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ANDI Ministério da Justiça – Secretaria Nacional de Justiça – Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação
Classificação Indicativa
Construindo a cidadania na tela da tevê
Realização
Em aliança com
EXPEDIENTE
CDU: 316.774
Sumário
Apresentação
O
objetivo desta publicação é debater, ampa-
rado por diferentes perspectivas teóricas, a
prática da classificação. E, por conseqüência,
apresentar uma Nova Classificação Indicativa que é
resultado das diferentes discussões que o Ministério
da Justiça, por meio de sua Secretaria Nacional de
Justiça, realizou ao longo destes últimos quatro anos
em parceria com órgãos estatais, com empresas de
comunicação e organizações não-governamentais.
Este livro pretende demonstrar que a Nova Clas-
sificação Indicativa se constitui como um instru-
mento de consolidação do Estado Democrático de
Direito. Porque, por um lado, significa a exclusão
definitiva de todos os vestígios da malfadada censu-
ra que restavam na estrutura do Estado e, por outro,
significa a inclusão da Classificação Indicativa no rol
dos meios legais de promoção dos direitos humanos
– entre outros, o direito à liberdade de expressão.
Por isso pode-se categoricamente afirmar que a
Nova Classificação não institui, de forma dissimula-
da, a auto-regulamentação e muito menos a censura.
E nem poderia, porque tanto uma como a outra cor-
respondem a “modelos normativos” – respectiva-
mente, Estado Liberal e Estado Social – já definiti- momento, após todo o trabalho realizado durante o
vamente superados. A Constituição Federal de 1988, governo do presidente Lula, constitui-se como um
que institui o Estado Democrático de Direito (mo- autêntico sistema de defesa e proteção de nossas li-
delo em vigor), textualmente refuta a auto-regula- berdades fundamentais, isto é, como uma instituição
mentação ao definir, em seu artigo 21, que compete verdadeiramente republicana.
à União “exercer a classificação indicativa” e ao mes- Por fim, faz-se necessário reafirmar que a classifi-
mo tempo veda, sobretudo no artigo 220, “qualquer cação é meramente indicativa porque não tem o poder
censura de natureza política, ideológica e artística”. de proibir o acesso de crianças e adolescentes a qual-
Neste volume estão postos os fundamentos con- quer diversão pública. Quem controla são os pais. Ao
ceituais e normativos da Nova Classificação Indicati- Estado cabe garantir meios eficazes para o exercício
va. Aqui ela pode claramente ser compreendida como desse controle sobre o acesso; ao Estado cabe infor-
norma constitucional processual que resulta do equilí- mar objetivamente para que os pais possam exercer
brio entre o direito à liberdade de expressão e o dever sua liberdade de escolha.
de proteção absoluta à criança e ao adolescente. O livro que, numa parceria promissora, a Agên-
A iniciativa de vincular o exercício da classifica- cia de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI, a
ção à realização dos direitos humanos – adotada, em Save the Children Suécia, a Fundação Avina e o Mi-
2002, pelo então ministro da Justiça José Gregori – nistério da Justiça trazem a lume faz mais do que
teve o condão de transformar a Classificação Indicati- registrar os desafios e as conquistas vividos por
va em um tema de relevância pública. O ministro José pessoas e instituições comprometidas com a re-
Gregori, com coragem e ousadia, lançou-se à confi- alização da Constituição Federal. Esta obra conta
guração de uma classificação democrática que, neste parte da história de redemocratização do país.
A
ANDI – Agência de Notícias dos Direitos entre as empresas e a sociedade, a relevância da re-
da Infância, a partir de convênio com o gulação estatal, o papel dos distintos sistemas de res-
Departamento de Justiça, Classificação, ponsabilização dos meios de comunicação de massa
Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça, são conceitos, temas ou fenômenos que vêm se des-
elaborou no primeiro semestre de 2006 um docu- tacando como foco de intensas e amplas reflexões ao
mento com ampla reflexão sobre as diversas ques- longo da última década.
tões relacionadas ao processo de Classificação Exatamente por isso, o objetivo central da presente
Indicativa de conteúdos audiovisuais. publicação é desafiador: busca-se encontrar as inter-
Agora editado em versão impressa e em três seções entre estes diferentes nichos do conhecimen-
idiomas (português, espanhol e inglês) – resulta- to, as preocupações públicas e privadas e os conflitos
do da integração da Save the Children Suécia e da de interesses envolvendo atores diversos.
Fundação Avina à iniciativa –, o trabalho objetiva Inúmeras são as rotas que poderiam ser eleitas para
contribuir para o debate público em torno desse aprofundar um debate com estas características. Não
importante tema. obstante, aqui os esforços concentraram-se em um úni-
Ao longo das páginas a seguir, são analisados os co eixo condutor, por si já bastante complexo: a Classifi-
aspectos centrais relacionados às políticas públicas cação Indicativa de conteúdos audiovisuais com vistas à
de Classificação Indicativa. Além disso, procurou- proteção dos direitos de crianças e adolescentes.
se contextualizar como a temática vem sendo con- Classificar indicativamente a programação dos
duzida em outros países. Por fim, e como resultado diferentes tipos de mídia consiste em apontar con-
desse esforço de pesquisa, é apresentada uma pro- teúdos apropriados ou inapropriados para crianças e
posta de reordenação do modelo de Classificação adolescentes, em consonância com suas faixas etárias
Indicativa brasileiro. e com seus lugares de inserção biopsicossocial. Não
O s direitos das crianças e adolescentes, o impacto obstante, é preciso assinalar, são inúmeras – e, às ve-
dos conteúdos midiáticos, a necessidade de diálogo zes, antagônicas – as formas de fazê-lo.
Convidamos, então, os atores relevantes nes- A televisão, enquanto instituição emissora/pro-
sa discussão – crianças, adolescentes, famílias, dutora de conteúdos audiovisuais, pode e deve
educadores, especialistas, Estado, sociedade ci- ser democraticamente regulada pelos Esta-
vil organizada e empresas – a deterem-se mais dos nacionais.
pormenorizadamente em uma linha de raciocínio A Classificação Indicativa é um modelo de regula-
que pretende contribuir de maneira consistente e ção específico que será tão ou mais eficiente quan-
fundamentada (porém não definitiva ou absoluta), to mais desenvolvidos forem os outros parâmetros
para um debate de suma importância para as socie- do marco regulatório.
dades contemporâneas. A Classificação Indicativa não deve ser entendida
Vale lembrar que vivemos um momento histórico como forma de censura ou como limitadora das
no qual os conteúdos audiovisuais – especialmente visões mais avançadas acerca do conceito de liber-
os veiculados pela televisão, mas não só – são de es- dade de expressão.
pecial centralidade para a constituição não apenas Sabemos que não se logrará consenso em uma
daquilo que somos e que seremos, mas também da reflexão na qual diferentes atores ocupam posições
forma como nos entendemos e entendemos os outros já reconhecidamente demarcadas e, não raro, como
e o mundo a nosso redor. Logo, a preocupação com a costuma ocorrer em regimes democráticos, diver-
configuração desses mesmos conteúdos não pode ser gentes. Porém, teremos avançado consideravelmen-
de pequena monta – ao contrário. te se a interlocução entre estes atores passar a pau-
Nesse sentido, os capítulos que seguem procuram tar-se por parâmetros assegurados pela Constituição
apresentar uma proposta de política pública funda- brasileira e convenções internacionais que regem o
mentada em cinco questões centrais: tema – ou seja, busca-se facilitar o estabelecimen-
A Classificação Indicativa pode e deve ser com- to de um verdadeiro diálogo, em substituição ao que
preendida como um instrumento de proteção e muitas vezes soa como conjunto desconexo de vári-
promoção dos direitos humanos, assim como uma os monólogos.
ferramenta importante de diálogo com e de empo- O trabalho recente do Ministério da Justiça pavi-
deramento da sociedade. mentou, de forma sem precedentes no Brasil contem-
A criança e o adolescente, depositários de uma porâneo, as bases para esse debate. Contudo, avan-
atenção absolutamente prioritária pelo Estado, ça-se com muitas e significativas dificuldades, várias
pela sociedade e pela família, devem ser especial- delas advindas das resistências ainda oferecidas por
mente considerados nesse processo. algumas das partes interessadas.
Esperamos, portanto, que os argumentos apre- (Brasília, setembro de 2006); do II Congresso Bra-
sentados ao longo desta publicação transformem-se sileiro de Psicologia: Ciência e Profissão (São Paulo,
em elementos para dirimir algumas destas dificulda- setembro de 2006) e do 2º Encontro Rio-Mídia (Rio
des, aprofundar um debate qualificado e possibilitar a de Janeiro, outubro de 2006) tiveram a oportunida-
emergência de novas questões a serem discutidas. de de comentar os principais elementos esmiuçados
Desde abril de 2006, uma versão preliminar do a seguir.
presente texto está disponível para download no sí- A solidez do conteúdo construído e a repercussão
tio do Ministério da Justiça. Adicionalmente, o ar- obtida até o momento foram alguns dos elementos
gumento que pode ser identificado como a espinha que contribuíram para a decisão de disponibilizar a
dorsal das reflexões aqui delineadas foi debatido em presente publicação não apenas em português, bus-
ocasiões distintas e com públicos diversos. Partici- cando-se viabilizar também as versões em castelhano
pantes do Seminário Nacional sobre Classificação e inglês. Dessa forma, espera-se que as reflexões so-
Indicativa (Brasília, julho de 2006); do VIII Con- bre Classificação Indicativa aqui elencadas alcancem
gresso Latino-americano de Pesquisadores da Co- os públicos mais variados possíveis e, idealmente,
municação (Porto Alegre, julho de 2006); do XXIX possam inspirar avanços nas políticas relativas a este
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação tema no âmbito de outras nações. Boa leitura.
Veet Vivarta
Secretário Executivo
ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância
Per Tamm
Representante Oficial para América Latina e Caribe
Save the Children Suécia
Francisco Azevedo
Representante para o Sudeste e Distrito Federal
Fundação Avina
Introdução
9
Um breve olhar
sobre o cenário brasileiro
Conhecer a fundo a realidade
socioeconômica brasileira, bem como o
contexto nacional referente à regulação A
»
construção de qualquer política pública
implica a compreensão do contexto cultu-
ral, econômico, histórico, político e social
dos meios de comunicação, é uma tarefa no qual tal política virá a ser inserida. Esta análise
fundamental para que avancemos na de cenário é de suma relevância não só para ava-
discussão sobre a Classificação Indicativa. liar o grau de receptividade ou resistência com o
Nesse sentido, antes de analisarmos os qual será recebida por distintos atores, mas tam-
aspectos mais diretamente ligados ao bém para a identificação das potencialidades ou
tema enfocado pelo presente documento, debilidades desta ou daquela estratégia e para a
procuramos traçar uma breve visão do determinação da necessidade de se fortalecer este
cenário em que esse debate se insere em ou aquele formato. Isso também se aplica, natural-
nosso País. mente, a uma política de Classificação Indicativa
dos conteúdos audiovisuais: ou seja, sua inserção
e consolidação serão tão mais eficientes, eficazes
e efetivas quanto melhor conheçamos o cenário
nacional com o qual estamos trabalhando.
Interessam-nos principalmente, neste caso, dois
conjuntos complementares de informações: os que
dão conta da realidade de crianças e adolescentes e
aqueles que sublinham as características do mode-
lo de desenvolvimento (e, logo, de capitalismo) que
logramos implementar nos últimos 500 anos. A per-
tinência de observar o primeiro grupo de dados é ób-
via: crianças e adolescentes são (ou deveriam ser) os
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
10
públicos prioritários de uma política de Classificação quadro é ainda mais preocupante. A taxa de homicí-
Indicativa. No que diz respeito ao segundo, vale des- dio entre este grupo, por exemplo, é tão alta que levou
tacar que quaisquer estratégias regulatórias envol- o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soa-
vendo empresas que têm papel central no processo de res, em artigo publicado no livro Juventude e Socieda-
desenvolvimento – e aquelas do ramo da comunicação de: trabalho, educação, cultura e participação, a referir-
encaixam-se plenamente nesta definição – devem se a ela como um “verdadeiro genocídio”.
levar em consideração os aspectos socioeconômicos Entre os brasileiros de 15 a 19 anos, a taxa de ho-
que determinam sua atuação. micídio por 100.000 habitantes é de 42,7, número que
sobe para 67,7 entre o grupo de 20 a 24 anos (valor mais
Crianças e adolescentes em foco elevado entre todas as faixas etárias), de acordo com le-
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra vantamento do sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz publi-
Domiciliar 2005, do Instituto Brasileiro de Geo- cado na pesquisa Mapa da Violência IV: os jovens do Bra-
grafia e Estatísticas (IBGE), são cerca de 60 mi- sil. Juventude, violência e cidadania, produzida pela Or-
lhões de crianças e adolescentes no Brasil. Destes, ganização das Nações Unidas para a Educação, Ciência
14,6 milhões têm de 0 a 4 anos de idade; 17 mi- e Cultura (Unesco), Instituto Ayrton Senna e Secretaria
lhões de 5 a 9 anos; 17,1 milhões de 10 a 14 anos; e de Direitos Humanos da Presidência da República.
10,7 milhões de 15 a 17 anos. Em síntese, crianças A situação fica ainda pior quando olhamos para os
e adolescentes representam cerca de um terço da jovens negros e pobres. A taxa de homicídios entre a
população nacional. população jovem parda e negra, segundo o mesmo le-
Os indicadores mostram, porém, que sua repre- vantamento, é 74% superior àquela entre a população
sentatividade não garante benefícios proporcionais. jovem branca.
Edição de 2003 do relatório Situação da Infância e Ado- Encontramos sinalizadores de desigualdades e
lescência Brasileira, do Fundo das Nações Unidas para sérios problemas sociais também em outras áreas: o
a Infância (Unicef), aponta que 33,2% das crianças e Índice de Desenvolvimento Juvenil, indicador ela-
adolescentes possuem mães com baixa ou nenhuma es- borado pela Unesco que leva em consideração temas
colaridade; 44,96% são pobres; 17,32% não têm acesso como educação, saúde e renda, é fortemente díspar
à água potável; 18,72% não contam com nenhum tipo entre as Unidades da Federação. Enquanto em Santa
de depósito de esgoto; 8,28% trabalham. Catarina (primeiro colocado) temos um índice glo-
Quando se olha especificamente para os jovens bal de 0,673, em Alagoas (último colocado) ele é de
– ou seja, aqueles com idade entre 15 e 24 anos –, o 0,337. Além disso, segundo a pesquisa Perfil da Ju-
Introdução
11
ventude Brasileira, produzida pelo Instituto Cidada- abriga nada menos de 50 milhões de habitantes vi-
nia, 42% de nossos jovens não atingiram o ensino vendo em famílias com rendimento médio mensal per
médio, etapa adequada para a idade; coincidente- capita de meio salário mínimo. No ranking do índice
mente, 42% vivem em famílias com renda inferior de Gini, somos a oitava nação do mundo em desigual-
a dois salários mínimos, proporção que salta para dade social: enquanto os 10% mais ricos se apropriam
62% na região Nordeste. Mais de 31% das jovens de 47% da renda nacional, os 10% mais pobres ficam
entrevistadas pela mesma pesquisa já têm filhos, com 0,7% do bolo.
sendo que 47% destas disseram ter tido o primeiro É a partir desse tipo de cenário que nosso País
filho antes dos 18 anos. vem chamando a atenção de especialistas de entida-
Essa pequena amostra de dados salienta que des como o Banco Mundial (Bird). Em um documen-
parcela significativa do “problema social brasilei- to apresentado em setembro de 2005, os técnicos do
ro” tem endereço bastante bem definido: a infância banco afirmam que caminhamos rumo ao que cha-
e a adolescência. Se observarmos os indicadores mam de “armadilha da iniqüidade”. Para os autores
segundo recortes de gênero e raça/etnia, também do texto, um dos fatores que geram essa condição de
fica claro que as dificuldades são ainda maiores desigualdade crônica é a existência histórica de uma
para certos grupos. elite econômica e política que segue criando meca-
nismos financeiros e legislativos para assegurar seus
Impactos da desigualdade privilégios e manter-se no poder.
Se quisermos dar conta de descrever o contexto so- A verdade é que há uma distância considerável en-
cioeconômico que determina a atuação das empresas tre o grau de amadurecimento institucional de nosso
de comunicação – e que, portanto, deve informar es- País, cuja democracia formal está amplamente con-
tratégias de regulação do setor –, não podemos deixar solidada e os indicadores que denotam (ou não) uma
de analisar uma de suas características mais marcan- democratização da qualidade de vida. Veja-se que,
tes: a desigualdade. por exemplo, quando olhamos o Índice de Desenvol-
Os indicadores macroeconômicos não deixam vimento Humano (IDH), em que pesem as melhoras
dúvidas: ainda que o Brasil tenha um Produto Inter- dos últimos anos, seguimos consideravelmente atrás
no Bruto (PIB) de R$ 1,9 trilhão (o nono maior do de muitos vizinhos latino-americanos.
mundo e o primeiro da América Latina) –, de acordo E mesmo diante da inegável consolidação de nos-
com dados mencionados no documento A cooperação sas estruturas formais de democracia, é interessante
do Unicef com o Brasil para o período 2007-2011 – o País trazer à baila o ranking desenvolvido pela revista britâ-
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
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nica The Economist. O estudo identificou que, embora liberais os pioneiros no desenvolvimento de um sis-
metade dos países do globo possam ser considerados tema complexo de regulação da atividade econômica.
democráticos, apenas 28 possuem uma condição de A primeira agência reguladora de caráter nacional e
democracia plena. Classificado na 42ª posição, pode- independente, por exemplo, foi estabelecida pelo
se afirmar que o Brasil ainda tem um considerável ca- Congresso dos Estados Unidos em 1887, e uma das
minho a trilhar para alcançar um cenário institucio- principais conseqüências da Crise da Bolsa de Valores
nal de ponta, inclusive nesta temática. norte-americana, em 1929, foi a implantação, pelo
governo do presidente Franklin Delano Roosevelt, de
Falhas de mercado diversas agências reguladoras do mercado.
Não raro, o quadro acima exposto – de considerá- Também uma análise da atualidade contradiz o
vel diferencial de poder entre os poucos que detêm argumento do lobby privado brasileiro. Não é raro
os muitos recursos (econômicos, políticos) e os constatar, por exemplo, que algumas empresas de-
inúmeros que deles são constante e historicamen- senvolvem práticas mais adequadas na relação com
te privados – impede transformações regulatórias os cidadãos e consumidores em suas matrizes do
com vistas à proteção dos cidadãos, via de regra, ca- que fazem aqui. Um exemplo é o da venda fracio-
rentes dos meios necessários para fazer frente ao nada de medicamentos. Em diversos países onde
lobby articulado pelo Setor Privado. Adicionalmen- estão localizadas as sedes de alguns dos maiores
te, uma estrutura debilitada de regulação das em- laboratórios, os consumidores podem adquirir re-
presas contribui para que comportamentos even- médios na quantidade exata prescrita pelo médico.
tualmente desviantes não sejam enquadrados pelo Em nações como o Brasil, no entanto, tal direito
Estado –, ao menos não com o rigor adotado em demorou a ser conquistado formalmente, e tanto a
outras nações. Colabora para este quadro também população como o Estado amargaram gastos pro-
a fragilidade de mecanismos de transparência e/ou vindos do desperdício.
accountability das relações entre público e privado A publicação em 2005, do Decreto 5.348/05, re-
que faz com que as inter-relações, nem sempre re- gulamentando a venda fracionada de medicamentos
publicanas, entre os representantes de um e de ou- no País, foi fortemente criticada por representantes
tro mundo não sejam esclarecidas. da indústria farmacêutica, sob o argumento de que
Essa tese, contudo, não se coloca, necessariamen- a realidade brasileira não comportaria esse avan-
te, como uma constante na história do capitalismo. ço. Em entrevista à revista semanal CartaCapital, o
São justamente os países tidos como amplamente especialista em economia social, Ladislau Dowbor,
Introdução
13
não demonstra surpresa com essa atitude: “Quando bate público acerca dessa forma de organização da
países como o nosso começam a exigir normas mais sociedade, contudo, muitas vezes caracterizam-se
rigorosas, semelhantes às dos mais desenvolvidos, por falhas semelhantes de mercado: estão conecta-
os laboratórios ficam com medo de perder as ‘vacas das a grupos políticos e são objetos de oligopólios
leiteiras’ que lhes fornecem lucros fáceis”. locais, por exemplo.
No caso do setor comunicacional, as limitações Como fazê-lo, em um ambiente no qual o setor
do modelo regulatório brasileiro também ficam de radiodifusão seja talvez o exemplo mais contun-
evidentes quando o comparamos à realidade de dente de um sistema de regulação deficiente, de
outros países. Tomemos novamente como exemplo fortes privilégios históricos a alguns atores (dado
os Estados Unidos: se implementássemos exata- o sistema personalista de concessões públicas na
mente as mesmas definições regulatórias que eles área) e dos mais eficientes lobbies para que formas
possuem para as empresas de comunicação, uma alternativas de configuração do sistema não avan-
grande redefinição do sistema de propriedade no çassem – ou avançassem de maneira fortemente
setor deveria ocorrer. Uma empresa norte-ame- tutelada (como é o caso das rádios comunitárias)?
ricana, por exemplo, não pode ser, sozinha, pro- É a essa pergunta que tentaremos responder na
prietária de jornais e estações de televisão em uma próxima seção.
mesma localidade. Também teremos a oportunidade
de constatar, no Capítulo 5, que os mecanismos de Contexto comunicacional
Classificação Indicativa brasileiros são menos se- A concepção ocidental e contemporânea de democra-
veros do que aqueles adotados por países conside- cia, conforme veremos em mais detalhes no Capítulo
rados democracias liberais. 3, está umbilicalmente conectada ao advento da co-
Os meios de comunicação poderiam desempe- municação de massa.
nhar papel central para transformar esse cenário: Desde as discussões para a elaboração da Consti-
oferecendo espaço igualitário para modelos al- tuição dos Estados Unidos – um dos primeiros do-
ternativos de desenvolvimento do País, ao cum- cumentos definidores dos regimes democráticos
prir sua tarefa de informar contextualizadamente modernos –, a imprensa era apontada como um ator-
a população, e exercendo um controle social mais chave no processo de monitoramento externo dos go-
efetivo das atividades do Estado e de sua relação vernos que estavam sendo criados. O controle da cor-
com os demais setores da sociedade. As empresas rupção, por exemplo, aparecia como uma das prin-
de comunicação que teriam o papel de lançar o de- cipais atribuições do novo watchdog. Além disso, os
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
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meios de comunicação passaram a ser reconhecidos consolidado acaba por tornar ainda mais perversa a
como atores cada vez mais fundamentais no processo lógica da concentração da propriedade no setor e a
de informação do eleitorado, a respeito dos temas de destinação de concessões de radiodifusão para gru-
interesse público. pos políticos locais. Tais características dificultam
As empresas de mídia, entretanto, foram paula- o debate público e a adoção de medidas que possam
tinamente adquirindo – ou a elas terminaram sendo alterar a operação destas empresas – especialmen-
atribuídos – poderes adicionais. Além de participa- te o das emissoras de rádio e de televisão. Aqui, os
rem do sistema de accountability dos governos e de assuntos relacionados às atividades dos próprios
fornecerem informação – idealmente objetiva e neu- meios de comunicação costumam ser mantidos em
tra – à população, elas assumiram papel crucial no um plano secundário pela mídia, quando não são
processo de integração social e na definição da agen- totalmente ignorados.
da pública de decisões. Em outras palavras, passaram As pautas dos programas jornalísticos, por exem-
de espectadoras a agentes do processo de desenvolvi- plo, raramente incorporam temas como “concentra-
mento. Essa função convive, ademais, com o fato de ção de propriedade dos meios de comunicação”, “lei
que a mídia é inevitavelmente mediadora do debate geral da radiodifusão”, “aprimoramento dos meca-
acerca do modelo de desenvolvimento que queremos nismos de direito de respostas”, “direito de antena”
e das políticas fundamentais para alcançá-lo. ou “direito humano à comunicação”. As propostas
Ao assumirem esses papéis, as empresas de co- de regulação dos sistemas de mediação de mensagens,
municação automaticamente tornam-se, em todo o caso da Classificação Indicativa, também aparecem
mundo, peças muito importantes seja na consolida- pouco na cobertura das emissoras.
ção, seja na reforma do status quo no que diz respeito a A responsabilidade por esse tipo de cenário, é
aspectos tão centrais como as políticas de desenvolvi- preciso admitir, também pode ser atribuída à di-
mento, a proteção e promoção dos direitos humanos e ficuldade dos governantes em fomentar um debate
a estruturação das políticas públicas como um todo. amplo e transparente sobre os temas, mas os meios
de comunicação demonstram, de qualquer forma,
Limites e seus impactos pouca disposição para participar do processo, sob o
No Brasil, como temos visto, essas funções tão re- argumento de que intervenções estatais no setor po-
levantes para o processo democrático acabam sen- dem acarretar na retomada da censura, como discu-
do impactadas negativamente pelo fato de que a tiremos no Capítulo 3.
ausência de um marco regulatório democrático e Nem todo debate sobre regulação estatal, entre-
Introdução
15
tanto, é ignorado pelas empresas de comunicação. lhe dizem respeito atinge também a Classificação In-
Quando as políticas públicas caminham na direção de dicativa, já regulamentada em grande parte das demo-
atender aos interesses dos conglomerados de mídia, cracias desenvolvidas do mundo – caso, por exemplo,
recebem uma atenção diferenciada das empresas. A de França, Alemanha, Itália e Canadá (veja texto no Ca-
seguir, citamos alguns exemplos de debates estraté- pítulo 5). Nossa Constituição Federal determina (arti-
gicos sobre os quais registrou-se forte atuação dos ra- go 21, inciso XVI) que a programação não-jornalística
diodifusores privados: deve ser submetida a uma Classificação Indicativa por
A discussão sobre a definição do formato final da po- parte do Estado. Empresas de comunicação, porém,
lítica de radiodifusão comunitária. Segundo repre- criticam tal exigência a partir da mesma argumenta-
sentantes das emissoras comunitárias, a cobertura da ção utilizada em outros casos: a de que a regulação dos
questão pela grande mídia foi amplamente favorável conteúdos audiovisuais pode levar à prática da censu-
ao status quo – portanto, à radiodifusão privada. ra, conforme discutiremos mais adiante.
A abertura das grandes companhias do segmento Não seria incorreto dizer, contudo, que parcela
comunicacional ao capital estrangeiro, fato que se da sociedade espera que a mídia impulsione o de-
deu em um momento de estrangulamento finan- bate sobre essa questão. Tal expectativa baseia-se,
ceiro para as empresas brasileiras. O lobby do setor em parte, no fato de que os meios desempenham um
acabou por conseguir o resultado almejado: a alte- papel central na consolidação dos estados demo-
ração constitucional permitindo o fluxo de capitais cráticos, como já foi discutido acima. Além disso,
estrangeiros para as empresas e, importante su- emissoras de tevê e rádio, jornais, revistas e internet
blinhar, sem nenhuma alteração no ausente marco ocupam um lugar cada vez mais central na veiculação
regulatório do setor. de informações e conteúdos de diversos tipos, mo-
O debate envolvendo o padrão de tevê digital ado- delando opiniões, difundindo valores e veiculando
tado no Brasil acabou por contemplar, de manei- modos de ser e viver que são incorporados de dife-
ra indubitável, o interesse das emissoras, o qual, rentes maneiras pelo público.
segundo analistas na temática, fixava-se na opção Esta função desempenhada pela mídia merece
pelo sistema japonês, como, de fato, ocorreu. especial atenção quando o nosso foco são segmentos
etários mais jovens – seres humanos em condição de
A questão da desenvolvimento – com os quais os meios de comuni-
Classificação Indicativa cação interagem de diversas formas.
A resistência da mídia em problematizar assuntos que Não por outra razão, algumas linhas de pesquisa e
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
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nichos de preocupação pública foram estabelecidos Pesa nesse contexto, entre outros fatores, o tempo de
nas últimas décadas, tendo em vista os diferentes ân- exposição: estudos detalhados nos próximos capítu-
gulos pelos quais crianças e adolescentes podem se los indicam que, no Brasil, garotas e garotos passam,
relacionar com os meios de comunicação. Garotos e em média, entre três e quatro horas diárias assistindo
garotas podem ser considerados como: à televisão.
Sujeitos da comunicação, isto é, vistos a partir do Tamanha influência sem dúvida intensifica a res-
seu direito individual de ter voz nos meios de co- ponsabilidade da mídia, sobretudo a das emissoras de
municação e, de forma mais complexa, de partici- rádio e tevê. O fato de que elas exploram concessões
par da produção de conteúdos midiáticos. públicas, outorgadas em relação a parcelas do espectro
Protagonistas da comunicação, inclusive como tra- eletromagnético – que é um recurso natural limitado,
balhadores/profissionais do mercado midiático. de propriedade de toda a sociedade – torna esta res-
Conteúdo da comunicação, especialmente da jor- ponsabilidade indiscutível, conforme será analisado
nalística – conforme salientamos, o debate acerca adiante. Mais do que isso, a própria Constituição, como
das políticas públicas e dos direitos, central para detalharemos no próximo capítulo, contém princípios
a população infanto-juvenil, passa pela mediação visando à regulação dos meios de comunicação. Ou
dos meios de comunicação. seja, a sociedade de fato tem o direito de estabelecer
Compreendidos a partir de sua necessidade de regras, por meio de seus representantes legais, para o
receber informação para desenvolverem uma funcionamento de emissoras de tevê e rádio.
interação crítica com os conteúdos dos meios Muitos representantes das empresas de mídia
de comunicação. defendem, contudo, que sua atividade deve ser re-
“Consumidores” de conteúdos midiáticos. gulamentada por leis de mercado. Discutiremos
É este último elemento que nos interessa mais de este argumento de forma mais aprofundada no
perto no presente trabalho – ou seja, os conteúdos Capítulo 2. Por enquanto, basta dizer que isto sig-
que são gerados pelos meios de comunicação e que nificaria, na prática, repassar ao telespectador ou
terminam sendo consumidos por crianças, adoles- ouvinte toda a responsabilidade quanto à decisão
centes e jovens. sobre qual o tipo de programação a que terá acesso.
Pesquisas realizadas em diversas partes do mun- Deve-se ponderar que, ao mesmo tempo, as empre-
do, como veremos adiante, apontam que a televisão, sas estariam livres para impor o tipo de programa-
principalmente, tem enorme influência no processo ção e os conteúdos que desejassem. A pergunta que
socioeducativo de milhões de crianças e adolescentes. devemos fazer, então, é a seguinte: num cenário em
Introdução
17
que o Estado se retira por completo da regulação da dos ou inapropriados para crianças e adolescentes,
atividade midiática, quem tem maior poder de bar- de acordo com suas faixas etárias e com seus lugares
ganha na nova arena de negociação: os cidadãos ou de inserção biopsicossocial. No Brasil, um sistema
as empresas? de classificação da programação foi criado após a
A dificuldade em estabelecer no Brasil marcos re- entrada em vigor da Constituição de 1988 e do Esta-
gulatórios para a área da comunicação, equivalentes tuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nos últimos
aos de nações que se sustentam sobre regimes de- anos, porém, por motivos que serão expostos nas
mocráticos consolidados, também advém de ques- próximas páginas, o governo sentiu a necessidade de
tões legislativas. Conforme assinalaremos de forma aperfeiçoar este modelo. Para isso, tem procurado
detalhada mais adiante, o fato de estarmos sendo fomentar o debate público sobre a questão, ouvindo
regulados por uma lei de rádio e tevê de 1962 e o de as diferentes partes interessadas.
termos no Congresso Nacional parlamentares com É neste debate que se insere a proposta de aper-
interesses pessoais na matéria, são, a um só tempo, feiçoamento do modelo de Classificação Indicativa,
ilustrações do sintoma e precisos diagnósticos dos aqui apresentada. A reflexão tecida nas páginas se-
imbróglios regulatórios que temos enfrentado nas guintes, em muito, já foi incorporada pelo Governo
últimas décadas. Federal através da Portaria 1.100 de 14 de julho de
2006 e deve ser ainda mais absorvida com a publica-
ção de uma nova portaria para a Classificação Indi-
que o sistema de classificação que vigorou na te- – enquanto parte de um sistema de regulação esta-
oria e na prática até muito recentemente era defi- tal – consiste em interferência indesejável do go-
ciente? De que maneira ele deveria ser mudado? E verno nas atividades das empresas de mídia. Para
finalmente: quais devem ser os objetivos e prin- tanto, descreveremos o contexto regulatório das
cípios de um modelo regulatório para os conteú- telecomunicações, assim como as principais carac-
dos audiovisuais? terísticas do setor brasileiro de comunicações.
O Capítulo 1 será dedicado ao esclarecimento da pri- No Capítulo 3, trataremos de dirimir um mito
meira questão. Descreveremos nas próximas páginas, bastante propagado pelos opositores de um siste-
portanto, o marco legal onde se inscreve a política de ma de Classificação Indicativa: o de que ele trata de
classificação e a forma pela qual foi operacionalizada, uma forma de cerceamento do direito à liberdade de
pelo menos até as mudanças ocorridas no início do se- expressão ou até mesmo de censura. Nesse sentido,
gundo semestre de 2006, incluindo o papel dos dife- buscaremos narrar brevemente as origens deste di-
rentes atores envolvidos no processo. Também procu- reito, descrever que condições ele visa preservar e,
raremos expor os motivos pelos quais diversos setores finalmente, demonstrar por que nossa proposta de
de nossa sociedade passaram a demandar alterações no regulação não limitaria a livre expressão no País.
sistema – ou seja, seus principais limites e falhas. No Capítulo 4, debateremos a questão do impac-
Como qualquer política pública, porém, um siste- to dos conteúdos audiovisuais, principalmente da
ma de Classificação Indicativa afeta diferentes seg- programação de tevê e rádio, sobre crianças e ado-
mentos da sociedade. Naturalmente, os atores que lescentes. Esta discussão se faz necessária porque
percebem seus interesses contrariados pelo modelo críticos da Classificação Indicativa não raro alegam
atual ou por propostas de modificação oferecem re- que a ausência de provas científicas de que a exposi-
sistência ao tema. A proposição de uma nova estrutu- ção à mídia provoca efeitos negativos nesses grupos
ra regulatória para conteúdos audiovisuais, portanto, etários torna desnecessária a tentativa de restringi-
não pode deixar de examinar os argumentos contrá- la. A questão é importante também porque qualquer
rios a ela mais freqüentemente utilizados por seus proposta de regulação dos conteúdos midiáticos com
opositores. Os capítulos seguintes tratarão de cum- vistas a proteger um determinado público há que: (a)
prir esta tarefa. entender como esses conteúdos são absorvidos e in-
No Capítulo 2, examinaremos a concepção de que terpretados pelo público a ser protegido; e (b) de-
o setor audiovisual deveria ser regulado apenas pelo finir quais são as ameaças contra as quais ele deve
mercado e que, portanto, a Classificação Indicativa ser resguardado – ou seja, do que a audiência em
Introdução
19
questão deve ser preventivamente afastada. Por es- quais devem ser levados em conta ao se classificar o
ses motivos, apresentaremos nesta seção um breve conteúdo da programação televisiva em categorias
histórico do conceito de infância e adolescência e da indicativas. O primeiro deles é a função educati-
idéia de que estes períodos de vida devem ser objeto va desse tipo de atividade, na medida em que ela
de especial preocupação. Apresentaremos também pode promover o estreitamento do diálogo com a
estudos que tratam de identificar o impacto de cer- sociedade em geral, e com as famílias, educadores,
tos conteúdos sobre crianças e adolescentes. crianças e adolescentes em particular. O segundo é,
No Capítulo 5, avançaremos para examinar a ex- conforme viemos delineando, a proteção dos direi-
periência internacional na área de regulação da tos humanos.
programação audiovisual. A descrição dos princi- É preciso sublinhar, logo de início, que nem
pais modelos já implementados em outros países e a todo modelo de Classificação Indicativa leva em
identificação de suas vantagens e limitações surgem, conta esses dois aspectos, ainda que, em muitos ca-
portanto, como aspectos centrais destas páginas. sos, esta tenha sido a intenção inicial. Vários des-
Com isso, esperamos tirar lições úteis para o aper- ses sistemas não passam de uma atividade cartorial
feiçoamento do sistema brasileiro de classificação. exercida por uma determinada tecnocracia (pública
O Capítulo 6 retomará os conteúdos anteriormen- ou privada). Nesse formato, desprovido de objetivo
te discutidos e buscará salientar os principais desa- maior, a consecução de um projeto pedagógico e/ou
fios e questões conceituais que deverão ser enfren- de proteção dos direitos humanos, quando existe,
tados e esmiuçados por um novo modelo de Classifi- passa a ser acidental.
cação Indicativa. Acreditamos que somente nos casos em que se
Finalmente, toda a Parte 2 da presente publicação alia a indicação de faixas etárias ao apontamento de
irá dedicar-se a expor uma proposta de Política Pú- conteúdos – assim como ao esclarecimento da po-
blica de Classificação Indicativa para o caso brasilei- pulação acerca do sentido da Classificação Indica-
ro, valendo-se dos diferentes aspectos debatidos am- tiva – é que se torna possível adotar um sistema em
plamente nos capítulos anteriores. que a função pedagógica e a proteção dos direitos de
crianças e adolescentes sejam contemplados. É este
Perspectivas tipo de configuração, portanto, que pretenderemos
complementares defender, nos próximos capítulos do presente do-
O objetivo essencial das reflexões que se seguem é cumento, para o sistema brasileiro de Classifica-
apontar para dois elementos complementares, os ção Indicativa.
Primeira Parte »
Capítulo 1
21
Classificação
no Brasil
A Convenção sobre os Direitos da Criança,
adotada pela Organização das Nações
Unidas (ONU) em 1989, foi ratificada M
»1
ais do que uma declaração de princípios, a
Convenção estabelece obrigações jurídicas
para os Estados signatários, os quais devem
por 192 países (inclusive o Brasil) e assegurar, na sua legislação interna, a promoção e a
reconhece um conjunto amplo de direitos proteção dos direitos desses segmentos populacio-
fundamentais da criança e do adolescente nais. Essas exigências estão associadas à condição
em vários âmbitos – civil, político, de pessoa em formação, vivenciada por meninas e
econômico, social e cultural. O documento meninos. Nesse sentido, o documento das Nações
não poderia deixar de contemplar, com Unidas afirma que “a criança, em virtude de sua falta
especial relevância, uma instituição que, de maturidade física e mental, necessita de proteção e
nos idos de 1989, já representava um cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal,
papel fundamental na vida de meninos tanto antes quanto após seu nascimento”.
e meninas: a mídia. Assim, o direito No que tange à relação com a mídia, o artigo 17
à informação e ao entretenimento de da Convenção sobre os Direitos da Criança dis-
qualidade está claramente afirmado no põe que: “Os Estados Partes reconhecem a função
texto. Políticas Públicas, como é o caso da importante desempenhada pelos meios de comu-
Classificação Indicativa, necessitam ser nicação e zelarão para que a criança tenha acesso
elaboradas e executadas a fim de que tal a informações e materiais procedentes de diversas
direito seja garantido de fato. fontes nacionais e internacionais, especialmente
informações e materiais que visem a promover seu
bem-estar social, espiritual e moral e sua saúde fí-
sica e mental”.
Esses preceitos se enquadram em um contex-
to no qual, ao mesmo tempo em que aumenta a
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
22
percepção da necessidade de assegurar a prote- das crianças e dos adolescentes à produção midiática.
ção da infância, torna-se mais intensa a exposi- Ao delinearem-se claramente os conteúdos veicula-
ção das crianças e dos adolescentes aos conteú- dos pelas empresas de comunicação – e os potenciais
dos midiáticos. riscos a eles associados –, amplia-se o poder (e o di-
Por um lado, pais, professores, entidades de reito) de escolha da sociedade em relação às progra-
defesa da criança e governos questionam o acesso mações mais adequadas, nas distintas visões, para os
precoce dos mais jovens a informações “típicas” do segmentos mais jovens.
mundo adulto, relacionadas, por exemplo, à violên- Por outro lado, adultos perguntam-se a respei-
cia, ao sexo e ao uso de drogas. Na França, para nos to de quão efetivamente os meios vêm cumprindo
valermos de um caso específico, a principal preocu- uma função educativa e de socialização – com ên-
pação de pais e associações de telespectadores, re- fase nos direitos humanos –, conforme demandam
lativas à exposição de crianças à tevê, diz respeito à os princípios internacionais e, no caso brasileiro,
violência e à pornografia na programação, segundo o também constitucionais e infraconstitucionais. A
estudo A proteção à infância e a televisão em oito paí- exemplo do que aponta Inês Sílvia Vitorino Sam-
ses, de Sergio Capparelli e outros autores. Os temo- paio, coordenadora do Grupo de Pesquisa das Re-
res advêm principalmente do fato que uma criança lações Infância e Mídia (GRIM) da Universidade
francesa entre 8 e 14 anos passa, em média, duas Federal do Ceará, os processos de entretenimento
horas por dia em frente à televisão e assiste majori- e de formação não constituem instâncias inteira-
tariamente a programas “de adulto”, ou seja, não di- mente separadas no contexto da existência huma-
recionados especificamente ao público infantil. Na na. Tal percepção impõe desafios à atividade de
Inglaterra, aponta o mesmo estudo, a preocupação classificação dos conteúdos midiáticos, à medida
dos pais quanto ao conteúdo da programação justi- que exige que eles sejam lidos sob a perspectiva da
fica-se porque em cerca de um terço dos lares que proteção e da educação.
possuem tevê o aparelho está, também, no quarto Vale sublinhar que no Capítulo 5 ofereceremos um
das crianças. panorama de como diferentes países têm procurado
Tal situação põe o debate em torno da regulação e resolver essa equação. Antes de examinarmos esses
da Classificação Indicativa em uma posição de des- exemplos, porém, procuraremos esclarecer como a
taque, na medida em que este é o instrumento que questão foi abordada no Brasil historicamente e com
deveria fornecer elementos para que os pais e a so- alterações de menor monta até princípios de 2006.
ciedade em geral se posicionem frente à exposição Nesse sentido, apresentaremos na próxima seção um
Capítulo 1
23
breve mapeamento dos parâmetros legais da regula- em horários diversos do autorizado ou sem aviso
ção da mídia – e mais especificamente da Classificação de sua classificação.
Indicativa – em nosso País, a fim de compreendermos O Ministério da Justiça foi eleito o depositário
o pano de fundo diante do qual tal debate está sen- da tarefa de realizar a Classificação Indicativa – e a
do travado. própria escolha do órgão merece atenção. Em seu
artigo 220, a Constituição Federal de 1988 retoma,
O sistema brasileiro no capítulo especialmente dedicado à Comunica-
de classificação ção Social, a questão da Classificação Indicativa já
A decisão da Assembléia Nacional Constituinte, no fi- anunciada no artigo 21 – e determina que cabe à lei
nal dos anos 1980, de pôr fim a qualquer possibilidade federal específica estabelecer as condições para a
de regresso da censura no ordenamento institucional regulação de diversões e espetáculos públicos (in-
brasileiro trouxe uma demanda aos deputados consti- cluindo aí as transmissões audiovisuais). O ECA
tuintes: associar esta determinação à igualmente ne- (artigos 74 a 76 e 253 a 256), como já foi dito, ofe-
cessária priorização absoluta dos direitos de crianças receu os parâmetros da classificação. Além disso,
e adolescentes, definida no artigo 227 da nova Carta apontou que “um órgão federal competente” seria
Magna. o responsável pela implementação desta tarefa. Em
Para responder a essa questão, o texto constitu- 1990, ano da promulgação do ECA, o então minis-
cional estabelece, no artigo 21, inciso XVI, que um tro da Justiça, Jarbas Passarinho, assinou portaria
dos aspectos centrais da regulação dos conteúdos (MJ 773/90) chamando para este órgão a respon-
audiovisuais deve ser um sistema de “classifica- sabilidade de classificar indicativamente as diver-
ção, para efeito indicativo, de diversões públicas sões e espetáculos1. A decisão deveu-se ao fato de
e de programas de rádio e televisão”, cabendo à que este ministério era responsável por uma série
União exercer essa atividade. Tal norma foi re- de outras ações de proteção aos direitos de crianças
gulamentada pelos artigos 74, 75 e 76 do Estatuto e adolescentes.
da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) com A Classificação Indicativa é, hoje, a forma mais
o objetivo de evitar a exibição de programas não consolidada de regulação estatal dos conteúdos vei-
recomendáveis ao público infanto-juvenil em ho- culados na mídia eletrônica brasileira – exceto para
rários comumente acessíveis a este. Esta mesma
1É importante assinalar que a constitucionalidade da portaria foi ques-
lei, em seu artigo 254, proíbe a transmissão, por tionada no Supremo Tribunal Federal pelo Partido Socialista Brasileiro;
intermédio de rádio ou televisão, de espetáculos entretanto, o colegiado de ministros do STF manteve a validade da norma.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
24
alguns casos muito específicos, como a publicidade objeto de classificação. É também uma espécie de su-
de alguns produtos e o horário eleitoral. Ela é exerci- gestão, que pode ser seguida ou não pelos pais e pelas
da, de acordo com o disposto pelo Decreto 4.991/04, próprias crianças.
pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos
e Qualificação, ligado à Secretaria Nacional de Jus- Pouca proteção legal
tiça do Ministério da Justiça. Fundamentalmente, a Devemos mencionar neste ponto, contudo, que
regulação consiste em uma classificação dos progra- na legislação brasileira para a infância, são raras
mas por faixa etária. Vale chamar a atenção, contu- as menções à relação criança/televisão. No estudo
do, para a Portaria 1.597/04 que redefiniu a forma mencionado anteriormente, Sergio Capparelli lem-
de classificação das obras para exibição nos cinemas bra que as referências a essas questões concentram-
e registrou o compromisso de discutir e aprimorar se nos artigos 17 e 71 do ECA. O primeiro menciona o
os critérios de classificação. A anteriormente ci- respeito à “preservação da imagem”, mas não apro-
tada Portaria 1.100/06 altera os procedimentos da funda o significado do conceito. O mesmo artigo fala
classificação especialmente para obras audiovisuais em “inviolabilidade” psíquica e moral, porém não
destinadas a cinema, vídeo, DVD, jogos eletrônicos, estabelece uma associação direta entre a inviolabili-
jogos de interpretação (RPG) e congêneres – e, em dade e o papel das mídias eletrônicas nesse proces-
diversos pontos, vale destacar, incorpora questões so. O artigo 71 do ECA complementa o 17, reiterando
debatidas também pelo documento eletrônico trazi- a questão do respeito ao vincular o direito à infor-
do a público em abril de 2006, o qual deu origem à mação, à cultura e aos espetáculos à “condição pecu-
presente publicação. liar da pessoa em desenvolvimento” que caracteriza
É importante ressaltar que essa estrutura se con- a criança e o adolescente.
trapõe ao modelo anterior, forjado durante o regime O ECA também atribui ao poder constituído a res-
militar, quando um conjunto de órgãos tinha o poder ponsabilidade de regular as “diversões e espetáculos
de filtrar e vetar a exibição de filmes e programas de públicos” e estabelece que as emissoras de rádio e
tevê na íntegra ou de seus trechos considerados im- tevê devem veicular somente programas educativos e
próprios, caracterizando a censura prévia. Atualmen- culturais nos horários voltados para o público infan-
te, a classificação é apenas indicativa, ou seja, o go- to-juvenil. Finalmente, determina punições para as
verno não possui mecanismos para impor restrições emissoras que desrespeitarem a lei.
mais significativas à programação das emissoras no O direito a uma informação que respeite a con-
que diz respeito ao conteúdo dos programas que são dição particular de desenvolvimento de crianças e
Capítulo 1
25
aplicável, separadamente, à casa de espetácu- Art. 258. Deixar o responsável pelo estabeleci-
lo e aos órgãos de divulgação ou publicidade. mento ou o empresário de observar o que dispõe
Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televi- esta Lei sobre o acesso de criança ou adolescente
são, espetáculo em horário diverso do autorizado aos locais de diversão, ou sobre sua participação
ou sem aviso de sua classificação: no espetáculo:
Pena - multa de vinte a cem salários de refe- Pena - multa de três a vinte salários de refe-
rência; duplicada em caso de reincidência a rência; em caso de reincidência, a autoridade
autoridade judiciária poderá determinar a sus- judiciária poderá determinar o fechamento
pensão da programação da emissora por até do estabelecimento por até quinze dias.
dois dias.
Art. 255. Exibir filme, trailer, peça, amostra ou Fonte: Estatuto da Criança e do Adolescente.
congênere classificado pelo órgão competente
como inadequado às crianças ou adolescentes ad-
mitidos ao espetáculo:
Pena - multa de vinte a cem salários de re-
ferência; na reincidência, a autoridade po-
derá determinar a suspensão do espetáculo
ou o fechamento do estabelecimento por até
quinze dias.
Art. 256. Vender ou locar à criança ou ao adolescen-
te fita de programação em vídeo, em desacordo com
a classificação atribuída pelo órgão competente:
Pena - multa de três a vinte salários de refe-
rência; em caso de reincidência, a autoridade
judiciária poderá determinar o fechamento do
estabelecimento por até quinze dias.
Capítulo 1
27
Nesse sentido, é possível a qualquer cidadão ou ci- recomendado ou não) não seguia nenhum padrão
dadã com acesso à internet, verificar que, até recente- definido, especialmente para a televisão. Quando
mente, a classificação se dava, sobretudo, a partir dos isso ocorre, dificulta-se a compreensão da classi-
seguintes critérios: ficação de uma determinada atração por parte do
Descrição fática dos conteúdos analisados – quais telespectador.
eram os principais elementos presentes. O processo de classificação ainda era altamente
Descrição temática dos conteúdos analisados – so- subjetivo, ou seja, muito dependente do perfil da
mava-se à descrição fática a identificação dos te- equipe de analistas encarregada de classificar os
mas mais amplos nos quais as cenas ou as perso- materiais enviados ao ministério.
nagens específicas estão inseridas. Ademais desses, foram radiografados os seguin-
Gradação – com estas duas atividades cumpridas, tes limites, os quais exigiam tratamento adequado no
buscava-se averiguar “a força” ou “a intensidade” caso da televisão:
dos conteúdos localizados, a fim de atribuir uma Não havia uma ação específica para as chamadas
determinada classificação às obras. (trailers) dos programas, ou seja, é possível que
Processo de classificação concentrava-se nas ina- um programa classificado para depois das 21 horas
dequações verificadas na programação – funda- seja anunciado às 17 horas.2
mentalmente naquelas relacionadas aos seguintes O ministério não dispunha de um mecanismo de
grandes temas: sexo, drogas e violência. sanção que obrigasse as empresas a veicular os con-
teúdos nos horários sugeridos. Via de regra, elas
Fragilidades e tentativas seguem a classificação, mas há problemas. Exemplo
de renovação disso é o fato de as emissoras nem sempre respeita-
Após verificarmos o modo vigente, até meados de rem os diferentes fusos horários existentes no Bra-
2006, de proceder do Ministério da Justiça ao classi- sil – ou seja, nos estados onde o fuso é diferente do
ficar conteúdos audiovisuais, foi possível identificar de Brasília, existe a chance de uma atração ser exi-
as seguintes limitações: bida fora do horário estabelecido pela classificação.
O resultado final tornado público resumia-se à Além disso, uma das principais fragilidades do
apresentação das faixas etárias às quais as diferen- modelo em análise, segundo Capparelli e colegas
tes obras eram ou não recomendadas.
2Esta questão e a próxima serão reguladas pela portaria relativa à Classi-
A forma de veiculação dos resultados da classifi- ficação Indicativa para a televisão, a qual deverá ser editada em período
cação (ou seja, a faixa etária à qual o programa era próximo à publicação deste livro, no final de 2006.
Capítulo 1
29
Ministério da Justiça
Tendências de indicação
A indicação de inadequação de um programa para de- nalados não determinava exatamente a classificação,
terminada faixa etária vem acontecendo por meio de mas uma tendência de classificação1 que era definida
tendências, uma vez que a presença de um determinado a partir da análise dos demais critérios. Exceção a essa
elemento que caracterize a necessidade de classificação regra se dava (e ainda se dá) com relação ao elemento
não é seu único condicionante. Apesar de as modifica- “sexo explícito”: sua presença define, necessariamente,
ções que estão sendo implementadas pelo Ministério da a obra como inadequada para menores de 18 anos.
Justiça ainda manterem essa abordagem, o procedi-
mento apresentado neste quadro era relativamente di- Ti 182
ferente até a introdução das recentes alterações no mo- Tendem a ser considerados como “inadequados
delo de classificação. Assim, embora a presença de con- para menores de 18 anos” filmes, programas, jogos
sumo explícito de drogas ilícitas, por exemplo, levasse e diversões públicas que contenham:
ao entendimento de que o programa fosse inadequado Sexo explícito
para menores de 16 anos, não era apenas essa caracte- Pornografia
rística que iria definir sua classificação. Eram levadas Violência excessiva (assassinato, tortura, estu-
em conta a presença ou não de violência, a apresenta- pro, suicídio, mutilação, exposição detalhada
ção de cenas de nudez e em que grau, a contextualização de cadáveres)
histórica da obra. A análise de todos os elementos faria Apologia à violência
com que essa obra fosse classificada talvez como inade- 1O modelo inaugurado pelo Manual da Nova Classificação Indi-
quada para menores de 14 ou de 18 (categorias respecti- cativa, publicado pelo Ministério da Justiça em 2006, continua
vamente abaixo e acima da inadequada para 16 anos). adotando a idéia de tendências, porém com categorias bastante
mais abrangentes daquelas verificadas nas descrições a seguir.
Por isso, a presença exclusiva de um dos elementos assi- 2Ti = Tendência de indicação
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
30
O conteúdo violento
Entre as várias problemáticas envolvidas na regula-
ção dos conteúdos veiculados pela mídia, a violência
é uma que merece destaque, devido a seu impacto
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
32
potencial sobre crianças e adolescentes, como exa- gerações. Nesse sentido, o documento aborda a ne-
minaremos de forma mais aprofundada no Capítulo cessidade de reduzir as cenas de banalização da vio-
4. Apesar da extensa literatura e do acalorado debate lência nas tevês; prevê a atualização e a reformulação
sobre a questão, não existem na legislação brasilei- dos critérios de classificação; preconiza a criação e o
ra detalhes sobre as formas de proteção da infância funcionamento adequado de órgãos de auto-regula-
em relação à violência nos conteúdos midiáticos. mentação, a realização de campanhas educativas e a
Segundo Capparelli e colegas, as peças regulatórias instalação e funcionamento normal do Conselho de
do sistema – o ECA e as portarias do Ministério da Comunicação Social.
Justiça, por exemplo – não são suficientemente pre- O texto menciona também a retomada das nego-
cisas: “Todas falam numa genérica necessidade de ciações com os meios de comunicação como estra-
que os programas sejam adequados à infância ou aos tégia para melhorar o padrão da programação, es-
horários de exibição”. pecialmente no que diz respeito à violência, incen-
Na contramão dessa tendência, Capparelli cita o tivando preferencialmente a auto-regulamentação.
Plano Nacional de Segurança Pública, lançado em 20 Assim, seria possível chegar a um consenso capaz
de junho de 2000, o qual prevê, em seu compromisso de promover a “reversão desses possíveis estímu-
número 6 (Mídia e Violência), uma série de ações vi- los à violência, sem cair no arbítrio da censura”,
sando a coibir a violência nos meios de comunicação. afirma o Plano.
Muitas dessas propostas, contudo, não se materiali- Nesse cenário, a regulamentação caberia tanto ao
zaram, em parte por causa das pressões das próprias governo quanto às emissoras, à medida que a Classi-
empresas de mídia contra algumas regulamentações ficação Indicativa passaria a coexistir com a auto-re-
previstas no Plano3. gulamentação por parte dos meios de comunicação e
As proposições do Plano baseiam-se no reco- com as sugestões do Conselho de Comunicação Social
nhecimento da crescente presença dos meios de co- – isto supondo que cada um destes atores cumpris-
municação de massa na vida dos brasileiros e de seu se seu papel. A principal atribuição do Ministério da
papel na formação de valores, sobretudo das novas Justiça seria a de punir as emissoras que violassem as
normas (com base no ECA), por meio da suspensão da
3 Vale ressaltar que o Relatório Final do Estudo das Nações Unidas
sobre a Violência contra Crianças e Adolescentes, apresentado pelo programação ou da aplicação de multas, cujos recur-
consultor independente Paulo Sérgio Pinheiro perante a Assembléia Geral sos arrecadados seriam reinvestidos na produção de
da ONU em outubro de 2006, também toca na questão. O documento pode
ser acessado no endereço www.ohchr.org/english/bodies/crc/docs/
programas educativos a serem exibidos pela emissora
study/SGSVAC.pdf que cometeu a infração.
Capítulo 1
33
Uma das iniciativas mais concretas de modificação Mesmo com essas limitações, o V-CHIP pode
desse cenário foi a aprovação da Lei 10.359/01. Este di- ser uma estratégia relevante se adotada em conjun-
ploma legal estabelece a obrigatoriedade de aparelhos to com outras medidas. Contudo, a lei que demanda
de televisão, fabricados a partir de sua vigência, con- a introdução da tecnologia no cenário brasileiro já
terem um dispositivo eletrônico – conhecido como V- sofreu duas alterações a fim de prorrogar os prazos
CHIP e desenvolvido por Tim Collings, da universidade que os fabricantes de televisores têm para começar a
canadense Simon Fraser, em Vancouver – que permite produzir aparelhos com esta configuração.
aos pais ou responsáveis bloquearem programações Em tese, a indústria eletrônica já deveria, desde
que contenham determina dos conteúdos. o dia 30 de junho de 2004, ter iniciado a produção
O problema do V-CHIP é o fato de promover uma de aparelhos contendo o V-CHIP. Esta foi a data-
situação que, como defenderemos adiante, deveria ser limite estabelecida pela Lei 10.672/03 que alterou
evitada: a da transferência unilateral de responsabili- o prazo inicial definido pela legislação anterior
dades para as famílias. Para alguns defensores do dis- (10.359/01). No entanto, diversas propostas legis-
positivo, porém, com o V-CHIP à mão, os pais teriam lativas foram apresentadas no sentido de prorrogar
todas as condições de evitar o acesso de crianças e ado- pela terceira vez a data para instalação do V-CHIP
lescentes aos conteúdos não desejados. Entendemos, nos aparelhos de tevê do País.
entretanto, que esta é uma visão limitada da questão. Dentre tais propostas, a mais significativa foi
Para ser bem aproveitado, o V-CHIP requer, entre a Medida Provisória 195 de 29 de junho de 2004,
outras condições, que: editada um dia antes de encerrado o prazo ante-
a) Haja um sistema efetivo de Classificação Indicativa riormente estabelecido. Tal MP alterava a data-
de conteúdos, ou seja, as programações devem es- limite para 31 de outubro de 2006, porém foi in-
tar indexadas a partir dos conteúdos que as famí- tegralmente rejeitada pelo Congresso Nacional, o
lias poderão desejar bloquear ou liberar. que nos leva à situação esdrúxula de ter como prazo
b) Os pais conheçam, compreendam e saibam operar legalmente estabelecido o já vencido 30 de junho
a tecnologia e, de maneira ainda mais significativa, de 2004. Os fabricantes, por sua vez, seguem sem
entendam o sentido da Classificação Indicativa. incluir o dispositivo nos aparelhos que produzem.
c) Todos os televisores das residências estejam equi- Vê-se, portanto, que o debate não se limita a uma
pados com o dispositivo – o que, dada a longa vida simples questão tecnológica, mas que há fortes inte-
útil de um televisor, não ocorrerá tão cedo em to- resses comerciais em jogo, bem como a necessidade
das as casas brasileiras. de uma implementação adequada deste tipo de polí-
Capítulo 1
35
tica, sob pena de ela não produzir nenhum efeito sig- Para tanto, diversas ações foram e/ou estão sen-
nificativo na realidade sobre a qual se deseja realizar do conduzidas pelo Ministério da Justiça: cons-
a intervenção. tituição de um grupo de trabalho – formado por
atores governamentais, especialistas e represen-
Buscando tantes das empresas e da sociedade civil – que teve
a renovação por objetivo central oferecer sugestões de altera-
As tentativas de modificação no processo de Clas- ção do modelo; realização de uma consulta pública
sificação Indicativa e de diálogo com as emissoras, disponibilizada na página eletrônica do Ministério
impulsionadas ainda no governo do presidente Fer- e em diversas localidades brasileiras, a fim de co-
nando Henrique Cardoso, foram o embrião do que lher opiniões acerca de um potencial novo processo
se pretendeu concretizar, com reconhecido êxito, na de classificação; estímulo a discussões com atores
atual gestão do Governo Federal. qualificados; publicação do livro de artigos Clas-
A proposta, já iniciada com a discussão acerca da sificação Indicativa no Brasil: Desafios e Perspectiva;
classificação do cinema e que culmina com a publi- realização de um seminário nacional sobre o tema;
cação da portaria relativa à televisão, é aproveitar as publicação da referida portaria de alteração das
fortalezas e potencialidades consolidadas nos últimos normas de classificação para o cinema4.
anos e concretizar um novo salto no modelo, com as Considerando essas ações do ministério – assim
seguintes finalidades: como o fato de que, apesar de ser ele o órgão res-
Tornar o processo mais objetivo. ponsável pela classificação, a regulação dos meios
Fazer com que os parâmetros de classificação es- de comunicação no Brasil foi sendo cada vez mais
tejam em harmonia com os princípios de proteção descentralizada, conforme veremos no próximo
dos direitos humanos, da valorização da diversi- capítulo –, apresentaremos, a seguir, o papel atual
dade e do desenvolvimento integral das crianças e e potencial de outras instituições na regulação dos
dos adolescentes. conteúdos audiovisuais.
Estimular conteúdos de qualidade.
Permitir uma publicização da classificação ba- 4 O reconhecimento da necessidade de realizar avanços no processo, aliás,
seada também nos conteúdos, e não apenas nas não tem sido limitado ao Poder Executivo e a grupos da sociedade civil,
faixas etárias. mas chega também ao Poder Legislativo. Nos últimos anos, tramitam ou
tramitaram diversos projetos de lei visando a alterações nos procedimentos
Viabilizar um diálogo construtivo e mais perene de Classificação Indicativa; muitos deles trazem propostas interessantes, as
com a sociedade. quais devem ser levadas em conta.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
36
Atores relevantes:
garantindo um processo participativo
É impossível implementar um modelo de Classificação Indicativa sem garantir a participação efetiva no debate dos
atores envolvidos em todas as etapas da construção e operacionalização desse sistema. Além disso, como já afirmamos,
vários órgãos são responsáveis por distintos ângulos da regulação, o que pode enfraquecer o processo, caso estas ações
não se dêem articuladamente.
Nesse sentido, apresentamos a seguir um mapeamento dos atores (com exceção do Ministério da Justiça, já apre-
sentado anteriormente) que participam – e daqueles que, acreditamos, deveriam participar – do debate público sobre a
classificação, apontando ainda os papéis que cada um poderia desempenhar no processo.
que setores específicos da sociedade emitam seus cano destine milhões de dólares para pesquisas na
próprios juízos sobre a programação, democratizando área. Iniciativas semelhantes também ocorreram e/
a informação e aprofundando a capacidade de escolha ou ocorrem na União Européia.
dos cidadãos e cidadãs. Determinadas organizações O baixo número de investigações realizadas por
podem até mesmo oferecer ao grupo social ao qual centros acadêmicos nacionais favorece também a ar-
estiverem vinculadas um sistema de classificação di- gumentação das empresas de que há um amplo desco-
ferenciado daquele operado pelo Estado, levando em nhecimento, por exemplo, acerca dos impactos da te-
conta valores éticos, morais, religiosos e/ou filosófi- levisão sobre as crianças brasileiras. Na visão do Setor
cos particulares. Privado, tal fato impediria a proposição de mudanças
significativas no aparato regulatório.
pesquisadores, profissionais de comunicação e gestores de obras audiovisuais. Para várias dessas pessoas, a
públicos informações substanciais sobre a participação responsabilidade por evitar o contato de crianças e
e a perspectiva crítica dos jovens em relação à mídia. adolescentes com imagens, diálogos e informações
Outro órgão central para a presente discussão é o inadequados – bem como por estimular a audiência
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). de conteúdos apropriados e enriquecedores – seria
Agência da ONU responsável pela garantia dos direi- exclusivamente das famílias, professores e demais
tos de crianças e adolescentes, atua em diversas fren- cuidadores desses segmentos etários.
tes relacionadas à população infanto-juvenil e, não Nessa perspectiva, o parental control (controle dos
raro, promove iniciativas voltadas para o debate sobre pais) deixa de ser uma possibilidade complementar
a relação mídia e infância. Uma das experiências do à regulação estatal e à auto-regulação das empresas,
Unicef nesse sentido é o projeto Magic – Media Ac- tornando-se a única forma de restrição.
tivities and Good Ideas by, with and for Children. O Pelos motivos amplamente discutidos no quadro
site da iniciativa traz, entre outras informações, um da página 43 acreditamos que, se por um lado é corre-
conjunto de referências e boas práticas relacionadas à to afirmar que as famílias e professores devem assu-
interação dos meios de comunicação com as crianças mir suas responsabilidades neste debate, por outro é
e os adolescentes. igualmente verdadeiro concluir que o Estado e o Setor
Privado também devem fazê-lo. Tendo isso em men-
te, apontamos os seguintes papéis possíveis e desejá-
Transferência
de responsabilidades
A defesa da responsabilidade única de famílias e edu- bem azeitado e responsabiliza, pelos excessos que
cadores por supervisionar o contato de crianças e ado- este cometa, uma massa de espectadores pulveri-
lescentes com conteúdos televisivos considerados ina- zada e sem poder econômico e cultural”.
dequados esbarra em uma série de fatores de ordem Na mesma direção caminham o pediatra Victor
social e/ou relacionados à própria natureza de alguns Strasburger e o cientista social da Universidade da
veículos. Estes fatores reduzem de forma significativa Califórnia em Santa Bárbara, Edward Donnerstein,
a capacidade dos pais de regularem o material audio- em seu artigo “Crianças, Adolescentes e a Mídia:
visual a que seus filhos têm acesso. Temas e Soluções”. Para eles, “um bem-sucedi-
do reposicionamento da questão envolve expor as
Para o professor de filosofia da Universidade de práticas antiéticas da indústria de entretenimento
São Paulo (USP), Renato Janine Ribeiro, no artigo muito mais do que tentar melhorar o comporta-
“O poder público ausente: a TV nas mãos do mer- mento dos indivíduos, requerendo a eles que se-
cado”, a transferência de responsabilidade exclu- jam mais saudáveis.”
sivamente para as famílias, em detrimento de um Passemos a alguns dos riscos envolvidos nessa
acompanhamento complementar à ação do Estado, “culpabilização das vítimas”:
“tem algo em comum com a [explicação] vitimolo- Limitação das opções: É imprescindível anali-
gista”, que atribui às vítimas a responsabilidade sar as distintas questões envolvendo a relação
pelos crimes. “Trata-se de um discurso que deve da televisão aberta com a população em geral a
ser criticado, não só por sua escassa generosida- partir da real configuração demográfica brasi-
de, mas sobretudo por sua deficiência explicativa: leira, evitando assim postura comum entre al-
ele isenta de qualquer culpa um sistema industrial guns especialistas – analisar toda a sociedade
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
44
a partir do lugar de onde falam (em geral, de um controle remoto” ou do “desligue a tevê e vá ler um
ponto de vista socioeconômico típico de classe livro ou brincar com os amigos” ou mesmo do “vá
média). Diante disso, devemos considerar que: para o seu quarto” não se converte em uma opção
yA grande maioria das famílias brasileiras vive viável para a imensa maioria das famílias brasilei-
em residências nas quais o televisor ocupa po- ras. De forma idêntica, a real capacidade dos pais
sição de destaque no ordenamento do lar. de regularem, de fato, o conteúdo audiovisual é, na
yEsta posição protagônica pode estar associada maioria dos casos, bastante reduzida.
à própria configuração arquitetônica das resi- Como afirma a psicanalista infantil Ana Olmos,
dências, nas quais a cozinha, o banheiro, a sala em entrevista para a presente publicação: “Se a
e, talvez, mais um quarto, sejam as únicas op- criança tem uma boa estrutura familiar, bons mo-
ções presentes. delos – foi bem alimentada do ponto de vista psí-
yTambém pode estar vinculada à baixíssima quico –, chega aos estágios de desenvolvimento
presença de outras formas de entretenimen- mais elevados menos vulnerável aos estímulos dos
to na maioria dos municípios brasileiros e/ meios em geral. Ou seja, a estrutura familiar (do
ou à inviabilidade financeira de ter acesso a ponto de vista socioeconômico, mas também edu-
estas alternativas. cacional, moral e psicológico) importa”.
yO aumento dos índices de criminalidade em- A invasão da televisão aberta: É preciso ter em
purra as famílias para dentro dos lares. conta que, ao contrário do que ocorre com ser-
yOs altos índices de analfabetismo e, mais impor- viços pagos (o cinema ou a própria televisão por
tante, de analfabetismo funcional, dificultam uma cabo/satélite), o sinal dos canais de televisão
compreensão acurada dos problemas que podem aberta entra livremente nas residências brasi-
estar embutidos na programação televisiva. leiras. Não se faz, portanto, uma escolha racio-
yA ausência dos pais por razões laborais somente nal a priori de se adquirir ou não aquele conteú-
confere contornos mais nítidos a este cenário. do audiovisual.
Caso aceitemos esse diagnóstico, somos forçados O fator desinformação: A maioria da população
a reconhecer que as propaladas teorias do “poder do não tem acesso a estruturas educacionais que
Capítulo 1
45
Regulação versus
livre mercado
Um dos principais argumentos dos
opositores da Classificação Indicativa,
como mencionamos na Introdução, é o A
»2
o contrário do que indica o senso comum,
são na realidade pouquíssimos os setores
exclusivamente regulados pelas leis de mer-
de que este instrumento faz parte de um cado. Historicamente, os Estados democráticos têm
sistema de regulação estatal indesejável: regulado os setores que possuem uma ou mais das
as empresas de comunicação que são parte seguintes características:
do Setor Privado deveriam ser reguladas a) São monopólios naturais.
apenas pelas leis do mercado. b) São concessões estatais.
O raciocínio é o de que um modelo c) Apesar de inicialmente considerados como passí-
econômico liberal não comporta veis de regulação pelo mercado, esta regulação co-
mecanismos regulatórios severos e a meça a apresentar falhas.
imposição de normas estatais às suas d) São percebidos como tendo o potencial de gerar
atividades caracterizariam ingerência. um volume significativo de externalidades nega-
tivas, de modo que sua regulação pelo mercado é
vista como insuficiente para garantir o bem-estar
de certos conjuntos populacionais.
e) São alvo de uma decisão democrática para que seja
objeto de regulação por serem percebidos como
tendo elevado nível de poder.
Se pensarmos nas peculiaridades dos meios de co-
municação, concluiremos que não é por acaso que são
alvo de forte regulação nas democracias mais desen-
volvidas: o setor apresenta características que coinci-
dem com quase todos os critérios apontados. Também
Capítulo 2
47
ficará evidente, ao associarmos as características do tende a deixar lacunas e produzir falhas. Uma delas
setor brasileiro a vários desses critérios, a necessida- está relacionada à discussão sobre a liberdade de ex-
de de sua regulamentação. Vejamos: pressão, que mencionaremos aqui, mas aprofundare-
mos no próximo capítulo.
O setor de radiodifusão pode Nos instrumentos de proteção dos direitos huma-
ser considerado um oligopólio nos (tais como a Declaração Universal e as Constitui-
Por ser o espectro eletromagnético um recurso finito e li- ções nacionais que incorporam seus princípios), essa
mitado e por terem ocorrido intensas fusões no setor de liberdade é estendida e aplicável a todos os cidadãos e
comunicações nos últimos anos, é possível dizer que as cidadãs, sem exceções.
empresas de mídia constituem hoje um caso de oligopólio. Historicamente, esta garantia pode ter sido sufi-
ciente. Quando as Constituições ocidentais começa-
As empresas de mídia operam ram a ser elaboradas – caso da Constituição dos Estados
por meio de concessão pública Unidos, em fins do século XVIII –, a defesa intransi-
Como este espectro eletromagnético finito é de proprie- gente da liberdade de expressão e de imprensa aplica-
dade dos Estados nacionais, a exploração dos serviços de va-se a um contexto no qual a população “em geral” (o
rádio e televisão se dá por meio de concessão pública. que excluía mulheres, escravos, crianças e adolescen-
Também no Brasil, as empresas que transmitem seus tes) contava com oportunidades relativamente iguali-
sinais através do espectro o fazem a partir de concessão tárias de exercer sua liberdade de expressão. Subir no
da União, a qual pode ser ou não renovada dentro dos pe- banco da praça ou valer-se de algum dos jornais locais
ríodos estabelecidos em lei. A história da concessão des- existentes já poderia ser condição suficiente para que
te espectro em nosso País, contudo, é marcada por mo- uma determinada discussão fosse iniciada.
tivações político-partidárias e trocas de favores, como Com o advento da chamada comunicação de massa,
bem demonstrou Paulino Motter em sua dissertação de a concentração das empresas do setor e sua transferên-
mestrado A Batalha Invisível da Constituinte: Interesses cia para a propriedade privada, contudo, instaurou-se
privados versus caráter público da radiodifusão no Brasil. uma enorme desigualdade no exercício da liberdade
de expressão. Em outras palavras, o fato de a mediação
A regulação do setor de comunicações da produção e a recepção das mensagens ser, cada vez
pelo mercado produz falhas mais, prerrogativa exclusiva das empresas de comuni-
Não faltam evidências de que a simples regulação do cação causa uma falha gravíssima no sistema: a liberda-
setor de comunicação pelos parâmetros do mercado de de expressão passa a ser, sobretudo, a liberdade da-
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
48
queles que definem o conteúdo veiculado pelos meios sificado no mundo todo na última década e meia,
de comunicação de massa. confere a estes conglomerados um poder pouco re-
gulado. A capacidade de atuação dos diversos atores
A mídia tem o poder de envolvidos no universo da comunicação passa a ser
produzir externalidades negativas pouco equilibrada, favorecendo aqueles que detêm
São fartamente documentadas as externalidades posi- a propriedade das grandes empresas de mídia. Para
tivas e negativas geradas pelos meios de comunicação uma visão global acerca dessa discussão, recomen-
nas sociedades contemporâneas, conforme veremos no damos a leitura dos trabalhos do professor norte-
Capítulo 4. Por um lado, publicações como o livro Remoto americano Robert McChesney, dentre eles Rich
Controle: Linguagem, Conteúdo e Participação nos Progra- Media, Poor Democracy. Já uma perspectiva nacio-
mas de Televisão para Adolescentes, produzido pela ANDI nal encontra-se nas discussões desenvolvidas pelo
em parceria com Unicef, Petrobras e Cortez Editora, estudioso da comunicação e professor aposentado
demonstram as ações positivas das empresas de comu- da Universidade de Brasília, Venício Lima. O livro
nicação com vistas à proteção dos direitos humanos e, Mídia: Teoria e Política é uma de suas contribuições
em particular, dos direitos de crianças e adolescentes1. mais recentes a esse debate.
Por outro lado, os impactos perniciosos do conteúdo Nas palavras do filósofo Renato Janine Ribeiro,
midiático sobre a infância, adolescência e juventude são no artigo “O poder público ausente: a TV nas mãos
objeto de inúmeros estudos publicados e/ou co-promo- do mercado”, “a grande agência pela qual a enorme
vidos pela Academia Americana de Pediatria. Também maioria da população brasileira tem acesso à cultura
são muitos os ensaios acadêmicos sobre as interferên- – além, é claro, da família e das religiões no tocante a
cias dos meios de comunicação nos processos político- seus entusiastas – são as comunicações de massa”.
eleitorais, conforme denota uma compilação produzida No Brasil, ademais, o controle de diversos meios
pelo doutor em comunicação Mauro P. Porto intitulado de comunicação por uma mesma holding não é difi-
Mass Media and Politics in Democratic Brazil. cultado tanto quanto ocorre em outros países, mesmo
aqueles tidos como amplamente liberais, tais como os
A mídia exerce grande poder Estados Unidos. Entre nós, a posse concomitante de
A concentração da propriedade dos meios de co- jornais impressos e emissoras de televisão em uma
municação de massa, fenômeno que tem se inten- mesma localidade, por exemplo, torna mais imprová-
1A própria atuação da ANDI é, aliás, uma aposta contundente na capacida- vel que o conteúdo transmitido pela tevê seja critica-
de da mídia em gerar externalidades positivas. do ou questionado pela imprensa.
Capítulo 2
49
O problema é agravado, no País, pelas estreitas rela- bém como vimos, o cenário é ainda mais grave do que
ções entre os principais veículos de comunicação e po- nas democracias mais consolidadas. Entretanto, nos-
líticos profissionais. Isso dificulta significativamente o sas normas são menos rígidas do que as desses países.
avanço de debates no Congresso Nacional sobre ques- A partir da percepção de que o setor de comunicações
tões relativas ao conteúdo veiculado pelos meios. O ele- sofreu profundas mudanças nas últimas décadas, por
vado número de deputados e senadores que têm ligações exemplo, a maioria das democracias ocidentais consi-
com empresas de mídia coloca sob suspeição a isenção deradas desenvolvidas – como Estados Unidos, França,
de muitos parlamentares em discutir e deliberar sobre Alemanha, Inglaterra e Canadá – votou novas leis gerais
esses temas, dado o conflito de interesses existente. Este de comunicação ao longo da década de 1990. Em todos
não é, certamente, um drama exclusivamente brasilei- os casos, questões de conteúdo foram detalhadas e, so-
ro: o passado italiano recente, de intensa relação entre bretudo, o direito das crianças e adolescentes foi nor-
o então principal político eleito do país e as empresas de matizado, como será relatado mais adiante.
comunicação, também ilustra o argumento. Já em nosso País, a lei que regula o setor de radiodi-
As relações próximas entre a mídia e a política aca- fusão – o Código Brasileiro de Telecomunicações – é de
bam também por influenciar o conteúdo programático 1962 e não acompanhou as transformações da mídia. O
dos partidos políticos no que tange às políticas públicas debate sobre uma nova Lei Geral de Comunicações que
de comunicação. Muitas vezes, as empresas de radiodi- aborde temas de conteúdo, incluindo o da Classificação
fusão são determinantes para os resultados eleitorais e Indicativa, não prosperou nos oito anos de mandato do
a manutenção da popularidade dos políticos eleitos. As- ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-
sim, o voto sobre leis que provocariam mudanças no sta- 2002) e ainda não foi iniciado de fato no atual governo
tus quo, bem como a defesa dos interesses das empresas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).2
de comunicação (vide o debate relacionado à adoção do Além disso, para suprir as lacunas geradas pela obso-
padrão de tevê digital no Brasil), acaba por configurar-se lescência do Código, um emaranhado de decretos, por-
em moeda de troca entre a mídia e os políticos. tarias e outras leis (como a Lei de Imprensa, Lei do Cabo,
Lei da Radiodifusão Comunitária, Lei Geral de Telecomu-
Regulação governamental nicações, entre outras) foi constituído ao longo do tem-
Como demonstramos, não há dúvidas de que o setor de
2 Para uma recuperação histórica da discussão sobre os marcos legais brasi-
telecomunicações brasileiro se encaixa nos critérios
leiros para o setor de comunicações, pode-se buscar as observações pontuadas
utilizados histórica e globalmente para se determinar pelo cientista político Guilherme Canela no texto “Histórico e perspectivas:
a necessidade de regulação estatal. Muitas vezes, tam- uma análise da legislação e dos projetos de lei sobre a radiodifusão no Brasil”.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
50
po. A Constituição Federal de 1988 contém princípios municação e Artes (ECA) da USP, o órgão teria a função de
compatíveis com as necessidades de regulação do se- outorgar as concessões e exigir que a concessionária aten-
tor, mas a maioria das leis que deveriam regulamentar da às necessidades culturais e artísticas de determinados
o cumprimento desses princípios jamais foram cria- setores da sociedade. “É preciso fazer, por exemplo, com
das. Tal vácuo legal criou um sistema de regulamen- que as emissoras veiculem programações balanceadas,
tação excessiva e ineficaz, em que leis se sobrepõem, contemplando as diversidades regionais do País”, afirma
permitindo às empresas de comunicação utilizá-las de em entrevista para esta publicação. “Parece utopia, mas é
acordo com seus interesses do momento. preciso trabalhar com esses horizontes. Em uma demo-
Outra diferença entre nosso País e outras nações pode cracia consolidada, isso é perfeitamente factível”.3
ser observada na própria estrutura institucional do sis- Os desafios estruturais elencados acima nos parecem
tema regulatório. Um número significativo de democra- estar entre os mais significativos a serem enfrentados
cias ocidentais conta com órgãos reguladores com eleva- pela sociedade brasileira no que diz respeito às políticas
do grau de independência, responsáveis pela outorga de públicas de comunicação. Uma das conseqüências mais
concessões, fiscalização, avaliação e monitoramento do problemáticas do atual cenário é a de que a adoção de
setor das comunicações. No caso da Inglaterra, como ve- quaisquer normas específicas – como seria o caso de uma
remos na seqüência, foi recentemente tomada a decisão política de Classificação Indicativa – estaria estruturada
de se unir toda a atividade regulatória acerca do setor sob sobre um terreno movediço e pouco consolidado.
a autoridade de um único órgão independente. É preciso, portanto, que novas leis sejam legitimadas
No Brasil, há um conjunto heterogêneo de burocracias pela sociedade por meio de consultas a especialistas, se-
estatais que versam sobre distintas temáticas pertinentes minários e debates nos veículos de comunicação. No caso
à comunicação (Congresso Nacional, Ministérios das Co- da Classificação Indicativa, esse debate público poderia
municações, da Cultura, da Justiça, Anatel e Agência Na- contribuir para dissipar preconceitos sobre o tema, que se
cional de Cinema – Ancine – são exemplos), mas o setor expressam na forma de temores de que ela seja apenas uma
de comunicações carece de um órgão regulador específi- tentativa de controle estatal, por exemplo, ou de acusações
co, nos moldes das agências criadas para outros setores. de que está baseada em argumentos pouco fundamenta-
Essa situação dificulta o estabelecimento de um processo dos ou ingênuos.
ordenado e harmonioso de tomada -de decisão. 3 Vale ressaltar, adicionalmente, que não estamos sublinhando, em
Para especialistas, a existência de um órgão regulador particular, o impacto que as formas alternativas de comunicação (como a
garantiria, por exemplo, uma programação mais diversa comunitária, por exemplo) possam ter na democratização das práticas e
processos comunicativos. Fato que, hipoteticamente, reduziria os problemas
na tevê. Para Laurindo Leal, professor da Escola de Co- atualmente enfrentados pelo setor das comunicações.
Capítulo 2
51
Temas que
devem estar no radar
Além das questões relativas ao núcleo estrito das que se valem de uma linguagem essencial-
Políticas Públicas de Comunicação, alguns outros mente policialesca e com viés de entreteni-
assuntos, certamente relevantes, também não se- mento, que não segue as normas mais ele-
rão objeto de discussão aprofundada neste texto. mentares do jornalismo (como a pluralidade
Não obstante, devemos assinalar, como já fizemos de fontes de informação). O mais grave é que
antes, que eles compõem um quadro mais amplo esse tipo de programa costuma ser veiculado
e complexo no qual a Classificação Indicativa está entre 18h e 20h, horário em que milhares de
inserida e, portanto, não podem ser negligencia- crianças e adolescentes assistem à televisão.
dos. Entre eles, podemos destacar: Há especialistas, como o professor Laurindo
Leal, da Universidade de São Paulo (USP),
Jornalismo: constitucionalmente, o jornalismo que defendem que esse tipo de programa, em
não pode ser objeto da Classificação Indicativa caso de uma política de Classificação Indica-
por parte das burocracias governamentais, o que tiva, seja retirado do campo do jornalismo.
entendemos ser totalmente correto. Mesmo as- yO segundo tema refere-se a abusos e equí-
sim, há dois temas centrais nessa questão: vocos cometidos pelo jornalismo real.
yO primeiro refere-se ao chamado pseudo- Nesse universo, é importante reconhecer
jornalismo ou, como classificou o historia- a existência de várias discussões – como a
dor José Arbex Jr, em sua tese de doutorado da criação dos Conselhos de Jornalismo ou
defendida em 2000, na Universidade de São de outras formas de “responsabilização da
Paulo (USP), Shownarlismo. Essa categoria mídia”, para usar a expressão cunhada pelo
abriga programas em tese noticiosos, mas estudioso da comunicação francês Claude-
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
52
A Rede Globo sabia que o Big Brother Brasil era um Outros programas da Globo, igualmente reco-
programa de grande audiência infantil quando mendados para o público adulto pelo Ministério da
levou ao ar, no dia 10 de junho, as cenas veladas Justiça, também figuram entre os preferidos pelas
de sexo entre os participantes Jefferson e Tar- crianças, de acordo com o levantamento do Ibo-
ciana. Uma pesquisa realizada dois meses antes, pe. O humorístico Casseta e Planeta, por exemplo,
em abril, pelo Ibope Telereport PNT (empresa aparece em sétimo lugar, e o policial Linha Direta,
do grupo Ibope) tinha revelado que o Big Brother é citado na nona posição.
é o programa mais visto entre crianças de 4 a 11 O diretor da Central Globo de Comunicação,
anos de ambos os sexos. A pesquisa listou os 30 Luiz Erlanger, usa a recomendação do Ministé-
programas de maior audiência nesta faixa etária. rio da Justiça para justificar a edição das cenas de
A Globo produz os 19 mais assistidos. O 20º pro- sexo sob o edredom entre Jefferson e Tarciana em
grama na preferência infantil é o similar Casa dos um programa de grande audiência infantil. “Esses
Artistas, do SBT. programas vão ao ar em horários ainda mais tar-
A pesquisa do Ibope foi usada pela emissora dios do que os que são sugeridos pela classificação
em uma peça publicitária veiculada em jornal. O do Ministério da Justiça”, diz.
levantamento mostra que da audiência total do Big Erlanger reconhece que a cena em questão foi
Brother, 22,4% é formada por crianças. O Ministé- exibida de forma imprópria, mas atribui respon-
rio da Justiça recomenda o BBB como um programa sabilidade aos pais pelo controle dos programas
próprio para maiores de 16 anos. A grande audi- vistos pelos filhos.
ência infantil, porém, aumenta a responsabilida- Antes mesmo de a Central Globo de Qualida-
de da emissora na edição do conteúdo exibido. de registrar a primeira reclamação quanto a esse
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
56
Em contrapartida às exortações para que submetam seus conteúdos a certas normas, as empresas muitas vezes comprome-
tem-se a seguir códigos de ética e de conduta por elas mesmas elaborados, entre outras iniciativas de auto-regulação. A seguir,
examinaremos vantagens e desvantagens desse sistema, investigando também a possibilidade de que venha a ser fortalecido
enquanto atividade complementar à normatização estatal – o que configura um interessante cenário de co-regulação.
de atores do mercado. Assim, cresce o número de túrgicas. São as experiências de merchandising social,
empresas que se comprometem a alterar suas práticas implementadas principalmente em novelas e séries
a fim de diminuir as externalidades negativas que ge- da Rede Globo de Televisão.
ram. O impacto das indústrias sobre o meio ambiente, Os temas são discutidos, em geral, de modo a esti-
só para citar um exemplo de larga escala, deixou de ser mular mudanças de comportamento que contribuam
preocupação apenas do Estado ou da sociedade civil, para melhorar a qualidade de vida do próprio indiví-
tornando-se prioridade para os gestores de muitas duo – como é o caso das “campanhas” para fomentar
companhias. Da mesma forma, se configura um cená- o diálogo na família e prevenir o consumo de drogas,
rio diferenciado no âmbito do debate que está posto por exemplo. São discutidas também questões com
pela presente publicação – cenário este a ser conside- objetivos mais altruístas, como as vantagens do aleita-
rado com especial atenção. mento materno e da vacinação, a mobilização em tor-
no de crianças desaparecidas, o combate à violência
RSE e produção midiática doméstica contra as mulheres ou a doação de órgãos
É cada vez maior, no plano internacional, o número de para transplante. Não por acaso, muitas destas ini-
atores que defendem a necessidade de aprofundar a re- ciativas são desenvolvidas em diálogo próximo com o
flexão sobre quais práticas implementadas por empre- governo e/ou entidades da sociedade civil.
sas da área de comunicação de massa deveriam ser con- As emissoras também exploram outras possibili-
sideradas socialmente responsáveis – e quais não. Sem dades de oferecer para a sociedade uma contribuição
sombra de dúvida, é de grande relevância neste contexto efetiva que transcenda seu compromisso mais básico
a discussão sobre os direitos de crianças e adolescentes: enquanto empresa de comunicação. Nesse sentido,
tanto o de acessarem informação de qualidade quanto o uma prática já consolidada entre as redes de televisão
de estarem protegidos de conteúdos que possam com- do País é a cessão gratuita de espaço na programação
prometer seu processo de desenvolvimento. para a veiculação de campanhas de utilidade pública
Nos últimos anos, a mídia brasileira tem oferecido desenvolvidas por organizações da sociedade civil.
algumas contribuições de excelente nível, no que se Outro bom exemplo está em uma ampla e bem-suce-
refere ao avanço da agenda social. Um exemplo pa- dida campanha capitaneada há alguns anos pelo Grupo
radigmático, com repercussões internacionais, é o Rede Brasil Sul de Comunicação (RBS), acerca da neces-
da incorporação de temáticas e situações que contri- sidade de proteger as crianças e adolescentes da violên-
buem para mobilizar a população em torno de ques- cia doméstica, fazendo valer os seus direitos. Também
tões sociais relevantes, em meio às tramas teledrama- a MTV Brasil, além do constante aporte que oferece ao
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
60
enfrentamento da Aids, tem lançado programas e ações sentantes das empresas de comunicação: já que tantos
voltados para outros temas sociais vinculados à juven- méritos podem ser indicados, por que o setor precisa
tude – vale mencionar o premiado Tome Conta do Brasil ser regulamentado pelo Estado? Isto não poderia ser
(que focou o processo eleitoral de 2002 por meio da dis- feito por meio de compromissos – ou códigos de ética
cussão de assuntos como cidadania, violência, emprego – determinados pelas próprias companhias?
e educação) e a série de vinhetas Pacto MTV, que ainda
hoje permite aos jovens expressarem diretamente sua Riscos da auto-regulamentação
visão sobre questões como violência sexual, política de O fato de uma determinada empresa ou setor elaborar
cotas, combate à fome ou participação juvenil. e tornar público o seu código de ética indica que esse
ator foi compelido a refletir sobre as questões que en-
A questão do trade-off volvem a sua atuação e a apresentar suas posições. Os
As iniciativas aqui enumeradas não esgotam o rol de códigos também estabelecem parâmetros concretos
boas práticas de responsabilidade social ou outras para um diálogo entre os cidadãos e as companhias
formas de auto-regulação desenvolvidas pelas emis- “auto-reguladas”. Com isso, no caso do setor da radio-
soras de televisão do País – e muito menos pelas de- difusão, torna-se possível à sociedade avaliar quais os
mais empresas da área de comunicação (o jornalismo compromissos assumidos pelas empresas, por livre e
brasileiro, por sinal, acumula intervenções de grande espontânea vontade, em relação à sua programação, ou
porte no sentido de fiscalizar a elaboração e/ou im- seja, sem a necessidade de uma demanda compulsó-
plementação das mais diversas políticas públicas). ria do Estado. Os cidadãos e cidadãs (ou se quisermos,
Na verdade, não faltam exemplos de que a mídia os telespectadores), bem como os grupos de interes-
pode desempenhar papel relevante na promoção de ci- se, acabam por ter mais clareza quanto aos contornos
dadania, na garantia de direitos, no enfrentamento à éticos da ação empresarial. É um bom ponto de parti-
discriminação, na diversificação do acesso à cultura, no da para cobranças, reclamações e um monitoramento
fortalecimento da democracia ou no monitoramento das mais consistente da atividade comunicacional.
políticas públicas. Tais exemplos deixam claro que, com Uma empreitada exclusivamente auto-regulatória,
freqüência – e voluntariamente –, as emissoras avançam no entanto, traz riscos. Códigos de ética acompanha-
para além do que seria a mera “linha do dever”. dos de forte desregulamentação estatal podem levar os
Reconhecer o impacto positivo que a mídia pode poderes constituídos a abrirem mão da sua capacidade
exercer na sociedade, porém, não significa aceitar o – e dever – de atuação mesmo quando a auto-regulação
trade-off eventualmente sugerido por alguns repre- falhar. A probabilidade de falha não é pequena, pois,
Capítulo 2
61
não raro, as empresas são colocadas diante da encruzi- não é adequado para uma grande parcela dos públicos
lhada de escolher entre seguir os seus próprios códigos está também colocando nas mãos das empresas a tarefa
de ética e atender a interesses mais imediatos. de oferecer uma programação de maior qualidade e em
Nesse sentido, a ANDI compartilha da visão de consonância com os princípios dos direitos humanos.
Danilo A. Leonardi, pesquisador do Programa para Nas palavras da psicanalista Maria Rita Kehl, em en-
o Estudo Comparado de Política e Direito dos Meios, trevista para o presente volume: “O mais importante
inserido no Centro de Estudos de Sociologia e Direito é que, ao recomendar que as crianças assistam a outra
da Universidade de Oxford, em seu artigo “Regulação programação ou que só assistam determinados conteú-
estatal ou auto-regulação por parte da indústria?”. dos na companhia dos pais (no caso do cinema), o Estado
Para ele, a auto-regulação não é intrinsecamente não está exercendo uma censura – está apenas forçando
ruim, desde que não seja desvinculada da regulação os programadores a serem criativos, e a oferecerem al-
estatal – na verdade, configurando o que alguns espe- ternativas. Estamos muito mais forçando essa responsa-
cialistas chamam de co-regulação. Ou seja, as empre- bilidade do que proibindo qualquer outro direito”.
sas podem e devem apresentar à sociedade os com- Tais reflexões mostram-se especialmente válidas
promissos que estão dispostas a seguir, contanto que para quadros como o do Brasil, onde as empresas nem
dois parâmetros sejam observados: mesmo concordam em divulgar o conjunto de parâ-
Eles não podem estar aquém dos mínimos legais metros que já aceitam cumprir voluntariamente.
estabelecidos pelos Estados nacionais. Em 1993, a Associação Brasileira das Emissoras de
Em caso de serem descumpridos, deverá ser acio- Radio e Televisão (Abert) chegou a desenvolver uma
nado pelo Estado um sistema de “alarme de in- proposta na área, o então chamado Código de Ética
cêndio” e, talvez, de “patrulha de polícia” ou de da Radiodifusão Brasileira. O documento contempla
“extintor de incêndio” (para nos valermos das questões relevantes que, se fossem de fato observadas
expressões cunhadas pelo cientista político norte- pelas empresas, minimizariam muitas das violações
americano Mathew McCubbins). de direitos que hoje ocorrem. É preciso ressaltar,
aliás, que algumas propostas para a reformulação do
O lugar da classificação sistema brasileiro de Classificação Indicativa apre-
É nesse contexto que se encaixa a Classificação Indicativa sentadas na segunda parte da presente publicação ba-
– ou seja, ela deve ser compreendida como um elemen- searam-se também no documento da Abert.
to complementar a práticas auto-regulatórias. Afinal, Uma rápida verificação da efetiva aplicação desse
quando o Estado indica que um conjunto de programas código no cotidiano das empresas, contudo, reforça as
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
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preocupações mencionadas anteriormente quanto aos dania e da ética, enquanto a solução aventada é a do au-
desenhos auto-regulatórios. Os princípios – que foram tocontrole pelo mesmo mercado que lucra infringindo
construídos pelo principal órgão de representação em- direitos humanos reconhecidos por nosso País”.
presarial do setor de radiodifusão – não são, sempre, Além disso, uma solução exclusivamente auto-re-
respaldados pela prática das empresas. Além disso, o có- gulamentadora para instrumentos como a Classificação
digo não é divulgado claramente nem mesmo pela insti- Indicativa vai na contramão do cenário internacional,
tuição que o aprovou6 (veja sua íntegra na página 238). onde pesadas críticas têm sido dirigidas a processos si-
milares – um bom exemplo é o dos Estados Unidos. Além
Publicidade é exemplo? do eventual descumprimento por parte das empresas, os
Faz-se necessário assinalar, contudo, que há, na visão principais elementos que trazem preocupação são:
de muitos, uma experiência relativamente bem-suce- A auto-regulamentação tendeu a gerar, nos Estados
dida de auto-regulamentação no País: a implementada Unidos, vários sistemas de classificação (um para
pelo Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária cada setor de mídia), o que confunde as famílias.
(Conar). Analistas como Luiz Martins, professor da Fa- Pesquisas mostram que os pais norte-americanos
culdade de Comunicação da Universidade de Brasília, tendem a discordar das classificações emitidas
em material produzido especialmente para a presente pelo sistema de auto-regulação, quando conse-
publicação, compartilham desta visão. guem compreendê-las.
Mesmo essa iniciativa, porém, precisa ser abordada No país, esses sistemas tendem a oferecer um con-
com cuidado. Como afirma Renato Janine “... a suges- junto reduzido de informações sobre os conteúdos,
tão... de um modelo Conar para a auto-regulamentação quando o objetivo dos pais é exatamente o contrário.
da tevê vai no contrapé da questão que aqui discutimos, Diante desse quadro, vale convidar para nosso de-
cultura e democracia. Ela supõe que a cultura de mas- bate o procurador regional da República Domingos
sas é parte da indústria do entretenimento. Seu pres- Sávio Dresch da Silveira. Em sua dissertação de mes-
suposto é que o audiovisual constitui uma mercadoria, trado Controle da programação de televisão: limites e pos-
e, portanto, deve ser regulado pelo mercado. Daí, aliás, sibilidades, ele analisa o tema da presença do Estado
a contradição nessa abordagem, porque o problema em perspectiva comparada com outras democracias:
enunciado ... é o dos excessos da tevê em face da cida- É importante notar que a polêmica em questão vem se tra-
vando com grande desenvoltura nos países do denomina-
6Uma busca na página oficial da Abert, na internet, utilizando-se a expres-
são “Código de Ética da Radiodifusão Brasileira”, por exemplo, revela que
do Primeiro Mundo, especialmente na Europa e nos Esta-
não é possível acessar a íntegra do documento. dos Unidos. Nesses países, inúmeros são os mecanismos
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não pode ser igualada à categoria “cidadãos”. Se a maio- res que tomem a decisão de assistir à obra baseados
ria dos consumidores está satisfeita com um determina- apenas nestes parâmetros. O reverso também deve
do produto, as empresas podem optar por restringir sua ser posto: obras que coloquem em evidências os pro-
oferta de outros – assim é possível atender a essa maioria blemas enfrentados por regiões não centrais do País,
e recomendar aos demais que busquem produtos alter- ainda que desprovidas dos critérios mais exigentes de
nativos. Nesse contexto, vale destacar, critérios míni- qualidade técnica, podem ser importantes referen-
mos de qualidade precisam ser respeitados. Ou seja, se ciais quando não estamos considerando somente os
uma empresa produz um refrigerante de acordo com tais “consumidores”, mas sim os cidadãos e cidadãs.
critérios, a pessoa pode optar entre este produto ou o dos Um exemplo final pode colaborar, adicionalmen-
concorrentes – dessa maneira, a companhia já terá cum- te, para esclarecer esse ponto. Possivelmente, em um
prido o dever para com seus consumidores. contexto midiático baseado unicamente na relação de
No caso das emissoras de televisão, contudo, a oferta e demanda de produtos audiovisuais, os “con-
qualidade técnica do produto audiovisual não pode sumidores” optariam pela não-existência de um ho-
ser o único elemento a ser levado em consideração. Do rário específico destinado aos partidos políticos, no
ponto de vista do consumo, teríamos telespectadores momento da disputa eleitoral. Entretanto, pode-se
com a expectativa de que as emissoras preocupem-se dizer que, para a cidadania, essa exigência legal é de
com a excelência do seu padrão visual e do roteiro do extrema importância, pois, por meio dela, cidadãos e
filme ou da obra de teledramaturgia, dentre outros cidadãs podem acessar informações pertinentes para
parâmetros que podem ser associados à qualidade a tomada de decisões em um dos momentos mais cru-
stricto sensu do “produto”. Muitas vezes, no entanto, ciais da vida democrática: as eleições.
as programações que atendem aos mais altos padrões
de qualidade técnica não são, necessariamente, aque- Diferentes direitos
las que respondem aos anseios de promoção da cida- Quando falamos em cidadania, portanto, estamos pre-
dania: um filme com conteúdos nazistas pode, hipo- ocupados com o bem-estar de todos, valorizando e res-
teticamente, abraçar todos os critérios de qualidade peitando as diferenças existentes. Esta é uma posição
técnica e, logo, tem condições de agradar consumido- distinta daquela assumida quando encaramos o públi-
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
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co como formado apenas por consumidores, segundo a consideráveis avanços para a qualidade do con-
qual uma maioria de satisfeitos com os produtos ofer- teúdo veiculado.
tados já é suficiente para que não seja necessário aper- Na opinião de Martins, algumas disposições
feiçoá-los ou oferecer alternativas a eles. gerais do CDC e do Código de Auto-Regulamen-
Segundo Luiz Martins, professor de comunicação tação Publicitária (Conar) poderiam ser adotadas
da Universidade de Brasília, as pessoas devem ter como parâmetros de um sistema de Classificação
seus direitos respeitados em qualquer posição que Indicativa. O CDC, por exemplo, estabelece que
ocupe frente aos conteúdos da produção cultural: seja o consumidor tem o direito de ser esclarecido
ela a de cidadão, contribuinte, cliente ou usuário. sobre o que consome e adquire. Este é um ponto
“O cidadão merece ser respeitado em sua condição em comum com as finalidades da Classificação
humana, social, política e econômica; o contribuin- Indicativa, no que tange à proteção, à educação
te merece retorno, sob a forma de políticas sociais e e à informação dos conteúdos a serem consumi-
de políticas públicas, do investimento que realiza no dos pelas crianças e pelos adolescentes. O Conar,
Estado e na sociedade por meio dos impostos; o clien- por sua vez, enfatiza os cuidados que devem ser
te/consumidor merece tratamento especial, pois, em tomados para que os comerciais não enganem,
muitos casos, paga preços diferenciados por processos induzam, iludam ou influenciem os consumido-
de produção segmentada; e, finalmente, o usuário dos res, especialmente o público infantil. O código
serviços públicos – como é o caso das concessões e au- também alerta para os danos psicológicos, bem
torizações de tevê – deve ser encarado como alguém que como os riscos à segurança, que a publicidade
tem algo a opinar e a exigir”. pode causar.
Por isso, afirma, é fundamental a disponibilização Além disso, destaca Martins, ambos os có-
de canais para que esse público se manifeste. digos contêm elementos que podem subsidiar
Mesmo diante do exposto acima, contudo, é uma atuação pró-ativa do Ministério da Justiça,
preciso reconhecer que o efetivo cumprimento das ou seja, uma que aponte e estimule experiên-
determinações do Código de Defesa do Consumi- cias relevantes e exemplares de serviço público
dor (CDC) pelas empresas de comunicação já traria prestado pela mídia.
Capítulo 3
67
Classificação Indicativa
e liberdade de expressão
Há conceitos que possuem múltiplos
significados – relativos, especialmente,
aos contextos nos quais são empregados. D
»3
uas décadas de regime ditatorial aferiram uma
carga negativa a alguns conceitos, naquele
período associados às restrições de direitos e
Muitas expressões utilizadas quando liberdades. Assim, ainda que muitos autores argumen-
se debate a regulação democrática tem pormenorizadamente quanto à pertinência e legi-
do conteúdo veiculado pelos meios timidade do exercício de diferentes “controles” sobre
de comunicação enquadram-se a programação de televisão, a atitude de controlar soa
nessa categoria. É o caso do uso que como arbitrária, autoritária, enfim, como censura.
freqüentemente é feito de termos como Esta confusão ocorre, vale ressaltar, apesar de fi-
“liberdade de expressão” e “censura” lólogos como Antonio Houaiss definirem a palavra
quando estamos diante de debates acerca “controle” como sinônimo de “regulação” – não por
do estabelecimento ou não de Políticas outro motivo, fala-se em “controle social”, “controle
Públicas na área da comunicação. Não constitucional”, “controle democrático”. Até mes-
raro, estes importantes conceitos para mo o vocábulo “regulação” – associado ao estabele-
as democracias ocidentais são utilizados cimento de regras, leis, regimes institucionais que,
de maneira irresponsável, em uma tática se constituídos no bojo de um sistema democrático,
de encerrar a discussão sem nem mesmo não poderiam ser vistos como autoritários – é fre-
iniciá-la. Nesse sentido, faz-se necessário qüentemente associado à censura no Brasil de hoje.
investigar esta temática, a fim de delimitar Regulação democrática ou regulação dentro dos prin-
de maneira mais clara os pontos centrais cípios do Estado Democrático de Direito são alguns
do debate em curso. dos pleonasmos utilizados para se deixar claro que o
objetivo de determinada política regulatória não é o
estabelecimento de uma prática de censura dos meios
de comunicação.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
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Há, certamente, um componente político-ideo- Fatos de alcances e origens diversas foram, com
lógico no uso desses conceitos. A censura da progra- maior ou menor grau de consenso, condenados
mação televisiva é uma atitude, própria dos regimes sob um mesmo argumento: o de que contribuiriam
de exceção, que visa a impedir a livre circulação de para a restrição das liberdades de expressão e im-
conteúdos que possam atentar contra os interesses prensa. Entre eles estão: a tentativa de expulsão de
do grupo dominante. Em outras palavras, os regimes um jornalista estrangeiro que havia escrito matéria
autoritários não se valem do expediente da censura desagradável ao presidente da República; atitudes e
para a proteção ou promoção dos direitos humanos de normativas de distintos escalões do Governo Federal
quem quer que seja: a censura é um instrumento de para com a imprensa; a proposta de criação de um
proteção dos atores que a praticam. Conselho Federal de Jornalismo; o projeto de estru-
Ora, a regulação de conteúdos que possam contra- turação de uma Agência Reguladora do Audiovisual;
riar os direitos de crianças, adolescentes, mulheres, as restrições judiciais a informações jornalísticas
grupos religiosos, classes econômicas menos favore- que desabonavam cidadãos; assassinatos de jorna-
cidas, pessoas com deficiência, dentre outras mino- listas; e a própria decisão de redefinição do modelo
rias políticas, não parece se encaixar no sentido atri- de Classificação Indicativa.
buído à palavra “censura”, descrito acima. Ao analisarmos cada um desses fatos, contudo, fica
A regulação do tipo e quantidade de conteúdo evidente que a utilização de um mesmo argumento
violento veiculado no horário da programação in- – o dos direitos à liberdade de expressão e imprensa
fantil atenta contra os interesses político-partidá- – para condenar a todos eles só pode advir do desco-
rios do grupo atualmente à frente do Ministério da nhecimento, ou do uso desvirtuado, dos princípios
Justiça ou de qualquer outro que possa vir a estar? por trás desses direitos.
Se a resposta a esta pergunta for afirmativa, pode- Nesse sentido, nas páginas seguintes, pretende-
se falar em censura. Do contrário, estamos diante de mos debater brevemente a importância de tais direi-
uma confusão conceitual – proposital ou não, de má- tos para a idéia ocidental de democracia. Além disso,
fé ou não. procuraremos compreender como a atual configura-
Decisões governamentais e judiciais tomadas re- ção do sistema brasileiro de comunicação pode ser
centemente no Brasil, quando não classificadas espe- (ou é) nociva à idéia de liberdade de expressão. Por
cificamente como censura, provocaram alarme quan- fim, apresentaremos algumas discussões relaciona-
to à ameaça ao direito à liberdade de expressão e, por das à regulamentação do setor de comunicação consi-
complemento, de imprensa. derando a idéia de liberdade de expressão.
Capítulo 3
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são é fundamental para que os conflitos políticos se liberdade de expressão. Até mesmo os economistas
apresentem ao eleitorado por meio da mídia. Joseph Schumpeter e Anthony Downs e o cientista
A segunda tem a ver com o fato de a imprensa ser político Robert Dahl, freqüentemente associados
vista como parte do sistema de freios e contrapesos a uma visão mais procedimental ou minimalista da
inerente à tentativa democrática – como defendem, democracia, enfatizam a importância da liberdade
em especial, os federalistas norte-americanos. Dis- de expressão.
to resulta que não há accountability (responsabili-
dade) efetiva por parte dos governantes eleitos sem A liberdade de expressão no
liberdade de expressão e sem uma imprensa livre. sistema de direitos
Em outros termos, esse tipo de liberdade contribui Pelas razões descritas acima, a livre expressão, seja
para que um mau governo não consiga ser tão mau como um inalienável direito individual, seja como um
assim. É o chamado controle social dos governos pe- importante garantidor da democracia enquanto ins-
las mãos da imprensa. tituição, vem sendo defendida e assegurada por trata-
Um terceiro aspecto é que a construção de uma es- dos internacionais, decisões de cortes internacionais
fera pública de discussões (conforme nos alerta o fi- e Constituições nacionais.
lósofo alemão Jürgen Habermas), central para o apri- De maneira bastante incisiva, a Corte Interame-
moramento da democracia, só é possível em um am- ricana de Direitos Humanos, por exemplo, apresenta
biente de liberdade de expressão e de imprensa. Ou sua visão acerca da importância da liberdade de ex-
seja, segundo esta perspectiva, teremos uma demo- pressão para a democracia:
cracia tão mais consolidada quanto mais freqüentes, A liberdade de expressão é uma pedra angular da
densos e plurais forem os debates acerca dos temas de própria existência de uma sociedade democrática.
interesse público. É indispensável para a formação da opinião públi-
Desse ponto, surge uma quarta função relevan- ca... É, enfim, condição para que a comunidade, na
te: a mídia é figura central na definição dos temas hora de exercer suas opções, esteja suficientemente
prioritários para a agenda pública. Em muitos casos, informada. Por último, é possível afirmar que uma
“aparecer na imprensa” é o fiel da balança entre es- sociedade que não está bem informada, não é ple-
tar dentro ou fora de determinada política pública. namente livre.
Não é sem razão, portanto, que mesmo as defini- O parecer da Relatoria para a Liberdade de Expres-
ções mais enxutas de democracia não se furtam de são (2002) da Organização dos Estados Americanos
chamar a atenção para a necessidade de assegurar a (OEA) vai mais longe e relaciona diretamente a liber-
Capítulo 3
71
dade de expressão à proteção dos direitos humanos e reitos Humanos dedica especial atenção à liberdade
ao combate à corrupção. de expressão em seu artigo 13:
Mas talvez o instrumento jurídico mais conhecido Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e
de ampla defesa da liberdade de expressão seja a Pri- de expressão. Este direito compreende a liberdade de
meira Emenda à Constituição Norte-Americana: buscar, receber e difundir informações e idéias de toda
Congress shall make no law respecting an esta- natureza, sem consideração de fronteiras, já seja ver-
blishment of religion, or prohibiting the free exerci- balmente ou por escrito, ou de forma impressa ou ar-
se thereof; or abridging the freedom of speech, or of tística, ou por qualquer outro processo de sua eleição.
the press; or the right of the people peaceably to as-
semble, and to petition the government for a redress A perspectiva da imprensa
of grievances1. Um dos resultados mais relevantes da ampla sustentação
A Constituição brasileira de 1988 também deixa do direito à liberdade de expressão é a garantia da liber-
evidente, em seu artigo 5°, inciso IX, que: dade de imprensa. Neste sentido, a Declaração de Cha-
É livre a expressão da atividade intelectual, artística, pultepec, redigida em 1994 no México e assinada pelo
científica e de comunicação, independentemente de então presidente Fernando Henrique Cardoso em 1996,
censura ou licença. não só apresenta, como o fizeram Milton e Mill, a liber-
Dentre os principais instrumentos internacionais dade de expressão como a mãe de todas as liberdades,
de garantia desse direito está a Declaração Universal como também a condiciona à liberdade de imprensa:
dos Direitos Humanos, de 1948, que afirma em seu Sem liberdade não pode haver verdadeira ordem, es-
artigo 19 que: tabilidade e justiça. E sem liberdade de expressão não
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião haverá liberdade. A liberdade de expressão e da bus-
e de expressão, o que implica o direito de não ser in- ca, difusão e recepção de informações, só se exercerá se
quietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e existir liberdade de imprensa.
difundir, sem consideração de fronteiras, informações O Brasil assinou, co-redigiu e, muitas vezes, fo-
e idéias por qualquer meio de expressão. mentou a elaboração dessas declarações. Se não bas-
Na mesma linha, a Convenção Americana de Di- tasse isto, em duas reuniões realizadas no continente
1 “O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, americano – em Santiago e Quebec –, o governo bra-
ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de sileiro reiterou, juntamente com os demais países
palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacifica- presentes, sua defesa da liberdade de expressão. Lê-
mente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de
seus agravos”. se na declaração de Santiago (1998):
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
72
Coincidimos em que uma imprensa livre desempenha realizada há várias décadas pela organização não-
um papel fundamental [em matéria de direitos hu- governamental norte-americana Freedom House,
manos] e reafirmamos a importância de garantir a da situação da liberdade nas distintas nações do
Liberdade de Expressão, de informação e de opinião. globo. A partir de vários critérios, a instituição ofe-
Celebramos a recente designação de um Relator Especial rece anualmente um ranking dos países mais livres
para a Liberdade de Expressão, no marco da Organiza- e menos livres do planeta. Paralelamente a esse
ção dos Estados Americanos. ranking geral do nível de liberdade, a ONG publi-
Parece não haver dúvidas, portanto, quanto à con- ca, também anualmente, um ranking de liberdade
solidação de um marco jurídico nacional e interna- de imprensa.
cional amplamente favorável às liberdades de expres- Como veremos no Capítulo 5, nosso País ainda se
são e imprensa. encontra em posição desfavorável, se comparado às
democracias mais consolidadas, em relação ao nível
de liberdade de imprensa. Na lista de 2006, que re-
contudo, a mensagem nesse caso passa por um in- que definirão quem tem liberdade de expressão – via
termediário, a mídia. meios – e quem não tem.
Esse mediador se constitui em filtro importante en-
tre os produtores da mensagem e os receptores e, logo, Relação entre políticos e mídia
pode exercer significativo controle sobre as mensagens A igualmente documentada posse de meios de co-
que serão transmitidas. A mídia constitui o que se con- municação por políticos de expressão local, regional
vencionou chamar de gatekeeper. Este poder de decisão e nacional – ou por seus familiares e outras pessoas
acerca daquilo que será ou não veiculado não está asso- fortemente ligadas a eles – pode configurar-se em
ciado somente a parâmetros políticos e/ou ideológicos. importante entrave à liberdade de expressão, já que
As próprias características técnicas dos meios – dá origem a conflitos de interesse nas redações.
como, por exemplo, formato e linguagem – restrin-
gem que um número maior de atores tenha capaci- Propaganda oficial
dade de influenciar as decisões sobre os conteúdos Os elevados volumes de recursos advindos dos
veiculados. Ou seja, uma pessoa que não tem fami- anúncios do Governo Federal, dos governos estadu-
liaridade com a parafernália televisiva terá mais di- ais e dos governos municipais, assim como a forte
ficuldade em transmitir o seu recado do que alguém dependência destes recursos para a sobrevivência de
que a domine. muitas empresas de comunicação, também podem
É inegável, porém, que, em um cenário de ampla ser um obstáculo para a liberdade de imprensa.
concentração, esse poder de controle termina po- Em uma declaração conjunta, o relator especial
tencializado. É bastante bem documentada a forte da ONU sobre a Liberdade de Opinião e Expressão,
concentração (horizontal, vertical e cruzada) da pro- o representante da Organização para a Segurança e
priedade dos meios de comunicação no Brasil, o que Cooperação na Europa (OSCE) sobre a Liberdade de
implica uma redução da liberdade de expressão. Não Imprensa e o relator especial da OEA sobre Liberdade
são poucos os especialistas a diagnosticar que, quan- de Expressão afirmaram2:
to maior for a concentração, menor é a quantidade Comercialização e liberdade de expressão:
de grupos que têm voz por meio da mídia. O portão § Os governos e os órgãos públicos nunca devem abu-
pelo qual passa a mensagem fica cada vez mais estrei- sar da custódia das finanças públicas para tratar de
to; logo, seus guardiões passam a ter cada vez mais influenciar no conteúdo da informação dos meios de
poder de decidir o que será ofertado ao receptor das 2 O texto integral da declaração está anexado ao Relatório 2002 da OEA
informações: eles acabam, portanto, sendo aqueles sobre a situação da liberdade de expressão.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
74
Jornalistas ou a Agência Nacional do Cinema e do Au- ção de mestrado Televisão no Brasil: a Constituição Fe-
diovisual (Ancinav) foram rapidamente desconstruídos deral de 1988 e o controle da programação televisiva, re-
por diversos meios de comunicação, com pouquíssimo corda Fábio Konder Comparato e sublinha: “nesses
espaço para as vozes dissonantes. Tudo isto apesar de um [meios], apenas os detentores das licenças para ex-
dos princípios básicos do bom jornalismo sustentar exa- ploração dos canais de radiodifusão possuem plena
tamente a diversidade de pontos de vista. liberdade de manifestação do pensamento e de opi-
Em suma, são poucas, se consideramos a plura- niões; os demais membros da coletividade, não”.
lidade de interesses presentes em um país como o Resta-nos perguntar: será que o cerceamento do di-
Brasil, as vozes presentes nos conteúdos midiáticos reito de voz não é uma forma muito mais agressiva de
veiculados. Nesse sentido, vale ressaltar o assinalado “censura” do que a regulação democrática do conteúdo?
pela cientista política Fátima Lampreia Carvalho, da Por um lado, pode-se dizer, como vimos acima, que
Universidade Federal Fluminense, em artigo intitu- a liberdade de expressão no Brasil hoje, grosso modo,
lado “Continuidade e Inovação: conservadorismo e é a liberdade das empresas de comunicação. Ou seja,
política da comunicação no Brasil”: os únicos atores na sociedade brasileira que não têm
Desde os anos 60, um quase monopólio de comunicação impedimentos para expor seus interesses no horário
tem preenchido uma função mediatória entre o governo nobre são os proprietários de empresas de radiodifu-
e o povo, desempenhando um papel central na constru- são e empresas de mídia em geral.
ção de um projeto de integração nacional que ao mesmo Por outro lado, se um dos objetivos do controle do
tempo exclui o protesto e o antagonismo populares. Hoje, a conteúdo dos meios de comunicação é garantir que a
mídia ainda combina duas forças opostas, de inovação e sua função primordial – o alavancamento do sistema
de conservação, perpetuando tensões no sistema político. democrático – se dê da melhor forma imaginável, a re-
Se, por um lado, ela amplia demandas sociais, incluindo gulação desses meios pode e deve incluir, na verdade,
a legitimação da competitividade política, por outro ela instrumentos que permitam uma maior pluralidade
constrange movimentos políticos e sociais heterogêneos. de vozes na mídia e, por conseguinte, uma liberdade
de expressão mais ampla.
Uma liberdade que Como afirma o filósofo Renato Janine Ribeiro no
é de poucos já citado artigo “O poder público ausente: a TV nas
A situação é particularmente aguda no rádio e na te- mãos do mercado”, não se trata de reduzir ou coi-
levisão. Diversos autores comungam deste ponto de bir a liberdade. Trata-se, isto sim, de notar que tal
vista. André de Godoy Fernandes, em sua disserta- liberdade é exercida por poucos, basicamente em
Capítulo 3
77
função do capital de que dispõem, e que ela consti- dos direitos de minorias políticas (inclusive crian-
tui um dispositivo de controle destes poucos sobre ças e adolescentes) e de promoção da manifestação
o grande público. do maior número de vozes possível. Tal desenho
Em contraponto a esse controle por poucos, um regulatório traria desde ações efetivas por parte do
controle democrático do sistema de radiodifusão Estado (regulamentos, sanções, aparatos institu-
incluiria, por exemplo, mecanismos de proteção cionais) até a formação de grupos institucionaliza-
Distorção
histórica
Se é compreensível, por causa de nosso passado do Estado, das faixas etárias às quais aquele
ditatorial, a associação entre regulação da pro- programa não é recomendado e dos conteúdos
gramação e censura, a mesma confusão conceitual específicos ali contidos.
nos parece despropositada quando o que está em Feita esta primeira avaliação, também são reco-
jogo é a Classificação Indicativa em particular. mendados horários em que devem ser veicula-
A indicação de faixas etárias e conteúdos, es- dos programas apropriados para as respectivas
pecialmente para a televisão, não pode ser en- faixas de idade.
quadrada como censura. E simplesmente porque Em nenhuma hipótese o Estado pode impedir a
os elementos que caracterizam um ato de censura veiculação de determinado programa; isto é, o seu
não estão presentes em uma atividade de Classi- papel é fixar um horário adequado – a partir de
ficação Indicativa. Nesse sentido, vale destacar critérios definidos – para a exibição do mesmo.
novamente algumas colocações já explicitadas an- O Poder Público não pode impor cortes em tre-
teriormente nesta publicação: chos específicos das obras audiovisuais para
O que a regulação referente à Classificação In- que as mesmas sejam enquadradas em deter-
dicativa hoje permite é a indicação, por parte minados critérios classificatórios.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
78
dos para atuar junto aos veículos de comunicação para aprimorar, no Brasil, a engenharia institu-
em iniciativas de advocacy. cional do Estado em relação aos meios de comu-
É nesse modelo de regulação que a Classifica- nicação: o Sistema Público de Televisão e o direito
ção Indicativa deve se inserir, contrabalançando o de antena.
que Laurindo Leal Filho chama de “liberdade uni- Previsto na Constituição de 1988, o Sistema Pú-
lateral” das emissoras. “Quem detém o poder tem blico de Televisão deveria constituir-se em contra-
liberdade, e a sociedade paga por ela”, afirma. “A ponto importante tanto ao sistema estatal quanto
Classificação Indicativa é uma possível regulamen- ao privado. Algumas propostas de comunicação al-
tação, uma das formas de dar aos que não têm poder ternativa, como as rádios comunitárias, vêm se co-
algum tipo de liberdade”. locando como um caminho viável para a efetiva for-
matação de um sistema público.
Fortalecendo Mas, de fato, estamos bastante distantes de in-
alternativas troduzir no cenário brasileiro uma comunicação pú-
O direito de resposta, se bem regulamentado, pode blica (não estatal e não privada) que possa ser consi-
ser importante instrumento de ampliação da liberda- derada uma alternativa informacional e de entrete-
de de expressão. O relatório da OEA que já menciona- nimento para todo o território nacional.
mos coloca a questão da seguinte forma: Já o direito de antena tem por objetivo ampliar a
De acordo com o artigo 14 da Convenção Americana, pluralidade de vozes nos meios de comunicação já
‘toda pessoa afetada por declarações falsas ou agra- consolidados. Presente em países como Portugal
vantes emitidas em seu prejuízo através de meios de e Itália, é uma espécie de “horário político gratui-
difusão legalmente regulamentados e que se dirijam to” para os diferentes grupos de interesse presentes
ao público em geral, tem direito a realizar pelo mes- na sociedade.
mo meio de difusão sua retificação ou resposta nas No horário eleitoral, os partidos apresentam sua
condições que estabeleça a lei’. Este direito está re- mensagem sem qualquer interferência das emisso-
lacionado com o direito à liberdade de expressão e ras, mesmo sendo seus conteúdos transmitidos por
oferece um recurso para reparar os danos que possam elas. O direito de antena prevê uma situação seme-
ocasionar a uma pessoa no exercício do direito à li- lhante: em horários determinados pelas autoridades
berdade de expressão, sem interferir indevidamente reguladoras, são transmitidos, sem a intervenção das
no exercício do mesmo. emissoras, conteúdos produzidos por grupos organi-
Dois outros mecanismos poderiam contribuir zados da sociedade.
Capítulo 3
79
Gallagher, no artigo “Women, Media and Democratic Assim, será esta a idéia central que perseguiremos neste
Society: in pursuit of rights and freedoms”: trabalho: controlar nem sempre significará censurar. Ao
Os resultados derivados das disputas a respeito da ga- contrário, a ausência de controle das programações tele-
rantia da liberdade de expressão vão depender dos va- visivas para criança e adolescentes pode representar uma
lores que as cortes estão preparadas para atribuir a este ameaça ao equilíbrio do estado democrático de direito,
tipo de liberdade e da extensão até a qual elas estarão elevando o direito a que tem as emissoras de televisão so-
inclinadas a subordinar outros direitos e interesses à li- bre o serviço público que lhe é concedido à categoria de di-
berdade de expressão. O direito à liberdade de expressão reito absoluto – figura inexistente em nosso ordenamento
deverá ser contrabalanceado com muitos outros direi- jurídico –, tudo em detrimento do direito a que têm as
tos, incluindo o direito à igualdade, dignidade, privaci- crianças e os adolescentes a uma programação de TV con-
dade, campanhas políticas, julgamento justo, atividade catenada com os princípios e diretrizes legais vigentes.
econômica, democracia, propriedade e, mais significa- A partir de uma outra perspectiva – a de que as em-
tivamente, os direitos de crianças e mulheres”. (ICASA, presas são operadoras de concessões públicas – é pos-
Novo Código de Conduta para Radiodifusores, pa- sível também questionar a lógica de um direito absolu-
rágrafo 7, www.icasa.org.za). to. Nesse sentido, vale conferir o julgamento da Ação
Nesse campo minado é, contudo, importante tra- Direta de Inconstitucionalidade 2566-0, quando a Ad-
balhar com enquadramentos que encorajem a reflexão vocacia Geral da União ressaltou os ensinamentos da
a respeito de potenciais conflitos entre direitos huma- Profa. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, afirmando:
nos, liberdades e responsabilidades, e que reconheçam “Por outro lado, tratando-se de serviços de teleco-
que ‘direitos’ têm uma base legal distinta de ‘liberdades’. municações ou radiodifusão, que o particular exerce
Para Blandine Kriegel, autora do relatório para o Mi- mediante concessão do Poder Público, não existe essa
nistério da Cultura francês sobre as relações entre a pro- ‘liberdade total’ mencionada pelo autor [da ação],
teção à criança e o conteúdo televisivo: “No caso de haver posto que a Constituição ao tratar da matéria (art.
um conflito entre o princípio da liberdade e o princípio 21, incisos XI e XII) determinou que ‘nos termos da
da proteção das crianças, se deve fazer prevalecer o di- lei’ estaria fixada a forma de exploração desses servi-
reito das crianças segundo a legislação européia vigente”. ços. A concessão, importante lembrar, constitui-se em
Os bacharéis em direito Anderson de Oliveira contrato administrativo mediante o qual o particular
Alarcon e Humberto Quirino, na obra Programação (concessionário) executa serviço, em seu próprio nome
Televisiva para Crianças e Adolescentes: Limites e Possi- e por sua conta e risco, porém sob fiscalização e contro-
bilidades de Controle, caminham na mesma direção: le da Administração Pública.
Capítulo 3
81
pecialista em direitos humanos, Kevin Boyle, reprodu- o direito à liberdade de expressão e outros (como os das
zido no voto elaborado por ocasião do julgamento cita- crianças e adolescentes e demais minorias políticas), é
do acima. Para Boyle, quando o direito à liberdade de preciso examinar os últimos com atenção.
expressão e o direito à não-discriminação entram em
conflito, este deve prevalecer sobre aquele: A letra da lei
A resposta reside no fato de estarmos diante de um con- Para o presente debate, interessa-nos observar dois
flito entre dois direitos numa sociedade democrática – a artigos da Constituição em particular:
liberdade de expressão e o direito à não-discriminação. A Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da Repú-
liberdade de expressão, incluindo a liberdade de impren- blica Federativa do Brasil:
sa, é fundamental para uma democracia. Se a democra- I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
cia é definida como controle popular do governo, então, se II - garantir o desenvolvimento nacional;
o povo não puder expressar seu ponto de vista livremen- III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
te, esse controle não é possível. Não seria uma sociedade as desigualdades sociais e regionais;
democrática. Mas, igualmente, o elemento central da IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
democracia é o valor da igualdade política. ‘Every one origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras for-
counts as one and no more than one’ [‘Cada um conta mas de discriminação.
como um e não mais que um’], como disse Jeremy Ben- Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Esta-
tham. Igualdade política é, conseqüentemente, também do assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
necessária, se uma sociedade pretende ser democrática. prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
Uma sociedade que objetiva a democracia deve tanto pro- à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
teger o direito de liberdade de expressão quanto o direito à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
à não-discriminação. Para atingir a igualdade política é familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
preciso proibir a discriminação ou a exclusão de qualquer toda forma de negligência, discriminação, exploração,
sorte, que negue a alguns o exercício de direitos. Incluindo violência, crueldade e opressão.
o direito à participação política. No 3º artigo constitucional, são estabelecidos os ob-
Como salienta o jurista e atual ministro do Supremo jetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
Tribunal Federal, Eros Grau, a Constituição não pode ser – os quais, imagina-se, todos aqueles instalados neste
analisada em tiras, como se escolhêssemos os trechos solo deveriam estar ocupados em perseguir. Às empre-
que mais se encaixem em nossos interesses particulares. sas de comunicação não foi outorgado nenhum salvo-
Seguindo esta recomendação, em casos de conflito entre conduto que lhes permita descumprir esta exortação.
Capítulo 3
83
No artigo 227, o legislador constituinte deixou cla- que os “donos” e jornalistas daquele único veículo
ro, como não o fez em nenhum outro dispositivo cons- estejam autorizados a publicar sem restrições ad-
titucional, que os direitos de crianças e adolescentes vindas do Estado, estar-se-ia enfrentando uma
seriam observados por todos – grupo que certamente grave limitação à liberdade de expressão.
inclui as empresas de comunicação – com absoluta Liberdade de expressão não implica ausência de
prioridade. É possível inferir, portanto, que, apesar regulamentação sobre o tema.
de não haver direitos absolutos, há prioritários. A liberdade de expressão não é garantida igual-
Concluindo, evocar os pensamentos clássicos sobre a mente a todos.
liberdade de expressão implica contextualizar seu ideá- A liberdade de expressão ideal é condição neces-
rio (ou da primeira emenda da Constituição norte-ame- sária e suficiente para que os diferentes grupos da
ricana) no sistema comunicacional que está em vigor sociedade expressem os pontos de conflito político
desde o início deste século, como bem sublinha o pro- inerentes ao ambiente democrático.
fessor inglês John Keane, em sua obra referencial A Mí- A liberdade de expressão real não pode ser com-
dia e a Democracia. Do contrário, estaremos falando de preendida isoladamente no sistema de direitos
um direito aplicável a uma realidade social inexistente. humanos e tampouco como hierarquicamente su-
perior a outros direitos.
Razões da classificação É preciso reconhecer que o discurso sobre a liber-
Quando a Classificação Indicativa está em foco, em ge- dade de expressão não pode ser conduzido de maneira
ral, parte-se do pressuposto de que a liberdade de ex- binária: ou há liberdade de expressão ou há censura.
pressão já é um princípio consolidado nas democracias Este tipo de raciocínio, além de falso, usa argumentos
ocidentais (incluindo o Brasil) e que a mera menção a que dificultam uma discussão mais técnica e isenta.
esse direito é auto-explicativa. Diversos motivos, ex- Nesse sentido é que procuramos mostrar, no pre-
postos ao longo das últimas páginas, porém, levam à sente capítulo, ser possível assegurar a liberdade de
percepção de que a questão ao redor da liberdade de expressão levando a cabo uma regulação democrática
expressão é mais complexa do que parece: dos meios de comunicação de massa. Mais do que isso:
A liberdade de expressão, no Brasil, não está tão dizer que a liberdade de expressão não é um direito ab-
consolidada como gostaríamos. soluto, não basta. É necessário que o órgão regulador
A censura não é a única forma de cercear a liber- disponha de mecanismos legais adequados para tomar
dade de expressão. Em uma situação de monopó- decisões nos casos em que este direito (o de expressão)
lio dos meios de comunicação, por exemplo, ainda entra em conflito com outros direitos.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
84
Essas duas respostas não são antagônicas; ao con- Postman, em seu livro The Disappearance of Childhood,
trário, são complementares. Apesar disso, implicam a existência da “infância” e a aceitação das peculiari-
a construção de parâmetros distintos para o sistema dades que a diferenciam da vida adulta somente ga-
de Classificação Indicativa e, nesse sentido, é funda- nharam sentido e força no mundo ocidental a partir
mental que fiquem claras as diferenças entre as es- da Renascença. A adolescência, por sua vez, consoli-
truturas técnicas e institucionais necessárias ao se da-se como um grupo social específico no século XX,
priorizar um ou outro público-alvo. ao mesmo tempo em que se fortalecem os principais
A referência para construção desses critérios sistemas de mídia eletrônica – o que não é, no todo,
quando o foco é o diálogo com a família são as propos- uma mera coincidência.
tas, dirigidas ao Ministério da Justiça, de amplificação Ressalta uma das maiores especialistas brasilei-
da interação com a sociedade – as quais estão apre- ras na relação entre mídia, infância e adolescência, a
sentadas tanto no Capítulo 1 quanto na Segunda Parte professora da Escola de Comunicação e Artes da USP,
do presente documento. Elza Pacheco, no artigo “Infância, Cotidiano e Imagi-
No presente capítulo, portanto, nos ocuparemos do nário no Terceiro Milênio: dos Folguedos Infantis à
segundo eixo de condução do debate: apontaremos, a Diversão Digitalizada”:
partir da literatura da área, os potenciais efeitos da te- ... conhecer a criança é pensá-la não apenas numa
levisão na sua interação com o público infanto-juvenil. perspectiva evolutiva e etária. Conhecer a criança é
Adicionalmente, sempre que necessário, apresentare- pensá-la como um ser social determinado historica-
mos sugestões de como a Classificação Indicativa pode mente. Conhecer a criança é pensá-la interagindo di-
colaborar no equacionamento de algumas dessas ques- namicamente, influenciando e sendo influenciada.
tões. Estes efeitos também serão aspectos centrais da Conhecer a criança é pensá-la como um ser de relações
discussão na Segunda Parte de nosso documento e na que ocorrem na família, na sociedade, na comunida-
ficha de Classificação Indicativa proposta. de. É conhecê-la em casa, na escola, na igreja, na rua,
no clube, em seu grupos sociais, nas “peladas”, enfim,
A construção social da infância em todas as suas atividades.
A infância e a adolescência, nos ensinam diversos Vendo-a sob todas essas óticas, os adultos já não lhes
historiadores e pensadores, não são “etapas” naturais perguntariam “o que você vai ser quando crescer?”.
da vida humana – uma conseqüência imediata dos fa- Eles veriam que a criança é um ser histórico que pro-
tores biológicos que caracterizam os indivíduos. Ao duz cultura, que a criança pensa, que a criança sente
contrário. Segundo o escritor norte-americano Neil o canto dos pássaros, o ronco dos carros e dos aviões, o
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
86
zumbido dos insetos, o farfalhar das folhas, a cor e o culiares às crianças e aos adolescentes. Mas o funda-
perfume das flores. Mas sente também outras coisas: a mental é compreender a leitura social e política – no
dor, a fome, o frio, a poluição, a violência, a injustiça. melhor sentido da palavra – que a sociedade faz des-
Ela sente e sofre ... sas características. Assim sendo, ao longo do presente
Tais constatações têm um enorme impacto na formu- documento freqüentemente reiteramos os princípios
lação de políticas públicas voltadas para esses segmentos de duas leis: a Convenção sobre os Direitos da Criança
populacionais. Se é verdade que a infância e a adolescên- e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
cia são construções sociais – ou seja, nem sempre existi- Na primeira, estão contidos os compromissos que
ram ou, quando existiram, nem sempre foram definidas a comunidade internacional decidiu ratificar quando
de um mesmo modo –, também é verdade que as polí- meninos e meninas estão em foco. A Convenção traz
ticas direcionadas a essas populações devem estar cor- as referências mundiais para a definição político-le-
relacionadas àquilo que cada sociedade, historicamente gal contemporânea de infância e adolescência. Já no
datada, decidiu fixar como elementos delineadores da ECA, que é uma legislação em muito tributária ao do-
sua infância e da sua adolescência. Tais elementos são cumento internacional, encontram-se os elementos
tão ou mais importantes do que os fatores biológicos que particulares do entendimento de infância e adoles-
definem a constituição de crianças e adolescentes. cência para a sociedade brasileira.
Não por outra razão, o trabalho infantil, ampla- As definições de criança e adolescente trazidas por
mente aceito na Inglaterra da Revolução Industrial, esses dois marcos legais são completamente distintas
é hoje fortemente condenado naquele mesmo país. – ainda que herdeiras – do conceito de infância e ado-
Biologicamente, os meninos e meninas de 10 anos do lescência que prevaleceu no período da Renascença.
século XVIII ou os de agora apresentam características Pela perspectiva contemporânea, esses grupos popu-
parecidas. O que mudou radicalmente foi a sociedade lacionais passam a ser vistos como prioridade absoluta
e, em um movimento harmônico, os marcos legais, para o Estado, a família e a sociedade, tornando-se me-
morais e éticos que a regem. recedores de proteção especial, em virtude de encon-
trarem-se na condição de indivíduos em formação. A
A infância no mundo partir desta concepção, eles devem ser compreendidos,
contemporâneo sobretudo, como sujeitos de seus próprios direitos, ou
Na definição de uma política pública – como a de seja, como indivíduos capazes de exercer a sua própria
Classificação Indicativa – por certo é pertinente nos cidadania, sem que, com isso, sejam desconsideradas
fixarmos nas características biológicas e psíquicas pe- suas condições peculiares de desenvolvimento.
Capítulo 4
87
Para as sociedades contemporâneas, as distintas estes não possuem; e vice-versa. Da mesma forma, se
fases da infância e da adolescência (bebês, crianças, adultos e crianças compartilhassem, indistintamente,
pré-adolescentes, adolescentes, jovens) estão muito do mesmo conjunto informacional – como ocorria na
associadas às etapas do processo educacional formal. Idade Média – não faria sentido rotular de forma espe-
Tal fato acaba por caracterizar uma forte normatização cífica cada um destes segmentos populacionais.
social desses grupos etários. Não por outro motivo, a inserção no sistema educa-
cional está intrinsecamente conectada à nossa discussão.
O papel da vergonha O revelar dos segredos, em grande medida, se dá com o
Outra questão de especial relevância na constituição caminhar pelas etapas do processo educacional, quando
histórica do conceito de infância está relacionada à a criança, o (a) adolescente e o (a) jovem vão sendo pau-
vergonha. Na Idade Média, não havia “segredos” (para latinamente introduzidos ao universo adulto. Nesse sen-
nos valermos da expressão de Neil Postman) do mundo tido, a educação formal passa, em todas as sociedades, a
adulto que não fossem compartilhados com crianças e ser um direito das crianças e um dever do Estado e da fa-
adolescentes. A idéia de que “tudo tem o seu tempo”, mília, pois, ao mesmo tempo em que garante um espaço
aplicada em relação a uma série de questões – inclusive, próprio para o desenvolvimento da identidade infanto-
e principalmente, àquelas que se referem à sexualidade juvenil, também “prepara” meninos e meninas para a
–, simplesmente não tinha lugar. Ou seja, não existia o inserção no mundo adulto – idealmente respeitando os
sentimento da vergonha em tornarem-se públicos de- tempos e o processo de evolução biopsicossocial.
terminados assuntos, cenas ou atitudes aos quais hoje Vale destacar, finalmente, que todo esse proces-
se busca evitar o acesso de crianças e adolescentes. so social e histórico acelera-se expressivamente no
Se compreendemos que socialmente há diferenças século XX. Por um lado, isso se deu por causa da psi-
substantivas entre a infância e o universo adulto, entre- cologia que colabora de maneira decisiva para os de-
tanto, a conseqüência imediata é a existência de “segre- bates relativos à formatação da idéia contemporânea
dos” desse universo que devem ser revelados no tempo de infância e adolescência. Os trabalhos de Sigmund
apropriado, assegurando às crianças e aos adolescentes Freud e seus interlocutores e/ou sucessores são espe-
seu direito de se diferenciarem dos adultos. O ponto cialmente relevantes nesse contexto.
central é que um dos elementos fundamentais na dife- Por outro lado, o cinema, o rádio e a televisão con-
renciação de dois grupos sociais é o tipo de informação tribuem, em diversos momentos, para a propagação
de que cada um deles dispõe. Advogados são diferentes da concepção de infância e adolescência e para a valo-
de jornalistas porque aqueles detêm informações que rização dos direitos desses grupos populacionais.
Capítulo 4
89
infância – ou até mesmo de humanidade – está relacio- Por sua vez, o doutor em psicologia social e pro-
nada aos constantes contatos com a forma de transmis- fessor da PUC-RS Pedrinho A. Guareschi, em artigo
são de informações inerente à televisão: a imagem. intitulado “O Meio Comunicativo e seu Conteúdo”,
O mundo das imagens não requer, a priori, a capaci- complementa a discussão:
dade de compreensão de conceitos abstratos – habilida- Podemos imaginar, pois, a diferença que existe entre
de que geralmente é desenvolvida por meio da alfabeti- práticas tais como ler um livro ou assistir a um progra-
zação. Como aprender o que é democracia, por exemplo, ma de TV. Não é necessário refletir muito para nos dar-
por meio apenas de imagens? Nesse sentido, para o mos conta de que são duas posturas bastante distintas:
cientista político italiano Giovanni Sartori, em análi- na primeira prática a criança é ativa, lê uma sentença,
se publicada em seu controvertido ensaio Homo Videns, imagina como seria o que a leitura lhe está sugerin-
uma cultura fundamentada sobretudo na imagem torna- do, pode parar no momento em que quiser, ir à frente,
se uma cultura que fortalece o desenvolvimento de um imaginar diferentes tipos de personagens – sempre de
outro tipo de humanidade – e de um outro tipo de infân- acordo, está claro, com sua experiência passada. Já na
cia e adolescência. Uma infância e adolescência que, na segunda prática, a criança está fixa na TV, seus olhos
visão de Neil Postman, dispensariam, no limite, a alfa- reagem aos movimentos e estímulos da tela, ela ri, fica
betização e a inclusão no sistema educacional para terem triste, etc., de acordo com os estímulos mostrados.
acesso pleno às informações privilegiadas do mundo Há uma diferença fundamental nas duas práticas: na
adulto: elas viriam naturalmente pelas imagens escan- primeira, a criança imagina, cria tipos, imagina luga-
caradas cotidianamente pelos meios de comunicação. res, situações, paisagens, cores, odores, ruídos, etc., de
acordo com estímulo escrito, mas imaginado por ela; na
Homo sedens segunda prática, porém, ela já tem tudo isso dado. Ela
O doutor em comunicação Norval Baitello Júnior, em não necessita construir. É poupada dessa tarefa criati-
seu artigo “A mídia e a sedação das imagens”, colo- va. O que lhe resta é conferir, interiorizar, como que “co-
ca uma questão adicional: será que não nos caberia piar”, reproduzir e repetir o que alguém já fez para ela.
avaliar o impacto do desenvolvimento dos meios de
comunicação de massa sobre nossas mentes? Es- Tevê e audiência: interação ou
taríamos, por acaso, transformando-nos em seres relação de poder?
sentados e sedados? Ou seja, o inquieto homo sapiens No contrapé das afirmações categóricas da influência
demens (Edgar Morin) e o homo ludens (J. Huizinga) dos conteúdos televisivos sobre crianças e adolescen-
estariam cedendo lugar a um homo sedens? tes, estão as vozes que alertam para o fato de que um
Capítulo 4
91
dos elementos fundamentais para os estudos de co- simplesmente porque preferem esta programação,
municação nessa área deve ser a análise das diversas mas, ao contrário, o fazem pela absoluta falta de
características da interação entre a audiência infan- opções. Isto é, o poder de nada menos que um terço
to-juvenil e o universo televisivo e, logo, não apenas dos telespectadores não parece ser tão pujante as-
a relação unidirecional “programação–impacto nas sim1. Segundo o jornalista Cláudio M. Magalhães,
crianças e adolescentes”. Ou seja, as crianças não se- “o que melhor se produz em televisão para crian-
riam como esponjas que absorvem acriticamente tudo ça é restrito a um público mínimo. Os demais têm
o que vêem na tevê. que se contentar com a pobre programação da tevê
Não podemos deixar de concordar com esse ponto. aberta, que tem ajudado muito pouco em diminuir
É fato, contudo, que, nessa interação, o poder exer- esse espaço. Criando-se assim uma nova categoria
cido pela tevê sobre sua audiência infanto-juvenil é de crianças excluídas, as ‘sem-desenho’, condena-
muito maior do que ocorre no sentido oposto, ou seja, das a ver uma pobre programação infantil – cada vez
da audiência sobre as emissoras. menor –, em comparação à farta opção para poucas
Críticos poderiam, a princípio não sem razão, crianças privilegiadas”.
apontar como evidência da capacidade do público de Diante disso, é preciso ter claro que, quando fa-
influenciar a tevê a propalada tese do “poder do Ibo- lamos da relação entre o universo infanto-juvenil e a
pe”, ou seja, a de que as emissoras alteram sua pro- televisão, não estamos nos referindo apenas às pro-
gramação a partir das nuances ocorridas nos índices gramações produzidas para esses públicos. Logo, pa-
de audiência. Uma longa discussão seria necessária rece impossível que o Estado deixe de ocupar-se de
para aprofundar este ponto. Entretanto, duas obser- potenciais impactos negativos e positivos advindos
vações são especialmente relevantes: de um lado, as dessa interação.
mudanças advindas das variações nos índices de au- 1 Em grupos focais que a ANDI realizou para a publicação Remoto Contro-
diência costumam ser bastante pontuais, e não estru- le: Linguagem, Conteúdo e Participação nos Programas de Televisão
turais. Ou seja, altera-se o quadro X ou Y de determi- para Adolescentes (produzida pela ANDI em parceria com UNICEF,
Petrobras e Cortez Editora), quando perguntado aos participantes – todos
nado programa, mas não se substitui aquele programa adolescentes – quais eram as suas atrações preferidas, não obtivemos como
por um outro, de gênero absolutamente diferente. resposta os dez programas que haviam sido apontados pelas emissoras
como especialmente produzidos para esta faixa etária. A única exceção
No caso dos públicos infantis, e este é o segun- ficou por conta da novela Malhação, da Rede Globo de Televisão. Isto não
do ponto, a situação é ainda mais crítica: crianças e quer dizer, no entanto, que eles não almejassem ter uma programação mais
voltada para sua faixa etária. Também de acordo com os grupos focais, os
adolescentes, segundo muitos autores, não estão se participantes indicaram que gostariam de ver na televisão mais produtos
deslocando para o consumo da programação adulta especialmente direcionados a adolescentes e jovens.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
92
Até o momento, apresentamos um amplo leque de preocupações gerais acerca da relação entre uma sociedade mediada
e socializada pela imagem e o desenvolvimento da infância e da adolescência enquanto construções histórico-sociais.
Não nos ocupamos de sublinhar benefícios e problemas diretamente associados ao contato de crianças e adolescentes
com determinados conteúdos audiovisuais.
Não obstante, para um delineamento de questões mais específicas e objetivas a serem operadas por um processo de
Classificação Indicativa, faz-se necessário observar os debates mais focalizados desenvolvidos pela literatura da área.
É esse o nosso objeto no restante do presente capítulo.
É muito difícil determinar com exatidão os inúme- No quadro da página seguinte, reproduzimos o
ros impactos gerados por determinados conteúdos conteúdo integral de uma comunicação conjunta das
audiovisuais sobre crianças e adolescentes, já que o mais importantes associações de profissionais da
comportamento de garotas e garotos também é in- saúde voltados para os cuidados com crianças e ado-
fluenciado por um conjunto de outros fatores. De lescentes dos Estados Unidos. O comunicado afirma
acordo com a Comissão de Educação Pública da Aca- que estas organizações não têm dúvidas quanto à re-
demia Americana de Pediatria, contudo, a força da lação entre o conteúdo midiático violento e determi-
correlação entre violência na mídia e comportamento nadas características e comportamentos agressivos
agressivo “é maior do que a relação entre o consumo de crianças e adolescentes.
de cálcio e a massa óssea, ingestão de chumbo e baixo Outro exemplo de impacto, reconhecido pelas
QI, a negligência no uso de preservativos e a infecção próprias empresas, está vinculado às estratégias
por HIV ou o consumo ambiental de tabaco e câncer chamadas de nag factor, que poderíamos traduzir
de pulmão – associações aceitas pela comunidade como “azucrinação”. Gary Ruskin, em artigo inti-
médica e nas quais a medicina preventiva se funda- tulado “Why they Whine: How Corporations Prey
menta sem questionamentos”. on our Children”, publicado no último bimestre de
Capítulo 4
93
1999 na revista Mothering Magazine, comenta as tá- seria suficiente para que fossem adotadas políticas
ticas utilizadas pela propaganda para transformar públicas voltadas para essa questão – como acontece
crianças em soldados das corporações, com a tarefa no caso da legislação eleitoral. Ou seja, se meninos e
de convencer os pais, por meio de práticas de “azu- meninas são prioridade absoluta e se há a possibili-
crinação”, acerca da necessidade de aquisição de dade de que algo venha a prejudicar ou potencializar
determinados produtos. seu desenvolvimento integral, é tarefa do Estado, da
A influência da tevê também já é reconhecida família e da sociedade interferir para evitar os preju-
pelo próprio Estado no que se refere a outras es- ízos e otimizar os ganhos.
feras. É o caso, por exemplo, dos espaços destina-
dos pelas emissoras aos conteúdos de cunho polí- Influências positivas
tico-partidário. A legislação eleitoral estabelece Por isso mesmo, não se deve contemplar a televisão,
uma série de regras para a programação televisiva para efeitos de construção de políticas públicas, de
– inclusive em relação à quase sempre intocável forma maniqueísta – por exemplo, partindo do prin-
programação jornalística – de forma a garantir uma cípio de que “certamente ela trará impactos negativos
eqüidade no tratamento dispensado às correntes para as crianças impotentes que se assentam diante
eleitorais em disputa. do televisor”. Conforme já defendemos longamente
Outra analogia altamente pertinente é confeccio- na publicação Remoto Controle: Linguagem, Conteúdo
nada pelo jornalista Cláudio M. Magalhães, no artigo e Participação nos Programas de Televisão para Adoles-
“Criança e Televisão: uma relação superpoderosa”: centes, inúmeras são as possibilidades por meio das
Como acontece com os remédios, não basta somente quais a televisão pode contribuir consistente e positi-
colocar um alerta no rótulo de “mantenha longe das vamente para o desenvolvimento integral de crianças
crianças”, o equivalente ao “este programa é desacon- e adolescentes. Mais do que isso, figuras de referên-
selhável para menores de 12 anos”. É necessário, no caso cia no pensamento comunicacional latino-america-
das fábricas de medicamento, criar embalagens que no, mencionadas na mesma publicação, como Jesus
dificultem o manuseio pelas crianças, elaborar campa- Martin-Barbero, Guillermo Orozco e Roxana Mordu-
nhas para os responsáveis educando na guarda destes chowicz, alertam para o fato de que o potencial socia-
remédios, facilitar informações para as emergências. lizante positivo da televisão é, em diversas situações,
Diante disso, podemos afirmar que o simples fato inerente à própria relação da criança e do adolescente
de haver uma probabilidade de impactos (negativos com o meio. Em outras palavras: um impacto positivo
e positivos) da tevê sobre crianças e adolescentes já da televisão na socialização destes públicos não re-
Capítulo 4
95
quereria, a priori, uma programação educativa inten- uma incapacidade de perceber que a criança tem uma
cionalmente estruturada. maneira própria de manifestar seus instintos.
O jornalista Cláudio M. Magalhães, em já citado
artigo, complementa esta perspectiva do papel socia- Critérios balisadores
lizador da televisão: Devemos ter em mente que a questão central aqui é
Do ponto de vista das crianças, a televisão continua o formato de socialização que a sociedade brasilei-
sendo a janela para um mundo mágico e divertido, ra quer para suas crianças e adolescentes. Quais as
uma amiga de todas as horas. Hoje, ou há vinte anos, características de cidadania desejamos enaltecer e
a TV cumpre, conforme ilustrado por Ferres, quase uma quais desejamos apontar como reprováveis?
função materna. A psicanalista Maria Rita Kehl salienta:
“Ocupa um lugar de destaque dentro do lar. É ponto de A discussão sobre a Classificação Indicativa deve gi-
referência obrigatório na organização da vida familiar. rar muito mais em torno de formar as crianças que nós
Está sempre à disposição, oferecendo a sua companhia queremos do que ao redor da idéia de que crianças de
a qualquer hora do dia ou da noite. Alimenta o ima- determinada idade estão preparadas ou não para li-
ginário infantil com todo tipo de fantasias e contos. É dar com determinado conteúdo. Claro que há a par-
um refúgio nos momentos de frustração, de tristeza ou ticularidade do desenvolvimento, mas não é isso que
de angústia. E, como uma mãe branda, nunca exige deve ser levado em consideração ao se tratar da Classi-
nada em troca.” ficação Indicativa. A própria psicologia não estabelece
Para Claudemir Viana, pesquisador do Laborató- essa relação de causa e efeito e nem faixas estanques
rio de Pesquisa sobre Criança, Imaginário e Televisão do desenvolvimento.
da ECA/USP, a criança e o adolescente precisam ser A mesma linha é seguida pela professora Maria
vistos como sujeitos históricos, que interagem com o da Graça Marchina, psicóloga social, diretora do
mundo a sua volta. departamento de psicologia da Pontifícia Universi-
Como sujeito capaz, a criança interage e reelabora os dade Católica de São Paulo (PUC-SP), pesquisadora
conteúdos midiáticos a partir do seu entorno. Ela não é em mídia e adolescência e, atualmente, presidente
incapaz de desenvolver a sua leitura sobre aquele conte- do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
údo, mesmo as crianças mais novas. É um erro atribuir “A psicologia não tem consenso a respeito das eta-
à criança total incapacidade, por considerar que ela pas do desenvolvimento. Nenhuma teoria consegue
seria um papel em branco, uma esponja. Que tudo que dizer que aos dez anos a criança é capaz disso e aos
chega, ela só será capaz de reproduzir tal e qual. Existe 12 daquilo”.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
96
Ou seja, como os meios de comunicação são im- nais brasileiros, assim como as normativas inter-
portantes instrumentos de socialização e educação de nacionais a respeito dos direitos humanos e a his-
crianças e adolescentes – não parece haver dúvidas tória social por detrás deles.
quanto a este papel, dado que garotos e garotas pas-
sam, em média, três horas diárias diante da telinha A mensagem principal
–, é pertinente nos indagarmos, enquanto sociedade, A necessidade de formulação de políticas públicas
sobre o modelo de socialização que desejamos para a nos coloca diante de um desafio, pois existem múl-
população infanto-juvenil. Tal questionamento deve tiplas manifestações de infância e adolescência – o
ser feito antes de adentrarmos no debate a respeito que exigiria múltiplas classificações. Assim, é preci-
dos impactos biopsicossociais específicos relativos ao so fazer uma relativização antropológica e social em
processo de desenvolvimento da criança. relação a essa diversidade, a fim de que se possa de-
Como afirma a psicanalista Maria Rita Kehl: “O senhar uma política pública de classificação que leve
cinema e a televisão fazem parte do caldo de cultura em consideração a realidade da maioria das crianças
em que nossas crianças são criadas. Dessa maneira, e adolescentes.
o que se oferece a elas, vai ser muito importante para Diante disso, parece lógico que a principal men-
o tipo de criança e jovem que se terá no Brasil”. Ela sagem a emanar de uma política de Classificação In-
exemplifica argumentando que as crianças que des- dicativa deva ser a do direito. Do direito das crianças,
de cedo recebem apenas o conteúdo de grosseria se- dos adolescentes, das mulheres, dos negros, dos in-
xual ou de resolução violenta de conflitos, por exem- dígenas, enfim, de todos os diversos grupos que com-
plo, vão se familiarizar com esses padrões. “Isso não põem a sociedade brasileira.
quer dizer que seja impossível elas entenderem isso. Por outro lado, em que pese a relevância dos
Simplesmente, elas serão criadas considerando es- direitos das diversas minorias políticas na forma-
ses aspectos como a normalidade da cultura delas.” tação do sistema de Classificação Indicativa, não
Em matéria de Classificação Indicativa, por- podemos deixar de reconhecer a centralidade dos
tanto, ao mesmo tempo em que se faz necessário direitos das crianças e adolescentes para a configu-
atentar para os potenciais impactos (positivos ou ração final de um modelo de regulação como este.
negativos) gerados pela programação no desenvol- Assim, a fim de salientar as fontes primárias dos
vimento integral de crianças e adolescentes, tam- direitos aos quais devemos prestar especial atenção
bém é de grande relevância compreender qual é a é importante mencionar o artigo 3º da Constituição
sociedade almejada pelos princípios constitucio- Federal e também o artigo 227. Ressalte-se ainda o
Capítulo 4
97
texto do artigo 17 da Convenção sobre os Direitos vimento integral dos mais jovens. Ao contrário do
da Criança, documento em que os Estados signatá- que muitos poderiam imaginar, entretanto, o do-
rios comprometeram-se a prover a seus meninos e cumento não almeja um mundo no qual crianças e
meninas programação de qualidade. adolescentes se alijem do contato com a televisão,
A Convenção reconhece claramente o impor- mas sim que este ator central seja regulado pelas
tante papel da comunicação de massa no desenvol- instâncias nacionais competentes. O papel do Es-
Convenção sobre os
Direitos da Criança
tado seria então o de assegurar o acesso de meninos descompasso entre o nível de preocupação que os
e meninas à informação e estimular características Estados nacionais dispensam para diversos assun-
positivas, como a disseminação de conteúdos que tos pertinentes e centrais para o universo infanto-
valorizem a compreensão, a paz, a tolerância, a juvenil – também trabalhados pela Convenção – e
igualdade entre os sexos e a amizade entre os po- as particularidades envolvendo a mídia e as políti-
vos. O artigo 17 constitui-se, essencialmente, em cas para o setor de radiodifusão.
uma “Carta de Princípios” acerca da intersecção
entre mídia, infância e adolescência, firmada pelos Para além das
Estados nacionais. premissas legais
Nesse contexto, como afirma o professor da ECA/ A experiência pregressa mostra que bons princí-
USP Laurindo Leal Filho, “é factível pensar que a tevê pios jurídicos formalmente emoldurados enquanto
possa ser disseminadora de direitos humanos. As te- compromissos firmados pelos Estados nacionais
vês são concessões públicas e a Constituição aponta nem sempre resultam em medidas executivas con-
claramente suas obrigações: oferecer cultura, entre- cretas. Portanto, ao se tratar da função do Esta-
tenimento e informação. Isso respeitando normas, do na garantia de uma programação que estimule
valores, os direitos da família, entre outras coisas”. características positivas, é importante frisar que
Em outros termos, os meios de comunicação não têm demandar “programação de qualidade”, e identi-
apenas o potencial, mas a obrigação constitucional de ficar a criança e o adolescente como “prioridades
promover os direitos humanos. “Só que para que isso absolutas” – conforme encontramos nos diplomas
aconteça, é preciso criar mecanismos institucionais legais que acabamos de mencionar – são ações que
que os levem a avançar nessa direção”, conclui o pro- precisam redundar em medidas efetivas, por parte
fessor Leal. do Estado, no que se refere a diversos setores, in-
Entretanto, é sabido que muitos dos países que clusive aos meios de comunicação de massa. Nesse
apresentaram relatórios acerca das situações na- sentido, vale recuperar uma afirmação do jurista
cionais pós-ratificação da Convenção sobre os Di- José Carlos Barbosa Moreira, no artigo “Ação civil
reitos da Criança não fizeram menção ao que foi pública e a programação de TV”, publicado na Re-
realizado para o alcance do disposto no artigo 17, vista do Direito Administrativo:
conforme analisa Thomas Hammaberg no artigo “A Inútil frisar que ‘a possibilidade de se defenderem’ das
criança e a mídia: relatório do comitê da ONU para infrações do art. 221 [da Constituição Federal], de-
os direitos da criança”. Por aí, fica claro que há um vidamente posta em realce no art. 220, parágrafo 3º,
Capítulo 4
99
Declarações e Resoluções
Internacionais
e Regionais sobre as
Crianças e a Mídia
Os impactos potenciais
da televisão
A ampla preocupação das pesquisas realizadas internacionalmente – de forma especial nos Estados Unidos – acerca
da relação entre conteúdos midiáticos e comportamentos das crianças e adolescentes acabou por gerar, mais fortemente
nos últimos 30 anos, um vasto conhecimento acumulado acerca da questão.
As compilações feitas pela Academia Americana de Pediatria chegam a mensurar esses estudos já na casa dos mi-
lhares. Por isso mesmo, nosso intuito na presente seção é bastante modesto: desejamos apresentar alguns pontos alta-
mente recorrentes nesses trabalhos, deixando para outras publicações a tarefa de avançar em reflexões mais aprofun-
dadas sobre os potenciais impactos de conteúdos televisivos na formação biopsicossocial de crianças e adolescentes.
A perpetração de violência por personagens idealiza- para a compreensão dos públicos infanto-juve-
dos (heróis e heroínas, ídolos etc.) pode passar uma nis. Como alerta a pesquisadora britânica Andrea
imagem de que estes comportamentos são social- Millwood Hargrave, no estudo How children inter-
mente aceitos; o impacto é ainda maior se os perso- pret screen violence, elaborado a partir de entrevistas
nagens são interpretados por atores que se encontram com crianças e adolescentes, quanto mais próxima
no topo das preferências de crianças e adolescentes. a violência da criança e do adolescente, maior a
A relação entre humor e violência deve ser evitada, chance de uma reação ao contato com estas cenas.
já que a associação entre sentimentos positivos e Esta mesma pesquisa inglesa alerta para o fato de
os atos violentos pode mascarar o conteúdo repro- que os recursos próprios da televisão (efeitos es-
vável dessas atitudes. peciais, trilhas sonoras, sonoplastia etc.) também
A ausência de penalização ou crítica ao compor- podem interferir na forma como as crianças e os
tamento violento pode reforçar uma atitude de adolescentes interagem com as cenas de violência.
banalização da violência ou sugerir uma apologia Por fim, para Strasburger e Donnerstein, a violên-
deste tipo de comportamento. cia não deve ser apresentada como a única forma
A ausência de dor e demais conseqüências ime- de resolução de conflitos.
diatas (níveis irreais de ferimentos, por exemplo)
após a perpetração de atos violentos pode passar A necessidade de contextualizar
uma imagem irreal e indesejável para crianças Na opinião da psicóloga Ana Olmos, para a criança,
e adolescentes. o contexto da cena tem que ser apresentado rapida-
A presença de armas e de violência letal também mente. “Não adianta, por exemplo, uma mulher pas-
deve ser evitada. sar uma novela inteira apanhando, sem reagir, e no
Cenários realistas tendem a ter impacto mais ex- último capítulo o agressor ser punido. Para o adoles-
pressivo sobre a audiência infanto-juvenil do que cente – e especialmente para a criança –, quanto mais
quando fica nítido o absurdo de uma determinada longe, dentro do roteiro, estiver a relação entre um
situação em relação à realidade. fato e sua conseqüência, mais difícil é fazer associa-
A presença de sangue, corpos mutilados, cruelda- ção entre eles”.
de e tortura são especialmente impactantes para as Outro elemento que deve ser considerado, segundo
crianças e os adolescentes. Ana Olmos, é a violência envolvendo conteúdos que
A violência doméstica e aquela envolvendo crian- exploram o sobrenatural. “Se a criança é muito pe-
ças e adolescentes são especialmente complexas quena, isso é ameaçador”, afirma. “Até os sete anos,
Capítulo 4
103
esses eventos sobrenaturais podem ser mais ameaça- a psicóloga Maria da Graça Marchina, da PUC-SP,
dores do que as cenas de violência”. a mensagem explícita – o próprio texto veiculado
No artigo “Violência e meios de comunicação de – deve ser um potencial critério da Classificação
massa na sociedade contemporânea”, a socióloga Ma- Indicativa, mas não o único.
ria Stela Grossi Porto aponta que “os meios de massa, A maneira como essa mensagem é expressa também
se não são diretamente responsáveis pelo aumento da deve ser avaliada. Aí temos diversos itens: o contexto
violência e da criminalidade, seriam, quando menos, ou o espaço em que a coisa acontece; a organização
um canal de estruturação de sociabilidades violentas, do conjunto de informações; como a imagem é apre-
já que aí a violência é, não raro, apresentada como um sentada e como ela interage com o texto; o próprio
comportamento valorizado”. lugar que é atribuído à criança ou ao adolescente
Na mesma linha segue a análise da psicanalista na trama; as causas e conseqüências de determina-
Maria Rita Kehl, em seu artigo “A violência do ima- das ações, por exemplo. Tudo isso faz parte de um
ginário”. Ela afirma que, nos dias de hoje, as pessoas conjunto com o qual o espectador interage e que im-
assistem tranqüilamente a cenas que as fariam sair pacta no entendimento e no efeito que o programa
da sala há alguns anos. “Essa elevação do padrão de terá sobre ele. [...]
tolerância para o horror me preocupa muito. Você Esse é um ponto central da violência para a Classi-
se acostuma com a violência, quase como se fosse a ficação Indicativa: o principal problema do trata-
única linguagem eficiente para lidar com a diferen- mento da temática é que, na maioria das vezes, ela
ça; você vai achando normal que na ficção todos os é gratuita. Não só a violência física, mas também a
conflitos terminem em tiro e pancadaria. E como é psicológica, a ameaça e a intimidação. Se há uma
que fica quando você vê essa cena de horror na rua? cena na qual a criança é humilhada e termina nisso,
Você vai ser cúmplice, vai achar normal também?” o efeito é provavelmente pior do que o da cena de mor-
te contextualizada. [...]
O contexto da violência na Se os elementos são fornecidos, a criança é capaz,
formatação da classificação sim, de entender que uma determinada agressão
Se o contexto onde a violência é exibida pode ser pode levar a conseqüências. E deve compreender que
determinante para o impacto que as cenas terão so- uma criança que é humilhada em cena vai sofrer,
bre crianças e adolescentes, ele certamente deveria vai chorar e, principalmente, que não é culpada,
ser levado em consideração no processo de clas- não fez nada errado e, portanto, que quem errou foi
sificação de programas de televisão. Como afirma o adulto.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
104
É por esse e por outros fatores que pesquisadores Uma programação que constantemente viole
como Claudemir Viana identificam a dificuldade de esses princípios e que seja acessível a crianças e
apontar conteúdos apropriados ou inadequados para adolescentes pode gerar, segundo muitos estudos2,
crianças e adolescentes. “A recepção infanto-juvenil sentimentos de medo, de superdimensionamen-
tem muitas especificidades se comparada à recepção to da violência na sociedade, de insensibilidade
dos adultos”, afirma. “A diferença está na maneira de a quanto à violência real, problemas para dormir
criança compreender o mundo, interagir com ele, de- e, em casos mais graves, depressão e comporta-
senvolver-se a partir dessa interação. O imaginário é mento agressivo.
próprio da forma de desenvolvimento dessa criança”. “A entrevista feita com o PCC no programa do
A psicóloga Denise de Sousa Feliciano Monteiro, Gugu em 2003, por exemplo, é um alimento peda-
no prefácio já mencionado, complementa: gógico inadequado para qualquer criança”, afirma
Brincar de morrer em um parque de diversões pode ser Ana Olmos.
delicioso, quando se pode voltar para a casa ao final Quando se mostra pessoas encapuzadas às cinco
do dia. Contudo, para podermos ter condições de fa- horas da tarde rodando o revólver e ameaçando os
zer este interjogo saudável, é necessário termos ante- outros, dizendo-se criminosas, uma criança com
riormente estruturado nosso psiquismo garantindo os funcionamento mental ainda não formado vê algo
instrumentos para tal movimento, o que só é possível ameaçador e perseguidor, que de fato tem um con-
com maturidade psíquica. Este é um pré-requisito que teúdo persecutório. Eles estão com o rosto escondido.
a criança não possui, o que faz com que ela fique vul- Ou ela se identifica com o perseguidor ou com o perse-
nerável a se misturar com esse mundo que faz divisa guido. Se ela se identifica com o perseguido, aquilo só
com o irreal. aumenta o seu medo, porque não consegue distinguir
uma situação de realidade e ficção, dependendo da
Por uma pedagogia dos meios idade cronológica. E se ela se identifica com o perse-
Não valorizar a violência, não estabelecê-la como a guidor, toma aquilo como modelo. Mas até os 18 anos
única forma de resolução de conflitos, não passar a essa identificação pode ocorrer. E ela tem medo, mes-
mensagem de que a justiça pode ser feita com as pró- mo distinguindo a realidade da ficção.
prias mãos são atitudes que estão em consonância
com os princípios da Constituição Federal e com os 2 Uma compilação crítica de vários estudos foi realizada por Kathie Njaine e
Maria Cecília de Souza Minayo, no artigo “A violência na mídia como tema
demais que regem esse debate (como os dos direitos da área da saúde pública: revisão da literatura”, publicado em 2003 na
humanos, do ECA etc.). revista Ciência & Saúde Coletiva.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
106
Não se pode deixar de mencionar, finalmente, É importante que a Classificação Indicativa reco-
que o tema ganha muitas especificidades quando nheça que essa sexualidade existe e não deve ser
focamos públicos ainda mais jovens que os adoles- negada pela comunicação em massa. O problema
centes. Crianças interagem com a questão da sexu- é quando o erotismo aparece como única possibili-
alidade de uma maneira bastante diferente daquela dade de expressão da sexualidade. Isso se espalha:
dos adultos. As observações do psicanalista Paulo para a criança, o ideal de um corpo bonito não é o
Ceccarelli, reproduzidas no artigo da página seguin- corpo de uma criança saudável. É o corpo de uma
te, são especialmente relevantes para uma melhor mulher bonita, sexual. A criança perde referências
compreensão desse contexto. próprias do seu momento. E também a diversidade
de experiências corporais, sexuais, que variam con-
A sexualidade contemplada na forme a faixa etária. [...]
Classificação Indicativa Dessa forma, a Classificação Indicativa poderia usar
Para a psicóloga Ana Olmos, levar em conta as ques-
como critérios norteadores a diversidade de situações,
tões sexuais quando da elaboração dos critérios de
padrões estéticos e a adequação da temática ao mo-
Classificação Indicativa não é um aspecto de moral.
mento da criança.
É uma questão que deriva da necessidade de evitar
Não se trata, portanto, de classificar o sexo pelo
a banalização do ser humano. Se você vende, em um
sexo ou a nudez pela nudez. A questão é como estes
programa, a sexualidade gratuita, a pornografia, a
imagem de uma mulher ou homem – seja hetero ou ho- temas são abordados pelas obras audiovisuais em
mossexual – não valendo nada, não recebendo e nem análise. Nesse sentido, é possível defender que tais
demonstrando respeito, você acostuma a criança com assuntos devam estar entre os conteúdos oferecidos
a banalidade. Vejo isto muito mais como uma questão às distintas faixas etárias. O foco da avaliação, bem
de desrespeito – acostumar-se à mensagem de que as como no caso da violência, deve estar no contexto
pessoas podem ser tratadas feito corpo – do que uma em que são exibidos. Como afirma Renato Janine
questão sexual de moralidade. Ribeiro no artigo “O poder público ausente: a TV nas
Maria da Graça Marchina complementa: mãos do mercado”: “quase toda a crítica à exibição
É preciso reconhecer e incentivar a produção de progra- do sexo na tela se deu em termos moralistas e não
mas que favoreçam o desenvolvimento da sexualidade nos de uma abordagem que unisse a defesa da eman-
sem a imposição de um padrão adulto já estabelecido, cipação sexual, o respeito à intimidade e a valoriza-
que nada tem a ver com a vivência da criança. [...] ção do amor”.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
108
A sexualidade humana tem uma história. Os ele- ma sexualidade. Sem dúvida, é neste sentido que
mentos constitutivos desta história começam bem se pode dizer que a criança é inocente. Ela, de fato,
antes do nascimento da criança e estão intima- o é quando está na fase típica das “brincadeiras
mente relacionados com o lugar que esta última sexuais”. É o adulto que, ao surpreendê-la nes-
ocupa no imaginário dos pais e na economia li- tas brincadeiras lhes atribuirá – às brincadeiras
bidinal do casal. Após o nascimento, terá início – a conotação sexual do universo adulto. É o adulto
a chamada constituição do sujeito: um processo que significará à criança que certas brincadeiras
marcado por intensos movimentos pulsionais, são, ou não, permitidas, outras são proibidas e, em
movimentos estes que definirão a expressão da casos extremos, até merecem punição senão dos
sexualidade adulta. Isto significa que a maneira homens, de Deus. Seja como for, a resposta que o
como cada um vive a sua própria sexualidade – de adulto dá à sexualidade da criança está diretamen-
forma mais ou menos reprimida, com prazer, com te ligada à maneira que este mesmo adulto viveu o
culpa, enfim, as singularidades das manifestações despertar de sua própria sexualidade.
da sexualidade de cada um – é construída desde os Assim, como vimos, ainda que a sexualidade
primeiros dias de vida. infantil esteja presente desde o nascimento, ela
Embora a criança demonstre em uma idade tem um tempo e um ritmo que lhe são próprios,
bem precoce interesse sexual, e mesmo atividade e a exposição prematura a um excesso de estímu-
sexual, a sexualidade infantil é totalmente diferen- los sexuais pode ser problemático para um sujei-
te da sexualidade adulta. A resposta que a criança to em constituição. Uma das fontes deste excesso
dá às excitações sexuais que seu corpo produz, não pode ser a mídia. Alguns programas de televi-
corresponde à leitura que o adulto faz desta mes- são podem incentivar o despertar da sexualida-
Capítulo 4
109
de de maneira prejudicial para o futuro da criança. ciando-lhe, ao mesmo tempo, uma defesa contra o
Apenas um exemplo: há algum tempo atrás, várias perigo de se entrar em contato com representações
emissões televisivas exibiam meninas de 3, 4 anos, inconscientes geradoras de angústia.
às vezes menos, dançando a então famosa “dança da A mídia tem uma responsabilidade ética com
garrafa”. É claro, que isto traz uma grande satisfação aquilo que exibe, e não pode ignorar a sua partici-
para a criança e, sem dúvida, para os pais, por estar pação na construção social, na formação de men-
sendo admirada e agradando ao público. Entretan- talidades e no desenvolvimento psicossocial da
to, o olhar do adulto em direção a esta cena, não é criança e do adolescente. Atrelar o que ela veicula
o mesmo que o da criança. Isto pode provocar uma unicamente aos pontos da audiência baseada na
erogenização precoce e produzir um tipo de apelo ideologia de uma cultura globalizante é desres-
sexual em completa contradição com a sua condição peitar a particularidade do tempo de maturação da
infantil. A mídia tem que saber disto, e se posicionar constituição de cada sujeito.
a respeito: é uma questão ética.
Os adolescentes tão pouco estão ao abrigo dos efei- * Artigo publicado originalmente no Jornal do Psicólogo, na edição de
junho de 2003.
tos da mídia, que podem ser perversos. A busca de ** Psicólogo; psicanalista; doutor em Psicopatologia Fundamental e
modelos externos, típica desta fase de separação dos Psicanálise pela Universidade de Paris VII; membro da Associação Uni-
versitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental; membro da “So-
modelos familiares, fazem com que aqueles carentes ciété de Psychanalyse Freudienne”, Paris, França; membro Fundador da
de referências que suportem esta passagem tomem aos ONG TVer; vice-presidente do TVer-MG; professor no Departamento de
padrões e comportamentos sexuais que a mídia exibe Psicologia da PUC-MG.
lado ou explícito aos direitos humanos de diversos senso resolveria parte significativa das discussões
grupos deve ser objeto da classificação (senão de sobre essa questão. Como a objetividade é pré-re-
punição pela Justiça). Esse tipo de postura tam- quisito fundamental para a definição e implemen-
bém se manifesta em atrações aparentemente tação de políticas públicas, contudo, é importan-
inocentes, que supostamente não têm a intenção te definir um ponto de referência a partir do qual
de veicular conteúdos que firam os princípios dos serão construídos os parâmetros que irão nortear
direitos humanos. É o caso dos programas humo- tais adequações. É aqui que entra o segundo pilar
rísticos que, como afirma o filósofo Renato Janine da definição contemporânea de infância e adoles-
Ribeiro, são a porta escancarada do preconceito. cência pela Convenção e pelo Estatuto: a proteção
dos direitos humanos.
Identificação de conteúdos positivos Conforme vimos neste Capítulo, um sistema
Os critérios acima alinham-se a uma lógica de de Classificação Indicativa deve estar fortemen-
identificação das inadequações, do equivocado, te ancorado na proteção dos direitos humanos de
do que não deve ser mostrado a determinadas crianças e adolescentes, assim como na valoriza-
faixas etárias. Como já mencionamos anterior- ção desses direitos. E a promoção de uma cultura
mente, contudo, também é importante traba- de paz – no sentido mais amplo da palavra, e não
lhar com as adequações, com aquilo que deve somente no que se refere à ausência de violência,
ser estimulado. Incluem-se aí conteúdos ou como nos recorda o filósofo Johan Galtung – ne-
obras que disseminem valores capazes de es- cessita ser parte constituinte de todas as políticas
timular uma sociedade mais solidária ou mes- públicas capitaneadas pelos distintos órgãos do
mo que discutam temas como violência e sexo Estado brasileiro.
de maneira apropriada, ampliando a reflexão Por outro lado o que estamos propondo para
acerca da vida humana, a partir de abordagens o modelo de classificação dos conteúdos audiovi-
adequadas para cada faixa etária. suais em nosso País não é um processo totalmente
Mas o que é “adequado” para o universo infan- original, que esteja partindo do marco zero. A lei
to-juvenil? Entendemos que uma boa dose de bom de radiodifusão da Suécia, por exemplo, segundo
Capítulo 4
113
o embaixador e conselheiro especial do gover- Classificação Indicativa, cujas linhas gerais já fo-
no sueco sobre questões humanitárias Thomas ram garantidas pela Carta de 1988. Assegurada a
Hammarberg, instrui as redes de televisão para criação de um sistema com tal formatação – com
que assegurem em sua programação idéias bási- a contribuição de especialistas, estudos e pes-
cas de democracia, igualdade humana universal quisas que dialoguem com os ditames da Cons-
e liberdade e dignidade para o indivíduo. Situa- tituição Federal –, deve ser assegurado um modus
ções semelhantes, em outras nações, serão dis- operandi que garanta a objetividade do modelo a
cutidas de forma mais aprofundada no Capítulo 5. ser implementado.
Já o tema das adequações será retomado no final Na próxima seção, abordaremos como outros
do Capítulo 6 e na Segunda Parte. países tratam a questão da Classificação Indicati-
va, esperando que as experiências internacionais
Informação, proteção e participação possam ensinar lições valiosas no aperfeiçoamen-
É importante não perder a perspectiva de que o to do sistema brasileiro de classificação.
tema infância e mídia é particularmente desafia-
dor porque “agrupa três aspectos fundamentais
dos direitos da criança: acesso à informação, pro-
teção e participação”, como salienta Paulo David,
Secretário do Comitê de Direitos da Criança do
Órgão do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Direitos Humanos, em seu artigo “Os Di-
reitos da Criança e a Mídia: conciliando proteção e
participação”, publicado na coletânea A Criança e A
Mídia: Imagem, Educação, Participação, organizada
por Cecília Von Feilitzen e Ulla Carlsson.
É fundamentado nesses princípios, portan-
to, que o Estado deve reestruturar seu sistema de
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
114
Aprofundando
algumas experiências
As iniciativas internacionais de regulação
dos conteúdos audiovisuais podem
contribuir significativamente para a C
»5
omo vimos anteriormente, no Brasil, a crí-
tica ao desenho de sistemas reguladores dos
meios de comunicação, por parte de determi-
reformulação do sistema brasileiro de nados grupos de interesse, costuma recair na tese da
Classificação Indicativa. Antes de mais censura e, portanto, do asfixiamento dos princípios
nada, a análise desses marcos regulatórios democráticos. Contudo, como se observará, os pro-
diminui o risco de se estabelecerem cedimentos de Classificação Indicativa adotados por
parâmetros fortemente descolados daquilo democracias consolidadas – os quais, em geral, são
que já foi implementado em contextos mais contundentes do que os nossos – reforçam a
comunicacionais de alguma forma idéia de que este tipo de política pública não é contra-
similares ao nosso. Ao mesmo tempo, essa ditória com a defesa do regime democrático.
leitura comparada pode enriquecer a Além disso, as análises comparadas de legislações
estruturação de um modelo local, além de possibilitam – apesar do risco de o trabalho se tornar
demonstrar que os rumos aqui tomados datado, pois elas mudam muito rapidamente – a coleta
não são incompatíveis com o Estado de elementos concretos e já implementados em outros
Democrático de Direito. países para a edificação de um procedimento nacional de
Classificação Indicativa.
É preciso, nesse sentido, reconhecer as peculia-
ridades (culturais, políticas, sociais e históricas) de
cada nação cujas legislações estamos analisando – na
Inglaterra dos anos 1950 havia, por exemplo, uma
determinação legal para que televisões saíssem do ar
entre 18h e 19h, a fim de permitir aos pais um inter-
valo para “colocar as crianças para dormir”. Especifi-
Capítulo 5
115
cidades à parte, porém, é fundamental compreender Infância e Mídia (GRIM), Inês Vitorino Sampaio, as
que há um elemento comum que atravessa todos os experiências de regulação têm se dado em duas dire-
sistemas de Classificação Indicativa que serão apre- ções: a auto-regulação e a regulação pública.
sentados e discutidos: o anseio manifesto de proteção No primeiro caso, conforme já vimos no Capítulo 2,
e do estímulo ao desenvolvimento integral de meni- a regulação desenvolve-se a partir da iniciativa exclu-
nas e meninos. siva dos produtores e operadores do próprio sistema
de comunicação. Eles assumem para si a responsabi-
Aprendizados múltiplos de lidade de definir as regras referentes à prestação dos
modelos heterogêneos serviços e aos seus padrões de qualidade. Também efe-
A maioria dos países democráticos já implantou ou tuam o seu monitoramento, buscando assegurar que
está implantando sistemas de Classificação Indicati- os termos acordados pelos integrantes do sistema se-
va. O conjunto de modelos praticados em várias partes jam cumpridos.
do planeta põe o Brasil em posição vantajosa, tornan- Ainda que importante, afirma Inês Vitorino
do possível a construção de um modelo nacional que Sampaio, a auto-regulamentação revela-se insufi-
incorpore as melhores práticas. ciente no controle de práticas abusivas, ao assegu-
Nesse sentido, não é exagerado dizer que, embora rar apenas a um segmento da população o poder de
não existam dúvidas quanto à necessidade e a perti- definir normas e monitorar ações de comunicação
nência da classificação, as possibilidades são múlti- que dizem respeito aos interesses de toda a socie-
plas. Há dois aspectos, porém, que devem, necessa- dade. Isso se deve ao fato de que, neste modelo,
riamente, ser levados em conta nesta discussão. Pri- questões de interesse público tendem a ser trata-
meiro, a concepção e a forma do marco regulatório, ou das como sendo do âmbito do interesse privado dos
seja, a maneira como a regulação se dará na prática. indivíduos e de grupos que dependem economica-
Segundo, a compreensão da infância como uma cons- mente do sistema de comunicação. Tal característi-
trução histórico-social e seu significado em nossa ca pode provocar uma propensão de obediência às
sociedade. Uma terceira questão, ligada a esses dois regras de mercado.
aspectos, também precisa ser considerada: quais são Essa é também a visão do Office of Communica-
os agentes responsáveis pela regulação. tions (OFCOM), atual instância reguladora do siste-
Esses elementos implicam uma discussão sobre as ma de radiodifusão britânico. Para o órgão, em um
modalidades de regulação. Tradicionalmente, apon- sistema de mercado, a televisão pode falhar em qua-
ta a coordenadora do Grupo de Pesquisa das Relações tro aspectos:
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
116
a) não é capaz de oferecer informação precisa e plural Os modelos de regulação pública, entretanto,
o suficiente para a formação de cidadãos no nível também não são isentos de críticas. No contexto
de esclarecimento exigido pelas democracias libe- atual, marcado pela velocidade de difusão de novas
rais contemporâneas. mídias e pelas novas possibilidades de comunicação
b) não é capaz de cultivar uma identidade cultural a instituídas com a internet, este tipo de alternativa
partir da expressão das diferentes comunidades regulatória tem se mostrado morosa em responder
regionais, o que abre caminho para a dominação aos avanços do setor.
de valores culturais de outros países. A crítica mais contundente à regulação pública,
c) não consegue estimular, apesar da enorme poten- contudo, está relacionada à presença de considera-
cialidade do meio televisivo, o interesse sobre o ções ideológicas na intervenção do Estado, suposta-
domínio de conhecimentos de história, ciência e mente inexistentes na auto-regulação da indústria.
meio ambiente, imprescindíveis ao crescimen- Essa questão é relevante, sobretudo à luz da tradição
to intelectual. autoritária de alguns países em que a censura foi ins-
d) é incapaz de disseminar valores comuns sobre como a titucionalizada. É esta tradição que, muitas vezes, ten-
sociedade funciona, quais regras devem ser seguidas de a colocar em suspeição a legitimidade da regulação
e quais relacionamentos devem ser construídos. constituída em moldes democráticos. No caso espe-
cífico da Classificação Indicativa, o questionamento
Controle mais comum diz respeito ao direito e à competência
pelo Estado dos classificadores para “avaliar”, “julgar” ou “defi-
No segundo caso, também já discutido anterior- nir” classificações em nome da sociedade.
mente, ocorre a regulação pública. A tarefa de esta-
belecer normas relativas à prestação dos serviços de Terceira via
comunicação e zelar pelo seu padrão de qualidade é Um caminho alternativo para lidar com as limita-
responsabilidade do Estado, na condição de gestor ções dos dois modelos, conforme analisamos, é o da
da coisa pública, a quem cabe também fiscalizar o co-regulação, a qual combina elementos de auto-
cumprimento das regras estabelecidas. A existência regulação e automonitoramento com os da regulação
de sistemas de regulação pública baseia-se no reco- pública tradicional. Esta proposta vem sendo im-
nhecimento de que é imprescindível assegurar os plantada em alguns países europeus.
interesses da sociedade, a fim de que ela tenha me- Uma das características evidentes de tal modelo
canismos para fazer frente aos anseios do mercado. está no fato de possibilitar o compartilhamento de
Capítulo 5
117
quados, de acordo com pesquisas sobre os sis- fato de que crianças e adolescentes apresentam rit-
temas de classificação. É a chamada “armadilha mos individuais.
do fruto proibido”. Uma pesquisa conduzida no Em vários países do continente americano, como
âmbito do National Television Violence Study será apresentado nas próximas páginas, a tendência
mostra, por outro lado, que no caso do sistema a associar ao critério etário a recomendação de de-
de classificação por conteúdos, esta tendência terminados conteúdos, mediante a indicação de le-
não se confirma. tras, como no caso dos Estados Unidos e Canadá, por
exemplo, representa um avanço no sentido de prover
Cultura e desenvolvimento informações aos pais. Já no continente europeu, pre-
individual valece uma classificação por conteúdos. Este é o caso
Além desses aspectos, a classificação por idade não em países como a França que define a proteção à in-
dá conta da diversidade de vivências da infância e fância nos contratos de concessão com as emissoras,
adolescência – isso significa dizer que ela descon- ou a Inglaterra que possui determinações específicas
sidera os processos socioculturais experimentados de proteção e respeito às minorias étnicas, pessoas
pelas crianças e pelos adolescentes, os quais par- com deficiência, idosos ou homossexuais, além de le-
ticularizam o seu desenvolvimento e suas formas gislar claramente acerca do uso de linguagem impró-
de expressão. pria e de cenas de suicídio ou envolvendo pessoas em
Desse modo, para um menino ou menina que situação de desespero.
cresce no ambiente de uma infância protegida, a ex-
posição a uma determinada cena de violência pode Definindo parâmetros
ser ameaçadora. Já para uma outra criança, habitu- Dois outros aspectos também merecem ser levados
ada a um ambiente violento, o contato com este tipo em consideração quando aprofundamos a análise dos
de cena pode ter impacto reduzido ou, até mesmo, sistemas de Classificação Indicativa:
funcionar como uma possibilidade de que ela venha O foco do processo classificatório, em vários países
a lidar, no plano do simbólico, com as experiências americanos, recai sobre as cenas de sexo, violência
concretas de exposição à violência que enfrenta. e uso de drogas. Esta é uma tendência internacio-
Associada a esta questão cultural, há o desenvol- nal e, do ponto de vista histórico, tal preocupa-
vimento individual de cada ser humano. A postulação ção justifica-se pela tradição moderna de manter
da existência de faixas etárias nesse processo, aponta crianças e adolescentes resguardados do mundo
o psicólogo suíço Jean Piaget, não deve obscurecer o adulto. Mas será que esses critérios são suficientes
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
122
da programação de tevê no Canadá. O documento adcasters (CAB) – instituição que defende os interes-
estabelece, entre outros elementos, que ela deve ses dos radiodifusores privados do país – criou um có-
ser variada e abrangente, além de equilibrar infor- digo a ser seguido pelas emissoras. Neste caso, apesar
mação, esclarecimento e entretenimento para ho- do caráter voluntário, o respeito às normas relativas à
mens, mulheres e crianças de todas as idades, inte- exposição de violência, sexo e publicidade é um critério
resses e gostos. A programação também deve seguir para a obtenção de licença por parte da CRTC
os códigos concernentes à veiculação de conteúdos
violentos, à representação dos papéis sexuais e à Modelo de análise
publicidade dirigida à criança e ao adolescente, O sistema de classificação da televisão canadense ana-
cujos critérios são considerados na definição da lisa quatro tipos de programas: “infantil”, “drama”
Classificação Indicativa. (novelas, seriados etc.), “reality-shows” e “longa-me-
Assegurar que essas metas estejam presentes na tragens”. Estão isentos de classificação os programas
prática das emissoras é uma das tarefas da Canadian jornalísticos, esportivos, documentários, informati-
Radio-Television and Telecommunication Comis- vos, programas de variedade e vídeos musicais.
sion (CRTC) – entidade responsável por estabelecer O modelo está estruturado segundo a lógica de
medidas para proteger meninos e meninas da pro- classificação etária, em seis níveis, detalhados no
gramação inadequada, propor alternativas positivas e quadro da página seguinte. Este sistema, assim como
promover a educação sobre a mídia. Nesse sentido, a o de classificação de filmes, oferece informações so-
CRTC procura trabalhar com as indústrias televisivas bre violência, nudez, sexo e linguagem vulgar.
encorajando-as a uma auto-regulamentação por meio Os ícones indicativos da classificação são apresen-
de códigos de conduta. Na década de 1990, as emisso- tados no início de cada programa, no lado esquerdo da
ras passaram a criar tais códigos, em decorrência da tela. A idéia é que este sistema de classificação opere
mobilização da sociedade em relação aos conteúdos de forma articulada com a tecnologia do V-CHIP.
televisivos disponibilizados ao público infantil. Além O código criminal canadense aplica punições a
disso, com o objetivo de aprimorar a programação quem veicula programas violentos apenas quando
televisiva, os fundos utilizados para o financiamento esses estão associados à obscenidade. O código de-
de produções televisivas destinam verbas específicas fine como “obsceno” tudo aquilo cuja característica
para a produção de programas infantis. dominante é a exploração indevida de sexo, poden-
Como reforço às iniciativas promovidas pelo órgão do estar acompanhado de crime, horror, crueldade
regulador canadense, a Canadian Association of Bro- e violência.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
124
Classificação Indicativa
no Canadá
Estados Unidos
As diretrizes da radiodifusão nos Estados Unidos fo-
haver o cuidado de não estimular comporta- ram estabelecidas pelo Communication Act em 1934.
mento imitativo, nem minimizar as conseqü- Nesse mesmo ano, a legislação criou a Federal Com-
ências de atos violentos. munication Comission (FCC), entidade composta por
“14+” – Programa dirigido a crianças com 14 cinco comissões, cujos dirigentes são apontados pelo
anos ou mais presidente dos Estados Unidos e confirmados pelo
Pode trazer conteúdos inadequados para me- Senado. A FCC tem como competência regulamentar
nores de 14 anos, razão pela qual é recomen- as comunicações por rádio, televisão, internet, saté-
dada, fortemente, a orientação dos pais no caso lite e a cabo.
dos pré-adolescentes. Este tipo de programa Uma das ações implementadas pelo órgão foi a
já pode lidar com questões sociais e temáticas ratificação, em 1997, da TV Parental Guidelines como
maduras de modo realista. um sistema de participação voluntária. O projeto
“18+” – Programa adequado ao público adulto foi criado e colocado em prática pela indústria de
Na qualidade de um programa orientado para entretenimento norte-americana com o objetivo
maiores de 18 anos, pode apresentar todos os de estabelecer normas de auto-regulação no cam-
conteúdos voltados ao público adulto. po da Classificação Indicativa para a televisão. A TV
Parental Guidelines foi desenvolvida com base no
sistema de Classificação Indicativa para o cinema
da Motion Picture Association of America (MPAA)
e marca uma das primeiras experiências desenvol-
vidas nas Américas com foco na regulamentação da
programação televisiva.
Vale destacar que a preocupação quanto à exposi-
ção da criança e do adolescente aos conteúdos televi-
sivos recebeu destaque na sociedade norte-america-
na a partir de 1996, quando o Communication Act foi
revisto e ampliado. É nesse momento que a legislação
recebe um capítulo específico acerca do tratamento
da obscenidade e violência pela mídia.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
126
Classificação Indicativa
nos Estados Unidos
“TV- Y” – Adequado para crianças níveis baixos; não apresenta diálogo ou situação
O programa apresenta conteúdos adequados sexual, nem usa de linguagem vulgar.
para crianças na faixa de 2 a 6 anos e não deve “TV- PG” – Recomendada a presença dos pais
exibir cenas que possam provocar medo. Embora considerados inadequados os progra-
“TV-Y7” – Apropriado para crianças com 7 mas, para crianças na faixa de 2 a 6 anos, podem
anos ou mais ser vistos na companhia dos pais. A classifica-
Apropriado para crianças que já desenvolve- ção pode vir acompanhada da indicação de ele-
ram a capacidade de distinguir entre o real e mentos tais como: “V” – Violência moderada;
o imaginário. Os conteúdos podem incluir “S” – Situações sexuais leves; “L” – Linguagem
violência em contexto de comédia e fantasia vulgar leve e “D” – Diálogos sugestivos. Essas
e, eventualmente, provocar medo em crian- subcategorias foram incluídas em 1997, em
ças abaixo de 7 anos. No caso de programas atendimento a críticas acerca do caráter pouco
que, mesmo contendo maior intensidade de informativo da classificação etária.
violência, estejam incluídos nesta categoria, “TV- 14” – Recomendada a presença dos pais
devem trazer o indicativo “TV-Y7-FV” (vio- para crianças abaixo de 14 anos
lência em contexto fantasioso). Os pais devem monitorar as crianças com me-
“TV-G” – Adequado para todas as audiências nos de 14 anos que assistem a programas com
Embora não seja dirigido especialmente à esta classificação, pois eles podem apresentar
criança, pode ser considerado pelos pais como os seguintes elementos: “V” – Violência inten-
adequado à assistência do público infantil. A siva; “S” – Situações sexuais; “L” – Linguagem
violência, quando existente, mantém-se em vulgar e “D” – Diálogos altamente sugestivos.
Capítulo 5
127
Direito do telespectador
Medidas como essas, aprovadas pelo Congresso nor-
te-americano, revelam, segundo o já citado estudo
coordenado pelo jornalista Sergio Capparelli, que
as relações entre o público, as emissoras e o Estado
são mais complexas do que parecem à primeira vista.
“Não só existem intensas discussões na esfera cultu-
ral sobre o lugar e os direitos do telespectador dentro
do modelo liberal, mas também uma atividade in-
tensa de organismos não ligados ao Estado, sempre
dispostos a acionar o aparelho jurídico para defender
seus interesses, numa tradição de civilidade que não
é de hoje”, afirma. Há também um aparelho jurídico
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
128
que, no correr dos anos, criou jurisprudência sobre a Na televisão aberta, a veiculação de programas obs-
forma de tratar a televisão. cenos não é tolerada em nenhum horário; já aqueles
Assim como o modelo canadense, o sistema ame- considerados indecentes ou provocativos não podem
ricano foi concebido para ser utilizado de modo inte- ser exibidos no horário livre. Nos termos da FCC, são
grado ao V-CHIP, opera com base em classes etárias consideradas obscenas as produções que apresentem
definidas pelas emissoras (com o apoio do FCC) e serve de forma detalhada, depreciativa, ofensiva ou ilegal o
de orientação para os pais na indicação dos programas ato sexual; indecentes, aquelas que a linguagem ou ato
adequados aos seus filhos. O projeto de lei que obriga sexual apareça em contexto depreciativo e descritivo;
os fabricantes de aparelhos de tevê a instalarem o V- e provocativos, as que contenham incitação à violên-
CHIP foi aprovado pelo Congresso em agosto de 1995. cia e à xenofobia.
Não são sujeitos à classificação os documentários, no-
ticiários, programas esportivos ou comerciais. Garantias e limites
Em caso de desrespeito às regras, a FCC pode emitir
Formas de classificação advertências, cobrar multas ou cancelar licenças. Para
A programação é classificada em seis faixas, detalhadas isso, o cidadão deve reclamar ao serviço de atendimento,
no quadro da página 126, e é definida pelas próprias tendo de gravar a exibição que considera inadequada e
emissoras. Segundo o estudo de Capparelli e colegas, en- enviar a fita à agência. Cabe ressaltar que as mudanças
tre as grandes emissoras, apenas a Black Entertainment implementadas a partir dos anos 1990 estão amplamen-
Television (BET) não adota as classificações. A National te conectadas a decisões da Suprema Corte dos Estados
Broadcasting Company (NBC) utiliza somente os rótulos Unidos, sempre em relação aos limites da Primeira
etários, deixando de lado as referências ao conteúdo. As Emenda que versa sobre liberdade de expressão.
produções cinematográficas sem edição não precisam Conforme já vimos, o modelo adotado pelos Esta-
ser classificadas novamente, podendo manter os rótulos dos Unidos, embora importante, possui limitações:
da indústria cinematográfica (G, PG, PG-13, R e NC-17) como se pauta no padrão de classificação etária, é con-
que também são reconhecidos pelo V-CHIP. siderado confuso e pouco informativo, não atendendo
Os sinais de classificação têm a forma de retângu- às necessidades dos pais no que se refere à apresen-
los pretos com letras brancas e devem aparecer por 15 tação clara dos conteúdos. Muitos pais não conhecem
segundos no começo da emissão. A cada hora de dura- o sistema, dificultando uma utilização eficiente do
ção do mesmo programa, essas marcas de classifica- mesmo. Entre aqueles que conhecem, há um eleva-
ção necessitam reaparecer. do número que discorda das classificações atribuídas.
Capítulo 5
129
Por fim, o estabelecimento de diferentes sistemas de cia de ser o diretor-geral de Rádio, Televisão e Cine-
classificação (cinema, tevê, jogos) gera confusão en- ma. A sociedade civil organizada e a indústria de rádio
tre as famílias, conforme salienta extensa pesquisa e televisão têm direito à representação, mas não ao
empírica desenvolvida pelos doutores David Walsh e voto. O Conselho pode contar com comitês e grupos
Douglas Gentile intitulada A validity Test of Movie, Tele- de trabalho temporários.
vision, and Video-Game Ratings. A classificação de telefilmes, telenovelas, séries
É importante destacar, finalmente, que as preocu- filmadas e teleteatros gravados no México é feita com
pações do Parlamento, do Executivo Federal, da FCC base no regulamento da Lei Federal de Rádio e Televi-
e da sociedade aumentaram consideravelmente após são, o qual definiu faixas etárias e seus horários cor-
episódios como os assassinatos ocorridos na escola de respondentes, tais como descritos no quadro abaixo.
ensino médio em Columbine, em abril de 1999. Fatos A classificação dos programas de rádio e televisão
como este são atribuídos, entre outros aspectos, à ele- deve ser informada no início e no meio da exibição e
vada exposição do público infanto-juvenil a conteúdos
violentos via mídia. Da mesma forma, o forte aumen-
to da obesidade infantil tem sido conectado a padrões
de consumo veiculados pelos meios de comunicação.
Tais acontecimentos, portanto, vêm impulsionando
Classificação
debates acerca da necessidade de readequação dos
Indicativa
marcos regulatórios naquele país. de tevê no México
amistoso ou familiar. Não são exibidas situações gas e a linguagem pode conter, minimamente, ex-
de consumo de drogas, nem a linguagem está pressões vulgares.
impregnada de palavras e expressões vulgares. “B” – Para adolescentes com 12 anos ou mais
“A” – Para todos os públicos Indica que os temas e conteúdos apresentados
Significa que o filme pode ser assistido por to- são adequados para adolescentes acima de 12
dos – é considerado adequado a crianças me- anos. A classificação se estabelece em respeito a
nores de 12 anos, mas pode não ser atrativo para vários critérios, sendo que os conteúdos da pe-
crianças com menos de 7 anos. A classificação lícula podem confundir, influenciar ou afetar o
tem por base diversos critérios. Os temas e desenvolvimento de crianças abaixo desta faixa
elementos não provocam um desequilíbrio no etária. A narrativa já pode assumir um caráter
desenvolvimento das crianças nesta faixa etá- mais complexo, exigindo certo nível de discer-
ria. Além de fácil compreensão, a narrativa não nimento; a obra possibilita ao público a identi-
desrespeita os valores humanos e o conjunto da ficação do caráter das personagens, suas ações e
obra não promove desrespeito a nenhum gru- conseqüências. Um mínimo de horror e a apre-
po ou indivíduo; nem os temas são tratados de sentação de cenas de violência que tenham algu-
modo a provocar horror. Caso a obra apresente ma conexão com um motivo específico podem ser
cenas de violência, ela aparece escassamente; exibidos, mas a situação não deve ser extrema,
não é estimulada nem apresentada de modo detalhada, ou estar vinculada a condutas sexuais;
traumático. Não há exposição de cenas sexuais além disso, suas conseqüências negativas devem
nem eróticas; o nu, se presente na película, não ser assinaladas. Não há cenas sexuais nem eró-
é exibido em contexto erótico, nem humilhan- ticas; o nu, se presente na película, não é exibi-
te, devendo ser mostrado de modo rápido e não do em contexto erótico, nem humilhante (deve,
detalhado; caso sejam apresentadas cenas com também, ser apresentado de modo rápido e não
beijos, carícias e abraços, devem estar situadas detalhado). Temas relacionados ao uso de drogas
em contexto afetivo, amistoso ou familiar. Não podem aparecer, mas não deve haver exibição do
são apresentadas situações de consumo de dro- seu consumo, e as conseqüências negativas do
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
132
uso devem ser apontadas. Pode ocorrer o uso de “C” – Para adultos de 18 anos em diante
expressões vulgares, desde que não representem Implica a proibição da assistência para o pú-
violência verbal extrema. blico com menos de 18 anos. Constitui um dos
“B-15” – Não recomendado para menores critérios para esta classificação o detalhamento
de 15 anos dos fatos e situações, além do que o tratamento
Indica que a película deve ser vista sob acompanha- de temas e conteúdos exige, por sua natureza,
mento dos pais no caso de crianças e adolescentes certo nível de discernimento que os menores
abaixo de 15 anos. A classificação segue vários pa- de 18 anos podem ainda não ter desenvolvido.
râmetros. Os conteúdos da obra podem vir a con- As películas podem apresentar alto grau de vio-
fundir, influenciar ou afetar o desenvolvimento lência, condutas sexuais explícitas e de consu-
de crianças abaixo desta faixa etária. A narrativa já mo de drogas. A linguagem atende às necessi-
pode assumir um caráter mais complexo, exigindo dades narrativas do filme.
certo nível de discernimento. O tratamento das te- “D” – Películas para adultos
máticas neste tipo de película é feito de modo mais Trata-se de obra exclusiva para o público adul-
evidente e é possível ao público identificar o cará- to. O critério para este tipo de classificação é o
ter das personagens, suas ações e conseqüências. foco exclusivo no sexo explícito, linguagem vul-
Certo grau de horror pode ser tolerado, desde que gar e alto grau de violência.
não seja extremo. No caso de haver violência, ela
não deve ser extrema e, embora possa ser vinculada
a condutas sexuais sugeridas, deve trazer as conse-
qüências negativas de tal vinculação. Cenas sexuais
podem ser apresentadas brevemente e, no caso do
erotismo, situações sexuais implícitas não devem
ocorrer em contextos degradantes. A apresentação
do consumo ilícito de drogas, caso ocorra, deve ser a
menor possível, e a linguagem pode, eventualmen-
te, incluir palavras e expressões vulgares.
Capítulo 5
133
mento, os efeitos e a sonorização. Tal análise deve estar prorrogáveis. Os funcionários devem representar as
pautada, entre outros elementos, no entendimento de Forças Armadas, a Secretaria de Informação Pública
que a criança tem direito a um nível de vida adequado a e a Secretaria de Comunicação. O comitê conta ainda
seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e com um representante das emissoras de rádio e outro
social, além de estar preparada para assumir uma vida das de televisão. Existe também um órgão assessor,
fundamentada no respeito aos direitos humanos. não-permanente, composto por representantes de
Em relação a tais critérios, entende-se por horror o todos os ministérios e da Secretaria de Inteligência, e
sentimento de temor, angústia ou terror provocados pela representações do Comitê em 31 cidades.
incongruência entre a proporção de um fato ou situação O órgão orienta suas ações pela Lei Nacional da
em relação ao natural ou regular. Além disso, é conside- Radiodifusão 22.285 – publicada em 15 de setembro
rada vulgar a linguagem desavergonhada, indigna, gros- de 1980 – a qual estabelece em seu artigo 5º que os
seira, baixa ou vil. Recebe a atribuição de sexo sugerido a serviços de radiodifusão devem colaborar para “a ele-
conduta que é apenas insinuada no filme, mas não mani- vação da moral da população, bem como com o res-
festa; de sexo implícito, a conduta sexual manifesta mas peito à liberdade, à solidariedade social, à dignidade
não ilustrada nas imagens; e de sexo explícito, a condu-
ta sexual manifesta e ilustrada em imagens na película.
Com base nesses elementos foram definidos, então, os
critérios específicos de classificação por faixas etárias,
detalhados nos quadros das páginas 129 e 130.
Classificação
Indicativa
Argentina na Argentina
Na Argentina, a responsabilidade de promover o
serviço de radiodifusão, conceder licenças para a Apto para todos
transmissão, supervisionar conteúdos e levar a cabo Apto para maiores de 13 anos
Classificação Indicativa dos programas é do Comitê Apto para maiores de 16 anos
Federal de Radiodifusão (Comfer), constituído como Apto para maiores de 18 anos
autarquia federal desde 1981. Apto para maiores de 18 anos, com exibição
A direção do Comfer é composta por um presidente condicionada.
e seis outros funcionários designados pelo Poder Exe-
cutivo nacional para cumprir um mandato de três anos
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
134
das pessoas, aos direitos humanos, pelas instituições ao consumo de substâncias psicoativas; publicidade ou
da República, com o respaldo à democracia e com a promoção de produtos medicinais não autorizados pelos
preservação da moral cristã”. órgãos competentes ou sujeitos à venda mediante pres-
No caso da Classificação Indicativa, outros de- crição médica; pornografia ou violência extrema de ma-
cretos e resoluções serviram também de esteio à sua neira reiterada; problemáticas adultas tratadas de modo
definição no que se refere aos horários específicos de a ressaltar o truculento e o sórdido; imagens e conteúdos
proteção à criança e ao adolescente ou fora dele. Na que exponham a identidade de crianças e adolescentes
Resolução 830, que confirmou o horário livre como o em conflito com a lei. É importante ressaltar que a legis-
de 8h às 22h, foi estabelecido um conjunto de penali- lação argentina salienta explicitamente a necessidade de
dades para o descumprimento das normativas de pro- respeitar os fusos horários do país.
teção à infância. As penas podem incluir desde adver- Na definição das faixas intermediárias, sobre as quais
tências até multas que variam de 1.000 a 25.000 pesos a legislação referida não é explícita, o Comfer se apóia no
– ou, em casos extremos, a suspensão da emissora. Guia do Instituto de Cinema e Artes Visuais (INCAA, em
espanhol), que responde pela Classificação Indicativa
Conteúdo negativo dos filmes. Seguindo o modelo etário, o Instituto definiu
Nos termos da resolução, é considerada falta leve a cinco faixas, descritas no quadro da página anterior.
exibição, no horário livre, de expressões grosseiras A classificação feita pelo INCAA se dá por meio
ou insultos feitos de forma reiterada, mensagens que da Comissão Assessora de Exibição Cinematográfica
estimulem ou façam apologia à violência, conteúdos (CAEC). Dividida em três salas e três grupos (com três
de caráter predominantemente erótico, apresentação pessoas em cada um), a CAEC é formada por um pro-
de problemáticas adultas que possam atentar contra a fissional licenciado em psicologia, psicopedagogia ou
saúde psíquica da criança e do adolescente e a exibi- ciência da educação, além de um crítico de cinema in-
ção explícita de conteúdos violentos utilizados como dicado pela Secretaria de Cultura e um advogado pro-
mero recurso para gerar impacto na audiência. posto pelo ministro do Interior.
A falta grave está associada à apresentação de conteú Também fazem parte da comissão os representan-
dos, dentro ou fora do horário livre, que contenham: tes do próprio Instituto de Cinema e Artes Audiovisu-
discriminação e/ou ofensa às instituições da Repúbli- ais (INCAA), do Ministério da Cultura e Educação, do
ca, aos símbolos pátrios, valores do sistema democrá- Conselho Nacional do Menor e da Família, da Equipe
tico e princípios sustentados por cultos religiosos re- Episcopal para os Meios de Comunicação Social da
conhecidos pelo Estado nacional; exaltação ou indução Igreja Católica Apostólica Romana e do Culto Israelita.
Capítulo 5
135
A Comissão pode impor sanções, caso se verifique o Europa, recomenda atenção às responsabilidades do
descumprimento da referida lei (sanção temporal ou setor audiovisual para que todos os programas respei-
a suspensão em casos graves). tem a dignidade humana. O seu artigo 7º afirma, textu-
almente, que toda a programação capaz de prejudicar o
Costa Rica desenvolvimento físico, mental ou moral de crianças e
O Código de Regulación sobre Contenidos Televisivos y adolescentes não deve ser transmitida em horários em
Infancia de Costa Rica estabelece as referências para que eles pudessem assistir aos programas.
classificação dos conteúdos audiovisuais no país. Um No mesmo ano, a União Européia publica a Diretiva
ponto a ser destacado do modelo costarriquenho é a Televisão sem Fronteiras, revista em 1997. A Diretiva de
atenção dada à difusão de “comportamentos sociais” 1989 estabelece o enquadramento legal de referência
considerados desejáveis para a sociedade. Os pro- para todos os canais de televisão dos Estados-mem-
gramas que trazem esse tipo de comportamento são bros. No que diz respeito à proteção de crianças e
classificados como recomendáveis para a criança, sob o adolescentes, o documento estabelece uma distinção
argumento de que apresentam “uma descrição positi- entre a publicidade (artigos 15 e 16) e os programas
va de comportamentos infantis, impulsionando valo- propriamente ditos (artigo 22).
res como a solidariedade, a igualdade, a cooperação, a Na revisão, em 1997, o artigo 22 ganha um desdobra-
não-violência e a proteção do meio ambiente”. mento no que diz respeito à proteção de crianças. O novo
texto estabelece que os Estados-membros devem tomar
que permitam interditar ou dificultar o acesso de Entre os órgãos que atuam na regulação da produ-
crianças e adolescentes a conteúdos audiovisuais ção audiovisual no Reino Unido, cabe citar, em pri-
inadequados, considerando, obviamente, as dispo- meiro lugar, o BBC Board of Governors. Trata-se do
sições estabelecidas pelos Estados-membros sobre conselho de gestão da BBC, responsável pelo cumpri-
a matéria. mento das exigências para o serviço público, pela ga-
Outra preocupação comum aos países europeus, rantia da independência em relação ao governo, pelas
que merece ser destacada, refere-se à exibição de políticas e estratégias de ação, por monitorar a perfor-
conteúdos produzidos fora do continente e dirigidos mance dos canais e das reclamações de telespectado-
para crianças e adolescentes. O crescente consumo res e por garantir a transparência destes processos.
deste tipo de produção audiovisual é apontado como Em perspectiva histórica, vale assinalar que, no
uma das causas da queda de qualidade das programa- Reino Unido, existiram diversos órgãos responsá-
ções e de problemas no tocante ao cumprimento das veis pela regulação das comunicações. Dentre eles,
diretrizes regulatórias. podemos mencionar a Independent Television Com-
mission, agência governamental que regulava e con-
Reino Unido trolava as licenças de todos os serviços de televisão
O Reino Unido possui uma tradição de proteção à in- privados, abertos ou por assinatura, nacionais ou in-
fância que se consolidou durante o século XX. Diver- ternacionais recebidos nesse país.
sos aparatos legais – o primeiro data de 1933 – foram Existiam também a Comissão Britânica de Classi-
desenvolvidos ao longo do século passado com a fi- ficação de Filmes (British Board of Film Classification
nalidade de limitar os potenciais efeitos indesejáveis - BBFC), a Comissão de Normas de Radiodifusão (Bro-
dos meios de comunicação de massa ou de incentivar adcasting Standards Commission - BSC), a Autoridade
o uso deles com fins educativos. de Defesa da Concorrência (Office of Fair Trading -
Esse histórico relaciona-se a um sistema de tele- OFT), Agência de Radiodifusão (Radiocommunications
visão que se divide em três categorias: 1) a televisão Agency) e o Conselho de Gestão dos Canais Públicos do
aberta, subdividida em cinco canais públicos, pri- País de Gales (Welsh Fourth Channel Authority).
vados e mistos; 2) a televisão por assinatura (cabo e Em 2000, o governo britânico publicou o docu-
satélite); 3) as televisões por internet. Este cenário mento The Communications White Paper – A new future
deu origem a um complexo sistema de regulamenta- for communications, visando à unificação da regulação
ção, composto por órgãos reguladores – com poder de do setor de comunicações em uma única agência, cha-
sanção – e códigos de conduta. mada Office of Communications (OFCOM). A fusão co-
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
142
Channel 4:
um modelo de
regulação democrática
A experiência inglesa traz uma série de elemen- O exemplo do canal inglês – extraído do traba-
tos que revelam ser possível aliar o respeito aos lho coordenado pelo jornalista Sérgio Capparelli
preceitos democráticos e a construção de um – salienta o quão detalhista e exigente pode ser a
marco legal pujante no tocante à regulação dos legislação, cabendo aqui recordar que estamos nos
meios de comunicação de massa. Um enten- referindo a uma das democracias mais institucio-
dimento um pouco mais detalhado do modelo nalizadas do planeta.
adotado no Reino Unido em relação ao Channel
4 – canal aberto de televisão – pode contribuir Programação diversificada – O Channel 4 é um
para estimular a discussão acerca dos diferentes canal aberto que começou a operar em novembro
caminhos regulamentadores. de 1982, com o status de organização sem fins lu-
Ainda que não façam referência específica à crativos, atingindo 87% do Reino Unido. Em 1988,
questão da Classificação Indicativa, as exigências já chegava a 99,4% do território. Por tratar-se de
governamentais dirigidas ao Channel 4 denotam um canal cuja principal finalidade é oferecer uma
que o controle democrático exercido pelo Estado programação altamente diversificada, ele deve
pode, mesmo em democracias consolidadas, ir respeitar algumas determinações específicas es-
além da simples indicação de conteúdos inade- tabelecidas à época pelo Independent Television
quados. Regras avançadas e complexas de garantia Comission (ITC). São elas:
dos direitos humanos e da diversidade, sem pre- Oferecer um diferencial em relação aos de-
juízo da liberdade de expressão, fazem parte do mais canais abertos, respondendo a interes-
cardápio regulatório inglês. ses não atendidos por eles;
Capítulo 5
143
ciadas. É dada grande importância às televisões dos O Tratado Interestadual de Radiodifusão (Rundfunks-
estados regionais, como a Westdeutschen Rundfunks taatsvertrag – RStV) também procura garantir a proteção
(WDR), a Bayerish Rundfunk, a Saarlandish Fernshen, à infância. Seu artigo 3° define os tipos de produções
a Arbeitsgemeinschaft der öffentlich-rechtlichen
Rundfunkanstalten der Bundesrepublik Deutschland
(ARD) e outras. Para as crianças, a televisão pública
criou o Kinderkanal, mais conhecido por KIKA. Classificação
Até recentemente, eram as autoridades dos estados
regionais que acompanhavam os respectivos canais
Indicativa
privados de televisão, por vezes entrando em conflito na Alemanha
com os seus corpos de auto-regulação, no que tange à
proteção de crianças e adolescentes. A reforma do Ju- Filmes com exibição livre ou a partir de 06
gendschutzgesetz (Ato de Proteção dos Jovens), aprova- anos têm veiculação liberada durante todo
da pelas duas câmaras do Parlamento alemão em 2002, o dia.
criou um primeiro sistema de co-regulação e, no ano Filmes indicados para maiores de 12 anos
seguinte, esse modelo foi impulsionado. também estão liberados, mas há uma re-
Foram então definidas formas de verificação da idade, comendação para que a emissora leve em
considerando, em especial, a pornografia. A transmis- consideração o conteúdo da obra em rela-
são audiovisual desses conteúdos passou a ser totalmente ção ao fato de que, durante o dia, muitas
proibida para crianças e adolescentes, tendo o seu for- crianças assistem à televisão sem a super-
necedor de assegurar que o acesso seja restrito a adultos, visão dos pais.
através da verificação da identidade e autenticação. Filmes não aconselháveis a menores de 16
anos estão liberados após as 22 horas.
Autocontrole regulamentado Filmes não recomendáveis para menores
Os códigos institucionalizados de práticas são co- de 18 anos podem ser exibidos depois das
muns nos vários estados alemães e têm como base 23 horas.
da indicação de faixa horária para a exibição de obras A apresentação das faixas horárias e etárias
audiovisuais os limites estabelecidos pelo Comitê de deve vir acompanhada de um alerta acústico.
Auto-Regulamentação Voluntária das Companhias de
Cinema (FSK), conforme quadro ao lado.
Capítulo 5
145
que não podem ser veiculadas: programas que preju- Além dos organismos externos, existe, desde 1993,
diquem corporal, espiritual ou mentalmente a criança o Autocontrole Voluntário da Televisão (Freiwillige
e o adolescente são proibidos, a não ser que o emissor Selbstkontrolle Fernsehen - FSF) que fiscaliza os canais
tome precauções, em função do horário de exibição, de tevê privados e é financiado por eles.
para que estes segmentos etários não o acessem. Cabe
às Autoridades Estaduais de Mídia a aplicação e o con- França
trole do cumprimento do Tratado nas emissoras priva- Na França, a autoridade máxima para regular a produção
das; já nos canais de direito público isso é realizado por midiática é o Conséil Supérieur de l’Audiovisuel (CSA),
meio da gestão direta. criado em 1986. Uma de suas principais atribuições é
O RStV estabelece que as emissoras devem ter em zelar pelo bem-estar da infância e da adolescência. Isso
seus quadros um funcionário encarregado da proteção se dá de duas maneiras: primeiro, por meio da designa-
à infância, especialista na área. Ele deve aconselhar o ção de um conselheiro (dos nove que compõem o órgão)
diretor-geral (responsável legal) do canal e deve ser para tratar especificamente da proteção da infância e da
sempre ouvido quando da compra, criação, produção adolescência. Segundo, por meio da Diretiva Jeunesse,
ou planejamento de programas. Nas emissoras pri- documento publicado pela primeira vez em 1989 e que
vadas (muitas delas já tinham tal encarregado antes define uma faixa de horário classificada como “progra-
mesmo da exigência legal), ele deve ter dedicação ex- mação familiar”, com o objetivo de proteger as crianças e
clusiva a esta atividade, enquanto nas públicas tam- os adolescentes de conteúdos violentos e pornográficos.
bém pode desempenhar outras funções. Além disso, No estudo já citado, o doutor em comunicação Ser-
estão previstas reuniões dos encarregados das emis- gio Capparelli e colegas afirmam que a idéia de se criar
soras para a troca de experiências. um “período de proteção” foi amplamente acatada pelos
As questões da violência e da pornografia são trata- meios de comunicação públicos e privados, servindo de
das no âmbito do Código Penal, assim como a proibição referência para um dispositivo de classificação dos pro-
de programas que enalteçam a guerra, que abordem de gramas e de informação ao público sobre os conteúdos
modo ofensivo pessoas morrendo ou sofrendo ou que se- veiculados, a chamada Signalétique Jeunesse, de 1996.
jam claramente elaborados para colocar em perigo a mo- Além deste, existem outros documentos que orien-
ral e a ética de crianças ou adolescentes. O Código Penal tam a atuação das emissoras públicas e dos canais de
também veda a veiculação de emissões ofensivas ou que tevê privados. São eles, respectivamente, os Cahiers
incentivem a violência em relação à parte da população ou des Charges e as Convenções das emissoras particulares
determinado grupo de raça, religião, nacionalidade, etc. (TF1 e M6).
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
146
Classificação Indicativa
na França
Categoria I – programas que não suscitam Apresentamos aqui uma breve síntese desse
nenhum tipo de restrição. conjunto de critérios:
Categoria II – programas que contêm al- A quantidade e a natureza das cenas violentas.
gumas cenas capazes de chocar o públi- Sua gratuidade.
co infantil. A utilização da violência como forma de re-
Categoria III – programas que recorrem solução de conflitos.
sistematicamente à violência física ou psi- O tratamento das imagens violentas (som,
cológica, sendo proibidos para menores de planos).
12 anos. A evocação de temas difíceis, como drogas,
Categoria IV – programas muito violentos suicídio, incesto.
ou de caráter erótico, proibidos para meno- A representação de atos sexuais.
res de 16 anos. A representação degradante da imagem
Categoria V – programas de extrema violência da mulher.
ou de caráter pornográfico, suscetíveis de pre- As características psicológicas dos persona-
judicar gravemente o desenvolvimento físico, gens e as referências que elas oferecem às
mental ou moral de menores de 18 anos. crianças e adolescentes.
Seguindo orientação do CSA, a intenção não é O caráter dos heróis, suas motivações, seu
definir as categorias de maneira muito restritiva. recurso à violência.
Contudo, com a implementação da Signalétique foi A presença de crianças em cenas considera-
criado um consenso quanto a alguns critérios que das complexas.
devem ser levados em conta no momento em que O pictograma correspondente à classificação de
se processa a classificação. cada programa é exibido no momento de sua vei-
Capítulo 5
147
Charges e também pelas Convenções do Setor Privado. presente nas redes de televisão italianas, que geral-
Assim, atualmente, a Signalétique é adotada por todos mente compram, em grande escala, as produções do
os canais abertos públicos – exceto a Arte – e também Japão e Estados Unidos.
pelos privados. Paralelamente à ação do Estado, existem iniciati-
Filmes, séries, desenhos animados e documentá- vas de auto-regulação: a própria RAI e algumas emis-
rios são agrupados em cinco categorias, correspon- soras privadas (entre elas a Mediaset), assinaram um
dendo, cada uma, a um pictograma diferente. A clas- Código de Auto-Regulamentação que as orienta quanto
sificação é realizada pelos próprios canais, através dos à programação qualificada para a infância.
chamados Comités de Visionnage, sendo supervisio- No estudo Proteção à Infância e à Televisão em Oito
nada pelo CSA. A classificação se dá conforme o qua- Países, o jornalista Capparelli e sua equipe relatam as
dro da página 146. linhas gerais do Código no que diz respeito à proteção
da infância e da adolescência. Em primeiro lugar, reco-
Itália nhece que as crianças fazem parte do público telespec-
Na Itália, a regulação pública convive com a auto- tador, especialmente em determinadas faixas de horá-
regulação. De um lado, a Radio Audiozioni Italiane rio. Além disso, o documento aborda a preocupação em
(RAI), como integrante do sistema estatal de radiodifu- respeitar as necessidades da criança e seu desenvolvi-
são, segue regras rígidas – previstas em lei – no que diz mento regular, conforme estabelece a Constituição ita-
respeito à infância. A legislação italiana estabelece que liana. Finalmente, entende que embora a função edu-
a concessionária de serviço público de rádio e televisão cativa deva competir inicialmente à família, a televisão
deve auxiliar a produção de obras européias, incluindo tem também um papel fundamental a desempenhar
aquelas realizadas por produtores independentes. Até nesse âmbito. O Código compreende como infância a
o ano de 1999, as cotas estabelecidas de programas eu- faixa etária que vai de 0 a 18 anos.
ropeus na RAI não poderiam ser inferiores a 20%. Está entre os princípios gerais do Código o empe-
Dentro desse percentual, no contrato de serviço nho das emissoras televisivas em:
deve ser estabelecida uma reserva de produção – ou Melhorar e elevar a qualidade da transmissão
de aquisição de produções independentes italianas ou televisiva destinada às crianças.
européias – de desenhos animados que têm o propó- Ajudar os adultos, a família e as crianças a uti-
sito de contribuir para a formação das crianças. Essa lizarem de modo apropriado as transmissões
medida visa, além de assegurar a qualidade dos dese- televisivas, observando as exigências da criança
nhos animados, a preservar a cultura européia, pouco – seja a respeito da qualidade, seja da quantida-
Capítulo 5
149
de – evitando o perigo de uma dependência da tidades das quatro cadeias de televisão (TVE, Antena
televisão e de imitações do modelo televisivo. 3, TeleCinco e Sogecable) assinaram um código de
Colaborar com o sistema escolar para orientar auto-regulação sobre conteúdos televisivos e in-
as crianças e adolescentes no contexto de uma fância, com o objetivo de equalizar suas atividades
correta e adequada educação televisiva. (Acuerdo para el fomento de la autorregulación sobre
contenidos televisivos y infancia).
Espanha Esse código estabelece distinções entre o público
A regulação dos conteúdos apoiou-se durante anos infantil (menos de 13 anos) e o juvenil. As crianças
em acordos bilaterais informais entre o Estado e as são foco de cuidados especiais nas faixas de horá-
cadeias de tevê para a adoção de medidas de auto- rio de “proteção reforçada”. O documento anuncia
regulação. Em 2004, os membros do governo e en- também a intenção de incrementar a sinalização
de programas a fim de facilitar o controle parental,
estabelece princípios gerais para melhorar a eficá-
cia da proteção ao público infantil entre 6h e 22h,
e apresenta as condições em que crianças e adoles-
Classificação centes podem aparecer na televisão (em programas,
Indicativa informação e publicidade).
na Espanha Os critérios para a classificação de programas te-
levisivos nesse acordo de auto-regulação estabele-
Programas especialmente recomendados cem uma distinção segundo faixas etárias, conforme
para a infância. o quadro ao lado.
Programas para todos os públicos.
Programas não recomendados a menores Catalunha
de 7 anos. Na Espanha, a região autônoma da Catalunha tem
Programas não recomendados a menores uma estrutura distinta do restante do país para a
de 13 anos. análise de conteúdo televisivo. Como se sabe, a re-
Programas não recomendados a menores gião nutre pretensões de independência em relação
de 18 anos. ao Estado espanhol e quando da elaboração da pre-
sente publicação discutia-se a reforma de seu esta-
tuto, norma que define sua organização política.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
150
dequação, o programa é então reclassificado caute- a observância do legítimo acesso público aos meios
larmente. Paralelamente, é instaurado um processo de comunicação social em consonância com a pro-
administrativo, para que a empresa, se assim dese- teção especial dos públicos mais vulneráveis, desig-
jar, possa questionar a medida. No caso de reclassi- nadamente crianças e jovens (art. 30). Nos limites à
ficação, o horário de exibição fica vinculado a uma liberdade de programação, essa proteção é destacada,
das outras faixas etárias da programação. sendo proibida pornografia em serviço de televisão
aberta, violência gratuita, incitamento ao ódio, ao ra-
Portugal cismo e à xenofobia (art. 24).
A Radiotelevisão Portuguesa (RTP), a primei- Remete também para o período de 23h às 6h a
ra emissora portuguesa, foi criada em 1957. Em transmissão de programas suscetíveis de influencia-
1968, surgiu o Canal 2, orientado para audiências rem negativamente crianças e adolescentes, e a difu-
diferenciadas. A televisão privada foi aprovada são de obras classificadas como desaconselháveis a
apenas em 1990, e as emissões do primeiro des- menores de 16 anos.
tes canais – Sociedade Independente de Comuni- Foi nos finais de 2004 que a Alta Autoridade para a
cação (SIC) – começaram em 1992. Em 1993, en- Comunicação Social, órgão responsável pela fiscaliza-
trou no ar o Canal 4, inicialmente ligado à Igreja ção e pela autorização do exercício da atividade de ra-
Católica, mais tarde vendido e hoje com o nome diodifusão em Portugal, apresentou uma diretiva ge-
de Televisão Independente (TVI). A partir de nérica sobre as chamadas de programas que possam
1997, os grupos SIC e RTP foram criando novos influenciar de modo negativo a formação das crian-
canais de cabo, mas aqueles dirigidos a crianças ças. Assim, essas chamadas só podem ser veiculadas
são internacionais. entre as 23h e 6h.
Assim como na Espanha, o modelo de regulamen- Por acordo entre os canais, foi decidido o uso de uma
tação português baseia-se em acordos não-formais sinalização em programas cujos conteúdos possam ser
firmados entre as emissoras e o Estado. Contudo, al- prejudiciais a menores de 18 anos, sem distinção etá-
gumas leis abordam aspectos referentes à proteção da ria. Apresenta a forma de um círculo vermelho no canto
infância e da adolescência. superior direito da tela, em todos os canais nacionais,
A Lei da Televisão Portuguesa (32/2003) contém mas a sua aplicação não assenta numa base comum.
disposições que protegem as crianças e os adolescen- Essas normas descritas continuam em vigor.
tes contra programas violentos e de conteúdo sexual. No entanto, por meio da Lei 53 de 8 de novem-
Considera ser obrigação dos operadores de televisão bro de 2005, as competências da Alta Autoridade
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
152
para a Comunicação Social foram absorvidas por responsável pela regulação. Ele é composto por re-
um novo órgão responsável pela radiodifusão em presentantes de todas as áreas em que atua: cinema,
Portugal: a ERC – Entidade Reguladora para a Co- tevê, vídeo, DVD e jogos eletrônicos. No caso da te-
municação Social. levisão, inclui representantes das emissoras públi-
cas e também das privadas.
Holanda O sistema de classificação apresenta dois tipos de
Na Holanda, a auto-regulação das empresas de ra- símbolos que diferenciam os programas segundo ida-
diodifusão convive com a regulação pública. O Ins- des e conteúdos. A classificação por idade está descrita
tituto Holandês de Classificação dos Meios Audio- no quadro desta página. No que diz respeito aos conte-
visuais (Nederlands Instituut voor de Classificatie van údos, são divulgados círculos que discriminam as ca-
Audiovisuele Media – NICAM), surgido em 1999, é o racterísticas desaconselhadas: violência, sexo, terror,
abuso de drogas ou de álcool, discriminação e lingua-
gem grosseira.
Além desta classificação a cargo do NICAM, o go-
Classificação verno holandês estabeleceu outras regulações rela-
Indicativa tivas à faixa de horário para emissão de conteúdos e
formas de controle do acesso de menores de 18 anos
na Holanda aos circuitos do cinema e vídeo.
dores. Nesse contexto, é particularmente patente a sua Na Austrália, a classificação se dá tanto no senti-
política para promover a diversidade étnica e cultural. do de recomendar determinados programas para o
Assim como no caso britânico, na Suécia o critério público infantil, quanto no sentido de classificar a
de classificação da programação assenta-se na atribui- programação em geral. No primeiro caso, a ABA es-
ção de diferentes faixas horárias a depender do con- tabeleceu padrões exclusivos para a programação in-
teúdo da programação em análise. O país se distingue fantil (voltada para o público de até 14 anos). Nesse
também por ter abolido, em 2000, toda e qualquer pu- caso, a classificação tem o objetivo de recomendar um
blicidade para crianças, na programação televisiva. programa para esses espectadores. Os padrões que
Adicionalmente, é preciso sublinhar, no contexto orientam essa classificação são discutidos e revisados
de um forte conceito de responsabilidade social por a cada ano. A versão mais atual prevê duas categorias,
parte do Estado nesta matéria, a criação da Interna- conforme quadro da página 155.
tional Clearinghouse on Children and Violence on the Além dessa classificação por analistas da ABA e
Screen, com o apoio da Unesco e do governo sueco, especialistas independentes (produtores de televi-
posteriormente designada como International Clea- são e pesquisadores), que é feita antes do programa
ringhouse on Children, Youth and Media. ir ao ar, existe o Código da Televisão Comercial, cria-
do pelas próprias emissoras. A versão mais recente
do Código foi publicada em 2004 pela organização
Classificação Indicativa
na Austrália – Critérios para a Programação Geral
G (Geral) – o programa pode ser visto por pes- MA – Restrito a telespectadores com mais de
soas de todas as idades. 15 anos.
Violência – restrita apresentação de cenas de AV – Somente para pessoas com mais de 15 anos
violência física ou psicológica. em função da apresentação de cenas intensas e
Sexo e nudez – cenas e referências ao compor- freqüentes de violência. Em geral, a violência é
tamento sexual pouco freqüentes, adequadas o tema central.
ao contexto. Os programas de notícia e esportivos não são
Linguagem – restrita apresentação de cenas submetidos à Classificação Indicativa, mas estão
com linguagem considerada socialmente ofen- obrigados a respeitar as seguintes normas: não
siva ou discriminatória. podem exibir material que cause pânico público,
Drogas – referências devem ser justificadas pelo devem ter cautela na exibição de imagens de pes-
contexto e o programa não pode encorajar o uso. soas mortas ou acidentadas e, no que diz respeito à
Suicídio – restrita e com referência justifi- divulgação de imagens e informações sobre crian-
cada pelo contexto, sem enfoque romântico ças (até 16 anos), devem observar as regras estabe-
ou heróico. lecidas na legislação.
Temas – cenas que focalizam conflitos domés-
ticos e sociais não devem ser tratados de forma
ameaçadora para as crianças.
PG – Recomendada a orientação dos pais.
M – Recomendado para pessoas com mais de
15 anos.
Capítulo 5
155
Os demais programas seguem os critérios estabe- dards Authority, órgão responsável por monitorar o
lecidos pelo próprio Código, que apresentamos no cumprimento dos padrões estabelecidos para o exer-
quadro da página ao lado. cício da atividade de radiodifusão na Nova Zelândia
e para os processos formais de reclamação contra a
Nova Zelândia programação. Os Códigos de Prática (Codes of Prac-
O Broadcasting Act de 1989 obriga as emissoras de tice) regulam a proteção da criança, a interpretação
radiodifusão a manter padrões em sua programação do conceito de violência e as restrições à publicidade
que respeitem o bom gosto e a decência, a manuten- de álcool.
ção da lei e da ordem, a privacidade individual e a Esse documento também estabelece um sistema de
imparcialidade, entre outros aspectos. Para tanto, Classificação para a televisão aberta, cujas categorias
essa lei formaliza a criação da Broadcasting Stan- estão descritas no quadro da página 157.
Classificação Indicativa
na Austrália – Programação Infantil
Classificação Indicativa
na Austrália – Filmes
Classificação Indicativa
na Nova Zelândia
Direitos Humanos no
centro das atenções
A máxima de que a informação é um direito de ho-
mens e mulheres – independentemente de faixa etá-
Capítulo 6
159
ria, classe social ou raça/etnia – está bastante arraiga- ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. (Artigo 220,
da no discurso dos mais diversos grupos de proteção parágrafo 3º, inciso II)
dos direitos humanos. Apesar de simples à primeira Ou seja, a lei máxima do País contempla o direito dos
vista, tal aforismo requer um olhar mais cuidadoso no cidadãos e cidadãs de se protegerem quanto a produções
que concerne à sua amplitude e às suas conexões. que lhes possam ser prejudiciais, o que atribui legitimi-
Primeiro, é necessário ressaltar que constituem di- dade a políticas públicas de regulação dos conteúdos au-
reitos humanos tanto a recepção de informações quan- diovisuais, como é o caso da Classificação Indicativa.
to a participação no processo de sua produção. Em se-
gundo lugar, deve ficar claro que a discussão ao redor Caracterizando os
desses direitos não envolve quaisquer tipos de infor- atores e o cenário
mações (ou conteúdos mais amplos), mas informações Mas qual é o cenário em que a Classificação Indicativa se
de qualidade. É preciso apontar, entretanto, que a de- insere? Antes de tudo, é preciso considerar que qualquer
finição de qualidade, segundo o que buscamos discutir ator que interaja no espaço social é potencialmente um
até o momento, depende, em muito, das determinações propulsor ou violador de direitos humanos. Esta afirma-
constitucionais particulares de cada nação. ção é válida não apenas para indivíduos, como também
Finalmente, cumpre destacar que a todos deve para grupos, corporações e para o próprio Estado.
ser assegurada a proteção contra eventuais e poten- Aqui, cumpre destacar que é dever indelegável dos
ciais abusos cometidos pelos meios de comunicação Estados nacionais garantir, em última instância, os
– ponto em que se enquadra a questão da Classificação direitos assegurados em sua Constituição, nos trata-
Indicativa. Já assinalamos que a Convenção sobre os dos internacionais ratificados e nas demais leis apro-
Direitos da Criança (artigo 17) ressalta a preocupação vadas por seus Parlamentos. Entretanto, dada à varie-
de que os Estados nacionais devem nutrir com relação dade de possibilidades de promoção ou de violação
à programação direcionada a crianças e adolescentes. dos direitos, os Estados são compelidos a concentrar
Nossa Constituição, por sua vez, entre outros disposi- seus esforços na atuação de determinados atores que
tivos, determina que compete à lei federal: têm mais capacidade de incidirem – tanto positiva
Estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à quanto negativamente – sobre os direitos humanos.
família a possibilidade de se defenderem de progra- É nesse contexto, que surge, nas mais avançadas
mas ou programações de rádio e televisão que con- democracias do planeta, uma forte preocupação com os
trariem o disposto no artigo 221, bem como da pro- meios de comunicação de massa. Tal inquietação ba-
paganda de produtos, práticas e serviços que possam seia-se no fato, também já discutido nas páginas ante-
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
160
riores, de que eles são considerados um dos mais con- minorias podem conseguir, com mais sucesso, cana-
tundentes e poderosos instrumentos de socialização lizar diretamente seus próprios interesses.
das populações contemporâneas, produzindo e veicu-
lando mensagens dos mais diversos tipos e teores. Modificando o roteiro
Como vimos, muitas das democracias consolidadas,
Mocinhos e bandidos em consonância com suas Constituições e com os
Por meio de notícias jornalísticas, peças publicitárias compromissos internacionais firmados, têm imple-
e produções voltadas para o entretenimento – as quais, mentado mecanismos de regulação dos meios de co-
vale chamar a atenção, contam com enorme audiência municação a fim de garantir, senão a promoção, pelo
no Brasil –, a mídia pode assumir dois papéis distin- menos o respeito aos direitos de todos e todas.
tos e contraditórios: prestar serviço à difusão, prote- Ao incluírem a Classificação Indicativa dos conteú-
ção e consolidação dos direitos humanos ou afrontá- dos transmitidos pelas empresas de mídia entre esses
los. No segundo caso, não são raros os episódios em mecanismos, em geral os Estados se valem de algumas
que se verifica a violação dos direitos individuais à prerrogativas que merecem ser rememoradas:
privacidade, à proteção da imagem e à recepção de in- Fazem uso legítimo de sua condição de proprietários
formações de qualidade, além do aviltamento dos di- do espectro eletromagnético, o qual, por meio de
reitos coletivos de respeito às minorias e às infinitas concessões públicas, está temporariamente cedido a
diferenças intrínsecas à condição humana. determinadas empresas de comunicação.
Crianças e adolescentes são particularmente vul- Buscam apontar a pais, professores e demais res-
neráveis nesse cenário, pois não possuem represen- ponsáveis por crianças e adolescentes quais con-
tatividade política formal (não votam) e não consti- teúdos são apropriados ou inadequados para certas
tuem, via de regra, organizações que defendam seus faixas etárias. Isso assegura a liberdade de escolha
reais interesses e anseios junto à sociedade. Nesse consciente das famílias e, ao mesmo tempo, o di-
sentido, como já foi amplamente discutido no Capí- reito incontestável de meninos e meninas terem
tulo 4, necessitam de uma proteção especial dos Es- uma socialização que respeite a sua condição de
tados nacionais. Grandes vulnerabilidades atingem indivíduos em formação.
também outras minorias políticas – mulheres, ne- Portanto, um sistema de Classificação Indicativa
gros, indígenas, homossexuais, pessoas com defici- deve trabalhar em absoluta comunhão com o projeto de
ência, por exemplo. Entretanto, por votarem e con- proteção e valorização dos direitos humanos abraçado
tarem com um mínimo de organização política, tais pela Nação. Em outras palavras, não há como esperar
Capítulo 6
161
que as crianças e adolescentes de hoje, em franco pro- – para os quais a proteção e promoção dos direitos
cesso de desenvolvimento intelectual, cultural e social, humanos são inerentes à própria condição de seres
sejam respeitadores e promotores dos direitos huma- em desenvolvimento.
nos se esta não for a mensagem central transmitida por Não se pode, sem embargo, deixar de reconhecer
um dos seus principais espaços de socialização. que ao longo do tempo se construiu menos consenso
Algumas questões específicas devem ser retoma- ao redor das adequações do que das inadequações,
das diante dessa constatação: Como é possível conso- por um motivo bastante razoável: o debate e as re-
lidar uma cultura de paz, se as imagens concentram- flexões (inclusive as acadêmicas) se concentraram
se, em demasia, na banalização da violência? Como muito mais nestas do que naquelas. Esta constatação
constituir uma estratégia de contribuição para o de- encontra-se refletida, inclusive, no presente traba-
senvolvimento de adolescentes e jovens sexualmen- lho, pois ainda que estejamos defendendo veemen-
te saudáveis e responsáveis, se na tevê o sexo é tra- temente a necessidade de inclusão das adequações
balhado de maneira diametralmente oposta? Como no sistema de Classificação Indicativa, as experiên-
garantir que meninos e meninas serão respeitadores cias, estudos e regulamentações existentes quanto
dos direitos de todos e todas, especialmente das po- ao tema são rarefeitas e consideravelmente menos
pulações que historicamente sofrem discriminações abundantes do que aquelas que se referem aos con-
dos mais variados tipos (mulheres, negros, homosse- teúdos considerados impróprios.
xuais, pessoas com deficiência, entre outros), se, com Assim, a mensagem positiva deve ser sublinha-
freqüência, o preconceito está exposto nos conteúdos da, apontada, premiada. Em síntese, a lógica aplica-se
de entretenimento, sem maiores contextualizações? a ambas as direções: se é verdade que a banalização da
violência e dos comportamentos sexuais na programa-
Valorização dos aspectos positivos ção das televisões pode redundar em efeitos indesejados
Sem dúvida, para resolver essas equações, não basta no desenvolvimento integral de crianças e adolescentes,
apenas sinalizar a proteção e a promoção dos direitos também deve ser aceita a premissa de que a exposição
humanos por meio da indicação do que não se deve de conteúdos ratificadores dos direitos humanos trará
fazer. Isso poderia resultar, é verdade, na ausência de conseqüências almejadas para a formação da popula-
inadequações, o que já é um enorme passo, mas não ção infanto-juvenil. Conforme aponta Claudemir Viana,
o suficiente. Faz-se também necessário valorizar o pesquisador do Laboratório de Pesquisa sobre Criança,
bom, o positivo, o ético, a programação que estimula Imaginário e Televisão (Lapic), da ECA/USP, a criança
a cidadania e a formação de crianças e adolescentes relaciona-se com tudo aquilo que está a sua volta. Assim
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
162
sendo, “como sujeito capaz, ela interage e reelabora os teúdos promovem tais direitos (e ao fazer isso, es-
conteúdos midiáticos a partir do seu entorno”. timula a veiculação desse tipo de temática na mí-
Por isso, analisa Viana, a Classificação Indicativa é dia). Por outro, não esquece o imperativo de evitar,
tão importante: “Embora a criança tenha a capacida- com prioridade absoluta, a violação dos direitos de
de de entender, ela toma as cenas, as situações como crianças e adolescentes. Não é necessário lembrar,
modelo de mundo, independentemente do impacto a essa altura de nossas reflexões, a possibilidade
psicológico”. Esse contexto, destaca o especialis- concreta de parte significativa da programação au-
ta, evidencia o quanto a maneira como determinado diovisual exibida no País estar trilhando um cami-
assunto é abordado e a quantidade de tempo que ele nho tortuoso. Tal avaliação mostra-se acertada, es-
recebe na transmissão são fatores essenciais para de- pecialmente quando consideramos dois artigos do
finir a indicação. Na mesma linha vai o psicanalista Estatuto da Criança e do Adolescente, que julgamos
Paulo Roberto Ceccarelli, no artigo “Os efeitos per- útil reproduzir:
versos da televisão”: Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilida-
É também o grupo primário [a família] que dará à crian- de da integridade física, psíquica e moral da criança e
ça as primeiras referências para a construção de seu sis- do adolescente, abrangendo a preservação da imagem,
tema de valor ético-moral. Na falta destas referências, ou da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e
quando as tradições e costumes familiares não se encai- crenças, dos espaços e objetos pessoais.
xam nos modelos-padrões, a criança pode tomar aquilo Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a infor-
que a televisão mostra como coordenadas de base. Cenas mação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos
que evocam violência, agressividade, aquelas que sugerem e produtos e serviços que respeitem sua condição pecu-
relações baseadas na desconfiança, na falta de solidarie- liar de pessoa em desenvolvimento.
dade e outras tantas, podem incentivar comportamentos Um sistema de Classificação Indicativa bem-
e propor “valores-éticos” divergentes daqueles necessários sucedido, portanto, deve observar, de maneira in-
para a construção de uma estrutura social calcada no tegral, estes elementos mandatórios dos direitos
respeito e no direito do cidadão. da população infanto-juvenil. Em outras palavras,
Essa característica da relação que a criança es- quando passamos a considerar os direitos humanos
tabelece com a tevê possui implicações diretas no como um eixo central da definição das políticas pú-
que diz respeito aos direitos humanos. Em outros blicas – inclusive a Classificação Indicativa – im-
termos, implica um modelo de Classificação Indi- primimos uma nova lógica no processo decisório e
cativa que busca apontar, por um lado, quais con- de execução destas mesmas políticas.
Capítulo 6
163
mentos. Só assim é possível contribuir eticamente nimo de segurança. E, na medida que eles (os cri-
para a construção da imagem do que é ser cidadão. A térios) existem, é central que não sirvam apenas
psicanalista Ana Olmos complementa essa idéia: “É para nortear os classificadores, mas também para
uma questão de ética, de respeito, de formar modelos. nortear a sociedade”.
A Classificação Indicativa tem influência profunda em
relação à construção de atitudes éticas”. Ampliando o direito de escolha
Ao mesmo tempo em que o fortalecimento do diálogo
A importância do diálogo constante construtivo com a sociedade, dotado de contornos pe-
Nesse sentido, como já foi amplamente defendido até dagógicos, é uma condição necessária para que a Clas-
agora, é importante não dissociar uma perspectiva de sificação Indicativa exerça a sua função última de valo-
proteção e promoção dos direitos humanos de uma rização e proteção dos direitos humanos, este fortaleci-
necessária proposta de diálogo permanente e pro- mento é também um direito humano em si mesmo.
fundo com a sociedade, especialmente as famílias e as Ou seja, os pais, as crianças e os adolescentes têm
próprias crianças e adolescentes. o direito de serem informados acerca dos conteúdos
Não há Classificação Indicativa nos moldes que específicos incluídos na programação televisiva, pois
estão sendo aqui propostos sem que pais, demais res- somente assim estarão em condições de exercer um
ponsáveis pela educação de crianças e adolescentes e outro importante direito: o de escolha. Alguns pais
a própria população infanto-juvenil compreendam os poderão entender que determinado conteúdo é im-
objetivos do sistema. Além disso, é preciso que sai- próprio para seus filhos e, logo, impedirão o acesso
bam claramente por que um determinado programa aos mesmos; outros, tomarão a decisão de assistir
foi classificado desta ou daquela forma. Tendo isso àquela programação com suas filhas e filhos, porém
claro, todos esses públicos irão sentir-se muito mais cientes de que deverão contextualizar ou dar uma ex-
aptos a interagir com as instituições responsáveis pela plicação para determinadas cenas; outros ainda, não
classificação da programação. verão problemas quando suas meninas e meninos, a
A diretora-executiva da ONG Midiativa, Sir- partir das realidades específicas nas quais estão inse-
lene Reis, corrobora esta linha de argumentação: ridos, tenham acesso àquele conteúdo. Não obstante,
“os critérios de Classificação Indicativa são fun- estas três alternativas somente tornam-se possíveis
damentais. Funcionam como um norte. De alguma se os pais tiverem conhecimento prévio dos conte-
forma, orientam quem está assistindo e quem está údos potencialmente qualificados ou problemáticos
do lado. É importante para a população ter o mí- enxertados em um dado programa.
Capítulo 6
165
com as informações. As crianças e os jovens têm que em que as crianças exercitassem a crítica constante. Só
ter recursos para lidar com as informações. Para isso, assim teríamos uma TV menos ‘deseducadora’.
a alfabetização televisiva na escola é interessante.” Essa, sem embargo, é uma longa discussão, a qual
Para que essa discussão seja inserida nas esco- não está contemplada, em sua complexidade, no pre-
las, é fundamental dispensar uma atenção espe- sente trabalho –, mas que porém não poderia deixar
cial ao docente. A análise é da diretora-executiva de ser, ao menos, claramente demarcada.
da Midiativa, Sirlene Reis: “Esse seria o primeiro
passo: capacitar e conscientizar escola e professor Diminuindo o fascínio
da importância disso [da Classificação Indicativa], pela negatividade
para que a partir daí formem uma visão mais crítica Diversos sistemas de Classificação Indicativa – inclusi-
e se sintam preparados para intervir nesse proces- ve o brasileiro – acabaram por se constituir, conforme
so de forma efetiva. Assistir à programação com os alertamos, a partir da sinalização de conteúdos poten-
alunos em sala de aula é uma estratégia interessan- cialmente negativos veiculados por meio de obras au-
te e importante”. diovisuais: especialmente sexo e violência, mas tam-
Nesse sentido, continua Sirlene, seria de grande bém drogas e linguagem inapropriada.
valia a tradução dos critérios de Classificação Indi- De saída, segundo buscamos demonstrar, é pre-
cativa para uma linguagem mais acessível, além da ciso sublinhar que temas como sexo, violência e
inserção dos mesmos no conteúdo escolar. Este é, se- drogas não são negativos em sua essência. O pon-
gundo ela, o pontapé inicial para que o professor dis- to central da reflexão está na forma como eles são
cuta com os alunos o significado dos critérios, a razão abordados, ou seja, o enquadramento pode ser po-
pela qual a programação precisa ser classificada e qual sitivo ou negativo – sempre tendo como referência
a função da televisão. nosso objetivo central de proteção e promoção dos
Por fim, vale assinalar a posição de Walter George direitos humanos.
Durst – um dos pioneiros da televisão brasileira e au- Entretanto, há conteúdos que podem ser mais fa-
tor de várias novelas da TV Globo – no artigo “Espe- cilmente abordados a partir de uma contraposição
cialização da TV/Espacialização do Sentido”: positivo versus negativo. Em outras palavras, é pos-
Considerar a TV como um eletrodoméstico é uma das sível falarmos em conteúdos intrinsecamente posi-
maiores tragédias do nosso século, inibe a crítica. Eu tivos (cultura de paz, por exemplo), os quais têm na
sou favorável até a uma matéria do currículo obrigató- sua antítese, os conteúdos especialmente negativos
rio das escolas que contivesse o objetivo de crítica da TV, (cultura da violência). Ou seja, ao contrário de temas
Capítulo 6
167
como a sexualidade – os quais podem ser apresenta- proposta também abarca critérios técnicos de qualida-
dos valendo-se de aspectos positivos (sexo seguro) ou de dos programas analisados. Este é um diferencial em
negativos (sexo banalizado) –, é possível elencar um relação a outros sistemas de avaliação da programação,
conjunto de temas inerentemente positivos, as cha- pois, se por um lado, contabiliza condutas considera-
madas adequações. Nesse sentido, as experiências das socialmente reprováveis, por outro leva em conta
chilena e australiana, relatadas no Capítulo 5, são par- conteúdos educativos.
ticularmente interessantes. Assim, a lista das atitudes reprováveis inclui a ir-
responsabilidade, o egoísmo, a desonestidade, a falta
O exemplo do Chile de respeito, a rejeição injustificada a uma pessoa, a
Neste país, o Conselho Nacional de Televisão, órgão re- suas ações ou a suas opiniões, a manipulação, as ame-
gulador da matéria, vem, desde 1998, aprimorando o aças, o não-enfrentamento de conflitos inerentes ao
acompanhamento da programação televisiva, sobretu- cotidiano e os comportamentos grosseiros. Já entre
do daquela destinada a crianças e adolescentes, com o os conteúdos educativos estão considerados: as habi-
objetivo de ir além da identificação das chamadas ina- lidades cognitivas (raciocínio lógico, por exemplo), o
dequações. Segundo o órgão, a criação de ferramentas conhecimento/informação (sobre fatos, idéias, cultu-
como o Barômetro da Qualidade da Programação In- ras etc.), as habilidades sociais e emocionais (apren-
fantil tem como meta “contribuir com propostas con- der a viver consigo mesmo e com os demais, a supera-
ceituais para o melhoramento da oferta de programa- ção de temores, a resolução de conflitos, a liderança)
ção infantil de qualidade, a fim de propiciar o desen- e o cuidado e bem-estar do corpo.
volvimento de programas que aportem entretenimen- O último critério do índice chileno relacionado às
to, mensagens positivas e ensinamentos a diferentes qualidades técnicas da programação envolve aspectos
aspectos da vida de meninos e meninas do país”. como imagem, apresentação dos personagens, qua-
Os avanços já são tão significativos que no relatório lidade do som e da trilha sonora, a riqueza e o caráter
Barômetro de 2005 está proposto um Índice de Qua- atrativo da cenografia, a qualidade da edição, entre ou-
lidade da Programação Infantil, construído a partir da tros. Com isso, rechaça a idéia de que a programação
ponderação de uma série de critérios, os quais envol- para crianças e adolescentes necessariamente prescin-
vem temas “clássicos” (a violência, o sexo e a lingua- de de qualidade técnica – ou seja, do uso competente
gem), mas incluem outras questões centrais para a for- dos recursos típicos da televisão.
mação de crianças e adolescentes mais harmonizados Nesse sentido, é despropositado o argumento de
com uma sociedade que valoriza os direitos humanos. A que os conteúdos educativos são obrigatoriamente
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
168
pouco atraentes e não cativam crianças e adoles- mais baixos (sobre a legislação específica de diferentes pa-
centes. É possível e desejável uma programação íses, veja o Capítulo 5).
que valorize características positivas, como as me- Em síntese, o modelo de Classificação Indicativa
didas pelo órgão regulador chileno, e que, ao mes- adotado por um país pode ter um impacto significa-
mo tempo, envolva e entretenha crianças e adoles- tivo na construção de uma relação mais ativa e crítica
centes. Nessa direção vale ressaltar o argumento do entre a sociedade e a mídia, bem como pode fomentar
jornalista Cláudio M. Magalhães, no artigo “Crian- a difusão de atitudes e modelos que se almeja difun-
ça e Televisão: uma relação superpoderosa”: dir entre crianças e adolescentes (e adultos). Pode,
O que diferencia um programa do outro, em termos do finalmente, ter um impacto bastante positivo sobre a
potencial educativo, é sua capacidade de interagir com qualidade da programação.
o público, se vai lhe despertar a reflexão e a construção O professor Laurindo Leal Filho, da ECA/USP, em
de sentido, trazer novos conhecimentos acionados ao entrevista para este trabalho, parece sumarizar as
seu cotidiano e produzir experiências interdisciplina- nossas preocupações:
res e extemporâneas. O programa será educativo se re- A Classificação Indicativa, portanto, é uma tentativa de
forçar a aprendizagem formal e contribuir para uma diminuir a censura que os meios impõem. É uma ten-
formação pessoal sintonizada com o contexto social tativa de aumentar o grau de liberdade de escolha do
onde estão, programas e público, inseridos. cidadão. Com um sistema de classificação bem estru-
turado, é possível abrir espaço para novas abordagens.
Construindo uma E classificar um programa não significa que ele deva ser
nova lógica tirado do ar. Ele apenas deverá ser adequado a um novo
Desenhar uma política pública de Classificação Indi- conteúdo ou a um horário apropriado. Assim, essa mu-
cativa pela via das adequações implica, portanto, es- dança de horário gradativamente vai obrigar as emisso-
timular (quando não obrigar) os centros de produção ras a exibir programas com conteúdo adequado a crian-
de conteúdo a repensarem sua própria programação a ças. E isso aumenta o grau de escolha da população.
partir de uma outra lógica. E há informações que corro- Conforme anunciamos, a próxima parte de nossa
boram algumas das reflexões tecidas até aqui, enquanto publicação apresentará um modelo de Classificação
os programas de origem européia são os que apresen- Indicativa para uso em território brasileiro que pos-
tam, segundo padrões chilenos, os índices de qualidade sa ser colocado em prática e agregue os elementos
mais elevados, os das nações com regulações menos de- centrais das discussões que foram delineadas até
senvolvidas para o setor de tevê apresentam os índices este momento.
Segunda parte »
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
170
Classificação Indicativa:
proteção aos Direitos Humanos e diálogo pedagógico com a sociedade
juntos de temas – Violência e Sexo –, além do subte- seja, de forma a banalizá-lo – e uma outra que abra
ma Drogas. A classificação levava em conta, quase que espaço para a discussão, por exemplo, das doenças
exclusivamente, as chamadas “inadequações”. Ou seja, sexualmente transmissíveis, do uso de preservativos
os analistas que emitem as classificações etárias para ou dos riscos de uma gravidez indesejada.
os conteúdos audiovisuais estavam, então, de olho nas Assim, ao estudarmos o modelo até então vigen-
cenas potencialmente problemáticas em relação a al- te, pareceu-nos temerário seguir desconsiderando
guma das três temáticas mencionadas. os conteúdos ditos “positivos” – isto é, as adequações
Conforme salientamos, não há dúvida quanto à im- – no momento de classificar as produções audiovisu-
portância de se analisar cuidadosamente a presença ais. Uma cena “problemática”, fortemente prejudicial
de conteúdos violentos, com conotação sexual ou que para crianças e adolescentes, não pode ser analisada
tragam situações envolvendo o uso de drogas. Porém, ou tomada fora do contexto da obra em foco.
ao mesmo tempo, considerando os objetivos de prote- Da mesma maneira, elementos de valorização dos
ção dos direitos humanos e de diálogo construtivo com direitos humanos, de uma cultura de paz, da educa-
os telespectadores, não pode haver dúvidas quanto às ção, da informação, das artes, da cultura regional e
limitações deste tipo de abordagem. Isto porque se a das identidades de grupos específicos – todos subli-
classificação for feita com base em uma leitura restrita nhados pela Constituição Federal de 1988 – também
do conceito de violência, por exemplo, corre-se o ris- devem ser objeto da atividade classificatória.
co de deixar de lado a análise de questões importantes,
como as diversas formas de violência psicológica e/ou Objetividade e subjetividade
simbólica e a discriminação das minorias políticas. Há dois grandes caminhos para alcançar os resulta-
Além disso, nem todos os tipos de conteúdo vio- dos esperados pela política de Classificação Indicativa.
lento – assim como os de conotação sexual ou que Pode-se, por um lado, adotar um sistema fundamenta-
envolvem o consumo de drogas – podem ser analisa- do, única ou majoritariamente, no olhar crítico e ana-
dos da mesma forma, até porque nem sempre passam lítico dos profissionais responsáveis por classificar os
uma mensagem “inadequada” para o segmento infan- conteúdos audiovisuais – o que, via de regra, tem sido a
to-juvenil, segundo o que previamente sublinhamos opção adotada pelo modelo brasileiro. Este, por certo,
no Capítulo 4. A nossa defesa é que, em um conteúdo não é um procedimento de todo reprovável ou, o que
dirigido para adolescentes, há muita diferença entre é mais importante, passível de ser eliminado integral-
uma abordagem que trate o sexo de maneira absolu- mente. Entretanto, à medida que se caminha, hipote-
tamente casual e sem maiores desdobramentos – ou ticamente, para o uso exclusivo de uma metodologia
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
174
de trabalho pautada pela subjetividade, aumentam, Dessa forma, uma eventual crítica deixa de ser fo-
na mesma proporção, os espaços de críticas e dúvidas cada no sistema como um todo – como o argumento
quanto à validade do sistema. que afirmava ser a Classificação Indicativa uma ativi-
Assim, é possível e desejável fazer a opção por um dade subjetiva, por exemplo – para concentrar-se em
processo menos subjetivo, que estabeleça elementos aspectos mais pontuais do processo.
concretos e fixos de implementação da Classificação A um só tempo, são ressaltados os direitos huma-
Indicativa. Por um lado, vale destacar que o fato de tor- nos que se espera proteger e se estabelecem os fun-
narmos os procedimentos mais objetivos implica, ine- damentos para gerar uma reflexão pública acerca dos
vitavelmente, limitá-los. Isto significa que ao definir- conteúdos audiovisuais. Por fim, todo esse processo
mos um modelo de classificação, algumas particulari- permite que os diversos grupos de interesse da socie-
dades e exceções encontradas na análise dos conteúdos dade produzam, a partir desta metodologia, os seus
possivelmente não serão contempladas. Por outro lado, próprios sistemas de Classificação Indicativa, se as-
há o ganho, fortemente almejado, de estabelecermos sim o desejarem. Ou seja, democratizam-se signifi-
uma “linguagem” que seja mais inteligível a todos. cativamente as possibilidades da comunicação.
Como conseqüência direta dessa mudança, conquis-
ta-se maior transparência da atividade. Primeiro, por- Transparência
que ela fica mais acessível à avaliação crítica dos públi- Além da desejável – e necessária – transparência das
cos interessados e, segundo, porque avança para além da atividades desenvolvidas no âmbito do poder público,
simples apresentação das faixas etárias indicadas. Com há outro elemento fundamental a ser considerado nesta
isso, torna-se possível que o processo de diálogo com a discussão. A Classificação Indicativa, se realmente tem
sociedade passe a envolver também a discussão dos con- como meta o estabelecimento de um intercâmbio mais
teúdos específicos inseridos na programação. amplo com a sociedade, terá que deixar de ser um “segre-
Em outros termos, podemos duvidar que a existên- do de Estado”, restrito ao Diário Oficial da União e a um
cia de uma cena de estupro seja condição suficiente minúsculo código apresentado no canto das telas de tevê.
para classificar uma obra para a faixa etária a partir de Nesse contexto, é preciso avançar em vários aspectos:
14 anos (o elemento subjetivo é dificilmente elimina- Aos telespectadores, deve ser garantido o direito
do de processos como estes); entretanto, não duvida- de saber, exatamente, qual é a Classificação In-
mos da existência da cena de estupro na obra. E isto dicativa (quanto à faixa etária e quanto aos con-
já representa um avanço de consideráveis proporções teúdos) atribuída a determinado programa, como
na interlocução com as partes interessadas. passou a ocorrer com o cinema. Da mesma forma,
Um novo sistema para o Brasil
175
telespectadores cegos necessitam da locução das para que haja efetivamente uma maior sinergia na
informações e, os surdos, da exibição por meio da elaboração e execução das políticas.
língua brasileira de sinais. Em especial, vale destacar a relação com as políticas
Para a otimização e eficácia do processo, é funda- educacionais. Os educadores – e, portanto, o sistema
mental uma padronização da exposição da Clas- de regulação da Educação, leia-se Ministério da Edu-
sificação Indicativa; ou seja, todas as emissoras cação, Secretarias Estaduais e Municipais – não po-
devem divulgá-la do mesmo modo, utilizando os dem ser deixados de lado desse processo. Ao contrá-
mesmos símbolos. rio, devem ser levados em consideração, assim como
A sociedade precisa entender o que é a Classifica- preparados para discutir os conteúdos televisivos nas
ção Indicativa: para que serve, como é elaborada, salas de aula, com a intensa participação dos alunos
como pode fazer uso dela, etc. Para isso, é necessá- e alunas. Se inserida de forma eficiente nos espaços
ria uma ampla campanha nacional. educativos, a Classificação Indicativa pode contribuir
Por fim, mas não menos importante, aqueles que para melhorar e intensificar uma aproximação mais
tenham dúvidas, críticas e denúncias devem ter à consistente e perene entre educadores, educandos e
sua disposição um canal eficiente (não somente a os temas da comunicação. Portanto, em meio aos im-
internet) que dê vazão à sua voz – uma linha 0800 portantes debates acerca da chamada “educação para
exclusiva, por exemplo. Nesse caso, essa forma de mídia”, é recomendável que se estabeleça uma inter-
comunicação também precisa considerar como secção com as discussões relacionadas ao sistema de
público as crianças e adolescentes, em suas parti- Classificação Indicativa.
cularidades e especificidades.
Conforme vimos, isso significa que alguns parâme- da programação – seja para o caso particular do Brasil,
tros precisam ser observados na construção de um seja para o debate sobre a regulação dos conteúdos au-
novo instrumento de classificação: divisuais de maneira geral. A partir do uso desse méto-
Considerar os conteúdos e não somente as faixas do será possível, ainda, avaliar os resultados produzi-
etárias. dos, verificando se um conjunto distinto de classifica-
Objetivar o processo por meio do estabelecimento dores chegou a um mesmo resultado em sua análise (o
de parâmetros concretos e constantes de análise, que é um elemento de garantia da maior objetividade
muito à semelhança da análise de conteúdo nas do processo). Além disso, o processo proposto facilita
ciências sociais3. a criação de um banco de dados unificado, de âmbito
Considerar pontos positivos e negativos da pro- nacional, sobre os conteúdos analisados. Isso permiti-
gramação. rá indicar à sociedade – em mais uma etapa do processo
Conferir ampla transparência ao processo de pedagógico – quais são as características predominan-
classificação. tes da programação televisiva.
O objetivo desta seção do presente livro é apresen- Nos tópicos que se seguem, descreveremos o pro-
tar um conjunto de parâmetros – organizados em um cesso de construção do instrumento de pesquisa,
formulário – a serem analisados na classificação de analisando a pertinência e as razões da inclusão de
cada obra audiovisual. A aplicação desses parâmetros determinados parâmetros no formulário. Por fim,
pode contribuir para organizar de maneira objetiva os retomaremos, à guisa de conclusão, alguns elemen-
procedimentos que orientam a Classificação Indicativa tos centrais para o desenvolvimento de uma política
pública para o setor. Ao final desta seção do livro, se-
3 A análise de conteúdo é um método de estudo que busca quantificar as ca-
racterísticas de determinados conteúdos (textos, documentos, matérias de rão apresentados ainda o Formulário de Classificação e
jornal, programas de tevê) de forma objetiva e sistemática. Ou seja, visa a um manual com os principais conceitos utilizados, os
traçar um perfil de um objeto de análise a partir dos elementos visivelmente
presentes no seu conteúdo. Esse tipo de análise não se preocupa em identificar
quais são indispensáveis para a compreensão do sis-
a intenção de quem envia a mensagem, a forma como cada pessoa recebe essa tema debatido nas próximas páginas.
mensagem ou, ainda, o que essa mensagem possa significar (tais questões
exigem outros métodos de pesquisa para a sua compreensão). Por meio desse
método, isto sim, é possível transformar um determinado conteúdo em da- Procedimentos de pesquisa
dos numéricos, que possam ser medidos e comparados. A construção de um
processo de análise de conteúdo exige a definição de um universo ou amostra
Para a elaboração do novo instrumento de classificação
a serem pesquisados, além da elaboração de um instrumento de análise, da proposto, foi fundamental a realização de um conjunto
classificação do conteúdo segundo esse instrumento, da inserção dos resulta- de atividades, iniciadas em dezembro de 2005. As prin-
dos em um banco de dados, da produção de dados agregados e, por fim, da
análise dos resultados finais. cipais etapas desse trabalho estão descritas a seguir:
Um novo sistema para o Brasil
177
A. Pesquisa exploratória acerca dos principais debates D. Entrevistas com especialistas (psicólogos, comu-
do setor, no Brasil e no exterior: nossa primeira ta- nicólogos e líderes de ONGs que trabalham com o
refa foi identificar quais as fronteiras – por mais tema): esses atores contribuíram fortemente
amplas que fossem – desse debate. A partir des- para identificar as principais questões e desa-
se levantamento, foi possível definir os objetivos fios relacionados ao nosso foco central.
centrais da Classificação Indicativa que estamos E. Análise da literatura disponível: a compreensão das
propondo: proteção dos direitos humanos e diálo- pesquisas já realizadas sobre o tema (em geral,
go pedagógico com a sociedade. exíguas para o contexto brasileiro) e, principal-
B. Preparação de artigos exclusivos por especialistas: foi mente, das investigações acerca da relação entre
solicitado a quatro especialistas do campo comu- crianças, adolescentes e os meios de comunicação
nicacional que produzissem documentos de sus- constitui-se em uma das mais relevantes fontes de
tentação para este trabalho. Eles concentraram- aprendizado e de legitimação do instrumento pro-
se, sobretudo, em experiências internacionais de posto. Merecem especial destaque as investigações
Classificação Indicativa e na proposição de parâ- produzidas e/ou avalizadas pela Academia Ameri-
metros de aprimoramento do processo (veja a lista cana de Pediatria.
dos consultores na Ficha Técnica, na página 255). F. Análise da legislação, jurisprudência, códigos de
C. Entrevistas e grupos focais com funcionários (dire- ética e propostas de legislação: os marcos legais
tor, gestores e analistas) do Departamento de Clas- brasileiros, de outros países ou internacionais
sificação do Ministério da Justiça: entender o atual são o pano de fundo para a perspectiva dos di-
processo de Classificação Indicativa era condição reitos humanos. E é a partir deles que retiramos
fundamental para a adequada compreensão do seu os compromissos que as distintas sociedades já
histórico no Brasil, bem como do modelo que vi- assumiram com a Classificação Indicativa. Além
nha sendo implementado até princípios de 2006. da legislação, no entanto, temos que salientar a
Aproveitar aquilo que já estava sendo feito e apri- importância da jurisprudência, dos códigos de
morar o método de trabalho é o ponto central da ética e das propostas de alteração legal relacio-
presente proposta. O elevado conhecimento – teó- nadas ao assunto.
rico e, principalmente, prático – dos funcionários G. Discussão com a equipe do Ministério da Justiça e
do Ministério permitiu identificar elementos que pré-teste: o novo instrumento de pesquisa pro-
vieram a se tornar referências importantes do ins- posto foi aprimorado e validado a partir de uma
trumento agora apresentado. intensa discussão com os analistas e gestores do
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
178
Nesse sentido, o fato de lidarmos com processos di- A. Os analistas precisam estar bastante bem pre-
nâmicos – de novo, como os que cercam mídia e socie- parados para migrar de um tipo de lógica (a
dade – já insere um primeiro elemento de subjetividade subjetiva) para esta, desprovida de lacunas e
a esta metodologia. Em conseqüência, deve-se reconhe- fundamentada em uma série de conceitos ope-
cer que ela precisa ser constantemente avaliada e atuali- racionalizáveis, mas que precisam ser lidos da
zada e que a própria decisão em modificá-la ou não tam- mesma maneira pelos distintos indivíduos que
bém depende de aspectos subjetivos. Além disso, sem- irão classificar o material audiovisual.
pre será possível discutir a pertinência dos parâmetros B. Dada a amplitude do novo instrumento, há a ne-
que foram construídos, já que, inevitavelmente, sempre cessidade – a depender de como uma determina-
haverá subjetividade em um processo como esse. Entre- da sistemática de classificação está previamente
tanto, ela não é a subjetividade de uma só pessoa ou de construída – de redimensionar os tempos da ope-
uma só organização, mas sim o produto de um conjunto racionalização. Ou seja, em um primeiro momen-
to, é mais moroso levar a cabo o procedimento de
de idéias, pesquisas, leis e práticas publicizadas e com
avaliação de uma determinada obra.
um considerável nível de aceitação social e conceitual,
C. Parâmetros constantes e concretos trazem obje-
como buscamos demonstrar nas seções precedentes.
tividade ao processo, mas podem perder a cone-
A vantagem é que o fato de haver um instrumento
xão com a realidade com o passar do tempo. As
preestabelecido já se configura como um fator de obje-
questões mudam, a sociedade evolui; logo, é pre-
tividade do processo. Ou seja, a classificação a partir de ciso haver um mecanismo público de constan-
um conjunto fixo de critérios confere segurança – ain- te revisão.
da que não necessariamente satisfação – às distintas D. O instrumento, conforme demonstrado no pré-
partes interessadas. teste, não é livre de falhas no momento da atri-
Isso porque a definição desses parâmetros permite buição das idades. Diante disso, é necessário que
que todos identifiquem claramente quais são as ques- haja a constituição de um processo decisório – o
tões a serem levadas em conta na análise – fator que, qual deve ser totalmente transparente. Ou seja,
como já sublinhamos, é um enorme avanço. é preciso que fique absolutamente claro por que,
em uma determinada situação, o sistema ado-
Fragilidades identificadas tado não foi completamente seguido, se é que
Há quatro grandes vulnerabilidades quanto ao siste- isso ocorrerá – e como construiu-se a decisão
ma proposto: para tanto.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
180
Por exemplo: é possível que um filme apresen- elevar a faixa etária atribuída e outras que ten-
te uma única cena de sexo explícito e que todo dem a reduzi-la.
o conteúdo restante contenha aspectos identi- Parâmetros que podem elevar a classificação apa-
ficados como positivos (as adequações). Se, por recem associados à letra E (elevar) e os outros à le-
alguma razão, é avaliado que essa cena, ainda tra R (reduzir)4.
assim, deve receber uma classificação que não Até o presente momento, nosso sistema de Classi-
seja livre (mesmo o sistema apontando para ou- ficação Indicativa é fundamentado especialmente
tro caminho), é preciso ficarem absolutamen- na identificação de inadequações – o recebimen-
te claras as razões pelas quais isto ocorreu. Da to de um maior número de “Es” significa avançar
mesma forma, deve estar sinalizado aos públicos para a atribuição de faixas etárias cada vez mais
interessados que todas as situações semelhan- elevadas. Já um maior número de “Rs” é um indi-
tes receberão, por parte do órgão classificador, cativo de que a programação em questão apresen-
o mesmo tipo de tratamento. ta poucas inadequações ou, até mesmo, apresenta
conteúdos positivos e interessantes para as diver-
Lógica do instrumento sas audiências.
Como vimos, os elementos de análise presentes na Portanto, foi atribuído o conceito “E” para vari-
Ficha de Classificação foram construídos a partir de áveis que vão na contramão de uma programação
um amplo trabalho de pesquisa. A formatação desse apropriada para o universo infanto-juvenil (ina-
instrumento segue uma lógica específica de organiza- dequações). E foi atribuído o conceito “R” para
ção, apresentada a seguir: conteúdos em sintonia com a proteção dos direi-
Houve o esforço e a preocupação constante em tos humanos, a valorização de uma cultura de paz,
tentar associar ao formulário a necessidade de tor- de elementos educativos e culturais ou mesmo de
nar pública a Classificação Indicativa em função de uma maior contextualização de questões comple-
faixas etárias (10, 12, 14, 16 e 18 anos), como tem xas como sexo, drogas e violência (adequações).
acontecido ao longo dos últimos anos, por deter-
4 Há diversas formas de se chegar – a partir da atribuição de Es e Rs – às
minação legal. Entretanto, é central ressaltar que faixas de classificação etária. O somatório de Es, assim como a subtração
a principal preocupação desse instrumento está na dos Rs, pode colaborar na construção de intervalos de classificação. Também
é possível, a priori, definir elementos ou parâmetros que apontem para uma
classificação a partir de conteúdos. ou outra faixa etária, considerando situações que contribuam para elevar
Para fazer essa associação criou-se um sistema ou reduzir a classificação. Esta última opção foi adotada pelo Ministério da
Justiça na portaria editada para o cinema em 2006, informa o Manual da
pelo qual se enumeram situações que tendem a Nova Classificação Indicativa.
Um novo sistema para o Brasil
181
dicativa. Isto é, há diversas situações que dependem sangue, por exemplo) ou ao terror, pode potenciali-
de procedimentos mais próximos da análise de dis- zar o sentimento de realidade – e, portanto, de medo
curso do que da análise de conteúdo. – em relação àquela cena em particular. Daí a neces-
O silêncio, tipos de olhares ou ironias são formas sidade de sinalizar tal elemento. Aspectos como esse
tão ou mais ratificadoras de comportamentos indese- indicam uma característica central do instrumento: ele
jáveis e discriminatórios do que cenas de clara e ine- não pode ser lido a partir de cada variável isoladamente
quívoca violência, por exemplo, contra as mulheres. – ou seja, é o resultado final que deve ser considerado
Contudo, deixar aberto à subjetividade a análise de para a Classificação Indicativa definitiva da obra.
aspectos como os mencionados acima pode vulnera-
bilizar, em muito, o sistema de classificação de obras II – Formato
audiovisuais. Portanto, é importante ressaltar que A classificação quanto ao formato dos programas (veja
todas e cada uma das questões que estão contidas no as definições no Manual e Código de Fontes) não pode
instrumento proposto referem-se a elementos pre- ser entendida como neutra. Em outras palavras, o
sentes nas obras , de modo claro e indubitável. tipo de programa, por si só, pode contribuir, positiva
Os parâmetros que poderiam suscitar distintas ou negativamente, na formação integral de crianças
interpretações e que foram utilizados na construção e adolescentes. Ou, da mesma forma, simplesmente
da Ficha de Classificação estão detalhados no Manual e pode não ser adequado a crianças e adolescentes de
Código de Fontes (veja página 215). todas as idades, dadas as suas características intrín-
secas. Nesse sentido, foram demarcados como pro-
I – Identificação básica gramas que devem contribuir para o aumento da clas-
A primeira parte do instrumento de classificação sificação etária:
– Identificação Básica do Material em Análise – é auto- Colunismo social – programas pautados exclu-
explicativa, dispensando maiores detalhamentos, sob sivamente em “fofocas” e nos acontecimentos
pena de dizermos o já dito. Merece um pequeno co- correlacionados à vida das celebridades podem
mentário o fato de termos atribuído letra “E”, ou seja, reforçar o culto à imagem, a valorização da posse
contribuindo para a elevação da Classificação Indicati- de bens materiais e o culto ao corpo. Em suma,
va da obra, para aquelas que sejam exibidas em cores. não acrescentam nada de relevante, nem mesmo
É claro que este recurso (a cor), por si só, não interfere entretenimento, à formação de crianças e adoles-
no desenvolvimento integral de crianças e adolescen- centes – logo indica-se que não são apropriados
tes. Entretanto, quando é associado à violência (com a todas as faixas etárias. O livro Na Sala de Espera
Um novo sistema para o Brasil
183
– A Cobertura Jornalística sobre Promoção de Saúde das a participar, pela violência como solução de
e Direitos Reprodutivos na Adolescência, publicado conflitos e pela exploração dos participantes,
em 2006 pela Agência de Notícias dos Direitos da conteúdos que devem ser evitados na formação
Infância (ANDI) e Cortez Editora, com o apoio da de crianças e adolescentes.
Fundação W. K. Kellogg, traz uma longa discussão Reality shows – também foram sinalizados com o
acerca dos problemas envolvidos no culto à ima- objetivo de aumentar a Classificação Indicativa.
gem, ao corpo e ao consumo. Esses programas tendem a conter elementos tan-
Documentários – receberam uma pontuação positiva to de atrações de colunismo social (valorização do
que indicava a importância deste gênero. Além dis- corpo e da busca de sucesso material a qualquer
so, o objetivo era sinalizar que determinados con- custo), como de programas por vezes rotulados
teúdos (como a violência) exibidos em documen- como “mundo-cão” (exposição dos participantes a
tários devem ser considerados de maneira distinta cenas constrangedoras e humilhantes).
dos mesmos conteúdos exibidos na programação Sorteios, Telecompras e Publicidade – foram indi-
de entretenimento. cados como potencialmente inadequados para
Programas educativos – também foram sinalizados crianças e adolescentes. Diversas democracias
no sentido de redução da Classificação Indicativa ocidentais consolidadas têm proibido (Suécia,
a eles atribuída, em consonância com a Constitui- por exemplo) ou regulado fortemente (Ingla-
ção, de forma a valorizar a sua relevância. terra, em um outro caso) a publicidade voltada
Informativos – foram demarcados com um sinal para crianças e adolescentes. A suposição é que
de redução da classificação, também em res- a programação publicitária pode gerar um con-
peito ao que reza a Constituição, valorizando a sumismo exacerbado, responsável por proble-
sua importância. mas tão diversos como depressão e obesidade. É
Programas que trabalham com o sensacional na importante assinalar, contudo, que os interva-
vida cotidiana – esses programas, freqüente- los comerciais, ao menos por enquanto, não são
mente associados por especialistas e pela lite- objeto da Classificação Indicativa, a despeito
ratura da área à expressão “mundo-cão”, foram desta ser uma preocupação de distintos grupos
penalizados, elevando-se a Classificação Indi- de interesse. Vale sublinhar que há situações es-
cativa dos mesmos. Via de regra, tais programas drúxulas: cenas presentes em algumas peças pu-
são pautados pela exibição de cenas que resul- blicitárias (muitas vezes de apelo sexual ou com
tam no constrangimento das pessoas convida- discriminação de gênero) acabam por ser inse-
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
184
ridas em faixas de horário que não seriam reco- drama, ficção científica, procedimentos médi-
mendadas caso estas mesmas cenas estivessem cos, surrealismo.
sendo veiculadas em um programa regular. Por
estes e outros motivos, o conteúdo publicitário IV – Conteúdo violento
é cada vez mais alvo das atenções de psicólogos, A não-apresentação de conteúdo violento é um fator
médicos, educadores, legisladores, pais, parce- valorizado pelo presente instrumento de pesquisa.
la da sociedade civil organizada e demais grupos Conforme pudemos observar anteriormente, os es-
que se ocupam da defesa dos direitos das crian- tudos mais recentes da Academia Americana de Pe-
ças e adolescentes. diatria e os dados mais atualizados utilizados como
referência pelo governo daquele país revelam uma
III – Gênero e conteúdo ampla generalização desse tipo de material pela pro-
Os gêneros ou conteúdos temáticos das obras em gramação televisiva. Ainda que crianças e adolescen-
análise podem ser entendidos, para efeitos do sis- tes sejam impactados diferentemente por distintos
tema de classificação, de maneira semelhante à ló- conteúdos violentos – muitos deles, inclusive, perti-
gica acima aplicada aos formatos destas obras e/ou nentes, já que a violência é parte da realidade – torna-
programas. Assim, alguns possuem, a priori, uma se necessário apontar claramente à sociedade aquelas
indicação de que são positivos (portanto, a classifi- programações que não fazem uso desse tipo de tema.
cação pode ser reduzida) – caso do gênero educativo Por outro lado, vale a pena reiterar que nem todo
(arte, ciência e tecnologia, histórico) – e, nesse caso, conteúdo violento apresenta a mesma potencia-
o acesso a eles deve ser estimulado. Em outros, o gê- lidade de causar impactos negativos nos públicos
nero indica um aspecto negativo, já que por defini- infanto-juvenis. A histórica tradição dos contos de
ção sinaliza a presença de conteúdo: fada, por exemplo, salienta a importância do públi-
Violento – artes marciais, aventura de assalto, co infantil lidar com seus medos – ou com a morte
aventura de guerra, aventura policial, capa-es- de seus monstros, para utilizarmos a expressão do
pada, faroeste, filme-catástrofe, guerra, gângs- jornalista, crítico cultural e escritor Gerard Jones. A
ter, policial. idéia central – como já foi relatado na primeira parte
Sexual – erótico, pornográfico. desta publicação – é que há um elemento relevante
Geradores de medo e apreensão – suspense, terror. na socialização de crianças inserido nas versões ori-
De difícil compreensão para algumas faixas etá- ginais de contos de fadas, muitas delas com intensas
rias – comédia de humor negro, todos os tipos de descrições de comportamentos violentos.
Um novo sistema para o Brasil
185
incontestável da mídia, a criação de uma esfera pú- informadas do conteúdo sexual, podem tomar a deci-
blica de discussões acerca das questões da sexuali- são inquestionável de proibir ou permitir o contato de
dade está muito mais consolidada hoje do que esteve seus filhos e filhas com o programa.
no passado. Assim como para os casos de classificação da vio-
Dito isso, é preciso assinalar que a mesma tradi- lência, algumas questões relevantes também devem ser
ção de pesquisas, responsável por apontar potenciais observadas na análise de obras que contenham cenas
conseqüências negativas da exposição de crianças e de sexo e nudez:
adolescentes à violência na mídia, sugere conexões, Dimensão do conteúdo e relevância para o enten-
no mínimo preocupantes, em relação ao conteúdo dimento da trama.
sexual. Segundo o que já discutimos, levantamentos Tipo de nudez ou conteúdo sexual apresentado.
conduzidos nos Estados Unidos associam o consu- Cenas de incesto são especialmente problemáticas
mo precoce de conteúdos com conotação sexual com para a compreensão do público infanto-juvenil,
a igualmente prematura iniciação sexual e taxas mais daí a sua análise em separado e o seu peso na ele-
elevadas de gravidez na adolescência, por exemplo. vação da Classificação Indicativa.
De maneira semelhante ao que defendemos A identificação do estupro como comportamento
para o caso da violência, não é qualquer exibição de decorrente da paixão, excitação sexual e/ou con-
conteúdo sexual que deve ser taxada como inapro- sumo de drogas é altamente reprovável e proble-
priada. O sexo faz parte da vida dos adolescentes mática, pois pode descaracterizar o ato criminoso
e deve vir a ser, para muitos deles, um comporta- envolvido, justificando aquilo que não deveria ser
mento saudável, se a informação adequada estiver justificado e, eventualmente, colaborando para o
disponível – inclusive por meio do entretenimen- sentimento de culpabilização da vítima.
to. Novamente, portanto, o contexto é a chave para Repetidas inserções da mulher na condição de
distinguir os diferentes elementos presentes nas objeto do homem caracterizam um conteúdo com
cenas envolvendo sexo e nudez. elevado desrespeito às questões de gênero.
Em princípio, a simples apresentação de imagens e A associação constante do sexo com promiscuidade
narrativas contendo esse tipo de conteúdo deve ser in- e traição ofusca o fato de que o mesmo pode estar
dicada e contabilizada para efeito de elevação das faixas correlacionado a outros tipos de comportamento,
etárias às quais os programas são recomendados, já que o que pode passar uma visão altamente limitada
nem todos os públicos devem ter acesso a esse tipo de e equivocada para a construção da sexualidade de
cenas. Da mesma maneira, muitas famílias, ao serem crianças e adolescentes.
Um novo sistema para o Brasil
189
Assim como nos casos do conteúdo violento, o en- mativa e/ou educativa. As drogas fazem parte da reali-
volvimento de crianças e adolescentes na cena e os dade social, logo cidadãos e cidadãs (maiores ou me-
aspectos técnicos necessitam ser avaliados. nores de 18 anos) necessitam ser expostos ao assunto.
Por outro lado, situações que apresentam o uso O desafio está em como fazê-lo. Por isso mesmo, em
de preservativo e de anticoncepcionais, que consonância com os outros dois temas discutidos an-
abordam as doenças sexualmente transmissí- teriormente, voltamos a sinalizar a relevância de se-
veis, as questões relativas à gravidez ou aspectos rem distinguidas as produções que trazem uma abor-
de educação sexual – enfim, que apresentam um dagem mais aprofundada daquelas que unicamente
contexto mais amplo – devem ser valorizadas e exponham o consumo dessas substâncias.
destacadas daquelas que veiculam somente o
sexo casual e desconectado desses outros impor- VII – Discriminação
tantes elementos. A presença de cenas envolvendo situações de discri-
minações dos mais diversos tipos – muito freqüente-
VI – Cenas mente, por meio da apresentação de estereótipos des-
envolvendo drogas qualificadores – atenta contra os direitos humanos e,
O potencial estímulo ao consumo de drogas (legais e logo, não contribui para a formação de uma cultura de
ilegais) é especialmente complicado quando estamos paz e de respeito mútuo entre crianças e adolescentes.
nos dirigindo a audiências infanto-juvenis. Em geral, Nesse sentido, a presença desses conteúdos deve ser
considerando a importância da televisão para as es- fortemente criticada.
colhas feitas por crianças e adolescentes e dada a sua Entretanto, aqui também é fundamental apontar
característica socializadora, a decisão de se enveredar potenciais contextos minimizadores da utilização de
pelo consumo dessas substâncias pode não estar sen- cenas envolvendo discriminação. Trata-se dos casos
do tomada a partir de todas as informações relevantes, em que elas podem ter sido usadas com o objetivo de
ou seja, sob a ótica dos riscos e também dos prazeres. condenar o comportamento equivocado, o que, por
Em outras palavras, é preciso garantir que os distintos certo, resultará em uma boa contribuição à formação
públicos tenham uma informação completa em relação de crianças e adolescentes.
às variáveis envolvidas no consumo de drogas legais e
ilegais, e não um enquadramento parcial da questão. VIII – Linguagem
Por outro lado, não se pode evitar uma discussão A linguagem utilizada nos conteúdos audiovisuais
sobre o tema, ainda que fora da programação infor- é um elemento importante para reforçar ou mini-
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
190
mizar determinadas mensagens veiculadas pelas televisiva direcionada às crianças e aos adolescen-
obras analisadas. tes. Os elementos analisados consideram os prin-
Da mesma forma que ocorre com outros conteúdos cípios que o Brasil decidiu avalizar por meio de sua
específicos, deve haver uma diferenciação na escala Constituição, de legislações infraconstitucionais e
de idades quanto ao recomendável acesso a determi- dos tratados internacionais que ratifica. Além des-
nados tipos de linguagem (oral ou gestual). Ou seja, ses documentos, a construção do tópico sobre as
crianças e adolescentes de determinadas faixas etá- adequações levou em conta as sugestões feitas pelo
rias – dado o seu estágio de desenvolvimento na co- órgão regulador chileno.
munidade, na sociedade, no sistema escolar – estão A idéia central desses critérios de análise é valo-
mais preparadas para interagir com certos tipos de rizar as obras que tragam comportamentos positivos.
uso da linguagem do que outras. Ou seja, programas que ressaltem atitudes capazes de
O tipo de linguagem utilizada é também uma infor- contribuir para transformar crianças e adolescentes
mação importante para ampliar o poder de escolha dos em indivíduos mais harmônicos com o restante da
pais ou responsáveis em relação à programação. En- sociedade e respeitadores dos direitos humanos.
quanto para algumas famílias há um problema no acesso Da mesma forma que a programação inapro-
a termos obscenos; para outras, esta pode não ser uma priada pode prejudicar o desenvolvimento integral
questão relevante. Assim sendo, a identificação desse de crianças e adolescentes, é verdade também que
tipo de linguagem na programação permitirá a escolha conteúdos “apropriados”, “positivos”, “adequados”
bem-informada dos pais a respeito de que conteúdos – seja qual for a denominação – podem contribuir
seus filhos devem assistir ou não. Além disso, algumas significativamente para a proteção dos direitos hu-
formas de expressão lingüística (ainda que totalmente manos desse segmento da população, segundo o que
longe de serem inadequadas) podem indicar que de- já discutimos anteriormente.
terminados públicos mais jovens (crianças pequenas) Por isso, buscamos salientar a necessidade de
terão dificuldades em compreender o conteúdo que valorizar produções audiovisuais que estejam se
está sendo exibido. É o caso das gírias, ironias, metá- ocupando em transmitir mensagens importan-
foras e linguagem técnica, por exemplo. tes para a formação de meninos e meninas. Desde
uma perspectiva micro (conteúdos que estimulem
IX – Adequações o cuidado com a higiene pessoal, por exemplo) até
Por fim, o instrumento de classificação traz uma uma perspectiva macro (materiais que investem na
lista de conteúdos desejáveis para a programação valorização de uma cultura de paz).
Um novo sistema para o Brasil
191
sentação da classificação e quanto ao fuso horário, população quanto à qualidade da programação tele-
devem ser rapidamente implementadas pelo Mi- visiva. Um canal do tipo 0800 precisa estar à dispo-
nistério também para o caso da Classificação para a sição dos cidadãos e cidadãs e ser amplamente di-
tevê – o que está prometido para o final de 2006. vulgado. As reclamações, sugestões e elogios devem
Evitar a transferência de responsabilidades: apoiar a re- ser sistematizados e periodicamente divulgados.
gulamentação da lei do V-CHIP é um caminho inevi- Co-regulação: o caminho da auto-regulação do
tável para o Ministério; não obstante, é preciso con- sistema, conforme já comentamos em nossas
trapor-se, a todo custo, ao argumento de que a res- reflexões conceituais, é possível de ser trilhado
ponsabilidade pela regulação dos conteúdos audiovi- e, não por outra razão, tem-se verificado uma
suais deve estar exclusivamente com as famílias. política nessa direção, adotada por diversas na-
Caminho da transparência: seguir o já bem-sucedido ções. Porém, reforçamos que uma estratégia de
propósito de oferecer a maior transparência a todos transferir às empresas de comunicação o dever
os processos que estão sendo adotados, o que colabo- de classificarem seus próprios conteúdos deve
ra muito para evitar retrocessos no âmbito da imple- estar balizada muito rigorosamente nos parâme-
mentação da política de Classificação Indicativa. tros aqui delineados. Ademais o Ministério não
Chamadas dos programas: uma outra questão especí- pode perder as rédeas do processo, funcionan-
fica, porém central, refere-se à classificação dos spots do sempre como um dispositivo de emergência,
que anunciam programas de televisão a serem exi- caso a auto-regulação falhe. Nesse sentido, deve
bidos posteriormente. É importante que estes spots realizar o monitoramento periódico e aleatório
também sigam a lógica da Classificação Indicativa, ou da programação televisiva, bem como ampliar os
seja, não faz sentido anunciar um filme que é classi- canais de contato com os outros grupos de inte-
ficado para 18 anos no horário da programação livre. resse (ou seja, para além das emissoras).
Educação para a Classificação Indicativa: somente Cooperação com as escolas: a discussão anterior-
uma ampla campanha – com distintos elementos e mente traçada – sobre a importância de tratar con-
estratégias – de profundo convencimento das fa- teúdos aparentemente idênticos (como no caso da
mílias, crianças e adolescentes e profissionais en- violência, por exemplo) a partir de suas especifi-
volvidos na atenção a esses públicos poderá tornar a cidades e de seus contextos – necessita urgente-
Classificação Indicativa eficiente, eficaz e efetiva. mente ser inserida nas salas de aula. O Ministério
Criação de um serviço de ombudsman: o Ministério da Justiça, em associação com a Secretaria Especial
deve assumir efetivamente a função de ouvidor da de Direitos Humanos e com o Ministério da Edu-
Um novo sistema para o Brasil
193
cação, pode colaborar para impulsionar um amplo inúmeros sistemas de classificação, a serem elabo-
movimento nacional de educação para a mídia. rados, por grupos de interesses específicos, para os
Classificação universal: a maioria das pesquisas so- seus próprios stakeholders. Ou seja, caso determina-
bre o tema indica que a classificação pública deve dos grupos da sociedade – por questões ideológicas,
ser uma só, exibida em um mesmo formato e uma religiosas ou culturais – queiram emitir classifica-
mesma linguagem – inclusive quando se conside- ções alternativas, fundamentadas em seus princí-
ram o cinema e os diversos tipos de jogos. Clas- pios éticos e morais, para os públicos com os quais
sificações diferenciadas acabam por confundir as dialogam e/ou se identificam, devem ser estimula-
famílias e reduzir a eficácia do sistema. dos a tanto, com vistas a democratizar ainda mais o
Pesquisas: o Ministério deve estar preparado para processo de escolha dos conteúdos audiovisuais.
apoiar a condução de investigações científicas
que compreendam melhor os efeitos da televisão
sobre as crianças e adolescentes brasileiros. Vi-
vemos em um significativo vácuo nessa seara.
Constituição de uma rede: o Ministério da Justiça
Conceitos utilizados
deveria investir na formação de uma rede nacional na Ficha de Classificação
de instituições interessadas no tema da classifi-
cação, a fim de socializar a difícil tarefa de moni-
torar os conteúdos midiáticos em todas as regiões E (elevar): conceito atribuído para variáveis
brasileiras e em relação às infinitas formas de vio- que vão na contramão de uma programação
lação de direitos que podem ser perpetradas pela apropriada para o público infanto-juvenil
programação. Talvez a criação de um Conselho Su- (inadequações) – contribui para o aumento
perior Consultivo ou Deliberativo, nos moldes de da classificação etária da obra.
outros já existentes, possa ser uma alternativa para R (reduzir): conceito que indica que a progra-
ampliar, democratizar e legitimar o debate a partir mação em questão apresenta poucas inade-
dos interesses de grupos conflitantes da sociedade quações ou, até mesmo, conteúdos positivos
(em anexo, trazemos uma breve lista de instituições para as diversas audiências – contribui para a
que devem ser consideradas nesse tipo de proposta). diminuição da classificação etária da obra.
Capacitação de redes de classificadores: o instrumen-
to ora proposto pode ser a base para a edificação de
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
194
( ) A violência é perpetrada por personagens de imagem valorizada (os mais bonitos, os mais sadios, os
295. E
mais inteligentes, os heróis).
Manual e
Código de Fontes
Os conceitos apresentados a seguir foram elaborados, em sua maioria, a partir de uma extensa consulta à literatura da
área – tanto à bibliografia teórica e conceitual como a trabalhos existentes de pesquisa. É importante esclarecer, entretanto,
que o conjunto de definições reunido não possui um caráter conclusivo – ou seja, não pretende esgotar todas as possíveis in-
terpretações para os tópicos descritos nas próximas páginas. A proposta deste documento é, antes de mais nada, oferecer um
mapa conceitual para os operadores da Classificação Indicativa, de forma a que possam construir sua atividade cotidiana
segundo uma mesma lógica. Assim, evita-se que os parâmetros necessários à operação do processo de classificação sejam
lidos de maneiras distintas. Cabe ainda esclarecer que nem todos os elementos que integram a Ficha de Classificação In-
dicativa estão listados nos tópicos deste manual, visto que alguns conceitos foram melhor delineados no decorrer do texto
que descreve esse instrumento (veja seção “A ficha em detalhes”, na página 181) e outros estão explicados ao longo da
própria ficha. Há também tópicos para os quais se avaliou não haver necessidade de maiores esclarecimentos.
programa a possibilidade de abarcar uma diversida- se gênero. Além de possibilitarem mudanças de am-
de de formatos – como clipes, debates, entrevistas, bientação no programa, tais incursões permitem que
reportagens, entre outros. se entrevistem cozinheiros de diversos lugares e chefs,
maîtres ou proprietários de restaurantes.
Colunismo social
Misto de programa institucional, talk show e telecom-
pra, o colunismo social é voltado para o entreteni- Categorias e gêneros
mento, não se confundindo, por essa razão, com pro- da televisão brasileira
gramas de entrevistas de cunho informativo.
Categoria Gênero
Via de regra, esse tipo de programação está cen-
trado nas chamadas celebridades e nos diversos es- Auditório Novela
Colunismo social Quiz show
paços sociais nos quais elas estão, freqüentemente, Culinário (perguntas e
presentes (festas, encontros, lançamentos de filmes, Desenho animado respostas)
Esportivo Reality show
entre outros). Entretenimento Filme Revista
O programa volta-se, na maioria dos casos, para Game show Série
Humorístico Sitcom (comédia de
questões da vida privada destas mesmas celebrida- Infantil situações)
des (por exemplo: roupas que estão utilizando, rela- Interativo Talk show
Musical Variedades
ções amorosas, etc.) e para seus trabalhos profissio-
nais, bem como para os eventuais patrocinadores dos Debate
eventos nos quais elas se encontram. Informação Documentário
Entrevista
mensões cognitivas e intelectuais, seja as emocionais e programa conta com a participação de um entrevista-
sociais). Da mesma forma, podem ser classificadas nesta do a cada atração. Entretanto, nos casos em que abor-
categoria aquelas atrações que buscam apoiar as ativida- da a discussão de uma temática específica, costuma
des do sistema de ensino regular ou capacitar mão-de- contar com a presença de mais convidados.
obra para o exercício de determinadas funções. Em ou-
tras palavras, aqueles programas que visam a reproduzir Especial
o espaço, o formato e o conceito da “sala de aula” na tela Produção que foge aos padrões comumente utilizados
da televisão. e que, para atrair o público, aproveita-se de um tema
Portanto, aulas com linguagem televisiva, telecursos em voga e traz uma retrospectiva ou um apanhado ge-
e alguns programas infantis são exemplos de obras de ral de informações sobre determinada questão. São,
caráter educativo. Para alcançar seus objetivos, utilizam portanto, de duração mais longa, centrando-se em
variados formatos: auditório, reportagens, entrevistas um assunto, pessoa ou instituição.
com professores e especialistas, documentários, etc. Datas comemorativas (os chamados especiais de
De maneira geral, os programas educativos – in- fins de ano), aniversários de emissoras e de artistas,
dependentemente dos conteúdos e formatos que uti- assim como aqueles programas produzidos particu-
lizam – costumam lançar mão de um elemento peda- larmente em função de um acontecimento – como,
gógico para tratar dos temas em foco, valendo-se de por exemplo, a morte de personalidades importantes
uma situação similar à relação professor–aluno como – são os principais filões dos especiais. Em geral, tra-
eixo condutor central da produção. zem no próprio título a expressão “especial”.
Entrevista Esportivo
Tipo de programa em que um ou mais entrevistadores São programas que exploram o esporte como tema cen-
fazem perguntas a um entrevistado, buscando saber tral. Podem ter uma abordagem informativa, educativa
mais informações sobre sua vida ou sobre um assunto ou de entretenimento. Muitos deles têm formato jorna-
de seu domínio. Pode fazer uso de pequenas reporta- lístico e mantêm apresentadores, repórteres e entrevis-
gens para auxiliar o entendimento do tema abordado. tados no estúdio. São muito apresentados também em
Costuma diferir do talk show (veja página 222) por forma de documentário, debate e mesa-redonda.
apresentar uma relação mais formal entre entrevis- No Brasil, a maioria desses programas tem como foco
tador e entrevistado e por não agregar elementos de o futebol, mas também há espaço para os demais espor-
programas de auditório. De modo geral, este tipo de tes, principalmente na cobertura de competições.
Manual e Código de Fontes 219
Programas que trabalham com o – escondidas ou não – e exibidas ao público. Esse gê-
sensacional na vida cotidiana nero geralmente é apresentado em capítulos diários
São programas de variedades com características bas- ou semanais, havendo, por vezes, determinadas oca-
tante específicas: utilizam-se, em geral, do grotesco siões em que a exibição do programa é mais longa.
e do bizarro para angariar audiência. Guiados, via de Geralmente, é feita uma edição dos acontecimentos
regra, pelo sensacionalismo ao tratar de fatos que são, de cada dia que, na visão da direção do programa,
por certo, sensacionais, colocam na telinha os mais mereceram ser destacados ao público. Essa monta-
diversos tipos de desastres e conturbações: brigas de gem, que vai ao ar em horários específicos, usa re-
família, crimes, pessoas em situações constrangedo- cursos como a interatividade, as competições com
ras, deficientes físicos e mentais em dificuldade, etc. provas de resistência ou astúcia entre os participan-
Apesar disso, muitas vezes se autodenominam jor- tes e a narração em off, entre outras estratégias, para
nalísticos, de serviço ou de debate. Em boa parte da garantir a atenção da audiência. Além disso, utiliza-
literatura da área, esse gênero de programa é deno- se o formato de videoclipe para acentuar a emoção de
minado como “mundo-cão”. certas situações.
seus elementos (valorizando, é claro, o seu aspecto Atrações desse tipo comportam quadros humo-
de show), esse tipo de atração tem como principal rísticos, musicais, game shows, quiz shows, entre-
foco a casualidade e a espontaneidade da conversa vistas em estúdio e reportagens. Além disso, são
entre o apresentador e o entrevistado, transmitindo produções que primam pela interatividade com
ao espectador uma sensação de intimidade emocio- o público.
nal e de bom humor. Como comentado anteriormente, o formato Va-
A versatilidade desse gênero – geralmen- riedades não prioriza a abordagem informativa em
te conduzido no formato de auditório – permite seus quadros.
que se trate de temas diversos (por exemplo: es-
porte, literatura, cinema e política) em um mes- Outros
mo programa. São programas que não se encaixam em nenhuma das
descrições anteriores. Entretanto, devem ter sua des-
Telecompra crição elaborada pelo analista no formulário de Clas-
Tipo de programa em que o apresentador tem como sificação Indicativa.
objetivo convencer os telespectadores a comprar algo
por ele anunciado. Normalmente, as compras são fei-
tas por telefone e com pagamento no cartão de crédito.
Os apresentadores dessas atrações repetem, de
forma exaustiva, as vantagens da aquisição do pro-
duto anunciado e abrem espaço para testemunhos
de consumidores. Além dessa estratégia, tais pro-
gramas utilizam entrevistas com especialistas e pes-
soas famosas para convencer o espectador de que o
produto é confiável.
Variedades
São muito similares aos programas de auditório,
podendo contar até com uma platéia – elemento
que, quando ausente, é substituído por recursos de
sonorização como palmas e risadas, por exemplo.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
224
Esclarecimentos sobre
alguns conceitos
difusão ou televisão, assim como suas afiliadas e reali- Comportamentos/conteúdos que valorizem a beleza
zada por produtor local, seja pessoa física ou jurídica. física e/ou do corpo como condição para uma vida
Produção Independente: aquela realizada por pro- mais feliz e/ou para a aceitação social ou no grupo
dutor ou produtora que não tenha qualquer rela- Situações em que modificações no corpo (por exemplo,
ção econômica ou de parentesco próximo com os cirurgias plásticas) ou adoção de comportamentos (por
proprietários, quotistas ou acionistas da emissora exemplo, dietas) são valorizadas como os únicos ou mais
exibidora, seja pessoa física ou jurídica. importantes caminhos a serem seguidos para o alcance
de uma vida “melhor”. Isto sem que, ao mesmo tempo,
Inadequações sejam apresentados riscos inerentes a essas estratégias
Este item funciona como uma antítese do tópico anterior. São (como anorexia, bulimia, entre outros). Outra situação
os comportamentos e conteúdos que não deveriam estar sen- comum a esse tipo de comportamento é a definição de
do valorizados na interação da mídia com o público infanto- padrões de beleza e estética corporal muito restritos, ge-
juvenil. Seguem alguns exemplos: ralmente, associados a personagens com biótipo especí-
fico, apresentado como modelo a ser seguido por todos.
Comportamentos repreensíveis/não desejáveis
São contextos/cenas/diálogos que exemplificam, va- Merchandising comercial
lorizam ou estimulam comportamentos tais como É uma tática promocional que deve integrar ou atuar
irresponsabilidade, egoísmo, desonestidade, desres- conjuntamente com outros instrumentos, como a pu-
peito para com os demais, manipulação, preconceito, blicidade. Utiliza quatro modelos básicos:
ameaça, fuga de conflitos, entre outros, sem que, ao 1. Menção no texto: quando os personagens falam o
mesmo tempo, haja uma clara mensagem de repúdio nome da marca ou produto em um diálogo.
a tais práticas. 2. Uso do produto ou serviço: quando a cena mostra a
utilização de determinado produto ou serviço pelo
Comportamentos/conteúdos que identifiquem o personagem – marca e modelo são destacados.
consumo como forma de valorização social/pessoal 3. Conceitual: a personagem explica para o outro as
e de alcance da felicidade vantagens, inovações, relevâncias e preços do pro-
Cenas e/ou diálogos que apresentem a posse de deter- duto ou serviço.
minado bem e/ou serviço como condição indispensá- 4. Estímulo visual: o produto ou serviço é mostrado de
vel para o alcance de uma situação com qualidade de forma a ser apreciado, visto no contexto da totalida-
vida superior à atual, seja ela qual for. de da cena, devidamente explorado pela câmera.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
228
Lista de países
Códigos a serem utilizados no preenchimento da Ficha de Classificação (campo I-4), referente ao país de origem do
material analisado:
168. Somália
80. Guatemala 110. Lituânia 140. Palestina
169. Somalilândia
81. Guiana 111. Luxemburgo 141. Panamá
170. Sri Lanka
82. Guiné 112. Macedônia 142. Papua Nova Guiné
171. Suazilândia
83. Guiné-Bissau 113. Madagascar 143. Paquistão
172. Sudão
84. Guiné Equatorial 114. Malásia 144. Paraguai
173. Suécia
85. Haiti 115. Malaui 145. Peru
174. Suíça
86. Holanda 116. Maldivas 146. Polônia
175. Suriname
87. Honduras 117. Mali 147. Portugal
176. Tailândia
88. Hungria 118. Malta 148. Quênia
177. Taiwan
89. Iêmen 119. Marrocos 149. Quirguistão
178. Tadjisquistão
90. Índia 120. Ilhas Marshall 150. Reino Unido 179. Tanzânia
91. Indonésia 121. Mauritânia 151. República de 180. Timor Leste
92. Irã 122. México Maurício 181. Togo
93. Iraque 123. Micronésia 152. Romênia 182. Tonga
94. Irlanda 124. Moçambique 153. Ruanda 183. Transnístria
95. Islândia 125. Moldávia 154. Rússia 184. Trinidad e Tobago
96. Israel 126. Mônaco 155. Ilhas Salomão 185. Tunísia
97. Itália 127. Mongólia 156. Samoa 186. Turcomenistão
98. Jamaica 128. Myanmar 157. Santa Lúcia 187. Turquia
99. Japão 129. Namíbia 158. São Cristóvão e Névis 188. Tuvalu
100. Jordânia 130. Nauru 159. São Marino 189. Ucrânia
101. Kiribati 131. Nepal 160. São Tomé e Príncipe 190. Uganda
102. Kuwait 132. Nicarágua 161. São Vicente 191. Uruguai
103. Laos 133. Níger e Granadinas 192. Uzbequistão
104. Lesoto 134. Nigéria 162. Saara Ocidental 193. Vanuatu
105. Letônia 135. Noruega 163. Senegal 194. Cidade do Vaticano
106. Líbano 136. Nova Zelândia 164. Serra Leoa 195. Venezuela
107. Libéria 137. Omã 165. Sérvia e Montenegro 196. Vietnã
108. Líbia 138. Ossétia do Sul 166. Seychelles 197. Zâmbia
109. Liechtenstein 139. Palau 167. Síria 198. Zimbábue
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
230
Lista de idiomas
indiomas
Códigos a serem utilizados no preenchimento da Ficha de Classificação (campo I-3), referente ao idioma principal do
material analisado:
Lista de instituições
A lista publicada a seguir representa o resultado de uma reflexão inicialmente realizada pela ANDI e, nesse sentido,
não pretende esgotar as possibilidades de interlocução no que se refere aos processos de implementação da Classifica-
ção Indicativa. O objetivo aqui é, sobretudo, sublinhar a necessidade de ampliar o debate e a quantidade de grupos de
interesse contemplados pelo principal órgão regulador da matéria, o Ministério da Justiça. Cabe ressalvar que os órgãos
públicos (demais poderes do Estado, ministérios, autarquias, dentre outros) – altamente relevantes para esta discus-
são, conforme já tivemos a oportunidade de salientar – não foram aqui apontados, pois sua incorporação ao processo
está associada a uma estratégia a ser melhor desenvolvida pelo próprio Poder Público, além de ser regida por um modus
operandi particular e especial da administração pública.
zação de estudantes universitários para a análise crí- profissional que atua nas áreas da Comunicação e da
tica acerca dos conteúdos midiáticos destinados ao Educação. O Centro tem como missão promover o
público infanto-juvenil. Além de integrar o Obser- pensamento crítico sobre a mídia e contribuir para
vatório de Mídia para Criança e Adolescente, o Grim a melhoria da qualidade da programação televisiva
desenvolve seminários e debates na área e busca e demais mídias eletrônicas destinadas a crianças e
estimular a produção de trabalhos acadêmicos que adolescentes. Suas ações visam a debater parâmetros
tragam reflexões acerca dos novos significados da de qualidade, valorizando bons programas e dando
infância e da juventude, a partir do acesso à mídia. visibilidade aos patrocinadores, emissoras e profis-
sionais conscientes.
LABORATÓRIO DE PESQUISA
SOBRE INFÂNCIA, IMAGINÁRIO MNMMR – MOVIMENTO NACIONAL DE
E COMUNICAÇÃO (LAPIC-USP) MENINOS E MENINAS DE RUA
www.eca.usp.br/nucleos/lapic www.mnmmr.org.br
O Lapic é um laboratório de pesquisas que pertence ao O MNMMR é um movimento social, fundado em
Departamento de Comunicações e Artes da Universi- 1985, a partir das experiências inovadoras do Pro-
dade de São Paulo e atua desde 1994 na produção cien- jeto Alternativo de Atendimento aos Meninos e
tífica acerca da relação entre tevê e infância. O Labo- Meninas de Rua. O Movimento surgiu do desejo
ratório desenvolve seus trabalhos a partir da concep- dos próprios meninos e meninas, em situação de
ção de que a televisão é uma realidade que precisa ser rua, que se uniram a educadores na intenção de
incorporada à educação das crianças, visando a uma criar espaços de articulação para os programas de
consciência crítica, obtida através da criação de proce- atendimento. Trabalha com o objetivo de que todos
dimentos didáticos. Entre as iniciativas desenvolvidas os meninos e meninas sejam cidadãos, sujeitos de
está a pesquisa Desenho Animado na TV: Mitos, Símbolos direitos legítimos e protagonistas em decisões so-
e Metáforas. bre sua própria vida, sua comunidade e a sociedade
em geral.
MIDIATIVA – CENTRO BRASILEIRO DE
MÍDIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES OBSERVATÓRIO DE FAVELAS
www.midiativa.org.br www.observatoriodefavelas.org.br
Criado em 2002, o Midiativa é uma associação civil Rede sociopedagógica composta por professores uni-
sem fins lucrativos, formada por um grupo multi- versitários, estudantes e organizações comunitárias com
Anexo 1
235
imprensa e de expressão do pensamento. Defenderá, veis, aos quais cabe o dever de impedir, a seu juízo, que
igualmente, a unidade política do Brasil, a aproxima- os menores tenham acesso a programas inadequados,
ção e convivência pacífica com a comunidade interna- tendo em vista os limites etários prévia e obrigatoria-
cional e os princípios da boa educação moral e cívica. mente anunciados pela orientação do público.
Artigo 3 – Somente o regime da livre iniciativa e con- Artigo 7 – Os programas transmitidos não advoga-
corrência, sustentado pela publicidade comercial, rão discriminação de raças, credos e religiões, assim
pode fornecer as condições de liberdade e indepen- como o de qualquer grupo humano sobre outro.
dência necessárias ao florescimento dos órgãos de
opinião e, conseqüentemente, da radiodifusão. A Artigo 8 – Os programas transmitidos não terão
radiodifusão estatal é aceita na medida em que seja cunho obsceno e não advogarão a promiscuidade ou
exclusivamente cultural, educativa ou didática, sem qualquer forma de perversão sexual, admitindo-se
publicidade comercial. as sugestões de relações sexuais dentro do quadro da
normalidade e revestidas de sua dignidade específica,
Artigo 4 – Compete especialmente aos radiodifuso- dentro das disposições deste Código.
res prestigiar e envidar todos os esforços para a ma-
nutenção da unidade da ABERT como órgão nacional Artigo 9 – Os programas transmitidos não explorarão
representante da classe, assim como das entidades o curandeirismo e o charlatanismo, iludindo a boa fé
estaduais ou regionais e sindicatos de classe. do público.
Artigo 6 – A responsabilidade das emissoras que trans- Artigo 11 – A violência e o crime jamais serão apre-
mitem os programas não exclui a dos pais ou responsá- sentados inconseqüentemente.
240 Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
Artigo 12 – O uso de tóxicos, o alcoolismo e o vício forma explícita temas sobre estupro, sedução,
do jogo de azar só serão apresentados como práticas seqüestro, prostituição e rufianismo;
condenáveis, social e moralmente, provocadoras de b) que não contenham em seus diálogos palavras
degradação e da ruína do ser humano. vulgares, chulas ou de baixo calão;
c) que não exponham ou discutam o uso e o tráfico
Artigo 13 – Nos programas infantis, produzidos sob de drogas, notadamente as alucinógenas e en-
rigorosa supervisão das emissoras, serão preserva- torpecentes, não apresentem de maneira posi-
dos a integridade da família e sua hierarquia, bem tiva o uso do fumo e do álcool;
como exaltados os bons sentimentos e propósitos, d) que não apresentem nu humano, frontal, lateral
o respeito à lei e às autoridades legalmente cons- ou dorsal, não apresentem visíveis os órgãos ou
tituídas, o amor à pátria, ao próximo, à natureza e partes sexuais exteriores humanas, não insinuem
aos animais. o ato sexual, limitando as expressões de amor
e afeto a carícias e beijos discretos. Os filmes e
Artigo 14 – A programação observará fidelidade ao programas livres para exibição em qualquer ho-
ser humano como titular dos valores universais, par- rário não explorarão o homossexualismo;
tícipe de uma comunidade nacional e sujeito de uma e) cujos temas sejam os comumente considerados
cultura regional que devem ser preservados. apropriados para crianças e pré-adolescentes,
não se admitindo os que versem de maneira rea-
Artigo 15 – Para melhor compreensão, e conseqüen- lista aos desvios do comportamento humano e de
temente observância, dos princípios acima afirma- práticas criminosas mencionadas nas letras a), c)
dos, fica estabelecido que: e d) acima;
1) São livres exibição em qualquer horário, os progra- Parágrafo Único: As emissoras de rádio e te-
mas ou filmes: levisão não apresentarão músicas cujas letras
a) que não contenham cenas realistas de violência, sejam nitidamente pornográficas ou que esti-
agressões que resultem em dilacerações ou mu- mulem o consumo de drogas.
tilação de partes do corpo humano, tiros a quei- 2) Poderão ser exibidos, a partir de 20 h, os progra-
ma-roupa, facadas, pauladas ou outras formas mas ou filmes:
e meios de agressão violenta com objetos con- a) que observem as mesmas restrições para os filmes
tundentes, assim como cenas sanguinolentas e programas livres sendo permitida a insinua-
resultantes de crime ou acidente; não tratem de ção de conjunção sexual exposição do ato ou dos
Anexo 2
241
corpos, sem beijos lascivos ou erotismo conside- d) que não contenham apologia ou apresentem favo-
rado vulgar; ravelmente o uso e a ingestão do fumo e do álcool.
b) que versem sobre qualquer tema ou problema 4) Poderão ser exibidos após às 23 h os programas
individual ou social, desde que os temas sen- e filmes:
síveis ou adultos não sejam tratados de forma a) que apresentem violência, desde que respeitada
crua ou explícita nem apresentem, favorável ou as restrições do horários anterior;
apologeticamente, qualquer forma de desvio b) que não apresentem sexo explícito nem exibam,
sexual humano, o uso de drogas, a prostituição em “close”, as partes e órgãos sexuais exterio-
ou qualquer forma de criminalidade ou com- res humanos;
portamento anti-social; c) que utilizem palavras chulas ou vulgares des-
c) que não contenham apologia ou apresentem favo- de que necessárias e inseridas no contexto
ravelmente o uso e ingestão do fumo ou do álcool. da dramaturgia;
3) Poderão ser exibidos, a partir das 21 h, os progra- d) que abordem seus temas sem apologia da droga, da
mas ou filmes: prostituição e de comportamentos criminosos.
a) que versem sobre temas adultos ou sensíveis
observadas as restrições ao uso da linguagem CAPÍTULO III
dos itens anteriores e as restrições quanto à Da Publicidade
apologia do homossexualismo, da prostituição Artigo 16 – Reconhecendo a publicidade como condi-
e do comportamento criminoso ou anti-social. ção básica para a existência de uma Radiodifusão livre
Poderão ser empregadas palavras vulgares mas e independente, as emissoras diligenciarão no sentido
de uso corrente, vetadas as de baixo calão; de que os comerciais sejam colocados no ar em sua in-
b) que apresentem cenas de violência sem perver- tegridade e nos horários constantes das autorizações.
sidade, mas que não as deixem impunes ou que
lhes façam apologia; Artigo 17 – Ainda que a responsabilidade primária
c) que apresentem nu lateral ou dorsal desde que caiba aos anunciantes, produtores e agências de publi-
focalizados à distância, ou desfocados, ou com cidade, as emissoras não serão obrigadas a divulgar os
tratamento de imagem que roube a definição comerciais em desacordo com o Código de Auto-Regu-
exata dos corpos, sem mostrar os órgãos e par- lamentação Publicitária, submetendo ao CONAR qual-
tes sexuais humanas. O ato sexual será apresen- quer peça que lhes pareça imprópria, respeitando-lhe
tado com as restrições do número 2 acima; as decisões.
Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
242
ses comerciais, cenários dos programas em que nos Capítulos II, III e IV deste Código serão julga-
participam ditos contratados ou que os progra- dos por um Conselho de Ética, designado nos ter-
mas em que participam ditos contratados ou que mos do artigo anterior, composto de 12 membros,
os apresentem com trajes e adereços por eles uti- para um mandato de um ano, reelegíveis, sendo
lizados nos programas em que atuam, bem como que, pelo menos quatro não pertencentes aos qua-
interpretando tipos caracterizados como persona- dros, nem vinculados diretamente às empresas
gens que representam nesses programas. de radiodifusão.
1) O Conselho terá um Secretário-Geral para admi-
Artigo 22 – As emissoras sujeitarão suas desinteligências nistrá-lo, nomeado e demissível ad nutum pela
ao arbítrio da Associação Brasileira de Emissoras de Rá- Comissão de Ética da Diretoria da ABERT de acor-
dio e Televisão, acatando-lhes as decisões, quando não do com a maioria dos membros do Conselho. O
solucionadas pelas entidades estaduais ou regionais. Conselho terá autonomia orçamentária e suas de-
cisões serão irrecorríveis exceto pelo pedido de
CAPÍTULO VI reconsideração interposto dentro de 72 horas da
Do Processo e das decisão e diante de fatos novos.
Disposições Disciplinares 2) Os membros do Conselho, elegerão um Presidente
Artigo 23 – A ABERT terá uma Comissão de Ética e um vice-presidente, os quais atuarão assessora-
formada por 8 membros escolhidos e pertencentes dos pelo Secretário-Geral. O Presidente não terá
à diretoria, cujo mandato será coincidente com seus direito a voto, exceto no caso de empate na votação,
mandatos na diretoria, com as seguintes funções: caso em que terá o voto de desempate. Os membros
1) Julgar todas as reclamações apresentadas contra do Conselho serão indicados dentro de 30 dias do
procedimentos atentatórios ao Código de Ética término de seus mandatos, podendo ser recondu-
previstos no Capítulo V do presente Código. zidos indefinidamente.
2) Eleger por unanimidade, os membros do Conselho 3) Recebida uma reclamação, o Presidente ou o Se-
de Ética nos termos prescritos neste Código. cretário-Geral designado pelo Presidente, fará a
3) Os membros da diretoria da ABERT são inelegíveis distribuição para um Conselheiro que será o re-
para o Conselho de Ética. lator, enviando cópia para a empresa envolvida. O
relator apresentará seu relatório para julgamento
Artigo 24 – As reclamações e denúncias quanto dentro de 10 dias, colocando a reclamação para
ao não cumprimento das determinações contidas julgamento na próxima sessão desde que haja tem-
244 Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
po hábil para notificar a Reclamada para que possa anônimas não serão distribuídas. As reclamações que
estar presente e intervir no julgamento. estiverem acompanhadas das fitas de gravação só se-
4) Na ausência do Presidente, presidirá a sessão o rão distribuídas quando versarem sobre fatos públi-
Vice-Presidente e, na ausência deste, os presen- cos e notórios. Quando houver dúvida razoável quanto
tes escolherão, por maioria, um de seus membros à notoriedade do fato, o Secretário-Geral requisitará
para presidi-la. a fita à emissora, desde que, dentro do prazo legal em
5) Depois de lido o relatório e ouvidas as partes presen- que a emissora está obrigada a guardar a fita.
tes, votará o relator, seguindo-se os demais mem-
bros na ordem de antigüidade, quando houver, e Artigo 26 – As queixas poderão ser formuladas e en-
alfabética e não havendo diferençade antigüidade. caminhadas à ABERT, por órgãos da Administração
6) O Conselho reunir-se-á na medida das necessida- Federal, pelas emissoras associadas à ABERT. por
des, convocado pelo Secretário-Geral ou por seu órgãos ou associações de classe ou por telespecta-
Presidente, sendo irrecorríveis suas decisões. dores e ouvintes, respeitadas as determinações dos
7) Quando a reclamação ou denúncia versar sobre o artigos anteriores.
fato grave que exija urgência por sua possibilidade
de repetição ou continuidade, o Secretário-Geral Artigo 27 – As penas serão de advertência sigilosa,
convocará imediatamente o Conselho, relatando ou de determinação da suspensão das transmissões
o processo pessoalmente, sem direito a voto, para impugnadas ou atos impugnados, sempre acompa-
decisão imediata. nhadas da obrigação de divulgar campanha nos ter-
8) O Secretário-Geral preparará, mensalmente, sem- mos deste artigo. O não atendimento das determina-
pre que tiver havido decisões, resumos dos julga- ções da Comissão acarretará a expulsão dos quadros
mentos e das decisões para distribuição aos mem- da ABERT.
bros da Diretoria da ABERT. 1) Julgadas culpadas, as emissoras, além das penas
mencionadas no caput deste artigo, serão con-
Artigo 25 – As reclamações serão sempre apresentadas denadas a divulgar, no mínimo seis e no máximo
por escrito, com perfeita individualização dos fatos e vinte mensagens de 30 segundos rotativa e dia-
referências exatas quanto ao horário, dia e emissora riamente, durante uma semana, no mínimo, e
que efetuou a transmissão ou praticou o ato impugna- um mês no máximo, para divulgação de campa-
do, acompanhado de fita de vídeo ou fita de áudio nos nhas educativas. Nas reincidências a pena será
casos de transmissões radiofônicas. As reclamações acrescida, de acordo com a gravidade, de 25%
Anexo 2
245
até 100% quanto ao número e duração do tempo casos de urgência previstos no item VII do Artigo 24 o
das inserções. Secretário ou o Presidente comunicará diretamente à
2) Extingue-se a reincidência em cada período de dois empresa acusada que terá 48 (quarenta e oito) horas
anos contados da data da primeira infração. para apresentar sua defesa.
3) As condenações serão comunicadas à Diretoria da
ABERT que contactará os órgãos públicos, notada- Artigo 30 – As decisões do Conselho serão tomadas
mente os Ministérios da Justiça, Saúde, Educação e por maioria de votos e o quorum será de 8 (oito) Con-
Bem Estar Social, sobre a existência de campanhas selheiros.
de seu interesse e que tenham alguma relação com
a natureza da infração, para que sejam colocadas no Artigo 31 – A fonte de recursos para a manutenção do
ar pela empresa condenada. Não havendo respos- Conselho será estabelecida pela Diretoria da ABERT,
ta ou campanha disponível a Diretoria designará o ad referedum dos contribuintes e constituirão recur-
tema e aprovará as mensagens que serão feitas pela sos diretamente postos à disposição da Comissão, não
empresa condenada, estabelecendo-lhe o prazo podendo ser utilizados para outros fins.
para o seu início. A diretoria decidirá, caso a caso,
se as mensagens deverão ou não ter referência ao Artigo 32 – A Comissão de Ética de Programas da
Código de Ética. As penas serão adstritas às áreas ABERT assim como o Conselho elaborará um regi-
de cobertura em que deu-se a infração. mento interno para o seu perfeito funcionamento.
Artigo 28 – A empresa acusada de prática do ato ou de Artigo 33 – No caso de programa transmitido regular-
transmissão de programas condenados por este Códi- mente, a suspensão voluntária pela empresa reclama-
go tomará conhecimento da decisão através de comu- da impugnada sustará o prosseguimento do processo.
nicação que o Presidente enviará.
Artigo 34 – Os casos que não envolverem programa-
Artigo 29 – A empresa apresentará ao relator suas ção, decididos pela Comissão de Ética da Diretoria da
razões de defesa, escritas, dentro de 7 dias do rece- ABERT nos termos do artigo 23 por maioria absoluta
bimento da comunicação. A empresa poderá estar de votos, terão como penalidades a advertência sigi-
presente e defender-se verbalmente durante o julga- losa ou pública.
mento, assim como poderá enviar cópia de sua defesa,
individuando a acusação, a todos os Conselheiros. Nos Brasília-DF, 8 de julho de 1993.
246 Classificação Indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê
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