O Código de Processo Civil estabelece o critério básico destinado à
identificação das ações segundo o conteúdo de seus elementos, ao tratar da
litispendência e da coisa julgada, registrando que “uma ação é idêntica à outra
quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”.
O autor entende, de antemão, que há de ter em mente que de acordo com as
peculiaridades de cada espécie de relação jurídica tutelada, bem como das
modernas relações decorrentes da evolução da vida em sociedade e da própria
ciência processual, a hipótese tradicional exige ampliação ou complementação
através de outros critérios.
No art. 282, III, do CPC, o legislador determina que a petição inicial deverá
conter a exposição do fato e dos fundamentos jurídicos do pedido. Teria sido
adotada a teoria da substanciação?
O autor cita as demandas autodeterminadas e as heterodeterminadas. Nas
primeiras, a identificação se dá simplesmente pelo conteúdo do direito
deduzido, sem a necessidade de especificação dos fatos que teriam dado
nascimento à relação jurídica deduzida em juízo. São exemplos ações que
envolvem os direitos de família e de personalidade e os direitos reais de gozo
(os denominados direitos absolutos).
Já as demandas heterodeterminadas trariam uma relação jurídica substancial
subjacente que em verdade tem caráter relativo (direitos relativos), identificada
não pelo próprio conteúdo do direito, mas através dos fatos que teriam
originado o direito deduzido em juízo. Exemplos desses direitos que dariam
margem a demandas determinadas não pelo conteúdo do direito, mas pelos
fatos deduzidos, seriam os direitos obrigacionais, direitos de crédito e os
direitos reais de garantia, posto que entre as mesmas partes é possível a
existência de múltiplas relações, tendo como objeto o mesmo bem, porém com
diferentes fundamentos.
O autor demonstra que a teoria da individuação traria maiores prejuízos à
ampla defesa e ao contraditório, pela constante possibilidade de formulação de
surpresas ao demandado, em que pese tratar-se de opção de política
legislativa.
Por outro lado, a teoria da substanciação, que tem como pressuposto o
princípio da eventualidade – na primeira oportunidade de manifestação o autor
e o réu devem deduzir toda matéria atinente ao ataque ou defesa –, o autor
deverá deduzir os fatos, além do conteúdo do direito deduzido, e
exclusivamente destes dados da vida real é que irá pronunciar-se o órgão
judicial.
Da leitura do Código de Processo Civil, a doutrina majoritária entende que o
ordenamento positivo adotou a teoria da substanciação, com a necessidade de
consignação na inicial da causa remota (fatos) e da causa proxima
(fundamentos jurídicos do pedido) – “fato e fundamentos jurídicos do pedido”.
O autor cita que a posição não é isenta de críticas, pois poderia se resumir a
uma leitura simplista do texto legal. Cita como exemplo a ação de usucapião
extraordinária, em que seria desnecessária a consignação na inicial dos fatos
originários da posse. Referida ação reclama substanciação muito mais tênue e
singela do que as demais demandas de usucapião (ordinária, constitucional
urbana e constitucional rural).
Autores como Botelho de Mesquita informam que o CPC não adotou
exclusivamente a teoria da substanciação, mas sim uma solução intermediária,
considerando que a exposição dos fatos acaba se fazendo necessária quando
e na exata medida em que imprescindível à caracterização da pretensão
deduzida em juízo.
O autor concluir que respeitadas as peculiaridades de cada caso, em cada
espécie de demanda, ou ainda dos direitos especificamente deduzidos em
juízo, haverá maior ou menor necessidade de indicação dos fatos constitutivos,
que de uma forma ou de outra serão sempre necessários, por força do art. 282
do CPC.
No terceiro tópico, o autor trata do fenômeno do processo coletivo. Diz que a
visão instrumental do processo consiste em dotá-lo de meios, funcionalidade,
características e institutos aptos a fazer com que realmente atinja sua
finalidade de servir efetivamente como instrumento destinado à composição de
conflitos concretos da vida real.
Assim, é pacífico o reconhecimento da necessidade de redimensionamento do
processo civil, para atender às peculiaridades dos conflitos existentes nas
sociedades modernas.
No quarto tópico, o autor trata dos interesses coletivos e seu correto
dimensionamento.
A categoria dos direitos coletivos lato sensu envolve três modalidades, que se
caracterizam pelo maior ou menor grau de dispersão e impossibilidade de
individualização: os difusos, os coletivos (em sentido estrito) e os individuais
homogêneos. O legislador definiu tais conceitos e a doutrina tratou de detalhá-
los.
Para o autor, quanto maior a indeterminação da coletividade interessada (que
ocorre em maior grau nos interesses difusos), menor é a necessidade de
especificação dos fatos caracterizadores de situações individuais concretas a
título de causa de pedir remota, ou seja, fatos a serem narrados na inicial. A
especificação dos fatos (maior substanciação da causa), embora sempre
presente, será maior quando a coletividade for mais determinada.
No quinto tópico, o autor trata das peculiaridades do processo coletivo: os
princípios gerais do processo civil tradicional têm aplicação subsidiária em
matéria de direitos difusos. Nesse sentido encontra-se expressa disposição
legal, determinando que o CPC deve ser aplicado subsidiariamente à matéria
(naquilo que não contrarie as disposições do próprio sistema de tutela de
interesses coletivos). Ademais, há um microssistema interligado pelo CDC e
pela LACP.
Estas peculiaridades levam a observações inerentes ao tema da causa petendi.
Exemplifica com uma hipótese em que a Administração Pública pretende
construir uma obra determinada, para atender ao interesse público. Mas já
malefícios relacionados, como a lesão de um sítio arqueológico ou de área de
riqueza ambiental. O autor não terá como descrever minuciosamente a lesão
ocorrida a A, B ou C, mas sim a lesão ao ecossistema ou ao meio ambiente
como um todo, o que dificilmente admitirá detalhamento. E quanto aos
fundamentos jurídicos, a operação lógica do julgador irá refletir uma opção de
índole não exclusivamente jurídica, mas sim axiológica e até mesmo
sociológica (fundamentos jurídicos e políticos) – um plus consignado a título de
causa de pedir próxima.
Outro ponto é que as demandas coletivas admitem a classificação ou
concepção da causa petendi como sendo simples, composta e complexa, na
medida em que se tenha um único fato apto a justificar uma única pretensão (a
primeira), uma pluralidade de fatos a justificar uma única pretensão (segunda)
e ainda uma pluralidade de fatos aptos a justificar uma pluralidade de
pretensões (terceira hipótese). Mas aqui não se infere maior novidade quanto
ao que ocorre nas demandas de cunho individual.
No sexto tópico, o autor enfrenta o problema da conexão, continência e
litispendência nas ações coletivas.
As regras dos arts. 103. 104 e 105 do CPC têm aplicação em matéria
relacionada aos processos coletivos. Porém, sabe-se que o conceito rígido
exprimido pelo legislador é insuficiente para alcançar todas as hipóteses de
conexão: haveria necessidade de uma releitura dos dispositivos, identificando
neles a conexão com fulcro na assimilação não da identidade de fundamentos
das demandas, exclusivamente, mas sim na identidade da relação jurídica
material, como objeto litigioso do processo. Há casos em que não é a
identidade da causa próxima e causa remota que justifica a reunião de ações a
título de conexão, mas sim a identidade da relação substancial em sentido
amplo. Esse mesmo fenômeno se manifesta no que atine às ações coletivas,
com flexibilidade e notoriedade ainda maiores, intimamente relacionadas às
peculiaridades da legitimação para agir e das especificidades dos direitos nelas
tutelados. Em verdade, não se impõe a identidade de partes, mas a “identidade
de condição jurídica das partes”. Assim, no caso de duas ações ajuizadas por
associações diversas, versando sobre os mesmos fatos, a definição legal de
conexão seria insuficiente: a causa deveria ser interpretada como identidade de
relação jurídica substancial, ainda que entre pessoas distintas, mas providas da
mesma condição jurídica. Isto implicaria o reconhecimento de duas ações
idênticas – litispendência.
Parcela da doutrina entende que haveria continência entre a ação coletiva e a
demanda individual, mas Antônio Gidi afirma posição contrária, no sentido de
que não há possibilidade de comparação dos elementos de uma ação
individual e os de uma demanda coletiva.
A hipótese é regulamentada pelo próprio CDC, na medida em que o art. 104
reconhece que as ações coletivas não induzem litispendência para as ações
individuais. Se não há litispendência, as demandas são distintas em seus
elementos constitutivos.
Ademais, nada obstante a distinção quanto aos autores, se foram propostas
demanda popular e demanda civil pública distintas, desde que iguais o objeto e
a causa de pedir, levarão à ocorrência de litispendência. A diferença entre os
legitimados não exclui a identidade de partes ativas.
No sétimo tópico, o autor trata do litisconsórcio em ações coletivas. O autor
diz que a causa de pedir é apenas um dos critérios levados em conta pelo
ordenamento processual para admitir ou não o cúmulo subjetivo nas ações. E o
mesmo se observa no processo coletivo, com peculiaridades. A amplitude de
admissão do litisconsórcio ou assistência litisconsorcial ulterior é ainda maior
nos processos coletivos.
No oitavo tópico, o autor trata da coisa julgada. A causa de pedir fornece
critério para delimitação dos efeitos da coisa julgada, mas não em todas as
circunstâncias. O sistema introduzido pela LACP e pelo CDC estabelece a
coisa julgada secundum eventum litis, no sentido da maior ou menor
abrangência dos efeitos da decisão, de acordo com a sorte da demanda.
O art. 103 do CDC determina os efeitos da coisa julgada nas ações coletivas:
erga omnes, ultra partes ou erga omnes apenas no caso de procedência do
pedido.
O que se verifica na disciplina normativa é que nas hipóteses de procedência
das demandas coletivas ter-se-á a produção de efeitos que extrapolam os
lindes subjetivos da demanda, valendo os efeitos erga omnes e ultra partes.
Em conclusão, o autor afirma que a ideia dos três elementos das ações, com
maior importância e relevo a causa petendi, serve como ponto de partida para
a identificação e individualização das demandas, mas não é o único e exclusivo
critério adotado no sistema processual brasileiro para este fim. Esse problema
do processo individual se verifica com maior evidência no processo coletivo.

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