Dados do texto: Ricardo de Barros Leonel A causa petendi nas ações coletivas
O autor principia – primeiro tópico – demonstrando a importância não apenas
teórica, mas também pragmática do estudo, por diversos motivos, entre eles o fato de que a questão concernente à individuação da demanda guarda estreitíssima vizinhança com outros importantes institutos processuais, como a litispendência, a coisa julgada, a cumulação de ações e a modificação da demanda. Para evitar simplesmente reproduzir estudos anteriores e cair na “vala comum” da ausência de originalidade, o autor delimita o estudo da causa de pedir como elemento destinado à identificação da demanda no processo civil, com aplicação específica ao denominado “processo coletivo”. No segundo tópico, o autor rememora conceitos básicos a respeito do tema. Já na antiguidade, no direito romano, sedimentou-se que uma das formas pelas quais se tornaria possível a identificação da demanda era a identificação dos elementos da ação: sujeitos, causa e pedido (teoria dos tria eadem). Essa teoria ainda é aceita na atualidade, com prevalência sobre a teoria da identidade da relação jurídica para buscar identificar o conteúdo da demanda. O Código de Processo Civil estabelece o critério básico destinado à identificação das ações segundo o conteúdo de seus elementos, ao tratar da litispendência e da coisa julgada, registrando que “uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”. O autor entende, de antemão, que há de ter em mente que de acordo com as peculiaridades de cada espécie de relação jurídica tutelada, bem como das modernas relações decorrentes da evolução da vida em sociedade e da própria ciência processual, a hipótese tradicional exige ampliação ou complementação através de outros critérios. No art. 282, III, do CPC, o legislador determina que a petição inicial deverá conter a exposição do fato e dos fundamentos jurídicos do pedido. Teria sido adotada a teoria da substanciação? O autor cita as demandas autodeterminadas e as heterodeterminadas. Nas primeiras, a identificação se dá simplesmente pelo conteúdo do direito deduzido, sem a necessidade de especificação dos fatos que teriam dado nascimento à relação jurídica deduzida em juízo. São exemplos ações que envolvem os direitos de família e de personalidade e os direitos reais de gozo (os denominados direitos absolutos). Já as demandas heterodeterminadas trariam uma relação jurídica substancial subjacente que em verdade tem caráter relativo (direitos relativos), identificada não pelo próprio conteúdo do direito, mas através dos fatos que teriam originado o direito deduzido em juízo. Exemplos desses direitos que dariam margem a demandas determinadas não pelo conteúdo do direito, mas pelos fatos deduzidos, seriam os direitos obrigacionais, direitos de crédito e os direitos reais de garantia, posto que entre as mesmas partes é possível a existência de múltiplas relações, tendo como objeto o mesmo bem, porém com diferentes fundamentos. O autor demonstra que a teoria da individuação traria maiores prejuízos à ampla defesa e ao contraditório, pela constante possibilidade de formulação de surpresas ao demandado, em que pese tratar-se de opção de política legislativa. Por outro lado, a teoria da substanciação, que tem como pressuposto o princípio da eventualidade – na primeira oportunidade de manifestação o autor e o réu devem deduzir toda matéria atinente ao ataque ou defesa –, o autor deverá deduzir os fatos, além do conteúdo do direito deduzido, e exclusivamente destes dados da vida real é que irá pronunciar-se o órgão judicial. Da leitura do Código de Processo Civil, a doutrina majoritária entende que o ordenamento positivo adotou a teoria da substanciação, com a necessidade de consignação na inicial da causa remota (fatos) e da causa proxima (fundamentos jurídicos do pedido) – “fato e fundamentos jurídicos do pedido”. O autor cita que a posição não é isenta de críticas, pois poderia se resumir a uma leitura simplista do texto legal. Cita como exemplo a ação de usucapião extraordinária, em que seria desnecessária a consignação na inicial dos fatos originários da posse. Referida ação reclama substanciação muito mais tênue e singela do que as demais demandas de usucapião (ordinária, constitucional urbana e constitucional rural). Autores como Botelho de Mesquita informam que o CPC não adotou exclusivamente a teoria da substanciação, mas sim uma solução intermediária, considerando que a exposição dos fatos acaba se fazendo necessária quando e na exata medida em que imprescindível à caracterização da pretensão deduzida em juízo. O autor concluir que respeitadas as peculiaridades de cada caso, em cada espécie de demanda, ou ainda dos direitos especificamente deduzidos em juízo, haverá maior ou menor necessidade de indicação dos fatos constitutivos, que de uma forma ou de outra serão sempre necessários, por força do art. 282 do CPC. No terceiro tópico, o autor trata do fenômeno do processo coletivo. Diz que a visão instrumental do processo consiste em dotá-lo de meios, funcionalidade, características e institutos aptos a fazer com que realmente atinja sua finalidade de servir efetivamente como instrumento destinado à composição de conflitos concretos da vida real. Assim, é pacífico o reconhecimento da necessidade de redimensionamento do processo civil, para atender às peculiaridades dos conflitos existentes nas sociedades modernas. No quarto tópico, o autor trata dos interesses coletivos e seu correto dimensionamento. A categoria dos direitos coletivos lato sensu envolve três modalidades, que se caracterizam pelo maior ou menor grau de dispersão e impossibilidade de individualização: os difusos, os coletivos (em sentido estrito) e os individuais homogêneos. O legislador definiu tais conceitos e a doutrina tratou de detalhá- los. Para o autor, quanto maior a indeterminação da coletividade interessada (que ocorre em maior grau nos interesses difusos), menor é a necessidade de especificação dos fatos caracterizadores de situações individuais concretas a título de causa de pedir remota, ou seja, fatos a serem narrados na inicial. A especificação dos fatos (maior substanciação da causa), embora sempre presente, será maior quando a coletividade for mais determinada. No quinto tópico, o autor trata das peculiaridades do processo coletivo: os princípios gerais do processo civil tradicional têm aplicação subsidiária em matéria de direitos difusos. Nesse sentido encontra-se expressa disposição legal, determinando que o CPC deve ser aplicado subsidiariamente à matéria (naquilo que não contrarie as disposições do próprio sistema de tutela de interesses coletivos). Ademais, há um microssistema interligado pelo CDC e pela LACP. Estas peculiaridades levam a observações inerentes ao tema da causa petendi. Exemplifica com uma hipótese em que a Administração Pública pretende construir uma obra determinada, para atender ao interesse público. Mas já malefícios relacionados, como a lesão de um sítio arqueológico ou de área de riqueza ambiental. O autor não terá como descrever minuciosamente a lesão ocorrida a A, B ou C, mas sim a lesão ao ecossistema ou ao meio ambiente como um todo, o que dificilmente admitirá detalhamento. E quanto aos fundamentos jurídicos, a operação lógica do julgador irá refletir uma opção de índole não exclusivamente jurídica, mas sim axiológica e até mesmo sociológica (fundamentos jurídicos e políticos) – um plus consignado a título de causa de pedir próxima. Outro ponto é que as demandas coletivas admitem a classificação ou concepção da causa petendi como sendo simples, composta e complexa, na medida em que se tenha um único fato apto a justificar uma única pretensão (a primeira), uma pluralidade de fatos a justificar uma única pretensão (segunda) e ainda uma pluralidade de fatos aptos a justificar uma pluralidade de pretensões (terceira hipótese). Mas aqui não se infere maior novidade quanto ao que ocorre nas demandas de cunho individual. No sexto tópico, o autor enfrenta o problema da conexão, continência e litispendência nas ações coletivas. As regras dos arts. 103. 104 e 105 do CPC têm aplicação em matéria relacionada aos processos coletivos. Porém, sabe-se que o conceito rígido exprimido pelo legislador é insuficiente para alcançar todas as hipóteses de conexão: haveria necessidade de uma releitura dos dispositivos, identificando neles a conexão com fulcro na assimilação não da identidade de fundamentos das demandas, exclusivamente, mas sim na identidade da relação jurídica material, como objeto litigioso do processo. Há casos em que não é a identidade da causa próxima e causa remota que justifica a reunião de ações a título de conexão, mas sim a identidade da relação substancial em sentido amplo. Esse mesmo fenômeno se manifesta no que atine às ações coletivas, com flexibilidade e notoriedade ainda maiores, intimamente relacionadas às peculiaridades da legitimação para agir e das especificidades dos direitos nelas tutelados. Em verdade, não se impõe a identidade de partes, mas a “identidade de condição jurídica das partes”. Assim, no caso de duas ações ajuizadas por associações diversas, versando sobre os mesmos fatos, a definição legal de conexão seria insuficiente: a causa deveria ser interpretada como identidade de relação jurídica substancial, ainda que entre pessoas distintas, mas providas da mesma condição jurídica. Isto implicaria o reconhecimento de duas ações idênticas – litispendência. Parcela da doutrina entende que haveria continência entre a ação coletiva e a demanda individual, mas Antônio Gidi afirma posição contrária, no sentido de que não há possibilidade de comparação dos elementos de uma ação individual e os de uma demanda coletiva. A hipótese é regulamentada pelo próprio CDC, na medida em que o art. 104 reconhece que as ações coletivas não induzem litispendência para as ações individuais. Se não há litispendência, as demandas são distintas em seus elementos constitutivos. Ademais, nada obstante a distinção quanto aos autores, se foram propostas demanda popular e demanda civil pública distintas, desde que iguais o objeto e a causa de pedir, levarão à ocorrência de litispendência. A diferença entre os legitimados não exclui a identidade de partes ativas. No sétimo tópico, o autor trata do litisconsórcio em ações coletivas. O autor diz que a causa de pedir é apenas um dos critérios levados em conta pelo ordenamento processual para admitir ou não o cúmulo subjetivo nas ações. E o mesmo se observa no processo coletivo, com peculiaridades. A amplitude de admissão do litisconsórcio ou assistência litisconsorcial ulterior é ainda maior nos processos coletivos. No oitavo tópico, o autor trata da coisa julgada. A causa de pedir fornece critério para delimitação dos efeitos da coisa julgada, mas não em todas as circunstâncias. O sistema introduzido pela LACP e pelo CDC estabelece a coisa julgada secundum eventum litis, no sentido da maior ou menor abrangência dos efeitos da decisão, de acordo com a sorte da demanda. O art. 103 do CDC determina os efeitos da coisa julgada nas ações coletivas: erga omnes, ultra partes ou erga omnes apenas no caso de procedência do pedido. O que se verifica na disciplina normativa é que nas hipóteses de procedência das demandas coletivas ter-se-á a produção de efeitos que extrapolam os lindes subjetivos da demanda, valendo os efeitos erga omnes e ultra partes. Em conclusão, o autor afirma que a ideia dos três elementos das ações, com maior importância e relevo a causa petendi, serve como ponto de partida para a identificação e individualização das demandas, mas não é o único e exclusivo critério adotado no sistema processual brasileiro para este fim. Esse problema do processo individual se verifica com maior evidência no processo coletivo.