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RELAÇÃO ENTRE A RAZÃO PRÁTICA E VONTADE NA FUNDAMENTAÇÃO NA METAFÍSICA DOS COSTUMES

Na Crítica da Razão Pura, Kant explicita dois interesses fundamentais da razão pura, um especulativo e um prático. O interesse
especulativo pode ser expresso pela pergunta: O que posso saber? e o prático, pela pergunta: O que devo fazer? Segundo Kant, essas
duas razões não são duas razões distintas, mas a mesma razão que se difere em sua aplicação. A razão designa, de modo geral, a
faculdade de ultrapassar o âmbito dos sentidos. A superação dos sentidos pelo conhecimento é o uso teórico da razão e sua superação
pela ação é o uso prático da razão. Para Kant, a razão prática significa a capacidade de escolher a própria ação independentemente das
motivações, os impulsos, as necessidades e paixões sensíveis, das sensações de agrado e desagrado. Portanto, a razão prática pura é a
razão que opera com suas próprias forças. Kant afirma que “todos os conceitos morais têm a sua sede e origem completamente a priori na
razão” [1] e que, em conseqüência, a moralidade, no sentido estrito da expressão, só pode entender-se como razão prática pura. A razão
dará a Kant os princípios fundamentais, a priori, da ética, que a faz válida universalmente e a liberta das contingentes éticas empíricas. A
exigência da universalidade de um princípio moral só pode partir da razão e, ao mesmo tempo, nela tem seu suporte. Com isso, Kant
rebate as limitações da razão empírica condicionada no agir e nega ao empirismo ético segundo o qual só se pode agir meramente com
base em motivações empíricas, como se os princípios da moral dependessem da experiência. Na segunda seção da Fundamentação da
Metafísica dos Costumes, Kant segue o método analítico, partindo do conceito filosófico da “faculdade da razão prática” para mostrar que
ele pressupõe o conceito de dever. A razão prática é o coração da doutrina moral de Kant. Razão prática é vontade e somente seres
racionais têm vontade. Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis,
isto é, segundo princípios, ou: só ele tem vontade. Como para derivar as ações das leis é necessária à razão, a vontade não é outra coisa
senão razão prática[2]. Para Kant, falar de razão prática significa poder agir racionalmente. Mas, uma ação pode ocorrer ou segundo leis,
como as ações ligadas à natureza, ou segundo representação das leis, como as ações de um ser racional. Contudo, somente o ser
racional tem a faculdade de agir segundo a representação das leis, pois só um ser que tem razão pode derivar ações de leis, e só um ser
que tem vontade pode agir segundo a representação de leis. Em outras palavras, só um ser de razão e de uma vontade pode agir segundo
representação das leis. Portanto, só um ser racional tem uma vontade ou, o que é o mesmo, ter uma “faculdade da razão prática” é ter uma
vontade. Essa é a relação básica entre razão prática e vontade. Se a razão determina infalivelmente a vontade, as ações de um tal ser,
que são conhecidas como objetivamente necessárias, são também subjetivamente necessárias, isto é, a vontade é a faculdade de
escolher só aquilo que a razão, independentemente da inclinação, reconhece como praticamente necessário, quer dizer, como bom[3].
Para Kant, ter razão prática e ter vontade pura seria a mesma coisa no ser puramente racional. Neste ser, todas as ações seriam
objetivamente necessárias e, também, subjetivamente necessárias. A vontade escolheria unicamente o que a razão reconhece como
necessária, independente do sensível. Assim, o agente se deixaria determinar a querer só e unicamente o que a razão prática apresenta.
Assim, um ser puramente racional agiria somente segundo a representação das leis; ele teria uma vontade pura. Vontade pura, isto é, não
contem nenhum elemento empírico, não está sujeita ao influxo da sensibilidade, não deve ser considerada como realidade em si, em
contraposição à vontade empírica, mas é lei racional da vontade empírica; é a atividade a priorida intelecção, que não se aplica a
elementos empíricos; é uma vontade capaz de estabelecer a priori princípios exclusivamente racionais e de se determinar só por eles.
Portanto, ter razão prática e ter vontade pura é igual, ou seja, a vontade pura é plenamente conforme a razão prática. Conforme Kant,
enquanto tudo na natureza age segundo leis, só o ser racional possui vontade. Somente os seres racionais possuem a faculdade de agir
segundo a representação de leis, segundo princípios. [1] KANT, Immanuel. “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”. Trad. de Paulo
Quintela. In: Coleção “Os Pensadores”. Immanuel Kant. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 216. [411] [2] Ibid. FMC p. 217. [413] [3] FMC p.
217. [413] [4] FMC p. 217. [413] [5] FMC p. 218. [413] [6] FMC p. 218. [4

FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA..

Immanuel Kant nasceu em Konigsberg em 1724. Sua família tinha emigrado da Escócia no século XVII. Foi educado numa religião cristã -
chamados pietistas - uma seita de puritanos alemães que se chamavam de "soldados da paz". Mas suas aptidões para a filosofia e seu
interesse pelas diversas matérias das ciências - se interessou pela matemática, física, lógica, astronomia, etc. - fê-lo direcionar-se para a
esepeculação metafísica, propriamente filosófica, onde acabou por exterminar as concepções dogmáticas da religião - apesar de na
"Crítica da razão prática" afirmar que as necessidades da vida devem ser consideradas frente à especulação da razão pura, que
desqualifica o conhecimento sensitivo, fazendo então algumas relevações aos desejos deístas dos religiosos, mas não sem ligar este
deísmo ao imperativo categórico.
Sua disposição em desmistificar o conhecimento, mesmo o empírico, leva à análise do que se pode conhecer, realmente. Os objetos
devem ser conhecidos por aquilo que são em si mesmo, ou seja "a priori", não por aquilo que pensamos serem estes objetos, não pelos
sentodos estabelecidos sobre este objeto, mas apenas "a priori". Este estudo se encontra na "Crítica da Razão Pura", mas vai servir de
base para o desenvolvimento da "metafísica dos costumes".
Do que se pode conhecer a priori, Kant estabelece que a ética deve partir de uma condição neutra; ou seja, a ética deve ser estabelecida
por sua condição mais pura, ou "a priori". Ora, é claro que o valor ético deve partir de uma perspectiva valorativa, que só pode ser atribuída
por um valor humano, sob pena de existir uma ética nula, sem atividade, já que ela não seria nada. Na metafísica dos costumes este objeto
é a ética. Desta ética se pode estabelecer dois fundamentos do comportamento. O primeiro é o imperativo hipotético. Este Imperativo é a
representação da vontade particular, privada. Aquilo que os homens fazem para chegar a um fim desejado por eles mesmos, que seja de
seu agrado. Este imperativo hipotético é visto por Kant como um ato nã universal. De interesse restrito ao agente que o causa ou atua. Dá
a impressão de negatividade sobre este imperativo, por que ele se distorce do outro, ou pde se distorcer.
Para Kant, a ética deve estar resguardado por uma lei que seja superior a vontade das partes envolvidas; tanto para o malfeitor, quanto
para o benfeitor. Esta lei deve estar acima de suas vontades particulares e eles devem respeitar esta lei e cumpri-la, apenas pelo fato de
ser ela o imperativo superior.
Este imperativo é deteminado pela própria pessoa ao pratica um ato. Ela deve se dirigir a si mesma e se perguntar se o ato que ela vai
praticar pode ser considerado ao mesmo tempo uma lei universal. Se ela considerar que seu ato pode ser lei universal, então será ético
que o faça. Se não puder ser lei universal, então não deverá fazer. Esta é a fórmula do "Imperativo Categórico", expressa na seguinte
frase: "Age de modo seus atos possam ser tomadas como objetos de si mesmas, como leis universais da natureza". O ato ético em Kant
não é meio para alguma outra coisa, ele é um fim em si mesmo, por isso ele é o bem maior. Agora, há de se observar que este ato ético
tem como fundamento o ser humano como bem supremo, por isso a sua ética só pode ser aquela que vise o bem universal: "age com
respeito a todo ser racional, de modo que ele em tua máxima valha ao mesmo tempo como fim em si". Ou seja, o fim da ética é a própria
ética (imperativo categórico) e nela está conjugado o ser humano. Pori sso o ser humano não poderia ser senão preocupação primeira da
ética fundamental. Ele é um fim em si mesmo; objeto principal da ética.
O fato de designar seus atos como leis universais, antes de realizá-los, implica num auto conheciento, retração e respeito supremo pela
humanidade. Por isso, antes de realizar quaquer coisa, devo verificar se aquilo pode se tornar lei universal, como por exemplo: ao dizer
algo que sei ser uma mentira, para meu interesse, devo pensar se este ato pode se tornar lei universal. Automaticamente compreeenderei
que se este ato se tornar lei universal, então não haverá mais credibilidade em palavra alguma, já que é lei universal mentir quando do
interesse próprio. Assim, não deverei realizar este mesmo ato, pois não pode ser lei universal.
Não se trata de mera utopia sobre o saber ético. Trata-se de educação do espírito. A ética pode ser mero capricho pessoal, como na
sociedade moderna industrial, consumista; uma ética privada; um ato considerado moral, apenas por ser regra social, mesmo sabendo nós
que universalmente ele é imoral. A ética de Kant é a luta do homem contra ele mesmo; contra seus desejos privados que vão de encontro
ao bem da humanidade. A ética é a busca de si mesmo e do humano e universal. É uma posição de espírito, um ideal a ser trabalhado, e
não uma mera discução sem sentido sobre o certo e errado, onde no fim se estabelece que tudo se trata de utopia e se libera o ser
humano da luta contra si mesmo, fica ele liberado da dificuldade de ser melhor. Esta é a contribuição de Kant

Em se tratando da transição da razão vulgar para o conhecimento científico, o autor começa por analisar as virtudes ontologicamente,
quanto ao seu valor e propósito, questionando a sua própria razão de ser enquanto produto da vontade e dos interesses do homem. A boa
vontade, entre várias outras virtudes e dons, é vista como moderadora de conduta, direcionada para o alcance de uma utilidade, ou
frustrada por uma inutilidade. O homem é dotado de razão e boa vontade, almejando a felicidade e o bem-estar, e daí se deduz o uso
prático do instinto natural de conservação. Nisso a razão não é importante, porquanto não determinante da busca pela felicidade, que é
conduzida por um instinto natural inato. Num sentido último, é a razão quem determina o que será a prioridade da virtude, como meio para
a consecução da satisfação. Isto é revestido de um conteúdo moral, onde a alma almeja satisfazer-se a partir de boas ações, sendo a
filantropia e a prática das virtudes um dever imposto pelo foro íntimo. Uma ação praticada por dever tem valor, mas fica deficiente, pois não
encontra sua gênese no domínio da vontade. Assim, o dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei, motivada pelo respeito ao
princípio legal. O valor moral da ação já reside na própria pessoa.As ações do homem são conforme o dever, e não necessariamente por
um senso elevado de bondade, pois esta só existiria na forma de interesses, em maior ou menor grau. O sentimento moral é confundido
com o temor de Deus, tentando criar disposições morais que cooperem para o bem supremo do mundo. Para o autor, existem as
exigências de uma vontade santa, da idealização de um bem supremo e hipotético. O cerne da finalidade, que é a felicidade, a prudência, é
o imperativo da moralidade. Os imperativos só são possíveis pela experimentação, e o conjunto de experiências produzindo um todo
absoluto. Tanto a possibilidade de um imperativo categórico quanto o imperativo da lei da moralidade. Logo, o que comumente se chama
de “dever”, poderia ser reputado como um conceito vazio. Os deveres podem ser perfeitos e imperfeitos. Tanto a pessoa que se acha
entediada e decide dar cabo da vida, como aquela que se vê forçada a pedir dinheiro, bem como ainda aquela talentosa por natureza,
agem baseadas naquilo que julgam ser seu dever, sua obrigação, ainda que isto leve a divergências seríssimas. E se os conceitos morais
pessoais podem se elevar para um âmbito geral, qual a sua utilidade? A vontade desponta como uma grande imposição universal, tentando
estabelecer uma ordem natural através do privilégio da finalidade, com o dever, movido pela moralidade, colocando-se como a vontade
legisladora universal. Esta não se funda em nenhum interesse, anulando-se a possibilidade de um princípio supremo do dever. O ser
humano deve agir como se a sua máxima pessoal devesse servir a si e ao mesmo tempo de lei universal, assim como o reino da natureza
é o reino dos fins, não esquecendo que há um Ser Supremo por quem se deve ser julgado. A autonomia da vontade como princípio
supremo da moralidade transcende do conhecimento dos objetos para a crítica dos mesmos, associando o princípio da autonomia ao
princípio da moral. Por outro lado, a heteronomia da vontade como fonte de todos os princípios ilegítimos da moralidade pressupõe a
satisfação pessoal através do fomento da felicidade alheia, atitude esta não elogiada por Kant. A autonomia da vontade tem como chave o
conceito da liberdade. A liberdade vai ter um conceito positivo ou negativo, dependendo do grau de influência da vontade ou das leis
morais, o que dá no mesmo. E a liberdade, nesse nível, é a propriedade da vontade de todos os seres racionais. A idéia da moralidade, a
vontade e as leis naturais não são neutros ou estáticos, mas revestidos de interesses, movendo o homem racional a buscar satisfação e
felicidade. Neste nível pode-se fazer distinção entre um mundo sensível e um mundo inteligível, assim como um mundo intelectual, mais
alto, mais nobre. Se liberdade e autonomia estão juntas, parte-se para a busca de um imperativo categórico, onde o mundo inteligível
contém os fundamentos do mundo sensível. Os imperativos categóricos fazem do homem um membros do mundo inteligível, ao passo que
a expressão dos sentimentos em sensações fazem dele um agente no mundo sensível. A razão prática desce para o mundo sensível pelos
fenômenos, e se introduz no mundo inteligível pelo pensamento, trazendo a universalidade da máxima da vontade como lei, e a autonomia
da vontade como liberdade. A razão pura pode ser prática e explicar a liberdade, ainda que essa pareça uma tarefa impossível. A razão
desencadeia a necessidade de sentimentos de prazer, e a busca deles vai percorrer um caminho de pureza e praticidade, até promovendo
a simbiose do conhecimento sensível com o inteligível. Os seres racionais não procuram fins isolados em si mesmos, nem podem se
perder em divagações quiméricas, pois as máximas da liberdade encontram seu bojo prático num vivo interesse pela lei moral. O uso
especulativo da razão não pode prescindir de uma razão pura e prática, assim como o conceito de uma moralidade universal não pode ficar
no campo dos interesses e dos ditames do mundo inteligível apenas, mas expressar-se também no mundo sensível, sem ficar somente a
ele preso. O imperativo moral quer e pode atingir os limites da razão humana

Kant e o problema da metafísica. A revolução Coperniciana.

O Problema da Metafísica

- Vimos que para os racionalistas a metafísica era possível, dado a razão, com o método correcto, tudo poder conhecer. Vimos que para os
empiristas a metafísica não era possível porquanto todo o nosso conhecimento deriva da experiência, logo não nos era possível ter
qualquer conhecimento de entidades que não possuissem qualquer relação com a experiência. Kant foi muitas vezes interpretado como
defendendo radicalmente a impossibilidade da metafísica - mas nada de mais errado. Kant irá suprimir um determinado tipo de metafísica,
mas não a metafísica.

Mas o que é a metafísica?

Já aqui o dissemos - disciplina cujo objecto de estudo são realidade que transcendem o campo da nossa experiência: Deus, imortalidade
da alma, liberdade. A história da metafísica é a tentativa de responder cientificamente a estas questões essenciais da razão humana. A
metafísica no tempo de Kant era alvo de descrédito e de desprezo, exactamente porque era alvo de lutas internas, disputas intermináveis,
sem a obtenção de unanimidade em nenhuma tese. Kant entende, no entanto, que esse descrédito não atinge o objecto da metafísica.
Segundo ele esse objecto é "um destino singular da razão humana" - corresponde a uma vocação natural que não pode ser recusada. O
descrédito, segundo Kant, deriva, portanto, da metafísica não ter encontrado ainda o caminho do conhecimento seguro e digno de crédito.
Mas será que tal facto se deve à incapacidade dos pensadores que abordaram os problemas metafísicos, ou será que a metafísica não
pode ser mesmo uma ciência? Kant vai responder segundo esta última perspectiva - a razão humana não pode evitar as questões
metafísicas (são o seu destino), mas não é capaz de lhes dar uma resposta cientifica. Kant parte deste pressuposto - a metafísica não é
uma ciência. Há que somente mostrar porque razão ela o não pode ser. E, para isso, Kant vai perguntar em que condições é possível o
conhecimento científico, ou seja, como conhecemos e o que podemos conhecer cientificamente? Kant vai assim criticar, isto é, analisar,
determinar capacidades e limites, não deste ou daquele filósofo, mas sim da própria Razão. Tal análise é feita numa obra chamada Crítica
da Razão Pura (Kritic der Reiner Vernunft). A crítica de Kant acerca da metafísica corresponde a um projecto de reabilitação dessa mesma
metafísica - a negação da metafísica enquanto ciência não implica a negação da metafísica, bem pelo contrário, só negando à metafísica
um estatuto que não poderá ter - o estatuto de ciência - é que podemos constituir uma metafísica adequada às capacidades humanas, e
portanto digna de crédito. A filosofia kantiana tem uma intenção vincadamente metafísica - o seu objectivo é o de reformar essa disciplina,
dar-lhe credibilidade. Kant demonstra o que a metafísica não pode ser (uma ciência) para mostrar o que ela pode ser (uma fé ou crença
racional).
A Revolução Copernicana

Com esta designação Kant refere a decisão de Copérnico inauguradora de uma nova cosmologia - a passagem do mundo geocêntrico para
o modelo heliocêntrico. Na base desta substituição está a exigência da razão de não se subordinar à ordem sensível (aos sentidos), á
experiência, mas ao contrário, subordinar a experiência a principios e formas impostas pela própria razão. Segundo Copérnico, o seu
abandono do sistema geocêntrico, que retirava os seus princípios mais gerais da observação empírica, deveu-se sobretudo ao facto de ele
chocar com o principio de economia, (a natureza age pelas vias mais simples), principio racional por excelência. O que motiva a revolução
é a vontade de autonomia da razão face à experi~encia, embora isso não implique virar as costas ao plano empírico. Nesta mudança de
método está o fundamento de toda a ciência - são os fenómenos que se devem regular pela razão e não esta pelos fenómenos. Kant, tal
como Copérnico substitui o geocentrismo pela ideia de que a terra girava em torno do Sol, substitui uma concepção passiva do
conhecimento, pela ideia de que a nossa faculdade de conhecimento impõe as suas formas e as suas leis à realidade, não sendo
determinada pelos objectos.

Resposta à pergunta: “Que é o Iluminismo?”


I. KANT
lluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do
entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento,
mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem.Sapere aude! Tem a cora- gem de te servires do
teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.
A preguiça e a cobardia são as causas de os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo
alheio(naturaliter mai orennes),[482] continuarem, todavia, de bom grado menores durante toda a vida; e também de a outros se tornar tão
fácil assumir-se como seus tutores. É tão cômodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que
em vez de mim tem consciência moral, um mé- dico que por mim decide da dieta, etc., então não preciso de eu próprio me esforçar. Não
me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a imensa maioria
dos homens (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa é que os tutores de bom
grado tomaram a seu cargo a superintendência deles. Depois de terem, primeiro, embrutecido os seus animais domésticos e evitado
cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo para fora da carroça em que as encerraram, mostram-lhes em
seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo não é assim tão grande, pois acabariam por aprender muito
bem a andar. Só que um tal exemplo intimida e, em geral, gera pavor perante todas as tentativas ulteriores.
É, pois, difícil a cada homem desprender-se da menoridade que para ele se tomou [483] quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e
é por agora realmente incapaz de se servir do seu próprio entendimento, porque nunca se lhe permitiu fazer semelhante tentativa.
Preceitos e fórmulas, instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes, do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma
menoridade perpétua. Mesmo quem deles se soltasse só daria um salto inseguro sobre o mais pequeno fosso, porque não está habituado
ao movimento livre. São, pois, muito poucos apenas os que conseguiram mediante a transformação do seu espírito arrancar-se à
menoridade e encetar então um andamento seguro.
Mas é perfeitamente possível que um público a si mesmo se esclareça. Mais ainda, é quase inevitável, se para tal lhe for concedida a
liberdade. Sempre haverá, de fato, alguns que pensam por si, mesmo entre os tutores estabelecidos da grande massa que, após terem
arrojado de si o jugo da menoridade, espalharão à sua volta o espírito de uma estimativa racional do próprio valor e da vocação de cada
homem para pensar por si mesmo. Importante aqui é que o público, antes por eles sujeito a este jugo, os obriga doravante a permanecer
sob ele quando por alguns dos seus tutores, pessoalmente incapazes de qual- quer ilustração, é a isso [484] incitado. Semear preconceitos
é muito danoso, porque acabam por se vingar dos que pessoalmente, ou os seus predecessores, foram os seus autores. Por conseguinte,
um público só muito lentamente con- segue chegar à ilustração. Por meio de uma revolução talvez se possa levar a cabo a queda do
despotismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar. Novos
preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento.
Mas, para esta ilustração, nada mais se exige do que a liberdade; e, claro está, a mais inofensiva entre tudo o que se pode chamar
liberdade, a saber, a de fazer um uso público da sua razão em todos os elementos. Agora, porém, de todos os lados ouço gritar:não
raciocines! Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o funcionário de Finanças: não raciocines, paga! E o clérigo: não raciocines,
acredita! (Apenas um único senhor no mundo diz: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes, mas obedecei!) Por toda a
parte se depara com a restrição da liberdade. Mas qual é a restrição que se opõe ao Iluminismo? Qual a restrição que o não impede, antes
o fomenta? Respondo: o uso público da própria razão deve sempre ser livre e só ele pode, entre os homens, levar a cabo a ilustração
[485]; mas o uso privado da razão pode, muitas vezes, coarctar-se fortemente sem que, no entanto, se entrave as- sim notavelmente o
progresso da ilustração. Por uso público da própria razão entendo aquele que qualquer um, enquanto erudito, dela faz perante o grande
público do mundo letrado. Chamo uso privado àquele que alguém pode fazer da sua razão num certo cargo público ou função a ele
confiado. Ora, em muitos assuntos que têm a ver com o interesse da comunidade, é necessário um certo mecanismo em virtude do qual
alguns membros da comunidade se comportarão de um modo puramente passivo com o propósito de, mediante uma unanimidade artificial,
serem orientados pelo governo para fins públicos ou de, pelo menos, serem impedidos de destruir tais fins. Neste caso, não é decerto
permitido raciocinar, mas tem de se obedecer. Na medida, porém, em que esta parte da máquina se considera também como elemento de
uma comunidade total, e até da sociedade civil mundial, portanto, na qualidade de um erudito que se dirige por escrito a um público em
entendimento genuíno, pode certamente raciocinar sem que assim sofram qualquer dano os negócios a que, em parte, como membro
passivo, se encontra sujeito. Seria, pois, muito pernicioso se um oficial, a quem o seu superior ordenou algo, quisesse em serviço sofismar
em voz alta [486] acerca da inconveniência ou utilidade dessa ordem; tem de obedecer, mas não se lhe pode impedir de um modo justo,
enquanto perito, fazer observações sobre os erros do serviço militar e expô-las ao seu público para que as julgue. O cidadão não pode
recusar-se a pagar os impostos que lhe são exigidos; e uma censura impertinente de tais obrigações, se por ele devem ser cumpridas,
pode mesmo punir-se como um escândalo (que poderia causar uma insubordinação geral). Mas, apesar disso, não age contra o dever de
um cidadão se, como erudito, ele expuser as suas ideias contra a inconveniência ou também a injustiça de tais prescrições. Do mesmo
modo, um clérigo está obrigado a ensinar os instruendos de catecismo e a sua comunidade em conformidade com o símbolo da Igreja, a
cujo ser- viço se encontra, pois ele foi admitido com esta condição. Mas, como erudito, tem plena liberdade e até a missão de participar ao
público todos os seus pen- samentos cuidadosamente examinados e bem-intencionados sobre o que de erróneo há naquele símbolo, e as
propostas para uma melhor regulamentação das matérias que respeitam à religião e à Igreja. Nada aqui existe que possa constituir um
peso na consciência. Com efeito, o que ele ensina em virtude da sua função, como ministro da Igreja, expõe-no como algo em relação
[487] ao qual não tem o livre poder de ensinar segundo a sua opinião própria, mas está obrigado a expor segundo a prescrição e em nome
de outrem. Dirá: a nossa Igreja ensina isto ou aquilo; são estes os argumentos comprovativos de que ela se serve. Em seguida, ele extrai
toda a utilidade prática para a sua co- munidade de preceitos que ele próprio não subscreveria com plena convicção, mas a cuja exposição
se pode, no entanto, comprometer, porque não é de todo impossível que neles resida alguma verdade oculta. De qualquer modo, po- rém,
não deve neles haver coisa alguma que se oponha à religião interior, pois se julgasse encontrar aí semelhante contradição, então não
poderia em cons- ciência desempenhar o seu ministério; teria de renunciar. Por conseguinte, o uso que um professor contratado faz da sua
razão perante a sua comunidade é apenas umuso privado, porque ela, por maior que seja, é sempre apenas uma assembleia doméstica; e
no tocante a tal uso, ele como sacerdote não é livre e também o não pode ser, porque exerce uma incumbência alheia. Em contrapartida,
como erudito que, mediante escritos, fala a um público genuíno, a saber, ao mundo, por conseguinte, o clérigo, no uso público da sua
razão, goza de uma liberdade ilimitada de se servir da própria razão e de falar em seu nome próprio. É, de facto, um absurdo, que leva à
perpetuação dos absurdos, que os tutores do povo [488] (em coisas espirituais) tenham de ser, por sua vez, menores.

Mas não deveria uma sociedade de clérigos, por exemplo, uma assembléia eclesiástica ou uma venerável classes (como a si mesma
se denomina entre os Holandeses) estar autorizada sob juramento a comprometer-se entre si com um certo símbolo imutável para assim
se instituir uma interminável super-tutela sobre cada um dos seus membros e, por meio deles, sobre o povo, e deste modo a eternizar?
Digo: isso é de todo impossível. Semelhante contrato, que decidiria excluir para sempre toda a ulterior ilustração do gênero humano, é
absolutamente nulo e sem validade, mesmo que fosse confirmado pela autoridade suprema por parlamentos e pelos mais solenes tratados
de paz. Uma época não se pode coligar e conjurar para colocar a seguinte num estado em
que se tornará impossível a ampliação dos seus conhecimentos (sobretudo os mais urgentes), a purificação dos erros e, em geral, o
avanço progressivo na ilustração. Isso seria um crime contra a natureza humana, cuja determinação original consiste justamente neste
avanço. E os vindouros têm toda a legitimidade para recusar essas resoluções decretadas de um modo incompetente e criminoso. A pedra
de toque [489] de tudo o que se pode decretar como lei sobre um povo reside na pergunta: poderia um povo impor a si próprio essa lei?
Seria decerto possível, na expectativa, por assim dizer, de uma lei melhor, por um determinado e curto prazo, para introduzir uma certa
ordem. Ao mesmo tempo, facultar-se-ia a cada cidadão, em especial ao clérigo, na qualidade de erudito, fazer publicamente, isto é, por
escritos, as suas observa- ções sobre o que há de errôneo nas instituições anteriores; entretanto, a ordem introduzida continuaria em
vigência até que o discernimento da natureza de tais coisas se tivesse de tal modo difundido e testado publicamente que os cidadãos,
unindo as suas vozes (embora não todas), poderiam apresentar a sua proposta diante do trono a fim de protegerem as comunidades que,
de acordo com o seu conceito do melhor discernimento, se teriam coadunado numa organização religiosa modificada, sem todavia impedir
os que quisessem ater-se à antiga. Mas é de todo interdito coadunar-se numa constituição religiosa per- tinaz, por ninguém posta
publicamente em dúvida, mesmo só durante o tempo de vida de um homem e deste modo aniquilar, por assim dizer, um período de tempo
no progresso da humanidade para o melhor e torná-lo infecundo e prejudicial para a posteridade. Um homem, para a sua pessoa, [490] e
mesmo então só por algum tempo, pode, no que lhe incumbe saber, adiar a ilustração; mas renunciar a ela, quer seja para si, quer ainda
mais para a descendência, significa lesar e calcar aos pés o sagrado direito da humanidade. O que não é lícito a um povo decidir em
relação a si mesmo menos o pode ainda um monarca decidir sobre o povo, pois a sua autoridade legislativa assenta precisamente no facto
de na sua vontade unificar a vontade conjunta do povo. Quando ele vê que toda a melhoria verdadeira ou presumida coincide com a ordem
civil, pode então permitir que em tudo o mais os seus súbditos façam por si mesmos o que julguem necessário fazer para a salvação da
sua alma. Não é isso que lhe importa, mas compete-lhe obstar a que alguém impeça à força outrem de trabalhar segundo toda a sua
capacidade na determinação e fomento da mesma. Constitui até um dano para a sua majestade imiscuir-se em tais assuntos,ao honrar
com a inspeção do seu governo os escritos em que os seus súbditos procuram clarificar as suas ideias, quer quando ele faz isso a partir do
seu discernimento superior, pelo que se sujeita à censura ‘Caesar non est supra gramáticos’1 quer também, e ainda mais, quando rebaixa
o seu poder supremo a ponto de, no seu Estado, apoiar o despotismo espiritual de alguns tiranos [491] contra os demais súbditos. Se,
pois, se fizer a pergunta – Vivemos nós agora numa época esclarecida? – a resposta é: não. Mas vivemos numa época do Iluminismo.
Falta ainda muito para que os homens tomados em conjunto, da maneira como as coisas agora estão, se encontrem já numa situação ou
nela se possam apenas vir a pôr de, em matéria de religião, se servirem bem e com segurança do seu próprio entendimento, sem a
orientação de outrem. Temos apenas claros indícios de que se lhes abre agora o campo em que podem atuar livremente, e diminuem
pouco a pouco os obstáculos à ilustração geral ou à saída dos homens da menoridade de que são culpados. Assim considerada, esta
época é a época do Iluminismo, ou o século de Frederico.Um príncipe que não acha indigno de si dizer que tem por dever nada prescrever
aos homens em matéria de religião, mas deixar-lhes aí a plena liberdade, que, por conseguinte, recusa o arrogante nome de tolerância, é
efetivamente esclarecido e merece ser encomiado pelo mundo grato e pela posteridade como aquele que, pela primeira vez, libertou o
gênero humano da me nor idade, pelo menos por parte do governo, e concedeu a cada qual a liberdade de se [492] servir da própria razão
em tudo o que é assunto da consciência. Sob o seu auspício, clérigos veneráveis podem, sem prejuízo do seu dever ministerial e na
qualidade de eruditos, expor livre e publicamente ao mundo para que este examine os seus juízos e as suas idéias que, aqui ou além, se
afastam do símbolo admitido; mas, mais permitido é ainda a quem não está limitado por nenhum dever de ofício. Este espírito de liberdade
difunde-se também no exterior, mesmo onde entra em conflito com obstáculos externos de um governo que a si mesmo se compreende
mal. Com efeito, perante tal governo brilha um exemplo de que, no seio da liberdade, não há o mínimo a recear pela ordem pública e pela
unidade da comunidade. Os homens libertam-se pouco a pouco da brutalidade, quando de nenhum modo se procura, de propósito,
conservá-los nela Apresentei o ponto central do Iluminismo, a saída do homem da sua menor idade culpada, sobretudo nas coisas de
religião, porque em relação às artes e às ciências os nossos governantes não têm interesse algum em exercer a tu- tela sobre os seus
súbditos; por outro lado, a tutela religiosa, além de ser mais prejudicial, é também a mais desonrosa de todas. Mas o modo de pensar de
um chefe de Estado, que favorece a primeira, vai ainda mais além e discerne que mesmo no tocante à sua legislação [493] não há perigo
em permitir aos seus súbditos fazer uso público da sua própria razão e expor publicamente ao mundo as suas ideias sobre a sua melhor
formulação, inclusive por meio de uma ousada crítica da legislação que já existe; um exemplo brilhante que temos é que nenhum monarca
superou aquele que admiramos.
Mas também só aquele que, já esclarecido, não receia as sombras e que, ao mesmo tempo, dispõe de um exército bem disciplinado e
numeroso para garantir a ordem pública – pode dizer o que a um Estado livre não é permi- tido ousar:raciocinai tanto quanto quiserdes e
sobre o que quiserdes; mas
obedecei!Revela-se aqui um estranho e não esperado curso das coisas humanas; como, aliás, quando ele se considera em conjunto,
quase tudo nele é paradoxal. Um grau maior da liberdade civil afigura-se vantajosa para a liberdade do espírito do povo e, no entanto,
estabelece-lhe limites intransponíveis; um grau menor cria-lhe, pelo contrário, o espaço para ela se alargar segundo toda a sua capacidade.
Se a natureza, sob este duro invólucro, desenvolveu o germe de que delicadamente cuida, a saber, a tendência e a vocação para o
pensamento livre, então ela atua também gradualmente sobre o modo do sentir do povo (pelo que este se tornará cada vez mais [494]
capaz de agir
segundo a liberdade)e, por fim, até mesmo sobre os princípios do governo que acha salutar para si próprio tratar o homem, que agora é
mais do que uma máquina, segundo a sua dignidade.

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