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Universidade Federal Fluminense


Centro de Estudos Gerais
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Área de História
Departamento de História
Disciplina: História Antiga
Professor: Alexandre Carneiro Cerqueira Lima

 ESCRITA E LITERATURA NA MESOPOTÂMIA

I – Discussões em torno da escrita cuneiforme e da literatura nas cidades-Estados da


Baixa Mesopotâmia.

1 – O Nascimento da escrita: Kátia Pozzer explica que os documentos mais antigos da


escrita cuneiforme foram encontrados na Mesopotâmia, em um templo da cidade-Estado de
Uruk (atual Warqa, Iraque), capital da Suméria, com data aproximada de 3200 a.C. O nome
que caracteriza esta escrita vem do latim cuneus que significa canto. Ela é o resultado da
incisão de um tipo de estilete impressa na argila mole, com três dimensões: altura, largura,
 profundidade. Sua leitura é feita como em português: da esquerda para direita e de cima
 para baixo.
Duas etapas do processo que passou a escrita cuneiforme: a pictográfica e a silábica.
O pictograma (desenho): ainda não era um escrita, pois simbolizava uma ‘coisa’ e
não uma ‘palavra’. Podia-se compreender a mensagem, mas não lê-la. Estima-se que há
cerca de 1.500 pictogramas,
pictogramas, dos quais mais de 300 eram próximos
próximos aos sinais
sinais cuneiformes
cuneiformes
que os sucederam, indicando que houve uma continuidade entre essas experiências. Na
etapa silábica, ocorreu uma representação estilizada dos objetos: “O sistema gráfico não era
mais uma escrita das coisas, mas da fonética da palavra. Não se limitava a relembrar o
conhecimento. Mas era capaz de transmitir novas informações e de instruir o homem. Para
isso, foi preciso incorporar o instrumento mais perfeito da análise e da comunicação do real
 pelo homem: a língua falada.” (POZZER, Kátia M. P. A Escrita Cuneiforme no Antigo
Oriente Próximo: Origens e Desenvolvimento. In
Desenvolvimento. In:: BAKOS, M.M. e POZZER, K.M.P. (org)
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  III Jornada de Estudos do Oriente: Línguas, Escritos e Imaginários. Porto Alegre:


Edipucrs, 1998, pp. 44-45)

2 – Jean Bottéro: A primeira escrita: Antes do aparecimento da escrita mesopotâmica


havia na Mesopotâmia uma tradição milenar artística. Os mais antigos documentos desta
escrita são tabletes de argila marcados com esboços/ desenhos (‘croquis’). Estes desenhos
eram compostos por círculos e semi-círculos, um traçado particular, explica Jean Bottéro.
Este conjunto era constituído por peças contáveis – para a contabilidade de bens, estes
tabletes foram encontrados em Uruk. Cada signo representava ‘a realidade na qual
reproduzia a silhueta: o vaso a espiga.’ Também havia signos de touro, vaca, bezerro, etc.
“É o que nós chamamos de pictogramas ou ideogramas. Uma escrita das coisas que só
marca as coisas (...)” (BOTTÉRO, Jean. et all .  L’Orient Ancien et Nous. l’Écriture, la
 Raison, les Dieux . Paris: Albin Michel, 1996, p. 39) A escrita de palavras ocorreu dois ou
três séculos após o aparecimento da 1a. escrita. Documentação encontrada: 30 a 40 mil
cartas (públicas e privadas) – nem todos sabiam ler e escrever, desta forma, precisava-se de
um escriba e de um leitor.

3 – Jean Bottéro em sua obra  Mésopatamie.  L’Ecriture, la Raison et les Dieux (Paris:


Gallimard, 1987, p. 113) explica que neste quadro geográfico (atual Iraque, entre Bagdá e o
Golfo Pérsico) nasceu, ao longo do IV milênio a. C. uma civilização urbana, complexa e
original. A descoberta da escrita é uma das últimas conquistas desta civilização, que em seu
quadro étnico, podemos chamá-la de sumério-acadiana. Há, então, a simbiose entre duas
 populações e entre duas culturas: uma suméria, a outra semítica, chamada por convenção
acadiana. Os sumérios devem ter chegado ao longo do IV milênio a. C., pelo sudeste. Eles
se fixaram, principalmente, na parte sul da Baixa Mesopotâmia, mais tarde denominada
 Sumer  (p. 134). Os semitas, muito mais conhecidos, pois seus descendentes povoam
grande porção do Oriente Próximo, fixaram-se ao norte. Eram membros de tribos semi-
nômades, vivendo nas franjas setentrional e oriental do deserto syro-árabe, e vindo se fixar 
entre o Eufrates e o Tigre. A língua semítica, ainda falada em nossos dias por diversas
famílias de idiomas (o hebreu, aramaico, árabe, etíope). A suméria é completamente
isolada, explica Jean Bottéro. (p. 134)
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4 –  Segundo Jean-Claude Margueron, nos primórdios das cidades-Estados da Baixa


Mesopotâmia, a escrita era uma ferramenta econômica e durante muito tempo não se
conheceriam outros usos. Contudo, o desenvolvimento das necessidades administrativas
irão ampliar progressivamente sua utilização, como as inscrições reais e, em seguida os
textos religiosos. (MARGUERON, Jean-Calude.  Los Mesopotámicos. Madrid: Cátedra,
1996, p. 410) Lembremos que John Chadwick explica que os escribas micênicos não se
interessavam nem pela história e nem pelo pensamento de seu povo. A escrita Linear B
concentrava-se na contabilidade dos bens palacianos (administração e economia
 palacianas). Os micênicos não desenvolveram como os egípcios e os mesopotâmicos uma
literatura. (CHADWICK, J. El Mundo Micénico. Madrid: Alianza Editorial, 1993, p. 38)

5 – Marcelo Rede em seu artigo Terra e Poder na Antiga Mesopotâmia: uma


 Antropologia Histórica entre os ‘Primitivos’ e ‘Modernos’  ( Phoînix, 2, 1996, pp. 113-
114), analisa as cartas enviadas pela administração palaciana de Babel para o reino de
Larsa, recentemente conquistado por Hammurabi  ( As Cartas de Hammurabi . Trad.
Emanuel Bouzon. Petrópolis: Vozes, 1986). Podemos perceber nesta documentação,
(criada pelos escribas babilônicos/ em tabletes), como a administração babilônica controlou
uma parcela significativa das terras de cultivo do reino conquistado. Uma parte
considerável das terras foi distribuída pelo rei aos seus servidores (sistema-ilkum), outra
conservou-se sob o controle do palácio (sistema-biltum), além de uma terceira compor uma
reserva a ser incorporada a um dos dois casos. Por meio do sistema-ilkum, o palácio
 babilônico promovia a concessão de lotes de terra fértil a um servidor ou a uma equipe de
trabalho. Junto com o lote de terra, transferia-se também a responsabilidade de cultivo: a
concessão suspendia o direito ao recebimento das rações alimentares. A partir da leitura
destes tabletes em cuneiforme, podemos compreender melhor as atividades econômicas e
de ocupação dos lotes de terras férteis na cidade-Estado de Larsa.

II – Literatura mesopotâmica

1 – Jean Bottéro nos apresenta um poema litúrgico composto em sumério, do fim do


terceiro milênio, dedicado à glória de Enlil – o soberano dos deuses e dos homens: “Enlil!
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Sua autoridade conduz longe, Sua palavra é sublime e sagrada! O que ele decide é
imprescritível: Ele designa sempre os destinos dos seres! (...) Ele é o grande e potente
Soberano/ Que domina o Céu e a Terra/ Que sabe tudo e que compreende Tudo”
(Falkenstein Sumerische Götterlieder , I, p. 11 apud  BOTTÉRO, Jean  Mésopotamie, pp.
377-378) Já percebemos, então, preocupações da esfera religiosa no ofício dos escribas.

2 – Contratos Pré-Hammurabianos do Reino de Larsa


São 128 textos cuneiformes transcritos, traduzidos e comentados por Emanuel
Bouzon. Eles são provenientes do reino de Larsa e registram contratos de compra e troca de
imóveis, contratos de escravos, bem como contratos de suplementação de preço realizados
entre os anos 1894 e 1763 a. C., no período, portanto, imediatamente anterior à conquista
do reino de Larsa por Hammurabi. A língua do texto cuneiforme destes contratos é um
sumério tardio e eles foram escritos em pequenas tábuas de argila que se encontram hoje
espalhadas pelos museus do Louvre, Berlim e no acervo de textos babilônicos da Yale
University. Estas tábuas de argila não foram encontradas por expedições arqueológicas
cientificamente organizadas, mas por escavações clandestinas e chegaram aos museus por 
intermédio do comércio de antiguidades (p. 13). As tabuinhas do Museu de Berlim possui
17 contratos de compra de imóveis, 2 de compra de escravos, 1 troca de imóvel e 2
contratos de suplementação de preço. As do Museu do Louvre tratam de 36 contratos de
compra de imóveis e 4 suplementação de preço. As da Yale University tratam de 25
contratos de compra de imóveis, 9 de compra de escravos, 7 de troca de imóveis e 1 de
suplementação de preço (p. 14)
Vejamos um contrato de compra de escravos: 100 – Texto: YOS 8,8 (YBC 5727)
Data: ano 9 de Rim-Sîn Transmissão: tábua de cuneiforme
“(1) Hazirum é o seu nome, (2) de Sîn-musallin, seu pai, (3) e de Gamiltum, sua mãe,
(4) Balmunamhe (5) comprou, (6) 1/3 de mina de prata, (7) como seu preço total, (8) ele
 pesou. (9) Que no futuro, Sîn-musallin (10) e Gamiltum (11) não retornarão, (12) em nome
do rei [eles juraram]. (13) Diante de Itti-Ea-mil [ki], (14) diante de Gidanum, [X-x] (15)
diante de Sîn-gamil (...) Selo das testemunhas. (24) Mês: bára.zag.gar. (25) Ano: o canal
Lagas [ano 9 do reinado de Rim-Sîn] (26) até ao mar ele escavou.
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Comentário de Emanuel Bouzon: “Este contrato registra a compra de um escravo


chamado Hazirum. Os vendedores são seus próprios pais. Trata-se, pois, certamente, de um
tipo de escravidão a título de pagamento de dívidas contraídas.” (BOUZON, E. Contratos
 Pré-Hammurabianos do Reino de Larsa. Porto Alegre: Edipucrs, 2000, 177)

3 – O Código de Hammurabi
Reforma Política e ‘Jurídica’ de Hammurabi
Hammurabi sucedeu seu pai como soberano da Babilônia em 1792 a. C. (séc. XVIII a.
C.). Hammurabi foi um grande conquistador (pois venceu muitos outros soberanos, entre
eles Rimsin de Larsa) e administrador: regulagem do curso do Eufrates; construiu e
conservou canais para irrigação e navegação, incrementou assim a produção agrícola e o
comércio.
Sobre o código: “O exemplar mais importante é, hoje, a Estela de diorito negro, com
2,25 m de altura, encontrada pela expedição arqueológica francesa de J. de Morgan (...)
 Essa Estela encontra-se atualmente no Museu do Louvre.” (BOUZON, E. O Código de
 Hammurabi. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 24)
  Não podemos considerar a obra de Hammurabi como um ‘código’ no sentido
moderno (coleção completa de todo o direito vigente ou parte dele). “(...) o texto da estela
de Hammurabi devia ser considerado, não como um código de leis, mas como uma obra
literária da escola babilônica. (...) a existência de um determinado esquema literário que
 parece ter servido, também, aos escribas de Hammurabi na confecção do texto da Estela.
Esse esquema apresenta uma divisão tripartida em prólogo, corpo das leis e epílogo. (...) No
 prólogo são mencionados as medidas sociais que o rei implantará e que o tornarão glorioso
entre os reis. (...) O epílogo continua a descrição das diversas atividades de Hammurabi em
 prol da justiça e do bem-estar de seu povo, fala, também, da finalidade de sua obra e
termina com o pedido de bênçãos para todos os que respeitarem as prescrições da Estela e
de maldição dos deuses para quem tentar aboli-las. (...) a preocupação do rei pela justiça e
(...) suas inúmeras sentenças e decisões para salvaguardar o direito de seus concidadãos.”
(pp. 26-27) Hammurabi, pelo conteúdo da estela, pode ser visto atuando como juiz. A parte
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legal da Estela (dividida em parágrafos) pode ser dividida da seguinte maneira: determinam
as penas a ser impostas em alguns delitos praticados durante um processo judicial;
determinam a penas para lesões corporais; regulam preços e salários; regulam o direito
 patrimonial; regulam o direito de família, filiação e heranças, etc. (p. 29)
Então o ‘Código’ está dividido em 1 – Prólogo, 2 – Leis e 3 – Epílogo.
O ‘Código’ consiste em 282 regras com base na tradição e costume relativas às
questões de família, de trabalho e de comércio. O seu valor se deve ao reconhecimento do
direito e dos deveres dos indivíduos independente de seu estatuto social e por ter legado tal
conceito para as sociedades ocidentais. O uso da lei deixa de ser um privilégio de alguns
 para atingir toda a comunidade (um direito de todos). Talvez quando comparado com as
leis modernas, o ‘Código’ deve parecer extremamente severo em suas penalidades pelo fato
de constar como punição a mutilação e morte daqueles que ultrapassavam os limites da lei:
 Na parte das Leis vejamos o parágrafo 6: “Se um awilum [cidadão] roubou um bem
(de propriedade) de um deus ou do palácio: esse awilum  será morto; e, aquele que
recebeu de sua mão o objeto roubado, será morto”. Isso quer dizer que tanto o que
roubou, quanto aquele que recebeu do ladrão o objeto serão mortos. Ainda mais objetos
revestidos de caráter sagrado (de um templo).
192 – se um filho adotivo disser para o seu pai ou mãe – você não é meu pai/mãe – 
sua língua deve ser cortada.
218 – “Se um médico fez em um awilum [cidadão] uma operação difícil com um
escapelo de bronze e causou a morte do awilum ou abriu a nakkaptum [arco acima
da sobrancelha] com um escapelo de bronze e destruiu o olho de um awilum, eles
cortarão a sua mão.”
219 – “Se um médico fez uma operação difícil com um escapelo de bronze no escravo
de um muskênum [homem livre com poucos recursos] e causou-lhe a morte, ele
deverá restituir um escravo como o escravo (morto).”
229 – “Se um pedreiro edificou uma casa para um awilum , mas não reforçou o seu
trabalho e a casa, que construiu, caiu e causou a morte do dono da casa, esse
 pedreiro será morto.”
230 – “Se causou a morte do filho do dono da casa, matarão o filho desse pedreiro.”
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231 – “Se causou a morte de um escravo do dono da casa, ele dará ao dono da casa
um escravo equivalente.”
232 – “Se fez perder bens móveis, compensará tudo que fez perder e, porque não
reforçou a casa que construiu e ela caiu, deverá reconstruir a casa que caiu com
 seus próprios recursos.”
Sobre o rito do casamento:
159 – “Se um awilum , que já enviou para a casa de seu sogro o presente nupcial e já
 pagou a terhatum [preço que o pai do noivo pagou ao pai da noiva], deixou-se atrair 
 por uma outra mulher e disse ao seu sogro: ‘Não tomarei tua filha por esposa’, o pai
da filha levará consigo tudo o que lhe foi trazido.”
160 – “Se um awilum enviou o presente nupcial à casa do sogro e pagou a terhatum
e o pai da filha disse: ‘Não te darei minha filha’, ele restituirá o dobro de tudo que
lhe foi trazido.”
Sobre o adultério:
129 – “Se a esposa de um awilum foi surpreendida dormindo com um outro homem,
eles os amarrarão e os lançarão n’água. Se o esposo deixa viver sua esposa, o rei,
também, deixará viver seu servo.”
131 – “Se o marido acusou sua esposa (mas) ela não foi surpreendida dormindo com
outro homem, ela pronunciará o juramento de deus e voltará para sua casa.”
153 – “Se a esposa de um awilum , por causa de um outro homem, fez matar o seu
marido, essa mulher será empalada.”
Incesto: 154 – “Se um awilum teve relações sexuais com sua filha, eles farão esse
awilum sair da cidade.”
Sobre o divórcio:
136 – “Se um awilum abandonou a sua cidade e fugiu e depois sua esposa entrou na
casa de um outro, se esse awilum voltou e quis retomar sua esposa, a esposa do
 fugitivo não retornará a seu esposo, porque ele desprezou a sua cidade e fugiu.”
138 – “Se um awilum quer abandonar sua primeira esposa, que não lhe gerou filhos,
dar-lhe-á a prata correspondente à sua terhatum e restituir-lhe-á o dote que trouxe
da casa de seu pai; (então) poderá abandoná-la.”
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139 –  “Se não há terhatum , dar-lhe-á uma mina de prata como indenização do
repúdio.”
140 – “Se é um muskênum , dar-lhe-á 1/3 de uma mina de prata.”
142 –  “Se uma mulher tomou aversão a seu esposo e disse-lhe: ‘Tu não terás
relações comigo.’, seu caso será examinado em seu distrito. Se ela se guarda e não
tem falta e o seu marido é um saidor e a despreza muito, essa mulher não tem culpa,
ela tomará o seu dote e irá para a casa de seu pai.”
143 – “Se ela não se guarda, mas é uma saidora, dilapida sua casa e depreza o seu
marido, lançarão esta mulher n’água.” Ou seja, caso os juízes da região
administrativa constatem que a mulher não quer ter relações sexuais com seu marido e
é adúltera, ela será reconhecida culpada e condenada à morte por afogamento.
Os três termos que indicam diferenciação social na Mesopotâmia de Hammurabi:
1 –  Awilum (cidadão/ homem livre): camada mais ampla da sociedade babilônica. Nela
eram recrutados os funcionários, os escribas, os sacerdotes, os comerciantes, os
 profissionais liberais, os trabalhadores rurais e grande parte dos militares. Havia awilum
detentor de riquezas e também pequenos camponeses.
196 – “Se um awilum destruiu o olho de um (outro) awilum, destruirão o seu olho.”
197 – “Se quebrou o osso de um awilum , quebrarão o seu osso.”
202 – “Se um awilum bateu na face de um awilum que lhe é superior, será açoitado
60 (vezes), na assembléia, com um chicote (de couro) de boi.” Aqui vemos a
diferenciação social no interior da esfera de awilum (cidadão).
2 –  Wardum (escravo) – representava a minoria da sociedade: eles eram obtidos em
campanhas militares, com a captura de prisioneiros de guerra ou em ‘razias’ realizadas nas
regiões montanhosas.
199 – “Se [um awilum] destruiu o olho do escravo de um awilum ou quebrou o
osso do escravo de um awilum , pesará a metade de seu preço.”
205 – “Se o escravo de um awilum bateu na face de um awilum , cortarão a sua
orelha.”
3 – Muskênum – grupo intermediário entre o awilum e o wardum. Pode ser considerado
um pobre/ homem livre com poucos recursos.
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198 – “Se [um awilum] destruiu o olho de um muskênum ou quebrou o osso de um


muskênum , pesará uma mina de prata.”

III – Religião e Poder na Mesopotâmia


Definição de religião, por Jean Bottéro: “conjunto de representações e de
comportamentos coletivos, que comandam todo um grupo social em suas relações com um
universo julgado como superior/ sobreposto ao nosso.” (BOTTÉRO, Jean. Mésopotamie.
 L’Écriture, la Raison et les Dieux. Paris: Gallimard, 1987, p. 364)
Bottéro faz uma comparação entre dois sentimentos próprios dos seres humanos: o
amor e o sentimento religioso. O amor é um sentimento ‘horizontal’, já o religioso é
‘vertical’ – isto é, não está voltado para ‘coisas’em torno de nós, mas acima de nós. Bottéro
explica que havia escribas e copistas (grupo seleto de estudiosos) – contudo (e esta é uma
hipótese do autor) isso não significa dizer que a religião mesopotâmica fosse uma criação
destes grupos. Bottéro acredita que não havia profunda diferença no comportamento
religioso da população, ou seja, havia uma religião comum que perpassava várias camadas
sociais na Mesopotâmia.
O mundo divino era imaginado como sendo ‘superior’ a tudo aqui abaixo e de alguma
forma ‘celeste’. Entre os nossos documentos, as declarações sublinham a transcendência
dos deuses; sua superioridade, sua preponderância absoluta sobre os homens; por sua
  potência e inteligência bem acima da nossa, e por suas vidas, desprovidas de nossas
misérias e de nossos males, e sem fim/ eternas: “ Os pensamentos dos deuses estão também
longe de nós/ Como o segredo/ abismo do céu:/ Penetrá-los é impossível para nós/ Inútil,
não podemos compreendê-los!” (Lambert, W.G. Babylonian Wisdom Literature, p. 76 s.:
82 s.)
Os deuses governam o universo e cada um seus elementos/ os reis também – 
religião e poder: “os deuses eram (...) os autores e governantes do universo e de cada um
de seus elementos, como os reis eram os proprietários e os responsáveis por seus
territórios, por cada uma de suas riquezas e por cada um de seus dependentes. Esta
equivalência, proporcional, está no centro (...) de toda a teologia mesopotâmica das
relações dos homens com o Sagrado. Ela dava um sentido válido à marcha do mundo e ao
destino das coisas e dos homens.” (p. 405)
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  No ‘Código de Hammurabi’ podemos também identificar esta relação entre o


sagrado e o poder, vejamos logo no começo da obra no Prólogo:
“Eu (sou) Hammurabi, o pastor, chamado por Enlil, aquele que acumula opulência e
 prosperidade, aquele que realiza todas as coisas para Nippur, DUR.NA.KI [“ponto de
 junção do céu e da terra” – era originalmente o nome da Ziggurat, isto é: da torre em
degraus do templo de Enlil em Nippur], guarda piedoso de É.KUR [“casa da montanha” – 
nome do templo de Enlil na cidade de Nippur], o rei eficiente que restaurou Eridu [antiga
cidade suméria, cerca de 11 km a sudoeste de Ur] em seu lugar, aquele que purifica o culto
de É.ABZU [nome sumério do templo do deus Ea na cidade de Eridu], conquistador (?) dos
quatro cantos da terra, aquele que magnífica o nome de Babel, que alegra o coração de
Marduk [deus ‘nacional’ de Babel], seu senhor, que todos os dias está a serviço da
É.SAG.ILA [“a casa cuja cabeça emerge” – era o nome do complexo de edifícios que
formava o templo do deus Marduk em Babel] (...)”
 No Epílogo: “Eu (sou) Hammurabi, o rei perfeito. Para com os cabeças-pretas
[homens/ ‘povo sumério’], que Enlil me deu de presente e dos quais Marduk me deu o
 pastoreio, não fui negligente, nem deixei cair os braços; eu lhes procurei sempre lugares de
 paz, resolvi dificuldades graves, fiz-lhes aparecer a luz. (...) Para que o forte não oprima o
fraco, para fazer justiça ao órfão e à viúva, para proclamar o direito do país em Babel (...)
escrevi minhas preciosas palavras em minha estela e coloquei-a diante de minha estátua de
rei da justiça.”
***

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